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Memórias de Ezequiel Carvalho ABC das Barragens

3 TRANSPORTE DE SEDIMENTOS E ASSOREAMENTO DE ALBUFEIRAS

3.1 Introdução à erosão do solo

O solo dos continentes está sujeito a um lento mas contínuo processo de erosão de que são
principais responsáveis a água e o vento. A energia de uma gota de água de massa m que cai com
uma velocidade v na sequência da precipitação atmosférica é mv2/2. Sabendo que, com chuva
forte, as gotas têm um diâmetro médio de 1.5 mm e caem a uma velocidade de 5 a 6 m/s, conclui-
se que uma só gota transmite ao solo uma energia de aproximadamente 2x10-4 Joules. Grande
parte desta energia é gasta para desagregar a estrutura do solo, libertando as partículas mais
pequenas. Para além deste efeito (que é, normalmente, minimizado pela vegetação pois esta
absorve a energia cinética da chuva), quando a intensidade de precipitação é maior do que a
capacidade de infiltração, gera-se um escoamento superficial que, além de arrastar os materiais
mais finos levantados pelo impacto das gotas, tem também um poder erosivo. Este poder erosivo
do escoamento superficial aumenta com a altura do escoamento e com a inclinação do terreno.
Uma situação vulgar é da erosão do solo numa encosta aumentar com a distância à medida que a
inclinação aumenta e diminuir (ou até deposição de sedimentos) na zona de sopé onde a inclinação
é pequena.

Enquanto a água não abre caminhos privilegiados ao longo da encosta, o escoamento superficial
é laminar embora o se considerar uma lâmina de água uniforme sobre o solo seja uma idealização.
No entanto, como o efeito em termos de erosão é a remoção de uma camada aproximadamente
uniforme do solo, aceita-se esta idealização e designa-se este tipo de erosão como erosão por
lâmina de água. À medida que a água se concentra em caminhos privilegiados (linhas de água),
criam-se regos e sulcos dando origem a uma erosão localizada mais intensa designada por erosão
por sulcos. Os sulcos podem ir desde alguns centímetros em largura e profundidade e poucos
metros de profundidade até alguns metros de profundidade com dezenas de metros de largura e
quilómetros de cumprimento.

A erosão por sulcos tem normalmente uma importância reduzida em comparação com a erosão
por lâmina de água em termos de quantidade de solo removido. Esta forma de erosão ganha maior
dimensão em zonas de construção urbana, aterros e escavações de estradas ou zonas de exploração
mineira devido à remoção da cobertura vegetal e da camada superficial do solo (mais permeável),
compactação e impermeabilização do solo e criação de taludes com grandes inclinações.

Parte do material resultante da erosão do solo acaba por se depositar na própria encosta de origem
ou em valas de drenagem pluvial. Outra parte, no entanto, atinge as linhas de água e os rios

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constituindo uma parcela do respectivo caudal sólido. A parcela restante do caudal sólido é
composta pelo material resultante da desagregação das rochas pelo próprio leito e, embora em
quantidade pouco significativa, do transporte eólico.

3.2 Importância do problema do transporte de sedimentos

Quando um rio tem o seu leito em zonas de aluvião ele é designado como rio aluvionar.
Normalmente, os troços terminais dos rios são aluvionares. Em Moçambique, os troços
aluvionares dos rios são muito importantes nas bacias do Sul e Centro, tendo menor expressão no
Norte do país. Nos rios aluvionares há uma grande interacção entre o rio e a planície onde ele se
move: no imediato, o escoamento é determinado pelas condições do leito (e da planície de cheias);
em períodos longos, de dezenas e centenas de anos, o leito e a própria planície são “criados” e
“modificados” pelo escoamento do rio e pelos sedimentos que este transporta.

Quando não sofrem interferência humana em escala significativa, os rios aluvionares estão
normalmente numa situação de equilíbrio dinâmico, isto é, as condições em que se processa o
escoamento mantêm-se estáveis ao longo de grandes períodos de tempo embora haja sucessivas
pequenas modificações para a manutenção desse equilíbrio dinâmico que significa,
frequentemente, que ao longo do seu curso o rio tem uma capacidade de transporte igual à carga
de sedimentos e que na parte terminal, essa capacidade diminui, originando deposição de
sedimentos e a formação de deltas. Quando por qualquer razão as condições (do escoamento ou
dos sedimentos) se alteram, o rio reage modificando as suas características morfológicas
(inclinação, secção, meandros, etc.).

Pode referir-se como exemplo o do rio Nilo. Ao longo de muitas centenas de anos o Nilo
transportou sedimentos que se foram depositando junto à foz formando o famoso Delta do Nilo.
Quando em princípio da década de 1960 a barragem de Ansuão entrou em funcionamento, grande
parte dos sedimentos passaram a ficar retidos na barragem o que teve por consequência o início
de um processo de erosão no Delta do Nilo.

É, por isso, extremamente importante reter a noção de que um rio aluvionar transporta água e
sedimentos e que o rio reage a qualquer modificação profunda das condições, quer do caudal
líquido, quer do caudal sólido.

O interesse do estudo do problema dos sedimentos é, portanto, muito grande pois ele serve de base
para dar resposta a muitos problemas práticos da engenharia hidráulica, por exemplo:
 Se se construir uma barragem, qual o volume necessário para armazenar os sedimentos
que se depositarão na albufeira?

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 Quais as consequências de se reduzir a planície de cheia dum rio construindo diques?


 Como devem ser protegidos os encontros e os pilares de uma ponte?
 Qual é o impacto de cortar meandros de um rio?
 Como se deve dimensionar um canal erodível?
 Ao fim de quanto tempo assoreia uma bacia de sedimentação?

Convém desde logo salientar que o grau de precisão das respostas a estas e outras perguntas é
muito baixo, em comparação por exemplo com os problemas dos escoamentos em pressão. Os
conhecimentos no domínio do transporte de sedimentos têm um carácter essencialmente empírico,
fundamentalmente porque a interacção dum escoamento turbulento, ele próprio mal conhecido
teoricamente, com uma fronteira que não é rígida, sendo composta por sedimentos que podem ser
arrastados, é extremamente complexa, não podendo ser representada por equações simples. A
maioria dos conhecimentos baseia-se, por isso, em experiências e medições quer no campo quer
no laboratório. Esta situação é agravada pelo facto de ser bastante mais complicado medir caudal
sólido do que caudal líquido (o que faz com que o número de medições de caudal sólido
disponíveis seja relativamente reduzido), do número de variáveis intervenientes no transporte de
sedimentos ser mais elevado do que no caudal líquido e porque dificuldades subsistem mesmo em
laboratório (equipamento mais caro, problemas de escala para modelos reduzidos).

No estudo do transporte de sedimentos interessa conhecer:


 A caracterização dos sedimentos.
 As condições do início do movimento.
 Os mecanismos de transporte.
 As formas do fundo.
 As fórmulas de cálculo do material transportado.
 Os métodos de previsão de modificações morfológicas.
 Os métodos de medição do transporte de sedimentos.

3.3 Cálculo do assoreamento de uma albufeira

A avaliação do assoreamento do volume total da albufeira e da vida útil do aproveitamento são


essenciais para estudos de formação da albufeira e também para a operação do aproveitamento. O
final da sua vida útil, do ponto de vista sedimentológico, é considerado quando os depósitos
passam a interferir na finalidade para a qual foi formada albufeira, por exemplo na operação
regular da central hidroeléctrica associada. Outras avaliações são feitas, como seja o tempo para

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que o sedimento alcance a soleira da tomada de água (vida útil), a distribuição de sedimentos ao
longo da albufeira correspondente a determinados tempos, etc.

Para cálculo preliminar de assoreamento utilizam-se as seguintes expressões:

. . .
= = (3.1)

= (3.2)

Em que:
S – Volume de sedimento retido na albufeira (m3/ano);
Dst – Caudal sólido total médio anual afluente a albufeira (t/ano);
Er – Eficiência de retenção do sedimento afluente a albufeira (decimal);
γap – Peso específico aparente médio dos sedimentos (t/m3);
Qst – Caudal sólido total médio diário afluente a albufeira (t/dia);
T – Tempo de assoreamento de um determinado volume (anos);
Vres – volume da albufeira, total ou volume morto (m³).

Para o peso específico aparente dos sedimentos têm sido adoptados os seguintes valores: areia
(1,554 ton/m3), silte (1,12 a 1,17 ton/m3) e argila (0,82 ton/m3)

Para a determinação da eficiência de retenção de sedimentos (assoreamento) existem vários


métodos sendo o “Método de Brune , 1953” o mais divulgado. Brune considera o quociente
adimensional C/I como base do seu método (fig. 3.1), em que C é o volume da albufeira em metros
cúbicos e que I é o volume anual (também em metros cúbicos) causado pelo runoff da precipitação
total na bacia. A facilidade de se obter os dados é a grande vantagem do método de Brune.
Teoricamente uma albufeira pode ter eficiência 0% ou 100% de retenção de sólidos. A eficiência
de retenção de 100% na albufeira é teóricamente impossível de acontecer. Existem casos em que
a eficiência de retenção foi de 100% em lagos nos quais não saiu nenhuma gota de água do
descarregador e houve perdas por evaporação e por infiltração no solo. As albufeiras com relação
C/I ≤ 1 significam que são sazonais e aqueles cuja relação C/I > 1 são aqueles que armazenam a
água que são os mais comuns.

A aplicação do método de Brune obedece aos seguintes passos:


a) Determinar a capacidade C da albufeira.
b) Determinar o volume médio anual de runoff I que chega a albufeira.

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Figura 3.1 – Gráfico de Brune

c) Com base no gráfico de Brune determinar a percentagem de eficiência como função da


relação C/I para as características de três sedimentos. Estimar a textura do sedimento,
estudando as fontes de sedimentos e a fração de transporte. A curva superior do gráfico é
aplicada a areia grossa ou sedimentos floculados; a linha média é destinada a sedimentos
com larga variação de diâmetros de partículas e a linha inferior é para siltes finos e argilas.

Subramanya, 2008 calculou analiticamente as curvas de Brune com base na seguinte equação:

= . ln + (3.3)

Sendo:
Er =eficiência de retenção (percentagem);
C/I = relação capacidade da albufeira (m3), e o runoff anual (m3).
K e M – coeficientes que dependem da relação C/I conforme tabela 3.1
ln = logaritmo natural.

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Tabela 3.1
Valores de K e M dependente de C/I

C/I K M
0,002 a 0,030 25,025 158,61
0,030 a 0,100 14,193 119,30
0,100 a 0,700 6,064 101,48

Exemplo 3.1

Usando o método de Brune, calcular o tempo de enchimento de um reservatório em uma bacia


com os seguintes dados:
 Área da bacia = 4,92 km2 = 492 ha
 Precipitação média anual = 1660mm
 Runoff médio anual suposto de 40% da precipitação.
 C = volume do reservatório = 122.428m3

Resolução
 Runoff anual: I = ((0.40 x 1661 mm) / 1000) x (492ha x 10000m2 ) = 3.266.880m3
 C / I = 122.428 m3 / 3.266.880m3 = 0,037
 Na curva média da fig. 3.1 achamos uma eficiência de retenção (Er) de 75%, isto é, 0,75.
 Usando Subramanya, 2008 para o cálculo analítico das curvas de Brune:
Er = K. ln (C/I) + M = 14,193. ln (0,037) + 119,30 =72,5%
 Supondo que a descarga total de sedimentos (Dts) é de 3 ton/dia e para 365 dias teremos:
Dts = 365 dias x 3 ton/dia = 1095 ton/ano
S = (Dst x Er) / γap = (1095 ton./ano x 0,75) / 1,552=529m3/ano
 Tempo de enchimento da albufeira = 122.428 m3 / 529 m3/ano= 231 anos

Fontes bibliográficas

 Carmo Vaz, A., Apontamentos da Cadeira de Hidrologia – Universidade Eduardo


Mondlane (UEM), Maputo, 1993
 Carvalho. N, at. al; Guia de avaliação de assoreamento de reservatórios; Brasília, DF,
2000
 Tomaz, P., Assoreamento de Reservatórios, Capítulo 112 – Método de Brune; Extraído
da internet a 30 de Maio de 2013 (Engenheiro Tomaz Plínio, pliniotomaz@uol.com.br )

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