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O livro de Platão, A República, gira em torno dos diálogos de Sócrates, o

filósofo, com outros personagens que são seus conhecidos. A narrativa é em primeira
pessoa, e inicia com Sócrates e Glauco, seu amigo, encontrando-se com Polemarco,
filho de Céfalo, personagem que será importante para o início das discussões. Ao chegar
na casa deste último, Sócrates e Céfalo iniciam um diálogo sobre as vantagens de
possuir riquezas e bens, que rapidamente é substituída pelo tema da Justiça, que é o
tema principal em todo o livro. Céfalo afirma, inspirado nos versos do poeta Simônides,
que justiça é restituir o que pertence ao outro e dizer sempre a verdade. Sócrates refuta
essa afirmação, dando o exemplo do homem que estando lúcido, entrega armas a um
amigo, e depois, ficando louco, pede as armas de volta, concluindo que justiça não pode
ser simplesmente restituir o que pertence ao outro. Então Polemarco argumenta que
justiça é na verdade restituir a cada um o que lhe é propriamente devido, que é o bem
aos amigos justos, e o mal aos inimigos. Assim é estabelecido que essa restituição deve
ser o que convém a cada um. Agora Polemarco começa a falar sobre a utilidade da
justiça, argumentando que a cada ocupação convém algo, como à medicina convém dar
remédios aos doentes, à justiça convém beneficiar os amigos e dar prejuízo aos
inimigos. No entanto, Sócrates refuta dizendo que o homem justo não pode fazer mal
algum e a ninguém, pois quem faz mal ao ser humano torna-se pior relativamente à
virtude humana. Nesse momento Trasímaco, um dos ouvintes da discussão, interfere
bruscamente, toma parte e utilizando de ironia e agressividade quase o tempo todo,
assume o protagonismo em oposição aos argumentos de Sócrates. Ele inicia dizendo
que a justiça é simplesmente o interesse do mais forte, argumentando que é o que seja
vantajoso para o governo constituído, pois o governo sempre é superior. Sócrates refuta,
afirmando que nenhuma arte tem por objetivo a própria vantagem, assim como o
médico não tem por objetivo ganhar dinheiro e sim curar os doentes, portanto nenhuma
ciência prescreve a vantagem do mais forte, mas sim a do mais fraco, sendo assim
nenhum governante visa a sua vantagem, mas a dos indivíduos que lhe são sujeitos.
Trasímaco contra-argumenta que esta é uma visão ingênua de Sócrates, visto que o justo
serve aos que lhe governam, e não tira vantagens mesmo quando tem oportunidade, ao
passo que o injusto abertamente obtém todas as vantagens lícitas e ilícitas, e é de certa
forma admirado e considerado feliz, porque pode praticar injustiças sem ser punido.
Então ele estabelece que a injustiça praticada livremente e sem pudor seria a melhor
forma de se viver, e seria uma vantagem em si mesma. Sócrates responde que a arte de
cada um (artesão, médico, piloto ou governante) não serve unicamente para si, mas para
o outro, e que a vantagem obtida é de ordem financeira por meio do salário que
recebem. Aqui Sócrates chama isso de “adicionar a arte do mercenário à sua própria
arte” (nesse trecho ficou um pouco confuso), mantendo o argumento de que os
governantes não obtêm vantagem em sua atividade própria. Trasímaco então tenta pela
última vez argumentar que o homem injusto é mais sábio e bom do que o homem justo,
que a injustiça é virtude, proveitosa, e que a justiça é uma simplicidade de caráter.
Sócrates refuta também pela última vez, fazendo mais um raciocínio linear, supondo
que o homem injusto quer e pode prevalecer sobre todos, e o homem justo não quer nem
pode. Então ele mostra que, assim como o músico não quer prevalecer sobre outro
músico e sim sobre o homem que é ignorante em música, o homem justo não deseja
prevalecer sobre o seu semelhante e sim sobre o seu oposto, ao passo que o homem
injusto e mau deseja prevalecer sobre os seus opostos e sobre seus semelhantes,
mostrando assim que o homem injusto que Trasímaco exaltou e afirmou ser bom e sábio
é, na verdade, mau e ignorante. Sócrates convence Trasímaco de que o justo é feliz e
bem afortunado, e que o injusto é infeliz e não tem boa vida, portanto, viver de forma
justa é melhor e mais vantajoso do que viver de forma injusta.

Nesse momento, pra rebater uma sólida e extensa argumentação de Glauco e seu
irmão Adimanto, de que o justo não pratica a justiça por livre vontade e sim,
basicamente, pelo medo da punição ou de ter má reputação, Sócrates sugere observar
como a Justiça nasce entre uma sociedade, e para isso começa a fundar uma cidade
hipotética, a Cidade Ideal, observando desde as bases fundamentais da subsistência até
de que forma os guerreiros da cidade seriam educados. Ele inicia representando
pouquíssimos elementos básicos de subsistência simbolizados pelos trabalhadores que
seriam responsáveis por prover aos demais cidadãos, atribuindo a cada um deles sua
função a qual domina. Desde o começo da elaboração da Cidade Ideal, Sócrates deixa
estabelecido que cada indivíduo, pela própria diferença fisiológica dos homens, que
possuem diferentes aptidões, só poderia ser especialista em uma única tarefa, pois seria
impossível um único homem dominar mais de um ofício com perfeição. Então,
conforme a cidade se desenvolve, novas funções são exigidas para suprir as mais
diversas necessidades dos cidadãos, como o tecelão e o sapateiro, o boiadeiro e o pastor,
o pedreiro e o ferreiro, cada novo ofício gerando novas funções sem as quais seria
impossível existirem, e que seriam desempenhadas por outros cidadãos. Também
deveria ser criada uma moeda e um mercado, para que as mercadorias pudessem ser
tanto exportadas no caso de serem produzidas na cidade, como importadas, pois não
seria possível fabricar tudo, sendo necessário comprar de outras localidades. Adimanto
acrescenta aqui o fator da comodidade, da confortabilidade, do desejo de viver bem, e
para isso, muitos outros indivíduos seriam requeridos, aqueles que produzem os luxos e
as comidas fartas, os músicos para animar, os mercadores, tornando assim a cidade
maior, o que exigiria que se tomassem territórios vizinhos para usar seus recursos. Essa
atitude levaria inevitavelmente à guerra, o que faz Sócrates pensar na segurança da
Cidade Ideal e como ela poderia ser defendida. Então ele conclui que são necessários
soldados e guerreiros que estejam dispostos a guardar a Cidade Ideal das ameaças
externas, e começa a considerar sobre como seriam estes guerreiros, em sua opinião
deveriam ser destemidos, corajosos, impiedosos com os invasores, porém mansos e
amigos dos cidadãos a quem deveriam proteger, e também entre si para que não
brigassem consigo mesmos nem dominassem a cidade por conta própria. Para isso,
deveriam ser educados de maneira especial.

Então ele baseia a educação dos jovens na Cidade Ideal em dois pontos, música
e ginástica. A música naquele contexto histórico era entendida como os cantos dos
grandes poetas e as odes aos deuses, e Sócrates vai ponto a ponto fazendo ponderações
sobre a forma, o conteúdo, o ritmo, a melodia das canções (que ele às vezes trata como
fábulas), moldando a música para forjar soldados de caráter fiel aos cidadãos, ao mesmo
tempo que fossem indiferentes ao sofrimento dos possíveis invasores da cidade. As
canções não deveriam levar lamentos, nem causar risos, sob pena de enfraquecer o
caráter dos soldados. Agora Sócrates fala sobre como seria a educação por meio da
ginástica, o segundo ponto considerado fundamental por ele, e que deveria ser ensinado
aos jovens apenas depois da educação musical (cantos, fábulas, poemas etc.). Segundo
ele, não é o corpo saudável que faz a alma saudável e sim o contrário, com uma alma
sadia o corpo naturalmente se tornaria sadio, para que se tornasse plenamente capaz de
exercer o ofício com perfeição, por isso a razão de primeiro ser realizado o ensino
musical. Para ele, a ginástica consistia bastante em exercícios físicos destinados aos
atletas e uma boa alimentação, assim como excelentes hábitos de saúde, como evitar a
embriaguez, porque estando bêbado o soldado seria inútil para a função a qual lhe foi
designada, ou comer demais para que não estivesse indisposto de barriga cheia e assim
pudesse agir imediatamente assim a qualquer momento.
Na sociedade grega antiga as mulheres, naquele contexto histórico, Sócrates
deixa transparecer que as mulheres pertenciam a uma classe específica, não usufruindo
dos mesmos direitos que os homens livres na época. Porém Sócrates quebra um tabu,
historicamente falando, e analisa as diferenças entre machos e fêmeas, elencando os
pontos individuais, e depois de analisar ele estabelece que as diferenças entre homens e
mulheres são apenas sociais, como a capacidade da mulher gerar um filho e essa
habilidade ser ausente no homem. Então ele conclui que algumas mulheres, em especial
as que fossem esposas dos guerreiro e dos governantes, poderiam exercer cargos
públicos da mesma natureza que os maridos, pela razão de que não existiriam funções
de homens ou de mulheres, e que uma mulher seria capaz até certo ponto de cumprir um
ofício destinado ao homem, mas com a observação de que seria uma forma inferior
ainda assim. Mas a importância de Sócrates ter admitido que mulheres poderiam
desempenhar as mesmas funções dos homens deu a elas uma sensação de cidadania que
não era até o momento aceita nem mesmo considerada pela sociedade.

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