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apoio pastoral

John Wesley “o equilibrador”?


Surpresas no subsolo conceitual do metodismo nativo

Helmut Renders

panha. Não se tratava de


mera questão de “prefe-
rência religiosa pessoal”,
mas de “segurança naci-
onal”. Contrariar isso sig-
nificava arriscar a própria
vida. O ideal do equilíbrio
representava, certamente,
um progresso; porém,
seus benefícios se limita-
ram às classes estabe-
lecidas.

Os conceitos
em Wesley

Em Wesley há um uso
teológico, político, filosó-
fico e medicinal do con-
ceito equilíbrio.

S
Quanto à saúde, Wes-
ou um metodista Segundo Hipócrates, um 1559 (o conceito foi de- ley segue Hipócrates e in-
pentecostal equili- desequilíbrio ou uma de- senvolvido por Richard terpreta as doenças como
brado – disse um sarmonia corporal cor- Hooker). Depois, porém, desequilíbrio (disorder).
aluno do curso de Teolo- responde a uma doença. o país passou por várias Assim, a humildade não
gia em Porto Velho. Isso No século XVI e XVII, tentativas de implantar o destrói, mas equilibra as
motivou muito riso, inclu- em Veneza aplicava-se o cuius regio, eius religio (tal afeições, não acaba com o
sive o do próprio aluno. conceito à política. Na o governo, tal a religião), zelo por Deus, mas equili-
Mas, rimos do que? O época, toda Europa ad- resultando na guerra civil bra raiva e medo (Sermão
grupo achava que a idéia mirou o exemplo. (Oliver Cromwell). Final- 22, I. 3). Em termos filo-
de um pentecostal equili- mente a via media tor- sóficos, ele procurava um
Na época do caminho entre Aristóteles
brado seria uma contra- nou-se consenso majori-
metodismo
dição? Desconfiavam do tário na revolução glorio- e Platão.
nascente
equilíbrio da sua pessoa? sa em 1688/89. Como Quanto ao uso políti-
Ou expressavam, pelo O conceito tinha sido maiores ameaças a esse co, encontra-se mais do
riso, uma crítica indireta a introduzido na Inglaterra equilíbrio de poderes que 50 vezes a tradução
um princípio, quase sagra- no século XVII para a eram considerados o en- de balance por balança
do, da teologia metodista análise da relação entre tusiasmo – sinônimo de (oito vezes, balança do san-
atual: a ênfase no “equilí- “poder, propriedade e “fanatismo” – e o catoli- tuário) e balanço (três ve-
brio”? comércio”. O respectivo cismo – suspeito por suas zes, balanço da razão). Ele
O conceito de equilí- conceito teológi- ligações com considerava o mundo po-
brio (no inglês, balance) é co, via media, apa- Roma e grandes lítico desequilibrado, visí-
antigo e ganhou significa- receu no Acordo Estudos nações como a vel para cada um que fi-
do antes do cristianismo. Elizabetano de Wesleyanos França e a Es- zesse um balanço crítico.

Ano 12, n o 31, junho/agosto de 2004


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Mesmo assim, não ro- autonomistas do movi- de um desejado consen- conceito equilíbrio com
mantizou a pobreza, nem mento e desafiou o seu so eclesiástico. O segundo muita cautela, para não
santificou os pobres pelo desejo de copiar as clas- grupo mantém um olhar promover nem o status
mero fato de serem po- ses socialmente bem inte- crítico em relação ao Es- quo e nem o fanatismo
bres. Uma leitura favorá- gradas por meio do enri- tado neoliberal (menos, destruidor. Assim, prefe-
vel de um equilíbrio em quecimento. Promoveu a porém, aos Estados soci- riu o conceito reforma.
relação à política encon- alistas; nessa visão, Cuba
ênfase na experiência religio- Uma igreja sempre se refor-
tra-se somente em 1790, sa a partir do grupo como pode se tornar um paraí- mando promove uma re-
quando Wesley aprova um sinal de uma espirituali- so); no primeiro, o olhar novação pessoal e ins-
Tratado sobre o equilíbrio do dade viva e comprometi- crítico se volta especial- titucional, denunciando o
poder na Europa de um “rei da com a vida em sua ple- mente à Igreja Católica e desequilíbrio de um mun-
sueco” (Diário 19/11/ nitude. A experiência des-aos Estados socialistas do-de-cabeça-para-baixo,
1790). sa nova vida deu força (menos, porém, aos Es- procurando alianças com
Quanto ao uso teoló- para não se encurvar di- tados neoliberais; e os qualquer pessoa de boa
gico, Wesley criticava, ini- EUA, de repente, são a
ante do status quo. A expe- vontade, mas com um
cialmente, que os falsos referência maior em tu-
riência dessa nova vida ali- olhar crítico. Tanto o uso
profetas pregavam a via mentou o sonho de refor- do). Mas, existiriam, em como a rejeição absoluta
média (Sermão 32 II.5). qualquer Estado, mera-
mar a nação e a igreja. Ele do conceito equilíbrio, eu
Entretanto, em dois ser- desafiou o status quo pro-mente grupos hegemôni- receio, podem denunciar
mões mais tardios (70 movido pelas classes do- cos ou fraternais e demo- a tentativa de manter ou
II.10 e 83 I.3) e em cartas minantes como “equilí- cráticos? O perigo do dis- de alcançar um status quo,
a partir de 1760, Wesley brio” e a um entusiasmo curso profético está na ou seja, o poder. Profetas
diz: “Siga a via média”. No militante (puritano e de- promoção de separações equilibrados são raros,
diário (17/12/1764) co- pois parcialmente meto- institucionais; o discurso a mas devem ser distingui-
menta: “Como é difícil dista) que se ofereceu favor do equilíbrio não ra- dos de fanáticos destru-
manter a via media, não crer como a única terapia para ramente acaba privilegian- tivos. Os verdadeiros re-
demais, não crer de me- os males sociais e espiri-do a manutenção institu- velam-se como servos, re-
nos”. Wesley acolhe o tuais (lema: “nenhum bis- cional ou a restauração de jeitando não somente os
conceito teológico depois po, nenhum rei”). instituições temporalmen- poderosos, mas também
da crise entusiasta das so- te fragilizadas. Como posições de poder para si
ciedades metodistas de O tempo de hoje Clory Trindade de Olivei- mesmos. Quanto ao an-
Londres (1760-1763). ra mostra, o metodismo glicanismo, isso vale, cer-
Apesar do perigo de Usa-se hoje denomi- caiu nisso freqüentemente. tamente, para John Wesley.
ser classificado como “en- nar “ecumênico” (como (Aspectos políticos e ide-
tusiasta”, John Wesley des- pro-católico) ou “pente- ológicos do metodismo Helmut Renders é missionário
metodista, doutorando em Ciênci-
tacava a importância da costal” (como entusiasta histórico. Luta pela vida e a as da Religião e coordenador do
CEW (Centro de Estudos Wes-
experiência religiosa; po- fanático) para designar o evangelização, 1985). leyanos) na Faculdade de Teologia
rém, rejeitou tendências outro como alguém fora Wesley, então, usou o da Igreja Metodista / Umesp.

Estudos
Wesleyanos
Ano 12, n o 31, junho/agosto de 2004

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