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Introdução
Instalação artística de Laura Vinci, 50 toneladas de areia escorrem por um orifício de 12mm de um andar para
outro num movimento de ampulheta
https://www.lauravinci.com.br/1997semtitulo
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O conceito de professoralidade tratado aqui é inspirado no livro Estética da Professoralidade: um estudo
crítico sobre a formação do professor, do professor Dr. Marcos Villela Pereira, definido pelo autor como “uma
marca produzida no sujeito, ela é um estado, uma diferença na organização da prática subjetiva” (PEREIRA,
2016,p. 53)
componente curricular Laboratório de Pesquisa 2 (LAPE 2), ministrado pelas professoras
Drª Ana Lúcia Gomes da Silva e Drª Juliana Cristina Salvadori. A proposta de trabalho era a
construção inicial da metodologia das pesquisas dos discentes da turma de 2021.1, proposta
que fora organizada por grupos de trabalho e ateliês de pesquisa com a finalidade compor
uma escrita em que os mais variados objetos de pesquisa e as variadas formações dos
sujeitos pudessem, a partir das dissonâncias entre vozes e olhares, criar novas possibilidades
de leitura de suas pesquisas num movimento de co-criação colaborativa.
A arte surge nesse sentido como uma provocação na perspectiva de pensar outros
caminhos possíveis quanto às definições metodológicas da pesquisa, não pela via da
ilustração mas antes como potencialidade, enquanto movimento que desloca significados e
empresta outros para diferentes modos de compreensão e assim poder realocar conceitos em
diferentes contextos.
Apresentei estas imagens para o grupo de trabalho no qual fiz parte, meus colegas
vieram de formações diversas: letras, direito e geografia. Tive a apreensão de não me fazer
compreender perante eles ao arriscar lançar a proposta de pensar a imagem pelas vias da
metáfora. O senso comum aceita de forma muito passiva a ideia de arte como contemplação
e por vezes rejeita outras abordagens. Vivi essa aflição por anos enquanto atuei como
professor de arte na educação básica, e dentre muitos os dilemas da aula de arte um deles era
apresentar para os estudantes arte contemporânea. Muitos estudantes nutriam uma ideia
bastante negativa sobre tal categoria e se inspiravam nos argumentos de vídeos e perfis
estrangeiros nas redes sociais que argumentam de forma bastante pejorativa sobre arte
contemporânea2.
Apesar da apreensão, expus aos meus colegas minha proposta e, durantes as reuniões
online para execução do diário coletivo3 do componente curricular, pudemos refletir sobre o
papel da arte e suas possibilidades de entrecruzamento, de abordagens interdisciplinares e de
como ainda somos em grande medida silenciados por um mass media especializado em
promover ataques de ódio a tudo que se coloca como avesso à cristalização, ao eterno, ao
imutável e ao poder instituído.
2
Um dos vídeos mais destacados pelos estudantes para abafar a discussão pode ser visto aqui: Arte Moderna -
Paul Joseph Watson - YouTube.
3
O trabalho em questão pode ser consultado na íntegra aqui: GTE - Diário com comentários! - Documentos
Google
Percebo que viver esta experiência de acionar a arte no contexto da produção
coletiva me desloca para um estado de afecção4, aciona potências de agir, pois em alguma
medida este movimento de co-criação dilui a configuração cartesiana5 no Eu a partir de de
um estado de contaminação mútuo, o medo e a apreensão passam a dar lugar a um estado de
potencialidades de criação da vida. Este corpo-professor se dilata na planície do ciberespaço,
tensiona outros corpos, a arte, agora vista pelo recorte do fotográfico, nos distancia de sua
materialidade física para nos lançar num plano de percepção completamente inventado pelo
experimento que vai surgindo na inexperiência de como criar deslocamentos de conceitos. A
arte passa a fluir desemoldurada e pilhada de seus circuitos de validação para fazer vazar
potencialidades de novas percepções, novos usos, outras cartilagens para seu significado.
Talvez já não seja mais arte, quem sabe agora assuma uma forma precária de antiarte para
logo após desfazer-se.
Revejo tal fotografia para vasculhar este novo campo de potencialidades onde me
encontro: imerso numa condição física limitada, tento recompor uma linha de
professoralidade e me servir das personas que fui criando em meu trabalho de arte ao longo
da última década para dar conta da angústia de não estar atuando em sala de aula, me
reinvento ao produzir e reapropriar-me destas personas e criar estratégias pedagógicas no
ciberespaço, sobretudo através do Youtube7, onde venho publicando vídeo-aulas com
conteúdo sobre arte e fotografia. O fotográfico se articula com a produção técnica dos
vídeos, há as demandas da plataforma, critérios de qualidade, roteiro, edição do vídeo,
audiência, interação com o conteúdo.
Este recurso de publicar vídeos na internet me permitiu rever algumas práticas que
vinha nutrindo como professor e agora me revelam dificuldades que através da fotografia,
venho tentando aprender: falar para ninguém era um enorme entrave para que as aulas
pudessem ter um caráter mais fluido onde o conteúdo não fosse o foco mas sim uma
problematização a respeito deste. Como sair da armadilha da aula gravada do conteúdo pelo
conteúdo onde não existem questionamentos? A temporalidade do ciberespaço se articula
com a temporalidade do fotográfico e nessa complexa dobra procuro me revitalizar, sentir o
entusiasmo de estar sendo professor.
Reinvento-me pela experiência como experimento nas redes do ciberespaço pela arte
como uma estratégia de fabulação do sujeito que se recria ao criar um novo território,
tentando não cair na insularização do sujeito e perder-se, tentando provocar, provocar-se e
ser provocado ao criar vida numa nova perspectiva, transformada pelos desafios da
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Link do canal: Sonhos entre Pedras - YouTube
pandemia, tentando insistir na arte como potência agenciadora de afecções significativas,
insurgentes, provocativas e inventivas.