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CONCEPÇÕES ACERCA DE EDUCAÇÃO EM ARTE E CULTURA VISUAL:

INTERCULTURALIDADE, INTERTERRITORIALIDADE E RELAÇÕES COM A


LEITURA DE IMAGENS.

Uillian Trindade Oliveira1

RESUMO

O presente artigo reflete sobre as concepções teóricas acerca da arte-educação, abordando


aspectos tais como cultura visual, interculturalidade, interterritorialidade e leitura de imagens.
Uma vez que na contemporaneidade experimentamos a era do “inter”, com vivências também
no ambiente virtual, torna-se necessário pensar uma educação em arte que possibilite a
compreensão dos códigos culturais que atravessam o cotidiano das relações sociais, como
questões de gênero, etnia, cultura, religião e sexualidade, para rearticular uma visão crítica do
mundo. O diálogo sobre essa temática com Hernandez (2000), Amaral (2008), Barbosa (2008)
e Richter (2008), entre outros, mostra que educação intercultural por meio da arte se constitui
em um cruzamento de fronteiras que, antes de ver a diversidade de códigos como problema,
reconhece-a como potência para o aprendizado sobre si e sobre o outro.

Palavras-chave: Cultura visual, interculturalidade, leitura de imagens.

ABSTRACT

The present article reflects on the theoretical approaches about art-education, addressing
issues such as visual culture, interculturality, inter-territoriality and image reading. Since in
the contemporaneity we live the “inter” era, with experiences also in the virtual environment,
it has become necessary to think an education in art that enables the comprehension of the
cultural codes that cross the social relations of daily life, such as gender, ethnicity, culture,
religion and sexuality, to rearticulate a critical vision of the world. The dialog about this
theme with Hernandez (2000), Amaral (2008), Barbosa (2008) and Richter (2008), among
others, shows that intercultural education through art sets a crossing of borders that, before
seeing the diversity of codes as a problem, recognizes it as power for the learning about
oneself and about others.

Keywords: Visual Culture, interculturality, image reading.


INTRODUÇÃO

Questões de identidades nacional, cultural e individual estão presentes no cotidiano


de pessoas de variadas etnias, territórios, idades, gêneros e classes sociais. Pensar as
concepções teóricas acerca de arte e cultura, hoje, perpassa questões multiculturais, na
tentativa de se promover a equidade por meio da análise crítica da sociedade. A preocupação
não pode situar-se apenas na forma das produções artísticas, direcionando-se, também, ao seu
conteúdo conceitual, para abarcar essa multiculturalidade.
A arte, como bem cultural, social e histórico e com seus códigos formados por
imbricações, tem sofrido rompimentos de fronteiras e territórios. Barbosa (2008) afirma que a
arte contemporânea busca se interdisciplinarizar por meio de diálogos entre as diversas
competências, meios e territórios, para rearticular uma visão crítica do mundo.
É evidente que estamos vivendo a era do “inter”, tanto no mundo digital, com a
internet, como na cultura e na educação, o que exige a reavaliação das práticas educativas.
Estas precisam ser delineadas para uma sociedade com menos fronteiras, dando lugar a
interconexões e sincretismos, criando valores culturais mais democráticos, inclusive pelo uso
das novas tecnologias de informação e comunicação.
Desse modo, a interculturalidade é necessária e urgente para o ensino das artes
visuais na atualidade. Richter (2008) afirma que o ensino intercultural em arte busca uma
educação inclusiva em sentido amplo, respeitando as subjetividades e características dos
atores na escola. Objetiva, ainda, à preservação de códigos culturais, por meio da
compreensão de contextos macroculturais. Isso porque as relações de alteridade são vistas
como forças potentes para promover a tolerância e o cruzamento cultural das fronteiras entre
grupos. Com a educação intercultural, ao apropriar-se da sua cultura e de outras culturas, o
educando dá significado à sua existência.
Em tal perspectiva, a arte contemporânea possibilita a valorização de diferentes
grupos étnico-raciais. O aprendizado intercultural funciona quando as experiências pessoais e
os sentimentos são compartilhados. Para tanto, é necessário, primeiro, que o educando
compreenda suas concepções de mundo, arte, gênero, etnicidade, para promover o chamado
cross-cultural, ou seja, a troca intercultural. Com a arte, portanto, ele poderá aprender ou
vivenciar as relações interculturais, a fim de conhecer e respeitar, usufruir as relações
culturais na alteridade.
Para reforçar a necessidade de compreendermos as diferentes interconexões culturais
e étnicas, reportamo-nos a Conduru (2007), que sublinha a existência de dúvidas em relação
ao que seja arte africana, arte brasileira e arte-afro-brasileira. Quando se tenta sintetizar uma
definição, se diz que ela constituiria qualquer manifestação plástica visual que retorne, de um
lado, à estética e a religiosidade africanas tradicionais, e, de outro, ao cenário sociocultural do
negro no Brasil.
Dessa maneira, a arte afro-brasileira constitui-se como um campo plural, composto
por objetos e práticas bastante diversificados e que sofrem tensões e cruzamentos estéticos. A
título de ilustração, proponho uma leitura de uma obra de Rugendas (Figura 1).

Figura 1 – Johann Moriz Rugendas, “Mercado de negros, Voyage Pitoresque dans le Brésil”,
litografia, 1835. Disponível em: <https://br.pinterest.com/pin/737183032727591444/ >.
Acesso em: 20 jan. 2019.

A cena compõe-se por diversas pessoas: negros e brancos, senhores e escravos,


sendo estes em maior número e agrupados. Está bem iluminada, com aspecto romântico,
apesar de retratar a monstruosa situação da escravidão: humanos sendo vendidos como coisas,
mercadorias. Na paisagem, vemos a presença forte da Igreja Católica, por meio de uma cruz
no alto da torre sineira. Dentro do mercado, sobre o arco, na entrada, também está presente a
imagem da Virgem Maria com o menino Jesus, talvez, para amenizar a dor dos escravos,
provocada pelos mesmos homens que puseram a imagem religiosa ali.
Os cativos agem de diferentes maneiras enquanto ocorrem as negociações para
comercializá-los. Em torno do fogo, um grupo de mulheres com crianças; na outra parte,
alguns homens deitados em esteiras; três conversam com uma vendedora negra que está
sentada logo à porta, atrás da qual um escravo está debruçado sobre meia-parede, parecendo
contemplar a beleza da paisagem ou, talvez, calculando uma fuga, ou imaginando como seria
viver livre no novo lugar ou, ainda, o banzo da sua terra de origem.
Todavia, ao discorrermos sobre o contexto intercultural da arte, o que chama a
atenção na imagem são os dois negros voltados para a parede. Um a utiliza para desenhar,
compenetrado, criando suas representações, talvez, promovendo imbricações da cultura nativa
africana com os novos modos de vida no Brasil, enquanto alguns o observam atentamente.
Observamos, a partir disso, que Rugendas quis comunicar a humanidade da arte, ainda que em
meio a uma situação tão hostil, sublinhando que ela está presente em todas as culturas, sendo
um refúgio, principalmente quando à nossa realidade se interpõem adversidades.
Outro exemplo são as obras do Mestre Didi, que, por sua vez, mostram as
possibilidades de interconexões artístico-culturais preservando valores religiosos. No
envolvimento de artistas que lutam contra o preconceito e discriminações raciais, podemos
destacar também as ações do político, artista plástico e escritor Abdias do Nascimento.
Na educação em arte baseada na interculturalidade, a articulação entre cultura e
gênero também precisa ser realizada. Fernández Cao (2008) sublinha a necessidade de
pensarmos para além de um único gênero na história da arte, o masculino, ocidental, burguês,
patriarcal. Para superar a individualidade criativa e a primazia dos territórios geográficos e
econômicos (Europa), é preciso a busca por uma maneira de entender o mundo e de expressá-
lo. Isso requer revisar a história e a representação da mulher no seu transcorrer; estudar os
símbolos icônicos; reconhecer clichês na figura feminina; encontrar e fazer aparecer criações
femininas, promovendo uma leitura de imagens que aprecie os gêneros, pois muitas
produções foram criadas com a cooperação de artistas mulheres.
Ainda sobre questões de gênero, Dias (2005) destaca que os estudos sobre gênero e
sexualidade, principalmente a representação do masculino, por meio da teoria Queer,
surgiram na década de 1990, constituindo uma nova discussão à época. Esse campo teórico
abstrato tenta desconstruir aspectos de normalidade, singularidade e estabilidade então e ainda
hoje associados à identidade.
O termo Queer foi utilizado de maneira pejorativa contra aqueles que vivenciavam
sexualidade diferente da imposta pelos padrões conservadores. Assim, a partir dos anos 1980,
essa alcunha foi apropriada e adotada como expressão de honra pelos homossexuais na luta por
suas causas.
Nas artes, o pensamento Queer considera e contesta a identidade transcultural no
contexto pós-moderno. São trabalhos artísticos com imagens produzidas com temáticas que, a
partir dos anos 1980, retratam a homossexualidade, articuladas com questões que surgiram do
gênero e da política de identidade. Há a tentativa de se apresentar uma simples definição da
Queer Art como sendo a arte produzida por artistas homossexuais, a qual não dá conta de
explicar um conceito que é mais amplo.
Muitos críticos buscam retratar a arte Queer meramente como arte homoerótica.
Porém, em sua maioria, os trabalhos dessa vertente são marcados por um contexto político
engajado, abordando questões referentes à discriminação e à homofobia, bem como legislação
que proteja os direitos de pessoas homossexuais. É comum aparecer nesses trabalhos a
utilização de excreções humanas, símbolos eróticos, objetos inusitados, que provocam dor e
tortura psicológica. Outros trabalhos possuem forte conotação homoerótica, com cenas ou
situações sensuais, explícitas ou sutis.
Ao abordar a educação multicultural e as Black Arts, um movimento político de
artistas negros no Reino Unido, Mason (2001) traz questões étnico-raciais e
interculturalidade, dialogando com a poética da diferença, que presume que todos têm o
direito de se reconhecer por suas próprias identidades e que a distinção de grupos culturais em
particular também deve ser reconhecida.
O diálogo entre interculturalidade, religião e alteridade está presente na obra de Frans
Krajcberg. O fato de o artista plástico ter fixado residência no Estado da Bahia – lugar que
muitos consideram ser um pedaço ou extensão de ações culturais do continente africano no
Brasil – e ali ter convivido com o candomblé talvez o tenha inspirado a produzir, no fim da
década de 1980, uma série de esculturas chamada “Africana”.
Com a proposta dessa série, Krajcberg avançou ainda mais em sua plástica
escultórica. O artista incorporou aos troncos de palmeiras outros materiais, como cipó,
gravetos e caules de outras árvores, calcinados, na sua maioria. Desde quando o conheci,
nunca percebi um discurso religioso em sua fala. Mas Krajcberg vai buscar nos ritos africanos
fontes para potencializar seu processo criativo com os elementos da natureza. Mesmo não
sendo religioso, suas esculturas vão ter um aspecto xamanista e inegável relação com as
vestes usadas em muitos rituais de magia de origem africana.
A proposta da série é fazer uma relação com as máscaras africanas, as quais, vale
ressaltar, não dizem respeito apenas ao objeto que cobre a face, mas, também, a enfeites para
outras partes do corpo. Em muitos países da África, elas estão associadas a rituais religiosos,
agrários e funerários. Neles, a máscara também é utilizada para afirmar o domínio do homem
sobre a mulher, por exemplo.
Assim, se na série “As palmeiras” suas esculturas eram femininas, em “Africana”,
Krajcberg deslocou elementos que, na África, pertenciam apenas ao ornamento dos corpos
masculinos para embelezar a feminilidade das palmeiras brasileiras. Muitas parecem mães de
santo vestidas com suas saias rodadas em rituais sagrados do candomblé (Figura 2).

Figura 2 – Frans Krajcberg, esculturas da série “Africana”, fim dos anos 1980. Disponível em:
<http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa10730/frans-krajcberg>. Acesso em: 20 jan.
2019.

Outro artista que imprimiu à sua poética plástica características da arte afro-brasileira
foi Rubem Valentim, a partir da segunda metade do século XX, o que ele próprio expressa no
seu “Manifesto ainda que tardio”, escrito em 1976, no qual assim expõe:

minha linguagem plástico-visual-signográfica está ligada aos valores


místicos profundos de uma cultura afro-brasileira (mestiça-animista-
fetichista). [...] Intuindo o meu caminho entre o popular e o erudito, a fonte e
o refinamento – e depois de haver feito algumas composições, já bastante
disciplinadas, com ex-votos, passei a ver nos paxorôs, nos oxês, um tipo de
“fala”, uma poética visual brasileira capaz de configurar e sintetizar
adequadamente todo o núcleo de meu interesse como artista. O que eu queria
e continuo querendo é estabelecer um design (RISCADURA
BRASILEIRA), uma estrutura apta a revelar a nossa realidade – a minha,
pelo menos – em termos de ordem sensível (VALENTIN, 1988, p. 294).

Tais características podem ser observadas na serigrafia mostrada na Figura 3.


Figura 3 – Rubem Valentim, sem título, 1989, serigrafia, 77 x 140 cm. Disponível em:
<http://www.espacoarte.com.br/obras/8893-rubem-valentim>. Acesso em: 22 jan. 2019.

As obras de Valentim não buscam uma fidelidade realista figurativa, mas recriam,
por meio de formas geométricas, o universo da cultura afro-brasileira. Em análise desta
imagem pela ótica formal, notamos que o artista lança mão de tons terrosos, talvez para
representar a terra, de onde, ao mesmo tempo, se originam recursos para a manutenção da
vida (por exemplo, a alimentação), sendo também o lugar que recebe os mortos.
Observamos, ainda, que o artista usa figuras geométricas estruturadas, simbolizando,
de maneira sobreposta, o design dos instrumentos utilizados nos cultos de candomblé, tais
como o leque espelhado (abebê), um cajado (opaxarô), a lança (seta). No centro da imagem,
percebemos uma espécie de escada, que aponta em direção a uma figura circular, parecendo
simbolizar um destino, um objetivo, um mestre, uma cabeça; um ori, enfim, uma divindade
que deve ser alcançada. Neste ponto da imagem, notamos a representação de duas figuras
humanas, frente a frente, um encontro entre o eu e o outro, a relação que permite ao humano
conhecer a si mesmo, porque o outro se constitui nosso espelho na relação de alteridade, não
porque seja a repetição do que somos ou porque seja algo a ser imitado; como menciona
Leitão (acesso em 3 abr. 2019), é espelho justamente por ser diferente, o que nos remete ao
olhar para nós mesmos, sem o que não há o olhar, a alteridade e o respeito ao outro e ao
mundo.
LEITURA DE IMAGENS E PROTAGONISMO JUVENIL

Na contemporaneidade, processos de leituras de imagens no contexto da significação


possibilitam olhar, refletir, fruir e compreender a diversidade cultural e visual. Hernandez
(2000) propõe o conceito de cultura visual como mudança educativa para se relacionar com o
mundo imagético que se apresenta a nós. Para o autor, a partir da arte e suas
representatividades visuais nas diferentes culturas a educação promove mudanças,
influenciando na construção social. Nessa perspectiva, educar pela cultura visual recupera a
narrativa e a singularidade em sua construção, gerando leituras e significados de mundo.
Por exemplo, a necessidade de leituras de imagens no campo publicitário, com o qual
estamos constantemente em contato, mostra claramente que há um enunciador que usa um
discurso persuasivo para conquistar seus clientes, por meio de um contrato de veridicação,
para fazer crer o contrato fiduciário. A tomada de consciência em relação a essa dinâmica é
fundamental.
Nesta linha de pensamento, Oliveira (2005) pontua que, com base na semiótica, é
possível descrever a significação na construção de um texto, seja ele verbal, seja visual,
possibilitando apreender como ela se constitui. Em especial, a autora analisa o percurso
gerador de sentido proposto pelo semioticista lituano Algirdas Julien Greimas. Considerado o
teórico da significação, ele busca descrever os arranjos da linguagem pelos seus diferentes
significados. A aplicação de sua proposta à leitura das imagens que perpassam o nosso
cotidiano permite o entendimento de sua sintaxe e semântica.
Ler imagens no contexto da significação torna o repertório de sentidos e cognição
mais amplo, para desvelar novos conhecimentos no plano do conteúdo e da expressão da
imagem e na relação entre seus elementos. Assim, é possível uma reeducação do olhar a partir
da decomposição do texto visual, buscando melhor conhecê-lo e apreendê-lo, identificando
suas articulações e sua significação. Quando uma imagem estética tem uma significação,
temos uma imagem artística.
Para chegar ao sentido ou plano do conteúdo de uma imagem, o leitor precisa estar
com um repertório de sentidos imagéticos e capacidade cognitiva para desvelar novos
conhecimentos, transitando entre os componentes do texto visual. Oliveira (2005) entende que
há diversas possibilidades perpassando o visual do trabalho artístico (plano de expressão) e,
ao mesmo tempo, tecendo sua significação (plano do conteúdo). Fica sublinhada, portanto, a
necessidade de uma educação em arte que examine minuciosamente os pontos relevantes de
um texto estético.
Um exemplo da falta de repertório para leituras de imagens destacado por Oliveira
(2005) refere-se à apresentação de “Guernica”, obra de Picasso produzida nos anos 1930. À
época, o público a recebeu com intolerância, disparando críticas ácidas, por falta de
compreensão dos novos paradigmas estéticos da arte moderna requeridos para sua leitura.
Todo texto estético é um grande gerador de sentidos: o leitor, sendo estudante, artista
ou leigo, usará estratégias para reconstruir essa imagem, acionando sua cognição, mediada por
seus sentidos, por suas diversas maneiras de olhar, decompondo os elementos da imagem e
articulando-os para compreender o todo.
As imagens são eloquentes, querem falar a todo o momento. Possuem formas que se
articulam para criar significados. Eis, então, a importância de estarmos preparados para
compreender o que elas estão comunicando, a partir de uma leitura que permite entendê-las
em seus contextos sociopolítico e cultural, pois seus discursos são transmitidos por um
sistema de códigos e signos estabelecidos culturalmente.
As artes visuais fazem parte do conteúdo social dos jovens, pois um bombardeio de
imagens os convida ao protagonismo. Barbosa (2016) sublinha que o pesquisador norte-
americano James Caterrall defende a potência das artes visuais para promover nesse grupo
etário o desenvolvimento da cognição, raciocínio e leitura sofisticada do mundo. Para a
autora, as artes visuais são a disciplina escolar à qual coube a tarefa de preparar para a leitura
de imagens.
O jovem está rodeado de imagens, principalmente as digitais, as quais vendem
produtos, conceitos, comportamentos e slogans políticos. Uma educação que privilegie o
pensamento crítico e a leitura de mundo dos conceitos visuais, sociais e históricos educa os
sujeitos para uma postura crítica e participativa na sociedade, o que se pode promover, por
exemplo, estimulando a frequência de jovens pobres a museus, galerias de artes e espaços
expositivos, geralmente mais acessíveis às elites.
Ao longo da história, houve mudança significativa na relação do homem com os
trabalhos artísticos. Na contemporaneidade, essa relação passa a ser mediada por disciplinas
que tentam defini-la cientificamente. Tais mediações possibilitaram a inclusão de novos
saberes e fazeres esteticamente valorados pelos padrões sociais vigentes, denotando que os
meios mediam as experiências com a arte.
Hernandez (2000) apresenta o conceito de cultura visual como mudança educativa
que permite aos jovens compreender e interpretar o contexto imagético em que estão
inseridos. Isso posto, a educação em arte deve considerar em seu currículo aspectos como a
interculturalidade, a interdisciplinaridade, seus territórios e a integração das artes com seus
modos de produção, de sentido e significação, para que o jovem tenha uma visão articulada
em relação ao mundo que o cerca.
Amaral (2008) sugere que uma forma de atingir a interterritorialidade da arte é a
ocupação do espaço urbano pelos atores sociais e suas memórias, em um fenômeno
construído social e individualmente, sujeito a constantes transformações, que intensifica os
sentimentos de pertencimento de sua identidade e do grupo ao qual está integrado.
Ocupar esses lugares propõe percorrer memórias, lançar mão das histórias oral,
audiovisual e corporal. Fazer esse percurso é propor encontros do eu com o outro, compondo
e recompondo as paisagens urbanas, com seus fragmentos de experiências híbridas e
transitórias.
À medida que a vida social vai se tornando mediada pelo mercado globalizado de
estilos, fazeres e maneiras de ser e estar, estimulados, principalmente, pelas mídias digitais, as
identidades tornam-se desterritorializadas de suas raízes, tonando-se líquidas, fluidas, em
liberdade constante. Em cenário assim caracterizado, o ensino interterritorial em arte
potencializa-se com o ensino intercultural, construindo pontes entre lugares de produção de
cultura, a partir de vivências cotidianas, poesias em grafites-murais, televisão, cinema, teatro,
dança e música.

ÚLTIMAS CONSIDERAÇÕES

Pensar as artes visuais na percepção dos jovens é considerá-la como potência de


apropriação da linguagem social e cultural em sua narrativa e singularidade. Os jovens fora da
escola estão em contato com meios de comunicação e, consequentemente, com uma variedade
riquíssima de imagens e tecnologias.
A articulação entre educação, artes visuais e a cultura dos jovens permite-nos pensar
uma educação mais atrativa, resultado de uma ação pedagógica que se constitui em um ato
político e que, portanto, sinaliza para uma educação em artes visuais que estabelece e
aprofunda o olhar sobre as relações sociais, com a vivência, a reflexão, o respeito às
diferenças e à autonomia. Nesse sentido, a expressão “cultura visual” cunhada por Hernandez
(2000) auxilia na compreensão do protagonismo juvenil a partir de seu contexto imagético.
Esse termo surge de uma necessidade de mudanças culturais relacionadas ao olhar, para o
mundo e para si mesmo.
Na contemporaneidade, o conceito de arte fugiu da esfera da técnica e da
contemplação; estudar, produzir e fruir arte envolve reflexão, valorização da imagem como
campo de conhecimento, reconhecimento e valorização das diferentes culturas e mídias, em
diferentes contextos. Por isso, é preciso, também, valorizar as relações com o espaço da
comunidade, assim como entender a potência das tecnologias contemporâneas, a fim de
escapar da hegemonia historicista de estilos, escolas e cânones consagrados, explorando a
variedade de temas que perpassam a cultura visual, imagética.
A educação para a cultura visual é amplamente crítica, posicionando o jovem com
autonomia frente a qualquer imagem, visual, verbal ou sonora. A educação seguirá por
semelhante trajeto quando se aproximar dos lugares onde os jovens estão, contribuindo para
que estabeleçam relações e delineiem suas opiniões e subjetividades, o que se faz no conflito
de gerações e identidades.
A educação do século XXI clama por um currículo que interponha a
interculturalidade, a interterritorialidade, a interdisciplinaridade, as artes, sua produção e
abertura de caminhos para uma visão articuladora do aluno em relação ao mundo e a si
mesmo. Para alcançar tal intuito, se faz necessária a ocupação do espaço urbano pelos sujeitos
e memórias, construindo, de forma, ao mesmo tempo, coletiva e individual, o sentimento de
identidade.
Dialogar com a cultura visual dos jovens é interpretá-los e ampliar seus processos de
interação com o mundo, uma vez que a arte possibilita ao ser humano repensar suas certezas e
reinventar seu cotidiano, atribuindo sentido à leitura do mundo e humanizando-se no interior
da cultura que ele produz.
A educação intercultural em arte pretende a preservação da cultura e da harmonia
pelo desenvolvimento de competências em muitos sistemas culturais. É o envolvimento em
conhecer e ter competência para lidar com os códigos culturais de outras culturas, bem como
conhecer também os códigos da sua própria cultura.
Segundo Barbosa (2005), a principal característica da educação intercultural é o
reconhecimento da diversidade como potência, ao invés de ser vista como um problema, do
que decorre a pretensão de se homogeneizar a todos. Reconhece a similaridade entre grupos,
em lugar de levantar as diferenças. Propõe o cruzamento cultural das fronteiras, levando o ser
humano a aprender a ser competente na sua cultura, dialogando, todavia, com outras.
O aluno que vê sua cultura salientada, estudada e valorizada percebe-se ator do
mundo em que vive, do que resultam pessoas mais conscientes, críticas, principalmente a
respeito de valores estéticos de diferentes grupos sociais e étnicos.
REFERÊNCIAS

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Disponível em: <https://gauchazh.clicrbs.com.br/porto-alegre/noticia/2016/10/a-arte-ajuda-a-
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1
Doutor em Educação pela Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes). Artista plástico, professor de Arte e
gestor escolar na Secretaria Estadual de Educação do Espírito Santo. E-mail: uillian.trindade@gmail.com

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