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Universidade Estácio de Sá

Narrativas de língua portuguesa


Prof.: Carlos Stowasser
Aluna: Francieli Sampaio Vieira de Oliveira

Fundamentando-se numa viagem breve efetuada por Garrett a convite do


político Passos Manuel, de Lisboa a Santarém em 1843, “Viagem na minha terra”
apresenta-se como um texto a frente de seu tempo, tendo como modelo as obras
“Viagem à roda do meu quarto” de Xavier de Maistre e “Viagem sentimental” de
Laurence Stern, com alto grau de modernidade, digressões e reflexões sobre o processo
de decadência de Portugal. É uma obra de digressões poéticas, sociais, históricas,
econômicas e literárias.
Segundo Massaud Moises:
“divide-se em 49 capítulos; os dez primeiros narram
as peripécias da viagem desde Lisboa até àquela
cidade, de vapor, a cavalo, de carruagem. De permeio
o narrador vai tecendo comentários e divagações
acerca de vários assuntos associados com o que vê
e pensa durante o trajeto: a riqueza, o progresso, a
literatura, a política, a modéstia, a guerra, o clero, o
amor, etc.” (MOISES, 2005, pág. 132)

Divagações de Garrett acerca das riquezas e política:


“E eu pergunto aos economistas-políticos, aos moralistas, se já calcularam o
número de indivíduos que é forçoso condenar à miséria, ao trabalho
desproporcionado, à desmoralização, à infâmia, à ignomínia crapulosa, à desgraça
invencível, à penúria absoluta, para produzir um rico.” (GARRETT, 2005, pág. 25)

“Quando se fizer a lei de responsabilidade ministerial, para as calengas gregas,


eu hei de propor que cada ministro seja obrigado a viajar por este seu reino de
Portugal ao menos uma vez cada ano, como a desobriga.” (GARRETT, 2005, pág. 22)

Sobre a modéstia:
“Já se vê que em nada disto há a mínima alusão ao feliz sistema que nos rege;
estou falando de modéstia, e nós vivemos em Portugal. A modéstia contudo, quando é
excessiva e se aproxima do acanhamento, do que no mundo se chama falta de uso, pode
ser num homem quase um defeito inteiro. Na mulher é sempre virtude, realce de beleza
às formosas, disfarce de fealdade às que não são.” (GARRETT, 2005, pág. 31)

Sobre a literatura:
“vou explicar como nós hoje em dia fazemos a nossa literatura. (...) Saberás,
pois, ó leitor, como nós outros fazemos o que te fazemos ler. (...) Trata-se de um
romance de um drama. Cuidas que vamos estudar a história, a natureza, ao
monumentos, as pinturas, os sepulcros, os edifícios, as memórias da época? Não seja
pateta, senhor leitor, nem cuide que nós o somos. (...) Todo o romance precisa de:/ uma
ou duas damas, / Um pai, / Dois ou três filhos de dezenove a trinta anos, / Um criado
velho, / Um monstro, encarregado de fazer as maldades, / Vários tratantes, e algumas
pessoas capazes para intermédios.” (GARRETT, 2005, pág. 35)

O contexto histórico é o da primeira metade do século XIX com as lutas liberais:


a guerra civil entre absolutistas e liberais; originando lutas e espalhando a dor e a morte,
as invasões napoleônicas e a mudança do regime político: o absolutismo versus o
liberalismo.
A obra mistura o relato jornalístico, literatura de viagens, divagações em torno
dos problemas sociais do tempo, apresentando entre as digressões, a história sentimental
(novela) de Carlos e Joaninha - personagens principais da novela - tendo D. Francisca,
avó de ambos, Frei Dinis e Georgina como personagens secundários.
Carlos e Joaninha são primos, órfãos de pai e de mãe, são cuidados pela avó D.
Francisca. Na residência há a presença constante de Frei Dinis, homem misterioso que
juntamente com D. Francisca esconde um passado desonroso. Carlos passa a desconfiar
que algo em sua família não está certo, forma-se em Coimbra (1830) e sai de casa,
deixando a priminha Joaninha e sua avó. Na saída de casa Carlos conhece lugares e
pessoas diferentes, como também algumas paixões, dentre elas Georgina, que ele
conhece em sua estada na Inglaterra.
“Carlos, que se formara no princípio daquele verão, tinha ficado por Coimbra
e por Lisboa, e só por fins de agosto voltara para a sua família. E veio triste,
melancólico, pensativo, inteiramente outro do que sempre fora, porque era de gênio
alegre e naturalmente amigo de folgar o mancebo. (...)’Isto mesmo, senhor, e que
amanhã que vou para Lisboa, embarcar para Inglaterra’.” (GARRETT, 2005, pá. 97 e
98)
“No outro dia de manhã, muito cedo, abraçado com a avó e com a priminha,
que se desfaziam em lágrimas, Carlos dizia o último adeus àquela querida casa, àquele
amado vale em que fora criado...” (GARRETT, 2005, pág. 99)

Em meados de 1833 os Constitucionalistas tomaram a Esquadra de D. Miguel,


Lisboa estava em poder deles, e Carlos era um dos guerreiros da parte Realista. A casa
de Joaninha serviu de base para o exército Realista que vigiava a passagem dos
Constitucionalistas. Em meio à guerra civil Carlos e Joaninha se reencontram.

“Era a retirada de II de outubro. (...) foram aparecendo as tropas que se


retiravam, as gentes que fugiam, e de todo aquele confuso e doloroso espetáculo de
uma retirada em guerra civil... (...) Alguns feridos, que não podiam mais, ficaram na
casa do vale, entregues à piedosa guarda e cuidado de Joaninha; (...)Dom Miguel
fortificava-se em Santarém, e, a casa da velha era o último posto militar ocupado pelo
seu exército.” (GARRETT, 2005, pág. 109)

Apaixonam-se, passando a se encontrarem às escondidas. Carlos é ferido na


guerra e é cuidado por Georgina e Frei Dinis no convento de São Francisco, esta
renuncia sua história e compromisso com Carlos em favor de Joaninha.

“De junto ao leito de Carlos, com a mão direita dele nas suas, os olhos secos,
mas fixos nas descaídas pálpebras do soldado, aquela mulher estava ali como estátua
da dor e da ansiedade” (GARRETT, 2005, pág. 175)

“Carlos estava melhor, estava salvo. Georgina pôde dizer-lhe um dia: -


‘Carlos, meu Carlos, tu estás livre de perigo; vou restituir-te aos teus.’/ - ‘Os meus!’/ ‘-
Os teus. Tua avó, tua prima...’ “

No convento Carlos briga com o frade e fica sabendo que é seu filho, através de
sua avó que assistindo a briga é forçada a revelar o segredo da família. Dona Francisca
conta que Frei Dinis é pai de Carlos, que a sua mãe morreu de desgosto, e para se
defender, Frei Dinis mata o pai de Joaninha, e o marido da sua amante. Após a
descoberta Carlos renuncia à família, aos “amores” e aos ideais.
Joaninha enlouquece e morre, Georgina se converte à religião católica e torna-se
abadessa, a avó continua no Vale, mas, morta para o mundo, não vê, não ouve, não fala,
sendo cuidada pelo Frei Dinis.

“Carlos tornou-se barão, mas esse ‘mérito’ foi


alcançado muito alto: renúncias, crises, rupturas,
perda de identidade (ou reflexo de identidade
contraditória). Mesmo assumindo-se barão,
Carlos não se demonstra compromissado com a
carreira que escolhera”1

“-‘Não, filho!’ – clamou a velha- ‘ Não, meu filho teu pai é este infeliz.’ (...) –‘
Ah!’ – disse Carlos- ‘Ah!’ – E abriu os olhos pasmados para a avó e para o frade, que
cravaram os seus no chão e ficaram como dois réus na presença do seu inflexível juiz.’
– Defendi-me; foi defendendo esta vida miserável... Oh, nunca eu o fizera! E para
quê?” (GARRETT, 2005, pág. 189)

“Carlos (...) Saiu da cela, fazendo sinal que vinha logo; mas esperaram-no em
vão... Não tornou. Daí a três dias veio uma carta dele, de junto de Évora, onde estava
com o exército constitucional.” (GARRETT, 2005, pág. 190)

1
www.artigos.com/artigos/humanas/artes-e-literatura/simbolos-e-imagens-em-viagens-na-minha-terra-
2473/artigo/ acessado em: 17 de março de 2011
“- ‘Joaninha enlouqueceu e morreu. Georgina é abadessa de um convento em
Inglaterra.’ (... )- ‘E esta pobre senhora, a avó de Joaninha?’ (...) Não vê, não ouve,
não fala e não conhece ninguém. (...)
“Carlos (...) Engordou, enriqueceu e é barão/!...’ ‘É barão, e vai ser deputado
qualquer dia.’” (GARRETT, 2005, pág. 249)

Garrett faz um balanço como intelectual e militar: balanço do romantismo, com


os seus estereótipos, nas situações, a hipocrisia da literatura. A morte de Joaninha
(personagem de cunho romântico) é uma antevisão da morte do romantismo, há a
percepção da crise do romantismo. Garrett é um romântico, no entanto, é consciente
sobre a literatura de sua época. – literatura espiritualista, numa época materialista.

“Mas aqui é que aparece uma incoerência inexplicável. A sociedade é


materialista; e a literatura, que é a expressão da sociedade, é toda excessivamente e
absurdamente e despropositadamente espiritualista! (...) ‘- É a literatura, que é uma
hipócrita; tem religião nos versos, caridade nos romances, fé nos artigos de jornal –
como os que dão esmolas para pôr no Diário; que amparam órfãs na Gazeta, e
sustentam viúvas nos cartazes dos teatros.” (GARRETT, 2005, pág. 26)

É uma obra simbólica que reflete sobre o processo de decadência de Portugal.

“a minha obra é um símbolo... é um mito, palavra grega, e de moda germânica,


que se mete hoje em tudo e com que, se explicatudo... quanto se não sabe explicar. (...)
profunda ideia que está oculta debaixo desta ligeira aparência de uma viagenzita que
parece feita a brincar, no fim de contas é uma coisa séria, grave, pensada como um
livro novo” (GARRETT, 2005, pág. 18)

“É simbólica, pois vai fazer uso da ficção como meio de


representar as manifestações ocorridas em Portugal no século
XIX. Trata-se de uma obra muito especial, através desse livro
Garrett procura denunciar o malogro do Liberalismo e o
triunfo do Materialismo. (...) Através dos símbolos e imagens,
Garrett vai invocar o passado perdido, já que o presente
destruiu toda a grandeza de Portugal. Resta então, se
reportar
ao momento pretérito e resgatar as raízes, “fazer uma
escavação histórica e folclórica da identidade nacional”
trazer à memória tudo que ficou perdido na intenção de
mitificar um passado glorioso para talvez projetar o futuro
desejado. 2

BIBLIOGRAFIA

GARRETT, Almeida. Viagens na minha terra. São Paulo: Martin Claret, 2005.

MOISES, Massaud. A literatura portuguesa. 33ª ed., São Paulo: Cultrix, 2005.

2
www.lithis.net/25 acessado em: 17 de março de 2011.
SARAIVA, Antonio Jose, LOPES, Oscar. História da literatura portuguesa. 17ª Ed.,
Porto: Porto, 1996.

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