Você está na página 1de 7

UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI

COMUNICAÇÃO SOCIAL COM HABILITAÇÃO EM PRODUÇÃO EDITORIAL

A BATALHA REAL E DRAMÁTICA


RESENHA SOBRE O FILME A BATALHA DE ARGEL

Resenha sobre o filme A Batalha de Argel de Gillo Pontecorvo para complementar a primeira nota da
matéria de História e Política Contemporânea sob orientação da professora Maria de Lourdes
Eleutério.

Fabiana Senatore
Raquel Micheski

1
São Paulo
2007
A BATALHA REAL E DRAMÁTICA

Argélia, segundo maior país africano localizado ao norte do continente, teve suas fronteiras
estabelecidas em 1830, após a conquista pelos franceses. Em 1842, o país foi anexado formalmente
ao território francês começando então uma constante luta dos argelinos em busca dos diretos
negados pela França.

Com o início da Guerra Fria e com o estímulo de ambos os lados que participavam dessa guerra, os
países africanos começam o processo de libertação das metrópoles européias. Inserida nesse
contexto, a Argélia passa a organizar a Frente de Libertação Nacional (FLN), corrente
anticolonialismo, que inicia a guerra contra a França em 1954.

Tendo como pano de fundo toda a luta pela independência da Argélia, o italiano Gillo Pontecorvo
realiza o documentário “A Batalha de Argel”, considerado um marco do cinema político dos anos 60 e
vencedor do Leão de Ouro no Festival de Veneza de 1966.

Gillo Pontecorvo, nasceu em Pisa, no ano de 1919 e faleceu em Roma, no ano de 2006. Foi
fotojornalista e na década de 40 se filiou ao partido comunista lutando na segunda guerra mundial, na
qual defendeu o fascismo, em seu país de origem.

Realizado em 1965, “A Batalha de Argel” apresenta de forma clara e objetiva táticas de guerrilhas
utilizadas pelos argelinos e formas de torturas utilizadas pelos militares franceses.

A cena que abre o filme é “dura”, um homem está diante do espectador, homem esse que acaba de
ser torturado. A violência não é transmitida, mas a humilhação de um homem que foi obrigado a
delatar. A personagem está no centro, estático, encolhido e, na aproximação da câmera em seu rosto,
a fotografia em preto-e-branco acentua a fragilidade de sua feição, ficando dois olhos arregalados e
amedrontados em um homem mirrado e sujo, sem voz. À sua volta, torturadores “enormes” e
satisfeitos. Esta cena, este olhar, muda o olhar do espectador para todas as cenas do filme, inclusive,
sobre as cenas de atentados e violência partidos de argelinos contra os franceses, o olhar do homem
mirrado está presente e as cenas se fundem em nossas mentes.

Gillo Pontecorvo apesar de retratar a ação dos argelinos como forma de defesa ao governo imposto
pelos franceses leva, assim, o espectador em sua defesa, não deixa de mostrar o outro lado com
competência e realidade.

O filme apresenta-se como uma documentação da realidade. Em diversos momentos, a forma como o

2
mesmo é apresentado para o espectador pode ser confundida com um documentário, graças ao
realismo passado pelo diretor. Porém, quando citamos as músicas que envolvem os momentos mais
representativos do filme, percebemos que o objetivo de Pontecorvo era, além, da realidade,
dramatizar e chocar, enfatizando que vidas foram tiradas em ambos os lados. Concluímos então a
união do drama ao realismo.

Outro ponto a ser levantado em “A Batalha de Argel” é a presença das tradições neo-realistas
italianas, com imagens acinzentadas e em que é quase nula a participação de atores profissionais.
Apesar do numeroso elenco apresentado no filme, temos apenas um ator profissional, Jean Martin, o
coronel Mathieu da divisão dos pára-quedistas. A interpretação dos não-profissionais fica, também,
por conta da insegurança da câmera na mão de um fotógrafo com movimentos no meio da ação
como repórter, a composição da imagem e o preto-e-branco da fotografia.

Pontecorvo trabalhou com a visão no passado muito recente, com a herança do neo-realismo, e com
o futuro imediato, elaborando uma relação nova entre o filme e o espectador, contando como a
Argélia foi liberta do colonialismo através de uma luta derrotada. Não enalteceu, portanto, a
nacionalidade, mas a reflexão política da história apresentada.

Cinema Político - anos 60

Nos anos 60, a agitação mundial veio de encontro com a necessidade de escape nas artes da
consciência dos espectadores de cinema, com filmes que falavam pelos personagens de resistência,
filmes que falassem pelo povo. As pessoas aclamavam um cinema que denunciasse a exploração
social, os desvios da burguesia industrial, o cinismo e a corrupção que eram procedentes nos
sistemas políticos.

O cinema político italiano, dos anos 60, nasceu como um produto das vontades dos jovens por um
mundo melhor e justo. Sucedeu o neo-realismo, assumiu a consciência industrial, pois não se
incomodou com as regras de mercado e, ainda, não confundiu o espectador com dramas existenciais
ou sentimentais.

O segmento político foi redentor para a indústria do cinema italiano, estabeleceu compromisso com a
realidade, trazendo prêmios. O despejo de todos os produtos italianos atuou em benefício de seus
melhores autores, usando o Cinecittà1, que antes era evitado pelos neo-realistas – devido à sua
origem facista –, o que permitiu um custo muito convidativo para a produção das películas.

Neste novo movimento, os diretores apropriaram-se das lições dos neo-realistas, mas adaptaram os
novos temas e argumentos a novas formas de expressão, para responder às mudanças da
sociedade. O florescimento de uma economia industrial, na Itália, mudou a fisionomia do país,
conhecendo o trabalho nas fábricas, a migração do Sul para o Norte, redefinindo as demarcações de
camadas sociais da população, tudo registrado pelo cinema. Mas também, são anos em que o poder

1
Complexo de estúdios e teatros situados em Roma responsável pela maior parte da produção cinematográfica italiana.

3
político se acomoda e o ideal da democracia corrompeu-se na gestão de poder por regras do jogo de
divisão partidária.

O cinema italiano não esperou o fim da década de 60, vendo o fenômeno do terrorismo – que seguiria
na próxima década –, e denuncia, revela, examina, declara segredos, nomes e crimes, mantendo
ainda as esperanças na revolução. As películas respondiam a uma demanda de clareza, à
necessidade do cidadão de ter respostas. Nesse período, a justiça tornou-se permeável à corrupção e
o homem encontrou no cinema uma voz que falava o fenômeno que estava diante de todos, pois a
esquerda não conseguia se impor com a força necessária para uma renovação do quadro vivido.

Os novos filmes, além da crítica e da voz de contestação aos acontecimentos que estavam além da
manifestação contra a corrupção, foram lição de estilo e linguagem, podendo citar as variantes de
“narrar tudo e logo”, “juízes e magistrados” (decadência da justiça), a “crônica diária” (com reflexão),
ou ainda o estilo “documentarista” e o “policial”. O cinema político dos anos 60 foi instrumento
privilegiado para questionar as instituições, o poder e a autoridade.

Cinema Político - hoje

Hoje, vivemos a era da “globalização”, mas a palavra de ordem para o cinema é a


internacionalização, a fim de desvincular do termo citado anteriormente, já que é carregado de
significados de economia e mercado mundial, e não há a intenção de inseri-los na significação do
cinema contemporâneo. As questões territoriais e de fronteiras são renovadas não a um ou outro
país, em delimitação e homogeneidade, mas culturas e histórias que são totalmente híbridas em sua
construção.

Andréa França, em Terras e Fronteiras - no cinema político contemporâneo, define o novo cinema
político como um cinema reflexivo na história do cinema do neo-realismo italiano, a nouvelle vague e
o cinema novo brasileiro, com um estado de estrangeiridade que faz ressoar um desejo de futuro, de
novos traçados de vida, de esperança. Seus filmes suscitam esteticamente um espaço de reflexão a
respeito da guerra, da militarização, da noção de fronteira e território e da mídia em relação a isso. O
que interessa, é o alcance político desses filmes quando oferecem outras formas de visibilidades aos
estereotipados e marginalizados pelos meios de comunicação. Andréa afirma, ainda, que o que
importa marcar é a emergência dessas novas narrativas políticas.

Em História do cinema mundial, esse cinema também é identificado como de resistência, que aposta
na necessidade de repensar as culturas como misturas e não como territórios simbólicos estáticos,
também recusa pensar seus filmes apenas como reprodução de um estado de coisas
histórico-econômico ou apenas parte da cultura-mundo, mas também levar em conta a relação das
imagens cinematográficas com as imagens do mundo, das outras mídias e produzir filmes que
devolvam ao mundo sua complexidade e prolongando o que foi o “espírito moderno” do cinema na
perspectiva reflexiva e crítica.

4
No Brasil, o cinema contemporâneo está em um momento muito produtivo, de diferentes linguagens e
estilos. História do cinema mundial, livro organizado por Fernando Mascarello, pontua que a
importância da transição para o governo Lula trouxe uma reavaliação não apenas do papel do Estado
no desenvolvimento do setor, mas também do papel de uma política audiovisual para a cultura, arte e
cidadania. Já havia o caminho da convergência das empresas produtoras, com investidores do setor
privado, uma articulação do mercado financeiro, por meio das leis de incentivo a cultura, faltando
apenas um novo caminho sobre a distribuição e exibição dos filmes, que já começa a ser contornada.

Com esse quadro nacional, nasceu uma diversidade de propostas culturais, temáticas e estéticas.
Portanto, além dos filmes comerciais de rapidez na produção, há em questão um cinema em que
existem muitas propostas a estimular o debate e a reflexão entre segmentos sociais e políticos
diversos.

O filme “O ano em que meus pais saíram de férias” conta a história de um pré-adolescente brasileiro,
em 1970. Esse ano é repleto de acontecimentos turbulentos, entre eles, a ditadura militar estava em
seu ápice no Brasil, a Guerra do Vietnã e a seleção brasileira de futebol disputava o tricampeonato
mundial. O garoto Mauro é deixado por seus pais comunistas, que “saem de férias”, para viver com
seu avô no bairro do Bom Retiro (até hoje região de grande miscigenação étnico-cultural), mas
depara-se sozinho em São Paulo. É acolhido pelo vizinho judeu Shlomo, passa seus dias sem
entender o que acontecia com seus pais, esperando-os de volta, sofre indiretamente a opressão da
ditadura. Entre uma transmissão e outra dos jogos da Copa do Mundo passa a viver e entender as
questões hormonais da sexualidade, da inclusão em um novo grupo social, da relação com uma
“pseudo” figura paterna – que não era seu próprio pai. Ou seja, traz a reflexão política de forma
poética sob um ponto de vista infantil e o que realmente representou o campeonato mundial na
época, não só para os adolescentes, mas toda a população que acabou, de certa forma,
“anestesiada” pela alegoria da copa do mundo.

Os filmes, ora comentados, foram concebidos em momentos diferentes, sobre épocas distintas. Se
em “A Batalha de Argel”, temos um diretor que foi engajado nas lutas sociais e militares, o que levou
Gillo a introduzir conhecimentos empíricos em seu filme, e foi altamente influenciado pelo movimento
do cinema que durou até uma década antes de sua produção, o neo-realismo italiano, relatando uma
história altamente recente ao filme; em “O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias”, temos Cao
Hamburger diretor, cuja experiência anterior, em cinema, foi um longa-metragem infantil, o que
certamente também colaborou para sua produção, e está inserido em um contexto cinematográfico
distinto, algo novo, que digere e usufrui os mais diversos artifícios dos movimentos anteriores sem
deixar a questão da internacionalização do cinema atual. Enquanto “A Batalha de Argel” trata a
política de uma forma direta através de seu protagonista envolvido nas manifestações, “O Ano em
que Meus Pais Saíram de Férias” trata a questão política sob a visão de um adolescente privado de
entender a realidade de seus dias.

Com toda nossa reflexão, percebemos que Pontecorvo apesar da demora de sete anos para que a

5
produção fosse finalizada produziu seu filme em 1966, sem utilizar o Cinecittà, com um tom de
documentário realista, teve por tema central a questão política da revolução em Argel de forma direta,
sem deixar de ser um drama, uma vez que há intervenções como o instrumento da trilha sonora que
acentua o sentimentalismo no espectador e por mais que não tenha contado com atores profissionais,
“A Batalha de Argel” pode ser considerada como o documentário real de todos os países que
passaram por revoluções e o exemplo peculiar de cinema político na década de 60.

Ficha Técnica de “A Batalha de Argel”


Gênero: Cinema Europeu;
Atores: Brahim Haggiag, Yacef Saadi, Jean Martin, Tommaso Neri, Fawzia el Kader, Michele Kerbash,
Mohamed Ben Kassen, Samia Kerbash;
Direção, Roteiro, Trilha Sonora: Gillo Pontecorvo;
Produção: Antonio Musu, Yacef Saadi;
Roteiro: Franco Solinas;
Fotografia: Marcello Gati;
Trilha Sonora: Ennio Morricone;
Edição: Mario Morra, Mario Serandrei;
Desenho de Produção: Sergio Canevari;
Idioma: Francês, Árabe;
Ano de Produção: 1966;
País de Produção: Argélia, Itália;
Duração: 121 minutos.

Referência Bibliográfica

“A BATALHA de Argel” mudou visão dos oprimidos no cinema. Disponível em <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mais/fs


2603200611.htm>. Acesso em 2 abr 2007.

A BATALHA de Argel. Direção: Gillo Pontecorvo. Itália/Argélia: Casbah Films, 1966. DVD (121 min), em francês e árabe, leg.
Português.

A B ATALHA de Argel. Disponível em <http://cecac.org.br/mat%E9rias/A_Batalha_de_Argel.htm>. Acesso em 2 abr 2007.

A BATALHA de Argel: Informações Gerais e Ficha Técnica. Disponível em <http://www.2001video.com.br/detalhes_


produto_extra_dvd.asp?produto=11147> e <http://www.2001video.com.br/detalhes_produto_adicional_dvd.asp?produto=111
47> Acesso em 8 abr 2007.

6
ENCICLOPÉDIA Ilustrada da Folha. Argélia. Disponível em <http://cf.uol.com.br/enciclop/texto.cfm?palavra=Arg%E9lia&busca
=%26&tipocoxa=3>. Acesso em 2 abr 2007.

FRANÇA, Andréa. Terras e Fronteiras no Cinema Político Contemporâneo. Rio de Janeiro: 7Letras, 2003.

GILLO Pontecorvo defende a ditadura da realidade. Disponível em <http://www.terra.com.br/cinema/noticias/2000/10/


05/001.htm>. Acesso em 2 abr 2007.

MASCARELLO, Fernando. História do Cinema Mundial. Campinas, SP: Papirus, 2006.

MORRE aos 86 anos o cineasta italiano Gillo Pontecorvo. Disponível em<http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/


fq1310200629.htm>. Acesso em 2 abr 2007.

O ANO em que Meus Pais Saíram de Férias. Direção: Cao Hamburguer. Brasil: Gullane Filmes, Cao Produções e Miravista,
2006. DVD (106 min), em português.

O A NO em que Meus Pais Saíram de Férias: Sinopse. Disponível em <http://www.oano.com.br>. Acesso em 8 abr 2007.

PRUDENZI, Ângela. Cinema Político Italiano – anos 60 e 70. São Paulo: Cosac Naify, 2006.

SILVESTRI-LÉVY, Alessandra. Gilberto, dito Gillo Pontecorvo. Disponível em <http://carosamigos.terra.com.br/nova/ed115/


so_no_site_alessandra.asp>. Acesso em 2 abr 2007.

TAVARES, Paulo Marcelo. Argélia: entre o épico e o dramático. Disponível em <http://www.planoaplano.com.br/ suplemento/
argelia.html>. Acesso em 2 abr 2007.

Você também pode gostar