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Bin 2 Byine> 237%, 60 e399 Copyright ©1967 y Cambige University res 60GB “ie ginal em ings: he Sal Hiro Language Copyright © 1996 da traducio brasileira "Panda Eatora da UNESP (EU) Dados Intemacionais de Catalogagdo na Publica ado Livto, SP, 97.3307 cpp-4019 SUMARIO ‘Apresentacio 7 Renato Janine Ribeiro 1 Os usos da alfabetizacio no Peter Burke 2 Provérbiose historia social 43 James Obelkevich 8 A linguagem do charlatanismo na Inglaterra, 1660-1800 83 Roy Porer 4 Insultos verbais na Paris do século XVII 121 David Gartioch 5 Lelangage male de la ver: as mulheres ¢ 0 discutso {da Revolugao Francesa 141 Dorinda Ourram 6 Palavras e instituigdes durante a Revolugdo Francesa (caso do ensino cientificoe técnico *revolucionério” 161 Janis Langins 7 A.sociologia de um texto: cultura ora, alfabetizacdo e imprensa nos primérdios da Nova Zeléndia 191 Don F. McKenzie 6 PETER BURKE E ROY FORTER 8 Ohistoriador e a questone della lingua 285 Jonathan Steinberg Ensaio bibliografico 249 Sobre os colaboradores 255 Indice remissivo 257 ———— APRESENTACAO ___Acexpresséo “hist6ria social da linguagem” parece simples mas, na lade, implica uma série de pressupostos que, embora possam soar acacianos (0 que, aliés, € mais um uso socialmente datado da linguagem), € precisa desenvolver. Com efeito, 0 campo em que se ‘mover as pesquisas expostas neste volume exige uma integracéo entre © trabalho do historiador, o do sociélogo e do etndlogo (para nie falar no do cientista politico) « 0 do lingiista. Sem divida, como observa eter Burke," ha histérias da linguagem que nio fazem mais do que telataras transformagbes desta, renunciando, pois, a buscar seu sentido (u repercussdo na sociedade, bem como ha analises da linguagem que ‘observam seus aspectos sociais, mas se restringem a um determinado perfodo, perdendo, assim, de vista 0 cardter hist6rico do moda como (9s homens nomeiam seu mundo, Oiinteresse de uma hist6ria socal da linguagem esté, porisso, entre __Oltras cosas, em constituir uma abordagem necessariamente in " Ciplinar de um dos campos que maior relevancia teve, nas iiltimas décadas, para o diélogo entre as ciéncias do homem, De certa forma pode ser esta uma volta do péndulo: basta recordar aquele papel relevante que a lingUistica teve, cerca de trinta anos atrés, como uma espécie de ciéncia-matriz, ao irradiar os procedimentos estruturaistas pelas ciéncias humanas em geral. © préprio nome ‘estruturalismo" pple ter ficado datado, passando a imagem, as vezes, de um exagero; ‘mas, ainda que se neguem suas conseqiiéncias de ordem, digamos, filos6fica (entre elas, aquelas que se referem & histéria e & consciéncia dohomem), e que se podem seus supostos excessos, ndo.cabem diividas 234 reveR IRKE E ROY FORTER, |questioem sua traducdoparaa lingua maori do segundo art ‘que Colenso pare penet “expliar a coisa em todas as suas implcages de forma que agssem por propria conta e isco". Alguém podera ser acusado de pecepydo tarda dat coi no foste peo insight de Colensa 8 época {85 Citado por Ross, op. cit p15, com base nos British Farlamentary Papers, 1245, 08, p10. Apesardo carder anata da sos faares mar ‘apne nko ington, 1923, -Rac, Maori Manuscripts in Pubhe Collections, New 988 ‘Auckland, 1984, € Bruce ‘mais frtemente arraigado que fose 1a condicio de pu eo seu mana, entdo, eperdeia. Como | 85, uma cultura oral geral, nfo umn texto fto, mas uma diversdace de ‘verses que possuem seu valor local etépico a0 dar vida a wairut do texto” gue abrange e fe todas elas prov julgamentos essencialmente da Newberry Li ‘nformou-me que foi conclude 2 microflmagem de 9.582 documentos de lo a respeito fo publica: The History and Calta of Fo rerdsipinary Guide to the Treaties of the SixNations and Lea, ‘Syracuse, 1985. O valor dos tratados como textos para andlze de diplomacia, com (questso de contato politic é bem demonstado por Derothy V. Jones by Treaty, 89 Carts aC, Roberson, 1° mar 1899: Mitchell MS AC 69/4, 8 O HISTORIADOR E A QUESTIONE DELLA LINGUA JONATHAN STEINBERG Em 1861, niomaisdoque2%a3%da populagéoitalians entendiam liano.! A esmagadora maioria da populacéo era analfabeta e falava ‘varias linguas regionais ou dialetos, alguns apenas distantemente ionados ao italiano padrao em termos de forma, gram: vvocabulério. Nessa época, assim como ho} falantes do italiano padro serem incapazes de entender cert ‘A luta para impor o italiano padrdo a uma populagso relutante compés uma parte da I de séculos de diviséo, A questine della lingua passou a ser uma forma breviada de se referir a todo o complexo de problemas relacionados a lingua, politica e poder. Lingua e nacionalidade parecem-nos téo naturalmente unidas que se toma diftcil relembrar como sua fuséo érecente, Frederico, o Grande, falava francés e achava que isso era perfeitamente normal para um principe aleméo. Isso nos parece estranho, porque pensamos nos fran- ‘ceses como 0 povo que fala francés, mesmo que isso néo seja tio vidente, como Eugen Weber mostrou. Em 1863, de 37.510 comunas ancesas, 8.381 nao falavam francés aproximadamente 10% de todas as criangas francesasem idade escolar na Terceira Republica, com idade entre 7€ 13 anos, chegavam escola falando apenas; FURB BIBLIOTECA CENTRAL 286 PETER BURKE F ROY PORTER Pateis, Mundart, dialetto sio alguns dos termos usados para descre- ver a fala das pessoas comuns. “Quand il s'agit de la tere", escreveu. Emmanuel Labet em 1912, om pense en patcis" S Os camponeses falavam ise deram a seus contratos, ferramentas, pesos e medidas, roupas, habitose festas um rico vocabulétio local, muitas vezes sem equivalen- te na fala culta ou, mais exatamente, na escrita Havia, entdo, uma impenetrével “Floresta de dialetos", na expres so de Tullio De Mauro, ue se interpunha nfo s6 entre as. ¢ baixa daquele tempo, mas também entre as tealidades c politica e aqueles que tentavam estudar esses dialetos. O que, afinal, € dialeto? © famoso dialetélogo norte-americano Raven 1. McDavid Jr. resumiu as dificuldades: “O dialeto é uma forma de falar que contrasta fortemente com a linguagem padrio? Cada dialeto local pode ser considerado puro e uniforme? A propria lingua padrao pode ser consi- derada um dialeto? A lingua padréo tem variedades regionais? A resposta depende da situacéo cultural, mas depende tambéin do inves tigador’ + Como explicou o sociolinglista de Toronto, Cianrenzo Clivio, “de um ponto de vista estritamente lingufstico...a lingua é um leto que tem um exército, uma marinha e uma forga aérea; essa éa iinica diferenga que pode ser percebida de uma perspectiva realmente lingiitstica®$ Em outras palavras, o Estado define ou deixa de definir a fronteiza entre lingua e dialeto. Aos critérios pessoal e cultural de ‘MeDavid, Clivio adiciona o politico e o administrativo. ‘A Europa oriental fornece bons exemp sgiistica e politica. Em sua obra Studi i lingvistica generala, pul ‘em Bucareste em 1955, 0 professor A. Graur, um importante estudioso romeno de linglistica, observou minuciosamente que o estudo de dialetos falados na Moldévia, no outro lado da fronteira russo-romena, tinha “Ao apenas um interesseteSrico mas... também sérias implica- ies politicas’.° E de fato o tem, pois se a lingua moldévia ndo era oficialmente uma lingua & parte, entdo ela deve ser um dialeto do romeno; se os moldavios falavam uma forma regional do romeno, enti eles pertenciam ao povo romeno e os russos estavam ocupando territério cujos habitantes pertenciam & Roménia, ndo a Riisia. Nao surpreende que o professor Graur tenha conclufdo que *na Repiiblica Sociaista Soviética Moldavia a lingua oficial é um idioma romanico chamado lingua moldévia .. Esta lingua € muito semelhante a0 rome- ‘no, nao havendo, portanto, dficuldade no entendimento mtituo. En- tretanto, desde que hé uma orientagio diferente, deve-se falar em linguas diferentes" ’ A “orientacéo diferente” era stalinista e nao lin- HISTORIA SOCIAL DA LINGUAGEM 237 {giifstica, mas 0 ponto levantado por Clivio ainda é vilido. Uma lingua (ou um dialeto nao é algo espontaneo, nao facilmente diferenciado de outras Iinguas, de suas proprias variantes ou de dialetos e, como McDavid afirma, ‘nao basta irparaalgum lugar razoavelmenteisolado e ouvir o modo exbtico de falar dos nativos” ® Nao sei se a lingua falada ha Moldavia é ou néo romeno; de fato, a questio é de uma certa forma Jnexpressiva. O que sei € que questOes sobre as linguas néo podem ser respondidas téo facilmente quanto outras questées histéricas e que znenhuma resposta pode ser adequada sem uma dimensio econémica, social e politica, © estranho sobre a questione della lingua € quio raramente os lingdistas a indagam. Jé em 1968, um dos principais historiadores da Franca publicou um estudo sobre a evolugso dessa questdo, de 1600 até Oo perfodoem que o estudo foi publicado, sem fazer nenhuma referéncia a existéncia do patois? Na verdade, ele omitiu o fato mais dbvio enfrentado pelo professor de escola priméria do interior da Franca na maior parte do periodo abarcado por seu estudo: o fato de seus alunos falarem muito precariamente o francés ou até mesmo nio o falarem, O mito de um estado francés uno, indivisivel impediu que os observa dores que se deram ao trabalho de olhar tivessem uma visdo clara das diferentes realidades. Num outro sentido, aqueles que olharam viraram para 0 outro lado com aversdo, Para o observador francés, ou italiano do século XIX, 0 dialeto era a linguagem dos “selvagens”. Os campone- ses eram freqlentemente considerados brutos ignorantes cuja lingua era simplesmente ruim, opiniéo ainda hoje familiar nas escolas no intetior das cidades do mundo de lingua inglesa O século X1X, por outro lado, teve uma apreciacéo muito viva da uestdo da linguagem, neste e em outros aspectos mais préximos de 1n6s do que a cultura do periodo seguinte. Uma parte dessa preocupacéo com a linguagem refletiu, indubitavelmente, o aparecimento de esta- dos seculares depois do declinio do contflito religioso, e a outra, ointe- zesse do Iluminismo pela racionalidade e uniformidade. Em Leipzig, nna Alemanha, o filésofo Christian Thomasius tentou proferir uma palestra em alemio jé em 1687, mas.a confusio que provocou obrigou-0 a sair. A nova Universidade de Halle, fundada em 1694, foi a primeira instituigéo de ensino superior em terras alemas a permitir que as conferéncias fossem proferidas em alemao, e, por volta de 1711, a ‘maioria das palestras era “inder Teutschen Sprache’ Leibniz dedicou duas obras ao desenvolvimento da linguagem, mas foi Johann Chris- toph Gottsched, em seu Deutsche Sprachkunst de 1748, quem instalou 288 PETER BURKE E ROY PORTER sobre qual seria a forma padrio do aleméo. Para Gottsched, indsche oder tibersichsische", a assim chamada Meissnisch, ou versio sax6nica, era a melhor Mundart do alto-alemiao. Quase uma geracéo mais tarde, escritores iluministas italianos atacaram omesmo problema, Melchiore Cesarotti via oestabelecimen- to de regras para padronizar a lingua como uma maneira de “oglier la € ai capriccé della moda e de ra Universidade de Napoles em italiano, pela primeira vez, em 1765, aproximadamente oitenta anos depois de Thomasius ter sido igual- ‘mente ousado em Leipzig, Nao se sabe ao certo a razao de tamanha demora, mas ela pode estar relacionada com a dominagéo da Igreja Catélica Romana, 0 prestfgio do latim em seu ambiente cultural original sua proximidade lingiistica com o italiano. As razdes de Genovesi para querer falar italiano em suas palestras revelam um vago sentimento nacional ou, talvez, mais exatamente, uma reaco & domi nagio da cultura francesa, que também afetava os intelectuaisalemaes nna mesma €poca go € depois latim, O que me move é a, mas que eu nunca assegurei que rnagdo que no tenha multas obras sobre ciénciae arte em sua propria lingua é uma nacéo bérbara | Foinas décadas de 1960 1970 do século XVII que os motives para se usara lingua padrdo comecaram a mudar. Em 1765. 1766, um grupo de jovens intelectuais milaneses publicou um periédico intitulado i! CCajpe Il Caffe era uma cafeteria imaginéria cujo propnetério travava animadas conversas com seus fregueses, nos moldes de Addison e Steele. Em um dos primeiros niimeros, o proprietério tentou descobrir a identidade de um dos fregueses. O visitante disse que no, que ele HISTORIA SOCIAL DA LINGUAGEM 239 nio era de Mildo nem de nenhuma outra cidade do norte da Itlia Finalmente, exasperado, o proprietério quis saber de que lugar da Terra ele era, a que 0 estranho respondeu: “Sono italiano", uma resposta que espantou 0 proprietério € seus fregueses. O sentimento nacis precoce. Paralelamente ao ataque a id tao bem manifestas pela expresso de da igreja local alcanca, 0s jovens intelectuais que escreveram I! Caff ha €poca todos com idade em torno de 25 anos - atacaram as formali dades e a rigidez da concepgio de lingua adotada pelos puristas. A ‘Academia della Crusca, uma distinta academia florentina, tentou regulamentar 0 uso do italiano literdrio, Se era para 0 ‘vansformar novamente em um vefculo vivo do sentimento nacional, cle teria de romper a estrutura académica, Nesse sentido, Alessandro : da parte dos 4 pied" Esse convite & expresséo natural pode ser encontrado no relato de Goethe sobre sua juventude em Estrasburgo quase no final dessa mesma década, Os jovens comegaram a usar seus cabelos desgrenhados e a se sentir alemaes, e ndo cosmopolitas, Foi em *Offenbarung® (revelacio) que descreve em Di: Watreit. Esbogando o portal a oeste de Minster em Estras do, mas uma construgio ale chamou “Deutsche Bat Por toda a Europa, no final da década de 1760 e inicio da década de 1770, oataque a formalidade da a se espalhou. A linguagem tina de se tornar mais natural, menos racional, rigida e seca, Para essa a mudanga de sentimento, nenhuma outra obra foi tioimportan- te quanto um pequeno ensaio escrito por Johann Gottfried Herderem. 1769. A Academia Prussiana de Ciencias anunciou um prémio para um ‘concurso de ensaios sobre a questo de a linguagem ser divina ou humanamente inspirada. Herder ganhou o concurso e o pequeno trabalho intitulado “Abhandlung ber den Ursprung der Sprache” 240 PETER BURKE F ROY PORTER icado por Christian Friedrich Voss em 1770. Herder respondeu a questo formulada pela Academia Prussiana com lum categérico ‘nao’. A linguagem nao era divinamente inspirada nem uma manifestacdo das leis gerais da natureza, mas um produto social, rmutével e irregular, que refletia 0 progresso da sociedade humana da tmais baixa & mais alta forma de conhecimento. A linguagem evoluiu, argumentou Herder, por meio da complexidade e da mudanca das relagées sociais. Ele também percebeu a qualidade reciproca de toda linguagem: “das erste Merkmal, das ich erasse, ist Merbwort fr mich und ‘Miteilungswort fir andere™ (0 primeito sinal que eu compreendo é um. simbolo para mim, mas um instrumento de comunicagdo para a outra pessoa]. A gramitica nao €imutavel, mas estd sujeita a mudanca social @ evolucio: “Deblinationen und Konjugationen sind miclts anders als Verkiirzwgen und Bestimmungen des Gerbrauchs der Nominum und Verbo: am mach Zakl, Zeit und Art der Person. Je roher also eine Sprache desto iin lesen Bestinmungen und zeigt bei jedem Scie den ien Vernunfi® [Declinacdes ¢ conjugagées nada mais so do que abreviagoes e determinagées de ntimero, tempo e tipo de pessoa no uso de nomes e verbos. Quanto mais ristica a lingua, mais irregular ela é em tais determinacées e mais ela mostra em todos os estdgios seguintes o curso da razdo humana]. Eis aqui uma nova concepedo de linguagem, que rejeitava uma natureza geral em favor de naturezas especificas. As leis universais da 1az5o deveriam agora darlugar a manifestacoes histricas de cada povo, ‘Mas o que era um povo? Herder considerava um povo uma hierarquia social que se desenvolve de pequenos cddigos restritos até a “Sprache” ¢geral ou nacional. Mas o que aconteceria se claramente néo se usasse na Europa? O Volk falava um dialeto de um tipo ou de outro (Herder chamou-o Mundar)e, em geral, nao era capaz de ler nem de escrever. A questione della lingua tornow-se cada vez menos uma questio de disputa dentro de um mesmo grupo social e comegou a envolver também relagbes horizontais. A audaciosa decisdo de Manzoni , toma- dda na década de 1820, de escrever um romance em italiano indicava que jd existia ou estava para se formar uma sociedade italiana na qual todas as classes pudessem participar. A construgéo de um Estado italiano unificado exigia uma lingua nacional unificada. As realidades na Itélia eram muito diferentes, ‘Como De Mauro havia mostrado, apenas uma parcela da populagéo podria ter reconhecido o italiano seo tivesse ouvido. De fato, quando HISTORIA SOCIAL DA LINGUAGEM 241 ‘9s imfos Visconti Venosta falavam italiano nas ruas de Napoles em. 1861, eles eram tomados por ingleses. Os napolitanos nao conheciam. 6 italiano falado. O italiano havia se cristalizado como uma lingua muito parecida com olatim, stil para poesia liricae para.altacultura, ‘mas inacess(vel para uma sociedade iletrada e economicamente atrasa- da.” Como Rosario Romeo mostrou em seu magistral estudo, em 1860 a ilha da Sicflia tinha 358 comunas, Dessas, apenas 268 tinham algum tipo de escola e, aquelas que exstam,eram deploréveseincompeten- tes. Mesmo no civilizado Piemonte, o problema da lingua era dificil, como 0 economista inglés Nassau Senior descobriu em sua viagem em 1850, A marquesa Arconati explicou Mesmo no Piemonte, a diferenga entre as linguas é nossa 1 tados falam italiano; mas, para eles, essa ums nunca se acostumaram a conversar.Porisso, e vveeméncia ou mesmo com fluéncia. Cavour é naturalmente um bom orador, mas em italiano ele nao fica 2 vontade. Percebe se que ele est traduzindo; 0 mesmo ocorre com Azeglio e com todos os outros, com excego de uns poucos advogados que estio acostumados ase disgir aos tribunais em italiano.” Mas o que era 0 italiano? Em Florenga, Nassau Senior teve uma conversa com o editor de um jomal liberal, Lt Costin © problema: , que apontou que nos diz respeito, porque o que er toscana 6 agora reconhecido como a lingua italianas, antiga, ouescrita, ea modern 0 escreve-se do mesmo modo como se fala, mas se eu fosse falar a Maquiavel, pareceria rdfculo; se eu escrevesse como se fal, smo para um toscano, portanto, 0 i escrito € uma lingua morta, Na metade do século XIX, a questione della lingua na Itéliasignifi- cava a ressurreigio de uma lingua culta rarefeita e sua imposigéo para as massas. Durante todo o século XIX, graméticos, lexicégrafos, pro- 242 PETER BURKE E ROY FORTER fessores e administradores lutaram para unificar, purficar e difundir a lingua nacional. (Um paralelo interessante 6ocaso da Eslovéquia. L4o poeta Ludovit Stur, em seu The Slovak Tongue or the Neces de 1646, props elevar a fala das pessoas eduucadas do centro da Eslova- quia & condigéo de lingua nacional. Nenhum dialeto serviria de base, 38 deles. "| A Eslovéquia fornect cessencialmente uma forma protestante moderna do antigo tcheco, 0 legado de Jan Hus. Inicialmente essa forma nao foi aceita pelos catoli- io de tentativas anteriores de criar da Eslovaquia com uma grande >, na verdade, os prop lingua Finalmente, a escol cial do reinado, de uma variante central eslovaca artificial ‘mente homegeneizada,feita por Stur, forgou os eslovacos que haviam aprendido a escrever tcheco ou aqueles tchecos que consideravam tchecos eeslovacos um tnico povo a fazer diffceis opgées. Com efeito, a escolha da lingua determinou a identidade, ¢ no 0 contrério. Como no caso moldaviano citado anteriormente, a caneta pode ser mais poderosa do que a espada no estabelecimento de comunidades pol ‘as, especialmente se a caneta for usada por um nacioné muns, Se para 0s esclarecidos graméticos do século XVIII o dialeto nao «ra um erro, mas apenas um impedimento & agradével uniformidade que a razfo ditava, a existéncia de dialetos no século XIX ameacou a estrutura do Estado. A questone della lingua tornou-se um problema de imposigdo da uniformidade da fala para transformar o que havia sido ‘uma miscelénea de povos em uma comunidade nacional. Esse proble- ‘ma é bastante conhecido hoje fora da Europa ‘Desde o final da Segunda Guerra Mund tém sofrido uma curiosa recuperacio. O dialeto jd no é mais inequi- vocamente a fala dos incultos. Nos dltimos vinte anos, no Piemonte, novamente tornou-se elegante, em todos os citculos sociais, falar 0s dialetos na Europa HISTORIA SOCIAL DA LINGUAGEM 243 piemontés, ¢ ndo italiano. A Sufga alema comegou a abandonar o aleméo padréo em situagées em que, hé dez anos, 0 uso do dialeto seria impensivel. Gianrenzo Clivio convenceu-me a tentar uma expe- ‘quando fiz um documentério para a BBC sobre lingua e dialeto ei duas conversas. Na primeira, peda trés falantes do piemon: tés, dois homens de negécios e um académico, para falar nessa | sobre um assunto qualquer que eles escolhessem. Em segundos tinham selangadoa uma conversa descontraida sobre teatroem Turitn ‘Mais tarde, em Salemo, gravei a conversa de um grupo de jovens Este grupo quase néo foi capaz de falar dialeto na presenga do micro- fone. Em meio a muitas rsadas embaragosas ¢ hesitagbes, eles resvala- zam para o italiano. Um deles explicou-me envergonhadamente: “Nés somos um povo submisso”. Para os sulistas, o dialeto ainda permanecia associado baixa cultura; o microfone, a alta. Na sua presence, tinbam de falar italiano, alinguagem da autoridade e da mobilidade social que cles mesmos perso \inguas tém profundas implica resultado de mudancas politicas ou econdmicas, a relagdo entre a lingua alta e a ingua baixa, \ingua e dialeto, rflete a relagdo social entre os falantes, Em ‘Turim, as pessoas de todas as classes falam piemontés facil e natu mente. Elas mudam do italiano para o piemontés sem dificuldade ou giles. Em Salern Assim comoas di io pode ser usado em todas as situagdes. Os jovens inghistas chamam de digl6s sicos, semelhantes, nesse sentido, 20s falantes do alemao da Sulca, reservam certas atividades para o Hochdeuisch,€ Em contrastecom osul ‘20 uso de dialeto na Suica,e diretores de bancoem Zurique falam entre sinaturalmente em dialeto.”* De fato, a questone del 20s problemas do para se ensinar as criangas de um gueto em um b: Nova York —dialeto negro ou inglés americano pai classe operéria de Liverpool néo deveriam primeiro ser ¢ “scouse"? O que lhes traria mais beneficios psicol6gicos e soci nscreveu um circulo e retornou ‘a linguagem adequada vel de 10? Ascriangas da das em 2 244 PETER BURKE F ROY PORTER Nenhuma dessas questdes é fécil e os animos se ac am durante éanova suposicéo ona expresso de da, Nesse pro- ipagdo. Ele sabia, como otinico iano em sua vila sardenha, que vantagem isso lhe dava, 911, ganhou uma bolsa de estudos para a Universidade into com outro jovern sardenho, chamado Palmiro Togli- 1 trabalho, o ttimode uma série chamada Cadernos 4 relacionado com a questo da gramé- tica. Para Gramsci, estava claro que, embora haja varios tipos possiveis de gramitica, a escolha entre eles nio seré neutra. A imposicgo da ‘gramética normativa é politico". Mas por que as autoridades politicas deveriam escolher uma variante em detrimento das outras? No caso italiano, o pres ersio vernacular do italiano ~ ou seja, 0 toscano medieval, usado por rarca e Boccaccio ~ estabeleceu-ocomoan stavalé paraserusado porManzonie parase como Brock a escolha dependia de divisées confessionais geograficas dos vales. No caso do moderno romanche, a dispersio ‘Beografica dos falantes impediu o crescimento de qualquer tipo de padrio. Gramsci estava certo 20 ver a discussio sobre uma linguagem padrao e sua imposigéo como um sinal de que outras mudangas nos alinhamentos afirmou em "Ne ido. Como ele che affora, 28 de riorganizzare 'egemonia vez que @ questéo da linguagem aparece, de uma forma significa que uma série de outros problemas esté comecando a se impor. a formacdo eo crescimento da classe dominante, a necessidade de esta belecer lacos mais estreitos e firmes entre esse grupo dominante e a ‘massa popular nacional, isto é, de reorganizar a hegemonia c\ No € necessério aceitaro marxismo de Gramsci para perceber que, empiricamente, sua observagio esté correta. Quando o Estado francés comegou a erradicar 0 patois, quando o professor Graur decidiu que 0 moldévio era uma lingua independente, quando Manzoni decidi «escrever em italiano, essas manifestacées culturais refletiam decisdes € HISTORIA SOCIAL DA LINGUAGEM. 245 escolhas politicas mais ou menos conscientes. Proferir palestras em allno em. 1765 ndo era uma atitude neutra;sgnificava aitmar a diversidade do mundo cultural. Proferir palestras em latim significava afirmar sua unidade. nantes de uma sociedade i i ‘A questdo da linguagem aparece e desaparece da constante intera- fo entre cultura e poder, mas no é a linguagem que simplesmente reflete as mudangas nas relagbes de poder e classe, como uma leitura grosseira de Gramsci poderia sugerir jana impuseram sua vontade, Ludovit Sturescolheu umn dialeto central eslovaco porque as tentativas rescom outras variantes ndo deram resultado, Foi aescolha do toscano que afetou as relagbes de poder, endo ocontrario. ou pelo menos ambiguo, em toda aidéia de cudoeslovaco cent ‘Muito disso est$ impl lingua. A circu por objetos que s40 também sujet ; ‘A questo de Gramsci nao € apenas @ também o problema do momento histérico. Um hi Fugit ao fato curioso de que, por aproximadament meio do século XVIII, quest as mentes de muitos intelectuais da Ei déncia que hoje os temas associados e fala, texto e discurso dominem nosso pensamento? uuagem de uma classe ou de um género, nossa época, Quer seja a 246 PETER BURKE E ROY PORTER ‘como nas décadas de 1760 e 1770, tem preocupagées e ansiedades lingatsticas. Nossa época, de maneira relativamente recente, redescobriu a realidade subjacente as grandes pressuposigées do nacionalismo do século XIX. Aequacio Volk = Sprache, estabelecida primeiro por Herdet que se espalhou por todo o Leste europeu, parece menos Gbvia agora Os dois termos da equacao sao probleméticos. Os franceses no sio todo o povo que fala francés, e nem todos ositalianos, até recentemen- te, falavam italiano, Ainda hoje, uma substanci cotidiano, fala habitu: segundo lingtistas. As fron vernaculares ou em seu mesma forma que no século nntamos os problemas de definicdo e da permanéncia de reivindicagées que teriam sido auto-ev dentes hé uma geracéo, Nao est4 mais claro qual fala ou qual r €o.correto em qual situacso Por que deveria essa nova versio da questione d ia tersurgido agora? Sem diivid, ocorreram mudancas importantes exatamente nas. ‘reas que Gramsci insistiu em que analiséssemos: as relagBes de produ do. Velhas indsstrias entram em declinio e surgem novas. © surgi ‘mento dos computadores, sua transformagio em relacio & sua forma original, o enorme cérebro eletrénico que ficava atrés de portas fecha- das eera acessivel a poucas pessoas, em um item de consumo de massa € toda a discusséo sobre tecnolo amente nos lamos em linguagem de méquina ou em cédigos de a académica e a industria de computadores se lucro de ambas, Pode ser que, em relaco aos anos 1760 1770, um espiritoempreendedor venha a descobrir que a mecanizag3o nascente da sociedade inculcou a questao da inguagem nas mentes de Herder e de seus contempord Uma outra explicacéo para o sem diivida, a disseminacéo nacionalismo, Da India & lutam com a relagéo entx © regional, entre dialetos locais e tribais. A migracéo em massa das evonomias menos desenvolvidas para as mais desenvolvidas lotou as HISTORIA SOCIAL DA LINGUAGEM 247 escolas primérias em Bedford e Diisseldorf com criangas que falam alguma coisa que nao éa lingua nacional padro. O mundo educacional ntar as vantagens e as desvantagens do ensino de “lingua 1as de Manzoni sao bem idental, A *Iingua mater- aumentar na segunda metade do século XVII, mas seria trar essa mudanga, O que fica claro, ¢ 0s contempordneos perceberam isso, €o crescimento de um Estado central cada vez mais unificado. A ‘Alemanha eta uma na¢o num sentido literdrio nos anos 1770; foi preciso mais um século para que se tornasse uma nacio no sentido, polftico. O periodo que se iniciou com a Revolugao Francesa e terminou com a Segunda Guerra Mundial pode ser visto como o arco da ascensio equeda do Estado-nagio europeu. Desde 1945, 0 nacionalismotem sido 10 mais pri as — 0s bascos, os (0s galeses, os escoceses, os irlandeses, os bretdes, 0s Poves de Jura, \ingaros na Roménia e assim por diante — ou de comunidades isticas anteriormente dominantes que perderam seu poder para como no caso da rivalidade servo-croata ou valéo-flamenga. Ao lado da ferocidade das pequenas nacionalidades estava a desintegracio do Estado-nacio. Abaixo de um certo nivel, a economia nacional olide com os limites de mercado e de recursos; organizag6es regionais supra- nacionais surgiram para enfrentar esse desafio. A Comunidade Econ6 Européia corz6ia soberania de seus membros ea consciéncia que sobre si mesmos. A perda de confianca no Estado nacional e sua sobre o raciocinio de todos igua ressurgiu em formas e lugares inesperados. 185, nao o era em 1785, e mais uma Gramsci estava certo. Quando a 248 PETER BURKE & ROY PORTER 5 Entrevista em “The Dark Wood of Dialect’, por Jonathan Staniey Williamson, tansmissfo da BBC Radio 3, 6 Michael Bruchis, One Sip Bak Twe Steps Fon Communist Paty of Language Policy ofthe publics, East European der, 151 1 MeDavid Je, Di 9 Eugen Weber, Passa ees, p 496, Cla pn Le ons Sec Te Tomo 1 Cesar Man, 19674, pl PRespar © despot de suai eon cps de mae edo wo a pola 18 Antonin Che Pe WA Ve gramstcos, saberfamos que ‘croc’ se esceye com dots amos todos ap. (N.)) tg Wale: Ausreinem Leber I Tel, Munich, 1961, ber den Ursprung dex Sprache, in: Erich nen, Hamburg, 1960, p 30,31 1970, 9274, aly fom 1858 £852, London, 1971, v1, i; Toronto, 1976, pA. i?, ed rev, Cambridge, 1980, 1008 grammatica, Quadene, v.29 p234151 5, p27. 24 idem, 2346. ENSAIO BIBLIOGRAFICO Tendo em vista o fato de que a histéria social da linguagem é um desenvolvimento recente, dficilmente os leitores poderdo esperar uma bibliografia abundante. Mas existem. ser consultados; alguns deles so exemplos de uma historia da ling gem mais tradicional, uns lidam com sociolingiistica € outros so estudos socio-histéricos em sentido estrto. 1 Histéria da linguagem 4a) Sobre a lingua inglesa Growth and Structure of the English Language, Leipzig, 19085, de O. Jespersen, continua sendo um classico, da me: cobras de Eric Partridge, entre elas Slang Today 1983. A History of English, 1970, de Barbara M. H. Strang, € um estudo bastante técnico, escrito do presente para o passado. Sobre a Idade Média, R. Bemdt, The Linguistic Situation in England 1066-1204, reimpr.em Approaches to English Historical Linguistics, R Lass (Ed), New York, 1969; R. M, Wilson, French and English in England, History, v.28,

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