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Metodologia Científica.

Trabalho didático.
Atividade assíncrona de 04 de novembro de 2021.
Antonio Miguel Pereira Junior
Introdução.
O presente trabalho busca analisar e comparar dois textos, um de Nietzsche
outro de Hessen, e um vídeo que apresenta uma entrevista com o filosófo
Giacóia Jr, da UNICAMP. As três obras foram disponibilizadas na disciplina
Metodologia Científica, do Instituto de Psicologia da UFAL.
Descrição das obras analisadas.
A primeira é o filme “Nietzsche e o pensamento científico”, no qual é
entrevistado o filósofo Oswaldo Giacóia Jr.
O entrevistado acredita que Nietzsche é inegavelmente um dos mais influentes
filósofos contemporâneos, em especial em razão de sua visão de que a ciência
passa a integrar uma parcela fundamental do pensamento contemporâneo,
ainda que ele não seja um filósofo da ciência. Nietzsche captou os momentos
em gestação, responsáveis pelos rumos futuros da civilização ocidental.
Ao trazer o problema da Morte de Deus, Niestzsche coloca que as referências
vigentes anteriormente, de base dogmática e religiosa, se transformam em
referências científicas, essencialmente mutáveis, o que causa uma ruptura nas
bases de sustentação e orientação no pensamento ocidental. Os valores
herdados da religião são secularizados e transformados em valores morais.
Esses valores são colocados sob suspeita quando analisados pela ótica da
lógica e da ciência.
Para o autor, Nietzsche está inscrito na tendência de autodeterminação da
humanidade herdada das luzes ao mesmo tempo em que reflete sobre os
dilemas e impasses que decorrem de uma autodeterminação absoluta. Para
Nietzsche a ciência (formais e da natureza) tem um pensamento rigoroso,
metódico, capaz de limitar os arroubos da metafísica, e o pensamento científico
pode servir de modelo mas é capaz de trazer em si uma pretensão delirante,
no sentido de que suas hipóteses correspondem a uma estrutura ontológica do
real, o que é nefasto.
Após essas considerações, o entrevistado deriva a discussão para a postura de
Kant e de Hume, e sua possível influência nas ideias de Nietzsche. Ele
esclarece que Nietzsche, embora ligado a essa tradição, a leva ao paroxismo,
ao questionar a própria existência de uma natureza humana e de um a priori
rigoroso, entendendo que ambos dependem do contexto histórico, social e
linguístico.
Para Nietzsche, a ciência formal e da natureza oferece um modelo de
pensamento rigoroso, contraposto à filosofia tradicional, e ele deseja trazer
esse modelo para a filosofia. Em segundo lugar, diferentemente da metafísica,
o conhecimento científico é a forma moderna mais eficiente e mais evidente da
vontade de poder. Entretanto, ao mesmo tempo que a ciência torna a
humanidade senhora da natureza, ela nos reduz à escravidão da dependência
dos produtos que nós mesmos construímos, escravos de um tipo de dinâmica e
de lógica que nos transforma em objeto, dominados por esse processo.
O entrevistado faz novamente nova análise em paralelo, acerca da postura de
Boltzman sobre essas questões. Para Boltzman, a ciência não se opõe ao ideal
ascético, e se coloca como uma derivação dogmática do velho ideal metafísico.
A consequência dessas mudanças é o niilismo, a sensação de vazio que passa
a fundamentar o pensamento ocidental.
Nietzsche anteviu as questões que no século vinte se colocaram como mais
dramáticas, no plano da política, da educação, da arte. Em especial na política,
Nietzsche se coloca como fundamental em certas ideologias totalitárias, sendo
reivindicado tanto pela direita como pela esquerda totalitários. Além disso
Nietzsche prepara questões que se apresentam após o século vinte, como
transumanismo e o pós humanismo.
O entrevistado analisa ainda a possível influência de Nietzsche sobre Freud,
acreditando que ambos refletem sobre problemas da psique humana, do
processo de hominização e a problemática deles decorrentes. Entretanto, há
uma diferença de registro entre os dois pensamentos, decorrente do fato de
Nietzsche ser um filósofo e Freud ser um médico. Existe uma aproximação
possível, sem que seja possível fazer a redução das duas contribuições em um
único registro, em razão das diferenças fundamentais entre ambos.
O entrevistado acredita que permanecemos sob a sombra de Deus, tendo sido
substituídos alguns dos dogmas religiosos vigentes anteriormente por figuras
do ideal que norteia nossa vida social, como a dignidade da pessoa humana,
os direitos humanos e outras substituições dogmáticas que assumem o papel
dessa sombra.
Muito do que hoje se fala sobre robótica e inteligência social passa pela utopia
do absoluto, pela recriação, redenção, sonho de eternidade, imortalidade, que
reforçam a persistência do conceito da sombra do Deus morto. Para Nietzsche,
a crença dogmática é o principal indicativo da ignorância.
No texto de Hessen, sobre o conhecimento, este é analisado como uma
relação entre sujeito e objeto. Nessa relação, sujeito e objeto permanecem
separados, mas se estabelece uma relação recíproca, de apreensão do objeto
pelo sujeito. O sujeito é alterado pela relação cognoscitiva com o objeto. O
objeto, por sua vez, permanece inalterado. Essa alteração do sujeito se dá pelo
surgimento de uma “figura”, que representa as determinações, que é uma
espécie de imagem do objeto. Em face dessa modificação, o conhecimento
pode ser definido como uma determinação do sujeito pelo objeto.
Os objetos são divididos entre reais e ideais. Para o autor, os objetos reais são
dados ou inferidos a partir da experiência, externa ou interna. Os ideais, por
sua vez, são meramente pensados, não tendo assim uma existência própria.
A relação de conhecimento não é reversível, mas uma ação do sujeito sobre o
objeto representa uma reversão da relação entre ambos. Assim, o autor conclui
que uma ação representa uma estrutura oposta ao conhecimento.
O conhecimento só é efetivo se verdadeiro. A verdade consiste na
concordância da “figura” com o objeto. Assim, o conceito de verdade é
relacional, exprimindo essa concordância. O conceito de verdade obtido dessa
consideração é chamado de conceito transcendente de verdade, pois tem
como pressuposto a transcendência do objeto.
Entretanto, é necessário chegar à certeza de que esse conhecimento é
verdadeiro. Tal certeza é o critério da verdade. Entretanto, os achados
fenomenológicos não dizem sobre a existência desse critério, que pertence ao
fenômeno do conhecimento.
O conhecimento, assim, tem três características principais: sujeito, “imagem” e
objeto. Cada uma dessas características pertence a uma esfera,
respectivamente: psicológica, lógica e ontológica. O conhecimento como
processo psicológico no sujeito se torna objeto da psicologia. Uma vez que a
psicologia se limita à gênese e curso dos processos psicológicos, sem analisar
a verdade do conhecimento no sujeito, ela não pode solucionar as questões
referentes à essência do conhecimento humano.
Com a “imagem”, o conhecimento pertence à esfera lógica. Essa imagem é
uma estrutura lógica, assim é objeto da lógica. Entretanto, a lógica também não
é capaz de resolver esse problema do conhecimento.
Na esfera ontológica o mesmo raciocínio é aplicado. A conclusão é que o
problema do conhecimento é algo completamente peculiar e independente,
surgindo, assim, a teoria do conhecimento, cuja tarefa é buscar uma explicação
e interpretação filosófica do conhecimento. O autor passa, então, a apresentar
as principais soluções dadas ao problema do conhecimento na história da
filosofia.
No dogmatismo, o problema do conhecimento não chega a ser levantado.
Possibilidade e realidade do contato entre sujeito e objeto são pura e
simplesmente pressupostas. Somente a partir dos sofistas o conhecimento
passa a ser percebido como problema.
No ceticismo, a possibilidade de contato entre sujeito e objeto é contestada. O
sujeito não é capaz de apreender o objeto, assim o conhecimento, nesse
sentido, é impossível. A verdade não existe para os céticos, embora algumas
correntes admitam a verossimilhança.
O subjetivismo e o relativismo limitam a validade da verdade. Para eles, não há
verdade universalmente válida. O subjetivismo restringe a validade da verdade
ao sujeito que conhece e julga. Já o relativismo enfatiza a dependência que o
conhecimento humano tem de fatores externos. O subjetivismo, na antiguidade,
é representado pelos sofistas, e persiste até os dias de hoje no psicologismo.
O pragmatismo também abandona o conceito de verdade como concordância
entre pensamento e ser, colocando outro conceito de verdade em seu lugar.
Nele, verdade é o mesmo que útil, valioso, promotor da vida. Nietzsche
encontra-se entre os pragmáticos. Para ele “A verdade não é um valor teórico,
mas uma expressão para a utilidade, para a função do juízo que é
conservadora de vida e servidora da vontade de poder”. O erro fundamental do
pragmatismo consiste em não considerar a esfera lógica.
A síntese do dogmatismo e do ceticismo (considerado também em suas formas
subjetivismo, relativismo e pragmatismo) seria o criticismo, que se aproxima do
ceticismo, ao juntar a confiança geral no conhecimento humano a uma
desconfiança com relação a qualquer conhecimento determinado. Seus germes
são encontrados onde houver reflexões epistemológicas. O criticismo é
fundado efetivamente por Kant. O criticismo parte do pressuposto de que o
conhecimento é possível, mas Hegel tem objeções à teoria do conhecimento.
O texto de Nietzsche aborda o conhecimento como produto da atividade
humana. Nietzsche diz que o conhecimento só é importante para a
humanidade, não havendo indícios de sua importância fora da esfera humana.
Prossegue dizendo que o intelecto humano tem como característica ser dado à
ilusão, pois a dissimulação é meio de conservação dos indivíduos mais fracos e
menos robustos, atingindo no homem seu ponto culminante. Assim, seria
inconcebível o aparecimento, nos homens, de um instinto de verdade honesto
e puro. Por outro lado, a utilização das ilusões no dia a dia permitiria, ao
homem, a convivência em sociedade. O desejo da verdade decorre apenas dos
casos em que a ilusão gera algum prejuízo.
Dessa forma, para Nietzsche, o conhecimento é impossível, pois não está na
natureza do homem buscar a verdade. Os conceitos desenvolvidos no âmbito
do conhecimento não estão revestidos de verdade, são apenas ilusões com
aparência de verdade, que ele chama de metáforas.
A percepção da natureza depende, para Nietzsche, da natureza do próprio
observador. Espécies diferentes terão diferentes percepções, o que retira a
“verdade” da percepção da natureza. Também essa percepção é mediada, nos
homens, pela linguagem. Linguagens diferentes dão origem a percepções
distintas.
A criação de metáforas é inerente ao homem, portanto. O instinto humano é
voltado a elas, o que faz com que não esteja submetido à verdade. Esta só se
manifesta quando conveniente, por meio do instinto disciplinado. Para escapar
a essa disciplina o instinto busca novas formas de se manifestar, como o mito e
a arte, e se deixa enganar por eles, conscientemente.
Conclusão.
O texto de Nietzsche pode ser lido à luz das considerações tecidas por Giacóia
e por Hessen.
Em relação a Giacóia, percebe-se que Niestzsche alinha-se com as fugas da
realidade comuns hoje em dia: nunca antes o homem dispôs de tantos meios
para se alienar e se iludir num mundo cada vez mais fugidio. O rapsodo de
Nietzsche se transformou em videogames imersivos, em seriados da Netflix,
em simulações de batalhas com airsoft e paintball, em eventos de cosplay, nos
quais qualquer um assume seu super-herói como persona. Nesse sentido,
Nietzsche é estranhamente contemporâneo, pois analisou com grande precisão
a necessidade humana de escapar à realidade.
Pelo viés de Hesse, é verificável a desconfiança de Nietzsche com a
possibilidade e validade de um real conhecimento, em virtude dessa
necessidade humana de fugir ao real, refugiando-se no imaginário como
estratégia de sobrevivência.
Entretanto, não vejo contradição entre a necessidade humana de fugir da
realidade e a capacidade de criar conhecimento. A estratégia adotada por
Nietzsche de contrapor ambos, entendendo como impossível o conhecimento
verdadeiro, me parece apenas um recurso argumentativo. Como Hessen
pontuou, é possível trabalhar uma teoria do conhecimento apesar das
limitações da humanidade.
Questões:
1. Quais filósofos contemporâneos trabalham a teoria do conhecimento,
além/após Hessen? Hessen apresentou apenas as limitações das
teorias filosóficas na análise do conhecimento, sem apresentar uma
linha contemporânea que supere essas limitações.
2. A filosofia de Nietzsche ainda é válida para compreender o mundo
moderno, em especial o pensamento científico, ou tornou-se
ultrapassada frente às limitações dele em aceitar a teoria do
conhecimento?
3. Kant e Hegel poderiam fornecer alternativas à análise da produção
científica por Nietzsche?

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