Você está na página 1de 6

Guerra no Afeganistão: até quando?

Um estudo sobre os atores


envolvidos e afetados

Caroline Mayer Rangel

Após o atentado de 11 de setembro de 2001 nos Estados Unidos, o


atual presidente da época, George Bush, buscava incansavelmente por Osama
Bin Laden e seus apoiadores, como o grupo terrorista Talibã. No dia 7 de
outubro de 2001, com o objetivo de encontrá-los, ordenou ataques ao
Afeganistão. Em dezembro do mesmo ano, a ONU autorizou uma missão
militar no país que devia durar seis meses, com o objetivo de proteger os civis
dos ataques dos talibãs. Passaram-se duas décadas e a guerra continua até
hoje. Na época, o Talibã foi removido do poder, mas o grupo não desapareceu
e sua influência voltou a crescer.

Segundo Carl Forsbeg (2009), analista de pesquisa do Instituto para o


Estudo da Guerra (ISW), o grupo Talibã tomou força em 1994 visando acabar
com a corrupção e destituir o presidente que governava o Afeganistão na
época. Para eles, o governo não era eficiente em implementar as leis islâmicas
da sharia. As ações do Talibã eram baseadas na religião islâmica, tendo o
Alcorão como o guia de justiça, cultura e política. Até fevereiro de 1995, quase
metade do Afeganistão estava sob controle do regime e em setembro de 1996
o grupo tomou Cabul, a capital do país. Posteriormente, o escritor
Peter Marsden (1998) relata que o Talibã empenhou esforços em sua
expansão, visando dominar o país inteiro.

O site Politize (2017) publicou uma matéria escrita por Isabela Souza
onde afirma que as ações do Talibã constituiam-se em proibir quaisquer
influências ocidentais no país, praticar execuções públicas, proibir cinema,
música e televisão, tornar obrigatório o uso da burca para as mulheres e proibir
as mesmas de frequentarem escolas. Dentre os diversos ataques realizados
pelo grupo, o mais conhecido aconteceu em 2012, contra Malala Yousafzai. Na
época, Malala já se destacava por lutar pela educação de meninas e
adolescentes. Atualmente, as ações do grupo terrorista são pautadas na
recuperação do território e em expulsar os Estados Unidos do país, desde a
ocupação em 2001. Segundo uma matéria da BBC news, escrita em 2018, o
Talibã ameaça 70% do território afegão: controla 14 distritos (4% do país) e
tem presença ativa em outras 263 áreas (66% do território). Nunca houve uma
proporção tão elevada quanto essa em qualquer outra estimativa já feita sobre
a força do grupo extremista. De acordo com o site Politize, o governo do
Afeganistão recebe treinamento dos Estados Unidos para combater o
terrorismo na região.
Os repórteres da BBC entrevistaram mais de 1,2 mil pessoas e todos os
relatos são de medo, angústia e insegurança. Os residentes do país relatam
que ao sair de suas casas, a incerteza que perdura é a se vão conseguir voltar
para suas famílias no final do dia. A maioria dos afegãos morrem nos ataques
dos rebeldes, mas também sofrem com as contraofensivas apoiadas pelos
americanos, com operações tanto por terra quanto por ar. O resultado de
tamanha violência presente na vida da população é que um em cada dois
afegãos sofre de estresse por causa da guerra no país e um em cada cinco
sofre de depressão. De acordo com a pesquisa realizada em 2019 pelo Big
Think, o Afeganistão é o país mais deprimido da Terra.

Há vários fatores para a guerra continuar até hoje. Dawood Azami, do


serviço mundial da BBC, lista alguns: a resistência obstinada dos talibãs, a
relutância dos Estados Unidos e países europeus em manter tropas por mais
tempo no Afeganistão, as limitações técnicas e financeiras das forças afegãs e
a estrutura falha da governança afegã, possuindo um governo que é repleto de
divisões e atritos internos. A estratégia dos EUA no país também é um fator
que levanta questionamentos sobre a sua eficácia. Quanto à retirada total das
tropas americanas na região, muitos em Washington temem que isso ocasione
um vácuo que pode ser ocupado por grupos radicais que pretendem atacar o
Ocidente.

Em fevereiro de 2020, um importante acordo foi selado entre os Estados


Unidos e o Talibã. Esse acordo prevê a retirada completa, em 14 meses, das
tropas americanas e da Otan do território do Afeganistão. O documento possui
uma série de medidas, entre elas: a retirada de sanções aos membros do
Talibã até agosto pelos Estados Unidos, a promessa do governo americano em
libertar prisioneiros políticos e de combate e a aceitação do Talibã em não
permitir que qualquer outro grupo extremista opere em áreas controladas por
ele. O secretário geral da Otan, Jens Stoltenberg, afirmou que a aliança está
pronta para “ajustar e reduzir” sua presença no país; mas se a situação na
região piorar, as forças da Otan podem voltar a qualquer momento. Vale
lembrar que o atual presidente Donald Trump visa à retirada das tropas na
região afegã como uma promessa de campanha, pois o mesmo busca a
reeleição em novembro.

No dia 11 desse mês (06/2020), Donald Trump anunciou sanções


econômicas e restrições de viagem aos funcionários do Tribunal Penal
Internacional. O presidente busca, com isso, retaliar a abertura de uma
investigação sobre crimes de guerra e contra a humanidade cometida por
norte-americanos no Afeganistão. O Tribunal Penal Internacional tem sede em
Haia e foi criado em 2002, visando julgar indivíduos que cometem crimes de
guerra e contra a humanidade, entre eles o extermínio, escravidão, tortura,
violência sexual, perseguições por motivos raciais, étnicos ou religiosos. Para
entender melhor a investigação do Tribunal Penal Internacional contra os
Estados Unidos, precisamos voltar em 2016. Há quatro anos, o TPI disse ter
indícios sólidos de que os soldados dos Estados Unidos e agentes da CIA
cometeram crimes de guerra no Afeganistão entre 2003 e 2004. O relatório é
composto por denúncias de militares que supostamente torturaram 61
prisioneiros e agentes da CIA que mantiveram e torturaram 27 pessoas detidas
em prisões secretas, no Afeganistão e em outros países.

Em 2018, o governo dos Estados Unidos ameaçou prender e processar


juízes e funcionários do TPI caso este processe os americanos que lutaram no
Afeganistão por crimes de guerra. John Bolton, ex Conselheiro de Segurança
Nacional dos Estados Unidos, disse, na época: “Não cooperaremos com o TPI.
Não daremos assistência ao TPI. Certamente não nos juntaremos ao TPI.
Deixaremos que o TPI morra por si mesmo”. Segundo o artigo publicado por
Marielle Maia, professora de Relações Internacionais e Taynara Dias,
mestranda em Relações Internacionais pelo Instituto de Economia e Relações
Internacionais da Universidade Federal de Uberlândia, no momento em que
John Bolton assumiu o cargo de Conselheiro de Segurança Nacional, ele
acelerou um processo de desengajamento dos instrumentos internacionais de
direitos humanos e, em 10 de setembro de 2018, expôs publicamente a
retomada do boicote ao TPI. Para as autoras do artigo, o atual governo está
buscando alcançar a paz pela força e adota ações diplomáticas de negociar
com inimigos - como o Talibã -. Investigações como a do Tribunal aparecem
como empecilhos aos meios empreendidos pelos Estados Unidos no alcance
dos seus interesses.

A secretária de imprensa da Casa Branca, Kayleigh McEnany, afirmou


que as ações do tribunal “são um ataque aos direitos do povo americano e
ameaçam violar nossa soberania nacional". A ordem assinada por Donald
Trump permite bloquear ativos financeiros de funcionários do tribunal que estão
envolvidos na investigação. Essa medida autoriza que a entrada de
funcionários do tribunal e seus familiares no país seja negada.

Aparentemente, o presidente dos Estados Unidos não vê grande


importância em cooperar com acordos internacionais, visto que o mesmo já
rompeu com inúmeras organizações internacionais. Segundo Marrielle Maia e
Taynara Dias, o país possui uma posição privilegiada no sistema internacional
e, por esse e outros motivos, busca isentar o país de compromissos
internacionais que possam limitar seu campo de ação estratégica.

O histórico acordo selado entre os Estados Unidos e o Talibã no dia 29


de fevereiro de 2020 é um grande passo para tentar selar a tão necessária paz
no Afeganistão. O país é palco de conflitos há mais de duas décadas, fazendo
com que a população viva insegura e com medo de ataques a qualquer
momento. Além da presença do grupo extremista Talibã, do Estado Islâmico e
das tropas americanas na região, o governo do país não atende às
necessidades da população. Em março de 2020, o atual chefe de Estado,
Ashraf Ghani e seu adversário nas eleições de setembro de 2019, o ex-
primeiro-ministro Abdullah Abdullah, se declararam presidentes do Afeganistão,
provocando uma nova crise institucional no país. Os afegãos, que sofrem por
todos esses anos com a violência e a pobreza que assola o país, merecem um
novo destino de paz e prosperidade.

Bibliografia
BBC. Guerra no Afeganistão: 5 perguntas para entender o conflito armado
mais longo já travado pelos EUA, 2019.
<https://www.bbc.com/portuguese/geral-49635386>

BBC. Talebã já ameaça 70% do território do Afeganistão, 2018.


<https://www.bbc.com/portuguese/internacional-42886094>.

Big Think. Afghanistan is the most depressed country on Earth, 2019.


<https://bigthink.com/strange-maps/afghanistan-most-
depressed?rebelltitem=1#rebelltitem1>.

Carta Capital. EUA e Talibã assinam acordo de paz histórico, 2020.


<https://www.cartacapital.com.br/mundo/eua-e-taliba-assinam-acordo-de-paz-
historico/>

El País. Tribunal Penal Internacional tem indícios de que EUA cometeram


crimes de guerra no Afeganistão, 2016.
<https://brasil.elpais.com/brasil/2016/11/15/internacional/1479205978_967419.
html>.

Exame. EUA ameaça juízes do Tribunal Penal Internacional, 2018.


<https://exame.com/mundo/eua-ameaca-juizes-do-tribunal-penal-
internacional/>.

FORSBERG, Carl. The Taliban’s campaign for Kandahar. Washington:


Institute for the Study of War, 2009.
<http://www.understandingwar.org/sites/default/files/The_Talibans_Campaign_
For_Kandahar.pdf >.

G1. Trump aprova sanções contra funcionários do Tribunal Penal


Internacional, 2020. <https://g1.globo.com/mundo/noticia/2020/06/11/trump-
aprova-sancoes-contra-funcionario-do-tribunal-penal-internacional.ghtml>.

Global Voices. As Afghanistan's war rolls on, its mental health toll grows
greater, 2019. https://globalvoices.org/2019/06/01/as-afghanistans-war-rolls-
on-its-mental-health-toll-grows-greater/.

MAIA, Marrielle. DIAS, Taynara. Duas fases de uma mesma moeda? A


abordagem de Trump para o Tribunal Penal. São Paulo: Lua Nova, 2019. <
https://www.scielo.br/pdf/ln/n108/1807-0175-ln-108-45.pdf >.

MARSDEN, Peter. The Taliban. War, Religion and the New Order in
Afghanistan. Londres: Zed Books, 1998.

Politize!. Talibã e sua atuação no mundo do terrorismo,


2017.<https://www.politize.com.br/taliba-terrorismo/>.

Você também pode gostar