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POR UM NOVO CURSO DE PEDAGOGIA


MAGNO DE AGUIAR MARANHAO
Com a definição das Diretrizes Curriculares Nacionais para a carreira de
pedagogo, publicadas no Diário Oficial da União, em maio, o curso superior de Pedagogia
retoma seu papel como local de formação dos professores que atuam e atuarão na educação
básica, essencialmente em creches, em pré-escolas, nas primeiras quatro séries do ensino
fundamental e nos cursos normais de nível médio.
As discussões sobre a urgência de um preparo mais aprofundado e consistente
destes professores tomaram impulso, como sabemos, após a promulgação da Lei 9.394/96 –
Lei de Diretrizes e Bases do Ensino –, que preconiza a sua formação em nível superior, em
um novo tipo de curso a ser oferecido por Institutos Superiores de Educação (Artigo 62: “A
formação de docentes para atuar na educação básica far-se-á em nível superior, em curso de
licenciatura, de graduação plena, em universidades e institutos superiores de educação,
admitida, como formação mínima para o exercício do magistério na educação infantil e nas
quatro primeiras séries do ensino fundamental, a oferecida em nível médio, na modalidade
Normal”).
Estes institutos seriam uma evolução dos cursos normais de nível médio – uma
evolução natural e necessária, tendo em vista as transformações sociais que alteraram o
nosso modo de ver e fazer a educação, os modernos estudos nesta área, a atual diversidade
e complexidade de métodos e concepções pedagógicas e, enfim, as novas exigências
requeridas para o bom exercício do magistério, segundo os princípios da LDB e das DCNs
para a educação básica, elaboradas no final da década passada, segundo as quais as escolas
devem proporcionar aos estudantes um desenvolvimento pleno (intelectual, social,
cognitivo), o que inclui, além da transmissão de conteúdos das disciplinas obrigatórias, a
formação para a vida, para o trabalho e para a prática da cidadania. Este processo educativo
prevê um ensino baseado e voltado para a realidade dos alunos (ou seja, deve-se lecionar
respeitando-se a pluralidade étnica, social e cultural do país), permeado por temas
transversais (assuntos de interesse social) e a adoção da interdisciplinaridade.
Temos, assim, que não é possível engessar o modus operandi dos professores.
Para que possam atuar segundo essas recomendações, precisam, eles próprios, ter um
conhecimento profundo de sua clientela e capacidade de adaptar a esta os currículos e todo
o cotidiano escolar; eles precisam estar aptos a opinar sobre o projeto pedagógico do seu
estabelecimento e a oferecer soluções para desafios que surgirem no dia a dia. Eles
precisam, além de tudo, estar antenados com a sociedade, com a mídia, com as tecnologias
da informação e tudo o que interfere com a educação de seus alunos “fora” do espaço
escolar. Não se concebe, portanto, um professor desatualizado, ou incapaz de tomar
iniciativas e responder por elas. Quem ensina deve estar sempre aprendendo. Os institutos
superiores de educação, por isso, concentrariam também cursos de formação continuada,
aperfeiçoamento, extensão, especialização etc.
A proposta da LDB de criar grandes centros de estudos educacionais teria
agradado em cheio, se não ameaçasse o prestígio e a própria razão de ser dos cursos de
Pedagogia. Estes não foram excluídos pela Lei, mas ela apenas lhes faz uma menção,
quando diz que (Artigo 64) “a formação de profissionais de educação para administração,
planejamento, inspeção, supervisão e orientação educacional para a educação básica será
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feita em cursos de graduação em Pedagogia ou em nível de pós-graduação, a critério da


instituição de ensino (...) garantida a base comum nacional”.
Contudo, a Lei também diz (Parágrafo Único, Inciso 6, Artigo 67) que “a
experiência docente é pré-requisito para o exercício profissional de quaisquer outras
funções de magistério (...)”. Ora, que experiência docente, ainda que na forma de um
estágio, os pedagogos poderiam ter, se a docência se tornou assunto dos institutos
superiores de educação? Afinal, o que é um pedagogo? Um teórico da educação (e
lembremos que o pedagogo já foi definido em dicionário justamente como o “prático da
educação”, não o teórico)? Um especialista em gestão, supervisão, orientação, sem noção
acerca do que um professor enfrenta em frente a uma turma?
Para resolver o impasse, foi constituída em 2003 uma Comissão Bicameral
dentro do Conselho Nacional de Educação, da qual participaram membros tanto da Câmara
de Educação Superior quanto da Câmara de Educação Básica, a fim de definir, de uma vez,
as Diretrizes Curriculares Nacionais – as atribuições e os objetivos – da graduação em
Pedagogia, com a contribuição de profissionais do setor, da comunidade acadêmica,
representantes de sindicatos e estudantes da área. As opiniões foram diversas, por vezes
conflitantes, mas, finalmente, em 2005, o primeiro Projeto de Resolução foi submetido à
consulta pública durante oito meses, tendo sido alvo de uma enxurrada de sugestões. Em
dezembro de 2005, foram aprovadas, por meio do Parecer CNE/CP nº 5/2005, as Diretrizes
Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Pedagogia, Licenciatura, encaminhado
para homologação em 20/12/2005, mas devolvido ao CNE após ser examinado pelo
Ministro Fernando Haddad.
O problema foi detectado no Artigo 14 do Parecer original – “A formação dos
demais profissionais de educação (orientadores, coordenadores, supervisores etc.) nos
termos do Artigo 64 da Lei nº 9.394/96, será realizada em cursos de pós-graduação,
especialmente estruturados para este fim, abertos a todos os licenciados. Parágrafo único.
Os cursos de pós-graduação poderão ser disciplinados pelos respectivos sistemas de ensino,
nos termos do Artigo 67 da Lei nº 9.394/96”.
Já na resolução CNE/CP n.1, de 15 de maio de 2006, o Artigo 14 vem com a
seguinte redação: “A Licenciatura em Pedagogia, nos termos dos Pareceres CNE/CP nos
5/2005 e 3/2006 e desta Resolução, assegura a formação de profissionais da educação
prevista no Artigo 64, em conformidade com o inciso VIII do art. 3º da Lei nº 9.394/96.
Esta formação profissional também poderá ser realizada em cursos de pós-graduação,
especialmente estruturados para este fim e abertos a todos os licenciados.
§ 2º Os cursos de pós-graduação indicados no § 1º deste artigo poderão ser
complementarmente disciplinados pelos respectivos sistemas de ensino, nos termos do
parágrafo único do Artigo 67 da Lei nº 9.394/96”.
Com isto, a atual gestão do MEC corrigiu uma contradição, ou um mal-
entendido com relação à LDB, e assegurou a formação dos professores da educação infantil
e do primeiro ciclo do ensino fundamental nos cursos de Pedagogia, que sofriam nesta
última década com a descaracterização e a falta de rumo. Mas, com isto, ficou a dúvida:
qual o futuro dos cursos normais superiores? Quem optaria por um curso normal nos
Institutos Superiores de Educação se pode obter uma formação bem mais abrangente, e
mais promissora, na graduação em Pedagogia?
A própria Resolução recém publicada pelo CNE confirma, de certo modo, o
esvaziamento dos cursos normais, ao estabelecer, no Artigo 11, que as IES “que mantêm
cursos autorizados como Normal Superior e que pretenderem a transformação em curso de
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Pedagogia (grifo meu) e as instituições que já oferecem cursos de Pedagogia deverão


elaborar novo projeto pedagógico, obedecendo ao contido nesta Resolução.
§ 1º O novo projeto pedagógico deverá ser protocolado no órgão competente do
respectivo sistema ensino, no prazo máximo de 1 (um) ano, a contar da data da
publicação desta Resolução.
§ 2º O novo projeto pedagógico alcançará todos os alunos que iniciarem seu
curso a partir do processo seletivo seguinte ao período letivo em que for implantado.
§ 3º As instituições poderão optar por introduzir alterações decorrentes do
novo
projeto pedagógico para as turmas em andamento, respeitando-se o interesse e
direitos dos alunos matriculados.
§ 4º As instituições poderão optar por manter inalterado seu projeto pedagógico
para as turmas em andamento, mantendo-se todas as características correspondentes ao
estabelecido”.
E o curso de Pedagogia retoma seu prestígio e atribuições: “As Diretrizes
Curriculares para o curso de Pedagogia aplicam-se à formação inicial para o exercício da
docência na Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental, nos cursos de
Ensino Médio, na modalidade Normal, e em cursos de Educação Profissional na área de
serviços e apoio escolar, bem como em outras áreas nas quais sejam previstos
conhecimentos pedagógicos” (Artigo 2).
A propósito, vale recordar, brevemente, a trajetória, no Brasil, do curso de
Pedagogia (regulamentado pelo Decreto-Lei nº 1.190, de 1939), que nasceu junto com as
licenciaturas, quando da organização da Faculdade Nacional de Filosofia, da Universidade
do Brasil. Estes cursos ofereciam, em três anos, a formação no bacharelado. Com mais um
ano de estudos sobre didática, os bacharéis adquiriam o título de licenciados e o direito de
lecionar. O de Pedagogia visava à preparação de “técnicos em educação”, isto é,
professores do nível primário, já diplomados pelos cursos normais de nível médio e com
experiência docente, que queriam expandir seus conhecimentos com a finalidade de se
candidatarem à função de diretores, inspetores, supervisores, orientadores educacionais,
pesquisadores do MEC, secretarias estaduais e municipais. A licenciatura em Pedagogia,
que foi regulamentada pelo Parecer nº 292/1962 do Conselho Federal de Educação, previa
três disciplinas: Psicologia da Educação, Elementos de Administração Escolar, Didática e
Prática de Ensino.
Em 1969, em virtude da Lei 5.540/68, conhecida como a Reforma Universitária
de 1968, o curso de Pedagogia passou por uma divisão, dedicando-se, de um lado, ao
estudo das teorias da educação e, de outro, às habilitações mais específicas (Supervisão,
Orientação, Administração e Inspeção Educacional.), além de oferecer licenciaturas e
formação para a docência na fase inicial do primeiro grau, ou ensino primário.
Assim, a Pedagogia, que antes reunia estudantes com uma boa experiência em
sala de aula, passou a atender estudantes ainda “crus”, o que evidenciou a necessidade de
voltar-se mais para a parte prática da formação de professores.
Nestas últimas décadas, muito se discutiu o “como” e o “para quê” da
Pedagogia. Finalmente, ensaiamos um consenso sobre as novas diretrizes para a formação
de docentes da educação básica, que equilibram teoria e prática e incentivam o professor a
refletir acerca das experiências vividas, questionar e elaborar novos conceitos sobre seu
ofício, a fim de aperfeiçoá-lo, constantemente.
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Neste ponto, como podemos perceber em um breve exame da Resolução do


CNE, as novas diretrizes para a carreira acertam direto no alvo. No entanto, está pouco
claro se as habilitações específicas que até agora foram objetos importantes do curso serão,
pouco a pouco, apagadas. Ainda que mil resoluções afirmem que elas continuam a ser
ofertadas, cabe perguntar se não acabarão se resumindo à transmissão pró-forma de meras
noções sobre gestão, supervisão, administração escolar. E cabe, também, alertar para que
isso não ocorra. Nestes tempos em que tanto se debate a democratização da gestão, a
diversificação de teorias e métodos pedagógicos, a autonomia dos estabelecimentos de
ensino, sua complexidade, sua transformação em um verdadeiro laboratório de pesquisas
sobre educação, devemos lembrar que uma escola não é um simples conjunto de salas de
aula. É uma organização que envolve especialistas em vários ramos, atuando em conjunto,
em benefício da sociedade lá fora, através da formação de cidadãos de fato. É imperativo
que um espaço de tal importância conte com bons gestores, que assegurem as condições de
trabalho adequadas aos demais profissionais; com pessoas competentes para planejar
currículos, orientar docentes e alunos e trabalhar pela harmonia entre projetos e recursos,
ideais e realidades, a fim de que a escola funcione.
Esperamos que a reformulação da Pedagogia não implique o desbotamento das
especializações. Ao contrário, o que esperamos é que o novo curso possa fornecer aos
futuros pedagogos uma visão global do processo educacional, aliando a importância da
prática docente com o conhecimento básico das demais habilitações, cujo ensino requer,
também, um novo olhar e uma adaptação aos princípios defendidos pela LDB. Neste
sentido, e de antemão pedindo perdão aos que discordarem, a LDB não desprestigiou,
afinal, o curso de Pedagogia. Na verdade, gerou uma mobilização que acabou por fortalecê-
lo.

* Magno de Aguiar Maranhão


Presidente da Comissão de Legislação e Normas do
Conselho Estadual de Educação do Rio de Janeiro
www.magnomaranhao.pro.br

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