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Irving Wallace 1976 O Documento R.rev
Irving Wallace 1976 O Documento R.rev
O DOCUMENTO R
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Círculo de Leitores, Lisboa, 1978, 1ª Edição.
Tradução de: ÁLVARO SILVA
Revisão de: NUNO SANTOS
EDIÇÃO INTEGRAL
COPYRIGHT (c), 1976. BY IRVING WALLACE
IMPRESSO E ENCADERNADO POR
PRINTER PORTUGUESA. LDA.
NO MÊS DE AGOSTO DE 1978
PRIMEIRA EDIÇÃO: 25.000 EXEMPLARES
DOCUMENTO R, O
Autor: WALLACE, IRVING
Editora: RECORD
ISBN : 8501009954
ISBN-13: 9788501009951
Livro em português
Brochura
1ª Edição
Para SYLVIA, com amor.
Capítulo segundo
2
Este livro foi digitalizado e distribuído GRATUITAMENTE pela equipe Digital Source com a intenção de
facilitar o acesso ao conhecimento a quem não pode pagar e também proporcionar aos Deficientes Visuais a
oportunidade de conhecerem novas obras.
Capítulo quarto
Capítulo sexto
Era uma pequena casa de madeira inexpressiva, por trás de uma grande
residência na Rua South Jessup, em Filadélfia. Talvez tivesse sido em tempos um
anexo para convidados, mas presentemente era uma casa de aluguel própria para
uma pessoa só que desejasse tranqüilidade.
Antes de sair de Washington, Chris Collins tinha procurado recolher
elementos sobre Susan Radenbaugh. Pouco havia a saber. Era filha única de Donald
Radenbaugh. Tinha vinte e seis anos. Tirara o curso na Universidade de Pittsburgh.
Estava empregada no Inquirer de Filadélfia como redatora de biografias.
Quando Collins lhe tinha telefonado pessoalmente para o jornal, para lhe
marcar um encontro, fora informado de que ela se encontrava em casa, doente.
Collins compreendera. Ela tinha perdido o pai. Precisaria de algum tempo para se
recompor. Collins não se dera ao trabalho de lhe telefonar para casa. Tinha a certeza
de a encontrar. Uma vez chegado a Filadélfia, tinha dito ao motorista do carro
alugado para o levar diretamente ao endereço da Rua South Jessup. Deixara o carro
com o condutor e o guarda-costas à distância de meio quarteirão e dirigira-se a pé
até ao local.
Agora, no passeio, observava o alpendre da casa de madeira. Atravessou a
rua a pensar no que diria a Susan Radenbaugh. Mas pouco havia para pensar. Ou o
pai lhe tinha contado alguma coisa sobre o Documento R ou não tinha. Era a última
e incerta esperança. Susan era a derradeira hipótese.
Atravessou o pequeno quintal das traseiras, chegou à porta principal e tocou à
campainha.
Esperou. Não teve resposta.
Voltou a tocar sem melhores resultados. Já conjecturava que ela teria ido às
compras ou consultar o médico, quando a porta se entreabriu. Uma mulher jovem
espreitava pela frincha. Era atraente, com cabelo louro até aos ombros e um rosto
fatigado que parecia de palidez e rigidez irreais.
- Susan Radenbaugh? - perguntou Collins.
Ela esboçou um gesto de assentimento.
- Telefonei para o seu jornal esta manhã, para marcar um encontro. A
telefonista disse-me que estava em casa doente. Vim de Washington para a ver.
- O que é que deseja?
- Desejo falar-lhe por uns instantes a respeito do seu pai. Lamento...
- Não posso receber ninguém agora - disse ela abruptamente. Estava
fortemente agitada.
- Deixe-me explicar-lhe...
- Quem é você?
- Sou Christopher Collins. Sou o Procurador-Geral dos Estados Unidos. Eu...
- Christopher Collins? - Ela reconheceu o nome. - O que é...
- Preciso falar consigo. O coronel Noah Baxter era meu amigo e...
- Conhecia Noah Baxter?
- Sim. Por favor, deixe-me entrar. Só por alguns minutos.
Ela hesitava, mas acabou por abrir a porta.
- Está bem, mas só alguns minutos.
Seguiu-a até à pequena mas agradável sala de estar, profusamente decorada
com almofadas coloridas. À esquerda havia uma porta que dava provavelmente para
o quarto. Um arco, à direita, deixava ver uma pequena mesa de sala de jantar e a
entrada para a cozinha.
- Pode sentar-se - disse ela.
Ele sentou-se à beira do móvel mais próximo, uma otomana. Ela ficou de pé à
sua frente, alisando nervosamente o cabelo.
- Lastimo imenso o que aconteceu ao seu pai. Se eu puder ser-lhe útil...
- Obrigado. É realmente o Procurador-Geral?
- Sou.
- Não foi mandado pelo FBI ?
Collins sorriu.
- Eu é que mando neles, não são eles que mandam em mim. Não, estou aqui
por minha vontade. Devido a um assunto pessoal.
- Disse que era amigo do coronel Baxter?
- Era, e creio que o seu pai também era.
- Eram muito íntimos.
- Foi por isso que vim cá - disse Collins. - Porque o seu pai e o coronel eram
amigos. Na noite em que morreu, o coronel deixou-me uma mensagem do que foram
as suas últimas palavras. Falava de um assunto que desde então me tem ocupado. Já
não consegui falar com ele, mas ocorreu-me que o seu pai podia saber alguma coisa
a esse respeito, de conversas com ele. Sei que o coronel lhe fazia muitas
confidências.
- É verdade - disse Susan Radenbaugh. - Como soube disso?
- Através de Hannah Baxter, que me sugeriu que visitasse o seu pai em
Lewisburg. Ela pensava que talvez ele conhecesse o assunto. E eu fui a Lewisburg
há dois dias, sabendo então que ele tinha falecido. Entretanto, informaram-me que
você era a única pessoa com quem o seu pai contatava. Ocorreu-me que talvez ele
lhe tivesse falado no assunto. Estive a investigar e decidi vir cá para falar consigo.
- O que é que quer saber?
Collins respirou fundo e fez-lhe a pergunta:
- O seu pai falou-lhe acerca de um tal Documento R? Ela ficou impassível.
- De que se trata?
O coração de Collins caiu-lhe aos pés.
- Não sei. Esperava que soubesse.
- Não - disse ela firmemente -, nunca ouvi falar disso.
- Raios - murmurou Collins, ofegante. - Desculpe-me, mas fiquei
desapontado. Você e o seu pai eram as minhas últimas esperanças. Bem, tentei... -
Levantou-se da otomana. - Não a aborrecerei mais. - Ainda hesitava. - Permita-me
que lhe diga só mais uma coisa: o coronel Baxter acreditava no seu pai. Antes do
ataque estava até a tentar que lhe aceitassem uma fiança. Depois disso, fiz uma
revisão do caso e concordei com ele: o seu pai foi uma vítima. Eu também
tencionava conseguir-lhe uma fiança. Prometi à senhora Baxter que havia de discutir
esse assunto com o seu pai, quando o fosse procurar para tratar do Documento R.
Hannah Baxter disse-me que lhe ia escrever para cooperar comigo. - Encolheu os
ombros. Bem, infelizmente cheguei tarde demais.
Viu os olhos da rapariga dilatarem-se enquanto levava a mão à boca, como se
olhasse para trás dele. De repente, ouviu-se uma terceira voz na sala.
- Não chegou tarde desta vez - disse alguém por trás de Collins.
Voltou-se e viu-se perante um estranho, de pé sob o arco que ligava à casa de
jantar.
O homem idoso parecia-lhe vagamente familiar, embora não o conhecesse.
O homem avançou para ele e parou.
- Sou Donald Radenbaugh - disse calmamente. - Que queria saber sobre o
Documento R?
Passou mais de meia hora antes de o Documento R voltar a ser mencionado.
Primeiro, surgira a incredulidade de Collins. Radenbaugh depressa a
dissipara.
- Radenbaugh escapou à morte - disse ele. - Só estou morto oficialmente. De
fato, até estou bem vivo. Mas teremos tempo para falar de mim quando eu souber
mais a seu respeito e depois de me contar como chegou até aqui.
Em seguida, surgira a incredulidade de Susan. Radenbaugh depressa a
dissipara.
- Não compreendes como me arrisquei a aparecer, Susie? Especialmente
perante uma pessoa do Departamento de Justiça? É porque preciso de alguém em
quem confie, além de ti. Parece-me que posso confiar no Procurador Collins. Ele
mostrou-se simpático mesmo antes de saber que eu estava aqui. Preciso de ajuda,
Susie. Talvez se eu o ajudar, ele também me ajude.
Por fim, surgira a incredulidade do próprio Radenbaugh. Dissipara-a pedindo
que Collins lhe explicasse como tinha tomado conhecimento do Documento R e
como suspeitara que Radenbaugh o conhecia.
- Talvez já tenha explicado à minha filha, mas não consegui ouvir o princípio
da conversa. Estava escondido na cozinha. Só depois é que me aproximei, para
escutar. Antes de continuarmos, poderia começar por me dizer como veio aqui ter.
Tinham-se sentado frente a frente no sofá-cama, encostados às almofadas
empilhadas contra a parede da sala de estar.
Collins falara com atenção, devagar, com franqueza, apresentando todos os
pormenores sobre os acontecimentos ocorridos desde a morte do coronel Baxter. Por
fim, falara na visita a Hannah Baxter.
Embora declarando desconhecer o documento, ela tinha afirmado que se
Noah tivesse confiado o seu conteúdo a alguém, poderia ter sido a Donald
Radenbaugh.
- Sim, ela escreveu-me para que aguardasse a sua visita - dissera
Radenbaugh.
- E eu fui visitá-lo - respondera Collins. - O diretor disse-me que tinha
morrido, mas afinal está aqui.
- Agora que já sei como cá chegou, deixe-me contar-lhe o que me aconteceu.
E a sorte que tenho em estar aqui. Tem de pôr de parte toda a descrença.
Collins ouvira-o, em silêncio, muitas vezes incapaz de esconder a dúvida. O
encontro secreto de Tynan com Radenbaugh e a oferta da liberdade em troca dos três
quartos de milhão, tinham-no deixado atordoado. E tinham também levantado a
questão de saber para que quereria Tynan tão veementemente tal soma a ponto de
correr riscos tão grandes, mas Collins não tinha querido interromper com perguntas.
Continuara a ouvir, enquanto Radenbaugh relatava a sua história até ao momento da
destruição do quarto do hotel onde o seu alter ego, Herbert Miller, fora
indubitavelmente eliminado. No fim da narrativa, Collins deixara de ter dúvidas
sobre o que se passara na Califórnia.
- Tynan - dissera ele em voz alta.
- É ele quem está por trás de tudo - concordara Radenbaugh. É fácil dizer
porquê. Eu li a 35.a emenda. Ela irá torná-lo o homem mais poderoso da América.
Mais poderoso que o Presidente. Mas aposto que não há a menor prova contra ele.
Collins tinha estado a pensar nisso.
- Até agora nenhuma. A menos... a menos que esteja envolvido no
Documento R. Podemos passar a esse assunto?
- Sim. Mas antes quero pedir-lhe três coisas.
- Diga.
- Primeiro, quero que me façam a operação plástica no rosto. Pelo menos nos
olhos. Talvez seja o suficiente. Não me parece que possa ser reconhecido
atualmente, mas se fosse, seria um homem morto. Tynan encarregar-se-ia disso.
- Não há problemas. Temos um cirurgião em Carson City, no Nevada, que o
FBI desconhece. Tanto a Cosa Nostra como a CIA
recorrem aos seus serviços, se quer garantias. Quando pretende tratar disso?
- Imediatamente. Pode ser já amanhã.
- De acordo.
- Segundo, preciso de uma nova identidade. Donald Radenbaugh morreu em
Lewisburg; Herbert Miller morreu em Miami. - Tinha puxado da carteira, retirando
três cartões para os entregar a Collins. Uma carta de condução, um cartão de crédito
para aluguel de automóveis e um cartão da Previdência Social... é tudo o que resta
de Herbert Miller. Já não servem. Preciso de novos documentos. Tenho de ser
alguém.
- Têm de ser preparados em Denver - dissera Collins. - Tem-nos dentro de
cinco dias... Que mais? Disse que havia mais uma coisa.
- Sim, uma promessa solene da sua parte.
- Continue.
- Que se acaso eu disser a verdade acerca de Tynan, acerca da minha morte
simulada, e restituir a minha parte do dinheiro, me ajudará a retomar o meu
verdadeiro nome e a conseguir a fiança ou a anistia.
- Não sei se isso será possível.
- Mas se for?
Collins refletira rapidamente no dilema. Poderia ele, enquanto primeiro
magistrado da nação, fazer um acordo com um condenado por burla? Sabia que o
seu dever legal era claro: não fazer promessas a Radenbaugh e pô-lo sob prisão. Mas
também sabia que, atendendo à singularidade das circunstâncias, tinha um dever
mais alto, um dever para com o seu país. Era este que estava em primeiro lugar.
Transcendia todos os legalismos mesquinhos. Dera a resposta:
- Nessa altura, se for possível, fá-lo-ei - dissera Collins. - Sim, ajudá-lo-ei.
Juro fazê-lo.
- Agora já posso falar do Documento R.
Tudo isto tinha levado a primeira meia hora. Chegavam finalmente àquilo
que para Collins era o momento da verdade.
Radenbaugh pediu um cigarro à filha, sorriu-lhe enquanto o acendia e voltou-
se para Collins.
- Não sei tudo sobre ele - disse vagarosamente -, mas talvez saiba coisas que
o possam ajudar. A 35.a emenda... O Documento R faz parte dela, embora não seja
escrito...
Quer dizer, é uma parte secreta... A emenda, dizia eu, foi forjada antes de eu ir para
a cadeia. Era um motivo de preocupação para Noah Baxter. É verdade que ele era
um conservador e um retrógrado em relação a muitas coisas, mas era um homem
honesto e um constitucionalista ferrenho. Não gostava de adulterar a Constituição
nem de pervertê-la. Mas como a criminalidade aumentava cada vez mais no país e a
pressão era constantemente maior, foi encurralado a um canto. Tinha uma tarefa a
cumprir e compreendia que não o podia fazer; que a ordem só podia ser restaurada
no país se a lei fosse alterada. Pensava que a 35.a emenda era muito drástica. Tinha
graves suspeitas sobre ela. Mas continuou. Percebi que lamentava tais medidas. No
final, suponho que estava tão comprometido que não podia desligar-se.
- Penso que foi exatamente isso que aconteceu - disse Collins. - Como lhe
contei, ele disse na agonia: "Tenho de o contar... Já não me podem controlar... Estou
livre, já não preciso ter medo...'' Livre de quê? Receoso de quem ou de quê?
Radenbaugh abanou a cabeça.
- Não sei. Só lhe posso dizer que estava mais comprometido do que desejava,
que estava muito preocupado e não tinha mais ninguém para fazer confidências
senão a
mim. Quando estava mais aborrecido, contava-me o que se passava. Foi assim que
me mencionou o Documento R. Referiu-se-lhe várias vezes. Preferia que Tynan não
o tivesse comprometido com a emenda nem com o Documento R.
- Tynan?... - disse Collins com surpresa. - Pensava que tinha sido o
Presidente Wadsworth a instigar a emenda e tudo o que se relaciona com ela.
- Não, foi tudo obra de Tynan. Ele é que é o autor e criador da emenda e do
documento. Vendeu a idéia ao Presidente e ao Congresso. Pelo menos, vendeu-lhes
a emenda. Não sei se alguém além de Tynan e Baxter (e eu, é claro), já ouviu falar
do Documento R.
- Mas afinal do que se trata?
- O R é inicial de Reconstrução. É o Documento da Reconstrução.
- Reconstrução de quê? Dos Estados Unidos?
- Exatamente. O Documento R foi concebido secretamente como um plano
suplementar à emenda. É um projeto para reconstruir os Estados Unidos, tornando-o
um país sem criminalidade graças à 35.a emenda. O Documento divide-se em duas
partes. Baxter conhecia apenas uma parte. A segunda, de acordo com o que me
disse, ainda estava a ser elaborada por Tynan. A primeira parte era o programa
piloto.
Confuso, Collins perguntou:
- O programa piloto? O que é isso?
- Era isso que eu lhe ia explicar. Disse-lhe que foi Tynan quem concebeu a
emenda. Vou dizer-lhe de onde lhe veio a idéia. Ao tentar elaborar novas leis a
recomendar ao Presidente e ao Congresso, novas leis que pudessem travar a
crescente escalada da taxa da criminalidade da nação, Tynan lembrou-se de fazer um
estudo sobre as comunidades sem criminalidade ou com índices muito baixos nos
Estados Unidos. Se havia cidades com índices baixos, quais seriam os elementos na
estrutura dessas comunidades que tornavam tal fato possível?
- Até aí é compreensível.
- Até aí -repetiu Radenbaugh. - Bem, os auxiliares de Tynan alimentaram os
computadores e eles lançaram-se ao trabalho. Depois indicaram uma mão cheia de
comunidades praticamente sem criminalidade. Em todos os casos, essas
comunidades eram cidades pertencentes a companhias.
- Cidades de companhias?
- Os Estados Unidos estão cheios delas. Geralmente são cidades construídas e
administradas para uso exclusivo do pessoal das companhias. Podemos citar casos
típicos como Morenci no Arizona, onde Phelphs Dodge abriu as suas minas de
cobre. Todas as casas, os armazéns e as casas comerciais pertencem a Phelphs
Dodge. A vida da cidade é integralmente dominada pela companhia. Ora, nem todas
as cidades de companhias estão livres da criminalidade. Não sei se é o caso de
Morenci. Mas em algumas delas, o crime é praticamente inexistente. Isso acontece
com maior freqüência em comunidades pequenas e remotas, onde uma única
companhia ou pessoa domina toda a vida da cidade.
- Uma ditadura!?
- De certo modo. Pelo menos um lugar onde há controles econômicos e
sociais poderosos e rígidos. Entre essas comunidades que Tynan descobriu serem
quase isentas
de crime, havia uma que o fascinava. Possuia o melhor registro histórico. Não havia
praticamente crimes nem desordens. Chamava-se Argo City e era propriedade
exclusiva
da Companhia Argo de Fundição e Refinação do Arizona. Tynan fez uma
investigação aturada sobre essa comunidade e encontrou o segredo dos resultados de
Argo City. Descobriu que nessa cidade a Declaração de Direitos, ou a maior parte
das liberdades consagradas na Declaração, tinham sido suspensas. Os habitantes
pareciam não se importar. Mostravam-se satisfeitos na medida em que se sentiam
seguros econômica e fisicamente. Baseando-se na estrutura legal dessa cidade,
Tynan criou a 35.a emenda. Pensou que o que funcionava bem em Argo City,
poderia resultar perfeitamente em todos os Estados Unidos da América.
- Fascinante - disse Collins. - É diabólico.
- Mas muito mais diabólico foi o que Tynan fez a essa cidade. Precisava ter
certeza de que todos os pormenores da emenda funcionariam na vida real. Assim,
usou o povo de Argo City como cobaia. Como conseguiu meter lá os seus agentes e
fazê-lo? Investigou a companhia que governava a cidade e descobriu que a Fundição
e Refinação Argo estava a cometer fraudes nos impostos há já vários anos. Fez
pressão sobre os administradores e eles logo chegaram a acordo. Se Tynan não
denunciasse ao Departamento de Justiça o que tinha descoberto, eles deixavam-lhe
as mãos livres, a ele e aos seus agentes, para dirigirem a comunidade. Assim, Tynan,
tal como poderá ficar à cabeça do comitê de Segurança Nacional sob a égide da 35.a
emenda, ficou à cabeça de um protótipo de comitê de segurança em Argo City. Era o
seu campo de ensaio para ver como a emenda funcionaria quando entrasse em vigor.
- Meu Deus, é incrível - disse Collins. - Quer dizer que existe atualmente essa
cidade sem Declaração de Direitos?
- Tanto quanto sei, existe.
- Mas isso não pode ser consentido numa democracia. É ilegal.
- Passará a ser legal quando a emenda for aprovada na Califórnia - disse
Radenbaugh. - Portanto, os resultados da experiência constituem a primeira parte do
Documento R.
- E a segunda parte?
Radenbaugh levantou as mãos.
- Não sei.
Collins refletiu no que tinha ouvido.
- Não posso acreditar que isso tenha dado resultado. O que aconteceu?
Funcionou bem em Argo City?
Radenbaugh fixou Collins.
- Terá de ver pelos seus próprios olhos. - Fez uma pausa. Gostaria de ver?
- É claro. Quero chegar ao cerne da conspiração de Tynan. Está muita coisa
em jogo. E será seguro?
- Pouca gente visita a cidade; pelo menos era assim quando ouvi falar disso
pela última vez. Mas se formos só os dois talvez não pareça estranho.
- Seremos três.
- Três! - disse Radenbaugh. - Assim já pode ser perigoso.
- Vale bem o risco - concluiu Collins.
Mal chegara a Washington, Chris Collins tinha posto em ação um profundo
projeto de investigação sobre as cidades de companhias nos Estados Unidos -
cidades de companhias em geral e Argo City, no Arizona, em particular.
A investigação fora feita sem ruído e rapidamente, e neste momento,
passados quatro dias, já tinha os dossiers com os fatos básicos espalhados sobre o
mata-borrão da sua ampla secretária, no Departamento de Justiça.
Começou a rever os fatos. Viu de imediato que as cidades de companhias
eram um fenômeno natural e inocente ligado ao crescimento da nação. Quando uma
companhia abria uma mina numa região remota, precisava de homens que nela
trabalhassem. Para conseguir empregados para essas regiões longínquas do país, as
companhias tinham de construir cidades para as famílias viverem. Para construírem
cidades, tinham de fazer casas, criar lojas, facultar divertimentos e assistência
médica. As companhias eram também obrigadas a criar a administração local e a
oferecer a proteção da polícia. Enfim, as companhias faziam tudo para o povo e em
troca o povo submetia-se ao seu domínio e passava a pertencer-lhes.
Collins leu o registro. Tinha existido Pullman no Dlinois, a dez milhas de
Chicago, construída por George M. Pullman, o milionário que possuía o monopólio
das carruagens-camas dos caminhos de ferro. Pullman alojava os seus 12.000
empregados na sua cidade particular. Segundo uma fotocópia de um Harper's New
Monthly Magazine do princípio do século: "As companhias Pullman possuem tudo.
Nenhum indivíduo possui hoje um centímetro que seja de terra nem uma única
estrutura em toda a cidade. Nenhuma organização, nem mesmo uma igreja, pode
ocupar outra coisa que não sejam bens alugados. São patentes alguns aspectos
desagradáveis da vida social: má administração... favoritismo e nepotismo... a
sensação obsessiva de insegurança. Ninguém considera Pullman como a sua
verdadeira terra. O poder de Bismarck na Alemanha é insignificante quando
comparado com o poder das autoridades que governam no Palácio Pullman da
companhia de carruagens, em Pullman. Cada homem, mulher ou criança da cidade
está totalmente à sua mercê. Estamos perante uma população em que nem um único
residente ousa exprimir livremente a sua opinião sobre a cidade em que vive.''
O fato de George M. Pullman sufocar os seus dependentes, impondo
encargos e rendas mais elevadas que nas comunidades vizinhas, levou os habitantes
a revoltarem-se. Chegaram a processar e a destruir o seu domínio sobre a
propriedade da comunidade. Mas Pullman, no Illinois, tinha sido uma exceção. A
maior parte das cidades de companhias modernas pareciam suficientemente
suportáveis. Era o caso de Scotia, na Califórnia, pertencente à companhia de
Madeiras do Pacífico; Anaconda, em Montana, pertencente à Companhia dos Cobres
de Anaconda; Louviers, no Colorado, da E.I. du Pont de Nemours; Sunnyside, no
Utah, da Companhia Petrolífera do Utah; Trona, na Califórnia, da Corporação
Americana da Potassa e Produtos Químicos.
Por fim, na última folha, lá estava Argo City, no Arizona, pertencente à
Companhia de Fundição e Refinação... e a Vernon T. Tynan e ao FBI. O material
disponível sobre Argo City era parco, estranhamente parco. A investigação mostrava
claramente a diferença entre Argo City e as outras cidades de companhias que
existiam por todo o lado. Na generalidade das cidades, nem tudo era propriedade da
companhia e nem todas as pessoas lhe estavam sujeitas. Por vezes as pessoas
podiam comprar e possuir as suas casas. Por vezes, pessoas de fora podiam abrir
lojas. Em geral, as pessoas que não trabalhavam para a companhia nem por isso
eram proibidas de viver na cidade. Mas em Argo City não era assim. Tudo pertencia
à companhia: casas, comércio, instituições, governo. Nada levava a crer que um
estranho, uma pessoa que não trabalhasse para a companhia, tivesse podido adquirir
uma casa ou abrir uma loja em toda a história da cidade. E não havia crimes sérios
ou desordens em Argo City há cinco anos. Era demasiado bom, ou demasiado
horrível para ser verdade.
Collins fechou a capa.
Só havia uma maneira de conhecer a realidade: ir ver pessoalmente. Se o que
presenciassem fosse uma antevisão da América sob à égide da 35.a emenda, então
mais alguém, além dele e de Radenbaugh, devia ver o espetáculo, alguém que
pudesse travar a emenda, se necessário. A sua decisão estava tomada.
Levantou o telefone e ligou para a secretária.
- Marion, estes telefones foram vistoriados?
- Já não é necessário, senhor Collins. O equipamento de interferências foi
instalado esta manhã.
A sua preocupação desvaneceu-se. O telefone tinha finalmente um aparelho
de interferências, o que significava que as chamadas que fizesse só seriam
inteligíveis ao chegarem ao destinatário. Sentindo-se mais descansado com essa
precaução, pegou no telefone e preparou o passo seguinte.
- Ligue para o Presidente do Supremo Maynard, imediatamente. Se não
estiver, localize-o, quero falar já com ele.
***
Ao fim da manhã de uma sexta-feira quente e seca do fim de Junho, tinham
chegado de avião a Phoenix, no Arizona, vindos de três lugares diferentes. Chris
Collins, com a reserva no avião feita em nome de C. Cutshaw, proveniente do
aeroporto Friendship de Baltimore, via Chicago, tinha chegado ao aeroporto de Sky
Harbor, em Phoenix, num jato 727, precisamente às onze horas. Era o primeiro.
Donald Radenbaugh, viajando com o novo nome de Dorian Schiller, chegara
pouco depois de Carson City, via Reno e Las Vegas, num DC-9. Deveria ter sido o
primeiro, mas o vôo tinha sido atrasado uma hora e quinze minutos.
Por fim, o Presidente do Supremo, John G. Maynard, sob o pseudônimo de
Joseph Lengel, chegara de Nova Iorque num 707 à hora combinada, às onze e
quarenta e seis.
Tinham combinado antecipadamente que Collins e Radenbaugh não
esperariam por Maynard, pois seria arriscado entrarem em Argo City e registarem-se
no Hotel Constellation ao mesmo tempo. Tinha ficado combinado que Collins e
Radenbaugh partiriam para Argo City imediatamente, sendo seguidos depois por
Maynard quando chegasse.
Collins esperara impacientemente no terminal até ao aviso de que o vôo
atrasado de Radenbaugh tinha pousado. Só reconhecera Radenbaugh a curta
distância. O cirurgião de Nevada tinha feito um bom trabalho. Tinha havido uma
mudança no nariz de Radenbaugh, que ainda estava ligeiramente inchado. Quando
ele tirara os grandes óculos escuros, Collins tinha notado o desaparecimento dos
papos por baixo dos olhos, substituídos por cicatrizes esbatidas; os próprios olhos
tinham ficado menores, parecendo orientais. Todo o seu aspecto tinha sido alterado
consideravelmente.
- Senhor Cutshaw? - dissera ele divertido.
- Senhor Dorian Schiller - respondera Collins, entregando-lhe um sobrescrito.
- O seu batismo oficial está aqui dentro. As pessoas de Denver foram eficientes.
Tudo o que pretender saber sobre Dorian Schiller vai nesse sobrescrito.
- Não tenho palavras para lhe agradecer.
- Eu é que agradeço pelo local onde nos vai levar hoje. Espero que seja como
ouviu dizer. Se assim for, ficará tudo nas mãos de John Maynard. - Olhara para o
relógio do terminal. - Ele estará aqui dentro de uns vinte minutos. Tomará um táxi
para Argo City. Collins apontou para a saída. - Tenho um Ford alugado à nossa
espera.
Tinham seguido para sudoeste através de campos verdes recortados por
brilhantes valas de irrigação, até entrarem na imensidão do deserto. Tinham
continuado então a caminho da fronteira do México.
Por fim, tinham encontrado uma tabuleta amarela que dizia: ARGO CITY.
População: 14.000 habitantes. Sede da Companhia Argo de Fundição e Refinação.
Radenbaugh, ao volante, tinha apontado para o lado de Collins.
- Lá está o poço da mina de cobre. Tem 2500 metros de extensão e perto de
200 metros de profundidade. É onde trabalha a maior parte da população masculina.
Minutos depois estavam no centro de Argo City: uma única avenida larga,
alcatroada, com quatro ou cinco ruas laterais. Collins tinha conseguido identificar
alguns dos edifícios alvos e bem conservados: um grande supermercado, construído
horizontalmente e com a fachada envidraçada; a seguir, a estação de correios; o
teatro; qualquer coisa chamada Loja de Manutenção da Cidade; um pequeno jardim
asseado, com áleas que iam até à Biblioteca Pública; uma igreja episcopal com
campanário; um prédio de tijolo com dois andares e um letreiro dizendo que se
tratava do Bugie, provavelmente o jornal da cidade.
O edifício mais alto era o Hotel Constellation: quatro andares, bem
conservado, de estilo espanhol, apesar do nome.
Tinham parado no estacionamento junto do prédio do lado, passando em
seguida por uma loja índia que exibia bonecas de navajos, cestos, artigos de couro,
prataria e cerâmica no átrio coberto de azulejos do hotel, que circundava um pátio
central descoberto.
- Parece uma miniatura do edifício J. Edgar Hoover - dissera Collins. -
Provavelmente foi Tynan que o mandou construir.
Radenbaugh levara um dedo aos lábios.
- Não fale nisso, senhor Cutshaw - murmurara em voz baixíssima.
Na recepção tinham-se registrado como Cutshaw e Schiller, de Bisbee, no
Arizona. Tinham pedido quartos contíguos, apenas para a tarde.
Um mandarete pegara na pasta de Radenbaugh e na maleta de Collins,
acompanhara-os ao terceiro andar e conduzira-os aos quartos no fundo do corredor
ventilado, tendo o cuidado de abrir a porta de comunicação entre eles; verificara o ar
condicionado, esperara a gorjeta e partira.
Agora estavam sós no quarto de Collins.
Tinham combinado esperar pelo Presidente Maynard antes de saírem para a
cidade.
- Assim que chegar, ele manda embora o táxi - disse Collins. Partiremos
juntos para Phoenix. Nessa altura já não haverá perigo.
- Coçou a cabeça. - A mim, a cidade parece-me bastante vulgar. É tudo
perfeitamente normal, tanto quanto pude ver.
- Espere pelo que vai ver - disse-lhe Radenbaugh. Abriu a pasta. - Na noite
passada fiz uma lista de tudo o que consegui lembrar, sobre o que Noah me disse
deste lugar quando conversamos acerca do Documento R.
- E eu tenho uma lista de coisas a visitar ou a espiar, feita na base das
pesquisas que o meu pessoal efetuou. Vamos juntar as duas listas. Quando Maynard
chegar podemos ver o que parece mais prometedor e dividir o trabalho.
Trabalharam durante quinze minutos na composição de uma lista única com
tudo o que Argo City tinha demais prometedor, e quando acabaram sentiram-se
satisfeitos.
- Só faço votos que possamos achar o que queremos em quatro horas - disse
Collins.
- Vamos tentar - disse Radenbaugh. - Tudo depende agora das pessoas que
virmos e com quem falarmos aceitarem a nossa história de fachada. Tem a carta?
Collins apalpou a frente do casaco.
- Está aqui. Não há problema. Alguém do meu Departamento conseguiu
arranjar papel timbrado das Indústrias Phillips durante a noite. Não sei como foi,
mas conseguiram. Eu próprio ditei a carta de recomendação.
Recordaram e repisaram a história de fachada, ensaiando as perguntas difíceis
e suspeitas. O disfarce consistia em estarem em Argo City como representantes das
Indústrias Phillips, que tinham obtido autorização da Companhia de Fundição e
Refinação para o exame de certas realizações cívicas em Argo City. Essas
realizações seriam estudadas pelas Indústrias Phillips com vista a remodelações a
fazer e iniciativas cívicas a tomar, em breve, em Bisbee, no Arizona.
- E Maynard, que justificação apresenta? - quis saber Radenbaugh.
- A história dele é um pouco diferente. Nós pedimos quartos até ao fim da
tarde. Ele pedirá para passar a noite, embora parta conosco. Fará de turista. Será um
advogado reformado, cidadão conceituado de Los Angeles. Dirá que está de viagem
de Los Angeles para Tucson, para visitar o filho e a nora e um neto recém-nascido.
Parou em Argo City não só para passar a noite, depois de uma viagem fatigante, mas
também para ver as possibilidades de comprar aqui uma casa. Dirá que já cá esteve
uma vez e que ficou encantado com o ambiente da comunidade, estando a pensar em
estabelecer-se cá.
Radenbaugh franziu o nariz inchado.
- Não me parece uma boa história.
- Deve servir para quatro horas. Tentar morar em Argo City... Deve resultar.
- Talvez. - Collins tinha mais uma coisa em mente.
- Acha que pode haver aqui alguém, o administrador da cidade, o editor do
jornal, o chefe da polícia... qualquer pessoa... que tenha ouvido falar no Documento
R?
- Ninguém, nem sequer os administradores da Companhia de Fundição e
Refinação. Ninguém sabe que servem de cobaia do grande plano de Tynan para os
Estados Unidos, a executar no próximo ano e para todo o sempre. O Documento R
só deve ser conhecido pelo próprio Tynan e talvez pelo seu lacaio... Como se chama
ele?
- Harry Adcock.
- Sim, Adcock. E, naturalmente, era do conhecimento do falecido Noah
Baxter. Eu, a minha filha, o padre que lhe falou dele pela primeira vez, e você,
conhecemo-lo de nome. Duvido que mais alguém o tenha ouvido mencionar.
- Você disse que Argo City era apenas uma parte do Documento R. Quero
conhecer o resto. Tenho esperança de podermos descobrir aqui alguma indicação.
- Pode ser que sim, mas não conto com isso.
- Bem, o que importa é o que descobrirmos hoje - disse Collins.
- Para derrotar a emenda na Califórnia?
- Sim. Mas se não encontrarmos nada... - Ou se formos apanhados e
denunciados...
- Nesse caso, teremos de desistir. É assim, Donald. Vai ser uma tarde de
grande tensão.
- Eu sei.
Collins olhou para o relógio.
- John Maynard deve estar a chegar.
Dez minutos depois, John Maynard batia levemente à porta e entrava no
quarto de Collins. Parecia tudo menos o digno e imponente Presidente do Supremo
Tribunal dos Estados Unidos. Com o seu chapéu castanho de abas largas, óculos de
sol, camisa aberta, caqui amarrotado e botas altas, parecia um velho pesquisador que
tivesse vagabundeado até à cidade depois de duas semanas no deserto ardente.
- Cá estamos - disse ele - neste lugar esquecido por Deus. Foi uma viagem
dura, num táxi desde Phoenix. Mandei o carro embora. Fiz bem, não fiz?
- Sim - respondeu Collins -, regressaremos juntos. Maynard pousou o chapéu
na cama e sentou-se.
- Mas vamos ao trabalho. Temos pouco tempo. - Olhou para Radenbaugh. -
Você, suponho que é Donald Radenbaugh.
- Desculpe - disse Collins rapidamente, para logo os apresentar formalmente.
Maynard fixou os olhos em Radenbaugh.
- Espero que não nos esteja a fazer perder tempo. O seu relato de Argo City
era chocante, para não dizer mais. Espero que seja exato.
- Relatei só o que soube pelo coronel Baxter - disse Radenbaugh, na
defensiva. - O Documento da Reconstrução baseia-se no estudo do diretor Tynan
sobre Argo City.
- Hum. Então vamos ver os futuros Estados Unidos em miniatura, o nosso
país como será depois de aprovada e promulgada a 35.a emenda. Olhe, senhor
Radenbaugh, digo-lhe honestamente que me é difícil crer que as condições que o
coronel Baxter lhe disse existirem aqui, continuem a subsistir. Não me parece que
nenhuma comunidade dos Estados Unidos aceitasse essa situação por muito tempo.
- Muitas aceitaram, pelo menos até certo ponto - esclareceu Collins. - Fiz
estudos sobre as cidades de companhias. Embora não existisse nenhuma tão
totalitária como esta parece ser, encontrei algumas práticas espantosas e restrições
muito fortes.
- Hum. Tudo é possível. Se isso acontecer aqui... - Mergulhou nos seus
pensamentos. - Isso traria nova luz aos acontecimentos. Mas antes temos de ver
pelos nossos próprios olhos, e rapidamente. Senhor Collins, por onde começamos?
Collins estava preparado. Pegou nos apontamentos.
- Queria sugerir-lhe, senhor Presidente, que começasse por visitar a
Companhia de Argo. Afinal de contas, deve parecer que pretende viver aqui.
Portanto, desempenhando o papel de um advogado reformado, pode ir ter com o juiz
local e tentar chegar através dele ao xerife. Faça também uma visita a um dos
armazéns, um supermercado por exemplo, e meta conversa com os clientes.
- Mais devagar - disse Maynard, que tomava apontamentos num papel
colocado sobre o joelho.
Collins esperou um pouco e continuou:
- Se tiver tempo, visite o Bugie. Procure exemplares antigos. Não deve ter
tempo para mais nada, mas tente contatar com um jornalista ou com o editor.
- Vai ser precisa uma boa dose de ingenuidade - disse Maynard.
- Estaremos de volta demasiado cedo para levantarmos suspeitas - disse
Collins. - Quanto a Donald e eu, iremos à biblioteca, aos correios, tentaremos falar
com o administrador da cidade. Iremos o mais longe que for possível. Todos nós
devemos contatar com o maior número possível de cidadãos comuns. Por exemplo, à
hora do almoço falaremos com uma ou duas criadas. Ou podemos pedir indicações a
transeuntes, e aproveitar para meter conversa. Deixe-me ver... - Viu as horas no
relógio de pulso. - É uma e um quarto. Devemos estar todos aqui no meu quarto às
cinco horas. Compararemos as nossas descobertas e possivelmente saberemos então
a verdade. Vamos? O senhor sai primeiro, senhor Presidente.
Maynard levantou-se, pôs o chapéu na cabeça e saiu. Cinco minutos depois,
Collins fez sinal a Radenbaugh e saíram juntos do quarto, a caminho do elevador,
para descerem a Argo City.
O administrador da cidade empurrou os óculos dourados para o alto do nariz,
e a sua cara redonda e rosada, que encimava o nó da gravata, inclinou-se para eles
por cima do tampo vazio da secretária.
- Lamento não lhes poder conceder mais tempo - disse, apontando para o
relógio elétrico na parede. - Quatro e um quarto. Tenho outro encontro.
Levantou-se e rodeou a secretária para conduzir Collins e Radenbaugh à
porta.
- Tive muito prazer na visita. Espero ter-lhes dado alguma ajuda. Recordem-
se que uma terra simpática produz gente simpática e promove a paz. Como lhes
disse, e o xerife confirmará, em Argo City há anualmente uma meia-dúzia de delitos
de pequena importância, mas não há crimes. Em cinco anos, não tivemos a menor
desordem pública, isto é, desde que aplicamos a lei local sobre reuniões públicas. Os
nossos empregados civis sentem-se satisfeitos e produtivos. Por vezes, aparece um
fruto podre, como aquela professora cuja história lhes contei, mas deitámo-lo fora
rapidamente e não há danos. - Abriu a porta para os deixar sair. - Bem, felicidades
no vosso trabalho de remodelação e reconstrução de Bisbee. Se conseguirem fazer
metade do que aqui fizemos, podem ter orgulho nos resultados. Quando vir o senhor
Pitman das Indústrias Phillips, dê-lhe lembranças minhas.
Ficou a ver Collins e Radenbaugh afastarem-se. Quando voltava para o
gabinete, viu que a secretária o seguia.
Notando-lhe uma expressão perplexa, perguntou:
- O que há, Hazeltine?
- Esses dois homens que acabaram de sair... Ouvi-o dizer que eles tinham
vindo cá para colher informações que os ajudassem a remodelar e reconstruir
Bisbee...
- É verdade.
- Mas deve haver engano. A cidade de Bisbee foi integralmente modernizada,
planejada de novo e reconstruída há poucos anos. Tenho uma ficha da Câmara do
Comércio de Bisbee que diz isso mesmo.
Era a vez de o administrador parecer perplexo.
- Não pode ser.
- Vou mostrar-lhe.
Minutos depois, o administrador já tinha visto o dossier com recortes,
fotografias e mapas de Bisbee, demonstrativo do trabalho já finalizado de
reconstrução de partes da cidade. Parecia abalado. Pediu imediatamente uma
chamada pessoal para o Sr. Pitman das Indústrias Phillips, em Bisbee.
Depois, telefonou ao xerife.
- Mac, estiveram aqui dois estranhos que se apresentaram como empregados
das Indústrias Phillips, ramo Bisbee, e fizeram toda a espécie de perguntas suspeitas.
Tinham
uma carta de apresentação de Pitman das Indústrias Phillips, mas soube agora
mesmo que ele nunca tinha ouvido falar neles. Não gosto disto, Mac. Pode prendê-
los?
- Não, não posso enquanto não souber quem são. Conhece as ordens.
- Mas, Mac...
- Deixe o assunto comigo. Vou já pôr-me em contato com Kiley. Ele dirá o
que se há de fazer.
No segundo andar do liceu de Argo City, Miss Watkins, uma mulher de meia-
idade, empertigada e de aspecto severo, tinha abandonado a aula para ir ao encontro
de Collins e Radenbaugh no átrio.
- O reitor telefonou e disse que me queriam ver. Em que lhes posso ser útil?
- Soubemos que tinha sido despedida, miss Watkins - começou Collins. -
Desejávamos fazer-lhe algumas perguntas.
- Quem são os senhores?
- Fazemos parte da administração da escola de Bisbee. Estamos a fazer um
inquérito sobre o sistema de ensino em Argo City. Acabamos de falar com o
administrador da cidade e foi ele que mencionou o seu caso. Disse que tinha pisado
o risco...
- Pisado o risco? - repetiu confusa. - Sempre cumpri a minha obrigação.
Estive a ensinar a história da América.
- De qualquer forma, despediram-na.
- Sim, é hoje o meu último dia de trabalho.
- Pode contar-nos o que se passou? - pediu Radenbaugh.
- Quase tenho vergonha - disse ela. - É demasiado ridículo. A minha turma
estava a começar o estudo dos Antepassados Fundadores. Para animar a lição,
lembrei-me de um velho recorte de um jornal de Wyoming que guardei antes de vir
para aqui. - Procurou na bolsa, tirou um recorte amarelecido e entregou-o a Collins.
- Li-o à turma do décimo ano de História...
Collins e Radenbaugh leram o artigo da Associated Press:
''Só uma em cinqüenta pessoas contactadas nas ruas de Miami por um
repórter, concordou em assinar uma cópia datilografada da Declaração de
Independência. Duas chamaram-lhe um 'disparate dos comunas', outra ameaçou
chamar a polícia..."
Miss Watkins apontou para a última parte da notícia.
"Outras pessoas, que acharam ameaçadores a leitura dos três primeiros
parágrafos, teceram comentários semelhantes. Uma afirmou : 'Isto é obra de um
louco.' Outra disse: 'O FBI devia ser avisado sobre esta porcaria.' Outra ainda
chamou ao autor da Declaração 'um revolucionário de idéias vermelhas'. O repórter
fez circular um questionário contendo um excerto da Declaração de Independência
por entre 300 membros de um grupo de juventude religiosa, e 28% responderam que
pensavam que o excerto tinha sido escrito por Lenine."
Guardou novamente o recorte.
- Depois de ter lido isto aos meus alunos, disse-lhes que não prosseguiria o
curso sem que lessem primeiro cuidadosamente a Declaração de Independência e a
Constituição e sem que tivessem compreendido esses documentos clássicos.
- Referiu-se à Declaração de Direitos? - perguntou Collins.
- De fato discuti com os meus alunos as liberdades básicas e os direitos civis.
Os estudantes pareciam altamente interessados. No entanto, alguns foram para casa
e falaram nisso aos pais. Os fatos foram exagerados e destorcidos, e, antes que me
desse conta, o presidente do conselho escolar dizia que eu era uma perturbadora, que
vinha causar distúrbios. Mas que distúrbios? Respondi que me limitava a ensinar
história. Ele insistiu que eu estava a fomentar dissidentes e comunicou-me que tinha
de me retirar. Para lhes dizer a verdade, ainda não consegui compreender o que
aconteceu.
- Não vai protestar contra o despedimento? - quis saber Radenbaugh.
Miss Watkins pareceu sinceramente surpresa com a sugestão.
- Protestar? A quem?
- Com certeza que deve haver alguém a quem protestar.
- Não há. E mesmo que houvesse, teria de pensar bem antes de o fazer.
- Porquê? - insistiu Radenbaugh.
- Porque não me quero envolver nessas coisas. Só quero que me deixem
sossegada. Gosto da vida e quero viver.
Collins intrometeu-se novamente.
- Mas não a querem deixar viver, miss Watkins. Pelo menos à sua maneira.
Ficou momentaneamente confusa.
- Não sei. Parece-me que aqui têm regras, como em toda a parte. Devo ter
desrespeitado uma por acaso. Mas isso não é razão para fazer... para me meter num
escândalo público. Não, nunca me passaria pela cabeça fazer tal coisa.
- O que é que aconteceu das outras vezes que ensinou a Constituição? -
perguntou Collins.
- Ainda nunca a tinha ensinado. Costumava dar história da Europa. A mulher
do administrador da cidade é que ensinava história da América, mas reformou-se no
último semestre e eu fui encarregada de a substituir.
- E agora que vai fazer? Fica em Argo City?
- Ah, não, não me deixam. A não ser que se trabalhe para a companhia ou
para a cidade, não se pode viver cá. Não me dariam outro emprego. Acho que vou
regressar à Wyoming. Não sei. É muito desencorajador. Nem sequer sei o que fiz de
mal.
- Quer contar-nos mais coisas? - perguntou Collins.
- Sobre quê?
- Sobre o que se passa aqui.
- Aqui não se passa nada. Nada - disse ela enfaticamente.- Parece-me que é
melhor voltar para a aula. Se me desculpam...
Radenbaugh olhou para Collins.
- Quem foi que disse, Chris: "Se o fascismo se implantar nos Estados Unidos,
será por o povo votar nele?"
- Amém! - disse Collins, pegando no braço de Radenbaugh. - É melhor
voltarmos para o hotel. Temos muito para decidir.
Às cinco e cinco, os três homens tinham-se reunido no quarto de Collins do
Hotel Constellation.
Collins foi o primeiro a falar, dirigindo-se ao Presidente do Supremo
Maynard, que se tinha sentado na dura cama, pousando o chapéu, e estava agora a
enxugar a testa
suada.
- Então, senhor Presidente, que descobriu? Maynard parecia atordoado.
- Numa palavra, é... é chocante.
- Inacreditável - concordou Collins.
- Quem poderia imaginar que isto se passa nos Estados Unidos?
- E afinal é verdade - disse Collins severamente. - A população está tão
doutrinada que nem sabe o que se passou.
Maynard abanou fortemente a cabeça.
- Sim, também é essa a minha impressão.
- É tarde - disse Collins - e parece-me que o melhor é sairmos daqui quanto
antes e voltarmos para Phoenix. Podemos discutir o assunto pormenorizadamente no
carro. Mas, para já, deixe-me resumir o que Donald e eu descobrimos. Soubemos
muitas coisas, falamos a muitas pessoas.
- Eu também - disse Maynard. - Cheguei mesmo a falar com o xerife e com o
editor do jornal. Falam, mas não compreendem o que estão a dizer. Tornou-se um
hábito. Nunca, com toda a minha experiência do país e do estrangeiro, pelo menos
desde a II Guerra Mundial, nunca vi uma população viver assim, numa existência de
autômatos. Ou a viver sob uma opressão tão insidiosa.
Collins levantou-se e começou a vaguear pelo quarto.
- Deixe-me dizer-lhe rapidamente o que Donald e eu descobrimos. A
Companhia Argo de Fundição e Refinação é dona dos únicos armazéns de
alimentação e vestuário da cidade. Os empregados das minas recebem salários, mas
também lhes dão livros de senhas que só podem ser usadas nos armazéns da
companhia. Quando se lhes esgota o dinheiro, podem usar as senhas para comprar a
crédito. Assim, a maior parte deles estão empenhados à companhia.
- É uma forma sutil de escravatura ou de servidão econômica. - comentou
Radenbaugh.
- Mas há muitas outras coisas que não são tão sutis. A companhia é
proprietária do menor terreno, possui ou domina a Câmara Municipal, o posto de
xerife, as escolas, o hospital, o teatro, os correios, a igreja, as oficinas de reparações,
o jornal da cidade, e até o hotel. A companhia proibe livros (menos os livros sexuais
que os de política e história). Os correios registam toda a correspondência recebida
ou expedida. O conselho escolar determina o que os professores devem ensinar. O
xerife impede que os vendedores ambulantes e os caixeiros viajantes entrem na
cidade. O hotel não permite que ninguém permaneça mais de dois dias. Os estranhos
são expulsos por vagabundagem ao fim de três dias. A companhia censura os
sermões do sacerdote. Os homens e mulheres solteiras, são separados, conforme os
sexos, por quatro pousadas da companhia, que estão cheias de informantes. Quanto
às habitações comuns...
- Isso vi eu - disse Maynard. - Fiz de conta que queria comprar uma casa e
estabelecer-me aqui. Em vão. Só os empregados da companhia Argo são autorizados
a comprar habitações. A companhia fica com uma hipoteca sobre cada casa que é
vendida. Os pagamentos da hipoteca são deduzidos do salário. Se o comprador
resolver ir-se embora, tem de vender novamente a casa à companhia. Nas casas
alugadas, as rendas também são deduzidas dos salários.
- Mais escravatura - comentou Radenbaugh.
Collins aproximou-se de Maynard.
- Que descobriu mais?
A cabeça grisalha de Maynard abanava.
- O suficiente para me enojar. Nunca encontrei semelhante desrespeito pela
Declaração de Direitos. A certa altura, parei para comer uma salada no café da
companhia. Enquanto estava à mesa, coberto de curiosos, peguei num guardanapo
de papel, ou melhor, foram dois, e escrevi os direitos básicos concedidos pelas dez
primeiras emendas à Constituição: a Declaração de Direitos aprovada em Dezembro
de 1791. A seguir a cada emenda indiquei a situação respectiva em Argo City.
Ouçam isto... Tirou os dois guardanapos de papel do bolso do casaco de caqui
e trocou os óculos de sol por outros de lentes quadradas.
- Ouçam bem - prosseguiu Maynard. - A primeira emenda garante a liberdade
de religião e de expressão e institui os direitos de reunião e reclamação. Aqui em
Argo City só se pode freqüentar uma igreja. Só se lê um jornal. Todos os jornais de
fora e a maior parte das revistas são proibidas. Sabiam disto? A televisão consiste
numa estação local, UHF - dominada pela companhia, é claro. Os programas
nacionais são gravados e só alguns são retransmitidos. O mesmo quanto à rádio. Só
transmitem programas gravados. Todos os receptores são vendidos pela companhia
e têm um filtro especial, para não poderem apanhar Phoenix ou outras cidades. A
liberdade de expressão está totalmente banida. Se se sai da casca, um informador faz
uma denúncia. Fica-se sem emprego e sem casa. Não são permitidas reuniões
públicas nem manifestações. A última ocorreu há quatro anos. Foi reprimida, e os
trabalhadores que protestavam contra a falta de segurança no trabalho foram presos.
A prisão era demasiado pequena para os conter, mas, ignorado por toda a gente, há
um campo de internamento fora da cidade, no deserto...
- Um campo de internamento? - Collins estremeceu, lembrando-se do seu
filho Josh e da viagem ao lago Tule.
- Sim, quatro semanas nesse campo acabaram com os protestos. Desde então,
nunca mais houve manifestações. - Maynard tentava decifrar o que tinha escrito no
guardanapo.
- A 2.a emenda dá ao cidadão o direito de possuir e deter armas, isto é, dá a
cada Estado o direito de ter uma milícia. Mas isso não acontece em Argo City. Só
um grupo de escol de empregados da companhia, altamente colocados e de absoluta
confiança, podem usar armas. A 3.a emenda diz que nenhum militar se pode aboletar
em casas particulares sem consentimento do dono da casa. Há cinco anos foi feita
uma postura que permite à polícia, em caso de emergência, mudar-se para a casa de
qualquer pessoa e instalar-se lá. A 4.a emenda dá ao povo o direito de não ser sujeito
a buscas indevidas. Uma postura de Argo City permite que os homens do xerife
entrem em qualquer casa sem mandato. A 5.a emenda protege o acusado de crime
capital (de resto, só um grande júri pode inculpar um civil), garante o processo legal
e diz que ninguém pode ser obrigado a testemunhar contra si próprio. Ora, não há
grande júri em Argo City. É um juiz que decide se a prova exige um julgamento. É
evidente que os juízes são indicados pela companhia. A 6.a emenda garante que os
acusados de crimes terão direito a um rápido julgamento, a um júri imparcial, a
serem acareados com as testemunhas de acusação, a terem a assistência de um
advogado. Em Argo City pode-se definhar indefinidamente na prisão à espera de
julgamento. Aqui não há júris. Um dos juízes desempenha simultaneamente a
função de juiz e a de júri. As testemunhas de acusação não precisam estar presente.
A defesa é fornecida pela companhia. - Maynard soltou um suspiro. - Como disse
um dia Stanislaw Lee: "A distribuição da injustiça está sempre em boas mãos."
- Apre! - murmurou Radenbaugh. - Apesar de se terem enganado, sempre tive
doze jurados, e escolhi o meu advogado.
Maynard pegou no segundo guardanapo e começou a lê-lo.
- A 7.a emenda. Bem, esta também garante o julgamento por um júri nos
casos da lei comum. Isto tem sido totalmente ignorado em Argo City. A 8.a emenda
garante uma fiança razoável, protege os cidadãos contra multas excessivas ou penas
cruéis e infamantes. Bem, aqui, por uma coisa de somenos, um delite sem
importância, a fiança é tão alta que o acusado fica na prisão até ser julgado. Não é
possível saber o montante das multas. Mas, aparentemente, as penas cruéis e
infamantes são a regra. Os culpados perdem as casas. Os protestos ou crimes levam
os condenados a um campo de detenção rodeado de arame farpado, no deserto
escaldante. Só Deus sabe o que mais aí os espera. A 9.a emenda salvaguarda outros
direitos não especificados na Constituição. Não descobri muito a este respeito,
exceto que os cidadãos de Argo City não parecem ter outros direitos que não sejam
os de comer e dormir, em certas condições. A 10.a emenda reserva todos os poderes
que não sejam delegados ao Governo pela Constituição, aos Estados e ao povo.
Aqui, obviamente, todos os poderes reservados pela Constituição ao Governo, aos
Estados e ao Povo, estão nas mãos da companhia.
- Ou nas de Vernon T. Tynan - acrescentou Collins.
- Ou nas de Tynan, sim - concordou Maynard, voltando a meter os
guardanapos no bolso. - Como poderá isto ter acontecido? Tenho certeza que o
governo federal não tem conhecimento do que aqui se passa. Mas o Estado de
Arizona! O Estado devia saber e atuar.
- Não, eu calculo como se gerou tal situação - disse Radenbaugh. - Aposto
que a Comissão das Corporações do Arizona, que deveria pretensamente controlar
as corporações, é dominada pela Companhia Argo. Então Tynan arranjou qualquer
coisa contra esta companhia e passou a dominá-la para realizar a sua grande
experiência.
Maynard estava mais perturbado que nunca.
- É a situação mais aterradora que jamais encontrei.
- Não podemos continuar sentados e deixar correr - disse Collins. - Como
Procurador-Geral, tenho de atuar. Posso mandar cá uma equipe de investigadores...
Maynard ergueu a mão.
- Não, não é isso que é prioritário. Argo City e os seus 14.000 habitantes não
são o fim. São meramente parte de um objetivo mais vasto. Você mesmo o disse,
Collins. Há muito mais em jogo, muitíssimo mais.
- Refere-se à 35.a emenda?
- Sabemos que Argo City, por estar isenta de crimes, inspirou o diretor Tynan
a elaborar a emenda. Sabemos que ele experimentou e apurou aspectos da emenda,
usando Argo City como um laboratório para a supressão das liberdades e para a
repressão nos últimos quatro anos. Sabemos que vimos hoje uma perspectiva dos
Estados Unidos daqui a um ano, se a Califórnia ratificar a emenda e a integrar na
Constituição.
Maynard levantou-se e vagueou pelo quarto, imerso num conflito íntimo.
Quando voltou para junto de Collins e Radenbaugh o seu ar pensativo tinha-se
desvanecido.
- Meus senhores - disse ele -, tomei a minha decisão. Se depender de mim, a
Califórnia não pode nem deve aprovar a emenda.
Collins não pôde esconder o seu júbilo.
- Vai... Que vai fazer, senhor Presidente?
- Vou fazer o que lhe prometi se me provasse concretamente que a nossa
democracia está realmente em perigo. Deram-me a conhecer uma parte do
Documento R, aparentemente o plano de Tynan. Vi o fascismo ser aceito pelo preço
da segurança. Já posso imaginar o fascismo tornado lei em toda a nação. Não quero
nem posso admitir que isso aconteça. - Os seus olhos pousaram em Collins. -
Primeiro vou falar com o Presidente. Vou tentar persuadi-lo a inverter a sua posição.
Se falhar, então irei para a frente e far-me-ei ouvir. Se a minha influência é tão
grande como você pensa, não haverá 35.a emenda, não haverá mais cidades como
Argo City na América, e a nossa agonia terá terminado.
Collins agarrou na mão de Maynard e apertou-a calorosamente. Radenbaugh
acenava com a cabeça em sinal de aprovação.
- É melhor irmos embora - disse Maynard bruscamente. - Vou para o quarto
arranjar as minhas coisas. Encontramo-nos no átrio daqui a dois minutos.
Maynard apressou-se a sair.
Rejubilantes, Collins e Radenbaugh pegaram nos seus haveres e prepararam-
se para sair. À porta, Collins deteve Radenbaugh.
- Depois de Phoenix, para onde vai?
- Tenciono regressar a Filadélfia.
- Venha para Washington. Não o posso pôr na lista de pagamentos federal.
Mas posso pô-lo na minha lista privada. Preciso de si. O nosso trabalho ainda não
terminou. Quando Maynard derrotar a emenda, precisaremos de um programa novo
para a substituir, um programa que leve à redução da criminalidade sem sacrificar os
nossos direitos civis.
Radenbaugh parecia comovido.
- Poderá realmente utilizar-me? Estou muito satisfeito, mas...
- Vamos embora, não percamos tempo.
No corredor, encontraram Maynard que saía do quarto. Desceram juntos de
elevador. Collins parou no balcão da recepção para assinalar a partida. Depois, os
três, lado a lado, atravessaram o átrio e saíram para o calor do fim de tarde.
Enquanto Collins e Radenbaugh, silenciosos avançavam para o
estacionamento, Maynard apressou-se a comprar a última edição do Bugie de Argo
City a um vendedor cego e barbudo, que se sentava numa banca perto da entrada do
hotel. Quando o vendedor ouviu o tilintar das moedas, os seus olhos mantiveram-se
parados por trás dos óculos, mas a boca abriu-se num sorriso de agradecimento.
Maynard apressou o passo para alcançar os companheiros. Minutos depois,
Radenbaugh conduzia o Ford para fora do parque de estacionamento, em direção ao
centro de Argo City, a Phoenix e ao ar livre.
Em frente do Hotel Constellation, o vendedor cego meteu o dinheiro no
bolso, levantou-se e colocou o que restava da pilha de jornais em cima da banca.
Batendo com a bengala branca, passou titubeante em frente do hotel, ultrapassou o
parque de estacionamento e virou à direita para a estação de serviço da esquina.
Seguindo a bengala, apontou em linha reta para a cabina telefônica mais próxima.
Entrou na cabina, fechou a porta de vidro e arrumou a bengala a um canto. Por fim,
olhando para trás, tirou os óculos escuros, meteu-os no bolso, pegou no auscultador,
meteu uma moeda na ranhura e olhou com um ar indiferente para os números do
disco enquanto esperava.
A telefonista surgiu na linha. Ele indicou-lhe um número. Instantes depois,
depositou as moedas que faltavam. Esperou. O telefone estava a tocar. Uma voz
chegou da outra extremidade do fio. O vendedor encobriu o bocal do telefone.
- Faça o favor de ligar ao diretor Vernon T. Tynan - disse num tom de
urgência. - Diga-lhe que é o agente especial Kiley a falar do gabinete de campo R.
Ficou à espera. Poucos segundos.
- Diretor Tynan? Aqui Kiley, em R. Vieram três. Só reconheci dois. Um era o
Procurador-Geral Collins. O outro era o Presidente do Supremo Maynard... Não, não
tenho dúvidas. Collins e Maynard.
Capítulo sétimo
Estava-se a meio da manhã do dia seguinte, e o Presidente Wadsworth já
tinha telefonado duas vezes nos últimos quinze minutos. Que se lembrasse, era a
primeira vez que tinha evitado receber um telefonema do Presidente. Acompanhado
por Harry Adcock, por trás de portas trancadas, o diretor Tynan tinha estado
profundamente ocupado a ouvir uma gravação que Adcock lhe entregara. Era uma
gravação feita uma hora antes de uma conversa telefônica entre o Presidente do
Supremo Maynard e o Presidente Wadsworth. Maynard é que tinha feito a chamada,
e a sua curta conversa com o Presidente não durara mais de cinco minutos.
O primeiro telefonema do Presidente para Tynan tinha chegado no preciso
instante em que Adcock lhe trouxera a gravação.
- Diga-lhe que ainda não cheguei ao gabinete - respondera Tynan à secretária.
- Diga-lhe que vai tentar localizar-me.
O segundo telefonema do Presidente tinha chegado enquanto Tynan ainda
ouvia a gravação.
- Diga-lhe que ainda não cheguei - ordenara ele à secretária -, mas que me
espera a todo o momento.
Ouvira a gravação até ao fim. Adcock desligou o gravador.
- Quer ouvir outra vez, chefe?
- Não, uma vez chegou. - Tynan recostou-se na cadeira.- Devo dizer-lhe que
não estou surpreso. Depois do aviso de Kiley, de Argo City, na noite passada, já
suspeitava que isto iria acontecer. Agora confirma-se. Bem, é melhor telefonar ao
Presidente e ver a reação dele.
Segundos depois, Tynan obtinha a ligação com o Gabinete Oval da Casa
Branca.
- Desculpe não estar para o atender - disse Tynan, resfolegando. - Cheguei
agora mesmo. Tive dois encontros no exterior e esqueci-me de avisar a Beth. Há
alguma coisa urgente?
- Vernon, estamos tramados. Podemos considerar a 35.a emenda
antecipadamente morta.
Tynan simulou espanto.
- O que diz, senhor Presidente?
- Antes de lhe telefonar, recebi uma chamada do Presidente do Supremo
Maynard.
- E então?
- Queria saber se eu conhecia um lugar chamado Argo City, no Arizona. Eu
lembrei-me imediatamente. Era o lugar de que me falou ontem à noite, quando me
veio pôr ao corrente das últimas atividades do FBI. Respondi a Maynard que sim,
que era uma comunidade que o FBI estava a acompanhar de perto há vários anos.
Disse-lhe que você estava a conduzir pessoalmente as investigações dos crimes
federais nessa cidade e que ia submeter brevemente as informações descobertas ao
Procurador-Geral Collins.
- Correto.
- Bem, Maynard pensa de maneira diferente quanto às suas atividades em
Argo City.
Tynan fingiu-se extremamente confundido.
- Não compreendo. Que opinião diferente é que pode ter?
- Ficou com a idéia de que você tem estado a usar Argo City como campo de
ensaio para a 35.a emenda. E os resultados, embora a si lhe possam ter agradado,
para ele foram horríveis.
- É absurdo.
- Eu também lhe disse que era absurdo... empreguei precisamente esse termo.
Mas o velho casmurrão não se deixou convencer.
- Saiu da casca - disse Tynan.
- Seja como for, está contra nós. Disse que nunca se tinha pronunciado
publicamente contra a emenda, mas que agora estava disposto a fazê-lo. Então
tentou forçar-me.
- Forçá-lo, senhor Presidente? A quê?
- Disse que se eu retirasse publicamente o meu apoio à emenda, ele teria o
maior prazer em continuar calado. Mas se eu me recusasse a fazê-lo, se recusasse
inverter a minha posição, então ele entraria na liça.
- Que diabo pensa ele que é para ameaçar o Presidente da República? - disse
Tynan num tom indignado. - Como é que lhe respondeu?
- Disse-lhe que sempre tinha estado ao lado da emenda e que era aí o meu
lugar. Disse-lhe que acreditava nela e que a queria ver ratificada como parte da
Constituição.
- E ele, como reagiu?
- Disse: "Então força-me a agir, senhor Presidente; demito-me do meu cargo
e entro na arena política, para poder manifestar-me enquanto é tempo." Disse que ia
de avião para Los Angeles hoje à tarde. Passará todo o dia de amanhã na sua casa de
Palm Springs. Depois de amanhã, regressa a Los Angeles. Ele disse: "vou dar uma
conferência de imprensa no Hotel Embaixador para anunciar a minha resignação do
Supremo Tribunal, e vou anunciar o meu desejo de comparecer como testemunha
perante o comitê judicial da Assembléia e do Senado da Califórnia para me
manifestar contra a aprovação da 35.a emenda."
- Estará realmente decidido a fazer isso?
- Não duvido, Vernon. Tentei incutir-lhe algum bom senso, mas não
consegui. Estará na Califórnia dentro de poucas horas. E nós levaremos sopa. No
momento em que ele se manifestar contra a emenda, estamos arrumados. Vai virar a
legislatura de pernas para o ar. Quem podia imaginar que tal havia de acontecer?
Todos os nossos esforços, todas as nossas esperanças destruídas pela interferência de
um homem. Que havemos de fazer, Vernon?
- Combatê-lo.
- Como?
- Não sei bem. Vou pensar numa maneira.
- Pense em qualquer coisa... seja o que for.
- Tratarei disso, senhor Presidente.
Tynan desligou, sorriu para o telefone, levantou a cabeça e sorriu para
Adcock. Piscou os olhos.
- É claro que descobriremos uma maneira, não é, Harry?
Chris Collins estava bem disposto nessa tarde. Sentia-se aliviado da tensão
das últimas semanas e pronto a descontrair-se. De regresso do trabalho, assim que
entrara em casa, recebera o esperado telefonema de Maynard. O Presidente do
Supremo tinha chegado há minutos ao aeroporto internacional de Los Angeles, mas
antes de se dirigir com a mulher para o carro que os levaria a Palm Springs, tinha
querido informar Collins das ocorrências da manhã. Tinha efetivamente falado ao
telefone com o Presidente. Tinha-lhe pedido que modificasse a sua posição quanto à
emenda. O Presidente tinha recusado. Maynard tinha então avisado o Presidente que
partia para Los Angeles, onde anunciaria a resignação do Supremo Tribunal, e tinha-
lhe dito que tencionava manifestar-se, em Sacramento, contra a aprovação da
emenda. Passaria um dia na casa de Palm Springs para escrever o discurso
de resignação e a dura declaração aos comitês dos órgãos legislativos.
- Espero que isto seja suficiente - dissera Maynard.
- Será, será - prometera Collins, a arder em excitação. - Obrigado, senhor
Presidente.
- Eu é que lhe agradeço, senhor Collins.
Karen tinha estado a rondar por ali, desejando saber o que se passava, e,
depois de desligar, Collins pusera-se de pé, aproximara-se dela, começara a levantá-
la no ar, lembrara-se da gravidez, e limitara-se a abraçá-la e beijá-la. Collins tinha-
lhe explicado sucintamente, sem entrar em pormenores, sem referir Argo City, a
decisão do Presidente do Supremo de se manifestar publicamente contra a emenda.
Karen tinha ficado verdadeiramente emocionada.
- Que maravilha, querido. Finalmente, boas notícias.
- Vamos comemorar - tinha proposto Collins. Tinha sentido a cabeça e o
corpo mais leves, como se se tivesse libertado de quilos de pressão. - Vamos à
cidade. Escolhe
o que quiseres.
- O Jockey Club e tornedos Rossini - tinha dito Karen melodiosamente.
- Vai vestir-te enquanto marco mesa. Só nós dois. Nada de negócios, só
divertimento, prometo-te.
Meia hora mais tarde, depois de tomarem juntos uma ducha, estavam no
quarto, quase vestidos.
Collins enfiava as calças do seu melhor terno azul-marinho, metia as fraldas
da camisa para dentro, quando o telefone tocou.
- Atende tu - disse Karen do toucador. - O verniz das unhas ainda não está
seco.
Collins foi ao toucador, rezando para que não fosse trabalho. Poucas pessoas
que tinham o seu número não estavam relacionadas com o Departamento de Justiça.
Levantou o auscultador.
- Está lá?
- Senhor Collins?
- Sim.
- Daqui fala Ishmael Young. Não sei se se lembra...
Collins sorriu. Como se alguém pudesse esquecer aquele nome.
- Claro que me lembro. É o fantasma do diretor Tynan.
Ishmael Young respondeu muito sério:
- Espero não ser recordado assim. Mas é verdade. Estou a trabalhar na
autobiografia de Tynan e o senhor teve a amabilidade de me receber no mês
passado. - Hesitava, procurando as palavras. Depois, com um tom de urgência,
desembuchou: -Sei que é uma pessoa muito ocupada, senhor Collins, mas seria
humanamente possível falar-lhe esta noite? Não lhe ocuparei muito tempo...
Olhando para a mulher, Collins interrompeu-o:
- Lamento, mas já estou comprometido para a noite, senhor Young. Talvez
me possa telefonar para o gabinete na segunda-feira, para combinarmos...
- Senhor Collins, creia-me, não quero aborrecê-lo, mas é realmente
importante. Tanto para si como para mim.
- Bem... não sei...
- Por favor.
O tom de voz de Ishmael fez Collins capitular.
- Está bem. Para lhe dizer a verdade, ia agora jantar ao Jockey Club com a
minha mulher.
- Lamento imenso. Mas...
- Não faz mal. Encontramo-nos lá às oito e meia.
Depois de desligar, viu Karen olhá-lo interrogativa. Collins resmungou:
- É o escritor fantasma de uma autobiografia de Vernon Tynan. Precisa falar
comigo esta noite. Infelizmente tenho curiosidade em saber porquê. Pelo menos é
um tipo simpático. Espero que não te importes, amor.
- Tolo, nunca me convenci que íamos estar só os dois. - Apontou para o
telefone. - É melhor ligares para o Jockey Club e fazeres a marcação para três. Além
disso, estou tão curiosa como tu.
O Jockey Club, situado no Hotel Fairfax da Avenida Massachusetts, estava a
transbordar por volta das nove horas dessa noite.
No entanto, a melhor mesa do restaurante tinha sido reservada e guardada
para Chris Collins e os seus convidados.
- Vês - sussurrou Collins à mulher - , há algumas vantagens em ser
Procurador-Geral.
- Ou em dar boas gorjetas - retorquiu Karen.
Ishmael Young, que tinha esperado por eles na esquina da rua, tinha-se
mostrado invulgarmente ansioso, pedindo constantemente desculpa desde o
encontro. Agora, depois de as bebidas chegarem, olhando abstraído para o seu Jack
Daniels com soda, Young desculpava-se novamente:
- Lamento imenso imiscuir-me nesta noite privada.
- Temos muito prazer na sua companhia - disse Collins expansivo. Sentia-se
maravilhosamente e ergueu o seu Scotch com água num brinde irônico. - Pela
derrota da 35.a emenda. - Esperou que Karen levantasse sua vodka com água tônica
e que o escritor se lhes juntasse no brinde, e bebeu. Pousando o copo, disse a Young:
- Não sabia, pois não, que eu já deixei de apoiar a 35.a emenda?
- Sei, sei - respondeu Young.
Collins não escondeu a sua surpresa.
- Como é que soube? Foi uma decisão particular. Ainda não a tornei pública.
E mais, não a tornarei pública enquanto pertencer ao governo. - Baixou a cabeça
para Young. - Como descobriu?
- Esquece-se - disse Young -, que trabalho com o diretor Tynan. Ele sabe
tudo e eu sou o seu fantasma.
O aspecto de Collins tornou-se sisudo.
- Estou a ver. Então ele também sabe?
- Sim.
- Devia ter imaginado. - Tomou um grande gole da sua bebida. - Tenho
tendência para o menosprezar, mas devo lembrar-me que ele é formidável.
Caíram num breve silêncio. Ishmael Young brincava com o copo, como se
não fosse capaz de formular um pensamento. Por fim, decidiu-se.
- Quis vê-lo esta noite por... por duas razões. Uma diz-lhe respeito. A outra
tem que ver comigo. Primeiro a sua.
Mas não continuou imediatamente e Collins interrogou-o:
- Então, que tem a dizer?
- Queria discutir sobre Tynan.
Collins ficou exasperado.
- Se isso quer dizer que me pretende fazer mais perguntas sobre o que eu
penso de Tynan para o seu livro, deixe-me avisá-lo que não tem sorte. Não tenho
mais nada a dizer.
- Não, não é isso - disse Young rapidamente. - Não é nada a respeito do livro.
Não o incomodava durante o jantar para lhe perguntar coisas sobre Tynan. Vim
porque
lhe queria falar sobre Tynan. Queria...
- Dizer-me o quê? - interrompeu Collins impaciente. - O que é que me quer
contar?
Karen aproximou-se dele e tocou-lhe no braço.
- Por favor, Chris, deixa-o falar.
Ishmael Young dirigiu um gesto de agradecimento a Karen, puxou o nó da
gravata e alisou os restos de cabelo, penteado de maneira a cobrir a calva.
Embora irritado pela agitação do escritor e pela sua relutância em entrar no
assunto, Collins acedeu ao pedido e esperou.
- Ele não gosta de si, como sabe - disse Young.
- Quem, Tynan?
- Não gosta mesmo nada de si - repetiu Young.
- Isso não me admira - disse Collins. - Como descobriu?
- Estou com ele todas as semanas. Estou com ele, mas ultimamente ele nem
sequer parece dar-se conta disso durante metade do tempo. Conversa e torna a
conversar. Responde ao telefone. Faz chamadas. Deixa apontamentos e memorandos
por todo o lado. Deixou de ser cauteloso comigo. É como se eu não existisse. Talvez
ele tenha razão. Sou apenas um escrevinhador.
- Então ele não gosta de mim! - repetiu Collins.
- Eu decidi que se ele não gostava de si, isso era razão suficiente para eu ter a
opinião contrária. Quando Tynan se põe contra qualquer coisa, ou qualquer pessoa, é
porque é boa. Como sabe, quando nos encontramos pela primeira vez, disse-lhe que
ele não era pessoa do meu gênero. Cheguei à conclusão que também não era do seu.
Compreendi, quer o admita ou não, que estamos do mesmo lado. Foi por isso que o
quis ver imediatamente, para o avisar de uma coisa.
Karen parecia preocupada, mas Collins continuava impassível.
- Continue.
- Está bem. - Baixou a voz. - Tynan e o FBI têm andado a investigá-lo.
- Oh, Chris - suspirou Karen.
Ele fez um gesto para ela se calar. Dirigiu-se ao escritor:
- Isso não é novidade. Se é tudo...
- Mas eu pensei...
- Evidentemente que fui investigado pelo FBI. É esse o seu papel. Tiveram
de investigar quando o Presidente me nomeou Procurador-Geral. É costume.
- Não, não compreendeu bem, senhor Collins. Sei bem que o investigaram há
semanas. Foi a tal rotina. O que lhe quero dizer é que Tynan ordenou uma nova
investigação secreta a seu respeito, há poucos dias. Ainda está em curso.
Collins semicerrou os olhos, tentando assentar idéias e compreendendo
finalmente. Respirou fundo e disse:
- Ah, bem... Tem certeza?
- Absoluta. De resto, não é a primeira investigação. No mês passado, ouvi-o
falar ao telefone sobre Baxter e a igreja da Santíssima Trindade, e nessa altura
aludiu ao caso Collins...
Collins interrompeu:
- Bem sei. Mas agora interessa-me mais o que disse antes. Tem certeza
absoluta? Ouviu Tynan dizer que me estavam a investigar de novo?
- Estou certíssimo. Estive ontem com ele durante muito tempo. Recebeu essa
chamada. Quando lá vou e estamos a trabalhar, ele geralmente só atende chamadas
do Presidente ou de Adcock. Mas esta chamada não era do Presidente. Enquanto ele
estava ao telefone, fui ao banheiro, mas deixei a porta entreaberta. Consegui ouvir o
que ele dizia. O seu nome nunca foi mencionado. Mas houve uma referência... não
me recordo exatamente o que foi... que me esclareceu que estavam a falar sobre si.
Era em relação às investigações que estão a decorrer. No final, Tynan disse a
Adcock: "Bem, continue a tentar, e trate também dos outros."
Karen notara as últimas palavras.
- Os outros? Que queria ele dizer?
- Não faço idéia - respondeu Ishmael Young. Voltou-se para Collins. - Mas
não tenho dúvidas que a conversa era a seu respeito. Faz sentido? Haverá alguma
razão para que ele o investigue agora?
- Talvez. Sim, talvez haja - disse Collins lentamente.
- Bem, pensei que não devia perder tempo. Preveni-o e assim pode estar de
sobreaviso.
- Agradeço-lhe - disse Collins sinceramente. - Muito obrigado, Ishmael... -
Olhou distraidamente à sua volta, viu o criado e chamou-o. - Acho que isto está a
pedir
mais uma rodada de bebidas.
Depois de Collins ter feito o pedido, Karen chegou-se para mais perto do
marido. Tentava conter a agitação que a dominava.
- Que quer isto tudo dizer, Chris?
- Não tenho certeza, querida, provavelmente nada. - Tentou animá-la: -Nem
todas as investigações são sinistras. Às vezes fazem-nas por causa de alguém que
está relacionado com a pessoa, para nos protegerem.
- Pode ser isso - concordou Young rapidamente, também ele desejoso de
acalmar Karen.
- Mas pelo menos deviam dizer-te - alegou Karen, dirigindo-se ao marido -,
em vez de fazerem as coisas nas tuas costas. Afinal tu és seu superior hierárquico.
Realmente, ele é um homem horrível.
A segunda rodada de bebidas chegara e Young ergueu o copo.
- Ora aí temos um motivo de brinde, senhora Collins, bebo à sua opinião.-
Deu uma vista de olhos pelas proximidades para ver se alguém estava a escutar. -
Ele... bem sabem a quem me refiro... é o pior pulha... desculpem, o pior egomaníaco
e o maior desonesto que conheci.
Beberam, e antes que pudessem retomar o fio da conversa, o criado de mesa
apareceu para saber o que queriam.
Concordaram todos na sopa de cebola para começar. Depois Collins
encomendou tornedos Rossini para Karen, esperou que Young examinasse
novamente a ementa, e pediu finalmente um bife Stroganoff para o escritor e Coq
au Vin para si.
Ishmael Young tinha voltado ao seu Jack Daniels.
- De fato, voltando a Tynan - disse Young, dirigindo-se a Karen -, acho que
ninguém gosta dele, exceto, e estou só a alvitrar, a mãe e Adcock. Todos os outros,
ou se limitam a respeitá-lo, ou o temem, ou o odeiam profundamente.
Collins interessou-se.
- Exceto a mãe e Adcock, disse você. Isso da mãe foi só uma suposição ou é
verdade? Será que ele tem uma mãe?
- Talvez não acredite, não é? Que Vernon T. Tynan possa ter uma mãe. Pois
tem. Aqui perto. Rose Tynan. Oitenta e quatro anos de idade. Vive no Bairro dos
Anos Dourados, em Alexandria. Ninguém sabe disto, exceto Adcock e eu, mas
Tynan vai vê-la todos os sábados. Sim, o monstro tem uma mãe.
- Já a viu? - perguntou Collins.
- Ah, não. Verboten, proibidíssimo. Uma vez, quando falava com ele acerca
da sua juventude, não conseguiu lembrar-se de nada, mas disse que a mãe devia
saber. Eu disse-lhe que não sabia que a mãe ainda era viva. Ele respondeu: pois é,
mas não falo nela por razões de segurança, para que possa estar tranqüila. Ele quis
ter certeza que eu não diria isso no livro... não diria que a mãe ainda estava viva;
mas permitiu-me que me referisse a ela e disse coisas bonitas a seu respeito.
Contou-me até um pouco do seu passado. É tudo o que sei.
- Interessante - disse Collins.
- Nem sequer imaginava que Tynan tivesse mãe - disse Karen. - Isso torna-o
quase humano.
- Não se iluda - comentou Ishmael Young -, Calígula também teve mãe, e
Jack o Estripador.
Collins achava graça, mas Karen insistia em que Tynan continuasse a ser
revelado por Ishmael Young.
- Senhor Young, se não gosta do diretor Tynan...
- Nunca disse que não gostava dele. Odeio-o.
- Muito bem, se o odeia, porque é que trabalha com ele na autobiografia?
- Porquê?! Vou dizer-lhe porquê...
Mas não prosseguiu, porque o criado tinha trazido um carrinho com as sopas
de cebola e começava a servi-las. Mal o criado se retirou, Young retomou a conversa
no ponto em que tinha ficado.
- Quando me encontrei com o seu marido, disse-lhe que tinha sido forçado a
escrever este livro. Agora quero explicar-lhes, se me permitirem. Vou apresentar-lhe
a outra razão que me levava a querer falar-lhe esta noite. Disse-lhe que o primeiro
motivo se relacionava consigo e o segundo comigo. Espero que não se importe que o
aborreça com um problema pessoal. Tem a ver com Tynan e com o motivo que me
leva a escrever o seu Mein Kampf.
- Por favor, continue - disse Collins.
- Fui intimidado para escrever este livro dum raio - continuou Young. - Não
queria fazê-lo, mas Tynan obrigou-me. O que aconteceu foi o seguinte: vivi em
Paris durante algum tempo, colhendo material para um livro que queria escrever,
não como fantasma, mas mesmo meu -um livro sobre a Comuna de Paris. Entre as
pessoas que entrevistei nessa altura, há dois anos, havia um professor britânico
exilado e a mulher. O professor Henderson, que era um perito da Comuna e que
tinha sido deportado dos Estados Unidos há muito tempo devido a ter-se envolvido
em atividades anarquistas. Os Hendersons tinham uma filha, Emmy, por quem me
apaixonei profundamente. A primeira e única vez na minha vida. E ela também me
amava. Resolvemos casar. O único problema era que eu... estava casado. Separado
há algum tempo, mas casado. Combinamos que eu voltaria a Nova Iorque, obteria o
divórcio e mandaria vir Emmy para casar com ela. Bem, o divórcio deu muito que
fazer...
- Sei como essas coisas são - disse Collins, pegando na mão de Karen.
- Mas lá acabei por conseguir. Tinha um modesto best-seller, uma biografia
política. Concedendo todos os direitos de autor à minha mulher, obtive o divórcio.
Preparei-me para mandar vir Emmy. Entretanto, Vernon T. Tynan descobriu-me e
decidiu que eu era a única pessoa capaz de escrever a sua autobiografia. Recusei,
mas Tynan não gosta de ser contrariado. Fez investigações a meu respeito e soube
tudo acerca de Emmy e dos seus pais. Teve conhecimento de que Emmy, como os
pais, tinha sido uma anarquista convicta. Mas, ao contrário deles, era apenas passiva,
uma intelectual. É uma pessoa delicada, doce e, politicamente, uma teórica, nada
mais. Bem, Tynan já tinha o que queria. Atirou-me com ela. Se eu recusasse
cooperar com ele no livro, impediria a entrada de Emmy nos Estados Unidos, na
medida em que era uma imigrante indesejável. Pelo contrário, se eu colaborasse,
faria vista grossa e permitiria a entrada dela quando o livro estivesse pronto. Era
uma cenoura pendurada à minha frente. O que é que eu podia fazer? Tinha de a
morder. Foi assim que concordei em escrever o livro.
- Espantoso. Obrigá-lo a trabalhar dessa maneira - disse Karen.
- Então qual é o seu problema? - quis Collins saber.
- O meu problema é que Tynan enganou-me duas vezes. Há duas semanas,
veio-me parar às mãos todo um novo arquivo de material de pesquisas
complementares para o livro: papéis, gravações, papeleiras. Tynan deu-me para
copiar. Muita coisa era do antigo Procurador-Geral, mas a maior parte era material
novo de Tynan. Eu tinha de tirar os meus apontamentos e devolver depois os
originais a Tynan. Ora, ontem, ao passar uma vista de olhos por esses papéis,
cheguei a um memorando que Tynan tinha escrito a Baxter (com certeza esqueceu-
se que ele ali estava), avisando-o que Emmy Henderson, entre outras pessoas, devia
ser proibida de entrar nos Estados Unidos por ser uma imigrante indesejável. O
memorando tinha sido escrito depois da promessa dele. Ainda pretende castigar-me
por me ter recusado ao princípio. Podem imaginar como fiquei. Desejava atirar-lhe à
cara este jogo duplo, mas tive medo. Não sabia o que fazer. Foi então que me
lembrei que devia existir uma cópia deste memorando nos arquivos dos Serviços de
Imigração e Naturalização e que estes Serviços estão sob a sua alçada. É esta a outra
razão por que desejava falar consigo hoje. Para lhe perguntar se me podia ajudar.
Collins não hesitou.
- Sim, a Imigração é um dos meus departamentos. Posso intervir na admissão
de imigrantes. Terei muito prazer em ver a ficha da sua Emmy. Pela sua parte,
mande-me os papéis que tem do pedido de imigração. Vou rever o caso. Se ele for
como diz...
- Garanto que está limpa.
- Então passarei por cima da recomendação de Tynan e verei se ela é
autorizada.
- Senhor Collins, não posso exprimir-lhe a alegria que me deu. Não sabe
como apreciei a sua atitude, o que ela significa para mim. Não faz idéia de quanto
lhe devo.
Collins sorriu.
- Sei o que eu lhe devo. Mas isso não está em causa. É um assunto de justiça.
Karen era a única pessoa à mesa que ainda estava perturbada.
- Desejo que o faças, Chris. Mas estou preocupada com Tynan. Ele não vai
gostar. Pode vingar-se.
- Não te aflijas - disse-lhe Collins. - Sei como hei de tratar do assunto. -
Olhou para Young. - Continue a tratar do seu livro como se não soubesse de nada.
Encarregar-me-ei do caso pessoalmente. Ele nunca há de chegar a saber o que se
passou.
Karen pareceu aliviada, embora ainda pensasse em Tynan:
- Ele costuma fazer coisas destas muitas vezes? Refiro-me ao diretor Tynan e
às suas interferências na vida das pessoas. Comportar-se dessa maneira! É incrível!
Ishmael Young fez que sim com a cabeça, antes de continuar a comer.
- Não há ninguém como ele. Com o seu aparelho de investigação, é o Grande
Irmão. Tenho certeza de que não há nada na sua vida, senhora Collins, ou na sua
vida, senhor Collins, ou na minha própria vida, que Vernon T. Tynan não saiba.
Cheguei à conclusão que ele é o homem mais poderoso do país. Ou se ainda não o é,
vai sê-lo assim que a 35.a emenda for aprovada.
- Não será aprovada - disse Collins tranqüilamente - Depois de amanhã estará
morta e nós voltaremos a viver. Portanto, não se preocupe com Tynan. Coma, acabe
de beber e seja feliz. Esta noite estamos a comemorar.
Quando Karen Collins, vestindo uma fina camisa de noite azul-claro, emergiu
para o quarto, todas as luzes estavam apagadas, exceto o candeeiro da sua mesinha
de cabeceira. O relógio elétrico por baixo da luz disse-lhe que faltavam dez minutos
para a uma da manhã. No extremo oposto da cama, já enfronhado na roupa, o
marido estava estendido com a cabeça mergulhada na almofada, de costas para ela.
Ela levantou a roupa e deslizou para o seu lado da cama espaçosa.
Soerguendo-se, inclinou-se para ele. Collins tinha os olhos fechados.
- Obrigado por esta noite encantadora, querido - murmurou.
- Hum, hum - respondeu ele fatigado.
Ela baixou a cabeça e tocou-lhe com os lábios no rosto.
- Boa noite, amor. Estás tão cansado. Dorme bem. Pareceu-lhe ouvi-lo dar-
lhe as boas-noites.
Olhou-o por breves instantes, depois voltou a deitar-se, deslizou para o seu
lado da cama e deitou-se de costas, sem apagar a luz. Ficou a olhar pensativamente
para o teto. O seu espírito voltou à noite, ao Jockey Club, aquele escritorzinho
rechonchudo chamado Ishmael Young. Ele tinha dito ao princípio: o diretor sabe
tudo.
Ele tinha dito mais tarde: tenho certeza de que não há nada na sua vida, senhora
Collins, ou na sua vida, senhor Collins, ou na minha própria vida, que Vernon T.
Tynan não saiba. Ela pensou nisso, enquanto olhava para o teto, e pensou nos
tempos de Fort Worth, no Texas. Sentia a agitação a crescer dentro de si, e
subitamente teve medo. Virando a cabeça para ele na almofada, fixou o olhar na sua
nuca, e umideceu os lábios secos. Ainda estava a tempo de falar. Talvez não fosse
conversa para a cama, talvez não fosse bom tema para um momento em que ele
estava tão cansado - mas chegara o momento de lhe falar.
- Chris - chamou-o ela. - Amor, tenho de te dizer uma coisa... uma coisa que
ainda não tive oportunidade de te contar. Parece-me que chegou a ocasião. Já te
devia ter dito, mas de qualquer forma é uma coisa que deves saber. Passou-se pouco
antes de nos conhecermos. Ouve-me, amor. Deixa-me contar-te tudo de uma vez.
Está bem?
Esperou pela resposta, e acabou por a ouvir.
Ele ressonava levemente.
Demasiado tarde.
Com um suspiro preocupado, afastou-se, levantou a mão para apagar a luz,
depois deixou-se afundar profundamente na almofada, de olhos abertos na
escuridão. Estremeceu: recordando o passado, antevendo o futuro.
Fechou os olhos, vivendo por trás deles algum tempo, até o sono começar a
espalhar a escuridão dentro dela. Talvez, pensou, num último pensamento
reconfortante, talvez esteja a ser infantil e tonta, talvez esteja com medo da noite.
Não há monstros lá fora. Só pessoas. Pessoas como tu e eu. Boa noite, Chris. Juntos,
estamos em segurança, não é verdade?
Sentiu-se mergulhar para o fundo, sempre mais para o fundo, até à terra onde
começam os sonhos.
***
No edifício J. Edgar Hoover, Harry Adcock, tendo acabado o almoço ligeiro,
deixou o seu gabinete no sétimo andar e dirigiu-se ao elevador. O seu destino nesta
tarde de domingo, como acontecia todos os dias desde que o chefe lhe dera essa
ordem de prioridade absoluta, era o complexo de informática do FBI nas traseiras
do primeiro
andar.
Ao descer no elevador, Adcock recordava as palavras exatas de Tynan:
"Comece pelo nosso Procurador-Geral Collins. Quero que o FBI proceda a
uma investigação secreta a seu respeito... Quero que Collins seja investigado com
dez vezes mais cuidado que da primeira vez... Procurem toda a gente que tiver
contactado com ele em qualquer altura da vida."
Adcock apressara-se a reunir duas das mais duras forças de choque. A maior,
cuidadosamente escolhida entre 10.000 agentes especiais no exterior, estava a
trabalhar por todo o país. Estes agentes tinham sido selecionados não só pela sua
experiência e perícia, mas também pela sua lealdade para com o chefe. A menor
tinha sido formada pelos agentes de maior confiança e mais discretos do quartel
general, e estavam concentrados no chamado trabalho documental. As duas forças
tinham mergulhado imediatamente na investigação de Collins. Tinham realizado o
seu trabalho no maior sigilo e sem dar nas vistas (na medida do possível),
produzindo resmas de material nesses dias de trabalho intenso, A vida de Collins
tinha sido dissecada, bem como as vidas dos seus parentes, associados e amigos. Até
à data, pelo menos até à véspera, os resultados tinham sido terrivelmente
desapontadores para Adcock. Tudo o que se tinha descoberto sobre Collins e os que
lhe eram chegados era legítimo, legal, correto, honesto e decente, confirmando a
investigação anterior do FBI. Quase todas as portas fechadas tinham sido
escancaradas. Nenhuma escondia um esqueleto. Era estranhíssimo e Adcock não
queria crer em tal. Já estava no serviço há muito tempo, tinha visto muita maldade
nos seres humanos para acreditar em pureza. Se se cavar bem fundo e na extensão
conveniente, se se cavar duramente, surge lama mais cedo ou mais tarde.
É claro que tinha mantido Tynan ao corrente das investigações. Todavia, uma
vez que Tynan não estava interessado em conhecer pormenores, mas sim resultados
finais, Adcock não lhe contara os insucessos diários em desenterrar qualquer coisa
de valor prático. Limitara-se a dizer-lhe que o trabalho estava a andar; que estavam a
ser seguidas hipóteses e pistas desde Oaklandaté Albany.
Felizmente, o dia de hoje seria melhor e haveria qualquer coisa satisfatória e
útil para relatar ao chefe.
Chegado ao primeiro andar, Adcock saiu do elevador e ultrapassou a fonte
ornamental do complexo de informática do FBI.
Lá dentro, deitou os olhos à placa mural em que se lia: CENTRO
NACIONAL DE INFORMAÇÃO CRIMINAL. Sentiu-se mais seguro. Os seus
olhos deslizaram então pela aparelhagem da ampla sala: a máquina de escrever
automática, as unidades de gravação magnética, o impressor de 1100 linhas por
minuto. Sentia-se cada vez mais seguro. Nenhuma impureza humana podia escapar à
detecção daquelas máquinas, tal como nenhuma fraqueza humana podia deixar de
ser detectada pelos persistentes rastrejadores de sangue do país.
Vagueando pelo complexo, Adcock procurou Mary Lampert. Era a oficial
mais graduada das comunicações e o seu principal contato ali embaixo. Incapaz de a
localizar, parou para perguntar por ela a um operador. Soube que tinha saído há
pouco e que voltaria daí a poucos minutos.
Descobriu uma cadeira e sentou-se para esperar.
Observando novamente a rede de computadores, lembrando-se da divisão de
identificação lá em cima, pensando nos agentes do exterior, Adcock ficou certo de
que teria boas notícias para o chefe mais cedo ou mais tarde. Era só uma questão de
tempo. A linguagem na cabeça de Adcock era a linguagem das infindáveis
estatísticas. Para se sentir ainda melhor, recordou-as. Rede de computadores.
Provenientes de 40.000 delegações federais, estaduais e regionais, os dados vinham
alimentar os computadores. Eram recolhidos e arquivados dados não só de pessoas
com cadastro, não só de potenciais criminosos ou perturbadores da ordem, mas de
dissidentes em geral, de congressistas, de membros do governo, de críticos dos
Estados Unidos, enfim, de praticamente todos os indivíduos com mais de dez anos
de idade. Considere-se apenas o registro de cadastros. Cerca de 49% da população
seria presa pelo menos uma vez na vida, tendo em conta as infrações ao código da
estrada. 90% dos adultos negros seriam presos pelo menos uma vez na vida e o
mesmo aconteceria a 60% dos adultos brancos do sexo masculino. Tudo o que se
referia a essas prisões estava registrado em bancos de dados. Com um nível tão
elevado na taxa de criminalidade, mesmo excluindo as violações de tráfego, cerca de
nove milhões de pessoas seriam presas nesse ano. Perto de metade não seriam
condenadas ou veriam os processos arquivados ou seriam julgadas e absolvidas,
mas todas elas passariam a constar nos bancos de dados. Além das informações de
275 milhões de registros de polícia havia também dados, devidamente guardados, de
350 milhões de notas de casos médicos, de 290 milhões de relatórios psiquiátricos e
de 125 milhões de dossiers de crédito comercial.
Divisão de identificação. Em cada dia, em cada vinte e quatro horas,
chegavam ao FBI cerca de 34 mil jogos de impressões digitais, sendo 15 mil
provenientes das esquadras de polícia e 19.000 dos serviços governamentais,
bancos, companhias de seguros, repartições de licenças e outras fontes. Num único
dia, recorde-se. Em 1975, o FBI tinha 200 milhões de jogos de impressões digitais
nos arquivos. Hoje, devia ter 250 milhões. Um terço dos cartões estava nos arquivos
criminais e dois terços em arquivos comuns.
Agentes do FBI no exterior. Eram mais de 10.000, incluindo a força de
choque que estava a trabalhar nesta investigação. A força de choque tinha andado a
contatar com familiares, amigos, conhecidos, associados em negócios, a visitar
escolas, clubes, donos de lojas, banqueiros, médicos, advogados. Eles lá andavam,
sim, a gravar e a instalar escutas, a espiar como sombras e a seguir o rastro, a
contatar informantes, a tirar fotografias. Eles lá andavam a entrar em apartamentos e
casas de proprietários ausentes, a examinar o conteúdo de caixotes de lixo, a abrir e
inspecionar a correspondência que voltavam a fechar.
Maravilhoso. Quem podia escapar ao exército de Tynan? Se houvesse
impurezas, seriam encontradas, sem dúvida que seriam encontradas.
Harry Adcock estava contente por ter feito o inventário mental. Sentia-se
cada vez melhor.
As suas divagações foram interrompidas por um rosto feminino que se
aproximou do seu. Sentiu o perfume, e ouviu-a sussurrar:
- Olá, Harry.
Ele levantou a cabeça. Miss Lampert tinha voltado.
- Fi-lo esperar muito?
- Não, não. O que temos hoje?
- Venha ao gabinete.
No austero cubículo, sentou-se em frente da secretária dela. Viu-a dirigir-se
ao arquivo à prova de fogo e abri-lo. Mary Lampert tinha 32 anos e 1,70 m de altura.
Usava um penteado fofo e tinha olhos verdes frios, nariz curto e largo, lábios
carnudos, úmidos e sensuais. O vestido não era à medida dos seus peitos altos e
firmes, nem das generosas coxas, revelando a linha das calças.
O rosto cravado de acne de Adcock descontraiu-se com aquela visão de
prazer.
Ela regressou para junto dele.
- Aqui tem - disse ela, entregando-lhe uma pasta de papel.- São os últimos
dados relativos às últimas vinte horas.
Ele abriu a pasta e esquadrinhou, voltando as páginas. Quando acabou, o
prazer tinha-lhe abandonado o rosto, substituído pelo desgosto.
- Que diabo - disse. - Nada.
Mary fez que não com a cabeça.
- Foi o que também me pareceu. Parece uma investigação feita ao Clube dos
Escuteiros e Guias da América.
- Temos de continuar a tentar, Mary. O chefe espera...
O telefone tocou e ele interrompeu a conversa enquanto Mary atendia.
- Ah sim? - disse ela ao telefone. - Vou imediatamente. -
Adcock olhava-a interrogativamente.
- Divisão de identificação - disse ela. - Espere aqui; volto num instante. É
sobre o nosso caso, mas não sei o quê.
Dirigiu-se à porta. Adcock viu-a sair, com o elástico das calças marcado ao
longo das ancas. Não se podia esquecer de lhe dizer para levar aquele vestido da
próxima vez que fosse chamada ao chefe. Isso orientou os seus pensamentos para
Vernon T. Tynan, para a sua responsabilidade perante Tynan: sempre tinha feito
tudo para agradar a Tynan, para o fazer feliz, e não o podia abandonar nesta
perseguição ao traidor do Collins. Nunca tinha deixado ficar mal o chefe até então e
não queria que isso acontecesse agora, especialmente num momento em que estava
tanta coisa em jogo. Tynan tinha-o protegido sempre, e, raios!, daria a vida por
Tynan se fosse necessário. Sabia perfeitamente que as pessoas desta cidade
mesquinha falavam das relações entre eles, entre ele e Tynan. Sempre tinha
suspeitado de tais conversas, acabando por ter a confirmação numa festa da alta
sociedade de Washington -gente do Congresso, do Ministério dos Estrangeiros,
enfim, o costume- durante a qual gravou um grupo que conversava. Ouviu-os
chicanar e rir de Vernon T. Tynan e Harry Adcock, a quem chamavam
homossexuais. Sempre soubera que falavam deles, mas ali tinha a prova: Tynan e
ele, duas belas!
Nunca tinha ficado tão furioso.
Não que se importasse, mas era uma brincadeira falsa e injusta.
Na verdade, Adcock amava Tynan, mas como um homem pode amar outro,
sem ser homossexual. Que diabo, ele amava Tynan e venerava-o. Quanto ao resto,
Adcock já tivera uma mulher - há tanto tempo que já não se lembrava do seu
aspecto. Mas ela tinha morrido antes de poderem casar, muito antes de ter entrado
para o FBI. Tynan não era um substituto dela, era antes o pai que jamais tinha
conhecido, pois passara a mocidade num orfanato. De fato, dera-se com algumas
mulheres, poucas, durante os primeiros anos de FBI, simples companheiras de
cama; mas assim que começou a trepar no serviço, Tynan impôs-se e não houve
mais nenhuma. Tinha-se dedicado ao serviço - a Tynan e ao serviço - e a mais
ninguém. Tinha jurado celibato, tomando o FBI como ordem religiosa.
Quanto a Vernon T. Tynan, que estupidez! Aqueles pedantes não viam que
Tynan era normal quanto a mulheres, mas era cuidadoso e discreto, dada a sua
posição crítica.
Certo dia - recordava Adcock vagamente -, Tynan tinha sido visitado por
algumas raparigas, enviadas por uma senhora agradecida de Baltimore. Mas como
Tynan não gostava nem ousava comprometer-se muito, tinha-as mantido à distância.
Consentira apenas que falassem com ele. Mas há três anos, quando a tal senhora
morreu ou se retirou do negócio, Tynan tinha descoberto outra saída para as suas
necessidades sexuais. Tinha de ser cauteloso, mas felizmente tinha conseguido uma
solução brilhante. O FBI estava a aumentar os seus quadros de pessoal feminino,
não só de secretárias e simples empregadas, mas também de agentes especiais e
operadoras de computadores; Tynan tinha alvitrado que o seu velho ajudante
Adcock filtrasse as concorrentes femininas e fizesse uma prova com as melhores a
respeito da sua experiência com computadores e da sua condescendência sexual,
escolhendo apenas as mais qualificadas. Mary Lampert tinha conseguido o emprego.
O seu trabalho normal era de cinco dias por semana no quartel general do FBI e
uma noite por semana na casa suburbana de Vernon T. Tynan.
Uma noite por semana (todas as sextas-feiras à noite), Mary Lampert,
disfarçada com pastas debaixo do braço, ia a casa de Tynan, uma casa bem protegida
na Geórgia, perto de Rock Creak Park. Acompanhava o chefe em três ou quatro
bebidas, despia-o e despia-se. Brincavam na cama. Depois, metia a cabeça entre as
pernas dele. Era como um relógio, todas as semanas, uma vez por semana, durante
anos. Quem se julgavam aqueles pedantes para dizerem que Tynan não era normal?
Ena, pensou Adcock, como ficariam espantados aqueles pedantes da capital
se soubessem que o diretor e o adjunto eram seres humanos normais: provavelmente
os únicos seres humanos normais (à exceção do Presidente) no meio dessa
comunidade depravada. E também era normal, pensou Adcock, que ele se fizesse
valer junto de Tynan pela sua lealdade e dedicação como servidor daquele que era
efetivamente o maior homem dos Estados Unidos da América.
Era por isso que não podia desapontar Tynan neste importantíssimo assunto
da investigação sobre Collins. No entanto, apesar da aplicação e dos esforços, não
tinham ainda conseguido abrir uma brecha. Estava novamente a ficar desolado e
desanimado, quando viu que Mary Lampert, a primeira oficial das comunicações, se
encontrava à sua frente, sorrindo-lhe. Com um floreado, pousou uma ficha de
impressões digitais e um molho de papéis agrafados no colo de Adcock.
- Boas notícias, Harry. Ele ficou pasmado.
- O que é?
- A investigação Collins. Acaba de chegar. Veja você mesmo. Ele pegou no
molho de papéis, examinou a ficha de impressões digitais, confuso, e começou a
folhear os papéis um a um. A perplexidade depressa se desvaneceu.
- Meu Deus! - disse ele, sorrindo finalmente.
***
Faltavam cinco minutos para as oito da manhã. Chris Collins, em frente do
espelho da casa de banho, acabava de se barbear. Ensaboou mais uma vez a cara,
curvou-se sobre o lavatório, espalhou água quente pelo rosto e limpou o sabão.
Endireitando-se, começou a cantarolar enquanto se via ao espelho. Nos
últimos tempos, o espelho tinha refletido uma cara esguia e magra que parecia
constantemente macilenta e carregada de anos. Mas nessa manhã, o seu rosto estava
(ou parecia estar) tão saudável e fresco como o de um jovem atleta.
Talvez a transformação se devesse ainda à sua alegria.
Desde o telefonema do Presidente do Supremo Maynard, dois dias antes,
quando ele lhe confidenciara que ia resignar do cargo e manifestar-se contra a 35.a
emenda, Collins tinha ficado realmente animado. Nem mesmo as últimas notícias,
durante o jantar da noite anterior (o aviso de Ishmael Young de que estava a ser
secretamente investigado) tinham destruído a sua boa disposição. No dia anterior,
refletindo sobre o comportamento de Tynan, tinha considerado várias vezes a
hipótese de enfrentar o diretor e revelar o que sabia. Claro que isso embaraçaria
Tynan e levaria ao fim imediato da investigação. Mas tinha acabado por decidir não
se importar com isso. Deixaria Tynan fazer o seu jogo inútil. Afinal, Tynan nada
descobriria. Não havia nada a esconder no passado de Collins nem na sua presente
atividade. Além disso, a sua competição com Tynan estava prestes a terminar.
Collins sabia que agora tinha todos os trunfos.
Persuadir John G. Maynard a manifestar-se tinha sido a vitória final. Desse
modo, todas as táticas da oposição seriam anuladas. O sonho de glória de Tynan, o
sonho de conseguir poderes ditatoriais através da emenda, terminaria no momento
em que Maynard erguesse a voz em Sacramento contra a emenda. Mesmo a arma
misteriosa de Tynan, o Documento R, fosse ele o que fosse, poderia ser esquecido.
Apesar do aviso, feito por Baxter no leito de morte, de que devia ser exposto, o
Documento R tornar-se-ia inoperante e inofensivo com a declaração de Maynard
hoje em Sacramento.
Esfregando a cara para a secar, Collins tirou uma camisa azul de um cabide e
vestiu-a. Enquanto a abotoava, calculava qual seria o momento exato da vitória da
democracia nos Estados Unidos. O relógio da prateleira de azulejos sob o espelho da
casa de banho marcava exatamente oito horas aqui em Washington. Portanto, eram
cinco da manhã na Califórnia. Neste momento, Maynard devia estar a levantar-se e a
preparar-se para a viagem de duas horas de Palm Springs a Los Angeles. Aí, às nove
horas, quando Collins interrompesse o trabalho para almoçar, Maynard estaria a dar
a conferência de imprensa, espantando a nação com a resignação e espantando a
Califórnia com a comunicação de que ia voar para a capital no sentido de exortar os
órgãos legislativos a derrotar a 35.a emenda. Na capital estadual, às três horas,
quando Collins regressasse do serviço para jantar, Maynard estaria a ler a sua
declaração escaldante contra a emenda, primeiro perante o comitê judicial da
Assembléia, depois no comitê judicial do Senado. Daí a algumas horas, a
Assembléia da Califórnia estaria a votar a emenda à Constituição, sendo depois a
vez do Senado. Mas nem sequer seria necessário o Senado. Morreria para sempre na
primeira apresentação à Assembléia. A opinião de Maynard, a sua influência e o seu
prestígio, dominariam o dia.
Collins deu-se conta que estava a assobiar o "Glory, glory, hallelujah", achou
que isso estava desatualizado e parou. Tinha posto a gravata e dado o nó,
preparando-se para tomar um pequeno almoço apressado com Karen antes de correr
para o serviço, quando ouviu bater à porta da casa de banho.
- Chris?
- Sim?
- Está aqui um indivíduo que quer falar contigo, um tal Dorian Schiller. Diz
que é um amigo...
Collins abriu a porta.
- Dorian Schiller?
- Não conheci o nome. Por isso não o deixei entrar. Vou dizer-lhe...
Karen preparava-se para se afastar, quando Collins se aproximou e a agarrou
pelo ombro.
- Não, espera Karen. É o nome falso que dei a Donald Radenbaugh.
- Quem?
- Não interessa. Explico-te depois. É um amigo. Deixa-o entrar. Eu já vou.
Enquanto ela se dirigia à porta da rua para receber Radenbaugh, Collins foi
buscar o casaco do terno ao quarto de toilette. Vestindo-o, interrogava-se sobre o
que quereria Radenbaugh àquela hora. Após o regresso de Argo City, ainda só o vira
uma vez, embora falasse diariamente com ele pelo telefone. Tinha instalado
Radenbaugh num apartamento de duas divisões do Madison Hotel, na 15.a Avenida,
esquina da Rua M, e tinha-lhe levado todos os apontamentos disponíveis e
investigações feitas sobre um plano alternativo de combate à criminalidade e ao
desrespeito pela lei no país. Era um plano alternativo à 35.a emenda, que Collins
pretendia apresentar ao Presidente na primeira reunião subseqüente à rejeição da
emenda.
O aparecimento de Radenbaugh era uma surpresa. Collins tinha-lhe dito
claramente que seria melhor não se aventurar além das proximidades do hotel, que
se fechasse no seu apartamento. Ele tinha sido muito conhecido em Washington.
Embora o seu aspecto tivesse sido consideravelmente alterado, alguém que o tivesse
conhecido poderia reconhecê-lo. Isso poderia trazer problemas, possivelmente até a
sua morte. Collins queria-o em Washington apenas durante o tempo necessário para
desenvolver a nova lei criminal, enquanto se desenvolviam esforços para lhe arranjar
um emprego numa pequena comunidade de uma região remota do país.
Preocupado, Collins saiu do quarto de toilette, atravessou o banheiro e o
quarto, percorreu o corredor e entrou na sala de estar. Esperava que Radenbaugh se
tivesse sentado, mas estava de pé, passeando agitado. Karen estava junto da mesa,
pousando o tabuleiro do pequeno almoço.
- Donald - cumprimentou-o Collins -, não o esperava por cá. Já conhece a
minha mulher...?
Randenbaugh parou, como se não tivesse ouvido, mas Karen declarou que já
se tinham apresentado mutuamente. Acrescentou:
- Vou buscar suco, café e torradas e deixo-os conversar.
Karen saiu.
Radenbaugh fixou Collins, com a desgraça estampada no rosto.
- Más notícias - disse finalmente -, muito más notícias, Chris. Antes que
Collins pudesse reagir, Radenbaugh continuou rapidamente. - Estão a dar na
televisão desde as seis da manhã. Ligo sempre o aparelho quando me levanto. Tentei
telefonar-lhe imediatamente, mas esqueci-me do seu número. Por isso, vim cá.
Collins não se mexeu. Palpitava-lhe um desastre.
- O que foi, Donald. Você parece um frangalho.
- A pior notícia possível - disse Radenbaugh, respirando como um asmático. -
Chris, não sei como dizer-lhe...
- Diabos, o que foi?
- O Presidente do Supremo e a mulher foram assassinados na cama, esta
noite, mortos por um vulgar assaltante de casas.
Collins sentiu os joelhos fraquejarem.
- Não posso acreditar.
- Em Palm Springs, na Califórnia, por volta das duas da manhã. Maynard e a
mulher, Abigail, estavam na cama a dormir. Aquilo que percebi foi que alguém
entrou pelo portão de serviço. Essa pessoa introduziu-se no quarto. Parece que
Maynard já estava acordado. Tentou sair da cama ou fez um movimento. O
pistoleiro atirou duas vezes com uma Walter de 9 mm P-38. Atingiu-o no peito e na
cabeça... teve morte instantânea. O barulho acordou a mulher e o assassino alvejou-a
com três balas...
- Meu Deus, nunca ouvi uma coisa assim!
- Até fiquei arrepiado. Não sabia como lhe havia de comunicar.
Collins vagueava desconsolado pela sala, batendo constantemente com o
punho na palma da mão.
- Uma tragédia assim. Quem podia imaginar? E não é só o assassinato sem
sentido de um dos maiores homens da nação, é também a destruição da nossa última
esperança em acabar com a ameaça de uma ditadura. Que diabo, para onde vai este
país?
- Quer dizer, para onde irá - corrigiu Radenbaugh. - Onde tem o aparelho de
televisão?
- Aqui - disse Collins dirigindo-se para o corredor.
Radenbaugh seguiu-o.
- Estão a transmitir direto de Palm Springs desde as seis da manhã. Vamos
ver o que se está a passar.
Entraram no escritório coberto de prateleiras de livros. A televisão estava
anichada na parede. Radenbaugh sentou-se no sofá em frente, enquanto Collins
ligava o
aparelho e o sintonizava.
Collins sentou-se no braço de uma cadeira e empurrou-a para perto da
televisão. A câmara focava a frontaria da casa moderna e deserta onde a tragédia
tinha ocorrido. Um cordão de policiais estacionava no passeio em frente. Detetives à
paisana entravam e saíam pela porta principal. No exterior, dezenas de vizinhos,
muitos ainda em pijama, observavam a cena, abalados.
Agora a câmara móvel focava o repórter da televisão, aproximava-se dele.
"Foi este o palco da tragédia, ainda não há três horas -informava o locutor. -
Aqui, nesta rua lateral, calma e pacífica do mais famoso refúgio da Califórnia, quase
deserto no tempo quente de Verão, o Presidente do Supremo Tribunal dos Estados
Unidos da América, John G. Maynard, e a sua esposa, encontraram a morte
violentamente, às mãos de um assaltante desconhecido. - O locutor, segurando o
microfone, apontava para a casa vivamente iluminada pelos projetores da polícia e
da televisão.
- Os corpos foram retirados há pouco mais de uma hora. Não só os corpos do
Presidente do Supremo e da esposa, mas também o do assassino ainda não
identificado, que foi abatido pelas balas da polícia antes de poder fugir. - O locutor
levantava o microfone à medida que se acercava da câmara. Vou recapitular uma
vez mais o que se sabe sobre o que aconteceu aqui em Palm Springs nesta
madrugada..."
Collins sentou-se hipnotizado em frente da televisão, escutando.
Tudo levava a crer que o intruso estava familiarizado com a disposição da
casa de Maynard. Depois de entrar pelo portão de serviço, dirigira-se ao quarto para
se apoderar dos valores da Senhora Maynard. Ao entrar no quarto, acordara o
Presidente Maynard. A polícia pensava que Maynard, percebendo o que se estava a
passar, se teria soerguido, premindo um botão de alarme colocado na parede. O
alarme tinha sido instalado seis anos antes pela polícia local para dar maior
segurança ao eminente cidadão. O alarme silencioso estava diretamente ligado à
esquadra. A polícia tinha sido alertada imediatamente. Entretanto, assim que vira
Maynard mexer-se, o assassino tinha aberto fogo sobre ele. Quando a Senhora
Maynard acordara, erguendo-se, o assassino também tinha disparado sobre ela.
Tinham morrido ambos em poucos segundos. Então, em vez de fugir, o assassino
tinha continuado no quarto para completar a sua tarefa. Desconhecendo que a
primeira vítima tinha acionado o alarme silencioso, esquadrinhara o quarto à procura
de dinheiro e jóias. Depois de ter metido ao bolso o colar e os brincos da Senhora
Maynard e a carteira do Presidente tinha-se retirado pelo mesmo caminho por onde
entrou. No passeio fronteiro, dirigira-se para o Plymouth, anteriormente alugado em
Los Angeles, que estava estacionado à distância de dois quarteirões. De repente, fora
apanhado pelo holofote de um carro da polícia que se dirigia para ele. Tinha
começado a correr, parando depois para abrir fogo sobre os policiais quando estes
tinham saído do carro. Os policiais tinham-lhe respondido com uma saraivada de
balas, que o deixaria morto no passeio. Além dos objetos roubados que levava nos
bolsos, não tinha nada de pessoal. A sua identidade continuava a ser desconhecida.
O repórter da televisão tinha acabado a recapitulação.
- Agora voltamos aos estúdios em Los Angeles para conhecermos as últimas
notícias sobre o assassínio do Presidente Maynard e da sua esposa.
Na cadeira de braços, observando, ouvindo, Collins sentia um amargo
desespero.
- Com que fim? - perguntou-se.
- Tem aqui um cigarro - disse Radenbaugh, oferecendo-lhe o maço aberto.
Collins tirou um cigarro, mas pousou-o depois na mesa.
- É melhor tomar primeiro um café.
Levantou-se e voltou à sala. Pegou no tabuleiro que Karen lá deixara e levou-
o para o escritório. Serviu o café morno a Radenbaugh e a si próprio. Enquanto
bebia, Collins sentou-se novamente na cadeira e prestou atenção à televisão.
Um locutor, sentado atrás de uma mesa em meia-lua, pegou numa folha que
acabara de ser posta à sua frente.
''É outra informação de última hora - anunciou. - O Presidente do Supremo
Maynard tinha chegado ontem inesperadamente a Los Angeles. Nem os membros do
seu pessoal em Washington nem os seus colegas do Supremo Tribunal sabem
explicar esta viagem repentina que não estava programada. Mas já possuímos alguns
elementos. Logo após a chegada a Los Angeles, o Presidente e a esposa partiram
para a residência de Inverno em Palm Springs. Na manhã seguinte, o Presidente
Maynard contactou com um velho amigo em Sacramento, James Guffey, porta-voz
da Assembléia do Estado, e declarou que tencionava voar para a capital no dia
seguinte (isto é, hoje à tarde) para comparecer perante o comitê judicial da
Assembléia. Disse que queria discutir a 35.a emenda com os membros do comitê
antes de ela ser posta à votação. Guffey ficou encantado e informou o Presidente do
Supremo que seria ouvido na qualidade de última testemunha e mais importante.
Guffey afirmou esta manhã que não fazia idéia do que Maynard ia dizer sobre a
emenda e que ele não lhe tinha revelado se tomaria uma posição contrária ou
favorável. Guffey acrescentou que durante a conversa telefônica tinha criticado o
Presidente do Supremo por ir para Palm Springs fora da estação: 'O que é que está aí
a fazer?', perguntou-lhe Guffey, e Maynard respondeu: 'Precisava de um lugar onde
tivesse paz para pensar. Tencionava escrever a minha comunicação aqui. Mas
resolvi levar o dia a pensar e amanhã falarei de improviso perante o comitê. Já tenho
uma idéia geral do que vou dizer'."
"Agora, a morte calou o Presidente do Supremo e nunca saberemos o que ele
tencionava dizer sobre este importante assunto: a votação crucial da 35.a emenda na
Califórnia. Também soubemos que, antes de seguir para Sacramento, o Presidente
do Supremo tencionava dar uma conferência de imprensa no Hotel Embaixador, em
Los Angeles. Se ele ainda estivesse vivo, a conferência realizar-se-ia daqui a poucas
horas. Acabei de ser informado que o secretário de imprensa do Presidente dos
Estados Unidos irá ler daqui a pouco uma comunicação do Presidente Wadsworth
sobre a morte violenta e intempestiva do Presidente do Supremo. Agora vamos
passar ao nosso repórter em Washington, junto da Casa Branca..."
Collins olhou para Radenbaugh.
- Parece-me que é também o nosso funeral, Donald. Radenbaugh acenou
tristemente com a cabeça.
Collins ergueu os olhos. O choque inicial tinha passado e só restava uma
intensa depressão.
- Sabe, não me lembro de ter acontecido nada pior na minha vida. - Com um
gesto indicou a televisão. - Agora o país é deles.
- Tudo leva a crer - concordou Radenbaugh.
Ficaram ambos em silêncio, concentrados no aparelho de televisão.
O secretário de imprensa da Casa Branca estava a acabar de ler o elogio e as
condolências do Presidente Wadsworth. A atenção de Collins diminuiu.
A declaração do Presidente consistia nas palavras habituais, ocas, banais, por
vezes sem sinceridade: quando um grande homem morre, parte da humanidade
morre com ele. Não restam dúvidas acerca da grandeza de John G. Maynard. Agora
pertence ao panteão dos imortais que tentaram dar uma verdadeira justiça à sua terra.
Lá estão Marshall, Brandeis, Holmes, Warren, e, acima deles, bem alto, John G.
Maynard. Passa a pertencer à história.
E, juntamente com Maynard, também a democracia passa à história, pensou Collins.
Morto. Uma relíquia do passado. Sem Maynard a vaga do futuro era a 35.a emenda,
Vernon T. Tynan - a nação seria fundida no seu molde.
Mal pensara em Tynan, quando ouviu o seu nome anunciado pelo repórter da
televisão em serviço na Casa Branca.
"...Vernon T. Tynan. Vamos passar ao gabinete do diretor do FBI."
Instantaneamente, a familiar cabecinha pequena de Tynan e os seus ombros
largos apareceram na televisão. A sua cara fechada tinha assumido o conveniente
aspecto de pesar e luto. Começou a ler um papel que tinha na mão:
''Esta morte brutal e insensata que levou um dos mais renomados
humanitários da nação foi uma perda que não pode ser expressa por simples
palavras. O Presidente do Supremo Tribunal era um amigo da nação, meu amigo
pessoal, um amigo da verdade e da liberdade. A sua perda feriu a América, mas em
atenção a ele a América tornar-se-á suficientemente forte para sobreviver e
sobreviverá a todos os crimes, a todos os desrespeitos da lei, a todas as violências.
Estou certo de que se o Presidente do Supremo estivesse vivo, quereria que
encarássemos esta tragédia num sentido mais amplo. Esta sistemática dizimação dos
nossos dirigentes e da nossa cidadania tem de ser estancada, para que os Americanos
possam passear nas ruas e dormir com a certeza absoluta de que estão a salvo e
livres."
Tynan olhou para a câmara e pareceu encontrar os olhos de Collins, que o
fixava ferozmente. Pigarreou e continuou a falar:
"Felizmente, o degenerado assassino não escapou. Também encontrou a sua
morte violenta. Acabei de ser informado que esse assassino foi identificado. A sua
identidade será indicada em breve pelo FBI. Basta dizer, por agora, que era um
antigo condenado, um homem com um longo cadastro, a quem se permitiu que
andasse em liberdade e vagueasse pelas nossas ruas ao abrigo das disposições
ambíguas e frouxas da Declaração de Direitos. Se a Declaração de Direitos tivesse
sido alterada há um mês, este terrível crime poderia ter sido evitado. Embora a
emenda só possa entrar em vigor em caso de conspiração ou rebelião, o simples fato
de ser aprovada geraria uma atmosfera positiva que relegaria as mortes como esta
para os anais do passado. Senhoras e senhores, recebemos hoje uma lição, neste
dia de pesar. Vamos trabalhar juntos, de mãos dadas, para tornar a América segura e
forte."
A cara de Tynan desapareceu para dar lugar à do locutor no estúdio da
televisão em Washington.
Ignorando o aparelho, Collins aproximou a cadeira de Radenbaugh. Estava
furioso.
- Este pulha! Como se atreve? Ouviu-o? A fazer a cama à maldita emenda
antes do corpo de Maynard ter arrefecido.
- E lançando-a ao ar de tal maneira que até parece que Maynard a teria
recebido de braços abertos - disse Radenbaugh. Apontou para a televisão. - Olhe,
parece que vão identificar o assassino.
- Que interessa isso agora... - disse Collins, que no entanto prestou atenção.
"Sim, já sabemos a identidade do indivíduo que assassinou o Presidente do
Supremo - dizia o locutor. - Acaba de ser confirmada e comunicada. O assassino foi
definitivamente identificado como um tal Ramon Escobar, de trinta e dois anos de
idade, cidadão americano de origem cubana, residente em Miami, na Flórida. Temos
aqui as fotografias retiradas dos arquivos do FBI..."
Surgiram de imediato duas fotografias de Ramon Escobar, uma de frente,
outra de perfil. Mostravam um homem novo, moreno, mal encarado, de cabelo preto
encaracolado, patilhas compridas, maçãs do rosto salientes e com o traço lívido de
uma cicatriz no maxilar.
- Ah, não! - arquejou Radenbaugh. - Não!
Collins, estupefato, voltou-se para ele a tempo de o ver pôr-se de pé num
salto. Os seus olhos estavam arregalados, as feições raiadas de sangue e continuava
a apontar um dedo para a televisão, tentando dizer qualquer coisa.
Confuso, Collins aproximou-se do companheiro, tentando acalmá-lo. O dedo
que Radenbaugh apontara para a televisão dera lugar a um punho. Radenbaugh
ameaçava a televisão com o punho crispado.
As palavras cavernosas irromperam finalmente.
- É ele, Chris!-bradou Radenbaugh. - É ele, é ele.
Collins agarrava-o.
- Donald, domine-se. O que é?
- Olhe para ele, olhe para o homem que matou Maynard. É um dos que eu vi.
Ouviu o nome? Ramon Escobar. Eu ouvi... Ouvi esse nome na Ilha dos Pescadores,
ao largo de Miami, naquela noite. O rosto... É o mesmo rosto, exatamente,
reconheço-o... o homem da Ilha dos Pescadores... o homem a quem Vernon Tynan
me mandou entregar os 750.000 dólares... é ele, o homem que me tirou o dinheiro.
Meu Deus, Chris, sabe o que isso significa?
O rosto de Ramon Escobar tinha desaparecido, substituído uma vez mais pelo
locutor. Collins atravessou o escritório e fechou a televisão. Voltou-se, chocado,
lembrando-se da história de Radenbaugh, da sua saída de Lewisburg, da recuperação
do milhão de dólares nos pântanos, do transporte dos três quartos de milhão para a
Ilha dos Pescadores e da sua entrega a dois homens que Tynan tinha designado.
Agora descobria-se que o assassino de Maynard era um deles.
- Acredite que é o mesmo homem - dizia Radenbaugh. - Isso quer dizer que
Tynan queria o meu dinheiro para se livrar de Maynard. Isso quer dizer que me tirou
da prisão para deitar a mão a dinheiro suficiente para pagar a um assassino
profissional, dinheiro que não deixasse rastos, inidentificável. Foi Tynan quem
preparou o assassínio.
Estava decidido a ir até onde fosse preciso para evitar que Maynard
liquidasse a 35.a emenda, mesmo que fosse preciso matar o próprio Maynard.
- Acabe com isso - disse Collins severamente. - Não pode provar nada.
- Meu Deus, homem, precisa de maior prova? Eu estava com Tynan quando
ele me fez a oferta. Tirou-me da prisão, deu-me uma identidade nova, enviou-me a
Miami e à Ilha dos Pescadores, mandou-me entregar três quartos de milhão a... a
quem? Ao mesmo homem que assassinou o Presidente Maynard na noite passada.
Que mais provas precisa?
Collins tentava pensar, deslindar a trama.
- Eu não preciso de mais provas, Donald. Acredito. Mas quem mais vai
acreditar?
- Posso ir à polícia. Posso contar-lhes o que aconteceu. Posso dizer-lhes que
entreguei o dinheiro a este assassino por ordem de Tynan.
Collins abanou a cabeça.
- Não dará resultado.
- Porque é que não dará resultado? Harry Adcock conhece a verdade. O
diretor Jenkins também...
- Mas não falarão.
Radenbaugh pegou nas abas do casaco de Collins.
- Ouça, Collins. A polícia há de acreditar-me. Ainda sou eu. Estive na Ilha.
Podemos ver-nos livres de Tynan. Posso contar toda a verdade.
Collins tirou-lhe as mãos do casaco.
- Não. Donald Radenbaugh não pode dizer a verdade, porque Donald
Radenbaugh não existe: a testemunha não existe.
- Mas eu estou aqui.
- Não, quem está aqui é Dorian Schiller. Radenbaugh morreu. Nada prova
que esteja vivo. Não existe.
Subitamente, Radenbaugh sucumbiu. Compreendera finalmente. Olhou para
Collins desanimado.
- Tem razão.
Como se se tivesse transformado, inspirado por uma nova deliberação,
Collins reanimou-se.
- Mas eu existo - disse Collins. - Vou já direito ao Presidente. De ouvido ou
não, acredito em tudo o que você me disse, porque também aprendi à minha custa, e
vou apresentar os fatos ao Presidente. É demasiado para ser ignorado. Ele tem de
conhecer a realidade, tem de saber que o verdadeiro desrespeito pela lei e os crimes
neste país estão a ser cometidos por Tynan. O Presidente não pode deixar de
enfrentar a verdade, de forma nenhuma. Uma vez que a saiba, compreenderá o que
Maynard queria fazer e fá-lo-á em vez dele: falar ao público, repudiar Tynan,
denunciar a 35.a emenda e derrotá-la de uma vez para sempre. Anime-se também,
Donald. O nosso pesadelo vai acabar.
Capítulo oitavo
Capítulo décimo
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