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Tão Perto e Tão Longe
Tão Perto e Tão Longe
Outubro/2010
2
1. Introdução
Este artigo objetiva analisar como as desigualdades de classe e de gênero se
revelam nas relações sócio-culturais das jovens moradoras de bairros e favelas da
Região Centro-Sul, em Belo Horizonte. Como será dito a seguir, essa é uma região
com alto grau de desigualdade social, pois nela estão bairros onde vivem pessoas
de classe média e alta, mas também aglomerados e favelas.
Capital do Estado de Minas Gerais, Belo Horizonte foi inaugurada em 1897.
Com planta elaborada pelo engenheiro Aarão Reis, a cidade foi planejada e
construída segundo a idéia positivista de ordem e progresso e em contraposição ao
Império, representado pela antiga capital, Ouro Preto. A zona urbana da cidade foi,
em seu início, circunscrita por uma grande avenida − a Contorno1 − e sua arquitetura
marcada por ruas e avenidas largas e sem curvas. Inspirada nos modelos da Paris
de Haussmann e da Washington de L’Enfant – as cidades então consideradas
modernas, belas e, sobretudo, higiênicas ou saneadas – o mapa da Belo Horizonte
circunscrita pela Avenida do Contorno é como que traçado com régua em uma
profusão de ruas paralelas e perpendiculares2 (Jayme, 2001).
A transferência da capital de Minas Gerais encontrava ressonância no projeto
de modernização do próprio país, que se deu de modo muito particular, pois a
monarquia e a escravatura foram abolidas; surgiram fábricas; o comércio se
1
Além da zona urbana, a planta de Aarão Reis propunha uma zona suburbana e uma zona rural que
estariam fora da Avenida do Contorno.
2
O que levou Carlos Drummond de Andrade a escrever os seguintes versos:
“Por que ruas tão largas?
Por que ruas tão retas?
Meu passo torto foi regulado pelos becos tortos de onde venho.
Não sei andar na vastidão simétrica implacável.
Cidade grande é isso?
3
3
Ver, por exemplo, Ianni, 1994 e Julião, 1992.
4
Barreiro, Centro-sul, Leste, Nordeste, Noroeste, Norte, Oeste, Pampulha e Venda Nova.
5
Ver Nahas (2002), Andrade, Jayme e Almeida (2004).
6
As principais são: Aglomerado da Serra (Marçola, Nossa Senhora Aparecida, Nossa Senhora da
Conceição, Nossa Senhora de Fátima, Novo São Lucas, Santana do Cafezal), Aglomerado Barragem
Santa Lúcia (Estrela, Santa Lúcia, Santa Rita de Cássia, também conhecido como Morro do
Papagaio), Pindura Saia, Acaba Mundo, Vila FUMEC, Vila Monte São José
http://portalpbh.pbh.gov.br/pbh Acesso em 25/05/2009.
7
Pesquisa financiada pelo CNPq, Edital 045/2005 Relações de Gênero, mulheres e feminismos.
4
8
A pesquisa foi submetida e aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Pontifícia Universidade
Católica de Minas Gerais.
6
9
As entrevistas em profundidade serão realizadas ainda neste ano de 2010.
10
Foram realizados dois grupos com 10 mulheres. Na verdade, sempre convidávamos por volta
desse número para participar, prevendo que muitas desistissem na hora, como, de fato, em geral
acontecia. Em duas vezes todas as meninas contatadas apareceram.
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sala e duas observadoras que ficavam em uma sala anexa11, assistindo e avaliando
o processo de condução do grupo. Optou-se por ter sempre mulheres tanto para
mediar a discussão, quanto para observar e monitorar a gravação, para que as
meninas se sentissem mais a vontade para conversar livremente sobre temas
sensíveis como sexualidade e relacionamentos.
O roteiro de discussão baseou-se nos resultados da pesquisa tipo survey. A
idéia foi exatamente aprofundar algumas respostas do questionário que só podem
ser ampliadas a partir de entrevistas abertas (mesmo grupais).
2. Gênero e Desigualdades
Gênero é entendido aqui como uma construção cultural que permite refletir
sobre o fato de que as diferenças entre os sexos são produzidas e possuem
historicidade, variando de acordo com contextos sociais. O conceito de gênero
expõe as assimetrias e as hierarquias dentro das relações entre homens e mulheres
ao incorporar a dimensão do poder (Scott, 1991). Historicamente, em muitas
sociedades, a disparidade no acesso ao poder entre homens e mulheres nas várias
esferas da vida social traz como conseqüência uma situação de maior subordinação
das mulheres tanto no âmbito público quanto no privado. De acordo com Neves
(2000) essas relações não implicam apenas diferenças, mas, assimetrias,
hierarquias, que expressam relações de poder dispersas e se constituem em redes
nas diferentes esferas da sociedade.
Por outro lado, preocupa-se aqui em pensar o gênero a partir de uma
perspectiva relacional, atentando tanto para a relação entre masculino e feminino
como para as diferenças nas constituições de masculinidades e feminilidades, de
acordo com outras distinções (melhor dizer, aqui, desigualdades), tais quais raça,
classe, etnicidade, orientação sexual. Suely Kofes (1994), por exemplo, em uma
reflexão sobre duas histórias de vida – de uma patroa e de uma empregada
doméstica –, percebe ambigüidades no que poderia se referir a uma identidade
feminina. Em termos de categorias, a patroa seria mulher e a empregada seria
empregada. Ou seja, não existiria, por parte da patroa, um “nós mulheres”. E aqui,
11
No início de cada grupo explicávamos às meninas o procedimento, além de mostrar que as
discussões seriam gravadas em áudio e que havia uma sala anexa onde ficariam as observadoras,
assistindo e monitorando a gravação. Os grupos sempre tiveram como moderadoras as
pesquisadoras e como observadoras uma pesquisadora e uma estagiária.
8
12
Hoje, esse quadro em que a mulher trabalha apenas para complementar a renda do marido ou
enquanto não está casada, não mais corresponde à realidade; porém, a mulher ainda ganha menos
que o homem para realizar as mesmas tarefas e sofre outras discriminações no mercado de trabalho.
9
“... quando eu trabalhei numa empresa, a mulher pediu pra eu tirar xerox, nem era do
meu departamento, aí ela me chamou e falou tipo assim: ‘ô pretinha tira um xerox pra
mim?’ (...). Ela chegou e, tipo, não passou de deboche, então quem tava perto dela
começou a rir, aí eu olhei assim e falei: ‘você sabe que eu posso denunciar você por
causa disso?’ (...) Eu sou ser humano da mesma maneira. Nos duas somos iguais.
Eu acho que não é pelo fato de cor que a gente tem que tratar uma pessoa diferente
não. Você vê uma pessoa preta, negra, se ela for branca não chega perto. Fica
13
naquela preconceito racial em cima dele” (Bianca , solteira sem filho, 18 anos).
“Ela (a policial) bate muito. (...) teve um dia que eu achei muito engraçado, eu saí da
Sacramento, ela parou pra menina, aí ela pergunta um negócio pra menina, a menina
responde, ela deu um tapa na menina que desmontou a menina toda. Aí eu continuei
descendo, tava indo trabalhar, peguei um ônibus e tal aí eu vi um carro da policia
saindo(...) quando eu cheguei no Santa Efigênia, eu (...) eu vi a mesma policial, ela
parou um grupinho de pessoas de boyzinhos, patricinhas, parou o grupinho, foi
revistar eles, gente, aquela mulher é educada demais! (risos), nem parecia que era a
mesma pessoa” (Marta, solteira sem filho, 19 anos).
13
Nome fictício. Os nomes de todas as jovens são fictícios.
10
“... mães, mulheres da comunidade da favela em geral, não têm outra escolha, se
não têm idade, não tem momento certo, pra poder escolher. Pra poder falar ‘ah agora
eu tô na época de trabalhar, de correr atrás’. Não, hoje você vê meninas de 15 anos
querendo correr atrás do serviço, você vê mães de 16 anos com filho de dois meses,
trabalhando e deixando o filho com a mãe. Entendeu?” (Melissa, solteira sem filho, 19
anos, moradora de favela).
“... ano passado eu tava trabalhando, parei de trabalhar esse ano eu tava trabalhando
em casa de família, aí não deu certo não, por que casa de família cobra de mais
nossa!” (Marta, solteira sem filho, 19 anos, moradora de favela)
11
“... saí de uma padaria, aí só apareceu padaria pra mim. A última vez eu tava lá no
Jaraguá, só que tava muito longe pra mim ir, ficava perigoso pra mim ir, aí... eu tinha
que sair, porque minha mãe ficava muito preocupada” (Flávia, solteira sem filho, 22
anos, moradora de favela).
“... o homem, o homem, por ele já tem o nome, homem, eu acho que, tipo assim, a
mulher devia trabalhar sim, tal, ter o seu dinheiro, mas ele é o chefe da casa, então
ele que tem que arcar com mais despesas entendeu? A mulher tem que ajudar sim,
mas não muito. O homem tem que ganhar mais dinheiro”. (Fernanda 22 anos, solteira
sem filhos)
“... eu acho que as despesas devem ser divididas entre o casal. Quando eu começar
trabalhar, vai ser dividido. Claro que eu vou tirar pra arrumar o cabelo, essas coisas.
Porque agora, quando eu vou pedir a ele, que é só ele que trabalha, ‘me dá um
dinheiro para fazer escova, unha’, é ruim, ele não dá de jeito nenhum. (ele pergunta)
Pra que? Depois que casa é assim. Você vai arrumar, você vai sair? Pra ficar dentro
de casa? Desse jeito: pra ficar dentro de casa?” (Priscila 19 anos, casada com filho).
12
“No meu casamento, meu marido não permitia fazer nada. Não podia estudar, não
podia trabalhar, mas em compensação ele me dava tudo. Entendeu? Uma bala que
eu precisava ele me dava. Mas também é muito por isso, entendeu? A gente fica
dependendo muito de homem. Por isso que eu falo, só depois que eu separei dele
que eu comecei a viver” (Aline, 20 anos, separada, um filho).
“Eu acho que já é costume, não obrigação, mas é costume que o homem sustente a
casa. Na minha opinião, acho que é assim: O que é meu é meu, e o que é dele é
nosso. O meu dinheiro pode ser pro bem estar dos meus filhos, mas manter casa,
água, luz, essas coisas, o grosso é ele” (Fernanda, 20 anos, solteira, sem filhos).
“A não ser que ele não tenha condições, aí tem que ser a mulher que sustenta, não tem
outro jeito” (Karina, 22 anos, solteira, sem filhos).
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TABELA 1
Percepções das adolescentes e mulheres jovens moradoras dos bairros e favelas da Região Centro-
Sul dos estereótipos de gênero acerca de trabalho e renda. Belo Horizonte, 2007.
Favela Classe Média
Não Não
Trabalho e renda concordo concordo
Concordo Discordo Concordo Discordo
nem nem
discordo discordo
O homem deve ser o
principal responsável pelas 50,1 10,6 39,2 5,1 10,6 84,3
despesas da casa
O homem sabe lidar melhor
27,5 7,6 65 4,8 11,6 83,6
com o dinheiro
A mulher só deve trabalhar
fora de casa se o 15,1 2,5 82,4 0,7 0,7 98,6
companheiro deixar
O ideal é que a mulher pare
de trabalhar quando tem 47,1 12,9 40,1 14,3 22,9 62,8
filhos pequenos
O dinheiro do meu parceiro
também é meu, mas o meu 23,2 4,2 72,5 5,8 6,8 87
dinheiro é só meu
Quem tem mais dinheiro
deve ter a palavra final nas 16 5,9 78,2 2,4 5,8 91,1
decisões da casa
Trabalhar fora de casa não é
importante para a mulher se 16 3,9 80,1 4,4 18,1 76,8
realizar
No final das contas, a vida
familiar fica prejudicada
45,4 10,4 44,3 19,1 22,5 57,7
quando a mulher tem um
emprego de tempo integral.
Crianças pequenas (até 5
anos) sofrem mais quando a 76,5 9 14,6 43,7 29,4 26,6
mãe trabalha
Uma mãe que trabalha fora
não consegue estabelecer
uma relação tão carinhosa e 49,3 10,6 40,1 11,9 17,4 70,6
dedicada com seus filhos
quanto uma mãe que não
Fonte: Pesquisa “Autonomia e vulnerabilidade na trajetória de vida de mulheres jovens das camadas
médias e populares na cidade de Belo Horizonte”.
TABELA 2
Opiniões das adolescentes e mulheres jovens moradoras dos bairros e das favelas da Região Centro-
Sul acerca do trabalho da mulher. Belo Horizonte, 2007.
Bairro Favela
A mulher deve Horário Meio Não Horário Meio Não
trabalhar integral expediente trabalhar integral expediente trabalhar
Depois de
casar e antes 65,0 33,1 2,0 88,0 9,6 2,4
de ter filhos
Quando tem
filho pequeno 13,2 63,3 23,0 21,2 68,6 7,8
(< 5 anos)
Depois que o
filho caçula
56,9 39,2 3,6 78,5 17,7 3,1
entrar na
escola
Depois que os
filhos 86,0 12,0 1,7 93,5 4,1 2,0
crescerem
Fonte: Pesquisa “Autonomia e vulnerabilidade na trajetória de vida de mulheres jovens das camadas
médias e populares na cidade de Belo Horizonte”.
das jovens. Aquino (2004) aponta que em contextos fortemente marcados por
desigualdades de gênero e de classe social, a maternidade se apresenta não
apenas como "destino", mas como fonte de reconhecimento social para as jovens
mulheres, que desprovidas de projetos educacionais e profissionais, seguem as
expectativas tradicionais em relação aos papéis de gênero14. É interessante como
nas discussões nos grupos focais muitas meninas afirmaram que engravidaram e
tiveram o primeiro filho porque quiseram15. Poliana, por exemplo, que teve filho com
16 anos, diz que engravidou “porque já tinha casado mesmo”. Joana, que tem 21
anos diz que teve porque “depois que você é mãe você amadurece mais, você toma
mais responsabilidade”. Por fim, vale citar a fala de Karina 22 anos:
“É, porque na verdade quando eu engravidei da Lina, eu já morava com o pai dela
(...). Porque eu tive uma primeira gravidez com ele, eu perdi um neném de sete
meses. Aí assim que eu engravidei a gente foi morar juntos. Perdi, passei um tempo
com ele e depois a gente... combinou de engravidar, mas apesar que eu estava
muito nova na época, com quatorze anos...”
“Minha prioridade é minha carreira. Se vier um cara, ótimo. Mas se falar: ‘Você tá
sem tempo pra mim’, um beijo e um abraço. Esse ano, assim, foi um ano que eu tirei
pra dedicar à minha vida mais profissionalmente” (Vânia, 21 anos).
14
Ver também Saraví, 2004.
15
É claro que muitas disseram que não planejaram o filho, que engravidaram “sem querer”, ou
porque “aconteceu”.
16
“Eu termino agora a faculdade e, então assim, esse ano passou muito rápido e até
chegar o final do ano vai passar mais rápido ainda. Então, eu tô bem focada nisso,
que é terminar a faculdade e já entrar pro mestrado e não dar bobeira. Então, o que
eu quero é isso”. (Letícia, 20 anos)
Como foi visto pela própria fala de algumas meninas residentes em favelas,
não se pode partir do pressuposto de que todo filho gerado por uma adolescente
seja indesejado ou não tenha sido planejado, nem mesmo, como Heilborn (2006)
observa, que a gravidez na adolescência seja necessariamente um problema social,
médico ou psicossocial. O aumento da incidência da gravidez na adolescência,
antes, deve ser visto como um fenômeno de determinação múltipla e complexa e de
caráter heterogêneo (Heilborn, 2006). Mas, do mesmo modo que sua incidência
varia entre classes sociais, pesquisas recentes apontam para o fato de que as
conseqüências da maternidade precoce são vividas de maneiras distintas por jovens
de diferentes classes sociais (Heilborn et al, 2006, Chacham et al, 2007).
No Brasil, as proporções de gravidez na adolescência nos estratos mais altos
têm os mesmos níveis dos encontrados em países desenvolvidos, os níveis dos
estratos mais pobres, por outro lado, assemelham-se aos de países pouco
desenvolvidos (Aquino et al, 2006). Na nossa pesquisa, observou-se o seguinte:
“Entre as moradoras dos bairros (...) apenas 4% declararam ter ficado grávida
alguma vez. Entre as que já engravidaram, apenas uma entrevistada ficou grávida
antes dos 20 anos. Já entre as moradoras das favelas (...) 57% já ficaram grávidas
pelo menos uma vez, sendo que entre essas, 80% tiveram a primeira gravidez antes
dos 20 anos” (Chacham ET al, 2008, p. 16-17).
“Parei de estudar porque eu engravidei, também por isso que eu parei. Aí depois eu
não voltei mais não. Aí eu to querendo voltar de novo, formar de uma vez já que eu
parei no primeiro...” (Maíra, 19 anos, solteira com filho. Moradora da favela)
“... eu estudei até o segundo e parei porque eu estava grávida e também porque
aumentou meu horário de trabalho. Eu trabalhava das 10 às 19 horas da noite. Eu
achava que ficava muito corrido pra sair pro colégio, aí vou voltar ano que vem
17
quando o bebe tiver maior e puder ficar com alguém....dar continuidade aos estudos
e fazer cursinhos” (Geórgia, 18 anos, casada, grávida, moradora da favela).
“... filho é um empecilho, é um impedimento! Por que... não tem quem ajude! Como
que deixa o neném novo e o mamá? Aí tem que tá com a mamadeira, aí larga o
peito. É difícil. Não é fácil não. Em matéria de filho, só a gente que paga o pato!”
(Milena, 17 anos, casada, dois filhos, moradora da favela).
“Sexo sem amor pra mulher é complicado, pro homem não. A mulher não sente
aquela falta de sexo” (Rita, 24 anos, solteira, sem filhos, moradora de favela).
“Piriguete é quando a mulher é safada demais. Que não liga! Tem o mesmo
sentimento do homem! Ela fica com um aqui, outro aí, outro aqui! (...) Homem quer
curtir, desculpa a palavra, homem quer comer mesmo” (Fernanda, 22 anos, solteira
sem filhos, residente em favela).
“Mulheres que tem muitos parceiros se desvalorizam. Eu acho que é sua consciência.
Eu já tive várias experiências disso aí, é uma coisa que eu me arrependo
profundamente de todos, menos assim de um ou outro, mas a maioria eu, se eu parar
pra pensar eu vou sentar e vou chorar, que é uma coisa que eu me arrependo muito”
(Isadora, 18 anos, solteira, sem filhos, residente em bairro).
18
TABELA 3
Percepções das adolescentes e mulheres jovens moradoras dos bairros e favelas da Região Centro-
Sul dos estereótipos de gênero acerca da sexualidade. Belo Horizonte, 2007.
Favela Classe Média
Não Não
Sexualidade concordo concordo
Concordo Discordo Concordo Discordo
nem nem
discordo discordo
Cabe ao homem iniciar a
39,8 16,8 43,4 16 21,2 62,5
relação sexual
Mulher que tem muitos
parceiros sexuais se 87,7 3,4 9 56,3 23,2 20,5
desvaloriza
É importante que a mulher
29,4 9 61,6 2,4 6,5 90,8
se case virgem
Evitar filhos é
responsabilidade da 50,1 10,4 39,5 8,2 12,6 78,8
mulher
Em um casal, é importante
que o homem tenha mais
31,1 15,7 53,2 5,1 16 78,8
experiência sexual do que
a mulher
A mulher que vai para a
cama logo no início da 42,9 14,3 42,9 13,3 30 56,7
relação é galinha
Tapa de amor não dói
17,1 8,4 74,5 3,1 5,5 91,5
Se a mulher provoca o
homem sexualmente, ela 54,9 4,2 33,9 12,8 24,9 62,5
tem que ir até o fim
Para a mulher, o amor é
mais importante do que o 84,9 5 9,5 54,9 25,9 18,4
sexo
A mulher casada deve
satisfazer o marido
20,2 6,4 73,4 2 5,1 92,8
sexualmente, mesmo que
não tenha vontade
Homens têm mais
necessidade de sexo do 66,1 10,6 23,2 33,1 22,9 44
que as mulheres
Fonte: Pesquisa “Autonomia e vulnerabilidade na trajetória de vida de mulheres jovens das camadas
médias e populares na cidade de Belo Horizonte”.
“Antigamente a mulher via o sexo para satisfazer o homem, hoje não, tem que
satisfazer os dois. Acho que seria egoísmo da parte dele, só ele. Por que só ele e eu
não?” (Isabel, 19 anos, solteira, sem filhos, residente em bairro)
19
“Num relacionamento acho que não tem que proibir não. Se proibir eu não aceito. Se
conversar é diferente, vamos tentar de alguma forma resolver. Se ele não gosta da
fulana, deixa eu sair com ela, ele não vai... Me impor não”. (Lucília, 20 anos, solteira,
sem filhos, moradora de bairro de classe média)
“Acho que se o homem não gosta a mulher deve evitar sair” (Rita, 24 anos, solteira,
sem filhos).
“Ele gosta muito de regular. Ele não deixa eu sair a noite sozinha. Se eu sair eu tenho
mais que levar os meninos. Ele fala assim: “se você levar os meninos ai você não vai
fazer nada”. (Jamile, 20 anos, casada, um filho)
“O meu tem ciúme até de roupa. Ele não gosta com saia curta. Eu não sei, saia eu
não posso usar, mas vestido eu posso usar. Ele é bobo”. (Kelly, 21 anos, casada, 2
filhos)
“... a vida da gente já não é a mesma, porque quando a gente é solteira a gente sai, a
gente chega a hora que quiser, agora quando a gente, vamos supor, vou ali e volto ta
amor? Não! Tem que ter hora pra chegar!” (Marina, 17 anos, casada, dois filhos,
moradora da favela).
20
TABELA 4
Percepções das adolescentes e mulheres jovens moradoras dos bairros e favelas da Região Centro-
Sul dos estereótipos de gênero. Belo Horizonte, 2007.
Favela Classe Média
Não Não
Gênero concordo concordo
Concordo Discordo Concordo Discordo
nem nem
discordo discordo
A mulher é naturalmente
86,6 8,1 5,3 64,5 20,8 14,7
mais vaidosa
Estudar é mais importante
para a vida do homem do 12,3 11,8 75,9 0,3 4,1 95,6
que para a mulher
Mulher que apanha e fica
com o parceiro é porque 56,0 11,5 32,5 25,9 17,7 56,3
gosta de apanhar
Ter ciúme da roupa e da
maquiagem é uma prova 18,2 7,3 74,5 1,7 11,9 86,0
de amor
A mulher deve se afastar
de amizades que 31,7 11,2 57,1 1,7 13,3 85,0
incomodem o companheiro
A mulher deve evitar sair
com amigos/turma se o 33,3 10,6 55,7 3,1 10,2 86,7
companheiro não deixar
Nas decisões importantes
da casa, é justo que o
24,1 8,7 67,2 1,0 4,8 94,2
homem tenha a última
palavra
Trabalhar é bom, mas o
que a maioria das mulheres
48,2 9,0 42,9 11,6 27,0 61,4
realmente quer é ter um lar
e filhos
O trabalho do homem é
ganhar dinheiro, o da
27,2 8,4 64,4 0,7 3,1 96,2
mulher é cuidar da casa e
da família
Ser dona de casa é tão
gratificante quanto 47,6 10,9 41,5 17,7 40,6 41,6
trabalhar fora
Fonte: Pesquisa “Autonomia e vulnerabilidade na trajetória de vida de mulheres jovens das camadas
médias e populares na cidade de Belo Horizonte”.
casos, a única alternativa disponível para meninas cuja conclusão do ensino médio,
ou até mesmo educação universitária e, conseqüentemente, uma melhor inserção
profissional tendem a estar fora de alcance (Aquino et al 2006).
Como foi apontado, o questionário aplicado na fase quantitativa da pesquisa
usou indicadores de autonomia16 para avaliar o impacto e a permanência das
desigualdades de gênero para além dos indicadores de renda, ocupação e
educação tradicionalmente utilizados nas análises sobre esse fenômeno. Esses
indicadores foram inspirados em Jejeebhoy17.
As análises dos dados quantitativos (Chacham et al, 2008) apontam para a
existência de uma relação estatisticamente significativa entre diferentes indicadores
de autonomia das mulheres e a prevalência de gravidez na adolescência tanto entre
as mulheres jovens residentes em bairros de classe média quanto em favelas. Os
níveis de autonomia das entrevistadas se mostraram diretamente relacionados ao
contexto de sua relação com o parceiro. A relação com um parceiro abusivo e
controlador diminui a capacidade das mulheres jovens negociarem o uso do
preservativo, aumentando sua vulnerabilidade à gravidez não planejada. Quanto
mais jovem a mulher, maior o efeito da falta de autonomia e o controle por parte do
parceiro na sua saúde sexual e reprodutiva. As relações de gênero desiguais
impactam negativamente a autonomia da mulher, sua probabilidade de usar
16
A autonomia é definida como "o nível de acesso aos, e o nível de controle da mulher sobre,
recursos materiais (incluindo comida, renda, terra e outras formas de riqueza) e recursos sociais
(incluindo conhecimento, poder e prestígio) dentro da família e da sociedade em geral" (Dixon, 1978
apud Jejeebhoy, 2000, p. 205).
17
A autora criou cinco indicações de autonomia e, a partir daí, cinco indicadores, quais sejam: 1.
Autoridade para tomar decisões econômicas: representada pela informação sobre a participação
da mulher nas decisões econômicas sobre compra de comida e de produtos de uso doméstico; de
bens de consumo duráveis domésticos e de bens de maior valor, como um carro. 2. Autoridade
relacionada com a tomada de decisões sobre os filhos: representada pela informação referente
ao poder de decisão da mulher sobre questões como disciplina; o que fazer se a criança adoece; até
que idade os filhos irão estudar e que tipo de escola irão freqüentar. 3. Mobilidade: se relaciona aos
lugares onde a mulher pode ir sozinha, sem pedir autorização do marido como centros de saúde,
centros comunitários, casa de parentes e amigos, festividades públicas e cidades próximas. Outros
aspectos relacionados: se a mulher tem chave da casa e hora marcada para sair/voltar e se pode sair
com a roupa/maquiagem que quiser. 4. Acesso e controle de recursos econômicos: envolve o
acesso a trabalho remunerado; ser capaz de controlar a utilização do próprio salário; se não trabalha
fora ter dinheiro para gastos domésticos e pessoais, se é livre para comprar objetos de uso pessoal e
presentes e se algum bem da família está em seu nome e se tem controle sobre esse recurso. 5.
Dimensões da autonomia em relação à sexualidade: se a mulher/jovem pode com segurança
determinar quando e com quem manterá relações sexuais; se pode fazê-lo sem medo de violência,
infecção ou gravidezes não desejadas; se pode obter serviços relativos à saúde sexual e reprodutiva
se desejar/necessitar, com garantia de confidencialidade (Jejeebhoy, 2000, p. 215).
22
Referências
CHACHAM, Alessandra S., MAIA, Mônica Bara, GRECO, Marília, SILVA, Ana Paula,
GRECO, Dirceu B. Autonomy and susceptibility to HIV/AIDS among young women
living in a slum in Belo Horizonte, Brazil. AIDS Care. V.19, S12 - S22, 2007.
DAS GUPTA, Monica. Death Clustering, Mother’s Education and the Determinants of
Child Mortality in Rural Punjab, India, Population Studies 44: 489-505, 1999.
NAHAS, Maria Inês. (2002) Mapeando a exclusão social em Belo Horizonte In:
http://www.pucminas.br/idhs
NETO, O. C.; MOREIRA, M.R.; SUCENA, L.F.M. Grupos Focais e Pesquisa Social
Qualitativa: o debate orientado como técnica de investigação. Trabalho apresentado
no XIII Encontro da Associação Brasileira de Estudos Populacionais, realizado em
Ouro Preto, Minas Gerais, Brasil de 4 a 8 de novembro de 2002.