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Artigo de Revisão
Ventilação Pulmonar Independente. Técnicas e Indicações*
Pedro Poso Ruiz-Neto,TSA 1; José Otávio Costa Auler Júnior,TSA 2
Ruiz-Neto PP, Auler Jr JOC - Independent Lung Ventilation. Techniques and Indications.
s tubos de dupla luz são freqüentemente Os primeiros tubos de dupla luz, descri-
O empregadas pelos anestesiologistas du-
rante cirurgia pulmonar, para permitir a venti-
tos por Carlens-Bjorg e White, oferecem di-
ficuldades técnicas durante a intubação das
lação independente dos pulmões. As indicações vias aéreas. Mais tarde outros tipos de tubos de
básicas para o uso destes tubos durante anes- dupla luz foram desenvolvidos, facilitando seu
tesia para cirurgia pulmonar são: emprego, diminuindo a incidência de mau posi-
cionamento, e as complicações associadas a
1 - Evitar-se a contaminação do pulmão nor- seu uso.
mal pelas secreções do pulmão doente, Baseando-se na experiência adquirida
o que pode ocorrer quando se posiciona pelos anestesiologistas no manuseio destes
o paciente anestesiado em decúbito late- tubos, novas indicações foram propostas para
ral, antes da toracotomia1, 2. seu emprego. A indicação mais freqüente em
2 - Possibilitar campo cirúrgico mais ade- UTI é a necessidade de ventilação pulmonar
quado para o cirurgião, pelo bloqueio da mecânica em doentes com pneumopatia unilat-
ventilação pulmonar no pulmão que está eral grave3-17 .
sendo operado. Freqüentemente os doentes que ne-
cessitam de ventilação mecânica apresentam
disfunção pulmonar caracterizada por alteração
* Trabalho realizado na Disciplina de Anestesiologia da Faculdade de da relação ventilação:perfusão nos
Medicina da Universidade de São Paulo.
1 Médico Assistente da Divisão de Anestesia do Hospital das Clínicas pulmões9,18 . Em certos casos o comprometi-
da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Doutor em mento pulmonar é unilateral e as alterações da
Anestesiologia pela Disciplina de Anestesiologia da Faculdade de
Medicina da Universidade de São Paulo. Pós-Doutorando Bolsista da relação ventilação:perfusão estão presentes
FAPESP somente no pulmão doente. Observa-se, então,
2 Prof Associado da Disciplina de Anestesiologia da Faculdade de
Medicina da Universidade de São Paulo
mudança nas propriedades mecânicas respi-
ratórias em um dos pulmões, que requer cui-
Correspondência para Dr Pedro Poso Ruiz-Neto
Divisão de Anestesia do Hospital da Clínicas da Faculdade de Medicina
dados ventilatórios especiais17 . A presença de
da Universidade de São Paulo complacência heterogênea nos pulmões é
Caixa Postal 8091 acompanhada de distribuição heterogênea da
05403-000 - São Paulo - SP
ventilação durante respiração com pressão po-
Apresentado em 01 de outubro de 1993 sitiva4 . A distribuição do volume corrente para
Aceito para publicação em 05 de novembro de 1993
os pulmões depende de diferentes fatores. Um
© 1993, Sociedade Brasileira de Anestesiologia dele é a constante de tempo pulmonar, calcu-
respirador. A seguir, ventilando-se manual- Nesta situação será impossível a ventilação iso-
mente o pulmão esquerdo, deve-se proceder à lada do pulmão esquerdo e paradoxalmente
insuflação do balonete brônquico, até que não será possível ventilar-se o pulmão direito
haja mais vazamento de gás durante as insu- através do ramo esquerdo.
flações. Se o tubo for de tamanho adequado e Broncofibroscopia
estiver corretamente posicionado, em geral de
Mesmo quando os sinais clínicos são
1 a 3 ml serão suficientes para evitar perda de
adequados, existe o risco de mal posiciona-
ar durante a ventilação do pulmão esquerdo.
mento23, 34 . Foi descrita localização inade-
Deve-se, a seguir, realizar a inspeção e a aus-
quada de tubo através de exame
culta pulmonar bilateral, ainda com o pulmão
broncofibroscópico após a constatação clínica
direito bloqueado. Deve ser notada a expansão
de separação dos pulmões através de ausculta
assimétrica do toráx e a ausência de murmúrio
e inspeção torácica1 . A broncofibroscopia gar-
vesicular no hemitórax direito.
ante segurança adicional, e talvez seja o único
Depois deve-se primeiro conectar o
método definitivo para estabelecer-se a posição
ramo direito do conector do tubo no ventilador
do tubo nas vias aéreas. Para este fim deve-se
e abrir este ramo. Desta forma o paciente volta
empregar o aparelho infantil, devido ao
e ter os dois pulmões ventilados. Procede-se ao
diâmetro interno dos tubos. O exame broncofi-
fechamento do ramo esquerdo do conector do
broscópico do tubo de dupla luz de plástico
tubo de dupla luz, e à desconexão do ramo
transparente esquerdo, que é a mais indicado
endobrônquico do circuito ventilatório, isolando
para a ventilação pulmonar independente, é
o pulmão esquerdo do ventilador. Ao ventilar-se
muito simples. Basta o examinador introduzir o
manualmente o pulmão direito deve-se repetir
broncofibroscópio pelo ramo traqueal (direito)
as manobras de inspeção e ausculta, que de-
do tubo. No final do ramo traqueal observam-se
verão mostrar assimetria de expansão torácica
as seguintes estruturas: a carina da traquéia, o
e ausência de murmúrio vesicular à esquerda.
brônquio fonte do pulmão direito e o ramo
Finalmente, reconecta-se o ramo esquerdo ao
esquerdo do tubo entrando no brônquio fonte
ventilador e retira-se o bloqueio à ventilação
esquerdo. Ao exame, a cor azulada do balonete
deste pulmão. Estes passos devem ser cui-
endobrônquico facilita a observação deste seg-
dadosamente repetidos sempre que seja ne-
mento dirigindo-se para o pulmão esquerdo.
cessária a confirmação do posicionamento do
tubo.
Dentre as possibilidades de posiciona- Complicações dos Tubos de
mento inadequado do tubo de dupla luz Dupla Luz
esquerdo, três são as situações mais freqüen-
tes. Por um lado, o tubo pode estar excessi- Pode ocorrer laringite traumática além
vamente introduzido no brônquio fonte de traumatismo da aritenóide e cordas vocais.
esquerdo. Nesta situação, o ramo direito do As lesões laringotraqueais pós intubação são
tubo de dupla luz também estará posicionado no mais freqüentes quando são empregados tubos
brônquio esquerdo, impossibilitando a venti- que apresentam esporão carinal1, 20 .
lação do pulmão direito. Por outro lado, o tubo Embora rara, tem sido descrita rotura
pode estar insuficientemente introduzido nas do brônquio causada pela excessiva pressão
vias aéreas. A extremidade endobrônquica exercida pelo balonete endobrônquico sobre a
estará posicionada na luz traqueal, impedindo o parede brônquica31,32 . A pressão gerada pelo
isolamento dos pulmões. Finalmente, o tubo balonete endobrônquico pode atingir valores
esquerdo pode ter a extremidade endobrôn- acima de 50 mmHg, ocorrendo relatos de medi-
quica introduzida no brônquio fonte direito. das próximas de 200 mmHg 26,27 . Os sinais
Fig 3 - Efeitos na relação ventilação:perfusão durante a aplicação de Fig 4 - Efeitos na relação ventilação:perfusão durante a aplicação de
PEEP bilateral na vigência de pneumopatia unilateral. VA: PEEP diferencial na vigência de pneumopatia unilateral. VA:
ventilação alveolar, P: perfusão sangüínea, PaO2: pressão ventilação alveolar, P: perfusão sangüínea, PaO2: pressão
parcial arterial de O 2, C: complacência pulmonar parcial arterial de O 2, C: complacência pulmonar
clínicos após a rotura brônquica incluem en- acentuada dos alvéolos normais e portanto
fisema subcutâneo generalizado, pneumomedi- mais complacentes. Com o aumento acentuado
astino e pneumotórax, devendo ser tratada do volume alveolar nestas unidades o capilar
imediatamente. pulmonar é comprimido, ocasionando aumento
Outra complicação possível após o uso da resistência vascular do pulmão normal, des-
prolongado do tubo de Carlens é a lesão ulcera- viando parte do débito cardíaco para o pulmão
tiva da carina traqueal provocada pela pressão doente, aumentando a fração do
contínua do esporão sobre a mucosa traqueal4 . "shunt"12,18,20,36-38 (figura 3).
A ventilação independente possibilita a
separação do fluxo aéreo e evita a distensão
excessiva dos alvéolos normais. Com a utili-
Indicações da Ventilação zação de tubos de dupla luz pode-se selecionar
Pulmonar Independente níveis diferenciados de PEEP, com valores mais
elevados no pulmão mais comprometido, ten-
tando-se obter valores semelhantes de volume
As indicações mais freqüentes para residual funcional em cada pulmão. Pode-se
ventilação pulmonar independente em UTI são também aplicar volumes correntes diferentes
as doenças que atingem de forma mais grave dependendo do valor da complacência de cada
um dos pulmões. Dentre estas situações pode- pulmão. Diversos relatos têm descrito melhora
mos citar a contusão pulmonar, a pneumonia das trocas gasosas após a instalação de níveis
pós-aspiração, a pneumonia lobar, a atelecta- diferenciados de PEEP em doentes que apre-
sia, o edema pulmonar, a embolia pulmonar e a sentam doença pulmonar unilateral 3-8,12,37-41
fístula broncopleural, todas incidindo unilateral- (figura 4).
mente e produzindo alterações nas trocas ga- Outras situações que indicam o uso da
sosas, que indicam a intubação traqueal e da ventilação independente são a presença de
ventilação mecânica35 . hemoptise, secreções purulentas, fístula bron-
A ventilação convencional associada copleural unilateral. Nos dois primeiros casos,
ao emprego de PEEP em pneumopatias unilat- a separação das duas árvores brônquicas per-
erais pode significar piora nas trocas gasosas. mite o isolamento do pulmão doente do são. No
O aumento da pressão traqueal média provo- caso da fístula broncopleural, o emprego de
cado pela aplicação do PEEP produz distensão ventilação pulmonar com volume corrente baixo
ou ventilação com alta freqüência permite a de parte deste volume para áreas que não rece-
ventilação do pulmão afetado, enquanto ocorre bem parcela proporcionalmente maior da per-
o fechamento da fístula42 . fusão. O risco de barotrauma também deve ser
lembrado. Pode-se evitar esta complicação con-
Modos de Ventilação Independente struindo-se a curva pressão-volume, definindo-
se a complacência estática de cada pulmão. O
São descritos diferentes modos de ven- aumento gradativo do volume corrente produz
tilação pulmonar independente. Podemos utili- aumento na pressão traqueal até o momento em
zar um ventilador convencional com o circuito que a curva começa a descrever uma região
ventilatório separado no ramo inspiratório por plana. A partir deste ponto, ocorrerá aumento
uma peça em "Y", cuja função é dividir o volume da pressão traqueal sem correspondente
corrente para cada ramo do tubo de dupla luz, variação do volume pulmonar. O valor do vol-
separando a ventilação dos pulmões. Cada ume corrente imediatamente anterior a este
pulmão pode ser ventilado isoladamente empre- ponto deve ser o valor máximo deste parâmetro
gando-se dois ventiladores convencionais com a ser adotado. Pode-se também determinar o
dois circuitos respiratórios separados, ciclando valor adequado do volume corrente dos
de forma síncrona ou assíncrona, com a possi- pulmões determinando-se o valor da concen-
bilidade de aplicação de PEEP diferenciado em tração de gás carbônico ao final da expiração
cada pulmão6,18,35,36 . Formas menos habituais de cada pulmão18 .
de ventilação mecânica têm sido descritas, em-
pregando um respirador ajustado de forma con- O cálculo do valor mais adequado do
vencional no pulmão sadio, enquanto no outro PEEP a ser aplicado em cada pulmão é semel-
pulmão emprega-se um modo não convencional hante ao descrito quando se emprega a venti-
de ventilação (por exemplo, ventilação com alta lação convencional dos dois pulmões. Inicia-se
freqüência)39,42 . com valor baixo de PEEP, 5 cmH2O, para cada
O modo de ventilação mais freqüente- pulmão. Aumenta-se gradualmente, acompan-
mente empregado utiliza dois respiradores con- hando-se os efeitos produzidos nas trocas ga-
vencionais14 . N o i n í c i o d o e m p r e g o d a sosas e na hemodinâmica do paciente. Se
ventilação independente houve preocupação possível deve-se também realizar determina--
com a necessidade do sincronismo dos ciclos ções seriadas da complacência pulmonar
respiratórios. Entretanto, demonstrou-se no estática durante a escolha do valor do PEEP a
laboratório e na clínica que a ventilação assín- ser empregado.
crona não causa piora da relação venti-
lação:perfusão, nem desconforto ao Devemos lembrar que além da maior
paciente4,9,18 . complexidade do equipamento empregado e
dos múltiplos ajustes dos ventiladores, o uso da
No ajuste dos parâmetros ventilatórios, ventilação pulmonar independente repre-
inicialmente deve-se calcular o valor do volume sentará maior dificuldade na aspiração das se-
corrente a ser empregado em cada pulmão. O creções pulmonares e maior resistência ao fluxo
volume corrente a ser instituído deve ser di- aéreo. Eventualmente há necessidade de se-
vidido pelos dois pulmões, ou seja 5-6 ml.kg-1 dação e do uso de bloqueadores mioneurais,
para cada órgão. Pode ser administrado volume para que o paciente possa tolerar o tubo de
corrente maior no pulmão doente. Desta dupla luz.
maneira, áreas de atelectasia seriam reexpan-
didas ou evitadas. Deve-se lembrar, no entanto, O emprego dos tubos de dupla luz deve
que com esta técnica pode-se provocar o desvio ser evitado durante a respiração espontânea
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