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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ

PPGE – DOUTORADO EM ECONOMIA


RESENHA

Jeremy B. Rudd1
Why Do We Think That Inflation Expectations Matter for Inflation?
(And Should We?)2
Por que achamos que as expectativas de inflação são importantes para
a inflação? (E devemos?)
Por Jomar Fernandes3
1. Objetivo do Artigo
O artigo se propõe a fazer uma crítica à crença – dos formuladores de política
econômica – em que as expectativas das famílias e firmas sobre a inflação futura é um
determinante-chave da inflação que de fato vai ocorrer. Segundo o artigo, uma simples
revisão da literatura relevante sobre o tema e das pesquisas empíricas, apontam que essa
crença tem por base fundamentos frágeis e instáveis. E mais, o artigo sugere que, aderir
de forma acrítica à essa ideia, pode levar a sérios erros de política econômica. O autor
endurece sua crítica já no Resumo, onde afirma que “as pessoas se agarram tão
firmemente às suas crenças e opiniões” porque, chegam a elas de maneira aleatória e
assim, “até a opinião mais boba parece maravilhosamente clara”.
Em síntese, o artigo analisa criticamente a proposição de que “a inflação esperada
é um determinante-chave da inflação real”.
1. Introdução
Logo na Introdução, Rudd faz uma afirmação impactante quando se refere ao
pensamento dominante: “A economia mainstream está repleta de ideias que ‘todo mundo
sabe’ serem verdadeiras, mas que na verdade são um absurdo”. E segue atacando dogmas
canonizados do pensamento dominante, que especifica:
• Funções de produção agregadas (e medidas agregadas do estoque de capital) fornecem
uma boa forma de caracterizar o lado da oferta da economia;
• Ao longo de um período suficientemente longo - especificamente, aquele que permite
que os ajustes de preços necessários sejam feitos - a economia retornará a um estado de
compensação total do mercado (equilíbrio); e,

1
Jeremy B. Rudd é conselheiro Sênior (Senior Adviser) do Conselho de Governadores (Federal Reserve
Board) que é uma das estruturas do Sistema da Reserva Federal (Federal Reserve System). Ele é Ph.D.,
Economics, Princeton University, 1997.
2
Jeremy Rudd faz um alerta sobre este artigo: “A análise e as conclusões apresentadas são de minha
autoria e não refletem necessariamente os pontos de vista do Conselho de Governadores ou do pessoal
do Federal Reserve System.
3
Jomar Fernandes é doutorando em economia pelo PPGE-UFPA.

1
• A teoria da escolha das famílias (preferência do consumidor) fornece uma justificativa
sólida para curvas de demanda em um mercado em declínio.
Rudd se contrapõe a essas proposições de maneira muito firme. Para ele, nenhuma
delas tem “qualquer tipo de fundamento empírico” e ainda são “deficientes em termos
teóricos”. Ele estranha e abomina o fato de “os economistas continuarem a confiar nessas
e outras ideias semelhantes para organizar seu pensamento sobre os fenômenos
econômicos do mundo real”. Essa situação seria fruto do fato de a economia ser um
sistema complicado, difícil de entender, então, mesmo que erradas, elas salvariam os
economistas do niilismo intelectual.
A preocupação central do artigo é que ideias duvidosas, mas amplamente
difundidas, terminam servindo de base para decisões políticas que vão gerar
consequências. Para o autor, usar as expectativas de inflação para explicar a inflação real
é “desnecessário” e “doentio” [no sentido de infundado]: desnecessário porque, segundo
ele, existe uma explicação alternativa mais plausível. E infundado porque invocar
expectativas [como método de definição de estimativas] não tem nenhuma base teórica
ou empírica convincente e isso pode resultar em erros políticos sérios.
Na seção II (Por que achamos que as expectativas são importantes ) do artigo
(p. 2), Rudd lista três motivos que levam os economistas a acreditarem que a inflação
esperada é um determinante-chave da inflação observado (real):
1. Modelos teóricos (como os desenvolvidos por Phelps, Friedman e
Lucas, juntamente com a mais recente curva de Phillips neokeynesiana)
todos incorporam um papel para a inflação esperada que é
intuitivamente atraente porque exclui um estado de ilusão monetária
persistente.
2. Modelos como esses também nos ajudam a explicar a instabilidade
observada da curva de Phillips e mudanças na persistência da inflação
medida ao longo do tempo, especialmente a experiência da inflação nos
EUA do final da década de 1960 até meados da década de 1980 e a
mudança para uma diminuição da inflação como parece ter ocorrido em
meados da década de 1990.
3. À luz da forte priorização induzida pela teoria, e com o empirismo
casual do ponto 2 (acoplado com o empirismo formal obtido a partir de
testes da equação de inflação novo-keynesiana), parece sensato atribuir
um papel central às expectativas de inflação na determinação da
inflação.

Como Conselheiro Sênior do Sistema de Reserva Federal dos EUA, ele considera
que essa visão “tem importantes consequências práticas e políticas”. Antes, ele destaca
os aspectos importantes do monitoramento feito pelo Banco Central, das expectativas de
inflação dos agentes. Para um Banco Central esse monitoramento das expectativas de
inflação fornece um indicador importante de quão bem a autoridade monetária está
cumprindo sua meta. Tratando da história, ou seja, de fatos ocorridos, [é considerado que]
o comportamento da inflação pós-1990 (que foi de queda e estabilização entre 2% e 4%,
na média), reflete o efeito que a conduta da política monetária teve sobre a inflação, a

2
partir da utilização das expectativas, mas Rudd pergunta: “que evidência real temos para
esta visão?”
Na seção III (Quão forte é o caso teórico?) o autor passa analisar a teoria, a partir
das contribuições de Phelps (1967), Friedman (1968); Lucas e Rapping (1969) e
também do modelo Novo-Keynesiano.
O texto de Rudd é irônico, porém sofisticado. Ele chega a colocar as teorias desses
autores (no que se refere ao peso das expectativas de inflação na definição da inflação
real), em um campo próximo da metafísica ou mesmo, do sobrenatural. E usa uma
interessante figura de linguagem, afirmando que a “economia pura tem uma maneira
notável de tirar coelhos da cartola” que seriam proposições a priori que aparentemente
remetem à realidade. Para Rudd, o importante é descobrir “como os coelhos entraram” e
termina essa abordagem de forma contundente: “para nós que não acreditamos em magia”
(os coelhos) “entraram de alguma forma”.
Reproduzimos a seguir, uma síntese feita por Rudd sobre as contribuições dos
autores citados para o papel das expectativas de inflação na definição da inflação real:
Dois dos primeiros argumentos teóricos para atribuir um papel explícito
às expectativas de inflação em uma relação com a curva de Phillips é
encontrada em Phelps (1967) e Friedman (1968). Além disso, Lucas e
Rapping (1969) derivou uma função de oferta agregada na qual uma
correlação entre a inflação e a atividade real surgiria por meio de um
mecanismo de expectativas de preços, enquanto no modelo de Lucas
(considerado incompleto), a informação implicava em uma equação de
inflação na qual (com) uma mudança (racionalmente) esperada a
inflação passaria de um para um na interseção da curva de Phillips. Por
fim, mais tarde a geração de modelos de expectativas racionais que
partiram da suposição de preços ou salários flexíveis deram origem à
chamada curva de Phillips neo-keynesiana, que diferia de modelos
anteriores na atribuição de um papel à expectativa atual da taxa de
inflação para o próximo período ao contrário da expectativa do último
período sobre a taxa de inflação atual. (Rudd, 2021, p. 3).

Na sequência Rudd procura méritos na abordagem desses autores, mas somente


para aprofundar a crítica mais adiante. Com relação ao modelo de Phelps, Rudd diz que
ele simplesmente afirmou que a curva de Phillips não sofreria alteração com a introdução
da inflação esperada. Segundo essa teoria, “...a oferta de trabalho [deveria ser]
independente das taxas de juros real e da oferta monetária”. Assim, o argumento de Phelps
foi fundado na velha ideia dos neoclássicos de que as variáveis nominais não devem afetar
as variáveis reais, embora neste caso – de acordo com Rudd – “a variável real em questão
fosse a taxa de juros real”.
Quanto a derivação de Friedman, Rudd entende que foi mais simples do que a de
Phelps, pois o artigo de Friedman não contém equações, mas apresentou uma melhor
fundamentação teórica. Especificamente, Friedman postulou que os trabalhadores
entraram na barganha salarial com uma preocupação com o salário real. Rudd comenta:
“a preocupação com os salários reais é, obviamente, razoável se a ilusão monetária estiver
ausente.” Segundo esse modelo, um aumento de preços totalmente previsto seria refletido

3
nos salários nominais, deixando assim o salário real (ou qualquer outra variável real)
inalterado.
Com relação ao modelo de Lucas e Rapping, está presente a ideia de que as
expectativas de preços afetam a oferta de trabalho influenciando a substituição das
famílias (tradeoff) entre bens e lazer ao longo do tempo. Especificamente, o modelo
assume que um aumento nas taxas de juros reais (esperadas) aumenta a oferta de trabalho
hoje, pois aumenta o custo do lazer atual, em termos de consumo futuro.
Por fim Rudd se refere ao desenvolvimento da curva de Phillips novo-keynesiana,
que representou uma tentativa de integrar expectativas racionais em um modelo onde o
ajuste de custos gera uma rigidez nominal dos preços (inclusive dos salários). Dada a
estrutura competitiva assumida pelo modelo, essa rigidez nominal, por sua vez, resultaria
no fato de que a inflação atual dependeria da inflação futura esperada, o que Rudd
discorda.
Rudd faz um resumo crítico das abordagens de Phelps e Friedman. Elas seriam
baseadas na ideia de que existe um “lado real” da economia que eventualmente sente a
influência de qualquer tipo de perturbação nominal (dos salários). Ele acrescenta que
quanto a isso existe a crítica de Fisher (1983) de que não existe nenhuma prova teórica
convincente de estabilização automática do lado real por conta de ajustes nominais.
O modelo de oferta agregada de Lucas-Rapping baseia-se na suposição de que a
inflação esperada diminui quando há um aumento imprevisto da inflação corrente
(hipótese, que em por sua vez só ocorre por causa da formulação específica de
expectativas adaptativas que eles empregam, o que faz com que a taxa de juros real
aumente).
A crítica usual contra o modelo surpresa de Lucas é que “a previsão do modelo
de que apenas choques aleatórios e transitórios de política [econômica] podem afetar o
produto parece pouco atraente em termos a priori.”
Por fim, a maneira como a inflação esperada entra na curva de Phillips novo-
keynesiana é ligada à da contratação, que se dá por meio de um mecanismo segundo o
qual “os produtores são obrigados a fornecer tanto produto quanto é demandado no preço
do contrato fixo. Esse fato (contrato fixo) gera severas preocupações nas empresas quanto
ao preço real futuro de seus produtos, pois se esse preço real cair, elas estão obrigadas a
vender pelo preço nominal previamente contratado, com prejuízo. O resultado é uma
dependência da inflação corrente em função da inflação futura esperada. Como, no mundo
real, não há nada que ligue a inflação real com a inflação esperada, o que prevalece é a
incerteza prevista por Keynes (observação minha, concordando com a ideia geral de
Rudd).
Todos esses modelos, segundo Rudd, destacam a influência das expectativas de
curto prazo. A diferença entre eles é que, alguns consideram que a inflação corrente é
influenciada pela expectativa de um período à frente e outros, entendem que a influência
vem do período anterior, mas, nos EUA, historicamente, a política econômica dá mais
atenção para as expectativas de longo prazo.

4
[...] pois é a “ancoragem” dessas expectativas que é visto como sendo a
fonte de resultados econômicos desejáveis e como fonte de mudanças
importantes na dinâmica da inflação nos EUA nos últimos 50 anos.
(RUDD, 2021, p. 6).

Na seção IV (Quão forte é o caso empírico?), Rudd mostra o conflito entre os


modelos de Phelps e Friedman e a realidade do mercado. Ao tentar justificar a influência
das expectativas de inflação na inflação real, esses autores se deparavam com “o fato
desconfortável de que as curvas de Phillips empíricas pareciam ser notavelmente
estáveis.” . Obviamente que eles explicavam que isso já estava presente nos seus modelos.
“[...] essa aparente estabilidade era na verdade o resultado de modelos existentes”. Mas,
nesse ponto, Rudd mostra uma contradição fundamental:

A derivação de Friedman da curva de Phillips aumentada de


expectativas implica que o salário real deve ser fortemente anticíclico.
[...]. No entanto, nos dados dos EUA, essa previsão está em completo
desacordo com a evidência: as equações convencionais de preços e
salários implicam que o tradeoff entre inflação salarial e atividade é
muito mais acentuado do que para inflação de preços (colocando de
forma diferente, o salário real agregado é pró-cíclico). (RUDD, 2021,
pp. 7-8). (Grifos nossos).

Rudd se coloca frontalmente contra a possível influência-chave da inflação


esperada na inflação real e isso, por conta da característica das empresas de manifestarem
preocupação maior com suas ações no curto prazo.

Rudd argumenta que um leitor atento poderia questionar que os modelos não
existem para descrever a realidade com exatidão. Desse modo, a crítica dele seria apenas
uma chicana. Rudd concorda que modelos não existem para descrever a realidade com
exatidão, mas indica que, usando essa justificativa, a teoria da oferta agregada ou da
dinâmica da inflação “tem iludido os estudantes de macroeconomia desde o início dessa
disciplina” (Rudd, 2021, pp. 10-11).
Rudd considera que a evidência empírica aponta que “as expectativas de longo
prazo são as mais relevantes para a dinâmica da inflação”. Ele termina a seção IV
emitindo um resumo de sua posição sobre a temática da influência da inflação esperada
na inflação corrente, sempre considerando a questão em dois continentes temporais: no
curto e no longo prazos e criticando como os modelos são dependentes da visão de curto
prazo:
O que eu acredito é que essa resposta que a presença da inflação
esperada nesses modelos fornece essencialmente uma única
justificativa para a visão generalizada de que as expectativas vão
realmente influenciar a inflação, diminui a teoria [a teoria perde, em
uma tradução literal]. Em outras palavras, em vez de simplesmente
servir como um postulado plausível que, uma vez invocado, permite
que um teórico analise outras questões interessantes, os termos de
inflação esperados nesses modelos foram reificados em uma suposta
característica da realidade que “todo mundo sabe”. [...] as poucas

5
previsões claras que ele faz estão descontroladamente em desacordo
com a evidência empírica disponível. (RUDD, 2021, p. 11).

Na seção V, Rudd apresenta uma visão alternativa da dinâmica da inflação e


começa citando uma frase de 1958 do economista canadense (crítico dos economistas
conservadores), John Kenneth Galbraith: “É muito, muito melhor e muito mais seguro ter
uma âncora firme em tolices do que singrar em mares agitados de pensamento.”
Rudd, em todo o artigo, critica a falta de correspondência empírica dos modelos
dominantes sobre inflação e coloca sua própria tese em xeque: “Se a inflação esperada
não é um determinante chave da inflação real, como podemos tentar explicar a evolução
observada da dinâmica da inflação dos EUA no pós-guerra?” (Que parece confirmar essa
relação).
Para responder a essa questão, ele invoca o gráfico 4 (Tendências estocásticas
para inflação de preços de PCE4 e tendência de crescimento de ULC5), exposto no final
do seu artigo, que, nesta Resenha, trazemos para este ponto para melhor compreensão do
argumento do autor. A linha tracejada preta representa a tendência estocástica (aleatória)
da inflação. A linha azul mostra a tendência estocástica estimada para o crescimento do
custo unitário do trabalho (p. 11). A conclusão que os dados empíricos apontam é que o
comportamento de longo prazo da inflação de preços (de gastos com consumo) e o
crescimento dos custos do trabalho estão ligados. Essa constatação empírica reforça a tese
do autor no sentido de que custo unitário do trabalho e a inflação corrente são
determinantes mais importantes da inflação real que a inflação esperada.

A partir da p. 12 Rudd passa a discorrer cobre a estabilidade da inflação nos


Estados Unidos após meados da década de 1990. Segundo ele, isso não ocorreu devido à
credibilidade do Banco Central (FED) adquirida após a desinflação de Volker. Ele
entende que foi a tendência de longo prazo de uma inflação nas décadas de 1960 e 1980
(tirando-se os picos desses períodos), que tornou mais crível para o mercado uma inflação

4
PCE é a sigla em inglês para Índice de Preços de Gastos em Consumo. Esse índice exclui alimentos e
energia, em da volatilidade desses itens.
5
ULC é o índice que mede a inflação de Custos.

6
de 4% ao invés de uma de 2%. Ele minimiza as expectativas de inflação nas
reivindicações salariais nos EUA. Esta é uma parte central de seu artigo, por isso é
importante transcrever suas palavras, pois aqui ele nega explicitamente a importância
da ancoragem de expectativas:
Outra maneira de afirmar este ponto é que uma característica importante
da dinâmica da inflação após meados da década de 1990 parece ser a
falta de uma forte espiral salário-preço (em outras palavras, qualquer
feedback entre o crescimento dos salários e a inflação). Isso é verdade
apesar de grandes (mas, em última análise, transitórios) aumentos na
inflação real [...]. Parece improvável que expectativas de inflação de
longo prazo bem ancoradas tenham sido a causa raiz dessa
estabilidade. (RUDD, 2021, p. 12). (Grifo nosso).

O argumento de Rudd para sustentar essa afirmação é baseado no seu


entendimento da economia real. Segundo ele, ainda na p. 12, os modelos partem da crença
de que “os trabalhadores estavam dispostos a ignorar mudanças perceptíveis no custo de
vida ao decidir sobre a taxa salarial que eles estavam dispostos a aceitar, simplesmente
porque eles acreditavam que eventualmente a inflação retornaria a algum ritmo médio de
longo prazo”, o que não se sustenta na prática econômica concreta.
Para Rudd, nas negociações efetivas no mercado de trabalho, as mudanças no
custo de vida entrarão nos salários nominais como parte da tentativa do empregador de
manter trabalhadores na firma. “Se os empregadores pagarem a seus trabalhadores um
salário muito abaixo do custo de vida, eles começarão a ver mais desistências, o que, por
sua vez, os forçará a aumentar os salários que pagam aos trabalhadores existentes [...].
Mas não há margem definida para negociação.” O que ele quer dizer é que não é a
inflação esperada que vai ser o parâmetro dessa negociação.
Rudd confirma essa minha interpretação ao afirmar que as reivindicações dos
trabalhadores são pautadas no aumento do “custo de vida” (inflação dos bens de consumo)
e explica, ainda na p. 12: “[...] os trabalhadores não se comportam dessa maneira porque
eles esperam ver inflação baixa no futuro, mas sim porque eles não vêm seu salário
recente aumentar à medida das mudanças reais no custo de vida.”
Como um gestor de política econômica, Rudd sempre busca exemplos históricos
para sustentar sua posição. Na citação seguinte ele deixa essa questão bem clara:
Sobre este último ponto, a experiência das décadas de 1960 e 1970 é
reveladora. Como um estudo de salário durante este período
argumentou, “parece haver um limite no qual a taxa de mudança nos
custos de vida torna-se um fator penetrante que deve ser levado em
conta nas decisões sobre salários” e que “é quando o movimento
ascendente dos preços se acelera e se estende substancialmente por toda
a gama de bens e serviços de consumo, que os salários começam a
responder diretamente aos movimentos de preços.” (RUDD, 2021, pp.
12-13).

Neste ponto do artigo, Rudd parte para as demonstrações matemáticas. Ele afirma
que mesmo admitindo “que as expectativas de inflação não são totalmente irrelevantes”,

7
o que vale mais são as expectativas de longo prazo e não as de curto prazo como nos
modelos que ele critica (Phelps, Friedman, Lucas e Rapping e Novo-Keynesiano).
Ele pede para supor uma equação de inflação real atual que tenha um papel para
a inflação esperada de curto prazo (porque, suponha-se, essas expectativas influenciem o
comportamento de definição de salários). Especificamente, pede para supor que o mundo
seja descrito por uma versão de uma curva de Phillips de Phelps-Friedman:
πt = β(Ut – U ∗ t) + (1 − φ)πt−1 + φEt−1πt + ζZt + et,
onde πt denota inflação,
(Ut −U ∗ t ) é uma medida da atividade real (o gap do desemprego6),
Zt é um vetor de choques de oferta,
Et é um termo de erro, e onde a expectativa relevante é Et−πt1 (ou seja, a expectativa do
último período da taxa de inflação no tempo t – que é uma expectativa de curto prazo).

Segundo a análise que ele faz dessa fórmula as mudanças na expectativa de


inflação (inflação esperada) “passa de um para um” para a inflação real, ou seja, a
correlação é de 100%. A variação de 1% na inflação esperada nesses modelos, aumentaria
1% na inflação real. Rudd discorda dessa transmissão automática, pelos motivos já
expostos acima.

Nas páginas 14 e 15, o autor resume sua análise dessa equação e suas derivações.
Em termos gerais ele quer dizer que a previsão do modelo só existe em “outro mundo”:
A expectativa de inflação de longo prazo neste tipo de mundo
provavelmente será autorrealizável: com zero lacuna de desemprego e
sem choques de oferta, a inflação média real será igual à média de longo
prazo obtido a partir da regra de previsão de inflação.

A seção VI (Possíveis implicações práticas)


Rudd, nesta seção, continua sua análise das consequências práticas daquela visão
de mundo (dos modelos criticados por ele) exposta na seção anterior. A principal
implicação prática seria o perigo de uma indexação, que levaria um período de inflação
elevada persistente
Atualmente, um analista de inflação que gera insumos para decisões de
política deve se preocupar principalmente com a possibilidade de que a
tendência estocástica da inflação volte a reagir às mudanças das
condições econômicas reais, pois tal situação poderia ser um prenúncio
de um retorno a um regime com alta persistência da inflação. (RUDD,
2021, p. 16).

O autor termina a seção VI fazendo uma crítica aos controles de certa forma
prescritos por modelos que não se coadunam com os dados empíricos e que, por isso,
podem levar a problemas na definição da política econômica. Nos Estados Unidos o
Banco Central é independente do Governo, mas quando o Banco Central sugere que

6
O gap ou hiato do desemprego é a diferença entre o desemprego efetivo no tempo t1 e o esperado no
tempo t2.

8
determinados modelos são eficazes para as definições econômicas, isso influencia de
forma decisiva as ações do Governo, nem sempre no melhor sentido.
Ao dizer aos formuladores de políticas que a inflação esperada é o
determinante final da tendência de longo prazo da inflação, os
economistas do Banco Central apresentam uma garantia de que esta
alegação é um fato estabelecido. Conselhos nesse sentido também
naturalmente levam os formuladores de políticas a se preocuparem
demais com o gerenciamento de expectativas ou a concluir que as
medidas de inflação esperada baseadas em pesquisas ou no mercado
fornecem políticas úteis e guias confiáveis. E, em alguns casos, a ilusão
de controle é mais provável de causar problemas do que uma real falta
de controle. (RUDD, 2021, pp. 16-17).

Nas primeiras linhas da seção VII (Possíveis implicações políticas) Rudd coloca
alternativas à ancoragem de expectativas (ou re-ancoragem em outro patamar, o que dá
no mesmo), preocupado que isso leve as famílias a dar mais atenção à inflação e aí, o
efeito poderia ser o contrário do desejado, pois, preocupados com uma inflação futura, as
pessoas poderiam querer indexar essa expectativa nos contratos presentes.
Relacionado a este último ponto, uma importante implicação política
seria que é muito mais útil garantir que a inflação permaneça fora das
telas do radar das pessoas do que seria tentar “re-ancorar” a inflação
esperada em algum nível que os formuladores de políticas
considerassem mais consistente com sua meta de inflação declarada.
(RUDD, 2021, p. 17).

O autor termina a seção VII afirmando que, mesmo que o leitor considere
inconvenientes os seus argumentos anteriores, “não temos nada melhor do que evidências
circunstanciais de uma relação entre a inflação esperada de longo prazo e a tendência de
da inflação”.
Na última seção (VIII - Um pensamento final), Rudd convida o leitor a uma série
de suposições para que ele (o leitor) diga o que faria em cada caso. Ele pede para o leitor
supor que nunca ouviu falar de Phelps ou Friedman, e que só conheça fatos como, por
exemplo, que a tendência (aleatória) de inflação (e custos trabalhistas) mudou de forma
marcante após uma recessão que ocorreu após um período em que a inflação real estava
em um patamar aceitável (para os EUA), em torno de 4% a.a. Ele pergunta se o leitor
concluiria:
que as expectativas de inflação de longo prazo foram um fator
importante na dinâmica da inflação? Ou você seria cético em relação a
essa conclusão porque é basicamente derivada de uma única
observação?
Ou você justificaria a visão de que as expectativas “importam”
apontando para a experiência de inflação de décadas de 1960 e 1970,
embora esse período não forneça evidências reais de que trabalhadores
ou empresas tentaram aumentar seus salários ou aumentar seus preços
em antecipação a mudanças futuras de preços ou custos?
Se não, então como você explicaria que, na realidade, apenas as
expectativas de inflação de longo prazo parecem mesmo vagamente
relacionados com a inflação real? Em vez disso, você tentaria voltar à

9
curva de Phillips novo-keynesiana, cuja derivação teórica é ainda mais
difícil de levar a sério e cuja justificação empírica é quase inexistente?
(RUDD, 2021, p. 19).

Em síntese, Rudd não concorda com a influência da inflação esperada na inflação


real no curto prazo como consta nos modelos que ele critica. Aceita que há uma relação
entre ambas no longo prazo, mas assim mesmo, não determinante.

Referências
Rudd, Jeremy B. (2021). “Why Do We Think That Inflation Expectations Mat ter for
Inflation? (And Should We?),” Finance and Economics Discussion Series 2021-062.
Washington: Board of Governors of the Federal Reserve System,
https://doi.org/10.17016/FEDS.2021.062.

RUDD, Jeremy B. Por que Achamos que as Expectativas de Inflação são Importantes
para a Inflação? (E Devemos?). Série de Discussão de Finanças e Economia 062.
Washington: Conselho de Governadores do Sistema da Reserva Federal: 2021 Disponível
em: https://doi.org/10.17016/FEDS.2021.062.

Nota do aluno (1). O Sistema de Reserva Federal (em inglês, Federal Reserve System, também
conhecido como Federal Reserve ou simplesmente como The Fed) é o sistema de bancos centrais
dos Estados Unidos.

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GRÁFICOS APRESENTADOS NO FINAL DO ARTIGO (RUDD, 2021, pp. 25-25)
1. Resposta do núcleo da inflação a um choque de lacunas no desemprego
2. Expectativas de inflação de longo prazo e inflação de tendência de longo prazo

Nota 1. Nota: Desvio de ponto percentual da linha de base; núcleo da inflação definido usando
o índice de preços PCE baseado no mercado

Nota 2. As expectativas das famílias são expectativas medianas de longo prazo da pesquisa de
Michigan (Universidade de Michigan, Pesquisa Centro de Pesquisa, Pesquisas de Consumidores,
http://new.sca.isr.umich.edu/). As expectativas dos analistas profissionais são derivadas do
Survey of Professional Forecasters, Federal Reserve Bank of Philadelphia.

Multiplicadores integrais. IRF acumulado para inflação dividido pelo IRF acumulado para
diferença de desemprego em relação ao trimestre (período) mostrado no cabeçalho da coluna.

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3. Inflação de preços total e central do PCE desde 1960
4. Tendências estocásticas para inflação de preços de PCE e tendência de crescimento de ULC

Nota 3. Inflação calculada como variação percentual de quatro trimestres (índice de preços PCE
total ou central via Bureau of Economic Analysis).

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