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Este livro foi digitalizado e corrigido por Maria Fernanda da CONCEIÇÃO PEREIRA

COLECÇÃO DOIS MUNDOS

Tradução de EDUARDO SALO

Capa de

A. PEDEO

Título da edição original:

THE CELESTIAL BED

Copyright @ 1987, by Irving Wallace

Reservados todos os direitos pela legislação em vigor

Lisboa - 1987

VENDA INTERDITA NA REPÚBLICA

FEDERATIVA DOS ESTADOS


UNIDOS DO BRASIL

IRVING WALLACE
O LEITO CELESTIAL

ED VICTOR

amigo, agente literário, verdadeiro crente

Em 1783, uma das atracções mais populares de Londres era o Templo da Saúde, promovido por um generoso médico
escocês chamado James Graham. A principal característica consistia no dosselado Leito Celestial, sustentado por vinte e
oito colunas de vidro e servido por uma Deusa da Saúde desnuda viva. Os visitantes do sexo masculino eram convidados a
reclinar-se nele pela quantia de cinquenta libras por noite, com a promessa de que o tratamento conduziria à cura da
impotência.
CAPÍTULO 1

A caminho de casa, no carro, após separar-se do visitante e fechar a clínica, o Dr. Arnold Freeberg
decidiu que fora um dos melhores dias - porventura o melhor - de que desfrutara desde que se
estabelecera em Tucson, Arizona, depois de abandonar Nova Iorque, seis anos atrás.

E tudo por causa de quem acabava de o visitar, Ben Hebble, o banqueiro mais próspero de Tucson, e
da revelação de um donativo surpreendente.

Freeberg evocou a essência da visita do corpulento banqueiro.

- É porque a sua terapêutica curou o meu filho explicou Hebble. - O Timothy estava uma
desgraça, como sabemos perfeitamente. Tinha medo de ficar só com as mulheres, por não o
conseguir pôr de pé, até que o psiquiatra o mandou ter consigo. Não restam dúvidas de que
executou um trabalho excelente. E apenas em dois meses. A partir de então, o rapaz explorou o
terreno durante algum tempo, até que se apaixonou por uma bonita jovem do Texas.
Experimentaram viver juntos e o êxito foi de tal ordem que resolveram casar. Graças a si, Dr.
Freeberg, ainda posso vir a ser avô!

- Parabéns! - exclamou o médico, recordando-se de como ele e a sua delegada sexual, Kayle Miller,
se tinham esforçado pacientemente para que o disfuncional filho do banqueiro enveredasse pela
senda normal do sexo.

- Não, doutor. O senhor é que os merece - replicou o outro, no habitual tom estentórico. - E venho
agradecer de uma maneira muito prática, Quero anunciar-lhe que vou estabelecer um fundo que
contribuirá para que, juntamente com o seu pessoal, possa curar pacientes disfuncionais sem
recursos financeiros para o procurar. Refiro-me a garantir-lhe cem mil dólares anuais para esse fim,
durante dez anos. Isso equivale a um milhão de dólares para dispor da oportunidade de alargar o
âmbito do seu trabalho e auxiliar outras vítimas infortunadas da impotência.

Freeberg lembrou-se de que quase ficara boquiaberto.

- Não... não sei o que dizer. Estou abismado.

- Só imponho uma condição - acrescentou o banqueiro, em tom incisivo. - Quero que o


centro de recuperação, chamemos-lhe assim, funcione em Tucson e todo o trabalho seja executado
aqui. Esta cidade foi bondosa para comigo e acho que lhe devo algo. Que diz, a isto?

- Não vejo nenhum inconveniente. Absolutamente nenhum. É um gesto muito generoso, Mr.
Hebble.

E o médico separou-se do seu benfeitor como num sonho.

Agora, ao chegar a casa e abrir a porta, cantarolava em surdina, quando viu a roliça esposa Miriam,
que o aguardava no vestíbulo.

Ele beijou-a alegremente, mas, antes que pudesse falar, ela murmurou:

- Tens uma pessoa à tua espera na sala. O procurador da cidade, Thomas O’Neil.

- Pode aguentar mais um momento - replicou Freeberg, colocando-lhe o braço em torno da


cintura. Ele e O’Neil conheciam-se de participar nas mesmas comissões angariadoras de fundos
para instituições de caridade locais. - Deve ser para mais algum assunto da comunidade. Prepara-te
para ouvir o que me aconteceu na clínica,

E descreveu rapidamente a oferta de Hebble. Míriam explodiu de entusiasmo e abraçou-o e beijou-o


repetidamente.

- Mas isso é maravilhoso, Arnie! Vais poder tornar realidade os teus velhos sonhos.

- E muito mais!

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Enfiou o braço no do marido e conduziu-o para a entrada da sala, ao mesmo tempo que dizia:

- É melhor veres o que ele quer. Chegou há dez minutos, e não o deves fazer esperar eternamente.

Momentos mais tarde, depois de entrar e cumprimentar o procurador da cidade, Freeberg sentou-se
diante dele e estranhou vê-lo com ar embaraçado.

- Lamento incomodá-lo à hora do jantar - começou em tom de desculpa, mas ainda tenho de visitar
várias pessoas e achei que devíamos conversar o mais depressa possível sobre um... enfim,
um assunto urgente.
O médico sentia-se cada vez mais perplexo, pois o tom e a atitude do interlocutor não se
assemelhavam aos habituais do angariador de fundos.

- De que se trata, Tom?

- Do seu trabalho, Arnold.

- O quê, em especial?

- Bem, fui informado oficialmente... por alguns outros terapeutas... de que utiliza uma delegada
sexual para curar pacientes. É verdade?

Moveu-se com desconforto, na poltrona.

- Bom, sim, é... é verdade, porque descobri que constitui o único meio que resulta com muitos
pacientes disfuncionais.

- Isso é ilegal, no Arizona - asseverou O’Neil, meneando a cabeça.

- Eu sei, mas pensei que podia fazê-lo, se evitasse a publicidade, para efectuar curas nos meus
doentes afectados mais drasticamente.

- Ilegal - persistiu, inflexível. - Significa que você exerce as funções de proxeneta e a mulher
que utiliza é uma prostituta. Gostava de fechar os olhos às suas actividades, pois somos
amigos, mas não posso. Estão a pressionar-me demasiado e vejo-me impedido de continuar
a fingir que não sei de nada. - Empertigou-se, e as palavras seguintes pareceram brotar-lhe
com dificuldade.
- - As coisas chegaram ao ponto de um de nós dois ter de desistir do que faz. O assunto
precisa de ser resolvido imediatamente... e em rigoroso cumprimento da lei. Deixe-me
dizer-lhe como deve proceder. Trata-se da melhor proposta que posso apresentar, Arnold.
Está disposto a ouvir?

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Intensamente pálido, o Dr. Freeberg aquiesceu com um movimento de cabeça e escutou...

Mais tarde, depois de o procurador da cidade, O’Neil, se retirar, o médico conservou-se quase
totalmente silencioso durante o jantar, levando a comida à boca sem se aperceber do que tragava,
imerso em reflexões. Estava satisfeito e grato por Miriam distrair Jonny, o filho de quatro anos,
enquanto procurava recompor-se da revelação demolidora e ponderar as consequências.

Freeberg trabalhara com afinco e por muito tempo, contra oposições daquela natureza, para triunfar
em Tucson e merecer a magnífica oferta de Hebble. E agora, de repente, o edifício do êxito
desmoronava-se em pó.

Recordou o início, que se situara no momento em que se formara em psicologia pela Universidade
de Columbia, em Nova Iorque. Quando principiara a exercer a profissão, os resultados não se
tinham revelado satisfatórios. A preponderância dos casos que se lhe apresentavam debruçava-se
sobre relações humanas íntimas, na sua maioria de problemas sexuais, e, por várias razões, a
abordagem psicológica não funcionava com eficiência, pelo menos para ele. Os pacientes que se lhe
deparavam proporcionavam possivelmente uma melhor compreensão das suas dificuldades, que, no
entanto, de pouco servia em termos de soluções práticas.

Freeberg preocupava-se cada vez mais com a investigação de outras formas de terapêutica sexual,
da hipnose até ao treino intensivo de esforços de grupo, mas nenhuma o impressionara o suficiente,
até que participara numa série de aulas em que um certo Dr. Lauterbach demonstrava a utilização de
delegados sexuais no tratamento. O método e resultados favoráveis tinham-lhe suscitado o interesse
imediato.

Após um estudo em profundidade, Freeberg passou a subscrever incondicionalmente a ideia. Numa


das sessões, conheceu uma jovem terna e encantadora chamada Miriam Cohen, eficiente agente de
compras de uns armazéns, que procurava respostas para os seus próprios problemas e foi uma das
poucas mulheres presentes que concordou com ele sobre o valor da terapêutica dos delegados
sexuais. Freeberg não tardou a descobrir que tinha

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muito mais em comum com ela, passaram a sair juntos com regularidade e, por último, casaram.

Finalmente satisfeito por poder prosseguir a sua prática como psicólogo, mas agora disposto a
empregar delegados sexuais quando se tornasse necessário, ansiava por aplicar o prometedor
tratamento .

Miriam adoeceu, devido a redução da capacidade pulmonar, que acabou por ser diagnosticada como
uma condição bronquial grave, e o médico assistente, secundado por um especialista, recomendou a
transferência imediata para o Arizona. Freeberg não hesitou em encerrar a clínica em Nova Iorque e
abri-la em Tucson, em resultado do que Miriam melhorou satisfatoriamente, enquanto a actividade
profissional do marido conhecia um ponto morto. Com efeito, a utilização de delegados sexuais era
rigorosamente proibida no Arizona.

Embora em breve estabelecesse nova clientela, o tratamento psicológico que administrava não se
revelava, mais uma vez, inteiramente eficiente com pacientes que sofressem de disfunções sexuais
graves. Desesperado, decidiu jogar uma cartada e, em segredo, treinou e, a seguir, contratou como
empregada uma delegada sexual para utilizar sem o conhecimento das autoridades. E, depois de os
cinco pacientes que sofriam de disfunções sexuais se terem curado por completo, conheceu a
verdadeira satisfação profissional.

Para, agora, de repente, naquela noite, lhe ser arrebatada a ferramenta responsável pelo seu êxito.
Na realidade, fora algemado e entregue à Lei, indefeso.

Parecia não existir qualquer alternativa além de tornar a ser um terapeuta de conversa limitado e,
com frequência, ineficiente. Poderia continuar a ganhar a vida em Tucson, mas achava-se
impossibilitado de voltar a curar.

Era uma situação inconcebível, mas não se lhe podia esquivar.

De repente, porém, acudiu-lhe a ideia de que talvez existisse uma solução. Uma possibilidade ténue,
mas concreta.

Antes de mais, necessitava de efectuar dois telefonemas. E de sorte.

Por fim, ergueu os olhos da comida em que quase não tinha tocado e impeliu a cadeira para trás.

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- Miriam, Jorony - proferiu, levantando-se - por que não se entretém com a televisão (creio que há
um espectáculo de circo num dos canais), enquanto faço duas chamadas importantes? Espero não
me demorar.

Fechou a porta do escritório, sentou-se à secretária e pegou no telefone, para marcar o número do
médico da esposa em Tucson. Queria fazer-lhe uma pergunta e escutou a resposta atentamente.

Em seguida, ligou ao velho amigo e outrora companheiro de quarto na Universidade de Columbia,


Roger Kile, advogado, em Los Angeles, Califórnia.

Estava esperançado em que se encontrasse em casa e verificou com alívio que não se equivocara.

Após ultrapassar rapidamente o preâmbulo destinado às formalidades usuais, Freeberg entrou no


assunto.

- Estou em apuros, Roger - anunciou, incapaz de dissimular a ansiedade na voz. - E dos grandes.
Querem correr comigo daqui.

- Que estás para aí a dizer? - replicou Kile, claramente confuso. - Quem? A Polícia?

- Sim e não. Ou melhor, não. É o procurador da cidade e o seu gabinete. Querem que cesse a
actividade profissional.

- Não acredito! Mas porquê? Cometeste alguma infracção à Lei? Há um crime envolvido?

- Bem... - Freeberg hesitou. - Aos olhos deles, talvez. - Fez uma pausa e acrescentou de um
fôlego:
- Eu utilizo uma delegada sexual.

- Uma delegada sexual?

- Expliquei-te de que se trata, não te recordas?

- Creio que me passou... - Kile interrompeu-se, nitidamente perplexo.

- Sabes o que é um delegado - volveu o médico, esforçando-se por conter a impaciência. - Uma
pessoa nomeada ou contratada por outra para a representar. Um substituto. Mais concretamente, um
delegado é um substituto. - Em tom mais enfático, prosseguiu:
- Assim, um delegado sexual é um substituto de parceiro para o acto sexual, em regra para com um
homem solitário, que não dispõe de uma esposa ou amiga colaboradora, sofre de uma disfunção
sexual, tem um problema dessa natureza, pelo que recorre a uma parceira para o auxiliar, uma

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mulher instruída por um terapeuta do sexo. A equipa constituída por Masters e Johnson iniciou a
prática em São Luís, em 1958...

- Estou a recordar-me
- - atalhou Kile. - Li alguma coisa sobre a matéria. E já me lembro também de que
tencionavas recorrer a delegadas sexuais em Tucson. Mas que existe de extraordinário
nisso?
- Apenas uma coisa. A Lei não o permite. A utilização de delegadas é legal em Nova Iorque, Illinois,
Califórnia e alguns outros Estados, mas nos restantes constitui um delito. O do Arizona
figura nesse número, As delegadas sexuais são consideradas prostitutas.

- Compreendo... E tu utilizaste-as?

- Uma... apenas uma, mas parece que bastou. Deixa-me expor a situação. - A voz de Freeberg
recuperou parte da firmeza. - Consciente de que era ilegal neste Estado, resolvi proceder em sigilo.
Não podia fazer outra coisa, Roger. A terapêutica verbal não funciona em certos casos, sendo os
piores a impotência e, às vezes, a ejaculação prematura. É essencial empregar uma parceira
treinada para ensinar, demonstrar, orientar. Ora, eu encontrei-a, uma jovem excepcional.
Utilizei-a em cinco casos difíceis, com êxito absoluto. Foram curas a cem por cento. No entanto, o
facto transpirou, e os terapeutas daqui são muito conservadores... e talvez invejosos. Provavelmente,
os meus êxitos assentaram-lhes mal. Não sei ao certo o que aconteceu, mas o assunto chegou aos
ouvidos do procurador da cidade, que me visitou, há cerca de uma hora. Afirmou que eu exercia as
funções de proxeneta e recorria a uma prostituta, o que a Lei não permitia. E, em vez de me prender
e levar aos tribunais, ofereceu uma alternativa. Para não perder tempo e dinheiro com um
processo, aconselhou-me a encerrar a variante das delegadas sexuais. Em troca, não se oporia a que
continuasse a exercer clínica como terapeuta vulgar.

- Estás disposto a isso?

- Não posso, Roger. Fico impossibilitado de ser útil a determinados pacientes que me
procuram sem o recurso a uma delegada. Lembra-te do que aconteceu a Masters e Johnson,
quando foram obrigados a prescindir das suas, em 1970. Até então, com elas, os seus êxitos
atingiam setenta e cinco por cento. Depois, baixaram

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para vinte e cinco. Não posso permitir que me aconteça o mesmo, de contrário não merecia estar
nesta profissão. No entanto, quero continuar a exercê-la. Trata-se de algo mais do que a necessidade
de ganhar a vida. Até aqui, torno pessoas sexualmente incapacitadas em saudáveis e viris. Não
quero assumir a atitude do escuteiro brioso, mas apresento-te a situação como a sinto. Foi por isso
que, embora me custe muito, resolvi telefonar-te.

- Alegra-me que o fizesses - declarou Kile, em inflexão enfática. - Mas que posso fazer por ti
em Tucson?

- Tirar-me daqui - redarguiu Freeberg, com simplicidade. - Recordo-me de uma coisa que disseste,
quando me mudei para o Arizona. «Por que não vens para o Sul da Califórnia?», foram as tuas
palavras. Afirmaste que era uma região mais livre do que qualquer outra do país. Referiste mesmo
que sabias de numerosos terapeutas que utilizavam delegados sexuais em Los Angeles e São
Francisco.

- Eu disse isso? Bem, talvez dissesse. De qualquer modo, corresponde à verdade.

- Resisti à sugestão unicamente porque o médico da Miriam de Nova Iorque insistiu em que o
Arizona era o melhor lugar para a sua condição bronquial. Mas isso foi há seis anos. Agora, o de
Tucson, ao qual acabo de telefonar, considera que ela está muito melhor e se daria igualmente
bem no Sul da Califórnia.

- Queres dizer que não te importavas de assentar arraiais aqui?

- Exacto. Aliás, não existe qualquer alternativa. Freeberg engoliu em seco. - Desconheço totalmente
a Califórnia, Roger, pelo que preciso da tua ajuda. Podes considerar-te californiano e estás
familiarizado com tudo o que se passa aí. Havias de me ser muito útil, se não achas que peço
demasiado.

- Acho é que pedes pouquíssimo. Sabes perfeitamente que faria tudo ao meu alcance por ti.

- Não sou rico - continuou. - Tudo o que tenho encontra-se investido na clínica, da qual me
desembaraçarei com facilidade, depois de recorrer a uma agência imobiliária para a colocar à venda.
No fundo, trata-se de propriedade valiosa. Tenho a certeza de que obterei

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dinheiro suficiente para me estabelecer no Sul da Califórnia. - Voltou a engolir, com nervosismo. -
Mas preciso de ajuda. Evidentemente que remunerarei o tempo que te tomar.

- Pára lá com isso, Arnie - disse Kile, fingindo-se contrariado. - Para que servem os amigos? Vamos
combinar o seguinte. Se alguma vez me vir em apuros (não o conseguir pôr de pé, por exemplo),
poderás pagar-me emprestando-me uma das tuas delegadas sexuais. Fica, pois, combinado. Que
pretendes de mim?

- Um local prometedor em Los Angeles ou arredores. Um edifício ao alcance da minha bolsa, que
possa remodelar para converter em clínica. Envio-te pormenores, amanhã, com fotografias da de
dois pisos daqui e a quantia aproximada que posso investir.
- Fixe, Entretanto, iniciarei as diligências. Depois de receber as tuas especificações e limitações...
bem, concede-me duas semanas. Quando descobrir alguma coisa para veres, telefono-te.
Transmite os meus cumprimentos a Miriam, e estou ansioso por ver o teu herdeiro.

No entanto, Freeberg sentia certa relutância em desligar.

- Tens a certeza de que serei bem-vindo? Quero eu dizer, com delegados sexuais e tudo?

- Não te preocupes. Vou esquadrinhar o código penal, mas tenho a certeza absoluta de que não é
ilegal. Garanto-te que isto é a terra da liberdade, Arnie. E agora, mãos à obra.

Resultou. Tudo se desenrolou sem problemas ou a mínima omissão.

Agora, quatro meses mais tarde, o Dr. Arnold Freeberg podia permanecer sentado confortável mente
na cadeira rotativa de espaldar alto atrás da secretária de carvalho e escutar os sons abafados do
martelar à entrada do edifício. Os operários colocavam a tabuleta azul e branca que, em maiúsculas,
informava: CLÍNICA FREEBERG.

Também naquele dia, ao princípio da tarde, celebraria uma reunião de esclarecimento com os cinco
novos delegados sexuais - quatro mulheres é um homem, que escolhera de entre os seis que
utilizaria. Lamentava que a sexta, a mais experiente, com a qual contava em

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Tucson, não se achasse presente, mas Gayle Miller concordara em trabalhar para ele
- continuará a trabalhar, mais concretamente, dentro de algumas semanas, quando se formasse pela
Universidade do Arizona. Em seguida, matricular-se-ia na da Califórnia, em Los Angeles, a fim de
se doutorar em psicologia. A sua chegada iminente infundia uma confiança especial em Freeberg.
Embora não duvidasse das capacidades dos novos delegados, Gayle era uma autêntica pedra
preciosa: jovem, atraente, séria e experiente. Na verdade, fora a sua delegada sexual nos cinco casos
que se lhe haviam deparado em Tucson e procedera sempre de forma impecável. Todos os clientes
com problemas tinham recebido alta, com a certeza de passarem a conhecer uma vida sexual
normal.

Enquanto reunia distraidamente os apontamentos que compilara nos últimos dias para se recordar
dos tópicos que pretendia abordar com os novos delegados, o seu olhar percorria as paredes do
espaçoso gabinete, onde ainda pairava o odor pungente da tinta aplicada recentemente. Em volta,
em molduras creme, encontrava-se a impressionante panóplia de ídolos de Freeberg: Sigmund
Freud, Richard von Krafft-Ebing, Havelock Ellis, Thesodore H. Van de Velde, Marie Stopes, Alfred
Kinsey, Milliam Masters e Virgínia Johnson.

Na parede mais próxima, havia um espelho decorativo, e o olhar dele pousou aí e na imagem que
reflectia, para se inspeccionar, não sem uma ponta de acanhamento: cabelos pretos abundantes, algo
desgrenhados, óculos de aros de tartaruga e lentes grossas diante dos olhos pequenos e míopes,
nariz aquilino e bigode e barba pontiaguda negros em torno dos lábios generosos. De vez em
quando, por instantes fugazes, sob o peso dos predecessores que o circundavam, sentia-se
embaraçado, por não se considerar à altura deles. Por enquanto, por enquanto. No entanto, um dia,
porventura não muito distante, efectuaria uma tentativa para reduzir a lacuna.

Os olhos moveram-se para a fotografia a um canto da secretária, em que se viam- a esposa, Miriam,
atraente aos trinta e cinco anos, e o filho, Jonny, um encanto. Tornou-se consciente da sua própria
idade, perto dos cinquenta, um pouco tarde para surgir o primeiro. Em todo o caso, estava
convencido de que ainda dispunha de

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muito tempo para apreciar o seu gradual desenvolvimento.

Com um leve meneio de cabeça, puxou os apontamentos para a sua frente e tentou concentrar-se
neles. Releu-os rapidamente e pô-los de lado. Sabia-os de cor e não necessitaria de os consultar,
quando se dirigisse aos novos delegados.

Ainda dispunha de quinze minutos até que eles chegassem, e, quase como uma descontracção,
começou a rememorar os acontecimentos dos últimos quatro meses que o tinham conduzido àqueles
momentos.

Duas semanas após o telefonema inicial de Tucson a Roger Kile, em Los Angeles, este concluíra as
diligências e encontrara o lugar ideal. Não propriamente em Los Angeles, que se achava demasiado
povoada de terapeutas sexuais, como ele não tardara a verificar, além de que as propriedades na área
central da cidade atingiam preços astronómicos. No entanto, obedecendo a conselhos de entendidos
- Kile sempre fora um investigador arguto, mesmo quando estudava Direito na Universidade de
Columbia e, conquanto exercesse a actividade de advogado de assuntos fiscais, os seus
conhecimentos e interesses abarcavam uma larga gama , encontrara a comunidade na qual o amigo
poderia prosperar, uma hora a norte de Los Angeles.
Tratava-se de Hillsdale, uma cidade em desenvolvimento na estrada marginal, com trezentos e
sessenta mil habitantes. Embora houvesse numerosos psiquiatras e psicólogos, ainda não aparecera
um único terapeuta sexual. Roger Kile certificara-se, através dos contactos apropriados, de que o
primeiro que aparecesse, rodeado da necessária aura de competência e de uma equipa de delegadas
treinadas e profissionais não deixaria de ter clientela, pois os seus informadores revelaram-lhe que
Hillsdale contava com um número apreciável de pessoas menos equilibradas no campo da
sexualidade.

Em seguida, procurou dois agentes de venda de imóveis merecedores de confiança, os quais não
tardaram a acompanhá-lo a quatro pequenos prédios de escritórios que pareciam constituir
possibilidades. Freeberg escolheu imediatamente o mais conveniente - uma construção desocupada
de dois pisos, situada mais ou menos a meio da Market Avenue e a três quarteirões da

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concorrida Main Street. Depois disso, todas as peças se ajustaram rapidamente nos seus lugares. O
médico recorreu a um jovem e excelente arquitecto para remodelar o edifício segundo as linhas da
clínica de Tucson, após o regresso ao Arizona, a fim de se desembaraçar das velhas instalações.
Entretanto, Miriam ocupava-se da venda da casa em que viviam.

Visitaram Hillsdale quatro vezes no período subsequente. Enquanto Freeberg assistia à remodelação
da clínica, ela procurava uma nova residência e descobriu uma maravilhosa construção de oito
divisões, a cerca de cinco quilómetros do local de trabalho do marido.

Este principiou imediatamente a instalar o pessoal necessário na clínica. Por intermédio do Dr. Stan
Lopez, médico generalista que ele se habituara a respeitar, conseguiu contratar Suzy Edwards para
secretária pessoal, pois Lopez utilizava-a como auxiliar em regime de part-time e sabia que ela
ansiava por um lugar a tempo inteiro. Freeberg entrevistou-a - uma ruiva de ar solene e interessado
com cerca de trinta anos - e verificou que convinha perfeitamente para aquilo que pretendia. Em
seguida, admitiu Norah Ames para enfermeira e Tess Wilbur, para recepcionista.

Depois, Freeberg enviou cartas pessoais a todas as pessoas relacionadas com a medicina da região
que conhecera em congressos e seminários, a fim de anunciar a abertura da Clínica Freeberg, em
Hillsdale, Califórnia, e oferecer tratamento e a utilização de delegados sexuais de ambos os sexos,
quando considerassem necessário; e, enquanto não chegavam as respostas, intensificou a procura de
candidatos ao quadro clínico do estabelecimento. Para tal, escreveu a psicanalistas de Hillsdale e
terapeutas de Los Angeles, Santa Bárbara, São Francisco, Chicago e Nova Iorque. Transcorridas
algumas, poucas, semanas, recebeu vinte e três pedidos de candidatura a delegados sexuais e, ao
mesmo tempo, começaram a chegar referências de pacientes necessitados daquele tipo de
tratamento, através das quais ele se inteirou de que careceria de cinco delegados, quatro mulheres e
um homem, além dos serviços de Gayle Miller, a qual não tardaria a trocar Tucson por Hillsdale.

À medida que as candidatas a delegadas se


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apresentavam, Freeberg começava a observá-las, por meio de entrevistas individuais, algumas de


breve duração, quando não reuniam as qualificações necessárias. Se alguma indicava como
motivação a perspectiva de um trabalho interessante, era imediatamente rejeitada. Com efeito, o
trabalho interessante não constituía razão suficiente para enveredar por semelhante actividade.

As entrevistas mais longas destinavam-se às mulheres bem motivadas. Havia divorciadas, sem
filhos a viverem em suas casas, que tinham tido maridos inadequados. Outras haviam-se visto a
contas com problemas relativos a amantes que sofriam de disfunções sexuais. Outras ainda tinham
observado perturbações sexuais nos pais, irmãos ou outros familiares. Todas as candidatas,
independentemente das suas ocupações anteriores, achavam-se dominadas pelo desejo comum de
auxiliar sexualmente homens incapacitados a tornarem-se viris e normais.

Freeberg mantinha sempre em mente, durante as entrevistas, as palavras que certa vez ouvira a um
colega: «Uma boa delegada é sensível, compassiva e emocionalmente madura.» Uma delegada
qualificada era uma mulher que também se sentia confortável com o seu próprio corpo e
sexualidade. Todas as que ele considerava seriamente, se, de momento, não eram casadas, deviam
possuir um relacionamento sexual normal, saber que eram sexualmente responsáveis e tinham plena
confiança na sua feminilidade. E, acima de tudo, deviam arder de desejo de curar os elementos
sexualmente feridos da população masculina.
Por último, viu-se reduzido a quatro candidatas altamente prometedoras - Lila Van Patten, Elaine
Oakes, Beth Brant e Janet Schneider, as quais, uma vez treinadas, constituiriam o grupo perfeito
para se juntarem a Gayle Miller.

Freeberg só procurara um delegado sexual do sexo masculino, pois os homens tinham muito menos
procura para se ocuparem de pacientes disfuncionais do sexo contrário. Na verdade, ele descobrira
que um delegado masculino não se adaptava ao sistema de valores da maioria das mulheres. No
fundo, tratava-se da velha insensatez que predominava nos anos oitenta: se um homem tinha
numerosas mulheres, estava em forma,

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era um garanhão. Por outro lado, se uma mulher tinha relações íntimas casuais com muitos homens,
era uma estouvada. De um- modo geral, fazer amor com um desconhecido - neste caso, um
delegado sexual - era impensável segundo os padrões sociais americanos. Por via de regra, as
mulheres, muito mais do que os homens, necessitavam de tempo para criar uma relação satisfatória.
Mas os tempos estavam a mudar e ali era a Califórnia. Freeberg providenciaria para que houvesse
uma paciente de vez em quando, pelo que precisaria pelo menos de um delegado sexual, e, nas
entrevistas, apenas um, candidato pareceu reunir as condições indispensáveis. Tratava-se de um
jovem do Orégão, experiente, interessado no seu desenvolvimento pessoal, ponderado, terno e
animado do sincero desejo de contribuir para que as pacientes sofredoras regressassem à
normalidade. Chamava-se Paul Brandon e, de entre os vários que Freeberg entrevistou, foi o único
que se lhe afigurou prometedor.

Naquele momento, a porta do gabinete abriu-se e ele emergiu das meditações.

- Acabam de chegar, doutor - anunciou a ruiva secretária pessoal, Suzy Edwards. - Os


delegados que escolheu. Estão na sala geral, à sua espera.

Ele sorriu e separou o corpo entroncado da cadeira rotativa.

- Obrigado, Suzy. Chegou a hora de subir o pano.

O Dr. Arnold Freeberg desligou a instalação sonora que fornecia música em surdina, abandonou o
gabinete e encaminhou-se em passos firmes para a extremidade mais afastada da sala geral - uma
dependência de dez metros que se assemelhava a uma sala de estar esparsamente mobilada. Aqui e
ali, no chão, viam-se colchões e, ao fundo, o sofá voltado para os cinco delegados, cujas idades
variavam entre os vinte e oito e quarenta e dois anos, sentados em cadeiras de dobrar, em
semicírculo.

Freeberg saudou-os com uma inclinação de cabeça e um sorriso, satisfeito por observar que todos se
achavam trajados irrepreensível mente e alerta. Sabia que se sentiam à vontade, pois a enfermeira,
Norah, já

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os apresentara uns aos outros, mas isso não impedia que exibissem expressões de expectativa.

Ele sentou-se no sofá, reclinou-se e cruzou as pernas, antes de principiar, como se procedesse à
chamada:

- Janet Schneider, Lila Van Patten; Beth Brant, Elaine Oakes, tenho muito prazer em as ver aqui.
Sejam bem-vindas à Clínica Freeberg. Antes de mais, quero anunciar-lhes que todas, sem excepção,
estão qualificadas, altamente qualificadas, para se tornarem; valiosas e úteis delegadas. - Fez uma
breve pausa, enquanto se apercebia da imediata e unânime satisfação delas pelo que acabavam de
ouvir. - Falar-lhes-ei hoje do programa de treino, que principia nesta sala, amanhã, às nove horas, e
se desenrolará inteiramente sob a minha orientação, cinco dias por semana, durante seis semanas.
Só na fase final intervirão pessoas estranhas. Quando chegarmos ao ponto ao contacto pénis-vagina,
necessitarei da colaboração de quatro homens e uma mulher recomendados pela Associação
Internacional de Delegados Profissionais de Los Angeles, antigos pacientes (ou clientes, como
alguns lhes chamam actualmente), que outrora sofreram de problemas sexuais, sujeitaram-se a
cursos completos de exercícios com terapeutas de renome e delegados experientes e foram
considerados curados e em condições de enfrentar as suas respectivas vidas íntimas.
«Para já, elucidá-las-ei acerca do período de treino, para que saibam com o que devem contar. Será
um monólogo, pois falarei sem pausas. Por conseguinte, se tiverem perguntas a fazer, guardem-nas
para depois de eu terminar. Por outro lado, estenografarei, por assim dizer, toda a matéria a abordar,
para fornecer apenas os tópicos, já que o fulcro se apresentará ao longo do período de treino. De
qualquer modo, não se preocupem com as que não lhes ocorrerem hoje, pois poderão fazê-las à
medida que formos trabalhando, a partir de amanhã.

«Antes de prosseguir, quero esclarecer um ponto, salientou, voltando-se para Paul Brandon. «Como
a maioria dos pacientes que se nos depararão será do sexo masculino, concentrar-me-ei nas
actividades das nossas delegadas que se ocuparão deles. No entanto,
23
quase tudo o que eu abordar aplica-se-lhe igualmente, na sua qualidade de delegado masculino que
trabalhará com pacientes femininas. Nos casos em que houver excepções no tratamento, debruçar-
nos-emos sobre o assunto no momento oportuno.

Introduziu a mão na algibeira e extraiu uma caixa de cigarrilhas.

- Podem fumar, se ninguém for de opinião contrária, ou mascar pastilhas de goma ou de mentol. -
Enquanto acendia uma, viu Brandon puxar do cachimbo e bolsa de tabaco, ao passo que Lila Van
Patten procurava um maço de cigarros na carteira. - Comecemos pelos pormenores básicos. Por que
foram escolhidos para servir de parceiros ou delegados sexuais? Não me norteei pelo aspecto físico
ou aquilo a que se convencionou chamar sex appeal, mas por qualidades globais mais importantes.
Vi em cada um de vós as da compaixão, ternura e verdadeira preocupação pelas outras pessoas
menos saudáveis. Possuem em comum uma apreciação de dar, receber, tocar e o desejo de partilhar
o que têm para oferecer.

«Principiemos por Masters e Johnson, os verdadeiros pioneiros da utilização de delegados sexuais.


William Masters veio de Ohio, estudou medicina na Universidade de Rochester e, mais tarde,
iniciou um programa de investigação do funcionamento sexual na Faculdade de Medicina da
Universidade de Washington. Dois anos depois, reconhecendo que necessitava de uma associada,
contratou Virgínia Johnson, uma moça da campo do Missuri, divorciada e mãe, que frequentara
aulas de psicologia, mas não dispunha de qualquer formatura universitária. No entanto, constituíram
uma equipa de investigação perfeita e como decerto não ignoram, acabam por casar.

«Como não tardaram a compreender, a terapêutica verbal - livre associação, perguntas e respostas -
não bastava para os pacientes mais desesperados. Com efeito, concluíram que os do sexo masculino
necessitavam de ”alguém para se apoiar, conversar, trocar confidências e, sobretudo, dar e receber
durante a fase aguda sexualmente desfuncional da terapêutica”. Creio que foi assim- que surgiu a
ideia das delegadas sexuais, em 1957. Havia homens com; problemas dessa natureza

24

graves que não podiam contar com parceiras colaboradoras, casadas ou não, para os acompanhar no
tratamento e outros nem sequer tinham amigas. Deveriam ser penalizados por não disporem de
parceiras sexuais dispostas a participar na terapêutica? ”Esses homens são inválidos da sociedade”,
costumava Masters dizer. ”Se não recebem tratamento, existe discriminação de um segmento da
sociedade em relação ao outro”. Assim, para os tratar, Masters e Johnson começaram a treinar
parceiras, delegadas sexuais, para trabalharem com eles sob a orientação dos dois terapeutas.

«E o novo tratamento foi extremamente bem sucedido. Em onze anos, utilizaram-nas para se
ocuparem de quarenta e um homens solteiros, trinta e dois dos quais viram os seus problemas
sexuais resolvidos, totalmente superados, graças à intervenção das delegadas sexuais, o que
constitui um resultado impressionante. E posso garantir a eficiência dos meios empregados, porque,
na minha actividade anterior noutro lugar, contei como uma delegada excelente que se ocupou de
cinco pacientes gravemente incapacitados e sexualmente inadequados e, em todos os casos, os
sintomas e desaires foram invertidos e curados.

«Em 1970, como devem ter lido, Masters e Johnson abandonaram a utilização das delegadas
sexuais. Constou que uma delas, sem o conhecimento deles, era casada e o marido moveu-lhes um
processo por alienação de afecto. Por conseguinte, para não comparecerem no tribunal e fomentar
um escândalo que a Imprensa não deixaria de explorar, chegaram a acordo com o queixoso e
puseram termo à actividade. Espero que a história não se repita, no meu caso. Tanto quanto pude
averiguar a vosso respeito, três são divorciadas e nenhuma das quatro é actualmente casada. Outra
coisa que desencantou Masters e Johnson foi a descoberta de que muitas delegadas não só exerciam
essa função como também tentavam proceder como terapeutas. Evidentemente que nunca permitirei
que uma coisa dessas aconteça.

«De qualquer modo, a inadequação sexual é, como sabem, a causa invocada com maior frequência
para o divórcio, nos Estados Unidos. Há alguns anos, William Masters descobriu que, de entre os
quarenta e cinco

25
milhões de pessoas casadas neste país, metade era sexualmente incompatível. Hoje em dia, os
números poderão diferir um pouco, mas nós sabemos que se deve, e pode, fazer algo para tornar as
mais afectadas nesse capítulo saudáveis e felizes.»

Freeberg inclinou-se para baixo, a fim de pegar num cinzeiro do chão e tornou a pousá-lo, depois de
esmagar nele a cigarrilha. O gesto serviu de ponto de separação de assuntos. A seguir, passaria a um
aspecto mais específico do treino.

- Ocupemo-nos agora dos trabalhos. O curso terá a duração de seis semanas, sob a minha
orientação. Receberão uma lista das obras de literatura profissional para consultar e haverá aulas
extraordinárias, durante as quais interrogarei cada uma mais minuciosamente sobre a sua
experiência sexual e reacções perante os vários parceiros adequados com que estiveram envolvidas.
Procurarei ensinar-lhes diversas técnicas de conselhos de que poderão necessitar em relação aos
pacientes. Receberão descrições e demonstrações profundas do funcionamento sexual masculino e
feminino, para disporem de conhecimentos fisiológicos e psicológicos. Discutiremos em pormenor,
sobretudo no tocante a homens de funcionamento sexual deficiente, o seu problema, assumindo o
papel de espectadores às suas actuações.

«Mas, e isto reveste-se de suma importância, receberão um; curso completo da terapêutica sexual de
delegados, aprendendo e experimentando o que os pacientes sentirão. Na verdade, agora mesmo,
embora sem especificar demasiado, vou descrever os passos e exercícios que partilharão com eles.

«Encontrar-se-ão com cada paciente três ou quatro vezes por semana, em sessões limitadas a duas
horas cada uma. Que espécie de disfunções sexuais podem esperar? Por vezes, os problemas serão
simples: um paciente com baixo apetite sexual, outro que é ingénuo e socialmente timorato e
isolado ou mesmo algum ainda virgem. No entanto, na maior parte dos casos, deparar-se-lhes-á
aquele que tem dificuldades de erecção ou ejaculações prematuras ou ainda é incapaz de
experimentar o prazer sexual. Tratando-se de uma mulher, pode aparecer uma sem orgasmos,
incapaz de alcançar

26

o clímax, nem mesmo através da masturbação. Revelar-se-á mais interessante a que sofre de
vaginismo, que consiste num espasmo muscular vaginal responsável por relações sexuais difíceis ou
mesmo dolorosas.

«Como procederão para curar todas essas disfunções humanas? Tudo se resume na realidade a
ensinar o paciente a manter o contacto com as suas sensações e estar confortável com a intimidade.
O cliente procura-nos para que o ajudemos. A finalidade da vossa tarefa consiste em desenvolver,
manter e assegurar uma relação íntima, o que envolve partilhar sensações e atitudes. Ora, isto só se
consegue numa base gradual, para remover as inibições do paciente e torná-lo mais consciente da
sua sexualidade e da sua parceira. Muitos têm pressa de chegar ao fim, obter resultados imediatos.
Na verdade, alguns dizem para consigo: ”Por que me tenho de sujeitar a todos estes disparates
preliminares? Quando entramos no que interessa?” Mas, independentemente da sua impaciência,
vocês, delegadas, devem ter presente que a operação leva o seu tempo, e eles compenetrar-se-ão
disso.

«O processo principia e continua como segue. O paciente com problemas procura-me para
tratamento. Antes de mais, providencio para que seja examinado por um médico de clínica geral,
para garantia de que não existem perturbações físicas, como, por exemplo, deficiências hormonais
ou alguma doença. Se o problema não se deve a causas dessa natureza, recebo o paciente e escuto a
sua história sexual, o que, de um modo geral, me permite determinar as características das suas
anomalias. Faço-lhe perguntas do género de ”Quando crescia, a nudez era tolerada em sua casa?
Havia muitos beijos, abraços, carícias na sua família?” As respostas costumam ser negativas. Mais
tarde, com a maturação, ele tem a sua primeira experiência sexual, em regra negativa. A partir daí,
sente-se alarmado. Ao conversarmos, tento acalmá-lo explicando que o medo e ignorância lhe
cerceiam as reacções e, com o tempo, e ajuda apropriada, se libertará deles e o sexo assumirá um
aspecto tão natural como a respiração.

«Quando chega a vossa vez de intervir como delegadas e auxiliar-me no tratamento, devem
compreender que as razões das dificuldades do paciente são de duas
27
espécies: em primeiro lugar, deparam-se-lhe obstáculos na comunicação com os outros seres
humanos; em segundo, tem uma estima muito baixa pelas suas capacidades sexuais. Para resolver
esses problemas, vocês devem levá-lo a reconhecer que não o acariciam porque pretendem excitá-lo
e conduzir ao orgasmo, mas porque sentem prazer com isso. Como não somos uma sociedade
orientada para o prazer, não costumamos permitir-nos saborear algo de agradável, a menos que nos
esforcemos nesse sentido. Na grande maioria, não experimentamos o prazer pelo prazer em si, sem
lutar por isso ou retribuí-lo de algum modo. O vosso objectivo fundamental com um paciente
consiste em experimentar prazer e, ao mesmo tempo, transmitir essa satisfação ao parceiro.

«Como referi, escuto a história sexual do paciente e troco impressões com ele. A seguir, tento
descobrir com qual de vocês será mais compatível. Conhecedor da sua idade, educação, meio social
e interesses, procuro juntá-lo com aquela que tenha mais possibilidades de lhe satisfazer as
necessidades. Depois, informo-o dessa realidade tudo o que se relaciona com ele e preparo um
encontro entre os três.

«Posto isto, confio-o inteiramente à delegada, a qual deverá fornecer-me um relatório minucioso,
em geral gravado, mas que também pode ser pessoalmente, na sequência de cada sessão. De vez em
quando, chamá-las-ei para discutirmos o caso e porventura procedermos a pequenos
reajustamentos. Por outro lado, encontrar-me-ei regularmente com o paciente, para me inteirar do
que pensa sobre o assunto.

Fez uma pausa e observou os cinco delegados sentados na sua frente, que escutavam atentamente.

- A vossa missão junto do paciente reside em pôr em prática aquilo que aprenderão nas próximas
seis semanas. Executarão uma série de exercícios sensuais com ele, a cada um dos quais chamamos
fonte de sensação. O vosso primeiro encontro e todos os subsequentes ocorrerão na intimidade de
vossa casa e serão de natureza social e de trabalho, em partes iguais. A faceta social destina-se a pôr
o convidado timorato à vontade. Podem oferecer-lhe uma bebida de preferência chá ou um
refrigerante. Nunca álcool

28

ou estimulantes de qualquer espécie. Lembrem-se de que pretendem activar o potencial do paciente


para se expandir sem ajuda externa. Portanto, saboreiam os refrescos e, inteiramente vestidos,
conversam do que lhes apetecer: do tempo, modas, desporto, etc. Falam-lhe um pouco da vossa
vida, numa tentativa para o descontrair.

«Finalmente, nessa primeira sessão, passam às carícias manuais. Na realidade, é a coisa menos
enervante que podem fazer. Focam o interesse no sentido do tacto. Começam por demonstrar uma
carícia manual. Pedem-lhe que feche os olhos e fazem o mesmo. E não falam. Não queremos
intromissões visuais ou verbais para confundir a reconfortante carícia. Durante a sessão seguinte,
passam às carícias do rosto. Tocam nas várias partes das faces, movendo os dedos com lentidão e
suavidade. Depois, é a vez deles de o fazerem nas vossas. É extremamente relaxante e sensual.
Esclareço que os exercícios não necessitam de obedecer a uma sequência rígida. Podem modificar
ou alterar a sua ordem, consoante a situação ou circunstâncias. Na terceira sessão, se tudo está a
correr normalmente, procedem ao lava-pés. Sim, trata-se literalmente de um lava-pés. Mantêm-se
vestidos, mas descalçam-se, mergulham-nos em água tépida e friccionam-nos.

«Só na quarta sessão passam à nudez inicial. Cada um despe-se ou fá-lo um ao outro, se preferirem.
Em regra, isto não constitui um problema, mas às vezes reveste-se de certas dificuldades. Muitas
pessoas estão habituadas a despir-se às escuras. Durante a adolescência, não se preocupavam com o
facto de estarem desnudas num vestiário, embora houvesse quem estranhasse que outros possuíam
pénis maiores ou musculatura mais desenvolvida. E também não sentem relutância em expor o
corpo diante de um médico ou uma enfermeira. Mas depois de enfiarem roupa de sair à rua, despi-la
pode revelar-se uma operação mais delicada. Em geral, não se registam problemas de maior, porque
todos os homens estão habituados a desnudar-se quando têm relações sexuais.

«Por conseguinte, vocês estão ambos despidos e procedem ao exercício denominado imagismo
corporal”, em que a delegada se coloca diante de um espelho

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alongado, enquanto o paciente a observa, e indica várias partes do corpo, da cabeça aos pés, para
depois confessar honestamente o que lhe agrada e desagrada na sua anatomia. A seguir, ele faz o
mesmo. - Durante este exercício, cada um aprende muito sobre si próprio e o outro.»

Fez nova pausa para extrair outra cigarrilha da caixa e acendê-la, após o que consultou o relógio
digital.

- Como não as quero aborrecer desnecessariamente, tentarei abreviar um pouco. De qualquer modo,
tudo o que menciono será demonstrado ao longo do treino. Após o imagismo corporal, vem o banho
sensual (que pode ser de imersão ou chuveiro), juntos, em água tépida, com o emprego do sabonete
como lubrificante. Na sessão seguinte, procedem a carícias nas costas, também desnudos, para
depois passarem às frontais, sem tocar nos seios ou órgãos genitais, antes de se dedicarem à
imediata, em que lhes tocam sem restrições. Mas apenas superficialmente. Os seios e os órgãos
genitais não recebem mais atenção que o nariz ou o pescoço, por exemplo.

«Na sessão seguinte, surge o prazer genital sem exigências, que consiste no que a designação
indica. O paciente deita-se de costas e a delegada acaricia-lhe os órgãos genitais. O objectivo cifra-
se, não em estimular ou excitar, mas na concentração de proporcionar prazer a alguém, e ele não
precisa de retribuir. Durante o encontro a seguir, a delegada deve tentar duas coisas. Uma é a
digressão anatómica e a outra uma coisa a que chamamos ”O Relógio”. Efectuamos a digressão
anatómica, porque muitos homens, embora familiarizados com os seus pénis, não fazem a menor
ideia do aspecto do órgão genital da mulher. Em regra, metem-se na cama, tacteiam na escuridão,
esperançados em localizar o sítio apropriado, e penetram. Ora, na digressão anatómica, a delegada
utiliza uma lanterna eléctrica e um especulo para explicar ao paciente o que contém. Depois,
executa ”O Relógio”, em que considera que a vagina tem um relógio dentro, com os números um a
doze em volta. Indica ao paciente que introduza um dedo e exerça pressão na uma hora, seis ou sete,
para que possa verificar como a mulher reage diferentemente, consoante o ponto premido. Por

30

vezes, pode deixá-lo manter o dedo dentro até experimentar o orgasmo, a fim de ele se familiarizar
ainda melhor com o fenómeno.

«Nesta fase da terapêutica, a delegada verá claramente que o paciente apresenta erecções, parciais
ou totais. Mas mesmo que o pénis se mantenha quase flácido, posso garantir que ele sente alguma
espécie de erecção. A partir desse momento, está preparado para os exercícios finais, porventura os
últimos dois ou três. Se sofre de ejaculação prematura, ela controla-o com facilidade por meio do
famoso método do apertão, que será praticado suficientemente ao longo do treino. Chegamos assim
ao derradeiro acto, o qual consiste, como é óbvio, na penetração e relação sexual bem sucedida.
Procede-se do seguinte modo...

Freeberg continuou a falar durante cerca de dez minutos, consciente de que era alvo da profunda
atenção dos alunos. A cigarrilha apagara-se e ele depositou-a no cinzeiro. Em seguida, levantou-se,
espreguiçou-se, acendeu outra, sorriu e anunciou:

- Podem fazer perguntas.


- Tornou a afundar-se no sofá e ergueu as palmas das mãos. - Têm a palavra.

Lila Van Patten foi a primeira a manifestar-se:

- Podemos falar das nossas actividades aos amigos e conhecidos?


- Por que não? - replicou Freeberg. - Em caso algum- devem revelar as identidades dos pacientes,
que é rigorosamente confidencial, mas se desejarem referir-se à natureza do trabalho que
executam, não existe qualquer impedimento. Devo, porém, preveni-los de um problema: a
aceitação por parte do público. Haverá quem as considere prostitutas. Certas mulheres
escandalizar-se-ão ao inteirarem-se de que fazem amor com desconhecidos por dinheiro e muitos
homens julgá-las-ão alvos fáceis. Por conseguinte, terão de reflectir bem antes de falar.

- E se um cliente ficar ao rubro e quiser saltar da fase quatro para a catorze, imediatamente?
inquiriu Beth Brant. - Por outras palavras, omitir as intermédias e abordar o coito o mais
depressa possível?

- Acontece com certa frequência - admitiu o médico, com uma inclinação de cabeça. - No instante
em que lhe tocam nos órgãos genitais, encara o gesto

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como um convite para a penetração imediata. Mas o seu problema é precisamente esse. Passa da
fase quatro à catorze, porque está muito ansioso por lá chegar e perde todos os pormenores
excitantes intermédios. Uma tentativa de semelhante natureza deve ser desencorajada à nascença.

- Tomei apontamentos, quando se referiu às carícias no rosto - disse Janet Schneider,


indicando o bloco-notas que tinha sobre os joelhos. - Trata-se apenas de carícias? E se ele
quiser passar aos beijos?

- Não há qualquer inconveniente nisso. Deixem-no fazê-lo e orientem-no. Há muitos homens que
possuem escassa experiência na matéria.

Voltou a consultar o bloco e insistiu:

- Quando ele me tocar nos órgãos genitais, posso sentir a aproximação de um orgasmo. Que
faço, nesse caso?

- Deixe-o acontecer - explicou Freeberg, com uma expressão solene. - Em todo o caso, tente ocultar
a reacção exterior, se possível, porque pode assustar o paciente e levá-lo a sentir-se ainda
mais inadequado. Por outro lado, pode contribuir para o excitar e julgar-se viril. Trata-se, mais uma
vez, de uma situação que vocês terão de resolver na altura.

Foi a vez de o único delegado do sexo masculino, Paul Brandon, expor uma dúvida:

- Trabalhamos desnudos a partir do ponto do imagismo corporal?

- A partir daí, sempre. Aliás, acabarão por se habituar e nem repararão nisso.

- Não tenho problemas a esse respeito - esclareceu. - Estava apenas interessado na informação.

- É a minha vez - acudiu Elaine Oakes. - A penetração e eventual coito não oferecem perigo?

- Posso assegurar que os pacientes serão examinados minuciosamente. Por conseguinte, aqueles
com os quais trabalharem não sofrerão de qualquer doença venérea.

- Referia-me à fecundação.

- Bem, suponho que todas tomam a pílula, de contrário uma alternativa consiste na utilização
de um diafragma, na eventualidade do coito.

Freeberg olhou em volta, na expectativa, com uma

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expressão sorridente. Parecia não haver mais perguntas, todavia a palavra «coito» suscitara uma,
pelo que ele olhou os ouvintes por uns instantes e proferiu:

- É a minha vez de perguntar uma coisa. Agora que tomaram conhecimento da natureza do
trabalho, alguém deseja retirar a candidatura?

Os cinco rostos na sua frente permaneceram imóveis e ninguém se pronunciou.


- Óptimo - acrescentou, com brandura, pondo-se de pé. - Espero-os aqui, nesta sala, às nove da
manhã, para iniciarem o treino que os tornará delegados sexuais profissionais. Que Deus os
abençoe.

CAPÍTULO 2

TINHAM passado seis semanas e um dia, e o Dr. Arnold Fnesberg encontrava-se


sentado atrás da secretária, às duas horas menos dez da tarde, à espera de que principiasse a última
reunião de grupo. Olhando pela janela, observou que aquele dia de meados de Julho se
apresentava encoberto, algo ameaçador, e lamentou que não brilhasse o sol, pois sentia o íntimo
inundado de raios solares. O período de treino cansativo constituíra um êxito absoluto. Ele
dispunha agora de uma excelente equipa de seis delegados sexuais e ansiava por utilizá-los.

Enquanto aguardava que chegassem, evocou o que fizera durante a manhã. Escutara mais uma vez
as gravações dos seus primeiros quatro pacientes, enviadas por colegas, todas acerca de homens
disfuncionais. Ainda não havia nenhuma representante do sexo feminino para Paul Brandon, todavia
Freeberg sabia que várias estavam a ser consideradas por psiquiatras, pelo que não tardaria a estar
ocupado. Freeberg confiara as gravações a Suzy, para que as transcrevesse no seu processador de
palavras.

Em seguida, recebera Gayle Miller, a sua delegada em Tucson, que chegara na semana anterior,
depois de completar a formatura na Universidade do Arizona e resolver os assuntos que ainda a
prendiam ao local de origem. Tinham-se visto poucas vezes durante aqueles oito dias - à parte a
visita que efectuara à clínica, quando Freeberg a apresentara aos colegas, porque ela necessitara de
tempo para encontrar um bangaló

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em Hillsdale e instalar-se. Por outro lado, entretivera-se a preparar o ingresso na Ucla a fim de se
doutorar em psicologia, e redigir o pedido de uma bolsa de estudo ou auxílio financeiro, entregando
todos esses documentos, juntamente com a transcrição do diploma da Universidade do Arizona e
três cartas de recomendação desta última.

Quando Gayle Miller aparecera naquela manhã, para ajudar na preparação da cerimónia de final do
treino, Freeberg ficara tão satisfeito de a ver e impressionado com a sua presença profissional
confiante, que a convidara para almoçar no Market Grill, perto da clínica. E, enquanto a
acompanhava, não pudera deixar de reconhecer para consigo que se tratava da mais atraente das
suas delegadas.

Sentados num reservado, notou mais uma vez como era graciosa e bonita, numa blusa de seda rosa,,
apertada na cintura por uma faixa amarela, que encimava a saia de xadrez, a qual aderia aos quadris,
quando caminhava. Analisando-a mentalmente, enquanto consultava a ementa, Freeberg admitia
sem reservas que a presença dela infundia confiança. Tinha cabelo preto brilhante cortado curto, que
emoldurava o rosto de características de uma boneca de porcelana oriental. Atrás dos largos óculos
escuros, havia uns olhos verdes algo rasgados, e, abaixo, um nariz arrebitado e boca de lábios
generosos. O resto do corpo, segundo recordava, revelava-se igualmente deslumbrante, pois vira-a
desnuda várias vezes, seis anos atrás, em Tucson, durante o treino para delegada. Tinham-lhe ficado
gravados indelevelmente na memória os ombros alabastrinos, os seios cheios e firmes, com bicos
castanhos bem pronunciados, a cintura flexível, quadris estreitos e coxas proporcionadas, uma das
quais com uma marca de nascença. Tentou lembrar-se... Media cerca de um metro e sessenta e
cinco, segundo rezava a respectiva ficha da época. E, num recanto da memória, Freeberg tinha a
vaga ideia de uma tragédia qualquer no passado da jovem, que motivara a candidatura a delegada
sexual.

Também se recordava perfeitamente de que os pormenores importantes acerca de Gayle Miller não
University of California, Los Angeles. (N. do T.)
eram os físicos. Com efeito, revelara-se inteligente, adaptável, franca e possuidora de uma
personalidade admirável. E contribuíra decisivamente para que ele fosse bem sucedido com
os pacientes mais perturbados e aparentemente irrecuperáveis.

Ao almoço, Freeberg seguira-lhe o exemplo ao pedir um hamburger com salada mista, e


congratulara-se mais uma vez com a ideia de que aquela experiente mulher de vinte e sete
anos era a chefe da sua equipa.

Mas isso fora antes. Agora, sentado à secretária, ele viu que eram duas horas e os delegados
começavam a chegar. Saudou cada um à medida que apareciam e ocupavam informalmente
os seus lugares no sofá à sua frente ou cadeiras. Consultou os apontamentos, decidido a não
se alongar muito em considerações, para depois mandar entrar Gayle Miller da sala de
Suzy, a fim de a apresentar e deixá-la pronunciar umas palavras finais.

Sem se levantar, reclinou-se na cadeira rotativa estofada e contemplou o grupo por um


momento, antes de principiar:

- Sejam bem-vindas. Tiveram um dia de folga, ontem, e espero que o aproveitassem bem
para se recomporem do período de treino. Para dizer a verdade, senti-lhes a falta. Tornámo-
nos tão íntimos nas últimas seis semanas, que podemos considerar-nos uma pequena
família. Não os convoquei para mais uma prelecção. Bastou a que tiveram de ouvir na
véspera do início do treino e as instruções suplementares durante esse lapso de tempo.
Penso que estão perfeitamente aptos a encetar o trabalho. Gostava, porém, que
mantivessem uma coisa bem presente no espírito. Tentei, com cada um, estabelecer uma
ponte, uma ponte humana, destinada a permitir que pessoas com problemas de natureza
sexual possam atravessar do lugar em que se encontram (um mau lugar) para outro melhor,
onde desejam e devem estar, que as restituirá inteiramente à vida, não só sexualmente, mas
também nas suas carreiras e assuntos pessoais. Recordem-se de que os pacientes pretendem
aprender uma coisa: a maneira de ser criaturas humanas merecedoras de amor. Procuram-
nos com as suas perturbações e desespero íntimo. Na realidade, surgem suplicantes, como
se dissessem: «Não sei o que fazer com o meu problema. Ajudem-me, por favor.»

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«Amanhã, iniciaremos a actividade. Elaborei um horário para me encontrar convosco e os


pacientes de manhã e à tarde. No dia seguinte, cada um de vocês actuará quase
independentemente, à parte os relatórios que continuarão a apresentar-me. Antes de nos
separarmos, receberei cada um separadamente para discutirmos as primeiras tarefas. E nada
mais tenho a dizer de momento, pelo que se me refere. Agora, vou chamar Gayle Miller, a
delegada que utilizei em Tucson, antes de iniciarmos o nosso treino. Foi-lhes apresentada a
semana passada, quando me veio cumprimentar, mas não tiveram oportunidade de
conversar. Julguei conveniente que lhes descrevesse algumas das suas experiências e
proporcionasse a oportunidade de fazerem as perguntas que não lhes ocorreram no
passado.»
Antes de abandonar o gabinete da secretária Suzy, a fim de entrar no ambiente mais
impressionante do de Freeberg, Gayle Miller hesitou e perguntou:

- Que lhes digo?

- Receia pisar o palco? - replicou ele, com um sorriso. - Entre e proceda como lhe parecer
natural. Sente-se atrás da minha secretária ou fique de pé ao lado, se preferir. Converse com
eles informalmente, sobre o seu trabalho. Estão à sua espera, cordiais, mas apreensivos.
Escutaram-me com atenção, mas, para eles, estou um pouco afastado do cenário principal.
Ao invés, o que você lhes disser, provirá dos lábios de quem frequentou o campo de batalha
e servirá para se tranquilizarem. Deixe-os ouvir a voz da experiência, durante alguns
minutos, e, se fizerem perguntas, responda com a maior sinceridade. É uma coisa
perfeitamente ao seu alcance. Boa sorte.

Uma vez no gabinete de Freeberg, ela decidiu permanecer de pé atrás da secretária. Os


cinco novos delegados mostravam-se atentos, ansiosos, receptivos e, também, um pouco
curiosos.

- Já conhecem a maneira de proceder - começou, após um longo silêncio. - Apenas lhes


posso falar da minha própria experiência com o Dr. Freeberg nos cinco casos que se me
depararam em Tucson. Dois eram de homens que não conseguiam obter ou manter uma
erecção, dois outros sofriam de ejaculação prematura e o
quinto revelava uma terrível timidez e falta de conhecimentos e o seu problema não consistia em
levar uma mulher para casa, mas, ao encontrar-se lá com ela, transferi-la da sala ou da cozinha para
o quarto e saber como devia proceder. Quero esclarecer que todos foram resolvidos
satisfatoriamente.

- Fez amor com todos? - perguntou Janet Schneider.

- Refere-se a relações sexuais? Certamente. Os terapeutas gostam de dizer que não é esse o alvo
do tratamento, mas ensinar o paciente a familiarizar-se com as suas sensações, a ser íntimo, encarar
o sexo com naturalidade. Tudo isso corresponde à verdade, embora o objectivo supremo consista
em relações bem sucedidas. Se um homem que não conseguia completá-las chega ao ponto de lhe
ser possível como qualquer dos seus semelhantes, penso que o alvo fundamental foi
alcançado.

No entanto, ela parecia não se achar ainda satisfeita.

- Que tem a dizer sobre a transmissão do vírus da SIDA durante o nosso trabalho? Corremos esse
perigo?

- Deixem-me dizer-lhes com a máxima franqueza que se dedicam a uma actividade de alto risco -
declarou Gayle. - Tanto quanto sabemos, o vírus da SIDA é transmitido através de fluidos do corpo
ou do sangue de uma pessoa injectada. No vosso caso, podem ficar contaminadas por meio de
relações sexuais ou injecção intravenosa e nunca por tocar meramente numa pessoa. O vírus não
sobrevive muito tempo ao ar livre ou após esterilização. No entanto, repito, pode persistir nos
fluidos do corpo e sistema circulatório. Embora executem um trabalho arriscado, vocês podem
tomar determinadas precauções. Num encontro de delegados em Nova Iorque relacionados com a
SIDA, fiz parte de um grupo que desenvolveu uma maneira de praticar o sexo com menos perigo.
Em primeiro lugar, nada de beijos prolongados com os pacientes ou permuta de fluidos em qualquer
altura. Em segundo, não permitir a penetração sem utilização de preservativos pelo paciente. E a
delegada deve proteger-se duplamente recorrendo a um espermicida.
- Baixou a voz. - Aqui para nós, eu não insisto no preservativo, desde que saiba que ele se submeteu
ao teste

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do sangue para detectar a SIDA e resultou negativo. Quanto a mim, os preservativos são demasiado
inibitórios para pessoas já de si inibidas. Muitos terapeutas exigem que a delegada se sujeite a um
teste após cada penetração, o que se me afigura uma medida muito drástica, e o Dr. Freeberg é da
mesma opinião. Ele contenta-se em as mandar efectuá-lo uma vez em cada três meses. De qualquer
modo, observem as sugestões de segurança no sexo que expus, e haverá escassas probabilidades de
sofrerem algum dissabor.

Antes que pudesse prosseguir, registou-se nova interrupção, agora de Lila Van Patten:

- Estava a preocupar-me com outra coisa. Na sua qualidade de delegada, como definiria uma
erecção bem sucedida?

Gayle inclinou a cabeça e respondeu:

- A melhor definição foi dada por Masters e Johnson, e o Dr. Freeberg concorda. Se, após o
tratamento, um homem anteriormente impotente consegue obter uma erecção e mantê-la em três de
cada quatro encontros, pode cantar vitória. - Fixou o olhar no elemento masculino do grupo, Paul
Brandon. - Quanto às pacientes que não alcançam o orgasmo, somos da opinião de Masters e
Johnson, os quais afirmavam que dois orgasmos em cada quatro encontros constituíam uma
indicação de triunfo. - Fez uma pausa, na expectativa de novas perguntas, que não se
verificaram, e prosseguiu:
- Costumo dizer aos meus pacientes que não sou uma professora, mas uma parceira... uma parceira
que sabe um pouco mais do que eles e deseja ajudá-los. Alguns eram advogados e especialistas de
computadores e expliquei-lhes que, se tivessem um problema de natureza legal ou desejassem
saber algo sobre informática, procurariam um perito nessas disciplinas. Mas como a minha
especialidade é o sexo, se lhes surgem dificuldades nesse âmbito, parece razoável que recorram aos
meus préstimos para ficarem mais elucidados.

- Confiaram sempre em si? - quis saber alguém.

- Sempre, não. Por vezes, mostravam ressentimento, porque necessitavam de ajuda e sentiam-
se dependentes de mim. De resto, em muitos casos desagrada-lhes recorrer a uma parceira
temporária à qual têm de pagar. Sabem que entregam ao Dr. Freeberg cinco mil.
dólares pelo tratamento e que, dessa quantia, ele paga a cada uma de nós setenta e cinco por hora,
ou cento e cinquenta por sessão de duas horas. Certa ocasião, um paciente disse-me: «Você está
incluída na folha de assalariados do Dr. Freeberg, pelo que não a posso encarar como uma pessoa
materialmente desinteressada.» No entanto, acabou por mudar de ideias e a experiência ensinou-me
que, se confiavam nele, não tardavam a entregar-se aos meus cuidados sem relutância. No fundo,
não se trata de um problema importante.

Gayl e fez nova pausa e continuou:

- O grande problema consiste na atitude do homem inadequado. Se experimentou dificuldades,


assume a atitude de espectador durante o acto sexual, em cada novo encontro, sem espontaneidade,
apenas para ver se acontece alguma coisa. O verdadeiro problema é esse. Como o Dr. Masters disse:
«Um homem impotente está traumatizado infinitamente mais acima do pescoço do que abaixo da
cintura.»

«Verifiquei que a maioria das perturbações principiava quando o paciente era jovem, talvez com
menos de vinte anos. Nessa altura, apercebia-se de que não necessitava de dar ou receber toques ou
carícias, porque se podia excitar com facilidade. De um modo geral, conseguia encontrar uma
parceira condescendente que supunha que o sexo era só aquilo, disposta a robustecer-lhe os maus
hábitos. No entanto, à medida que o nosso rapaz avançava nos anos, já não adolescente, mas com
quarenta e cinco, descobria que a falta de experiência em brincadeiras preliminares, chamemo-lhes
assim, intervinha em seu desfavor. Os seios expostos de uma mulher já não o excitavam como
dantes e a erecção era mais difícil de alcançar. Como nunca dependera do contacto prévio, mas
apenas do que via e pretendia, o entusiasmo decresceu rapidamente e começou a assolá-lo o pânico.
Passou a procurar mulheres mais jovens e excitantes e, quando esse estímulo também deixou de
funcionar, todo o seu sistema sexual se desmoronou e tornou-se disfuncional. Tudo isto pode
modificar-se por meio de exercícios, fazendo o paciente familiarizar-se com as suas sensações, para
que desfrute o prazer da intimidade. Em momento algum esses exercícios se podem considerar
excessivos. Vocês aprenderão, como eu, que devem

40

estabelecer firme comunicação com ele, não como técnica, mas como um ser humano, por meio de
carícias constantes e sensualismo.

Esquadrinhou a memória, para ver se omitira alguma coisa, mas pareceu-lhe que não. Para os
delegados, restavam, doravante, as relações e suas acções.

- Esta noite - acrescentou , receberei o meu primeiro caso em Hillsdale, e garanto-lhes que não será
fácil. Trata-se de um jovem a contas com um problema que envolve a impotência e lhe afecta
naturalmente o trabalho. Essa impotência deriva, segundo me foi informado, da preocupação
obsessiva de que tem um pénis demasiado pequeno.

- E é? - perguntou Paul Brandon.

Por um instante, Gayle conservou-se silenciosa, surpreendida, com os olhos fixos no único homem
do grupo de delegados. Por fim, dirigiu-se-lhe, tentando exprimir-se numa inflexão impessoal.
- Como deve saber, um pénis demasiado pequeno é coisa que não existe. Estou certa de que o
meu paciente acabará por se comportar tão satisfatoriamente como qualquer outro homem...
incluindo você. - Ainda algo irritada, voltou-se para as outras, a fim de concluir:
- Principiaremos amanhã. Espero que sintam tanta satisfação com o trabalho como eu até hoje. O
Dr. Freeberg já lhes desejou felicidades. Por conseguinte, apenas me resta augurar-lhes o êxito.

Às três e meia da tarde, em ponto, Suzy introduziu Adam Demski no gabinete do Dr. Freeberg.

Este estendeu a mão ao primeiro paciente, que visitara a clínica de Hillsdale, alguns dias antes.
Saudou-o cordialmente e indicou-lhe uma poltrona confortável diante da secretária.

Enquanto se instalava de novo na cadeira rotativa, Freeberg sentia-se intimamente satisfeito por
Demski ter comparecido e, sobretudo, com rigorosa pontualidade. Após a primeira entrevista,
duvidara de que o paciente, indicado por um psicanalista de Chicago, cumprisse a promessa de se
apresentar na clínica. Com efeito, mostrara-se desconfiado e enervado ao ponto de quase não
conseguir exprimir-se com coerência, e somente graças

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a um interrogatório delicado e subtil Freeberg lograra inteirar-se dos pormenores da
impotência do visitante.

No termo do encontro preliminar, mandara-o submeter-se a um exame médico pelo Dr. Stan
Lopez, generalista no qual confiava e tencionava utilizar em todos os casos que se lhe
apresentassem. O objectivo consistia em apurar se a condição de Demski era de natureza
orgânica ou resultante de factores psicológicos, pois o seu médico assistente em Chicago
revelara que não tinha encontrado qualquer problema orgânico nos testes a que procedera.
Não obstante, Freeberg necessitava de se elucidar sem margem para a mínima dúvida, pelo
que pedira ao Dr. Lopez que examinasse o paciente. Se o problema se devesse de facto a
alguma causa orgânica, tentaria convencer Demski a procurar médicos capazes de tratar a
disfunção sexual de uma maneira totalmente diferente. Se, por outro lado, fosse de natureza
psicológica, tencionava admiti-lo na clínica e aplicar a terapêutica sexual recorrendo à sua
delegada mais experiente.

O segundo encontro daquela tarde destinava-se a analisar o relatório do Dr. Lopez sobre a
condição física de Demski e, em seguida, apresentar este último a Gayle Miller, a fim de
discutirem o método de tratamento a adoptar.

Através das lentes grossas dos óculos, Freeberg observou que Demski estava de novo
particularmente apreensivo. De aparência algo anémica, sentava-se com desconforto, o
corpo esguio agitado e olhar fixo na carpeta.

Freeberg moveu os dedos entre os cabelos um pouco revoltos e em seguida cofiou a barba,
que começava a apresentar vestígios grisalhos, ao mesmo tempo que examinava mais uma
vez os resultados do exame a que o Dr. Lopez procedera.

Por fim, com o sorriso mais cativante, declarou:

- Bem, Mr. Demski, creio poder garantir-lhe uma coisa. O seu problema não tem qualquer
base orgânica, com o que nos devemos congratular. - Indicou o relatório com o dedo. - o
Dr. Lopez procedeu a um exame muito minucioso. Vejo que até recorreu a um urologista de
renome, o Dr. Gerald Clark, para o observar.

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O outro inclinou a cabeça em aquiescência e, após breve pausa, murmurou:

- É verdade.

- Ora bem - prosseguiu Freeberg, analisemos os resultados juntos, para me certificar de


que não descurei nada.

Demski voltou a mover a cabeça, com ar desolado, deixando transparecer claramente que
estava longe de se sentir tranquilo.
O médico acercou o relatório um pouco mais dos olhos míopes e principiou:

- Vejo que pesquisaram a possibilidade de sofrer de diabetes. Com efeito, uma condição
dessa natureza poderia afectar-lhe os vasos sanguíneos e tornar difíceis as reacções físicas
normais. No entanto, o Dr. Lopez garante que não é diabético. Podemos, pois, eliminar essa
hipótese. Depois, debruçou-se sobre a situação vascular.

- Vascular? - ecoou Demski, intrigado.

- Coisas como o endurecimento das artérias (as do pénis, bem entendido), o que poderia
retardar o afluxo de sangue à área genital e obstruir a erecção. - Freeberg meneou a
cabeça. - também não há nada de anormal, por esse lado. O urologista confirmou-o,
testando a tensão arterial das suas pernas e pénis.

O paciente assentiu com um gesto vago, aparentemente recordando com embaraço o teste
genital em causa.

- Tudo o resto parece em ordem - volveu Freeberg, sacudindo as duas folhas na mão. -
Não toma antidepressivos nem tranquilizantes. Não bebe em excesso. Não
consome drogas perigosas, como a cocaína, nem anfetaminas ou barbitúricos. Não foi
submetido a qualquer intervenção cirúrgica à próstata ou bexiga. Não há indícios de lesões,
ainda que leves, na área pélvica, órgãos genitais ou espinal medula. - Fez uma pausa. -
Nível de testosterona excelente. Tem cerca de quarenta anos, não é?

- Quarenta e dois.

- Por conseguinte, o seu libido não foi minimamente afectado. Vejo aqui que o
urologista não considerou necessária uma implantação protética.

- Pois não.

Pousou o relatório e olhou Demski com firmeza.

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- É, pois, bem claro que a sua condição não resulta de uma incapacidade orgânica.

- Mas... mas tem de resultar de alguma coisa.

- Sem dúvida, mas não de causas físicas, como o relatório confirma. Tudo indica que o problema
é de natureza psicológica que persiste, apesar da psicoterapia. Provavelmente, após o seu
primeiro insucesso, registaram-se outros e uma incapacidade para se concentrar nas sensações, o
que poderemos inverter e normalizar através da diminuição da sua ansiedade. Basta apenas que
colabore em todos os pormenores.

- Não hesitei em vir - murmurou Demski.

- Decerto, o que significa que pode ser ajudado. Como sabe, a terapêutica verbal pode ser útil, mas
em muitos casos não basta. Ora, depois de a receber em Chicago, verificou-se que na realidade não
era suficiente e foi por isso que o seu psicanalista lhe recomendou que viesse à Califórnia
procurar-me. Trabalharei consigo quase diariamente, com certeza, mas não estarei só. Serei
auxiliado por uma delegada sexual, uma mulher treinada para o efeito, que o orientará. O senhor
encontra-se ao corrente das funções das delegadas-parceiras devido ao que decerto leu e lhe
descrevi, não é assim?

- Bem... julgo que sim - admitiu, em voz quase inaudível.

- Escolhi a delegada sexual mais experiente para o seu caso. Chama-se Gayle Miller, uma jovem
cuja simpatia e utilidade não deixará de reconhecer, preparada para iniciar os exercícios consigo.

- Qu... quando?

- Esta tarde, às sete, em casa dela.

- Esta tarde? - Estremeceu e tornou-se quase lívido.

- Exacto. O senhor acha-se em condições de principiar imediatamente. Agora, quero apresentar-lhe


Gayle Miller, que está ao corrente da sua situação, claro, pois leu a transcrição do nosso primeiro
encontro e trocámos longas impressões. Vou chamá-la, para que assista ao resto da nossa conversa,
enquanto explico minuciosamente o programa que elaborámos e a natureza dos exercícios que
efectuará com ela. - Freeberg pegou no auscultador e premiu uma tecla do intercomunicador.
Mande entrar Gayle Miller, por favor, Suzy.

44

O dia declinava e os delegados, incluindo Gayle Miller, tinham seguido para suas casas. A Clínica
Freeberg encontrava-se quase deserta, restando apenas o médico, que arrumava uns documentos, e
Suzy Edwards, no gabinete ao lado, entretida a rever as anotações que transcrevera de gravações.

Por fim, o Dr. Freeberg, de pasta na mão, assomou à porta de comunicação e perguntou:

- Como vai isso, Suzy?

Ela ergueu os olhos das páginas e afastou uma madeixa de cabelos ruivos da fronte.

- Estou quase a acabar, doutor. Já sei que correu tudo bem com as delegadas.
- Muito bem, mesmo, na minha opinião.

- Devo confessar - acrescentou, pousando o indicador nos papéis à sua frente - que, embora
estivesse ao corrente da natureza do trabalho, não fazia a menor ideia de como os diferentes casos
seriam difíceis e fascinantes.

- Concordo consigo. São, de facto, fascinantes. Nunca me canso do labirinto humano, da


confusão, do conflito e até do suspense. Sim, são todos difíceis, mas estou esperançado em
solucioná-los.

- Tenho a certeza absoluta disso, doutor.

- Bem, vou jantar. Quando acabar, deixe as transcrições na minha secretária. Antes de sair,
não se esqueça de ligar o alarme e fechar tudo à chave. Até amanhã, Suzy.

- Até amanhã, doutor.

Quando se encontrou só, ela fixou o olhar na porta que Freeberg acabava de fechar atrás de si.
«Amanhã...», reflectiu. «Para quê esperar?» Ainda dispunha daquela noite, uma longa noite, à sua
frente. Concentrando-se, completou o trabalho rapidamente e verificou as páginas, a fim de se
certificar de que estavam por ordem. Depois, sem hesitar, estendeu a mão para o telefone.

A decisão de falar com Chet acudira-lhe enquanto procedia à transcrição das gravações, mas ao
pousar a mão no auscultador hesitou. Ponderou a chamada que se preparava para efectuar e tentou
imaginar como ele reagiria, não apenas ao telefonema, mas também ao que poderia seguir-se.

Pensou em Chet Hunter, o novo namorado, o melhor

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de todos, até então, e imaginou-o como era quando o conhecera, um mês atrás, na Biblioteca
Pública Principal de Hillsdale, onde entrara para consultar umas revistas de medicina, a fim de
tentar recolher elementos sobre o Dr. Arnold Freeberg, o seu novo patrão. O rapaz, provavelmente
de pouco mais de trinta anos e sem dúvida cinco mais velho do que ela, quando muito, sobraçava
diversos volumes que requisitara e o único lugar vago situava-se ao lado da cadeira de Suzy, que
simpatizara imediatamente com ele, de estatura mediana, cabelo castanho com entradas
pronunciadas, fronte larga, olhos cor de avelã atrás de óculos de aros de aço equilibrados no nariz
achatado e maneiras reservadas, mas obviamente de tipo intelectual.

Trocaram algumas palavras em surdina, na sua maioria sobre literatura, e à hora de fechar, ele
acompanhou-a à saída, para, no momento da despedida, convidá-la a tomar um café. Suzy que
aguardava algo do género, apressou-se a aquiescer e o encontro serviu de pretexto para que se
conhecessem melhor.

A actividade que ele exercia não ficara bem esclarecida e continuava a permanecer imersa em certa
neblina. Dois anos antes, fundara, e ainda possuía, uma firma denominada Departamento de
Pesquisas Acme. Explicou que se dedicava à investigação, indo buscar factos às mais variadas
fontes para escritores, estudantes perto da formatura, revistas e jornais. Trabalhava segundo um
sistema de pagamento à hora, não muito elevado, apenas suficiente para o manter ao nível da
subsistência e vestuário e poder viver num apartamento de três assoalhadas. Ela aventurou-se a
perguntar a natureza do material investigado e obteve a informação de que se tratava de tudo o
concebível: quem era o único candidato possível solteiro à Presidência dos Estados Unidos, qual a
segunda montanha mais alta do mundo, qual o estado de adiantamento do processo clónico, quantos
casos de violação houvera no ano transacto em Hillsdale e Los Angeles, elementos solicitados
respectivamente por um político, um escritor de obras de viagens, uma revista de medicina e um
advogado de Hillsdale. Elucidava-se das informações necessárias consultando livros da biblioteca,
correspondendo-se com peritos ou entrevistando especialistas. Chegara mesmo ao ponto de se
tornar um

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reservista da Polícia de Hillsdale, a fim de conseguir acesso a material para alguns clientes.

- Reservista da Polícia? - estranhou Suzy. - Que vem a ser isso?

- Um auxiliar da Polícia em regime de part-time, uma espécie de agente na reserva, tal como um
membro da Guarda Nacional é um soldado em part-time. A Polícia luta com falta de pessoal e
aceita voluntários. Em todo o caso, a admissão de reservistas não se reveste de facilidades; muito
pelo contrário. O candidato é examinado por um médico e depois por um psiquiatra e, se o
admitem, frequenta a Academia da Polícia de Hillsdale três noites por semana durante quase cinco
meses. Apenas dois de cada cinquenta conseguem entrar. Primeiro, fui um reservista técnico e
trabalhei numa secretaria, a contas com a papelada usual exigida pela burocracia. Mais tarde,
estudei para a reserva da linha e fui treinado em tudo desde a utilização de armas de fogo à lei
criminal, acabando por receber uma farda azul com a respectiva insígnia, uma pistola Smith &
Wesson .38, algemas e tudo o resto. Faço dois turnos de oito horas por mês e pagam-me quinze
dólares. Mas a remuneração não interessa. O que me atrai é a possibilidade de poder investigar em
primeira mão, por assim dizer.

- Sujeitou-se a tudo isso por causa da investigação?


Hunter ponderou a pergunta por um momento e replicou:

- Na verdade, havia outra razão. Aqui para nós, a investigação não passa de um entretenimento, para
me aguentar até conseguir o que pretendo.

- E que pretende, Chet?

- Sou um jornalista nato e quero exercer essa profissão a tempo inteiro. A minha maior ambição
consiste em tornar-me repórter efectivo do Daily Chronicle de Hillsdale. É a única coisa que me
interessa e com a qual sonho constantemente. Foi, aliás, por isso que me tornei reservista da Polícia,
a fim de dispor, da oportunidade de farejar uma história excitante e reconhecê-la, quando se me
deparasse. O editor do Chronicle, Otto Ferguson, acha que ainda não amadureci o suficiente e devo
dar provas da minha capacidade previamente. Por conseguinte, aguardo com paciência
infinita, até que surja um tema

” 47
Palpitante. - Neste ponto das confidências, fez uma Pausa e assumiu um ar embaraçado. - Desculpe
aborrecê-la com estas coisas. Ainda nem lhe perguntei em que trabalha. É actriz ou algo do género?

- Que ideia! - Ela notou que corava. - Sou secretária de um médico.

- Mas podia ser actriz.

Duas noites depois, encontraram-se menos formalmente. Suzy admitiu para consigo que
simpatizava com ele, considerando-o o homem mais interessante e atraente que jamais conhecera, e
suspeitava de que também não lhe era indiferente. Na noite imediata, após o jantar, ela manifestou o
desejo de ver alguns exemplos do trabalho de Chet. Assim, acompanhou-o ao apartamento de três
assoalhadas e, na sequência de dois vodkas on the rocks, à cama.

Depois disso, tinham dormido juntos duas outras vezes, a mais recente das quais na véspera.

Apaixonara-se indiscutivelmente por ele, mas existia um não menos indiscutível problema.

No entanto, estava mais convencida que nunca de que poderia ser superado. Nessa conformidade,
pegou no auscultador e marcou o número, esperançada em o encontrar em casa.

Com efeito, no momento imediato, a voz dele surgia na linha:

- Estou...

- Olá, Chet. É a Suzy.

- Suzy? Confesso que não...

- Se estás livre, gostava de passar por aí - cortou ela, apressadamente.

- A sério? Com certeza que estou livre. Na verdade, não esperava voltar a ouvir-te hoje. Sabes que
anseio sempre por te ver.

- E eu a ti. Posso ir a tua casa a seguir ao jantar? Entre as nove e as nove e meia, por exemplo.

- Sem dúvida.

Depois de cortar a ligação, Suzy conservou o olhar fixo no telefone. Aquela noite era importante.
Realmente importante. Estava em jogo todo o seu futuro.

48

Gayle Miller, com as pernas dobradas sob o corpo, sentava-se no sofá que a acompanhara de
Tucson e cosia um botão do casaco de caxemira.

O relógio eléctrico, na prateleira da lareira do outro lado da pequena, porém acolhedora sala do
apartamento que alugara em Hillsdale, indicava alguns minutos depois das sete da tarde.

Se não se achasse demasiado assustado, Adam Demski, o seu primeiro paciente na nova clínica,
devia estar na iminência de aparecer.
A sua mente conservava apenas uma vaga imagem dele, embora se tivessem encontrado, na
presença do Dr. Freeberg, durante cerca de uma hora, após a reunião dos delegados, naquela tarde.
Guardava a impressão de um homem alto e esguio, com cerca de quarenta anos e expressão
compungida. Na realidade, o- semblante pálido e chupado era mais próprio de um cadáver. Uma
pessoa que percorria a vida num clima de hesitação. Preocupado com as dimensões do penis. Duas
mulheres - uma nova amiguinha e depois uma prostituta - tinham tentado desfrutá-lo por esse
motivo, pelo que não conseguira a indispensável erecção, deficiência que persistira em sucessivas
oportunidades. Em face disso, absorvera-se no trabalho - numa firma de contabilistas, em Chicago -
e passara a evitar o elemento feminino, após mais duas ou três tentativas frustradas. O membro
mantivera-se flácido e, mais recentemente, sucedia o mesmo à qualidade da sua actividade na firma.
Por fim, resolvera consultar um psicanalista, porém a terapia verbal não lhe solucionara o problema.
Não obstante, empenhado em o ajudar, este último recomendara Adam ao D r. Freeberg, e agora
encontrava-se em Hillsdale, para ressuscitar entre os vivos.

Ao ouvir a campainha da entrada, Gayle guardou o casaco de caxemira e apetrechos de costura


numa gaveta da mesa junto do sofá, levantou-se e consultou o espelho na parede. Depois de ajeitar
levemente o cabeio, único reparo que descortinou no que observou, encaminhou-se para a porta e
abriu-a.

Um jovem pálido, um pouco mais alto do que ela se recordava, dirigiu-lhe um olhar tímido sob o
clarão amarelado da luz do corredor.
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.
- anunciou em voz
- Sou... sou Adam Demski - anunciou em voz tensa. - Não sei se se recorda.

- Perfeitamente. - Ela estendeu a mão, com uma expressão cordial. - Para o caso de se ter esquecido,
chamo-me Gayle Milter. Tínhamos combinado encontrar-nos e estava esperançada em que
não faltasse.

- Isso, nunca - murmurou ele, olhando-a, ainda sem se atrever a apertar-lhe a mão.

Gayle estava habituada a semelhante reacção, porque se lhe deparara várias vezes no passado.
Supunha que ocorria pelo facto de os pacientes terem formado a sua própria imagem1 mental do
aspecto de uma delegada sexual. No. gabinete do Dr. Freeberg, Demski quase não a olhara e
provavelmente esperara alguém com ares mais endurecidos e profissionais, mas nunca uma jovem
americana típica disposta a encontrar-se com ele a sós.

Ela voltou a oferecer a mão e desta vez ele apertou-a apressadamente.

- Entre - convidou Gayle, segurando-lhe levemente o braço. - Tenho muito prazer em tornar a vê-lo.

Demski avançou para a sala e deteve-se, cada vez mais embaraçado e também algo surpreendido.
«Esperava, porventura, um ambiente de bordel?», reflectiu ela.

--Tem um apartamento muito confortável. Acolhedor.

- Ainda não está decorado a meu gosto. Limitei-me a alugá-lo e arrumar a mobília que trouxe do
Arizona: o sofá, poltronas e cama são peças antigas. No entanto, já fiz algumas compras e trarão
outras coisas para a semana, Ponha-se à vontade. Pode despir o casaco e afrouxar o nó da gravata,
se quiser. - Gesticulou na direcção do sofá. – Sente-se. Ia ferver água para o chá. Toma uma
chávena, ou prefere café ou um refresco?

- Aceito o que tomar, Miss... Miss Miller.

- Gayle - advertiu. - Como vamos ser amigos, quero que me trate assim.

Ele sentou-se com lentidão e certa relutância e aventurou-se a afrouxar o nó da gravata, quando ela
desapareceu na cozinha.

Minutos depois, regressou com um tabuleiro em que se viam duas chávenas de chá e um prato com
biscoitos de chocolate. Entretanto, Demski despira o

50

casaco e dobrara-o meticulosamente sobre o espaldar do sofá, para agora folhear a última edição da
Vogue sem interesse aparente.

Gayle instalou-se no sofá, não demasiado perto dele, e passou-lhe uma chávena, notando o tremor
da mão que a recebeu.

- Se bem me recordo, é de Chicago.


- Nasci lá - confirmou Demski. :

- Em que parte? Visitei a cidade várias vezes.

- Norte.

- Vive só?

- Sim. Tenho um apartamento.

- Convive com muitas mulheres?

- Não. - Meneou a cabeça com lentidão. - Pelo menos, já não. Estou muito ocupado.

Ela levou a chávena aos lábios, antes de prosseguir:

- Que faz, quando não está muito ocupado, Adam?

- Não sei... Ponho a leitura em dia. Vou ao cinema. Sou sócio de um clube de vídeo. Aos
domingos, às vezes, assisto a encontros de râguebi com colegas do escritório.

Ponderou até onde conviria insistir e perguntou: -i Dispõe de tempo para vida social?

- Não... não compreendo ao que se refere - articulou ele, pestanejando. - As raparigas, talvez?

- Vai a festas? Encontra-se com mulheres? Convida-as para jantar?

Esvaziou a chávena e pousou-a, antes de responder:

- Dantes fazia-o. Não muitas vezes, note-se. Agora,

é raro. - Olhou-a de soslaio e acrescentou: - Tenho

um problema, como sabe. Encontrava-se presente,

quando o Dr. Freeberg o abordou.

- Com certeza - assentiu Gayle, com uma inclinação de cabeça. - Creio que metade dos
homens deste país enfrenta problemas nessa área, com a diferença de que os reprime, recusa-se a
enfrentá-los. - Embora não- estivesse segura dos dados estatísticos, afigurava-se-lhe não se
acharem muito longe da realidade.

- Sim? Bem, eu talvez também não me atrevesse a discutir o meu, mas quando descobri que
afectava o rendimento no trabalho, desconfiei de que havia uma relação.

51
- E não se enganou. As dificuldades sexuais afectam todos os aspectos da vida de uma pessoa.

- Passei a dormir mal, mas envergonhava-me ter de recorrer a alguém, até que um colega me
indicou um psicanalista famoso ao qual enviara o filho. Procurei-o e ajudou-me a expor o
problema sem relutância. No final, recomendou-me uma visita ao Dr. Freeberg, na Califórnia, -
Dernski encolheu os ombros. - E aqui estou, apesar de recear que não possam fazer nada por mim.

- O facto de ter efectuado a tentativa já constitui, em si, um factor positivo. E garanto-lhe que
podemos fazer alguma coisa por si. Muito, mesmo, se colaborar contigo e com o Dr. Freeberg e não
se deixar dominar pelo desânimo. Dentro de um mês (talvez menos) não se reconhecerá. Será uma
pessoa totalmente diferente. Desejará estar com mulheres a todo o momento e elas consigo.

- Custa-me a crer. Conseguiram-no com outros homens?

- Numerosas vezes e com pacientes em condições


ainda mais graves que as suas, Adam. O Dr. Freeberg e eu nunca conhecemos a derrota.

- Quando começamos? - perguntou impulsivamente, mais pálido que nunca.

- Já, se se sente descontraído.

- Suponho que nunca estarei mais descontraído que neste momento. - As pálpebras do olho
direito iniciaram um tique nervoso. - Dispo-me?

- Não- replicou Gayle, gravemente. - Isso equivaleria a precipitar os acontecimentos, sem o


menor proveito prático. Na altura apropriada, despir-nos-emos ambos. Para já, executaremos
alguns exercícios simples, completam ente vestidos, mas importantes. Um intitula-se
«carícias manuais» e o outro «carícias faciais». Principiaremos pelas manuais.

- Em que consistem?

- Exactamente no que a designação sugere. Vou concentrar-me nas suas mãos, para lhes tocar,
friccionar, acariciar, a fim de incutir uma sensação de prazer e uma impressão mínima de
intimidade. Para tal, preciso de estar mais perto de si. Importa-se?

52

- Claro que não. Proceda como lhe parecer necessário.

Levantou-se do sofá, reduziu a distância que os separava e voltou a sentar-se, a coxa quase em
contacto com a dele.

- É uma operação bilateral, por assim dizer, Adam. Eu pego-lhe nas mãos primeiro, para
demonstrar o exercício. Convém que não diga nada e eu tão-pouco falarei. E também deve fechar
os olhos. Não quero que a mínima interferência visual o perturbe. - Fez uma pausa, a fim de
descobrir uma maneira de tentar explicar a necessidade de conservar as pálpebras cerradas, até que
se recordou de uma coisa. - Vou dar-lhe um exemplo do que pretendo, Quando frequentava o curso
de delegada em Tucson, o Dr. Freeberg procurou um parceiro para trabalhar comigo, sob a sua
orientação. A primeira vez que nos despimos, fiquei impressionada com o corpo perfeito dele e,
embora o doutor tentasse indicar-me o ponto do foco de sensação, concentrando-me numa carícia
de costas, quase não lhe prestava atenção, porque não fechava os olhos e continuava a admirar os
contornos apolíneos do meu parceiro. Apercebendo-se disso, o Dr. Freeberg puxou do lenço e
vendou-mos. A partir de então, tudo se desenrolou normalmente. Compreende agora a
importância de não ver o que o rodeia durante o exercício?

- Eu... acho que sim.

- Outro pormenor a fixar. Quando eu lhe tocar, será para meu próprio prazer. Ao fazê-lo,
preocupo-me apenas comigo, pelo que não o pressiono para que actue. Procedo por prazer e
não por obediência a um ritual. O efeito do contacto manual consiste em que sabe bem: primeiro a
mim e depois a você. Um amor bem conseguido compõe-se do afecto por si próprio em
primeiro lugar e a seguir aprender a partilhá-lo com outro. A partir do momento em que aprender a
partilhar o amor por si próprio, terá enveredado pelo bom caminho. Está a acompanhar o meu
raciocínio?

- Não sei bem...

Gayle reconheceu que pouco ou nada adiantaria com mais palavreado naquela fase. Só através da
demonstração conseguiria definir melhor o que se esforçara por explicar.

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- Creio que, à medida que prosseguirmos, entenderá as minhas palavras mais claramente. O ponto
de partida, repito, são as carícias manuais. Para já, recline-se, descontraia-se e deixe-me pegar nas
suas mãos. Quando terminar, avisá-lo-ei e far-me-á então exactamente o mesmo. Entendido?

- Sim.

- Então, acomode-se lá, feche os olhos e dê-me as mãos.

Demski obedeceu, inclinando-se levemente para ela e estendendo as mãos, que tremiam de novo.
Gayle pegou-lhes e pousou-as no regaço. Ele tinha dedos longos e ossudos e unhas bem cuidadas.
Em seguida, ela soltou a esquerda e exerceu pressão na direita sobre a sua.

- Foque a mente na temperatura das minhas e no que sente quando o acaricio. Agora, vamos
calar-nos.

Com extrema suavidade, os seus dedos mornos deslizaram ao longo dos dele e do resto da mão, até
à penugem do pulso. Depois, passou a acariciar no sentido contrário, percorrendo os vales entre os
dedos, para a seguir voltar a mão e explorar a palma, de novo em direcção ao pulso.

Só quando notou a mão direita dele descontraída e quente pegou na esquerda e procedeu à
massagem em ambos os lados.

Transcorridos cerca de vinte minutos, os últimos dos quais foram consagrados a carícias nas duas
mãos indistintamente, pousou-as mo regaço e soltou-as.

- Pronto, Adam, pode abrir os olhos, para conversarmos por uns momentos. - Olhou-o com
curiosidade.
- Que sentiu?

- Não sei bem. Foi uma impressão agradável, em todo o caso.

- Apercebeu-se das diferentes sensações, quando lhe tocava nos vários pontos das mãos? -
perguntou, movendo os dedos ao longo da esquerda dele. - Notou pressões neste alto ou naquele
vale?

- Sim, e era aprazível.

- Muito bem. - Introduziu uma das suas debaixo da dele. - Faça-me o mesmo. Feche os olhos, como
eu, e tente reproduzir todos os meus movimentos. Durante o tempo que quiser.

54

Após breve hesitação, Demski começou a acariciar-lhe e apertar as mãos, fazendo-o com
intensidade crescente.

Tinham-se escoado uns dez minutos, quando Gayle entrelaçou os dedos nos dele e obrigou-o a
interromper-se.

- Óptimo, Adam. Pode abrir os olhos. Que sentiu? Obteve alguma sensação especial?
- Bem, penso que sim. Era um pouco... um pouco... - Demski interrompeu-se, como se
não lhe ocorresse o termo apropriado.

- Sensual?

- Isso mesmo.

- Mas houve mais - referiu Gayle, profissionalmente. - As minhas mãos pareceram-lhe suaves,
frágeis ou firmes? Notou um pequeno calo numa delas? Teve consciência das unhas, que não são
muito longas, mas contêm uma camada de verniz? E a face posterior era lisa ou gretada? Para a
maior parte das pessoas, a mão é uma mão e apenas isso, que serve para comer, escrever e
cumprimentar. Mas há muito mais. A finalidade deste exercício consiste em desenvolver e acentuar
a sensação de discriminação e realce. Quero que fique a saber mais sobre o seu corpo e o meu, a
configuração, a textura. Desse modo, começará a criar imagens na cabeça e, quanto maior o número
das sensuais que lhe acudirem, mais vivo se sentirá.

- Tive imagens sensuais ao fazê-lo.

- Excelente. Os gumes das nossas mãos, a sua suavidade, a textura, podem, torná-lo consciente de
si próprio e de mim como seres humanos. Acostumamo-nos demasiado a nós mesmos e aos
outros, mas à medida que os nossos contactos prosseguirem, aperceber-se-á da riqueza e variações
de ambos. Compreenderá como é diferente o toque da penugem do meu pescoço do da minha
virilha. Deixará de sentir repulsa do seu corpo e tornar-se-á mais alerta a cada experiência sensual.
Como as carícias faciais. É a fase seguinte e dispomos de tempo para isso.

- De que se trata? - quis saber Demski, apreensivo.

- Apenas de tocarmos o rosto um do outro, nas suas diversas partes e de diferentes maneiras,
sentindo a estrutura óssea, a pele, a penugem. Sempre achei
que a carícia de rosto é uma experiência extraordinária.
Alguns pacientes disseram-me que fez com que se lembrassem
do tempo em que eram crianças,
a ternura com que eram acariciados nessa ocasião. Mas desde
então ninguém os acariciava assim. Vamos experimentar,
54
Adam. Primeiro eu o acaricio, e depois você faz a mesma coisa
comigo. Agora feche os olhos.

Ele obedeceu, e Gayle chegou mais perto, levantou as mãos


e começou a massagear-lhe a testa, com suavidade, depois
deslizou as pontas dos dedos pelo nariz e faces, pelos lábios
trémulos, desceu pelo queixo. Ela repetiu o procedimento
várias vezes e encerrou com
as duas mãos a envolver-lhe o rosto.
- Muito bem, Adam. - Quando ele abriu os olhos, Gayle pôde
sentir a respiração quente em seu rosto.
- O que você sentiu?
A princípio, ele foi incapaz de falar. Mas acabou
sussurrando:
- Eu... queria beijá-la.
Gayle fitou-o nos olhos.
- E por que não? Pode beijar.
Demski inclinou o rosto e roçou os lábios contra os dela.
- Era isso o que você queria fazer, Adam?
- Era.

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- Ou queria beijar-me de diferentes maneiras?
--Não... não sei quais.
- uma mulher também gosta de ser beijada de outras formas.
Nas pálpebras, na ponta do nariz, na garganta, nos
lóbulos das orelhas, nos ouvidos, por trás das orelhas.
Alguma vez já fez isso?
- Não.
- Pois faça agora, comigo. Beijar pode ser quase tão
íntimo quanto o intercurso. Comece pelas pálpebras.
Ela fechou os olhos e sentiu os lábios nervosos de Demski
adejarem em suas pálpebras, depois esperou, enquanto ele
dava pequenos beijos em seus ouvidos, faces, nariz e queixo.
Sentiu-se tentada a agarrá-lo, comprimir sua boca contra
a dele, abrir as duas, dar-lhe um beijo de língua. Apenas
para
relaxá-lo. Mas não sucumbiu à tentação. Seria ir depressa
demais, pressionar muito. Depois que ele acabou, Gayle disse:
- Agora é sua vez de me fazer uma carícia de rosto.
- os dedos de Denski percorreram-lhe o rosto, hesitantes, detendo-se em cada ponto demasiados
minutos, até que ela descerrou as pálpebras e perguntou:

- Que tal foi?

- Gostei. - Demski sorriu com menos esforço.

- Eu também.

- Um pouco... sensual - acrescentou.

- Sou da mesma opinião. - GayLe reclinou-se. - Terminaram os dois primeiros exercícios,


sem lhe custar nada. Talvez até se divertisse um pouco.

- Não nego. - Ele estendeu o braço para o casaco.

- Acho que são horas de me retirar. - Fez uma pausa.

- Que... que vamos fazer, na próxima sessão?

- O lavapés - informou Gayle, pensativamente. Depois talvez passemos ao imagismo corporal.

- Imagismo corporal?

- colocamo-nos de pé diante de um espelho alongado e dizemos o que nos agrada e desagrada nos
nossos corpos. Estaremos despidos, claro.

- Despidos? - Desta vez, a apreensão dele era inequívoca. - Julgava que essa parte era muito
mais para diante.
- Costuma ser, de facto. No entanto, estou a pensar que facilitaria as coisas a ambos, se
conseguíssemos trabalhar desnudos. - Olhou-o com atenção.

- Qual é a sua opinião, Adam?

- Não... não tenho bem a certeza.

- Então, discutiremos o assunto com o Dr. Freiberg.

- De que modo me ajudará isso?

- Depois verá. – limitou-se a replicar, com um sorriso enigmático.

Na atmosfera tranquila da moderna reitoria computadorizada, nas traseiras da Igreja da


Ressurreição, - na realidade, uma suite de aposentos, onde o reverendo Josh Scrafield vivia e
trabalhava, Darlene Young entregava-se com eficiência à rotina da

57
preparação do patrão para a sua aparição semanal na televisão.

Enquanto aplicava o- colarinho clerical à camisa branca imaculadamente- engomada e


o ajudava a vestir o casaco do fato escuro de corte conservador, tinha mais uma vez plena
consciência da corpulência e carácter voluntarioso dele, que conhecia perfeitamente.
Scrafield era, fisicamente, um homem poderoso, com mais de um metro- e oitenta de
altura e musculoso, que considerava o seu corpo um templo e frequentava o ginásio do
bairro quatro vezes por semana, para se manter em forma. Darlene estava ciente, porque
ele lho repetia com insistência, que o seu templo precisava de ser lavado e robustecido com
regularidade, para se poder apresentar como uma inspiração aos fracos e hesitantes do
cada1 vez mais numeroso rebanho de fiéis. Gostava de afirmar que lhes pressentia os
temores e desejos, e era apenas para compreender as suas tentações profundamente que se
sujeitava aos ternos cuidados dela.

Quando se candidatara ao lugar de secretária e fora admitida, a dupla função ficara


implícita desde o princípio. De qualquer modo, Darlene não se apoquentara, pois era
divorciada desde longa data e ele solteiro. Com cerca de quarenta anos, apetecera-lhe a
companhia de um homem, e Scrafield não se podia considerar destituído de atractivos. As
sobrancelhas espessas que encimavam os olhos curiosamente mongólicos e penetrantes,
nariz regular, queixo proeminente e voz hipnótica (grandiloquência de linguagem) haviam-
se revelado extremamente sedutores. Assim, ela mostrara-se-lhe dedicada e à sua
generosidade dera provas de qualidades de inteligência a par das dele, o que lhe granjeara
uma promoção a publicista e produtora de televisão e permitira contratar uma secretária
para si própria. Entretanto, tornara-se menos encantada com Scrafield e tentara ignorar a
sua vaidade, astúcia e aquilo que suspeitava ser uma certa falta de sinceridade quanto à sua
missão. Na verdade, afigurava-se-lhe que a sua religião genuína consistia na ambição de ser
Alguém. Agora que quase o tinha completa e irrepreensivelmente vestido, Darlene dirigiu-
se ao guardarfato, para retirar as calças do cabide.

53

- Ainda não. - disse ele, afastando-as da frente.


- Como sabes, gosto de as manter bem vincadas até ao último momento.

Ao ouvir estas palavras, ela pressentiu aquilo- que o (hábito dos últimos meses lhe ensinara.
Sabia o que a aguardava.

Ainda de cuecas, Scrafi-eld aproximou-se da enorme secretária, com dimensões suficientes


para satisfazer um Mussolini.

- Quero ler o texto desta noite, mais uma vez declarou, sentando-se, após o que pegou
nas folhas dactilografadas e impeliu a cadeira para junto de Darlene. - Importas-te de
escutar?

- Estou ansiosa por isso.


- Se alguma coisa te soar mal, dizes-me.

- Com certeza.

- Ora bem, vamos a isto. - E fez uma pausa para aclarar a voz.

Ela instalou-se no sofá perto dele, que começou a ler mas numa inflexão mais grave e
teatral:

- Irmãos e irmãs, chegaram-me mais uma vez ao conhecimento informações sobre a ameaça
mais recente que se instala, subtil e inexorávelmente, à nossa volta, para destruir as nossas
famílias e as próprias fundações do estilo de vida americano. A insidiosa e cancerosa
excrescência que invadiu as nossas escolas e camadas mais jovens da população (as escolas
que os nossos filhos frequentam, nomeadamente as do ensino- primário e liceal) é
conhecida por educação sexual, uma disciplina provocatória e escandalosa que se
pretende impor aos nossos jovens imaturos.

«Se falarmos com alguém a favor da educação sexual nas aulas em vez de em nossas casas,
deparar-se-mos-á, na maioria dos casos, uma pessoa partidária da despenalização do aborto,
leis especiais para os homossexuais, ateísmo e comunismo. Esta noite, irmãos e irmãs,
quero expor-lhes alguns factos - factos reais verificados no âmbito da educação sexual.
Segundo as mais recentes estatísticas disponíveis, registou-se mais de um milhão de
gravidezes num só ano em jovens de idades compreendidas entre os treze e quinze anos,
que se resolveram em abortos ou- nascimentos, em partes mais ou menos iguais...

59
«Evidentemente que essas gravidezes indesejadas foram provocadas pelo tipo de educação sexual
que se pratica nos diferentes Estados da América: o ensino, por instrutores sem experiência ou
mal treinados, de todos os tópicos de natureza sexual, que vai da utilização de preservativos às
técnicas sexuais e orgasmos. Segundo um inquérito efectuado por Vankelovich, Skelly e White,
oitenta e quatro por cento dos pais de adolescentes consideram que lhes compete informar os
filhos acerca das questões sexuais, responsabilidade que deveria achar-se apenas a cargo de
famílias compenetradas das suas obrigações e não de escolas politizadas.

Permitam que lhes revele uma história de terror ocorrida entre nós. No liceu de SãoMarcos,
Califórnia, descobriu-se que mais de vinte por cento das jovens estudantes engravidaram durante
o ano de
1984. Quando a direcção do estabelecimento se inteirou do facto, O programa de educação sexual
foi prontamente revisto e modificado quase por completo. Ao tomarmos conhecimento dos
chocantes dados estatísticos segundo os quais quarenta e oito por cento dos Estados não dispõem
de directrizes definidas sobre a educação sexual e delegam a tarefa nas direcções escolares,
vemo-nos forçados a reconhecer que temos de nos pronunciar sobre a matéria, informando-os de
que estamos atentos ao problema e os responsabilizaremos pelo comportamento pecaminoso que
fomentem sob a capa da educação.
«Devemos agir todos de acordo com a Comissão Feminina por um Governo Responsável, a qual já
moveu um processo ao Estado da Califórnia por despender os dinheiros públicos com a
subversiva educação sexual nas nossas escolas. Temos de conjugar os esforços para pôr termo a
esta corrupção sistemática dos Inocentes. Precisamos, também, de nos tornar na maioria
moral temente a Deus desta maravilhosa nação. Scrafield continuou a falar, enquanto Darlene
Young o escutava obedientemente.

Quando terminou a leitura, ele pousou o texto e ergueu os olhos.

- Que te parece?

60

- Acho-o excelente e assustador. Os dados estatísticos são exactos?

- Exactíssimos. Aliás, sabe-lo tão bem como eu, pois foste tu que contrataste o investigador,
Chet Hunter, para obter os elementos, e é um homem que goza de reputação excelente.

- Sim, isso é verdade. Consultou o relógio e disse:

- Ainda dispomos de um quarto de hora, até que a limusina nos venha buscar para conduzir aos
estúdios da televisão. Apetece-me um pouco de descontracção, antes de ir para o ar. Concordas,
menina?

- Sabes bem que sim - articulou ela, com simulado entusiasmo.

Enquanto ele levava a mão à braguilha das cuecas, Darlene perguntava-se vagamente a razão
daquela mudança, registada alguns meses atrás. Anteriormente, fora sempre hábito dele levá-la para
a cama, sob o pretexto de que necessitava de aliviar a tensão dos
nervos.
Ultimamente, porém, a cama fora posta de parte para semelhantes actividades e desenrolava-se tudo
mais ou menos de pé. Ela admitiu a possibilidade de, ao acercar-se dos quarenta anos, começar a
tornar-se menos atraente. Os cabelos louros apresentavam uma tonalidade mais clara, as faces
tinham inchado um pouco, os seios denunciavam certa flacidez e o perímetro abdominal aumentara
ligeiramente. A menos que se tivesse cansado dela, tornando-se mais impaciente e comodista, o que
o levava a querer satisfazer a necessidade fisiológica sem preâmbulos.

Entretanto, Darlene viu que ele se achava preparado para que lhe proporcionasse prazer.

Sem hesitação, e com um sorriso, ela abandonou o sofá e postou-se de joelhos diante de Scrafield.
Em seguida, e enquanto lhe rodeava o membro flácido com os dedos, ele murmurou o seu
comentário favorito:

- Como W.C. Fields costumava dizer, «nunca bebo água porque os peixes fornicam nela. E soltou
uma risada seca.
O Cómico de cinema dos anos quarenta, que se celebrizou pelas personagens sarcásticas que interpretou, entre as quais a
de Micawber, da obra de Dickens, David Copperfield (N. do T.)

61
Entretanto, com eficiência e uma das mãos, Darlene excitava-o gradualmente. Depois, viu-o fechar
os olhos e reclinar-se no espaldar da cadeira, enquanto baixava a cabeça entre as pernas dele.

Em menos de cinco minutos, Scrafield emitiu um gemido rouco e expeliu o ar dos pulmões
ruidosamente.

Mais tarde, de novo sentada no sofá, ela aguardou pacientemente que se recompusesse.

- Foi óptimo, menina - declarou ele, afagando-lhe a cabeça. - Como me portei?

- Maravilhosamente. Adoro cair de queixos.

- Já te expliquei que essa expressão não me agrada


- advertiu, enrugando a fronte. - Desaprovo a linguagem ordinária.

- Então, como devo descrever a situação? - quis saber ela, com uma expressão de desafio.

- Basta dizer que se trata de uns momentos de descontracção antes do grande espectáculo.

- Pois sim. Para mim, é igual.

- Agora, ajuda-me a enfiar as calças - indicou, levantando-se. - O carro deve chegar dentro de
cinco minutos. - Pegou no texto. - Suponho que as minhas palavras não serão encaradas como uma
posição contrária à prática do sexo?

- De modo algum, Josh. A tua linguagem é saudável. Limita-se a desaprovar o sexo imoral.

Quando Suzy Edwards chegou ao apartamento de Chet Hunter, ele abriu-lhe a porta imediatamente
e saudou-a com um beijo entusiástico. No entanto, ela viu que tinha a televisão ligada e parecia
ansioso por voltar para a sua frente.

- Põe-te à vontade, Suzy. - Chet apontou para o aparelho. - Quero assistir ao fim disto. Aliás, está
quase a acabar.

Enquanto desabotoava o casaco de camurça, Suzy perguntava-se o que lhe despertaria tanto
interesse na TV, pois apressara-se a instalar-se de novo diante dela, pelo que tratou de se aproximar,
a fim de se inteirar.

O écran encontrava-se quase totalmente ocupado por um grande-plano de um homem bem-parecido


que aparentava cinquenta anos, com o semblante voluntarioso e austero de um senador romano,
ombros e colarinho2
clerical num fato azul-escuro, e naquele momento fizera uma pausa para levar aos lábios o copo de
água que se achava a um lado do púlpito.

Reconheceu imediatamente o reverendo Josh Serafield, o evangelista mais popular da Costa


Ocidental, o que a levou a franzir o cenho.

- Por que perdes tempo com este intolerante? É simplesmente insuportável. Comecei a ouvi-
lo uma vez, por mero acaso, e tive de desligar o televisor, revoltada. Falava pelos cotovelos contra
a educação sexual nas escolas.
- É a sua rotina habitual - admitiu Chet, sem desviar os olhos do écran.

- Mas por que perdes tempo?...

- Negócios. É um dos meus clientes. Costuma procurar-me para que proceda a uma sondagem ou
estudo, quando reúne material para as suas palestras semanais.

A voz retumbante de Scrafield voltou a encher a sala e Suzy, irritada, precipitou-se para o aparelho
e desligou-o.

- Não aguento isto nem mais um minuto. Temos coisas mais importantes para discutir.

Ele fez menção de protestar, mas no momento em que ela se sentou a seu lado, encolheu os ombros,
sorriu e enlaçou-a.

- Não vamos entrar em conflito por causa disso. Estou muito contente por teres vindo.

Começou a mover a mão sobre a blusa de seda dela e desabotoá-la, porém Suzy tentou impedi-lo.

- Primeiro, queria falar-te de uma coisa.

No entanto, a mão já alcançara o soutien e os dedos procuravam um dos bicos tumescentes.

- Deixemo-la para segundo lugar. As minhas prioridades concentram-se noutro campo.

- A sério... - Ela interrompeu-se ao vê-lo puxá-la para cima de si. - Chet... - De súbito, notou a
erecção em contacto com a coxa e emitiu um gemido.

- Depois, conversamos com calma, querida - prometeu ele, despindo-lhe a blusa. - Vamos para a
cama. Desta vez, há-de ser sensacional.

A resistência de Suzy desapareceu, juntamente com à blusa, Em seguida, o soutien soltou-se e ela
levantou-se

63
puxou o fecho da Saia de maneira que esta deslizou Para
o chão.
- Está bem - sussurrou. - Vamos

No minuto imediato, encontrava-se na cama deitada de costas, com as pernas abertas, enquanto ele
ajoelhava a seu lado, visivelmente preparado para actuar

Ela estendeu o braço e Chet instalou-se com prontidão entre as pernas acolhedoras
Observou-o a ajoelhar-se na cama, ao seu lado. Podia ver que ele estava pronto e a sua excitação
aumentou. Estendeu os braços para Chet, que num instante se
colocou entre as suas coxas roliças.
- Meta logo, querido - balbuciou Suzy.
Ele inclinou-se sobre ela, procurando a abertura, que não
demorou a encontrar. Suzy soltou outro gemido.
Chet começou a penetrá-la, quando de repente parou e
quase convulsivamente, começou a ter o orgasmo.
- Oh, Deus! - exclamou ele.
Suzy ficou imóvel, impotente, com os olhos fixados no rosto
torturado de Chet.
Ejaculação precoce Outra vez.

Um minuto depois ele inclinou-se para trás, acocorado,


pronto para chorar. Suzy levantou-se, afagou-lhe a cabeça e
saiu do quarto. Ele ouviu o barulho do chuveiro. Ao voltar,
ela postou-se ao seu lado.
- Oh, Deus, sinto muito... - balbuciou ele. - Peço desculpas.
Estou tão irritado comigo quanto tu deves estar.
Suzy passou o braço por seus ombros nus encurvados.
- Não estou zangada contigo, querido. Continuo a
amar-te.
- Como podes? - Chet sacudiu a cabeça. - Não sei o
que há de errado comigo.
- Talvez eu saiba - murmurou ela, tentando consolá-lo. -
Talvez eu saiba exactamente o que está errado. E conheço
alguém que sabe o que pode ser feito, alguém que pode ajudar-
nos. Foi por isso que vim aqui esta noite.
Ele fitou-a nos olhos, desolado.
- Como? Como alguém pode ajudar?
- Por favor, Chet, presta atenção ao que vou dizer. Sabes que
comecei num novo emprego como secretária há pouco
tempo... secretária médica...
62
- tu disseste-me.
- Talvez eu te tenha dito também com quem estou a
trabalhar... ou talvez não, porque é um trabalho
confidencial. Seja como for, o homem para quem estou a
trabalhar
é o dr. Arnold Freeberg. Isso lembra-te alguma coisa?
- Vagamente. Parece que li algo...
- Ele abriu há pouco tempo a Clínica Freeberg, no centro. É
um respeitável terapeuta sexual. Treinou seis suplentes
sexuais para trabalharem com ele.
Chet franziu a testa.
- Suplentes sexuais? Está falando das mulheres que ajudam os
homens... os homens com dificuldades?
- Exactamente. O dr. Freeberg acaba de aceitar quatro
ou cinco pacientes. Ele e as suplentes sexuais vão tentar
curá-los. Sei de tudo a respeito disso. Passei o dia de hoje
transcrevendo as histórias dos pacientes.
Ela começou a relatar os casos, um dos quais tinha um
problema igual ao de Chet Hunter.
- Ejaculação precoce - disse Suzy. - O dr. Freeberg
comentou para a suplente que vai trabalhar no caso: "Este
não deve ser difícil. É um dos problemas que se resolve com
mais facilidade." A suplente vai fazer exercícios com o
paciente que devem curá-lo.
Pela primeira vez, Chet empertigou-se na cama.
- Suplentes sexuais - murmurou ele , bem aqui em
Hillsdale, suplentes sexuais na pequena e doce Hilisdale.
Suzy ficou desconcertada.
- O que há de tão excepcional nisso?
Chet reagiu com surpresa. Era evidente que sua mente estava
em disparada.
- Será que não percebes, minha querida? Esta típica cidade
da família americana conservadora não tem suplentes sexuais.
Não pode ter. É uma coisa sem precedentes.
- Ainda não entendi.
Chet levantou-se e começou a pôr a cueca.
- Suzy, esta é uma história, uma grande história. Se eu
fornecer a Otto Ferguson no Chronicle uma informação assim,
ele pode me destacar para trabalhar na história. E isso pode
me trazer a grande oportunidade, o emprego no jornal com que
sempre sonhei.
Suzy também estava de pé.
- Esquece esse aspecto, Chet. É tudo confidencial. Posso
ter falado contigo, mas ainda sou a secretária confidencial
do dr. Freeberg.
- Sei disso. Não te preocupes.
Ela foi abraçá-lo pela cintura.
- Só te contei porque acho que pode ajudar-nos aos dois.
Quero que tu fales com o dr. Freeberg. Ele aceitar-te-ia
como paciente.
65
jou-a. - És uma jóia. Se o teu Dr. Freeberg me aceitar, a nossa vida passará a ser um mar de rosas.
Não sei é se disponho de dinheiro suficiente para um tratamento dessa espécie.

- Não te preocupes. Posso emprestar-te o que precisares.

- Obrigado, mas hei-de arranjá-lo. Deixa isso comigo.

- Mas prometes procurar o Dr. Freeberg? - Suzy começou a vestir-se. - O mais depressa possível?

- Absolutamente. Confia em mim. E agora vamos a uma bebida. Em breve nos entenderemos bem
em todos os capítulos.

Completada a sua primeira sessão com o paciente, Gayíe Miller regressou à clínica, fechou-se numa
das salas à prova de som do rés-do-chão reservadas às gravações e ditou para o microfone tudo o
que transpirara com Adam Demski. A seguir, deixou a cassette em cima da secretária do Dr.
Freeberg, para que a ouvisse de manhã, e dirigiu-se ao Market Grill, a fim de comer um croissant de
queijo, impelido por café.

Sentada na única mesa livre diante da janela panorâmica sobranceira à rua, viu uma figura familiar
transpor a entrada e olhar em volta à procura de lugar. Os cinco bancos ao longo do balcão estavam
ocupados, assim como as restantes mesas da sala. Verificando que Paul Brandon hesitava, ela
reflectiu que não sentia particular inclinação para o ter por companheiro, ao recordar-se da pergunta
quase impertinente que ele lhe dirigira, naquela manhã. No entanto, a animosidade acabou por se
atenuar. Por um lado, tratava-se de um delegado sexual como ela e, por outro, de um homem
particularmente atraente: pouco menos de um metro e oitenta de altura, porte atlético, porém
elegante, cabelos algo revoltos necessitados de uma visita ao barbeiro, rosto esguio anguloso e
irrepreensivelmente escanhoado, e vestia um blazer cinzento por cima da camisa de gola aberta e
calça desbotada..
Por fim, Gayle ergueu o braço e fez-lhe sinal, indicando a cadeira livre na sua mesa. Ele
reconheceu-a, sorriu-lhe, antes de se lhe reunir, encomendou o que pretendia à empregada que
passava perto.
66

Quando se aproximou, Gayle tornou a apontar para a cadeira e convidou:

- Se quiser...

- Quero - assentiu Brandon, com novo sorriso. - Obrigado, Gayle. Não sabia bem se me
desejaria na sua mesa, depois da nossa breve escaramuça.

- Não pense mais nisso, que eu também não.

- Colocou-me no meu lugar, e foi merecido. Fez uma pausa, enquanto a empregada pousava a
chávena de café na sua frente. - De qualquer modo, peço desculpa por me comportar como um
imbecil. Não é o meu estilo, garanto-lhe. Creio que pretendia apenas despertar-lhe a atenção.

- Porquê? Na realidade, pressenti que não simpatizava comigo.

- Não, de modo algum - protestou, meneando a cabeça com veemência. - Muito pelo contrário.
Aprovei sem reservas tudo o que disse. No entanto, dirigia-se quase exclusivamente às nossas
colegas e quis recordar-lhe a minha presença. - Hesitou. - Além disso... bem, não compreendia
por que uma moça tão bonita e desejável como você podia... enfim...
- Ir para a cama com vários homens?

- Mais ou menos isso. Reconheço que se trata de uma insensatez da minha parte, depois do
treino que recebi.

- Sim, e trabalhou lado a lado com as delegadas.

- Não é a mesma coisa. Acho-as simpáticas, sem dúvida, mas você parece-me mais jovem, fresca,
por assim dizer, e uma delegada improvável. Por conseguinte, quando referiu que se
encontraria com um paciente esta noite, pretendi, insensatamente, despertar-lhe a atenção. É
possível que o inconsciente me impelisse a tentar evitar que se envolvesse com outro homem.

- Apesar das suas boas intenções, não tenho problemas em me encontrar e trabalhar com
homens. Faço-o, porque penso que consigo algo de positivo ao contribuir para que um ser
humano recupere a confiança e alegria de viver.

Brandon levou a chávena aos lábios, pousou-a com lentidão e admitiu:

- Se queria embaraçar-me, conseguiu-o.

67
- Desejo apenas que compreenda a minha motivação.

- E compreendo, acredite. Já lancei a toalha para o ringue. A propósito, como decorreu a


sessão com o paciente?

- Bem, em obediência à rotina. Executámos as carícias manuais e faciais. Como ele é


muito tímido, tento construir uma base de confiança em que se possa apoiar. Acabo de
ditar o primeiro relatório para o Dr. Freeberg. - Gayle mordeu o croissant e ingeriu um
pouco de café. - Mas que faz aqui, a estas horas? Suponho que ainda não tem nenhum
paciente?

- Pois não, nem casa. Tenho ficado num hotel pouco convidativo. Vim à clínica buscar a
lista de possibilidades de alojamento que Suzy me preparou e depois entretive-me a ler um
tratado de psicologia na biblioteca.

- Um tratado de psicologia? - repetiu, interessada.


- Essa matéria é o meu assunto e objectivo. Tem as mesmas preferências?

- Ainda não me decidi entre a psicologia e a educação sexual. De momento, a dúvida pode
solucionar-se lançando uma moeda ao ar. Quer dizer que o trabalho de delegada não é o seu
objectivo?

- Não é essa a questão. Dedico-me a isso há algum tempo e não me importo de


continuar. Em todo o caso, reveste-se de forte tensão, como descobrirá por experiência
própria, e julgo conveniente dispor de uma alternativa, quando a capacidade de
resistência se esgotar. A psicologia sexual seria o ideal, se conseguir completar o curso e
exercer essa actividade, sem abandonar a de delegada, que considero útil e necessária.

- Faz com que me sinta cada vez mais insignificante.

- Limito-me a explicar o que penso.

- Acredito. - Brandon esvaziou a chávena e puxou do cachimbo, que ergueu num- gesto
significativo. - Importa-se?

- Absolutamente nada. Existe algo de contemplativo e maduro num cachimbo.

- É essa a ideia. - Soltou uma gargalhada, após o que o encheu e aproximou o isqueiro
aceso, ao mesmo tempo que observava a inter locutora. - Há uma coisa
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que me intriga. como se tornou uma moça alegre e inteligente como você numa delegada
sexual?

- Graças ao factor sorte, suponho - redarguiu ela, sorrindo. - Não vejo inconveniente em lhe
dizer a verdade. Você possui um rosto aberto. Na universidade, tive algumas pequenas
aventuras, chamemos-lhes assim, mas não conseguia entusiasmar-me e sentia grande
preocupação por não alcançar o orgasmo. Um dia, ouvi falar do Dr. Freeberg, que acabava
de se instalar em Tucson, procurei-o e conversámos. Por fim, sugeriu que tentasse a
masturbação, coisa que eu não fazia desde os primeiros tempos da adolescência, talvez por
pensar, erradamente, que era pecaminoso. Foi maravilhoso e pareceu quebrar o gelo.
Nos meus dois encontros sexuais seguintes, o orgasmo surgiu com naturalidade no
momento apropriado. Estou a aborrecê-lo?

- Sinto-me fascinado.

- Depois, apaixonei-me por um colega, um introvertido, chamado... Meu Deus, terei já


esquecido o nome?... Espera, era Ted, mas não sei que mais. No entanto, tratava-se de
um rapaz muito inteligente, embora taciturno. Acabámos por ir para a cama... e não
aconteceu nada, apesar de todos os meus esforços. Ele não conseguia levar o acto até ao
fim. Mais uma vítima da austeridade paterna. Efectuámos numerosas tentativas em
diferentes ocasiões, sem que a situação se alterasse. Uma manhã, foi encontrado morto,
com uma dose excessiva de barbitúricos. Um suicida de vinte anos. Não encontro palavras
para descrever o abalo que sofri. Voltei a procurar o D r. Freeberg e descrevi a minha
reacção. Finalmente, convenci-me de que a culpa não tinha sido minha e acabei por
recuperar a confiança. Ao mesmo tempo, entre esse episódio e as visitas ao Dr. Freeberg,
começou a formar-se uma decisão no meu espírito. Disse a mim própria que o que
acontecera a Ted não se devia repetir com mais ninguém, se houvesse possibilidade de o
evitar. Queria ser útil, colaborar na recuperação de outros homens sexualmente
incapacitados. Uma ocasião, o doutor mencionara a expressão «delegado sexual e solicitei-
lhe pormenores. Elucidou-me e, no final, explicou que projectava utilizar um, pois
achavam-se a contas com alguns casos difíceis que esperava curar por esse método.

69
Perguntou-me se estava interessada e não hesitei em dizer que sim. Por conseguinte, treinou-me e
passei a trabalhar para ele. Era uma actividade agradável... mas ilegal e, quando transpirou, foi
obrigado a trocar o Arizona pela Califórnia. Manifestei o desejo de o acompanhar e aqui estou. Que
lhe parece a minha longa história?

- Insuficientemente longa - declarou Brandon, com uma expressão formal. - Uma noite em que
disponha de tempo poderá contar-me o resto. É uma mulher muito interessante.

- E você? - Gayle esforçou-se por ignorar o piropo.


- Por que se encontra aqui?

- Quer mesmo saber?

- Tudo. Como, por exemplo, que fazia e onde, quando decidiu transferir-se para Hillsdale?

- Tentarei abreviar. Formei-me pela Universidade de Orégão, em Eugene, tirei um B. S. f) em


biologia e também frequentei algumas aulas de educação sexual. Depois, devido a um envolvimento
com alguém, passei um breve interlúdio em Los Angeles, após o que regressei ao Orégão e exerci
temporariamente as funções de assistente de ciências numa escola secundária, ao mesmo
tempo que tentava determinar o destino pelo qual optaria. Quando me inteirei de que o Dr. Freeberg
procurava um delegado sexual, candidatei-me, apesar de convencido de que não seria a minha
carreira definitiva. Assim, concorri igualmente ao lugar de professor substituto de ciências
da Escola Distrital de Hillsdale e submeti-me, com êxito, ao Teste de Perícia Educacional
Básica da Califórnia. Desde que cheguei, tenho leccionado em regime de part-time, enquanto
frequentava o treino para delegado e aguardava que o Dr. Freeberg me chamasse. E aqui tem a
minha biografia em largas pinceladas.

- Não totalmente - discordou Gayle, que escutara com atenção. - Expliquei-lhe por que enveredei
pela carreira de delegacia, mas você não. Por que o fez?

- É a hora da sinceridade? – perguntou ele, \ com um sorriso malicioso.

- Sem dúvida. Prefiro que seja franco. Por que se tornou delegado sexual?

70
Bachelor of Science: Bacharel em

Respirou fundo, antes de confessar:

- Por dinheiro. Tenho algumas economias em que não quero tocar. Necessitava, portanto, de uns
dinheiros suplementares para juntar ao salário de professor. A ocupação de delegado
sexual pareceu-me a ideal. Servia-me de sustento procedendo a uma actividade natural e, ao
mesmo tempo, divertindo-me.

- Não é tudo divertimento, como acabará por descobrir. Só por dinheiro?

- Só por dinheiro - confirmou.

- É, de facto, sincero.
- De momento, preferia não ser - admitiu, com um sorriso algo forçado. - Gostava de ter uma
motivação mais elevada.

- Não, cada um é como é - sentenciou Gayle:

- Só que me custa encarar a situação dessa maneira. Penso que pratico um pouco o bem.

- E pratica - concordou ele, sacudindo a cinza do cachimbo para o cinzeiro. - Os seus


pacientes têm muita sorte. Podem contar com uma mulher encantadora... e muito dedicada.

Ela pegou na carteira e na conta e, levantando-se, olhou-o em silêncio por um- momento.

- Sabe uma coisa, Paul? Não acredito totalmente que o faça apenas por dinheiro. Aliás, dedica-se
ao ensino, que é uma profissão mal remunerada. Decerto pretende leccionar por razões
diferentes do salário. Talvez porque também deseja ajudar os jovens, e escolheu a
actividade de delegado pelo mesmo motivo.

- Fitou-o com uma expressão de dúvida. - Sim, desconfio que existe em você algo mais do que
salta à vista.

- Só há uma maneira de o averiguar - replicou Brandon, pondo-se igualmente de pé.


Voltemos a encontrar-nos. - Estendeu o braço e apoderou-se da conta dela. - Se for você a
pagar, isto não passou de um encontro casual, se o fizer eu foi um encontro de amigos. Que decide
quanto ao segundo?

- Telefone-me, quando puder. Suzy tem o meu número. Depois se verá. - Gayle meneou a cabeça.
Dois delegados sexuais juntos, no seu tempo livre? Parece-me bizarro. - Estendeu a mão para se
despedir.

- Mas por que não? - E encaminhou-se para a saída.

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CAPÍTULO III

NA manhã seguinte, sentado atrás da secretária no seu gabinete da clínica, o Dr. Arnold
Freeberg aguardava a chegada iminente do Dr. Max Quarrie, um colega psicanalista de Los
Angeles. Algumas horas antes, após o pequeno-almoço e quando se preparava para sair de
casa, recebera o inesperado telefonema.

Terminadas as formalidades usuais, o Dr. Quarrie enveredou por matéria mais profissional.

- Recebi a sua carta, Arnold. Com que então, regressou à actividade, hem?

- É verdade - assentiu Freeberg, na expectativa. - Talvez tenha trabalho para si. Depende. Há
algum
delegado sexual treinado, no seu pessoal?

- Há. Um único, aliás. O resto do grupo compõe-se de mulheres.

- Lembrei-me da nossa conversa durante o seminário sobre a disfunção sexual, em Buffalo, em


que você disse que os delegados do sexo masculino treinados e competentes rareavam.

- Porque têm- pouca procura, Max. Muitas mulheres com problemas puderam utilizá-los, mas,
como então concordámos, quase todas sentem relutância em estabelecer contacto íntimo com
desconhecidos. No entanto, em resultado- de pedidos recebidos de outros médicos, verifiquei que
o número das que aceitam a ideia aumenta gradualmente, desde que não haja riscos
envolvidos. Em face disso, admiti um delegado do sexo
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masculino e submeti-o a um treino intensivo, com aproveitamento excedente. Tem algum caso em
vista?

- Exacto. Um que me foi mencionado por um amigo de clínica geral. A jovem em


causa tem um problema que suponho possível de solucionar. Mas não por mim, nem por um
ginecologista, pois já tentei essa hipótese. Creio que uma pessoa como você a pode
encaminhar devidamente. Para tal, gostava de trocar impressões consigo, sem demora.
Quando posso passar por aí?

- Imediatamente, se quiser. Dentro de uma hora, estou livre.

- Então, conte com a minha visita. Levarei o historial do caso, para que me diga se
pode fazer alguma coisa. f

- Combinado.

Agora, Freeberg encontrava-se no seu gabinete e o míope e atarracado Max Quarrie sentava-se na
sua frente, com uma pasta de plástico verde sobre os joelhos.
Com; a mão livre, puxou do lenço para limpar a transpiração da fronte, ao mesmo tempo que se
queixava:

- Está uma humidade enorme, e a viagem não foi curta. - Guardou o lenço e segurou a pasta com
as duas mãos. - Ela chama-se Nan Whitcomb, solteira, mas de modo algum inexperiente.
Perto do final da casa dos trinta. Rosto banal. Fisicamente saudável. Ficou órfã na adolescência e
foi recolhida por uma tia de idade avançada e pouco dinheiro, a qual morreu há cerca de três
meses. Nan ficou só e, quando viu o pequeno pecúlio que herdou chegar ao fim, compreendeu que
precisava de se empregar para subsistir. Por outro lado, necessitava de companhia. Tinha
alguns amigos, mas sem significado especial. Quanto às amigas, são todas casadas, com famílias.

- Por outras palavras: ela precisava de um emprego e um lar?

- Isso mesmo, Arnold. Nunca trabalhara a sério, à parte a actividade de caixeira em


diferentes lojas durante a quadra do Natal, mas é barra nos números. Começou a ler na página
dos anúncios em busca de

73
um lugar de caixeira e depararam-se vários, mas não teve sorte. Há cerca de dois meses, ela viu um
anúncio pedindo uma caixa experiente para o principal restaurante de hills-dale, propriedade de um
homem chamado Tony Zeca possuidor de uma cadeia de restaurantes. não o conheço. Pelo que Nam
me contou, sei que é um veterano do Vietnam, com 45 anos, um homem rude. Nan
desconfia que ele tem ligações com o crime organizado...
apenas uma pequena engrenagem, mas eu diria que foi gente de
fora que financiou a sua cadeia de restaurantes. Nan
candidatou-se ao
emprego de caixa no Hills-dale Mall, e ao final de uma tarde
o próprio Zecca entrevistou-a, em seu escritório. Pelo que
sei,
é um homem baixo, de ombros largos, olhos empapuçados.
Foi uma entrevista longa, quase toda de perguntas rotineiras.
Durante todo o tempo, Zecca a observava compenetrado.
"Nan contou que em determinado momento ele se empertigou
subitamente, sem desviar os olhos dela, sacudiu a cabeça e
disse: `Isso é muito esquisito. Confusa, Nan indagou:
- O quê, sr. Zecca? E ele respondeu: `Você. Parece uma garota
que eu conheci. Foi pouco antes de eu entrar para o exército.
Ela chamava-se Crystal. Eu começava a conhecê-la melhor,
ainda não havia nada de íntimo, mas já pensava que gostava
dela, quando fui convocado para o Vietnam. Obtive a promessa
de que ela me esperaria até eu dar baixa e poderíamos
então pensar em casar. Ela concordou. Mas não cumpriu a
promessa. Ela mandou para Zecca uma dessas cartas do tipo
`Caro John, ou como quer que chamem agora, dizendo que
lamentava muito, mas conhecera outro homem, iam casar e
mudar-se para o leste. Zecca ficou amargurado, como não
podia deixar de ser. Jurou que nunca mais confiaria em outra
mulher. E depois Nan entrou em sua vida. Zecca disse-lhe:
`É estranho a maneira como você se parece tanto com Crystal.
Não posso acreditar. É como se ela tivesse voltado para
mim. Acho que Nan respondeu: `Sinto-me lisonjeada se acha
que me pareço com alguém que conheceu.
"A esta altura, já estava a escurecer. quase
na hora do jantar, Zecca perguntou-a Nan se podiam continuar
a entrevista enquanto jantavam, no reservado de seu
restaurante.
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o dr. Quarrie apontou a pasta azul, abruptamente.
- O resto está aqui. Pelo menos os pontos mais importantes.
Pode ver pessoalmente. E não há pressa. - Ele pôs dois
pedaços de goma de mascar na boca. - Importa-se que
eu dê uma olhada em sua clínica enquanto lê?
- Claro que não.
Sozinho, Freeberg balançou para trás na cadeira giratória,
abriu a pasta que continha o processo de uma mulher chamada Nan Whitcomb - e presumivelmente
de um- certo Tony Zecca - e principiou a ler o texto dactilografado a dois espaços. Aqui e ali, fazia
uma pausa para uma segunda leitura mais atenta.

Constituía seu hábito, quando estudava um processo escrito, recriá-lo como supunha que na verdade
acontecera na vida real. Voltou atrás, à secção consagrada à descrição da entrevista e jantar com
Tony Zecca, na mesa isolada do restaurante, e principiou a imaginar o cenário e personagens...

Sentado no reservado da sala, Zecca manifestava particular interesse pela bebida e nenhum pela
comida. Enquanto ingeria a sua primeira com lentidão, Nan observava com nervosismo que o
companheiro já ia no quarto scotch. As perguntas sobre as qualificações para o lugar começavam a
repetir-se e a voz assumia uma tonalidade pastosa. Tornava-se cada vez menos comunicativo e
olhava-a com avidez crescente, parecendo concentrar-se especialmente no rosto e arfar dos seios.

De súbito, quebrando mais um silêncio, inclinou-se para a frente e, sem desviar os olhos, inquiriu
em surdina.

- Diga-me uma coisa. É virgem?

- Há alguém com mais de catorze anos virgem, nós nossos dias? - replicou Nan, esforçando-se
por encarar a pergunta com desprendimento.

- Pois é, tem razão. Há alguma ligação importante, no seu passado?

- Não.

- Nunca se apaixonou a valer?

- Até agora, não - articulou com nervosismo, mas em tom algo provocante, reflectindo que
necessitava de conseguir o lugar.

- Bem:. - Uma pausa prolongada. - Acha que podia apaixonar-se por mim?

- Talvez. - Principiava a não saber como devia encarar a situação. - Depende.

75
- De quê?

- Do que pretende.

- Vou dizer-lhe o que pretendo.

Ele inclinava-se sobre a mesa, pelo que estavam separados por um espaço mais reduzido, e ela pôde
observar que o interlocutor tinha nariz de pugilista, rosto largo e braços e peito exagerados para um
homem baixo. Zecca terminou a quarta bebida distraidamente, e Nan notou-lhe o odor de álcool no
hálito.

- Vou ser franco - acrescentou. - Sou contra os rodeios e adiamentos. Gosto de ir directamente ao
assunto. Foi assim que cheguei à situação em que me encontro, com cinco excelentes e lucrativos
restaurantes, uma bela residência em Sherman Park e muito dinheiro no banco. Sendo franco. Se
proceder do mesmo modo para comigo, havemos de nos entender bem. Compreende?

- Creio que sim.

- Óptimo. A minha proposta é a seguinte. Sem dúvida que preciso de uma caixeira (eficiente,
esperta, honesta, etc.), mas ainda mais de uma amiga que viva comigo. Alguém que me faça
companhia. Olharei por ela, se ela olhar por mim. Está a entender? No entanto, existe uma
condição. Tem de me ser cem por cento fiel. Nada de fornicar por fora ou enganar-me de alguma
maneira. Pensa que pode cuidar de mim dessa maneira?

Neste ponto da conversa, Nan principiou a ter um certo medo e a ficar cada vez mais confusa. Com
efeito, não sabia se gostava o suficiente dele... ou mesmo se gostava. Achava-o rude, duro e até
porventura maligno, mas reconhecia que podia estar equivocada. Por outro lado, a seu modo,
também se mostrava atencioso. Oferecia-lhe tudo o que necessitava no mundo: segurança,
uma situação financeira estável, companhia e um lar.
Ao mesmo tempo, esclarecia que simpatizava com ela
e queria que lhe pertencesse em regime de exclusivo, o
que continha algumas virtudes.
- Então, que decide?

- Creio... creio que sou capaz de cuidar de si da maneira que propõe.

O semblante de Zecca abriu-se num sorriso de satisfação e exibiu os dentes amarelos e irregulares.

- É uma moça sensata. A partir deste momento,


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não tem de se preocupar com mais nada. Dispõe de um lar. Um emprego. Um amiguinho. Pode
mudar-se amanhã.

- Estou... estou-lhe muito grata, Mr. Zecca.

- Tony, a partir de agora.

- Tony.

- Como se chama?
- Nan.

- Pois bem, Nan, fique a saber que arranjou um amante a valer.

Enquanto relia a descrição do encontro e tentava reproduzi-lo no espírito, Freeberg voltou uma
página do processo clínico de Nan Whitcomb e debruçou-se sobre o relato das primeiras relações
sexuais com Zecca.

Nan mudara-se para a casa de dez divisões e dois pisos de Zecca com tudo o que lhe pertencia, e a
governanta, Hilda, indicara-lhe o quarto em que se instalaria.

Sentia-se excitada com todo o luxo que se lhe deparava no maravilhoso casulo que agora, em parte,
lhe pertencia, e desejava conservar para sempre, apresentando-se tão atraente quanto possível no
seu primeiro jantar no novo lar.

Zecca chegou a casa às 19.45, saudou-a com um gesto cordial, e pareceu satisfeito ao vê-la no
vestido de malha consideravelmente usado que realçava as pernas esguias e indicou-lhe que se
preparasse para jantar às oito em ponto.

Ele tomou duas bebidas no início da refeição e embrenhou-se na leitura de um vespertino. À parte
meia dúzia de palavras para perguntar se estava bem instalada e contente com o que observava,
conservou-se silencioso.

Durante a sobremesa, Nan perguntava-se o que aconteceria a seguir e como deveria proceder.

No final do jantar, ele fez-lhe sinal para que o seguisse à sala espaçosa e decorada com aparato,
sentou-se numa poltrona e indicou o escabelo a seu lado para que o ocupasse, após o que apontou a
unidade de telecomando ao televisor.

- Há dois programas de uma hora que nunca perco. Têm muita acção e creio que vais gostar.

No entanto, ela detestou-os. A violência parecia não conhecer limites. No intervalo, Zecca pediu
scotches para

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ambos e, mal esvaziou o seu copo, chamou Hilda para que voltasse a enchê-lo. Entretanto, Nan
esforçava-se por beber, mas não conseguia. No entanto, ele não lhe prestava atenção.

Quando o segundo programa terminou, a apreensão dela intensificou-se.

Que se seguiria?

Por fim, Zecca ingeriu a última bebida, levantou-se e espreguiçou-se.

- Bem, vamos a isso. São horas da caminha. Não gosto de me deitar tarde. Anda daí, Nanny.

Ela compreendeu que chegara o momento crucial. O pagamento da primeira prestação da segurança
e conforto. E, com um leve suspiro de resignação, acompanhou-o ao quarto mergulhado na
penumbra.

Esperava que ele a beijasse e acariciasse um pouco, para a preparar, mas verificou que não se dava
ao incómodo.

- De que estás à espera? - perguntou por cima do ombro, enquanto começava a despir a camisa. -
Livra-te da roupa. Vamos meter-nos na cama.

Em movimentos hesitantes, ela descalçou os sapatos e principiou a puxar o fecho do vestido.

- Visto... visto um roupão?

- Não. - Ele fungou com desdém. - Quem é que precisa dessas coisas? Gosto das minhas damas com
o rabo à mostra.

Enquanto se desembaraçava do vestido, ela voltou-se e viu-o encaminhar-se para a cama de


dimensões gigantescas, junto da qual se deteve, a fim de afastar o cobertor. Estava desnudo, o que
lhe proporcionou a primeira oportunidade de observar minuciosamente o homem com o qual
viveria. Era musculoso, sem dúvida... e não menos nas imediações da área genital. Na realidade,
não conseguia determinar se já conseguira a erecção. Dava essa impressão, de facto, mas podia
perfeitamente tratar-se de uma ilusão em virtude do tamanho.

Em seguida, ele instalou-se na cama, volveu a cabeça para ela e perguntou:

- De que estás à espera, filha? ? -

Quando tirava o soutien com dedos trémulos, Nan ouviu-o comentar:

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- Não estás mal equipada, no departamento das tetas.

Quase ofegante, baixou as cuecas de nylon ao longo das pernas e afastou-as com o pé. Possuía uma
larga extensão de pêlos púbicos, e gostaria que cobrissem tudo, mas sabia que tal não acontecia e
ele não tardaria a ver a área rosada em baixo. Por último, em movimentos rígidos, dirigiu-se para a
cama.

Entretanto, ele apoiava-se no cotovelo e observava-lhe as partes íntimas.


- Uma bela racha - grunhiu. - Parece que não escolhi mal. Certifiquemo-nos.

Ela subiu para a cama e moveu-se para junto dele, que inclinou a cabeça, num gesto de aprovação.

Nan fechou os olhos momentaneamente, à espera de um beijo voraz e exploração preliminar do


corpo por mãos ágeis. No entanto, ao voltar a abri-los, verificou que não haveria qualquer
preâmbulo.

- Apaga a luz, Tony - implorou.

- Nem penses. Gosto de ver o que faço. Quero tirar o maior partido do dinheiro que gasto.

Suspirou de novo, embaraçada, no momento em que ele ajoelhou em cima dela, ao mesmo tempo
que as mãos peludas tratavam de lhe abrir as pernas.

Finalmente, abriu-lhas por completo, porém ela não conseguia desviar o olhar do membro apontado
na sua direcção. Agora, estava na verdade erecto e assemelhava-se a um instrumento contundente.

E, quando ele se acomodou entre as suas pernas, suplicou aos santos que tudo corresse bem.

Mas não correu.

A penetração atordoou-a. Apesar de ela ainda estar seca, ele introduziu o pénis quase com
brutalidade e, quando o considerou suficientemente dentro, iniciou a actividade de vaivém. A dor
obrigou-a a tentar repeli-lo, porém Zecca confundiu o movimento com colaboração e a penetração
tornou-se mais selvagem e persistente. Na realidade, actuava como um bate-estacas automático.
Nan começou a sentir dores nas entranhas e nas nádegas pouco nutridas.

A punição parecia interminável. Mais tarde, na casa de banho, ela tentou convencer-se de que a
actuação

79
impetuosa se devera a intensa excitação. Doravante, nas ocasiões que se seguiriam, ele tratá-la-ia
com mais consideração e porventura um pouco de ternura.

Enquanto lia a descrição da cena e a reproduzia no espírito, Freeberg reconhecia que não lhe era
inteiramente estranha. Havia seres humanos no mundo que continuavam a ser animais.

Prosseguiu a leitura e prestou particular atenção aos comentários do Dr. Quarrie:

Isto continuou, no mesmo estilo, ao longo de seis semanas. E Zecca não só se mostrava insaciável
no desejo das relações sexuais, como em cada episódio subsequente revelava voracidade e
brutalidade crescentes. Segundo Nan, as dores sofridas durante essas sessões eram quase
insuportáveis e, à medida que se prolongavam, via-se forçada a morder os lábios para dominar os
protestos. Por fim, passou a gritar, mas, em virtude da sua total insensibilidade, ele encarava o
facto como manifestações de excitação e ficava tão contente como uma criança ao receber um
presente. Na realidade, o seu prazer era de tal ordem que, transcorrido um mês, após um modesto
aumento do salário, ofereceu-lhe um cordão de ouro.

Recentemente, segundo ela, no final do coito, adquiriu o hábito de se reclinar na cama, extenuado,
e proferir a meia-voz: «Gosto muito de ti. Vou ficar contigo para sempre. Não quero que passes
pelas mãos de mais ninguém. Se tal acontecesse, eu descobria e matava-te. E não serias a
primeira. Matar é fácil, para quem está empenhado nisso. Se me traísses, voltava a fazê-lo.
Portanto, portas-te com muito juizinho.

Nan revelou ter respondido: «Não te preocupes, Tony. Sou tua para sempre, e só tua.»

«Assim é que gosto de te ouvir, replicou ele.

Freeberg estendeu a mão para a caixa de cigarrilhas, extraiu uma e acendeu-a, sem desviar os olhos
do relatório, cuja leitura prosseguiu, à espera da cena que inevitavelmente surgiria. Por fim,
encontrou-a. Leu-a várias vezes e dramatizou-a mentalmente...

80

Ocorrera menos de duas semanas atrás.

Estavam deitados, ele abriu-lhe as pernas e, sem qualquer preliminar, fez avançar o instrumento
tumescente, disposto a proceder como habitualmente... só que dessa vez não entrou.

Repetiu a tentativa com ansiedade, mas o resultado não se alterou.

- Que diabo se passa? - inquiriu. - Não o ponho no sítio apropriado?

- Sim, continua... continua, por favor, Tony. Tornou a insistir e acabou por soltar uma imprecação
de frustração, ante o insucesso.

- Tens isso fechado como um cofre-forte. Que aconteceu?

- Não sei. Não estou a fazer nada de extraordinário. Tento colaborar, como sempre.

Decidiu efectuar mais uma tentativa, a quarta, mas a situação não sofreu a menor alteração.
- Deixa cá ver o que sucede - resmungou. Levantou-lhe a pelvis, com as mãos debaixo das nádegas
e introduziu três dedos na vagina. - Não noto nada de invulgar. Vamos lá ver agora.

Voltou a colocar-se em cima, a fim de tentar pela quinta vez, sem que, contudo, conseguisse
penetrar um único centímetro.

- Há qualquer coisa que não bate certo. Que sentes?

- Pareço apertada. E dói-me um pouco. Talvez seja alguma deficiência orgânica.

- Deficiência quê?

- Orgânica. Física. Seja como for, tenho qualquer anomalia. Posso consultar o médico, amanhã.

- Conheces algum?

- Um ginecologista. Ele há-de descobrir de que se


trata.

- Boa ideia. Que descubra o que tens, para te curar.


- Baixou os olhos para o instrumento, que começava a denotar flacidez. - E esta noite, que fazemos?

- Mesmo assim, posso proporcionar-te prazer.

- Então, proporciona.

Nan estendeu a mão, para pegar no membro, mas antes que conseguisse completar o gesto, ele
puxou-lhe a cabeça para a área entre as pernas.

81
Ela fechou os olhos, abriu a boca e procedeu como lhe era ordenado.

- Pobre mulher - murmurou Freeberg, ao completar a leitura do processo de Nan Whicomb.

Em seguida, pousou a pasta de plástico num canto da secretária e aguardou que o Dr. Quarrie
reaparecesse. No entanto, descobriu com admiração que este último já voltara e estava sentado na
sua frente.

- Então, Arnold, que lhe parece?

- Um caso de vaginismo típico, na sua forma extrema. Duvido que ela sinta fobia pelo coito.
Limita-se a ter espasmos musculares naquela região para evitar as relações sexuais com ele.

- Isso confirma o meu diagnóstico e o do ginecologista. O que interessa é saber se você pode fazer
alguma coisa.

- Creio que sim - assentiu Freeberg, pensando no seu único delegado do sexo masculino, Paul
Brandon, que aguardava a sua primeira paciente. - É o caso ideal para ser tratado por um delegado
sexual e eu próprio. Quando a posso ver?

- Imediatamente - disse o outro, levantando-se. Ficou à espera, no carro. Vou buscá-la.

Chet Hunter não conseguiu que Otto Ferguson, editor do Chronicle de Hillsdale, o recebesse antes
do fim daquela manhã. Desde que Suzy fornecera a excitante informação, a grande reportagem - e
enorme oportunidade- começara a formar-se-lhe no espírito, e ansiava por convencer Ferguson do
seu interesse palpitante.

Após um longo período de espera diante do gabinete de paredes de vidro do editor, este dignou-se
finalmente recebê-lo.

No entanto, ainda teve de aguardar mais alguns minutos, pois a cabeça parcialmente calva do
homem debruçava-se sobre um artigo prestes a seguir para as máquinas, no qual introduzia algumas
alterações.

- Que o traz a estas paragens, Chet? Quer vender-nos uma reportagem fornecida pelos seus amigos
da Polícia ou o reverendo Scrafield? Ou trata-se de uma sondagem de que ninguém se tinha ainda
lembrado?

- Não vim para lhe vender o resultado de


82

investigações. Desta vez, quero negociar uma reportagem de interesse excepcional.

- Espero que seja um pouco mais interessante do que o material que costuma impingir-nos.

- Ultrapassa de longe tudo o que me passou pelas mãos até agora.

- Sim? - A expressão de cepticismo de Ferguson mantinha-se. - Está bem. Despeje lá o saco.

Hunter respirou fundo e levantou a voz, como se anunciasse um produto de eficiência irrefutável:
- Exclusivo para o Chronicle: OPERAÇÃO DE DELEGADOS SEXUAIS INSTALA-SE
EM HILLSDALE!

- O quê?

- Exactamente o que acaba de ouvir. Descobri-o ontem à noite através de uma fonte insuspeita.
Delegados sexuais treinados iniciam hoje a actividade numa clínica da especialidade acabada de
inaugurar na nossa cidade. Sabe o que é um delegado sexual?

- Já sabia quando você ainda molhava a cama. - O semblante do editor deixou transparecer uma
ponta de interesse, ao mesmo tempo que acrescentava, como se se dirigisse aos seus botões: -
Delegados sexuais em Los Angeles, Chicago ou Nova Iorque não surpreendem. Mas na puritana
Hillsdale, nunca. Tem a certeza?

- Absoluta. E posso prová-lo.

- Continue a falar.

Excitado, sem revelar o nome ou ocupação de Suzy Edwards, Hunter referiu-se


pormenorizadamente à nova clínica, ao Dr. Arnold Freeberg e aos seis delegados sexuais de várias
proveniências contratados para trabalhar em Hillsdale.

- Aqui, na nossa cidade. É uma super-reportagem!

- Talvez - concedeu Ferguson. - É muito possível. Depende. Como pensa recolher os elementos?

- De lá de dentro. Inscrevendo-me como paciente. Escutando os conselhos e instruções do Dr.


Freeberg e rebolando-me na cama com uma das suas delegadas sexuais. No final, denuncio
tudo aos leitores do Chronicle. Os cabeçalhos na primeira página hão-de prolongar-se por semanas.

- Uma operação acutilante - murmurou, de novo para consigo. - Sim, essa é a melhor maneira. -
Enrugou a fronte. - No entanto, antevejo alguns problemas... um,

83
em particular. Se você se inscrever como paciente, um terapeuta profissional como Freeberg
descobre-lhe o jogo em dois tempos. Não consegue fingir uma condição patológica por muito
tempo. - Semicerrou as pálpebras. - Ou não se trataria de fingimento? Talvez saiba
antecipadamente que o admitiriam sem protestar.

- Isso não interessa, Otto - retrucou Hunter, corando levemente. - Não me obrigue a entrar em
minúcias escabrosas. Digamos apenas que reúno as condições para ser admitido. Infelizmente, não
disponho de fundos para custear um tratamento dessa natureza.

- A quanto se refere?

- Cinco mil dólares.

- É uma fornicação um pouco cara.

- O dinheiro destina-se na realidade à nossa reportagem. AS PROSTITUTAS MAIS BEM PAGAS


DO PAÍS ENCONTRAM-SE EM HILLSDALE! Que tal lhe soa isto?

- Na verdade, as despesas não interessam, quando há material graúdo em perspectiva.

- Então, vamos a isso.

No entanto, Ferguson ainda hesitava e reclinou-se na cadeira, para reflectir.

- Há outra coisa... outro problema... - acabou por salientar. - É uma história arriscada para um
jornal de família como o nosso-... a menos que...

- A menos que quê?

- que transformemos uma denúncia vulgar no cumprimento do dever de cidadão de uma folha
da Imprensa: uma cruzada política para purificar a atmosfera da imaculada Hillsdale. A prostituição
é a profissão mais antiga do mundo. Agora, temos a mais moderna, o delegado, ou delegada, sexual,
igualmente pago para oferecer o corpo sob o pretexto da cura. Se conseguirmos converter isso
numa campanha comunitária... atraindo o interesse do nosso amigo reverendo Josh Scrafield, por
exemplo, para participar com o seu habitual vigor verbal...

- Posso convencê-lo num abrir e fechar de olhos. Quando se inteirar do assunto, crava-lhe os dentes
e não o larga mais.

- Mas há outro factor: a luz verde para divulgarmos o material. Se você desse um toque em
Scrafield para que se avistasse com o Promotor Público, Hoyt Lewis,
84

e o pressionasse para que divulgasse toda a operação secreta, acusasse o Dr. Freeberg de
proxenetismo e prendesse uma das delegadas por se dedicar à prostituição ilegal, exploraríamos a
situação devidamente. Disporíamos de uma história com uma faceta política, criminal e civismo
virtuoso. Os exemplares das nossas edições seriam procurados com voracidade. Mas primeiro, Chet,
tem de providenciar para que Scrafield e Lewis o apoiem... nos apoiem. Depois, você infiltra-se no
antro de Freeberg, para recolher os elementos em primeira mão. Acha-se capaz disso?
- Que pergunta! - Hunter apertou a mão do editor com entusiasmo. - Vou actuar com a velocidade
de uma bala. Entretanto, reserve-me espaço nas próximas edições!

Só no princípio daquela tarde, enquanto escutava Chet Hunter, na sala computadorizada nas
traseiras da sua Igreja da Ressurreição, o reverendo Josh Scrafield começou a olhar o interlocutor
com algum respeito.

Até então, encarara-o com um vago desdém condescendente, um oportunista insignificante, com
pretensões a intelectual, doentio e receoso da vida.

Cerca de um ano antes, quando planeava a campanha contra a insidiosa educação sexual que
invadia as escolas públicas, Darlene descobrira Hunter e advertira Scrafield de que o jovem
investigador lhe poderia ser útil na pesquisa de factos. E, não sem certa relutância, o reverendo
recorrera aos préstimos do furão de bibliotecas.

Agora, porém, observava um aspecto novo do oportunista, porquanto, ao revelar as informações


sobre o proxenetismo do Dr. Freeberg e as prostitutas que utilizava para corromper a pureza de
Hillsdale, Hunter deixava transparecer instintos humanitários. À semelhança do próprio Scrafield,
manifestava uma certa compreensão dos malefícios da luxúria e do modo como poderia destruir o
paraíso.

Assim, não hesitou em o acompanhar ao luxuoso gabinete do Promotor Público, Hoyt Lewis, no
edifício do Município. Scrafield sentia-se confortável no terreno que pisava. Com efeito, Lewis era
um homem inteligente e receptivo que ainda não completara quarenta anos, e, apesar do bigode
louro hirsuto e tendência para a

85
obesidade, acentuada pelo hábito de entrelaçar os dedos sobre o abdómen proeminente, possuía
espírito de iniciativa e uma voluntariedade especial capazes de lhe permitir aventurar-se a voos mais
elevados. Pertencia a uma das melhores famílias de Hillsdale (constava que alguns dos seus
membros dispunham de segundos e terceiros lares em Malibu e Palm Springs) e tinha verdadeira
compreensão das necessidades e aspirações das massas, E, sobretudo, como Scrafield, sabia
comunicar com os camponeses, junto dos quais desfrutava de grande popularidade.

Hoyt Lewis levantou-se para apertar a mão ao reverendo e Hunter e gesticulou para que se
instalassem no sofá diante da secretária. A seguir, em vez de voltar a sentar-se na cadeira rotativa,
preferiu uma poltrona.

- Tenho muito prazer em recebê-los, meus senhores.


- O bigode elevou-se para expor os dentes brancos regulares, mostrando-se tão cordial como um
anfitrião num jantar reservado a amigos íntimos. - A que devo a honra desta visita?

Enquanto Hunter parecia encolher-se a um canto do sofá, Scrafield denunciava profunda satisfação
com o acolhimento.

- Tentarei expor o assunto com a maior brevidade possível - principiou este último. - Trata-se de um
assunto importante que julgo merecedor da sua atenção, Hoyt. - Indicou o companheiro com o
polegar. - Chet Hunter, que é um investigador experiente, como talvez saiba, procurou-me, em
tempos, impelido pelo dever cívico, com os elementos mais alarmantes sobre os programas que os
liberais instigavam para contaminar o nosso sistema escolar. Verifiquei que correspondiam à
verdade e utilizei-os nos meus programas semanais na televisão.

- Minha mulher e eu somos seus espectadores regulares - declarou o promotor público, inclinando a
cabeça.
- Contribuem substancialmente para a nossa missão de manter a comunidade limpa.

- Obrigado, Hoyt. Agora, o nosso empreendedor Hunter trouxe-me ao conhecimento um caso


muito mais perigoso para todos nós. A minha luta contra a indecente educação sexual nas escolas
empalidece ao lado da pestilenta poluição que ele descobriu.

86

- Estou ansioso por me inteirar. - A curiosidade de Lewis era evidente.

- Prefiro que seja o próprio Chet a descrever o assunto. - O reverendo voltou-se para Hunter. - Tem
a palavra. Não omita um único pormenor.

O investigador deixou transcorrer um momento, disposto a proceder com o maior cuidado possível,
dada a importância da cartada em jogo.

- Diz respeito à Clínica Freeberg, inaugurada recentemente, a menos de um quilómetro daqui.

- Conheço a sua existência - admitiu Lewis. - Trata-se de um dos últimos edifícios médicos.
- Mas diferente de todos os outros da nossa comunidade. O Dr. Freeberg é aquilo a que chamam
terapeuta sexual. Ora, isso não teria nada de inerentemente errado... se não recorresse à colaboração
de delegados sexuais.

Hunter verificou que captara toda a atenção do promotor público e passou a referir tudo o que
apurara, sem descurar o mínimo pormenor, como o reverendo recomendara, Averiguara que o Dr.
Freeberg fora obrigado a abandonar o Arizona por infracção à lei e considerara a Califórnia terreno
fértil para a sua obscura actividade. Para tal, contratara cinco mulheres e um homem, segundo uma
fonte de confiança que trabalhava na clínica, a fim de tentar recuperar clientes a contas com
problemas de natureza sexual por meio da utilização dos seus corpos e, entre a terapêutica, a prática
do coito figurava em posição de realce.

E, quase ofegante, completou o sinistro relato, enquanto Lewis escutava com surpresa e fascinação
crescentes.

No momento em que verificou que o investigador terminara, o reverendo apressou-se a afirmar com
ênfase:

- Estamos perante um caso indiscutível de proxenetismo e prostituição, sob a capa de terapia, e o


trabalho que Freeberg efectua diariamente com as suas damas de bordel desafia as leis do nosso
Estado. Se estiver disposto a esmagar este desaforo, quando obtiver as provas indispensáveis...

- Onde as vou arranjar? - interrompeu o promotor.

- Por meu intermédio-interveio Hunter. - Posso reuni-las. Se me inscrever para frequentar o


programa de recuperação de Freeberg...

87
-- pensa que o aceitariam?
Sem a menor dúvida - garantiu Hunter. - Confie
em mim. Posso entrar lá, observar e participar, manter um
registro permanente, que depois lhe entregaria. E seria a sua
testemunha principal.
- Minha testemunha principal? - Lewis torceu o nariz. - Não
sei... Normalmente isso exigiria uma investigação por um
agente secreto da polícia. Ele estaria com um gravador
escondido, entraria em contacto com uma das mulheres...
- Sou um membro da reserva da polícia de Hillsdale, sr.
Lewis.
- Ele alistou-se e fez o treinamento no cumprimento de
seu dever cívico - acrescentou Scrafield.
- E para ajudar em minhas pesquisas - arrematou Hunter, com
absoluta franqueza.
- Reserva da polícia... - murmurou Lewis, levantando-
se. - Deixem-me verificar.
Ele foi até sua mesa, examinou algumas pastas, descobriu a
que procurava e abriu-a.
- Quando você e o reverendo Scrafield marcaram uma
reunião, eu nada sabia a seu respeito. Resolvi verificar se
tínhamos a sua ficha. E encontrei-a. Dei uma olhada, mas não
atentei para esse detalhe de reserva da polícia. Confirmei
agora.
Você é um membro oficial de nosso aparelho policial. Como
um agente da reserva, com três anos de treinamento, pode se
qualificar a ser testemunha de quaisquer acusações que
apresentarmos. Pode ser realmente a testemunha-chave da
acusação.
Ele largou a pasta na mesa e voltou para sua cadeira. Ficou
em silêncio por um momento, absorto em seus pensamentos.
- Antes de qualquer indiciamento e mandado de prisão,
eu precisaria fazer alguma pesquisa. O assunto não é novo na
Califórnia. Já li notícias sobre o uso de suplentes sexuais
em
outras partes do estado. - Ele fez uma pausa. - Por que será
que isso nunca foi contestado?
Scrafield soltou uma risada desdenhosa.
- Porque elas se apresentam como autênticas assistentes de
terapeutas legítimas. Ninguém quer cair nesse atoleiro.
Todos têm medo de enfrentar essa gente. Mas não tenho a menor
dúvida de que tais pessoas devem ser detidas, fichadas,
indiciadas e levadas a julgamento por violação do código
penal da Califórnia.
- Ainda assim, é um pouco arriscado - insistiu o promotor
público, cauteloso. - Não estaríamos a lidar com um
88
89
caso criminal claro e inequívoco. Teríamos de redefinir e
reinterpretar as leis que regem o proxenetismo e a
prostituição,
talvez fixar um precedente judicial. Mas parece possível
consegui-lo. Apesar disso, se eu ficasse convencido de que
houve violação criminal, ainda assim avisaria o dr. Freeberg
antes de indiciá-lo, ia oferecer a oportunidade de suspender
suas
práticas, depois que tiver as provas necessárias.
Hunter não permitiu que seu entusiasmo fosse arrefecido pela
hesitação do promotor.
- Se Freeberg desistisse, seria uma vitória para seu gabinete
- disse ele. - E se se recusasse a parar, teria um motivo
legítimo para levá-lo a julgamento. Tudo o que posso
garantir é que, se optar pelo processo criminal, obterei
todas
as provas de que precisará e serei testemunha de acusação.
- É muita generosidade sua - disse Lewis. - Mas quero
pensar mais a respeito disso, antes de entrarmos em acção.
O reverendo Scrafield virou-se para Hunter.
- Obrigado, Chet. Importa-se de sair para o corredor
por um momento? Eu gostaria de conversar a sós com o sr.
Lewis. Um assunto particular. Irei encontrá-lo num instante.
Hunter lançou um olhar esperançoso para Scrafield, acenou com
a cabeça e deixou a sala.
Scrafield esperou que a porta fosse fechada antes de se
levantar e ir ocupar a cadeira ao lado do promotor público.
- Preciso conversar com você em carácter confidencial,
Hoyt. Espero que tenha um momento para me conceder.
- Estou a seu dispor, sr. Scrafield - respondeu Lewis,
inclinando-se para a frente, atento.
- Eu queria lhe falar sobre o seu futuro, Hoyt. Sempre
achei... e algumas outras pessoas importantes nesta
comunidade concordam comigo... que você é grande demais para
o
cargo que ocupa. Não estou desdenhando sua posição, mas
você está qualificado para algo maior. Tem todas as condições
para galgar cargos políticos mais importantes.
- Agradeço suas palavras - murmurou Lewis, com a
modéstia apropriada - mas posso lhe garantir que nunca pensei
por um momento sequer em ocupar outro cargo... ou um
cargo mais importante, como disse.
- Mas deveria, Hoyt, deveria. Hillsdale é um óptimo lugar
para ser bem-sucedido. Mas o estado da Califórnia é melhor
ainda... e um papel de destaque na Califórnia pode levá-lo a
funções importantes na esfera nacional. Deixe-me repetir: um
cargo mais importante e melhor no estado pode ser
seu, se quiser.
- Vamos supor que eu esteja interessado nisso. Não creio
que esteja à minha disposição. Sou uma personalidade local,
um homem quase desconhecido fora desta comunidade, que
é relativamente pequena.
Scrafield inclinou-se para a frente.
- É exactamente onde eu queria chegar, Hoyt.
Você está em condições de se tornar conhecido em

89
todo o Estado. Podia ter o eleitorado a seus pés.

- Como? - perguntou Lewis, perplexo.

- Apoiando Chet Hunter e aproveitando o material que ele... que nós lhe oferecemos. Revelou-
lhe uma situação explosiva... não, melhor do que isso: uma bomba pública. Por outras
palavras, a questão dos delegados e, sobretudo, delegadas sexuais. Prostitutas disfarçadas de
colaboradoras de um médico, dispostas a invadir e corroer a nossa sociedade. Jovens e velhos,
indistintamente.

- Acha que o público se preocuparia com isso tanto como sugere?

- Confie no meu conhecimento do público, Hoyt. Sei o que o estimula. Estou ao corrente do que lhe
desperta o interesse e indignação. É por esse motivo que o número de espectadores do meu
programa aumenta todas as semanas. Acredite no que lhe digo.

- Sem duvida que acredito, reverendo.

- Quando Hunter receber luz verde para reunir provas e lhas apresentar e aos leitores do
Chronicle, jornal no qual colabora, ao mesmo tempo que eu divulgo o escândalo pela TV, você
poderá actuar sem receio de ser mal sucedido. Provocaremos a indignação de toda a
comunidade. O seu nome estará em todas as bocas, Hoyt. Contará com o apoio unânime do público.
Não se trata de um assunto de compreensão difícil para as massas, como a evasão fiscal ou a
insuficiência de verbas para realizar determinada obra, mas de delegadas sexuais, que ameaçam
todas as esposas, mães e namoradas até onde a vista alcança. É o tema próprio das grandes
parangonas e do
90

telejornal da hora do jantar. O início da estrada que conduz ao triunfo.

- Tem a certeza?

- Se sei O efeito que pode exercer em mim, estou muito mais certo do efeito em si, Hoyt. Sempre o
considerei o futuro promotor do Estado, como trampolim para o cargo de governador, a partir do
momento em que dispusesse do impulso para o catapultar para o Capitólio, e o caso das delegadas
sexuais servirá perfeitamente para o efeito. Com a perseguição vigorosa àquelas prostitutas e ao
seu médico proxeneta, terá meio caminho andado. Pense bem nisto. Contará comigo para o apoio
na televisão e Ferguson nas primeiras páginas do Chronicle, enquanto Chet Hunter será o
cavalo de Tróia no bordel do inimigo, para recolher os factos em primeira mão. Está a
acompanhar o meu raciocínio?

O promotor público conservou-se silencioso por uns instantes, de olhar fixo na carpeta, com uma
expressão grave. Por fim, levantou a cabeça e admitiu:

- Sabe ser muito persuasivo, reverendo.

- É a minha profissão. - Os lábios de Scrafield entreabríramos e num leve sorriso. - Não me posso
permitir o mínimo erro de julgamento.
- Nem; eu - reconheceu Lewis, a meia-voz. De súbito, pôs-se de pé e declarou: - Convenceu-
me, reverendo. Acredito que, com o apoio conveniente e a opinião pública do nosso lado,
podemos levar o Dr. Freeberg aos tribunais e obter a sua condenação.
- ele estendeu a mão e Scrafield, que também se levantou, apertou-a.
- negócio fechado. – acrescentou o promotor público.
- Diga a Chet Hunter que reúna as provas em primeira mão o mais depressa possível. O resto, é
comigo.

91
CAPÍTULO IV

PARA Paul Brandon, era a tarde dos primeiros. Primeira entrevista com a paciente, primeira sessão
de terapia e primeiro dia no apartamento de três assoalhadas que acabava de alugar, A partir do
momento em que conhecera Nan Whitcomb e escutara o historial do seu caso com o Dr.
Freeberg, no gabinete deste último, pressentira que se trataria de uma luta quase constante. A sua
preocupação imediata antes de ver a paciente pela primeira vez era a possibilidade de ser demasiado
gorda, pois as mulheres nutridas dissipavam-lhe o entusiasmo.

No entanto, verificara com- alívio que Nan Whitcomb, apesar de não se poder considerar uma
beldade, possuía alguns atractivos. Tinha cabelo castanho comprido puxado para trás, olhos
da mesma cor e, em vez de propensão para a obesidade, era magra, quase esquelética, à parte no
tocante aos seios, firmes e proeminentes, e quadris largos. Em todo o caso, o alívio de Brandon
convertera-o de novo em apreensão ao ouvi-la descrever a sua história sexual, relações íntimas com
Tony Zecca e problema vaginal. E, enquanto o fazia, ela evitava persistentemente olhá-lo,
dirigindo-se a Freeberg numa inflexão pouco mais elevada do que um murmúrio.

Ao mesmo tempo que se esforçava por não perder uma única palavra, a preocupação inicial de
Brandon sobre a possibilidade de actuar sexualmente com ela evaporava-se. A dificuldade, naquele
caso, como diagnosticou com< prontidão, consistia na penetração. Com
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efeito, a mulher fora tão maltratada peio amante que poderia resistir instintivamente a reagir perante
qualquer outro homem, em particular um desconhecido, impossibilitando o estabelecimento de uma
certa afinidade.

Sim, seria sem dúvida uma luta árdua e constante.

Por outro lado, o Dr. Freeberg não deixara transparecer a mínima falta de confiança e mostrara-se
totalmente tranquilizador.

- Li o relatório do Dr. Lopez e concluí que não existe nenhuma anomalia orgânica - explicou a
Nan.
- Trata-se de um caso de vaginismo típico, como, de resto, já lhe referi, que podemos tratar com
êxito.

- Como já mencionei, doutor, não disponho de muito tempo livre. Se vier à clínica com
frequência, Tony acaba por desconfiar.

- Continua, pois, convencida de que era preferível sujeitá-la a um programa de tratamento


intensivo?

- Exacto, de duas a três semanas, o máximo.

- Bem:, é possível, sem dúvida. - Freeberg voltou-se para Brandon. - Não concorda, Paul?

- Em absoluto - assentiu o interpelado, tentando exprimir-se com firmeza, diante da paciente.

Não obstante, continuava persuadido de que não seria tão fácil como parecia.
- Nesse caso, fica assente - voltou Freeberg. - Iniciaremos o tratamento amanhã. Digamos, à
noite, após o jantar, no apartamento de Paul, por volta das oito...

- Não posso - apressou-se Nan a interromper. - À noite, é totalmente impossível. Tony não mie
deixaria sair. De resto, como explicaria a visita ao médico a essa hora?

- Tem razão. - Ele virou-se mais uma vez para Brandon. - Vê inconveniente em que seja
às três da tarde?

- Absolutamente nenhum.

Todavia, as coisas não se desenrolaram da melhor maneira, a partir do momento em que Nan
Whitcomb entrou receosamente no apartamento. Ele estendeu as mãos para a ajudar a despir o
casaco, porém ela prescindiu de colaboração e ficou parada no meio da sala, de blusa branca
E saia beje, avaliando a sala furtivamente.
93
andon sentara-a no sofá e fizera questão de se manter
a alguma distância.
Tentara puxar uma conversa amena, para deixá-la à vontade,
mas ela mostrou-se essencialmente pouco comunicativa.
- O que vamos fazer? - ela indagara abruptamente.
- Começaremos pela carícia das mãos e do rosto.
Ele descrevera os dois exercícios e explicara os motivos
pelos quais podiam ser úteis.
- Isso é tudo?
- É, sim, Nan. Uma coisa muito simples.
- Como quiser. Muito bem, vamos começar.
Sentando-se mais perto dela, Brandon acariciou-lhe
gentilmente as mãos, embora estivessem muito rígidas. Depois,
encorajara Nan a acariciar as suas mãos. Em seguida,
acariciou
o rosto de Nan com as pontas dos dedos, deslizou as palmas
pelo queixo, faces e testa. O rosto dela estava tenso, como
se
moldado numa máscara. Assim que acabou, ele fechou os
olhos e pediu a Nan que lhe fizesse a mesma coisa.
No início os dedos de Nan apertaram o rosto dele com alguma
força, mas pouco a pouco as mãos foram relaxando e
passaram a massagear suas feições de leve. Ele abriu os
olhos.
- Bom.., muito bom.
- Isso é tudo?
- É, sim, Nan.
- Acho que não havia nada de que ter medo.
- Claro que não.
- Vamos fazer mais alguma coisa?
Brandon verificou a hora. Haviam consumido apenas
uma hora e 15 minutos da sessão de tratamento de duas horas.
Ainda restavam 45 minutos. Ele especulou sobre a melhor
maneira de aproveitar esse tempo. Podia tentar conversar
com ela outra vez. Muitas vezes, com as mulheres, a conversa
era a abordagem mais relaxante e eficaz.
94
95
E, agora, no sofá, ele disse:
- Por que não conversamos um pouco? - Brandon não
fez qualquer menção de se afastar dela. - Eu gostaria de
saber mais um pouco a seu respeito, se não se incomoda.
Ela parecia aliviada, chegou mesmo a fitá-lo nos olhos.
- Não me importo.
- Estou curioso sobre a maneira como você vai cuidar
de seu namorado.
- Está se referindo a Tony?
- Isso mesmo, Tony Zecca. Se ele perguntar, o que vai
dizer que está a fazer,
Se ele perguntar?

- Ah, isso pergunta, de certeza! Durante o jantar

- Que tenciona dizer-lhe? i

não digo que procurei o


Dr. Freeberg. Aliás, o doutor já me explicou o que devia fazer.

- Sim? O quê?

- Digo que vou ao ginecologista, para uma série de injecções destinadas a curar uma deficiência
hormonal.

- E se Tony perguntar o nome do ginecologista?

- Falo no Dr. Lopez, que me indicou o Dr Freeberg.

_ - Mesmo assim, ele pode querer obter confirmação do Dr. Lopez.

_ - Também está previsto. - Nan exibiu uma expressão maliciosa. - O Dr. Freeberg preveniu-o.

- Muito bem. - Brandon dirigiu-lhe um sorriso consciente de que progredira alguns centímetros
para o estabelecimento de uma relação mais desinibida Em todo o caso - acrescentou, assumindo
uma expressão grave. Ainda há outra coisa que me preocupa

- O quê, Paulo?

- Suponha que ele quer fazer amor consigo, esta noite. Acha que e capaz de resolver o assunto?

- Seguirei as instruções do Dr. Freeberq Não haverá relações sexuais esta noite ou em
nenhuma outra, enquanto me sujeitar ao tratamento. Direi que tenho de terminar a série de
injecções, antes de voltarmos a pensar nisso.

- E se ele insistir?

- Insiste, sem dúvida, mas recuso - afirmou, rindo Pela primeira vez. - Tenho de ser inabalável,
nesse aspecto. O que será fácil, pode crer.

- É capaz de querer possuí-la-á força - aventou Brandon, o qual descobriu, surpreendido, que se
preocupava com o bem-estar dela.

- Refere-se a violar-me? Que experimente. Você


95
conhece a minha condição. Portanto, não conseguirá nada.

- Mas um dia, quando você puder, ele... - Queria fazer-lhe uma pergunta, reflectiu por um
momento e aventurou-se. - Nunca pensou em resolver parte do seu problema abandonando-
o?

- Pensei.

- E?...

- Para onde iria? - murmurou ela, em tom quase plangente.

- Compreendo.

Brandon começava a compadecer-se da rapariga e, ao mesmo tempo, pressentir que ela se achava
menos retraída a seu lado, pelo que lhe acudiu o desejo de tornar aquela sessão inicial tão intensiva
quanto possível. Queria que progredisse rapidamente, para que se sentisse segura.

O instinto indicou-lhe qual deveria ser o melhor passo seguinte no seu relacionamento. Despir-se-
iam e permaneceriam desnudos diante um do outro. Se a experiência resultasse, eliminaria as
inibições de Nan, cimentaria o convívio de ambos e tornaria todas as fases subsequentes mais fáceis
e ternas.

O relógio revelou-lhe que ainda dispunham de vinte e cinco minutos, tempo mais do que suficiente
para encetar algo de mais íntimo. Deveria sugeri-lo?

Esquadrinhou os seus instintos, mas não descortinou qualquer luz verde. No entanto, vislumbrou
algo que se assemelhava a uma luz amarela, com: a advertência: «Avança, mas com prudência.»
Experimenta, mas com lentidão. O imagismo corporal... porém ela mostrar-se-ia demasiado
assustada para se despir e colocar diante do espelho. Continuava a ser uma criatura tímida, não tanto
como quando entrara no apartamento, mas ainda fazia parte do grupo das pessoas feridas -
fisicamente, e recearia desnudar-se diante de um homem que, no seu espírito, poderia
confundir com outro Tony Zecca potencial. O facto de se revelar tão totalmente poderia
comprometer tudo o que fora obtido naquela tarde.

De súbito, Brandon recordou-se de, durante o treino, Freeberg se referir a compromissos que
deviam

96

ser assumidos ao sabor da inspiração do momento, como agora. Se a paciente se revelava


excessivamente inibida, convinha actuar de forma gradual.

«Com lentidão, tornou a recomendar-se.

Voltou a cabeça para Nan e descobriu com surpresa agradável que ela estivera a observá-lo.

- Parecia mergulhado em pensamentos.

- E estava. Pensava numa coisa que podíamos fazer e tornaria as sessões seguintes mais
fáceis.
- O quê?

- Carícias nas costas. Só os preliminares. Passaríamos aos pormenores no próximo dia.

- Carícias nas costas? Como se fazem?

- Precisava de ficar de tronco nu. Não despirei as calças. Apertas a camisa.

- Não me importo. Estou farta de ver homens de tronco nu na praia.

- E gostava que você despisse a blusa.

- A blusa? - O receio dela tornou a acentuar-se,


- Uso soutien por baixo. Também tenho de o tirar?

Luz amarela. Cuidado. Brandon confiava inteiramente no seu instinto... nisso e no pouco que
julgava saber dela.

- Não - replicou com desprendimento. - Pode deixá-lo ficar. Só a sua blusa e a minha camisa.
Vamos levantar-nos e coloco-me atrás de si. Depois, você fecha os olhos e deixa-me
friccionar-lhe as costas.

- Mais nada?

- Mais nada.

Começou a despir a camisa e viu Nan desabotoar e desembaraçar-se da blusa.

Em seguida, de tronco nu, indicou:

- Ponha-se na minha frente, mas de costas.

Ela obedeceu e, pela elevação dos ombros, ele depreendeu que respirava apressadamente.

- Que mais tenho de fazer?

- Nada, excepto descontrair-se. Vou limitar-me a acariciar-lhe e massajar as costas.

- Se acha que serve para alguma coisa...

- Para se descontrair, pelo menos. Agora, feche os olhos e não diga mais nada. Preste atenção aos
meus dedos. Sinta-os.

Aplicou as pontas à curvatura das costas, acima

97
e abaixo da fita do soutien, como se fossem borboletas. Depois, acentuou a pressão e o atrito. A
pouco e pouco, a contracção muscular principiou a ceder e, em breve, ela sentia-se totalmente
descontraída e absorvia e saboreava os movimentos circulares das mãos.

- É óptimo, extraordinário - sussurrou, entre leves gemidos.

Todavia, Brandon não respondeu. As suas mãos falavam para o corpo dela, enquanto os dedos e as
palmas deslizavam para cima e para baixo.

Durante vinte minutos.

- Pronto - anunciou, por fim.

As mãos dela estenderam-se para trás e ele pensou que pretendiam tocar nas suas. Ao invés,
imobilizaram-se sobre o fecho do soutien. No instante imediato, soltou-o e rodou nos calcanhares.

Em seguida, tirou o soutien, e os seios direitos, altos e cómicos ficaram expostos, quase
agressivamente. Brandon não conseguiu impedir-se de os olhar. Os bicos rosados apresentavam a
tumescência reveladora.

- É só para que saiba que não sou uma virtuosa hipócrita, nem bota-de-elástico. Embora nunca
tivesse um orgasmo com ninguém, penso que me comportaria normalmente nas mãos apropriadas.

- Obrigado, Nan.

Ela baixou os olhos para o peito, sacudiu um pouco os seios e tornou a erguê-los para o fitar.

- Não são maus, para a minha idade. - São belos.

- Isto é para as primeiras impressões - acrescentou, voltando a colocar o soutien e pegando


na blusa. - Na próxima vez, se for tão gentil, talvez lhe mostre o resto.

Ao princípio da noite, Adam Demski sentava-se na borda do sofá da sala, onde Gayl Miller
completava o seu lava-pés. Ele estava em mangas de camisa, mas arregaçara as calças até aos
joelhos e os pés estavam mergulhados num alguidar de plástico com água tépida e sabão.

Gayle, com as mãos imersas, acabou de lhe friccionar e acariciar os pés e em seguida indicou que os
98

retirasse do alguidar e pousasse no tapete de banho ao lado.

- Que lhe pareceu, Adam? - perguntou, pegando numa toalha de veludo e começando a secar um
dos pés.

- Agradável, sem dúvida - replicou ele, flectindo os dedos e mostrando-se muito menos tenso do
que no início do exercício.

- Pode tornar-se uma experiência deliciosa, que proporciona uma sensação aprazível numa
parte descurada com frequência, embora sensual, do corpo. Infelizmente, a maioria dos meus
pacientes rejeita-a.
- Porquê?

- Porque não têm o menor interesse nos pés explicou ela, sem interromper a operação. - Acredite
ou não, só se preocupam com o pénis, e pensam: «O problema está aí e não nos pés,
que, de resto, não são atraentes. Pelo contrário, são até horríveis e não merecem que se perca
tempo com eles.» - Ergueu a cabeça para o contemplar. - Também é dessa opinião?

- Bem, talvez pensasse um pouco que era perda de tempo.

- Garanto-lhe que não. Os pés podem revelar-se surpreendentemente eróticos. Por outro lado, o
facto de os acariciar fornece-nos o pretexto para continuar a estabelecer um relacionamento. Ou
seja, temos o ensejo de nos conhecer um pouco melhor antes de tentarmos tornar-nos mais
íntimos.

- Bem, deixei-a fazê-lo. - Vendo-a pousar a toalha, Demski perguntou: - Que se segue? É a minha
vez?

- Vamos omitir essa parte.

- Então, posso calçar-me?

- Não.

Ela ponderara cautelosamente o passo seguinte. Na realidade, discutira-o com o Dr. Freeberg, antes
do almoço, e sugerira a possibilidade de se dedicar ao imagismo corporal na segunda sessão com
Adam Demski.

- Parece-lhe que ele já está preparado para a nudez total, doutor?

Freeberg, que se entretivera a folhear a transcrição da história do caso de Demski e a seguir se


debruçara

99
sobre o relatório da primeira sessão elaborado por Gayle, reclinou-se na cadeira para reflectir.

- Tudo indica que conseguiu alguns progressos importantes.

- Penso que sim. Ele estava muito mais descontraído, no final da primeira sessão. Mais à
vontade. Quase sem medo algum de mim.

- Apesar disso, pode manifestar relutância em se despir por completo. Lembre-se de que, no
momento em que ficar nu, você verá aquilo que ele considera o seu verdadeiro problema. Ficará
assustado, sentir-se-á ameaçado. Por outro lado, nas conversas que teve comigo, mostrou-
se empenhado em o encarar de frente. Apesar da sua aparência exterior de resistência, pressinto que
está disposto a tudo, por muito difícil que lhe seja, para o ultrapassar. Sim, creio que pode passar ao
imagismo corporal, esta noite. - Fez uma breve pausa. - Mas tenha cautela.

- Em que sentido?

- Não precipite os acontecimentos. Converse com ele previamente. Fale-lhe de experiências de


nudismo. Numa palavra, ponha-o à vontade.

- Não haverá problemas por esse lado.

- Onde tenciona actuar? No quarto, desta vez?

- Que ideia! - protestou Gayle, com ênfase. Continuo a pensar o mesmo que em Tucson. O
quarto é o meu refúgio pessoal, totalmente separado do- trabalho de delegada. Ainda não esqueci
uma recomendação que me fez, doutor: «Quando disser a um homem que se dispa, se for
disfuncional, a ansiedade atingirá o auge. Associa a acção de se desnudar com a inevitabilidade de
actuar.» Por conseguinte, se o levasse para o quarto, reagiria dessa maneira. Deixei de o fazer com o
meu primeiro paciente, como me indicou. Tenho a sala de terapia ao fundo do corredor do meu
novo apartamento e contém tudo o que utilizava em Tucson: o espelho da altura da parede, uma
secretária e respectivo ficheiro metálico e um largo sofá, com uma poltrona de cada lado. No
chão, há um tapete do tamanho de uma cama de casal. À parte esta última, o ambiente é um pouco
austero e clínico, ideal para trabalhar.

100

- É uma boa ideia. - Freeberg exibiu um sorriso de aprovação. - Acho que pode tentar o imagismo
corporal, como pretende.

E agora, sentada junto de Demski, Gayle pressentia que se encontrava à beira de dar um passo
crucial.

- Disse que não me calçasse? –perguntou-lhe.

- Não merece a pena - replicou ela, levantando-se e estendendo-lhe a mão para que a imitasse.
Quando o viu a seu lado, acrescentou em tom jovial: - Já que está descalço, podemos prosseguir a
partir daí.

- Refere-se a despirmo-nos? - Demski exprimia-se como se tivesse uma espinha cravada na


garganta.
- Por que não? Tinha de ser, mais cedo ou mais tarde. Por que não mais cedo? É necessário para
o imagismo corporal e saudável. Garanto-lhe que se trata de um passo importantíssimo.

- Falou... falou nisso ao Dr. Freeberg?

- Com certeza. Disse-lhe que o julgava preparado para tal, e ele concordou.

- Você julga-me preparado?

- Sem dúvida. - Ela pegou-lhe na mão. - Vamos lá para dentro.

- Para onde? - quis ele saber, oferecendo resistência. - Para o seu quarto?

- Não, isso é só muito mais para diante, se porventura chegarmos a utilizá-lo. Vou levá-lo a uma sala
muito acolhedora que tenho nas traseiras e também serve de escritório. Há lá um espelho
especial que lhe quero mostrar. - Gayle acentuou a pressão na mão... - Siga-me. - E
conduziu-o para o corredor.

- Que é isso de imagismo corporal? - inquiriu Demski, em voz rouca.

- Eu demonstro-lhe - prometeu ela, precedendo-o.


- A nudez é uma experiência muito comum. Numa ou noutra fase da sua vida, toda a gente se despe.
Quando bebé, você estava nu, enquanto a sua mãe lhe mudava as fraldas ou dava banho. No campo,
muitas crianças tomam banho num lago ou mesmo num tanque, completamente despidas. Ou
talvez o façam na piscina da A. C. M. Você não?
() Young Men’s Christian Association: Associação Cristã dos Jovens. (N. do T.)

101
- Bem, no YMCA fi-lo uma vez.

- Deve ter-se despido no vestiário do liceu, para fazer ginástica.

- Claro.

- Ou sempre que o médico de clínica geral o examina. Em certos casos, está presente uma
empregada.

- Decerto, mas isso é diferente. Ignorando o comentário, prosseguiu:

- Recordo-me de ler uma história do seu caso que, em alguns dos últimos encontros com mulheres,
tentou fazer amor com elas. Nessas ocasiões, suponho que se despiu por completo.

- É verdade, mas não me agradou. Encontravam-se agora diante da porta da sala de


terapia, e Gayle abriu e fez sinal a Demsky para que entrasse. Os tubos fluorescentes do tecto já
estavam acesos, e a sua intensidade impedia que se criasse qualquer ideia de intimidade.

- Com esta iluminação é mais fácil, como verificará. - Ela gesticulou na direcção dos móveis. -
Sente-se onde lhe apetecer, Adam.

Enquanto ele se instalava rigidamente na poltrona mais próxima, Gayle aproximou-se do espelho
para se observar. Vestia-se de forma apropriada para a ocasião, sem qualquer pormenor que se
pudesse considerar sensual. Usava uma camisola de malha folgada, com gola de abertura
conservadora, saia leve de algodão e sapatos de salto raso. Tratava-se de um uniforme assexuado de
que se podia desembaraçar com prontidão.

Ainda vestida, voltou-se do espelho para encarar Demski.

- Vou explicar-lhe em que consiste o imagismo corporal.

Descreveu a técnica do exercício e, quando terminou, ele perguntou:

- Tenho de me pôr diante do espelho?

- Sem nada vestido. Nu. E efectuar os mesmos movimentos que acaba de observar, apontando as
diferentes partes do corpo e dizendo o que pensa delas.

- Talvez não seja capaz, uma vez que nunca tentei...

102

- Verá que é. Não digo que seja a mesma coisa nos homens e nas mulheres. Nós gastamos mais
tempo a falar do rosto, com alusões a maquilhagens e cosméticos, preocupadas com o que
parecemos aos outros, enquanto vocês se concentram- mais naquilo que consideram que
conta, sobretudo o pénis. No entanto, em alguns casos, percorrem o corpo da cabeça aos pés, sem
mencionar os órgãos genitais. Quando tal acontece, chamo-lhes a atenção para o facto e
pergunto o que pensam deles. Não mostro interesse no motivo por que omitiram essa área,
visto que não necessito de saber e não tenho de formar juízos sobre a matéria. Mas insisto em que
se lhe refiram. Está a compreender?
- Não sei bem... Talvez.

- Então imite-me. Quando for a sua vez, faça exactamente a mesma coisa. Tenho a certeza
de que consegue.

- Se pensa assim...

Gayle exibiu um sorriso afável e indicou com brandura:

- Agora, levante-se, para nos despirmos.

- Ao mesmo tempo?

- Não faz mal. Enquanto ele se punha lentamente de pé, acrescentou: - O facto de se despir
não significa que tenha de conseguir uma erecção e levar-me para a cama, Trata-se apenas
daquilo que expliquei. Desnudamo-nos para que você possa apontar as diversas partes do corpo e
referir o que pensa delas, porque até agora nunca se preocupou particularmente com isso e as suas
impressões revestem-se de importância. De acordo?

- Pois sim...

Gayle voltou-se parcialmente para o lado, enquanto começava a puxar a camisola pela cabeça,
evitando olhar os esforços dele para se despir, a fim de não- o embaraçar ainda mais.

Depois de despir a camisola, estendeu as mãos para as costas, para tirar o soutien, puxou o fecho de
correr da saia, que deixou deslizar para o tapete e impeliu para o lado com os pés, ao mesmo tempo
que descalçava os sapatos. Depois de se livrar igualmente das cuecas, espreitou finalmente pelo
espelho. Demski

103
despira a camisa e as calças e movia os dedos sobre as cuecas brancas com pintas pretas.

- Quando acabar, pode voltar a sentar-se, Adam. Ela virou-se, depois de aguardar um instante, e viu
que ele regressara à poltrona, mas cruzava as mãos sobre a virilha, pelo que o pénis não se achava
visível.

Empenhada em não lhe acentuar o embaraço, voltou-se de novo para o espelho, embora pudesse
observar de um determinado ângulo que contemplava a imagem do seu corpo desnudo.

Gayle reflectiu que não tinha importância que o fizesse, pois provavelmente nunca vira uma
mulher desnuda tanto tempo e o facto poderia contribuir para que se descontraísse um pouco. No
entanto, o que mais o descontrairia seriam os movimentos dela diante do espelho. Se os executasse
bem, ele concentrar-se-ia no que via e em breve esqueceria a sua própria nudez. Ficaria tão
impressionado que perderia a noção da vergonha e, quando chegasse a sua vez, estaria menos
petrificado. Agora, porém, era ela que devia tomar a iniciativa.
- O exercício do imagismo corporal é isto - anunciou, inteiramente voltada para o espelho. - O
meu cabelo... - prosseguiu, levando os dedos à cabeça. - Gosto dele assim e de ser morena. Nunca
desejei ser loura e ter a região púbica dessa cor. O louro tem algo de insubstancial, de leve. Uma
morena bem-parecida como eu... pode sempre confiar em alguém como eu. Lembre-se disto,
Adam.

Detectou pelo espelho uma ligeira contracção divertida nos lábios dele, e moveu o indicador ao
longo do nariz.

- Não está mal, mas também não se pode considerar uma maravilha. O nariz arrebitado tem o seu
ponto alto. É um trocadilho, percebe? Mas, na verdade, acho-o um pouco largo de mais para o meu
gosto. Um tudo-nada mais estreito seria mais atraente. - O dedo pousou na boca. - Nas histórias
românticas, chamam generosos aos lábios como estes. E são. Parece que agradam aos homens, em
particular a suavidade, quando os beijam, pelo que não tenho razão de queixa. Interessa é que você
goste deles, Adam.

- Gosto, sim, Gayle.

Ele levou as mãos aos seios.

104

- Que dizer disto, sem o soutien para servir de suporte? Que lhe parece?

- São bonitos - admitiu Demski, em voz estrangulada.

- Não sei... - Ela observou-os no espelho por um momento. - Tenho cá as minhas dúvidas.
Lembro-me bem de quando era mais nova, durante a puberdade, e o peito quase parecia uma tábua
de engomar. Receava que não crescessem e ficasse como os rapazes, que não me ligariam nenhuma.
Mas acabaram por aumentar, embora nunca tivesse a certeza se esperavam e queriam que fossem
maiores. Eu sei que os mais pequenos que os meus ficam bem aos modelos, mas os homens não se
interessam por esses tipos. Preferem as formas mais opulentas. Ora, as minhas não são assim, o
que me desaponta um pouco.

- São admiráveis - asseverou ele. - Pelo menos, para mim.


- Nada tenho a objectar, quanto a esta região continuou Gayle, aplicando uma leve palmada no
estômago plano. - O meu peso é o ideal e nem preciso de fazer dieta. - A mão deslocou-se para a
área púbica. - Passemos ao monte de Vénus e ao triângulo público. Tenho uma posição mais ou
menos ambivalente a esse respeito, do ponto de vista estético. Algumas mulheres têm penugem
púbica tão eriçada como palha-de-aço. A minha lembra uma minúscula almofada de plumas
suaves. Então, por que sou ambivalente com o que vejo? Vou explicar-lhe. Neste momento, talvez
não se aperceba bem, mas verá melhor, quando se aproximar. Embora pareça espessa no seu
conjunto, não o é no meio. Dá a impressão de que escasseia e pode ver-se o clitóris e, abaixo, a
vulva. Na realidade, não há grande inconveniente em que estejam expostos, mas confesso que
preferia essas partes vitais ocultas, para que alguém se entretivesse a descobri-las.

Tornou a lançar uma olhadela ao espelho. Demski parecia hipnotizado e engolia em seco, incapaz
de pronunciar uma palavra.

Em seguida, Gayle estendeu as mãos para trás e tentou segurar as nádegas.


- Nitidamente exageradas. A Natureza revelou-se

105
demasiado abundante, neste sector. Não gosto de ter o traseiro sempre a bambolear-se ao vento.

Depois, passou aos quadris, coxas, joelhos, barriga das pernas e pés, sem parar de emitir
comentários.

Por fim, voltou-se para Demski e perguntou:

- Tem alguma coisa a observar, Adam?

- Bem, eu... - O resto da frase perdeu-se num murmúrio inaudível.

- Desembuche lá. Bem, o quê? Diga a verdade.

- Acho que tem um traseiro encantador.

- Palavra?

- Não me parece grande de mais. E o resto...

- Qual resto? - Ela notou onde os olhos dele se fixavam. - Refere-se à vagina?

- Foi... foi excessivamente severa na sua apreciação. Não tenho nenhum reparo a fazer.

- É muito gentil.

- E sincero.

Gayle bateu as palmas de contentamento e acercou-se dele.

- É um cavalheiro e um erudito. - Inclinou-se e beijou-o na fronte, enquanto um dos seios lhe


roçava o rosto. - Obrigada.

Em seguida, segurou-lhe os braços e fê-lo levantar-se. Demsky encolheu-se um pouco e tentou


desprender-se, todavia ela não o largou e obrigou-o a postar-se na sua frente.

- Agora, é a sua vez de proceder ao imagismo corporal.

Esforçando-se por lhe evitar o olhar, ele quase correu para o espelho, como se pretendesse ocultar-
se dentro. Depois, tremendo, conservou-se imóvel, ao mesmo tempo que via Gayle sentar-se na
poltrona e observar a imagem. Conservava os braços pousados aos lados e todos os pormenores do
corpo estavam bem visíveis.

«Não está mal», reflectiu. «Alto, um pouco ossudo e magro, com as vértebras salientes. Quadris
suaves, joelhos proeminentes e pernas firmes». No entanto, não conseguia desviar os olhos da
origem do problema que o levara à clínica do Dr. Freeberg. Era de facto pequeno. Quatro
centímetros, quando muito. E o que o fazia parecer ainda mais insignificante eram os testículos, sem
dúvida enormes.

106
não obstante, ela sentia-se desafiada, consciente de que não se lhe deparava uma tarefa impossível.
Tinha a certeza de que conseguiria que aquela miniatura adquirisse rigidez e se convertesse numa
fonte de orgulho em vez de vergonha, como agora. Estava segura de que podia acontecer. Demski
apresentara-se-lhe com aquilo que considerava um palito e, se tudo corresse bem, partiria
convencido de que tinha um poste telefónico entre as pernas. Sim, se tudo corresse bem, e achava-
se profundamente empenhada em que tal acontecesse.

E iniciaria os trabalhos naquela noite.

- Tente fazer o mesmo que eu, diante do espelho. Comece pelo cabelo.

Ele aquiesceu com uma inclinação de cabeça, mas manteve-se imóvel, como se comparasse a sua
imagem com a de Gayle ao lado. Quase imperceptivelmente, mudou de posição, começando por
concentrar o peso do corpo na perna esquerda para depois as abrir. Dir-se-ia que ignorava levemente
a vergonha que o assolava.

Gayle, que o observava atentamente, pressentiu o que se passava na mente dele. A atitude de
descontracção surgira como uma espécie de rendição. Estava completamente despido, podia ser
visto da cabeça aos pés e o seu problema encontrava-se exposto. Já não havia nada para ocultar. Ela
sabia. Apesar disso, não havia o menor sinal de crítica na sua expressão, como se aceitasse tudo
sem qualquer reparo.

Demski encheu os pulmões de ar, levou a mão ao cabelo e murmurou algo no sentido de que
possuía uma cabeleira abundante. Talvez fosse bom, porque resultava esteticamente agradável e, ao
mesmo tempo, mau, pois podia convencer alguns membros do sexo oposto de que se tratava de um
homem viril.

Parecia não dispor de paciência para apreciar os vários traços fisionómicos, o peito de pombo e o
abdómen plano, porém mole. Resmungou uma ou duas frases acerca de cada uma dessas áreas e a
seguir procedeu como Gayle observara noutros homens em idênticas condições. Passou
directamente à área causadora do problema.

Indicou o pénis, ao mesmo tempo que se contemplava ao espelho, com uma expressão compungida.

107
- Depois, temos isto - articulou em voz alta. - Como vê (não adianta iludirmo-nos), é muito
pequeno.

- Não acho - declarou ela, soerguendo-se. «Muito pequeno é uma expressão que não existe, em
relação ao pénis. Diga-me com exactidão o que lhe desagrada nele.

- Como referi, é muito pequeno. Por sorte, não o trago à mostra. Assim, as mulheres não o vêem, de
contrário riam-se de mim. - Antes que Gayle pudesse interrompê-lo, Demski acrescentou: - Como
sabe, aconteceu duas vezes.

- Sim, mas foram reacções excepcionais. As duas mulheres exprimiam a sua irritação contra os
homens em geral. Se uma centena visse o seu pénis, tenho a certeza de que noventa e oito não
reagiriam de forma hostil e não se recusariam a fazer amor.

- Não acredito.

- Tem de acreditar no que digo, Adam. Sou jovem e possuo alguma experiência com diferentes tipos
de homens. Se nos despíssemos para fazer amor, não me importava se o seu pénis tinha dois ou
vinte centímetros de comprimento. De qualquer modo, atingia o dobro ou triplo, depois de erecto.
Decerto o observou, quando se masturbou. O tamanho em repouso não interessa, pois o prazer
surgiria igualmente.

- Como se viu?...

- O quê? Sei o que o preocupa e garanto-lhe que labora num erro crasso. Quando frequentava a
instrução primária, o liceu e mesmo a universidade e tinha de se despir diante dos colegas, ficava
com plena consciência da diferença entre o seu pénis e os deles. E, quando assistia a um filme
pornográfico ou folheava certas revistas destinadas aos homens, só via pénis enormes e mulheres
com seios descomunais. Os idiotas que escolhem essas personagens pensam que a maioria da
população masculina relaciona o membro grande com a potência sexual. Ora, na realidade, uma
coisa não tem nada que ver com a outra.

- Não? - murmurou ele, com uma expressão de dúvida. - Então, uma mulher não se sente mais
satisfeita com uma coisa grande dentro?

- A vagina está concebida para se acomodar a praticamente todos os tamanhos e experimentar


prazer com

108

isso. Se introduzisse o dedo mindinho na minha, as paredes rodeavam-no e acabavam por saborear
o seu movimento de vaivém. Não esqueça que é através dela que vem ao mundo uma criança que
pode chegar a pesar mais de cinco quilos. Por conseguinte, tanto se dilata como contrai, consoante
as situações.

Olhou-se em silêncio no espelho por uns segundos, antes de proferir com incredulidade:

- Quer dizer que, se o conseguisse pôr de pé, podia fazer feliz uma mulher? - Pestanejou para a
imagem. - Podia fazê-la feliz, Gayle?

- E havemos de o provar - assentiu ela, com um sorriso.


Demski parecia levemente convencido, mas manifestava relutância em abandonar o tópico do pénis
e passar às restantes partes da sua anatomia.

Queria obter ulteriores confirmações, e ela comprazeu-o. Assim, discutiram o pénis, com a sua
disfunção, e possibilidades do prazer sexual, durante cerca de dez minutos.

Por fim, Gayle resumiu o que pensava acerca das revistas pornográficas e histórias que continham:

- Essas descrições são estupendas como fantasia erótica, mas proporian uma educação sexual
horrível. Não só os heróis possuem pénis anormalmente grandes, como, uma vez dentro das
mulheres, podem permanecer em actividade ao longo da noite. Desse modo, o leitor inexperiente
acredita e, quando tenta emular a proeza, descobre que não consegue, pelo que começa a criar uma
ansiedade. Estou convencida de que foi uma dessas coisas negativas que lhe aconteceu.

- É possível...

Um pouco mais satisfeito, ele voltou-se de novo para o espelho e continuou a analisar os quadris,
pernas e pés.

Quando terminou, porém, tornou a concentrar-se no pénis. No entanto, Gayle julgou notar que não o
encarava com tanta animosidade.

Após um silêncio, levantou-se e aproximou-se dele, mas deteve-se a certa distância, pressentindo
que ponderava a possibilidade de a abraçar.

- Quer vestir-se? - perguntou ela, com um sorriso.

- Tanto se me dá. - Ele soltou a primeira

109
gargalhada desinibida desde que a sessão principiara. - Estava a brincar. Claro que quero.

«Meu Deus!», cogitou Gayle, entregando-lhe as cuecas. «Parece finalmente um ser humano em vez
de um coelho assustado.»

Na realidade, apetecia-lhe cantar de contentamento.

Depois de ele se retirar, quase eufórico, ela vestiu-se com lentidão e dirigiu-se para o seu Honda,
estacionado à entrada do prédio.

Meia hora mais tarde, arrumou-o na área pertencente à clínica junto do Market Grill, encaminhou-se
para a entrada e ficou surpreendida ao ver as luzes do rés-do-chão e primeiro andar acesas.

Embora a sala da recepção estivesse desocupada, não duvidou de que Freeberg e Suzy Edwards
ainda se encontravam a trabalhar no primeiro piso. No entanto, a sua mente concentrava-se na
conclusão da tarefa daquela noite. Assim, entrou numa das salas de gravação, despiu o casaco e
sentou-se, a fim de preparar o relatório sobre a segunda sessão com Adam Demski.

Ditou para o microfone durante vinte minutos, e desligava o gravador no momento em que a porta
atrás dela se abriu, para dar passagem a Suzy Edwards.

- Se ainda não terminou... - proferiu em tom de desculpa.

- Já estava a arrumar as coisas.

- Nesse caso, se dispõe de tempo, o Dr. Freeberg gostava de falar consigo.

- Sem dúvida. Já agora, fique com a cassette, para fazer a transcrição, de manhã.

Freeberg recebeu-a com visível ansiedade e, depois de lhe indicar uma poltrona, começou:

- Queria consultá-la sobre a hipótese de aceitar um segundo paciente. Bem sei que Adam Demski
não lhe dá pouco trabalho, mas talvez conseguisse ocupar-se de outro caso simultaneamente. Eu
podia confiá-lo a uma das suas colegas, se não se tratasse de um problema de ejaculação prematura,
precisamente o género em que tanto êxito obteve no Arizona.

Gayle já se decidira, mesmo antes de ele acabar de falar. Orgulhava-se da sua capacidade para
retardar a ejaculação prematura e agradar-lhe-ia ocupar-se de mais uma alma perdida. Além disso, o
dinheiro envolvido

110

ajudá-la-ia a fazer face às despesas, se fosse aceite no Departamento de Psicologia da UCLA.

- Pode contar comigo, doutor. Quando principiamos?

- Amanhã, se possível. Trata-se de um programa intensivo, pois o paciente dispõe de um período


limitado.

- Amanhã à tarde, estou livre.


- Óptimo. Podemos ter uma reunião preliminar com ele às nove da manhã. Que diz?

- Cá estarei. Pode revelar-me alguns pormenores já? Freeberg pegou num maço de papéis de cima
da
secretária e estendeu-lho.

- Tem aqui a história do caso. Pode dar-lhe uma olhadela, esta noite. - Enquanto ela o guardava na
carteira, acrescentou: - É um jovem escritor, que colabora esporadicamente com revistas, chamado
Chet Hunter.

- Não reconheço o nome.

- Parece que ainda está nos primeiros passos. A sua disfunção pode constituir uma obstrução
à qualidade do trabalho.

- Espero poder ser-lhe útil. É um bom escritor?

- Eu diria que precisa de uma revisão - observou, com um leve encolher de ombros. - Mostra-se um
pouco precipitado e ansioso. Embora exija urgência no tratamento, não se perde nada se lhe refrear
um pouco o ímpeto.

- Fá-lo-ei, se for possível.

- Confio em si, como sempre. Cá a espero às nove da manhã.

Quando passava diante de Market Grill, a caminho do parque de estacionamento, Gayle descobriu
que lhe apetecia um café e entrou.

O restaurante estava quase deserto, e ela preparava-se para ocupar um dos bancos do balcão,
quando viu alguém acenar-lhe de uma mesa. Paul Brandon apresentava-se tão atraente como da
última vez que o vira na realidade, ainda mais, com o casaco sport e camisola de gola alta, pelo que
decidiu reunir-se-lhe.

Depois de pedir o café, aproximou-se da mesa e sentou-se diante dele, que perguntou:

- Como está?

- Nunca me senti melhor. Com muito trabalho. Mas

111
constou-me que você também não se aborrecia de ociosidade. É verdade?

- É. Uma mulher cá do sítio. Muito interessante. A empregada apareceu com o café e Gayle
adicionou-lhe açúcar e começou a movê-lo com a colher.

- Com que então ela é interessante, hem-? observou, sem erguer os olhos. - Você teve sorte. -
Fez uma pausa. - Bonita?

- Não é nenhuma Miss América, mas acho-a atraente, num estilo não muito sofisticado.
Além disso, a timidez empresta-lhe um encanto especial.

- Ajudou-a a dominá-la?

- Um pouco, creio. - Brandon parecia relutante em discutir o assunto. - Sei que também lhe
confiaram um paciente. Como vai o tratamento?

- Na verdade, são dois.

- Dois? - ecoou, com um esgar de admiração. - Não será uma carga excessiva?

- De modo algum. Posso perfeitamente dar conta do recado. O primeiro, como sabe, é um caso de
impotência, o mais duro de roer dos dois, mas estamos a progredir satisfatoriamente. O outro diz
respeito a ejaculação, uma anomalia que costumo curar com êxito, se me permite a imodéstia.

- Dois de uma assentada! - persistiu. - Mas como?...

- Não os recebo juntos - salientou ela, com um sorriso. - Tenciono fazê-lo alternadamente, se
houver possibilidade. Vai ser um pouco opressivo, mas trata-se de um desafio.

- Você é incomparável - comentou ele, meneando a cabeça. - Vejo-me em palpos de aranha para
cuidar de uma, quanto mais... Enfim, cada um sabe as linhas com que pode coser.

- Você é um homem e, mais cedo ou mais tarde, tem de o pôr de pé. Por conseguinte, mais de
uma paciente de cada vez seria exigir demasiado. Comigo, por ser mulher, esse problema não se
põe.

Gayle notou que Brandon se tornava cada vez menos comunicativo e, enquanto sorvia o café,
perguntava-se o que teria. A alusão a dois pacientes enervara-o. Porventura não aprovaria? Seria um
indivíduo competitivo antes de se tornar delegado sexual? Considerá-la-ia

112

ambiciosa? Não, era impossível. No entanto, os homens revelavam-se imprevisíveis nas apreciações
das mulheres.

De súbito, ocorreu-lhe outra possibilidade. Tratar-se-ia de ciúmes?

Isso ainda era mais impossível. Com efeito, mal a conhecia, pelo que não podia sentir instintos
possessivos, nem mesmo remotamente.

Em todo o caso, a hipótese não devia ser descurada por completo.


Analisando-o mais uma vez, tornou a admitir para consigo que era um homem atraente e lhe
inspirava certa simpatia. E, por associação de ideias, especulou sobre o que representaria encontrar-
se nos seus braços. Unirem-se num vigoroso amplexo, quando ambos estivessem desnudos.

Por último, decidiu que se entregava a considerações insensatas e mudou de assunto, passando a
abordar a sua candidatura a uma bolsa de estudo para a UCLA, até que acabou por perguntar como
se desembaraçava das funções de professor de ciências.

- Ó suficiente para manter a cabeça à tona de água.

- Talvez se afogue, se as suas aulas se relacionarem com a educação sexual nas escolas secundárias.

- Relacionam, de facto. Por que diz que me posso afogar?

- Há um evangelista aqui, em Hillsdale, (creio que se chama Scrafield) com um programa semanal
na televisão que aborda a educação sexual nas escolas. Ouvi parte por duas vezes e fiquei revoltada.
No entanto, para alguns, talvez seja conveniente. Quer que volte a ficar a cargo das famílias.
- O que equivale, mais ou menos, a devolver a evolução à Bíblia. Esse fulano... diz que se chama
Scrafield?... é obviamente lunático e não me preocupa. A educação sexual chegou às escolas
para ficar. Não se apoquente, pois, com o perigo de me afogar.

Quando esvaziou a chávena, Gayle pegou na carteira e na conta, esquivando-se no momento em que
ele quis apoderar-se desta última.

- Desta vez, cada um paga a sua despesa - indicou, levantando-se. - Bem, vou andando.

113
- Eu também - declarou Brandon, imitando-a. - Tem carro?

- Está lá fora, no parque. Quer boleia?

- Se não se importa. Devem entregar-me o meu amanhã. Comprei um Chevy em segunda mão
muito jeitoso. Deixei-o na garagem para afinação do motor.

- Nesse caso, hoje pode ser meu passageiro. Depois de pagarem as contas, encaminharam-se em
silêncio para o Honda e ela instalou-se ao volante, enquanto ele se sentava a seu lado.

- Corte à direita - indicou Brandon, quando abandonavam o parque de estacionamento. Uma vez
diante de um prédio de apartamentos de cinco andares, apontou para uma das janelas. - A minha
nova cabana.

Gaylê encostou ao passeio e deixou o motor ligado, enquanto ele se apeava e contornava o carro, a
fim de se acercar do lado dela.

- Por que não sobe para ver as minhas instalações?

- sugeriu, abrindo a porta.

- Está a convidar-me para visitar o seu apartamento? - replicou Gayle, permanecendo imóvel,
com as mãos pousadas no volante.

- Exacto.

- E depois?

- Bem, não sei. - Brandon parecia perplexo. - Podemos...

- Ir para a cama?

- Já que falou nisso, não me parece má ideia. Na realidade, acho-a mesmo excelente. - E estendeu a
mão, para a ajudar a sair.

- Vamos esclarecer uma coisa, Paul. Se o acompanhasse lá acima, acabávamos na cama, porque
estou certa de que me apeteceria. Mas não hoje. Por duas razões. Primeira: não quero que me julgue
uma ninfomaníaca fácil de conquistar. Segunda: duvido que conseguisse aguentar três homens
numa semana. - Ela fechou a porta e, vendo-o inclinar-se para dentro, acrescentou:

- Também não haverá beijo de despedida, pois poda anular a minha determinação. Reservemos
alguma coisa para a próxima vez.

- Para a próxima vez? - repetiu Brandon, saboreando as palavras como se fossem guloseimas.

114

Exacto. - Gayle acelerou o motor e embraiou. -

Não me telefone. Aguarde a minha chamada.


O Honda partiu velozmente, enquanto ele o acompanhava com a vista, dominado por um misto de
excitação e perplexidade.

CAPÍTULO V

FOI no decurso da entrevista e discussão com o seu mais recente paciente, Chet Hunter, e a
delegada incumbida do seu tratamento, Gayle Miller, que o Dr. Freeberg recebeu o
telefonema inesperado. Às 9.21, o botão do círculo interno acendeu-se e a voz de Suzy
Edwards soou no pequeno altifalante:

- Desculpe incomodá-lo, doutor, mas tenho o promotor público de Hillsdale, Hoyt Lewis,
na linha, que insiste em lhe falar.

Contrariado com a interrupção, ele desligou o gravador e replicou:

- O promotor público? Não tenho nenhum assunto pendente com ele e, de resto, estou
ocupado. Não pode aguardar?

- Parece que não. Insiste em falar consigo imediatamente. Diz que é importante.

- Bem... - Hesitou, dominado por uma ponta de apreensão. - Se é importante, ligue lá. -
Levantou o auscultador, cobriu o bocal com a mão e voltou-se para o paciente e a
delegada. - Desculpem, mas, como devem ter ouvido, é o promotor público e acho que
devo manifestar um pouco de consideração pelo seu cargo.

Hunter e Gayle indicaram que compreendiam, e Freeberg retirou a mão do bocal e


aproximou o auscultador do ouvido.

- Estou?...

- Ah, Dr. Freeberg! Ainda bem que consegui contactar consigo. - A voz do outro lado do fio
mostrava-se calorosa e jovial. - Antes de mais, peço desculpa por

116

lhe interromper o sobrecarregado de trabalho. Sou Hoyt Lewis, promotor público desta
cidade. Nunca nos vimos, mas conheço-o de tradição.

- E eu a si, Mr. Lewis. Em que lhe posso ser útil?

- Convinha que nos encontrássemos, doutor, por causa de um assunto local que surgiu. No
entanto, prefiro não o abordar pelo telefone. Julgo preferível discutirmo-lo pessoalmente.
Quanto mais cedo, melhor.

- Concretamente, quando?

- Hoje, se possível. Ao fim da manhã, antes do almoço, por exemplo. Concorda?


Freeberg inclinou-se para a frente, a fim de consultar a agenda.

- Deixe-me ver... - Moveu a cabeça num gesto de assentimento. - Sim, acho que pode ser.
Tenho a tarde toda preenchida, mas estou livre das onze horas da manhã até ao almoço.
Serve-lhe assim?

- Fica combinado. Às onze.

- Onde é o seu gabinete, Mr. Lewis?

- No edifício do Município - explicou o promotor público. - Mas vamos fazer de outra


maneira. Passarei eu por aí.

- Sabe onde é a clínica?

- Perfeitamente. Até logo.

Freeberg pousou o auscultador um pouco intrigado. No entanto, o tom de voz de Lewis não
deixava transparecer urgência especial para além do facto de o encontro se revestir de
alguma prioridade. De qualquer modo, resolveu afastar o assunto do espírito e, aclarando a
garganta, tornou a pedir desculpa a Hunter e Gayle pela interrupção e estendeu a mão para
os apontamentos. Recordou-se então de que não existiam, porque a conversa fora gravada.

- Bem, vejamos onde íamos - murmurou, voltando a ligar o gravador e rebobinando a fita
por alguns metros.

Momentos depois, a voz dele brotava do aparelho:

«... e, como deve recordar, na nossa conversa anterior discutimos pormenorizadamente a


terapia praticada por delegados sexuais. Por conseguinte, ficou com uma ideia geral do que
é e não é, Mr. Hunter.»

«Sem dúvida, doutor.»

«A finalidade deste encontro consiste não só em conhecer a sua delegada, Gayle Miller,
com a qual
trabalhará, mas também recapitular o objectivo da terapia de um modo mais específico. Na sua
essência, não se limita a fazê-lo sentir e proceder melhor, pois pretende, sobretudo, levá-lo a
funcionar bem em todos os aspectos. Nessa con...

Naquele ponto da gravação, surgiu a interrupção de Suzy pelo intercomunicador e nada mais, pois
Freeberg apressara-se a desligar o aparelho.

- Bem, podemos continuar - anunciou, depois de actuar nos comandos para gravar a sequência da
conversa. - Na nossa primeira sessão, Mr. Hunter, esqueci-me de lhe perguntar uma coisa. Segundo
depreendi, sente um profundo descontentamento pela disfunção sexual que o afecta desde o
início das relações íntimas com mulheres.

- Exacto.

- Trata-se de um problema que o preocupa desde longa data? Não surgiu, por exemplo, a semana
passada e decidiu imediatamente procurar a cura?

- Não, aflige-me há, pelo menos, três anos declarou Hunter, dirigindo-se em parte a Gayle, a
qual inclinou a cabeça em silêncio, sem parecer surpreendida.

- E cada vez que tentava um contacto íntimo com uma mulher, experimentava esse desconforto,
com uma ansiedade que lhe sabotava todas as intenções? - volveu Freeberg, endireitando-se na
cadeira rotativa. - Pensa que a disfunção lhe prejudica de algum modo o trabalho?

- O trabalho? - Ó interpelado mostrava-se intrigado. - Não estou a compreender.

- É escritor, e já o era em Nova Iorque, antes de se transferir para a Califórnia. Durante todo esse
tempo, o problema sexual não o abandonou. Crê que interferia na sua concentração, na criatividade?

- Preocupava-me consideravelmente - admitiu. Embora me esforçasse por trabalhar, a... deficiência


não me abandonava o pensamento.

- Essa suposta deficiência redundava num retraimento emocional e mesmo físico no seu
comportamento? Por outras palavras: saía menos com mulheres (e, quando o fazia, evitava a
intimidade com frequência crescente) porque se concentrava na perspectiva de um insucesso na
cama?

- Bem, há aí várias perguntas juntas…


118
- Desculpe. Pode destrinçá-las

- Julgo que sim. Continuei a acompanhar mulheres, pois não estava disposto a desistir. No
entanto, tem razão, quanto a evitar o contacto sexual. Ainda efectuei algumas tentativas, mas as
persistentes ejaculações prematuras desencorajaram-me. Quando me mudei para aqui,
enveredei quase totalmente pelo celibato. Por fim, conheci uma rapariga, apaixonei-me e pensei
que, estando envolvida a componente amor, tudo decorreria melhor. - Abanou a cabeça, com uma
expressão pesarosa. - Enganei-me.

- Decidiu, portanto, e muito sensatamente, tomar medidas para alterar a situação - observou
Freeberg.
- Não foi fácil.

- Na nossa sociedade, com todas as suas pressões, essa ansiedade é perfeitamente compreensível -
interpôs Gayle, com brandura. - Em! todo o caso, o seu problema não o deve embaraçar ou
humilhar. Acontece-lhe o mesmo que a muitos homens, que guardam segredo por suporem que mais
ninguém sofre dessa insuficiência. O Dr. Freeberg garantiu-lhe que se podia curar e eu confirmo
inteiramente as suas palavras,

Freeberg observou que Hunter a escutava com um novo interesse e, sorrindo, propôs:

- Recapitulemos a finalidade da sua terapia e como a vamos aplicar.

A sessão prolongou-se por mais uma hora, enquanto ele se inteirava do passado e história sexual do
paciente, acabando por decidir que este poderia iniciar os trabalhos com Gayle, no apartamento
desta, naquela tarde. Realizar-se-iam novas sessões intensivas nos dois das seguintes, depois de
Freeberg se considerar satisfeito com os progressos registados.

No final, Hunter e Gayle retiraram-se e ele ficou só. Todavia, de certo modo, não se encontrava só.
Reconheceu que o promotor público, Hoyt Lewis continuava presente no seu espírito. Tentou
concentrar-se no paciente mais recente, mas decidiu que Gayle possuía experiência suficiente para
se ocupar dele com eficiência e tornou a pensar em Lewis.

Aparentemente, o pedido do homem para se encontrarem revestia-se da maior naturalidade. Talvez


quisesse apenas dar-lhe as boas-vindas à comunidade ou,

119
mais provavelmente, sugerir que participasse em alguma obra de (interesse geral. No
entanto, apressou-se a admitir que semelhantes hipóteses eram absurdas. Com efeito, as
palavras do promotor continham uma insistência inequívoca em que a entrevista se
verificasse imediatamente.

Não se tratava, pois, de um encontro de natureza social. Num gesto instintivo, como se
procurasse elementos de refrescamento do seu trabalho, abriu a gaveta da secretária em que
guardava os apontamentos para uma comunicação que há muito preparava, e protelava,
sobre <a evolução da terapia sexual e modificações operadas na profissão desde a época
dos pioneiros Masters e Johnson.

Absorveu-se de tal modo na leitura que, quando se lembrou de consultar o relógio,


descobriu que faltavam nove minutos para as onze. Guardou os apontamentos
apressadamente e entrou na casa de banho; onde passou água fria pelo rosto, a fim de ficar
tão alerta quanto possível.

Às onze horas, voltava a sentar-se à secretária, preparado para tudo.

O promotor público, Hoyt Lewis chegou às 11.05, mas não vinha só. Apertou a mão a
Freeberg com vigor e apresentou o companheiro, mais baixo e menos corpulento:

- Espero que não se importe de ter trazido o Dr. Elliot Ogelthorpe, meu velho amigo e
consultor, da Universidade, de Virgínia, que dirige o Departamento de Educação Sexual.
Deu-se a casualidade de se encontrar na cidade e...

- Não me importo absolutamente nada - atalhou Freeberg, estendendo a mão ao


catedrático. Na realidade, porém, não se sentia nada contente. Além de antipatizar com o
aspecto do homem (tinha olhos piscos, lábios rígidos e barba pontiaguda tipo Van Dyke),
desagradava-lhe a reputação de que desfrutava. - Li os seus artigos em jornais de medicina,
entre os quais o último sobre os delegados sexuais, intitulado «A Profissão Antiga
Mais Recente», pelo que posso dizer que estou familiarizado com o seu trabalho.

120

- E eu com o seu - retorquiu Ogelthorpe, sem a menor cordialidade.

Freeberg indicou-lhes poltronas diante da secretária e, ao sentar-se, Lewis continuava a


assumir um ar de sociabilidade.

- Em geral, quando me encontro com alguém por motivos profissionais, mando-o


comparecer no meu gabinete. - Soltou uma breve risada. - O ambiente é mais intimativo.
No entanto, hoje decidi abrir uma excepção e dar uma olhadela na sua clínica, antes de lhe
fazer umas perguntas. Fiquei impressionado com o que vi.
Freeberg não pôde deixar de estranhar o emprego da expressão «motivos profissionais».
Com efeito, se o promotor tinha em mente algum assunto oficial, a sequência da entrevista
poderia revelar-se difícil. Não obstante, replicou calmamente:

- Alegra-me que gostasse das nossas instalações Confesso que me orgulho delas.

Suspeitava de que Lewis viera para inspeccionar a clínica. Mas em busca de quê? Indícios
de orgias? Nessa eventualidade, devia estar desapontado.

Após breve silêncio, o promotor humedeceu os lábios, endireitou-se e suprimiu o ar de


sociabilidade, para assumir uma atitude formal.

- Deve estar intrigado com o motivo da minha visita... e da urgência que manifestei.

- Um pouco - admitiu Freeberg, com um esforço infrutífero para sorrir.

- Desde que se Instalou em Hillsdate, foi-me várias vezes chamada a atenção para as
suas actividades por... bem, membros respeitáveis da nossa comunidade.

- Para as minhas actividades?

- Sim, como terapeuta sexual, uma profissão perfeitamente honesta, e o recurso a


delegadas... envolvidas noutra um pouco mais obscura. Como referi, chamaram-me
a atenção para o facto, pelo que considerei necessário debruçar-me sobre a natureza exacta
do seu trabalho.

- E que apurou? - inquiriu, a meia-voz.

- Que o senhor pode estar implicado, muito inocentemente, numa actividade ilegal,
porventura mesmo criminosa. Investiguei a possibilidade de, como

121
terapeuta sexual, se dedicar ao proxenetismo e as suas delegadas a nada menos do que
prostituição.

- Francamente! - objectou, tentando exprimir-se com desprendimento. - Estamos no final do


século XX, no progressista Estado da Califórnia...

- Ah, a Califórnia... - interrompeu Lewis, extraindo da algibeira uma folha de papel, que
desdobrou. - Deixe-me ler-lhe uma passagem das leis que vigoram neste Estado, que, como
recém-chegado, talvez desconheça. A Califórnia tem dois estatutos no seu código que proíbem
especificamente o trabalho que o senhor e as suas delegadas executam!. - Consultou o papel. - Está
aqui mencionado o termo «proxenetismo», que significa qualquer acção pela qual uma
pessoa se utiliza de outra, com proveito próprio, para efeitos de prostituição. - Ergueu os
olhos. - Ora, ao recorrer a delegados sexuais, subsistem! escassas dúvidas de que se dedica ao
proxenetismo. Isto, Dr. Freeberg, é ilegal na Califórnia e em cinquenta Estados da União. Por
outras palavras, um delito.

Freeberg fez menção de dizer algo, todavia o promotor levantou a mão para o reduzir ao silêncio e
tornou a consultar o papel.

- E também fala aqui de «conduta desregrada, que significa uma pessoa que participa num acto
de prostituição, incluindo actividades licenciosas entre dois indivíduos (de sexos diferentes ou
do mesmo por dinheiro ou outra forma de lucro. Isto é igualmente ilegal e, portanto, um delito,
na Califórnia.

- Ainda não definiu «prostituição - salientou Freeberg, sentindo um calor incomodativo nas
faces, ao mesmo tempo que tentava dominar a indignação.

No entanto, o interlocutor debruçou-se de novo sobre o papel.

- Entende-se por prostituição o envolvimento de alguém em relações sexuais profissionais, em


particular por dinheiro. - Ergueu a cabeça. - Considera-se vulgarmente prostituta uma mulher que se
dedica a relações sexuais promíscuas, sobretudo por dinheiro. E, segundo apurei na minha
investigação, tudo indica que o senhor se encontra perigosamente perto (ou totalmente envolvido)
da prática de recrutar mulheres para se entregarem a actos licenciosos com membros do sexo
oposto,

122

pelo que se convertem em prostitutas remuneradas. Ora bem...

- Um momento, por favor. Não podemos discutir o assunto?

- Foi precisamente para o que o procurei. Discutir as suas actividades e adverti-lo.

- Gostava de analisar a situação, primeiro.

- Se vê alguma vantagem nisso...

- É que pode dar-se o caso de as suas informações não corresponderem! exactamente à realidade.
Permite que esclareça alguns pontos?
- À vontade.

Continuando a fazer esforços para não explodir, Freeberg principiou:

- Julgo essencial que se inteire da enorme diferença que separa a prostituta da delegada sexual.

- Em conformidade com: os elementos que recolhi, são a mesma coisa.

- Deixe-me continuar, por favor, pois a sua ideia do que constitui uma prostituta e uma delegada
sexual pode estar totalmente errada.

- Muito bem, Dr. Freeberg. - O pesado corpo de Lewis mudou de posição na poltrona. - Sou
todo ouvidos.

- Em regra, o médico de clínica geral está pouco documentado sobre os problemas sexuais, a
menos que envolvam! alguma anomalia orgânica. Por conseguinte, sempre que um homem,
jovem ou velho, tem um problema dessa natureza, verifica a inutilidade de recorrer ao seu médico
assistente. Se o aconselham apropriadamente, dirige-se a um especialista (um psiquiatra, um
terapeuta treinado em questões sexuais), que procura descobrir a origem da disfunção,
encorajando-o a falar. No entanto, em breve se descobriu que a terapia verbal não bastava. Como
um psicólogo referiu, «o sexo é acção e não conversa», pelo que a terapia eficiente tinha de se
basear na acção. Os primeiros homens de ciência que compreenderam a necessidade de um
tratamento dessa espécie foram o Dr. Joseph Wolpe, o qual sugeriu o recrutamento de parceiros, ou
parceiras, sexuais para tratamento dos incapacitados, e o Dr. Arnold Lazarus, convencido de que
eles eram «necessários» para conseguir uma acção eficaz nesse

123
âmbito. Contudo, a criação da expressão «delegado sexual» ou «parceiro sexual» deve-se a
Masters e Johnson, que...

- Se tenciona referir-se a Masters e Johnson, julgo conveniente incluir o meu amigo Dr.
Ogelthorpe na nossa discussão, pois, como sabe, se leu os seus artigos, é perito na matéria.

- Evidentemente que incluo ambos - disse Freeberg, ao companheiro do promotor.

- Nesse caso, gostava de lhe dizer uma coisa começou Ogelthorpe-que deve permanecer
acima de todas as outras considerações. Masters e Johnson compreenderam, a partir do
momento em que iniciaram essa terapia, que as prostitutas, as verdadeiras, dariam
delegadas excelentes e utilizaram-nas.

- Isso não é verdade! - retorquiu Freeberg, com brusquidão. - Está a deturpar os factos.

- Parece-lhe? - rosnou o outro.

- Deixem-me continuar, por favor. - Freeberg fez uma pausa, para se certificar de que
Ogelthorpe se mantinha silencioso. - Vou fornecer-lhe os factos autênticos acerca deles e
das prostitutas. Nunca se serviram de uma única como delegada sexual. O que aconteceu
foi o seguinte. Em 1954, Masters, através de filmes e observação de setecentas pessoas,
procedeu a investigações para determinar o que acontecia fisiologicamente ao corpo
humano durante e após o coito e orgasmo, para o que necessitou de mulheres. Por
conseguinte, a princípio, recrutou prostitutas, o que se revelou ineficiente, porque as suas
anatomias e reacções não correspondiam às das outras mulheres. Em face disso,
prescindiu delas e recorreu a voluntárias da Faculdade de Medicina da Universidade
de Washington, que observou e fotografou. Depois, quando Johnson se lhe reuniu, para
as pesquisas seguintes, decidiram estudar a utilidade das delegadas sexuais na terapia.

- Pretende afirmar que Masters e Johnson nunca utilizaram prostitutas como delegadas
sexuais? - perguntou Lewis.

- Nunca - asseverou Freeberg, que rebuscou entre suas notas de consulta e pegou numa
folha. - Mas deixemos falar o próprio William Masters. «Convém salientar que nunca
houve a ideia de utilizar a população

124

de prostitutas (como delegadas)... É exigido tanto mais a uma substituta de parceira do que
um rendimento sexual físico perfeito, que o recurso às prostitutas resultaria, na melhor das
hipóteses, clinicamente frustrado e, na pior, psicologicamente desastroso.» Pousou o papel
e acrescentou: - Portanto, Masters e Johnson procuraram mulheres vulgares para servirem
de delegadas sexuais voluntárias e, após selecção meticulosa, encontraram treze idades
compreendidas entre os vinte e quatro e os quarenta e três anos para o efeito.
- E essas mulheres - insistiu o promotor - não eram prostitutas, apesar de se dedicarem à
mesma actividade?

- De modo algum - tornou Freeberg, com! veemência. - AS prostitutas têm como finalidade
proporcionar prazer sexual momentâneo aos homens. As delegadas (no programa- de
Masters e Johnson, e no nosso, como deve saber) são tudo menos atletas sexuais. A sua
tarefa consiste em reabilitar pacientes incapacitados. São treinadas e utilizadas para
auxiliar a acção do terapeuta, além de exercer as funções de observadoras e modelos. Nas
suas relações com os pacientes, através de uma série de exercícios de tacto e carícias,
tentam ajudar os pacientes a aprender como devem experimentar a intimidade humana.
E o sistema funciona. Nos onze anos em que Masters e Johnson se ocuparam de cinquenta e
quatro homens solteiros afectados de perturbações sexuais, quarenta e um receberam os
cuidados de delegadas. E, desses, trinta e dois viram os seus problemas resolvidos graças à
colaboração delas, vinte e quatro dos quais vieram a casar e cumprir as funções dignas de
maridos de modo absolutamente satisfatório.

Ogelthorpe voltou a interromper:

- Quem nos garante que isso é verdade? Como podemos saber que os pacientes de Masters
e Johnson se curaram, depois de terem alta da clínica? Segundo as minhas informações, só
tornaram a estabelecer contacto com eles cinco anos mais tarde... e mesmo assim pelo
telefone. Considera científico esse acompanhamento dos diferentes casos?

- A esse respeito, permita-me que cite as palavras

125
de William Hartman, um psicólogo de renome do Dentro de Estudos Maritais e Sexuais, em Long
Beach, Califórnia- retrucou Freeberg, com um sorriso. - Ao perguntarem-lhe como acompanhava o
comportamento dos seus antigos pacientes, replicou: «Quando foi que o seu médico lhe telefonou
pela última vez para saber se continuava curado da gripe?»

O promotor soltou uma risada divertida, porém Ogelthorpe conservou a expressão grave.

- Cinjimo-nos a Masters e Johnson. Há um facto que decerto não negará. Eles renunciaram! à
utilização de delegadas sexuais em 1970.

- Exacto - assentiu Freeberg, mas não porque se tivessem revelado ineficientes. Um indivíduo
chamado George E. Calvert, de New Hampshire, exigiu-lhes a indemnização de um milhão e meio
de dólares, porque a esposa, Bárbara, trabalhara para eles como delegada sexual e tivera relações
íntimas com sete pacientes. Masters e Johnson resolveram o assunto fora dos tribunais e a seguir
deixaram; de utilizar delegadas sexuais. A circunstância de serem particularmente famosos
tornava-os mais vulneráveis que os outros terapeutas, e subsistia sempre a possibilidade de
novas dificuldades legais. Masters confessou que, sem delegadas sexuais, «as estatísticas de êxito
com homens solteiros impotentes inverteram-se totalmente, e agora temos uma taxa de insucessos
de 70 a 75 por cento». Não obstante, na posse desse conhecimento acerca do valor dessas
auxiliares, dezenas de terapeutas, entre os quais me incluo, continuam a treiná-las e utilizar no seu
trabalho.

- Sugiro que não percamos mais tempo com Masters e Johnson. - Lewis começava a revelar
impaciência. - No fundo, não constituem o fulcro do nosso problema. O que nos interessa são as
delegadas sexuais. E, quanto a mim, essa denominação não difere da de prostituta. Confesso que
não descortino a diferença.

Tinham chegado ao âmago do conflito, e Freeberg mostrou-se mais determinado em solucionar o


assunto, ao falar directamente para o promotor.

- Creia que existem diferenças fundamentais. A delegada sexual é orientada por um


terapeuta profissional que a instrui com regularidade, ao contrário

126

do que acontece com a prostituta. A delegada é treinada na aplicação de exercícios benéficos, que
envolvem o tacto e a prostituta não. A primeira é motivada pelo desejo profissional de auxiliar um
paciente disfuncional, curá-lo, enquanto a segunda só tem em vista ganhar dinheiro. A delegada
sexual pertence com frequência a uma família com pelo menos um dos pais extremoso e
compreensivo, ao passo que a prostituta provém, em regra, de uma família devastada, corroída pelo
ódio. A delegada sexual dedica-se ao paciente com o desvelo de uma professora durante um período
prolongado, enquanto a prostituta se entrega a um inúmero interminável de homens num breve
lapso de tempo, porque procura proventos fáceis e rápidos. Como a conhecida terapeuta Bárbara
Roberts afirmou, «a maioria das delegadas daria uma má prostituta e, devido à ausência de treino e
motivação diferente, a maioria das prostitutas daria uma péssima delegada».

Lewis pousou as palmas das mãos nos joelhos e olhou-o com firmeza por um momento, antes de
declarar:

- Belas palavras, doutor, mas continuo a não me convencer da diferença essencial entre uma
prostituta e uma delegada sexual.
- Diferença essencial? - repetiu Freeberg. - Não compreendo.

- Refiro-me ao facto de ambas terem a mesma função básica. Permita-me que empregue a
linguagem das ruas. Ambas são contratadas e pagas para forni car.

- Deixe-me replicar também na linguagem das ruas. A atitude da prostituta resume-se no


seguinte princípio: mete-o dentro, saca-o para fora e raspas-te. De um modo geral, não desfruta
da estima do parceiro. A delegada sexual, por seu turno, não constitui unicamente uma vagina
disponível que oferece alívio a uma necessidade fisiológica, mas uma amiga profissional
capaz de levar um homem- a sentir-se confortável com o seu próprio corpo. É alguém que lhe pode
reavivar a capacidade de se tornar um ser sensual, sensação que ele provavelmente perdeu através
da educação que recebeu e condicionamento. Vou pôr a questão noutros termos. A diferença reduz-
se a motivação e finalidade, a mesma que encontramos entre um cirurgião e um assassino.
O primeiro utiliza uma faca para retalhar o

127
corpo com intenções curativas, ao passo que o segundo o faz para roubar ou satisfazer qualquer
outra ideia inconfessável.

- Insisto em que não vislumbro a mínima diferença entre uma prostituta e uma delegada sexual. A
meu ver, são uma única coisa com idêntica finalidade.

- Está totalmente enganado - protestou Freeberg.


- A prostituta dedica-se inteiramente a actos licenciosos e relações sexuais, enquanto a
delegada pode (pode, note) consagrar os dois últimos dos doze exercícios ao coito, para provar que
a cura se consumou. Menos de vinte por cento da sua actividade com um homem envolve esse acto.
Posso garantir-lhe que não é uma rameira.

- Talvez tenhamos de recorrer aos tribunais para esclarecer o assunto definitivamente - anunciou
Lewis, levantando-se. - Mas não vim para o ameaçar com a prisão. Pelo menos, para já. Fi-lo,
porque sou um tipo porreiro, o doutor é novo na comunidade, acredito que, embora mal orientado,
está de boa fé e desejo proporcionar-lhe a oportunidade de arrepiar caminho. Na realidade, quero
propor-lhe exactamente o mesmo que o promotor da cidade de Tucson, Arizona, antes de o senhor
decidir transferir-se para aqui. Renuncie definitivamente à utilização de delegadas sexuais e
volte a ser um bom terapeuta verbal, como todos os psiquiatras das cercanias. Se proceder
assim, permanecerá dentro da lei e ninguém o incomodará. Mas primeiro tem- de se livrar delas.

- De todas? - Freeberg ergueu-se igualmente, em movimentos hesitantes.

- Se não o fizer, ver-me-ei forçado a acusá-lo de proxenetismo e às suas delegadas sexuais de


prostituição, o que poderá corresponder, respectivamente, a uma pena de um a dez anos de prisão e
seis meses. De qualquer modo, não poderá voltar a exercer a actividade em Hillsdale ou qualquer
outro lugar da Califórnia. Ou, se preferir, abdique dessa prática anti-social ou sujeite-se às
graves consequências. Se resistir à minha proposta, mandarei detê-lo e às suas delegadas sexuais, o
que originará uma audiência preliminar no tribunal municipal e o julgamento oficial, sessenta
dias depois. Sugiro que tome uma decisão com a maior brevidade

128

possível. Digamos, dentro de uma semana. Até lá, o seu advogado poderá informar-me do que
decidir. Entendido?

O promotor aguardou que Freeberg aquiescesse com uma inclinação de cabeça e, fazendo sinal a
Ogertthorpe, encaminhou-se para a porta, onde proferiu por cima do ombro:

- Obrigado pelo tempo que nos concedeu. Espero que escute a voz da razão.

Quando ficou só, Freeberg afundou-se na cadeira rotativa e voltou-se para o telefone.

Indignado, tentou recordar-se do número do advogado e seu velho amigo Roger Kile, em Los
Angeles, e, por fim, ligou ao escritório.

- Mr. Kile acaba de sair para almoçar -< anunciou a recepcionista que atendeu, mas creio que ainda
o apanho no corredor. Um momento, por favor.

- Obrigado. Diga-lhe que é o Dr. Arnold Freeberg. Ele segurou o auscultador com firmeza e
ansiedade,
até que ouviu a voz de Kile.

- Roger? Arnold. Desculpa atrasar-te o almoço, mas trata-se de um assunto importante.

- Não te preocupes com o meu almoço. Pareces agitado. Que se passa?

- E estou. Acredites ou não, deparam-se-me apuros, mais uma vez.

- De que espécie?

- Hoyt Lewis, o promotor público de Hillsdale, acaba de sair do meu gabinete. Devo esclarecer
que não veio em visita social.

- Que pretendia?

- Se dispões de uns minutos...

- Disponho do tempo que quiseres. Conta lá isso em pormenor.

Freeberg descreveu a situação ao longo de cerca de dez minutos, sem omitir a ameaça e oferta de
compromisso de Lewis.

- E aqui tens, Roger - concluiu. - Que devo fazer? Parece que ele me encostou à parede.

- Espera aí, Arnie. Mais devagar. Convém apurar o que se encontra por detrás disto, antes de
tomares uma decisão.

- Mas não compreendo a verdadeira causa. E na

129
Califórnia, ainda por cima! Que se passará nos bastidores?

Verificou-se um breve silêncio, e Kile aventurou:

- Política.

- Política?

- Exacto. Não conheço Lewis pessoalmente, mas ouvi falar dele, aqui, em Los Angeles. É
popular e pretende sê-lo muito mais. Palpita-me que iniciou alguma campanha secreta para se
guindar a voos mais elevados. Quer tornar-se conhecido a nível estadual, e o ataque à tua clínica
e delegadas sexuais constitui um excelente pretexto para atrair as atenções dos órgãos da
Informação. Se for bem sucedido, pode abalançar-se a proezas mais espectaculares.

- Pelo que ouvi e observei, é muito natural que o consiga.

- Não traces conclusões precipitadas. Pode tratar-se de algo mais do que um mero caso
criminal. Há muitas ramificações possíveis.

- Posso- desafiá-lo? - balbuciou Freeberg. - Achas que existe alguma hipótese de eu ganhar?

- Veremos. Analisarei todos os aspectos da questão. Antes de desligares, quero que dês à minha
secretária uma lista de pessoas qualificadas (médicos, terapeutas e delegadas) que conheças e te
mereçam confiança, para responderem: a algumas perguntas e fornecerem os elementos de que
necessito.

- Muito bem.

- Depois, passarei o resto do dia de hoje e amanhã a conversar com elas pelo telefone, e espero ter
tudo preparado à noite. A seguir, estudaremos o plano de campanha.

- Quando?

- O mais depressa possível. Por que não vens até cá? Podíamos encontrar-nos no La Scala, em
Beverly Hills, amanhã, às sete da tarde. É um restaurante sossegado, onde trocaremos
impressões à vontade.

--Lá estarei. Poderás então indicar-me o que devo fazer?

- Espero que sim.

- Achas que tente alguma hipótese?

- Ainda não sei. Mas conto poder elucidar-te amanhã.


130 .

Ao fim da tarde seguinte, encontravam-se instalados num confortável reservado do restaurante La


Scala, situado numa rua denominada Bulevar da «Pequena» Santa Monica.

Durante o trajecto de automóvel ao longo da estrada marginal em direcção a Beverly Hills para
comparecer ao encontro com o amigo, Freeberg sentia-se enervado e obcecado pela ameaça que
pairava sobre a sua cabeça. Se o promotor público estava disposto a utilizar a clínica, com as
delegadas sexuais, como trampolim para progredir na carreira política, como Kile sugerira,
subsistiriam reduzidas esperanças de o dissuadir. Não obstante, havia uma percentagem razoável de
condescendência na sua atitude. Apresentara-se para o prevenir, concedendo-lhe a oportunidade de
prescindir definitivamente das delegadas e respectivo tratamento. Se Lewis fosse um indivíduo mais
implacável, ter-se-ia limitado a actuar sem qualquer advertência prévia.

No entanto, Freeberg observara que não existia a menor irresponsabilidade no comportamento do


promotor. Não se aventuraria a empreender uma acção legal sem a certeza da vitória. Não era
insensato, pelo que sabia que, em política, a derrota pagava-se caro. Por conseguinte, revestia-se de
extrema importância aproveitar os elementos que Kile tivesse apurado. Se indicassem que Lewis
dispunha de todos os trunfos e Freeberg nenhum, este teria de encerrar a clínica em Hillsdale e não
a poderia transferir para qualquer outro lugar da Califórnia. Haveria a possibilidade de a conservar
aberta e exercer as funções de terapeuta sexual para sobreviver, mas amargurá-lo-ia ter de negar a
tantas pessoas necessitadas a oportunidade de uma cura positiva.

Agora, no reservado do La Scala, os dois amigos entretinham-se com martinis sem terem ainda
abordado o assunto que os reunira.

- Efectuei numerosas diligências, ontem e hoje advertiu Kile, ao princípio. - Estou derreado e
apetece-me uma bebida em sossego. A seguir, escolheremos o que vamos comer e depois
passaremos a coisas mais sérias.

Assim, começaram por abordar temas de natureza pessoal. Freeberg referiu-se à mulher e filho,
enquanto

131
o amigo, solteiro, de traços fisionómicos regulares e queixo voluntarioso, aludiu a uma nova amiga,
agente de vendas nuns armazéns importantes, e a alguns casos de que se ocupara ultimamente.
Durante essa acção de retardamento, a salada foi servida, e só quando não restava um único vestígio
no prato, Kile abriu a pasta que pousara no assento a seu lado e extraiu cerca de uma dezena de
cartões de ficheiro. Colocou-os junto do pires com cubos de manteiga, mas antes que tivesse ensejo
de os consultar, o empregado serviu a costeleta de novilho grelhada com espaguete, e ele aguardou
que o homem se afastasse.

- Comecemos pela prioridade A. Forneceste-me uma boa lista de pessoas para procurar ou
contactar pelo telefone. Todas se mostraram dispostas a colaborar, quando se inteiraram de que se
tratava de ti e eras ameaçado por Lewis.

- Disseste-lhes?

- Por que não? Os especialistas e delegadas que me indicaste também estão ameaçados. Por
conseguinte, têm interesse na tua vitória. Mostraram-se, sem uma única excepção, [indignados e
prestáveis.

- Prestáveis até que ponto?

- Bem, para já, fiquei muito mais elucidado sobre as tuas actividades. - Kile fez uma breve pausa
para levar o garfo à boca. - Convenci-me plenamente de que a delegada sexual não actua como
uma prostituta.

- Não sabias já?

- Precisava de o ouvir dos lábios de outros peritos na matéria que não estivessem imediatamente
envolvidos no assunto que te preocupa. De facto, não subsiste a menor dúvida de que a delegada
sexual possui motivação e atitudes muito diferentes das da prostituta média. E na sua
finalidade também, ainda em maior grau. Pretende curar o paciente e só considera que o conseguiu
quando ele pode ter relações sexuais normais com outras mulheres.

- Mas expliquei tudo isso a Hoyt Lewis - lembrou Freeberg, impaciente.

No entanto, o outro ignorou o comentário e consultou as fichas.

- Na verdade, tens muita gente do teu lado. Que-

132

rés ouvir o que declarou o director da Clínica de Desenvolvimento dos Recursos Humanos?...

- O Dr. Dean Dauw.

- Pois, Dauw. Afirmou o seguinte: «As delegadas não são de modo algum prostitutas... Se um
homem é impotente e solteiro, como se pode tratar sem recorrer a uma mulher? Ela tem de ser
alguém que se preocupe em ajudar as pessoas... mas nunca uma prostituta. Esta, na maioria dos
casos, detesta os homens e é motivada pelo dinheiro.» Gostei de ouvir isto.

- Corresponde à verdade.
- Por outro lado, há muitos terapeutas e psiquiatras que não estão do teu lado. Consideram que, de
um modo geral, as delegadas sexuais são mal treinadas, além de que permanecem sob suspeita das
autoridades porque a sua profissão não se encontra bem definida. A Associação de Psicólogos de
Massachusetts, por exemplo, reprova inteiramente a sua utilização, pelas razões que referi. - Kile
voltou a consultar as fichas. - Alguns terapeutas mostram-se hesitantes, como a Dr.a Helen
Kaplan, directora de um programa de terapia sexual na Clínica Payne Whitney do Hospital de Nova
Iorque.

- Goza de excelente reputação - aquiesceu Freeberg.

- Parece estar dos dois lados... embora um pouco menos do teu. Disse o seguinte: «As pessoas
solitárias podem ser auxiliadas por delegados, mas eu tentaria aplicar a psicoterapia para indagar a
causa da solidão. Temos de voltar a levar a humanidade e o erotismo para a cama, o que não é
possível pagando cem dólares a alguém para que lhe faça companhia.»

- Isso favorece a minha posição ou a do promotor público?

Kile pousou as fichas e sorriu.

- Penso que ele utilizará argumentos mais sólidos contra ti, se for necessário. - Conservou-se
pensativo por um momento, como se lhe tivesse ocorrido outra coisa. - Há um factor mais pesado
em teu desfavor, Arnie. Segundo apurei, a Justiça manifesta fortes preconceitos contra as delegadas
sexuais.

- Que queres dizer?

- Eu explico. Encontrei um advogado que acabava de se ocupar de um divórcio em Burbank, no


qual

133
representava a esposa, mãe de duas crianças, que ficaram ao seu cuidado durante o pleito. O marido
descobriu que ela exercia as funções de delegada sexual em regime de part time, embora nunca o
fizesse em casa ou nas proximidades dos filhos, e contactou com o seu representante legal, que se
dirigiu imediatamente a um magistrado, a fim de obter um mandado de ex parte, sem necessidade
de audiência, e as crianças foram retiradas à mãe e confiadas ao pai. O meu amigo e eu pensamos
que foi uma decisão cruel e destituída de bases legais, mas serve para demonstrar que, no nosso
mundo real, nem sempre podemos esperar um tratamento imparcial.

- Não estás a contribuir para a minha paz de espírito.

- Limito-me a salientar o poder de determinados preconceitos.

- Por que não te deixas de rodeios, Roger? Qual é a minha posição, exactamente?

- É o tópico seguinte da nossa agenda. Não me enganei com o que supus, quando me telefonaste.
Trata-se de facto de uma questão política. Hoyt Lewis procura o trampolim que o catapulte para as
alturas e julga que o encontrou. Tem algumas pessoas poderosas a apoiá-lo, que decerto o
incitam a actuar contra ti.

- Quem são?

- O mais conhecido é um clérigo proeminente, Josh Scrafield, que se opõe a toda a espécie de
educação sexual nas escolas e pensa que os terapeutas sexuais como tu lhe podem contaminar a
imaculada comunidade. Os seus programas semanais na TV são seguidos com interesse por um
número apreciável de telespectadores.

- Custa-me a crer que Lewis o tome a sério.

- Scrafield sabe fazer amizades e influenciar pessoas e dispõe de um auditório enorme, para o qual a
sua palavra merece tanto respeito como as do Evangelho. É um elemento valioso, para quem está
interessado em trepar na vida.

- Continua - rogou Freeberg, com uma expressão compungida.

- Tudo isto são possibilidades intangíveis. A única tangível a considerar é a Lei.

- Já tinha chegado a essa conclusão.

A da Califórnia é muito específica na definição

134

dos crimes de proxenetismo e prostituição. No entanto, não faz a menor alusão aos delegados
sexuais. Em alguns Estados, como Connecticut e Arizona, todo o acto sexual remunerado constitui
prostituição. Na Califórnia, não é assim. Os delegados sexuais não são ilegais, sem que, por outro
lado, sejam autorizados. Simplesmente, não recebem autorização oficial para actuar, de contrário
seria um ponto a nosso favor. Aqui, os médicos e os psicólogos necessitam dela para exercer a sua
actividade. Se Hoyt Lewis insistir nessa faceta da questão (os delegados sexuais ocupam-se de
pacientes com anomalias e, por conseguinte, praticam a medicina ou procedem como psicólogos,
sem autorização), pode provocar-te fortes dissabores. Em todo o caso, como as definições da
medicina e psicologia são muito amplas, o argumento talvez não resulte muito significativo se for
utilizado contra os delegados. De qualquer modo, a acusação do exercício de uma actividade sem a
respectiva licença representa um tema pouco propício à obtenção da notoriedade pública. Todavia, o
proxenetismo e a prostituição são questões diferentes, e daí o motivo do interesse especial de Lewis.

- Então, qual é, concretamente, a minha posição? insistiu Freeberg.

- Quanto a mim, pode considerar-se segura - informou Kile, sem hesitar. - A Lei define a
prostituição como «qualquer acto sensual entre pessoas por dinheiro, mas uma delegada sexual
treinada, orientada por um especialista autorizado como tu, não deverá ser acusada de prostituição,
pois poderia apresentar no tribunal provas sólidas das suas intenções e natureza do trabalho.
Exporia documentos, planos, programas, apontamentos; em suma, toda a espécie de elementos
comprovativos de que exercia uma terapêutica legítima e não praticava qualquer «acto sensual» por
dinheiro. Demonstraria que não passava de um complemento da autorizada terapia verbal.

- Isso significa que a Lei está realmente do meu lado? - perguntou Freeberg, arregalando os olhos
atrás dos óculos.

- Não vislumbro qualquer dúvida a esse respeito


- confirmou Kile, com um sorriso. - A intenção da Lei consiste claramente em prevenir o vício
comercializado,

135
susceptível de prejudicar indivíduos, famílias e a própria sociedade. Ora, não vejo nada disso nas
actividades dos delegados de qualquer dos sexos. A finalidade destes cinge-se a reabilitar pessoas
que sofrem de disfunções sexuais diagnosticadas clinicamente e a sua acção não envolve a mínima
conduta promíscua. Pretende ser construtiva dos pontos de vista físico, emocional e económico para
os indivíduos, famílias e sociedades. - Fez uma pausa. - Por outras palavras, meu amigo, o promotor
público não dispõe de bases sólidas para se apoiar. Julgo-as mesmo, muito frágeis. A tua posição é
muito mais firme, e a minha em teu nome.

- Tens a certeza?

- Absoluta. Ele não se pode apresentar no tribunal sem testemunhas oculares de comportamento
licencioso por parte dos teus delegados. Onde as iria buscar? Possuis pessoal merecedor de
confiança e nenhum paciente se passaria para o lado de Lewis para te prejudicar, depois de lhe teres
sido útil no tratamento de uma anomalia íntima que a maioria considera inconfessável. Não, rapaz.
Todas as testemunhas possíveis estão a teu favor.

- Quero crer que sim.

- Podes, pois, ficar tranquilo.

O semblante de Freeberg iluminou-se e grande parte da tensão que o dominava atenuou-se


visivelmente.

- Nesse caso, posso continuar a funcionar como até aqui?

- Ainda com mais entusiasmo. Insiste no tratamento com delegados. Aceita um número mais
elevado de pacientes. Acumula uma percentagem crescente de êxitos e, se Lewis cometer a
imprudência de te levar aos tribunais, disporás de todos esses elementos para o vencer. No entanto,
julgo conveniente que se inteire mais cedo dos teus triunfos, pois isso contribuirá para que pense
duas vezes antes de te acusar formalmente.

- Como procedo, para já? Prometi comunicar-lhe a minha decisão dentro de uma semana.

- Não lhe comunicarás nada. Daqui em diante, encarrego-me eu dele. Deixo-o em ebulição até ao
último momento e depois telefono-lhe ou procuro-o. Nessa altura, explico-lhe que pode fazer o que
quiser, mas não tem a menor possibilidade de triunfar, e continuarás com a clínica aberta.

136

- E não tem?
- Não tem quê?

- A menor possibilidade?

- Creio que não, embora nunca se saiba. - Kile encolheu os ombros com desprendimento. - Na
justiça americana, costuma haver dois vectores. Às vezes, a vitória inclina-se para o mais fraco,
graças a uma aragem de sorte. Mas, no teu lugar, eu continuava com a minha vida como se não
tivesse acontecido nada. Não vejo necessidade de preocupares os teus delegados com isto.
- Pegou na ementa e acrescentou: - Para sobremesa, recomendo o gelado de chocolate. A cobertura é
um autêntico poema.
Enquanto permanecia, totalmente vestida, junto do chuveiro da casa de banho, e estendia a mão
para verificar se a água estava suficientemente quente para o exercício seguinte, Gayle Miller não
pensava em Adam Demski, que se despia na sala de terapia, mas na breve conversa com o Dr.
Freeberg, ao princípio da tarde.

Ele chamara-a para analisar a situação de Demski, o que se lhe afigurou estranho, pois tinham
trocado abundantes impressões sobre o assunto nas ocasiões habituais. Não obstante, Freeberg
insistiu em recapitular tudo mais uma vez, como se pretendesse certificar-se de que o tratamento se
desenrolava da melhor maneira.

- Parece-lhe, pois, que ele já não sente tanta relutância em se despir?

- Na primeira vez, antes do imagismo corporal, ofereceu uma resistência quase inabalável -
explicou Gayle. - Apesar disso, consegui convencê-lo e descontraiu-se apreciavelmente. Quando
teve de se despir para as carícias nas costas, anteontem, pensei que surgiriam dificuldades. No
entanto, fê-lo sem vacilar e esteve mais à vontade durante todo o exercício.

- Outra coisa... - Freeberg inclinou-se para a frente e pareceu hesitar.

- Sim?

- Notou alguma indicação de movimento eréctil?

- Absolutamente nenhuma. Continua flácido. - Ela fez uma pausa. - Talvez ainda seja muito cedo.
137
- É natural que tenha razão. Que se segue na agenda? O banho de chuveiro, suponho?

- Exacto. Esta tarde.

Ele voltou a hesitar, antes de dizer:

- Não interprete mal as minhas palavras, Gayle. Não quero que se precipite, mas gostava que
acelerasse o tratamento, na medida do possível. O factor mais importante é o resultado e acalento a
esperança de um êxito excepcional, neste caso. - Nova hesitação. Seria um impulso
excelente para a prosperidade da clínica.

- Envidarei todos os esforços, doutor.

Ao evocar a conversa, enquanto corrigia as posições das torneiras de água fria e quente, continuava
a notar uma sensação de pressão por parte de Freeberg. Ele pretendia que o tratamento decorresse
depressa, mas sem descurar os pormenores habituais. Acima de tudo, e era a primeira vez que se
referia a um resultado, queria que o de Demski fosse excepcional. Parecia uma recomendação
desnecessária, e ela perguntava-se por que teria sido encarecida. Tentou conjecturar o que se
passaria na vida do médico. Achar-se-ia sob o efeito de alguma pressão - para provar algo a si
próprio ou para superar alguma competição que previa?

E a pergunta sobre a hipótese de indícios de erecção... Sim, isso relacionava-se indiscutivelmente


com o desejo do triunfo, porquanto Freeberg nunca a fizera numa fase tão precoce dos exercícios.

A água do chuveiro atingiu finalmente a temperatura apropriada, e Gayle decidiu afastar o assunto
do pensamento, para se concentrar no exercício que se seguiria. Despiu-se na casa de banho e
seguiu para a sala de terapia, onde se lhe deparou Adam Demski desnudo, sentado numa poltrona,
entretido a folhear uma revista. Ela observou com satisfação que tanto esta última como as mãos
não dissimulavam o pénis, o qual pendia com a habitual flacidez.

Quando a ouviu entrar, ergueu a cabeça e fixou os olhos no corpo dela, ao mesmo tempo quê
aventurava:

- E... é bela, Gayle.


- Os piropos agradam-me. Ela estendeu a mão.
Venha comigo.

138

Ele pousou a revista, levantou-se e segurou-lha.

- Onde vamos?

- À casa de banho, tomar um duche sensual juntos.

- Mas tomei um, esta manhã.

- Este é diferente... como verá. Na realidade, trata-se de uma carícia corporal de pé, utilizando água
e sabonete. Depois, secamo-nos, voltamos para aqui e procederemos a novas carícias nas costas.
Que tal acha o programa?
- Estupendo.

- Então, vamos.

Gayle conduziu-o ao longo do corredor e entraram na casa de banho, onde lhe largou a mão, a fim
de sintonizar a telefonia branca da prateleira numa estação de frequência modulada. A melodia era
indolente e suave, porventura dos anos quarenta, quando os pares dançavam juntos.

- Gosto deste género de música - disse Demski.


- Agora, que fazemos?

- Como vê, já preparei a água - indicou ela, afastando a divisória de plástico do cubículo do
chuveiro. - Vamos colocar-nos debaixo do jacto, voltados um para o outro. Depois de molhados,
você pega no sabonete e ensaboa-me tanto quanto puder. A seguir, acaricia-me, mas sem tocar nos
seios ou na área genital. Tente manter os olhos fechados, a menos que precise de ver onde pousa as
mãos. Também fecharei os meus e é provável que fale um pouco para o orientar. Ensaboe-me na
frente e nas costas e depois far-lhe-ei o mesmo.

- A ideia é sentirmo-nos confortáveis?

- A ideia é experimentar prazer. Não fale, a não ser que alguma coisa o incomode ou se sinta mal.

- Entendido.

- Repito que a ideia consiste em experimentar prazer e activar as sensações. Abandone-se-lhes e


tente pensar criativamente, como num devaneio. A situação pode tornar-se sensual e até erótica.
Procure sentir a sensualidade do seu tacto e depois do meu. Venha.

Entraram para o cubículo e ficaram debaixo do chuveiro, cuja água estava deliciosamente morna.

Gayle entregou o sabonete a Demski e retrocedeu um pouco, perguntando:

- Sente-se confortável?

139
- Estou descontraído.

- Eu também. Por que não me ensaboa? O pescoço, ombros, braços, mãos, ancas e pernas.

- Preciso de abrir os olhos para...

- Não faz mal. Mas mantenha-os fechados sempre que lhe for possível.

Enquanto a música continuava a soar em surdina, ele começou a fazer deslizar o sabonete
pelo corpo dela, tendo o cuidado de evitar os seios e a vagina.

- Muito bem, Adam - murmurou ela, que conservava os olhos fechados. - Agora, pouse o
sabonete e utilize as mãos para me acariciar levemente, à frente e atrás.

Demski seguiu as instruções à risca, e as pontas dos dedos deslocaram-se sobre as partes
superior e inferior do corpo dela, que emitiu um suspiro involuntário.

- Que bom... - Transcorridos cerca de dez minutos abriu os olhos. - Dê-me o sabonete.
Agora, é a minha vez de o ensaboar e acariciar. Feche os olhos e esteja calado. Deixe a
mente flutuar. Encontra-se num harém, com milhares de dedos a acariciar-lhe o corpo.
Lembre-se de que se trata de um exercício sensual, e espero que desfrute tanto quanto
possível. Volte-se, para que principie pelas costas.

Ele deu meia volta debaixo do chuveiro e Gayle acercou-se mais, absorvendo a tepidez da
água, enquanto fazia o sabonete deslizar ao longo do pescoço, ombros, tronco e nádegas,
até ficar coberto de espuma. Ao mesmo tempo, com a mão livre, massajava-o suavemente.

Passados uns minutos, fê-lo voltar-se e passou a ensaboar o peito, braços, quadris e pernas.
Por fim, pousou o sabonete, mergulhou as duas mãos na espuma e começou a descrever
movimentos circulares, até que a água do chuveiro a eliminou por completo.

Aproximou-se mais dele, fez as mãos deslizar nos quadris, mais uma vez, e a seguir, no
interior das coxas, abrindo os olhos para se certificar de que não tocava nos órgãos genitais.

De súbito, viu algo mover-se, e arqueou as sobrancelhas de incredulidade.

O pénis entumecera um pouco, erguendo-se quatro ou cinco centímetros da virilha.

Apeteceu-lhe gritar: «Ressurreição!»

140

E o Dr. Freeberg tinha de ser informado sem demora. Mesmo que o não deixasse
transparecer, ficaria deslumbrado. Pela primeira vez, Gayle divisava uma luz ao fundo do
túnel e formava uma palavra à distância: vitória.
Incapaz de se conter devido à proeza alcançada, rodeou Demski com os braços e apertou-o
com ternura. E teve a satisfação de se aperceber da pressão inequívoca do pénis.

- Que aconteceu? - perguntou ele, abrindo os olhos. - Ia cair?

- Não nota nada?

- Quer dizer que?...

- Sem dúvida. Vai bem lançado, Adam. Como se sente?

- Com três metros de altura - declarou, timidamente.

- Bom sinal - replicou ela, sorrindo.

Naquela noite, na cama, enquanto aguardava que Tony saísse da casa de banho, Nan
Whitcomb decidiu efectuar mais uma diligência para esclarecer a situação.

Conseguira esquivar-se-lhe durante toda a semana, alegando que o ginecologista insistira


em que evitasse as relações sexuais enquanto recebia o tratamento de choque de hormonas,
porém cada dia que passava tornava-o mais intratável, e ela acabara por reconhecer que não
o poderia iludir eternamente. Mais cedo ou mais tarde, teria de ceder às suas exigências, e
duvidava de que a fase da terapia em que se encontrava lhe permitisse colaborar e
proporcionar a desejada satisfação.

Necessitava, pois, de enfrentar a vida que escolhera e queria manter, o que implicava tornar
as relações íntimas com Tony Zecca aceitáveis.

Julgava ter encontrado uma nova táctica e estava disposta a pô-la em prática, já que a
rejeição constante não resolveria nada. A solução poderia consistir em modificá-lo, pelo
menos um pouco.

A ideia de o adaptar às suas necessidades ocorrera-lhe ao fim da tarde, depois de abandonar


o apartamento de Paul Brandon. Paul... Ela tinha dificuldade em o considerar um delegado
sexual remunerada e a si própria como uma mera paciente. No início da sessão de duas

141
horas, ele descrevera o exercício seguinte: as carícias frontais sem tocar nos seios nem nos
órgãos genitais. Nan despira-se com uma sensação de antecipação crescente e tinham
principiado a actuar com particular cautela de ambas as partes. Os dedos dele ao longo do
seu corpo tinham-lhe feito subir a temperatura, e dominara com dificuldade o desejo de
pegar nas mãos e pousá-las nos seios e depois na vagina. No entanto, resistira à tentação,
porque não queria infringir as regras, perturbar o relacionamento entre ambos ou melindrá-
lo de algum modo. E no momento em; que fora a sua vez de o acariciar, a tentação
redobrara: apetecera-lhe segurar o pênis e orientá-lo para o seu interior. De qualquer modo,
Pau parecera pressentir o que se lhe desenrolava no espírito e mostrara-se particularmente
atencioso, mesmo depois de voltarem a vestir-se.

Durante o percurso no carro em direcção a casa, mas ainda mais após o jantar e quando se
preparavam para ir para a cama, Nan decidira falar a Tony naquela noite e tentar transferir
para ele parte da ternura e cuidados de Paul.

Ouviu a porta da casa de banho abrir-se e tornar a fechar-se e viu-o aproximar da cama. O
ténue clarão amarelado do candeeiro da mesa-de-cabeceira permitiu-lhe observar que
estava completamente despido, e tentou revestir-se de coragem para a conversa em mente.

Todavia, ele subiu para a cama, afastou o cobertor de cima dela e levantou-lhe a saia da
camisa de dormir.

- Terminaram as férias - anunciou, em voz rouca.


- Já deves ter recuperado as energias. Como podes ver, estou preparado. Abre lá o raio das
pernas.

Nan ficou instantaneamente horrorizada. A ideia de tentar fazer-lhe escutar a voz da razão,
assim como as palavras que ensaiara meticulosamente evaporaram-se. O momento não era
de conversas, mas de sobrevivência.

- Escuta, Tony... ainda não...

- Vá lá, filha. Põe a almofada debaixo do rabo.

- Não, por favor! Não devo... não posso! O médico preveniu-me de que não o fizesse até
terminar as injecções. Tem um pouco mais de paciência. Deixa-me...

- Não percamos mais tempo, garota. - Ele pousou as possantes mãos nos joelhos dela. -
Basta de tretas

142

com esse médico. Cá o rapaz tem um remédio que te vai curar de vez.

As pernas começavam a ceder e Nan segurou-lhe os dedos, numa tentativa para o impedir.
- Não, Tony! O médico recomendou-me...

- Que se lixe! - uivou ele. Conseguiu finalmente abrir-lhe as pernas e, com um grunhido,
tentou penetrá-la. - Safa, que estás apertada!

Persistiu e, por último, alcançou os seus intentos, obrigando-a a soltar um grito de dor.

Nan agrediu-o no peito com os punhos, torturada pela sensação pungente provocada pela
pressão abrasiva.

- Não, por favor! Matas-me... Vou morrer... - Tornou a gritar e principiou a gemer.

- Ah, começas a gostar, hem? - articulou ele, acentuando a penetração.

Ela continuou a gemer e as lágrimas rolavam-lhe


pelas faces, enquanto ele explodia no clímax.

Por fim, retirou o pénis e reclinou-se na cama. «

- Não foi assim tão mau, pois não?

- Doeu-me muito, Tony.

- Ora! Vocês, mulheres, estão sempre a lamentar-se.

- Deixa-me ir ao médico mais um par de vezes, antes de voltarmos a fazê-lo.

- Depois, já não te queixas?

- Não. A deficiência estará curada.

Voltou-se para o outro lado, bocejou e puxou o cobertor para cima.

- Está bem. Vai lá ao teu médico, mas não quero ouvir mais queixumes.

- Com certeza que não - prometeu ela.

Ao princípio da tarde seguinte, Nan e Brandon despiam-se no quarto do apartamento dele,


para mais um exercício. Entretanto, ela descrevia a experiência da véspera com Zecca, sem
omitir qualquer pormenor.

- Ainda me dói cá em baixo - concluiu, enquanto se desembaraçava das cuecas.

- O seu Mr. Zecca é um autêntico animal - observou ele, meneando a cabeça.

- Pior.
143
- Tem a certeza de que não o pode abandonar e tentar singrar na vida sozinha?

- Como lhe disse antes, para onde iria?

- Para qualquer lugar, o mais longe possível dele. Estou certo de que não teria dificuldade em
arranjar um emprego. De resto, não estaria só por muito tempo. É suficientemente atraente para
conquistar uma centena de homens.

- Parece-lhe, Paul?

O tom dela obrigou-o a olhá-la com curiosidade, enquanto acabava de se despir. Nan encontrava-se
de pé, desnuda, junto da cama, e ele sentiu-se compelido a admitir para consigo que era de facto
atraente, à sua maneira. Não se tratava de uma beldade deslumbrante, como Gayle, mas
suficientemente jeitosa para tornar muitos homens felizes.

- Sem dúvida - confirmou.

- E se conhecer alguém que queira dormir comigo e, apesar de eu também o desejar, as coisas não
correrem bem?

- A que se refere?

- Se se repetirem os espasmos que tenho com Tony.

- Duvido que voltem a aparecer - disse Brandon, tentando tranquilizá-la. - Estou convencido de que
é perfeitamente normal.

- Como pode estar tão seguro disso?

- Você mesma o verificará, no final do tratamento.

- Acha?

- Espero poder provar-lhe antes disso que o acto de amor proporciona prazer. - Reconheceu que
pisava terreno resvaladiço e tentou enveredar por outro rumo.
- Entretanto, deve falar ao Dr. Freeberg mais abertamente acerca do que se passa com Zecca. É
possível que ele lhe indique algumas alternativas.

- Preciso ter a certeza absoluta de que sou normal.

- Lá chegaremos. Começará a convencer-se com o exercício que segue. Chamamos-lhe


digressão sexológica.

- Recordo-me da descrição. Confesso que estou assustada.

- Não deve estar. Basicamente, trata-se de um exame pélvico modificado. Aprendemos


pormenores sobre os órgãos genitais femininos e masculinos, no

144
que se assemelham a diferem. Muitas pessoas adultas são quase ignorantes nesse aspecto. Ao
efectuarmos a digressão juntos, inteiramo-nos do que é ou não erógeno, o que contribui para nos
sentirmos mais à vontade perante o sexo oposto. - Olhou-a em silêncio por um momento. - Como se
sente? Se ainda está dorida da experiência de ontem à noite, podemos adiar...

- Não - cortou ela, com admiração. - Quero fazê-lo. - Fitou-o com firmeza. - Como
principiamos?

- Quer estudar-me primeiro, ou prefere que comece eu a examiná-la? Podemos iniciar a digressão
pela parte feminina ou masculina.

- Então, começo eu. - Engoliu com dificuldade. - Que fazemos?

- Vamos para a cama, deito-me de costas, de pernas abertas, e você senta-se entre elas, com as
suas cruzadas. Alguma vez examinou um homem de tão perto?

- Claro que não.

- Nesse caso, eu oriento-a, indicando no que deve tocar ou segurar explicando cada parte. Está
disposta?

- Com certeza.

- Então, vamos.

Uma vez na cama, Brandon deitou-se de costas, de pernas abertas e estendidas, e, em movimentos
hesitantes, Nan instalou-se na posição que lhe indicara.

- Aproxime-se mais - ordenou Brandon. Ela obedeceu, movendo-se com lentidão, após o que ele
levantou as pernas e pousou-lhas na parte superior dos quadris.
- Agora, deixe-me orientá-la e explicar cada órgão do aparelho genital masculino, com o seu
funcionamento, reacções, etc. Principiaremos pela bolsa escrotal e testículos.

Nan encolheu-se com nervosismo, porém ele pegou-lhe na mão e levou-a à área mencionada. Os
dedos trémulos pousaram nos testículos, e Brandon flectiu-os em volta.

- Familiarize-se com o contacto, enquanto lhe falo das esferas dentro do escroto. As mulheres
ignoram na sua quase totalidade e poucos homens sabem que os testículos são as partes mais
importantes do aparelho sexual masculino. Esses objectos que tem na mão produzem o esperma que
fertiliza o óvulo feminino, além das hormonas que regem o funcionamento do pénis. Na

145
verdade, são responsáveis da virilidade do homem, desde a voz grave à força muscular.

Fez uma pausa para pegar na mão dela e conduzir os dedos à extremidade do pénis suave.

- A outra parte vital do aparelho masculino é o próprio pénis. A secção que está a segurar tem o
nome de glande. Agora, vou deslocar os seus dedos para a parte intermédia, que contém três
colunas de tecido poroso. Quando o homem- se excita sexualmente, os tecidos porosos ou
esponjosos enchem-se de sangue e endurecem. A introdução dessa erecção na vagina feminina cria
atrito, o qual conduz ao orgasmo masculino. Mas vou revelar-lhe mais pormenores.

Mudava a posição da mão em conformidade com a secção que descrevia, começando pelo meato,
prosseguindo ao longo da aresta coronal e superfície dorsal e acabando por pousá-la de novo na
extremidade do pénis.

- Torne a segurar aí, para notar bem o toque.

De súbito, apercebeu-se de um fenómeno inesperado. O órgão dilatava-se gradualmente e


endurecia.

Surgira uma erecção.

Acalentara a esperança de que tal não acontecesse, mas via-se forçado a reconhecer que era
inevitável.

Entretanto, Nan baixava os olhos para o pénis e os seios arfavam de excitação.

Brandon compreendeu a necessidade de pôr rapidamente termo à situação antes que sucedesse algo
de irreversível. Assim, apoiando-se no cotovelo, tentou sorrir.

- Parece que, obteve resposta a uma das suas dúvidas. Os homens consideram-na atraente?
Que lhe parece?

- Paul... - murmurou ela.

- De momento, chega; - Ele decidiu que tinha de agir com prontidão. - Agora, invertemos os papéis.
- Afastou-se dela com lentidão e acrescentou, o mais clinicamente possível: - Primeiro, mudamos
de posição. Você deita-se de costas e eu tomo o seu lugar, para passarmos à digressão sexológica
feminina.

Nan obedeceu e Brandon pegou no especulo de plástico e lanterna eléctrica de cima da mesa-de-
cabeceira, após o que se aproximou das pernas abertas dela e pousou-as sobre os seus quadris.
46
- Para já, tem de se descontrair um pouco mais, para facilitar as coisas. Deixe-me acariciar-lhe as
coxas, por uns instantes. Está tensa, o que é natural, e quero que se sinta à vontade.

A pouco e pouco, notou que a rigidez dos músculos se atenuava. Em seguida, pegou num pequeno
frasco, desrolhou-o e começou a aplicar algum óleo na abertura vaginal.

- Para evitar possíveis dores - explicou.


Nan conservou os olhos fechados, enquanto ele friccionava levemente os lábios da vulva e
introduzia os dedos até ao clitóris. Ao mesmo tempo, referia-se àquilo em que ia tocando.
Apercebendo-se de que se encontrava extremamente lubrificada, utilizou o especulo e a lanterna e
indicou que observasse no espelho o que mencionava.

Primeiro, fez incidir a luz nos lábios exteriores e continuou para dentro, enquanto referia como cada
parte funcionava, quando excitada. No fundo, mostrou a raiz do clitóris e descreveu como os
músculos vaginais se contraíam durante o orgasmo e exerciam pressão na área superior do clitóris.
Prosseguiu pelo tecido espesso e suave entre o osso púbico e a esponja da uretra, aludiu ao seu
funcionamento e passou a referir-se ao tecido esponjoso que se prolongava do ânus até à abertura da
vagina.

Em dado momento, pareceu-lhe ouvi-la sussurrar algo como «Oh, meu Deus!»

Quando concluiu a exploração, verificou que não houvera quaisquer espasmos de rejeição da
entrada, nem resistência indicativa de desconforto, o que constituía um sinal de progresso.

Os olhos de Nan já não se achavam hipnotizados pelo que vira no especulo e fixavam-se em
Brandon.

- Foi fascinante - admitiu.

- Não sentiu dores?

- Nenhuma. Tenho apenas uma dúvida.

- Qual?

- Como saberei que estou curada?

- Quando tivermos relações sexuais juntos - explicou ele, com simplicidade - e você sentir prazer.
Nessa altura, já não haverá qualquer dúvida.

147
Ao fim da tarde, quando se despia na sua sala de terapia, Gayle suspeitou de que estava na
iminência de atingir um momento crucial com Chet Hunter.

Até então, o tratamento intensivo que ele solicitara desenrolara-se sem problemas, pelo menos
aparentes. Não se registara qualquer dificuldade no capítulo da nudez, assim como no tocante à
possibilidade de alcançar e conservar uma erecção. Durante o chuveiro, com as carícias nas costas e
frontais não-genitais, ela observara que o pénis entumecia ao longo de cada exercício e recordou-se
de que, na realidade, ao contrário de Demski, o problema de Hunter não se relacionava com a
impotência. No entanto, existia uma deficiência. Embora Gayle ainda não tivesse podido
experimentá-lo, se bem que o conhecesse através da leitura da história do caso, estava convencida
de que as alusões à ejaculação prematura correspondiam à verdade.

E semelhante convicção tornava-se evidente na sua personalidade. Apesar de vigoroso e


desembaraçado em todos os aspectos, mostrava-se enervado e impaciente. Queria ultrapassar tudo
rapidamente e seguir em frente. Não se revelava interessado pelos toques, carícias ou sensações de
qualquer parte do corpo, mas apenas pelo pénis. Desejava chegar a essa fase sem demora, para
suprimir a anomalia.

Ela reconhecia que seria difícil dominar-lhe a impaciência e ponderava se conseguiria ao menos
refreá-la. Com efeito, no caso dos ejaculadores prematuros, constituía a chave da cura.

Enquanto o via desembaraçar-se das cuecas, especulava mentalmente sobre o grau da deficiência,
pormenor que ainda não fora definido.

- Se bem me lembro - disse, com aparente indiferença, você tem uma moça com a qual costuma
andar regularmente.

- Exacto.

- Quer falar dela?

- A que respeito? - perguntou ele, imediatamente na defensiva.

- Ama-a, por exemplo?

- O suficiente para casarmos.

- É a mesma que mencionou ao Dr. Freeberg aquela com a qual dormiu várias vezes?

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- sim.

- Mas não conseguiu completar o coito normal?

- Pois não, e é por isso que estou aqui. Não tenho dificuldade em o pôr de pé, mas ejaculo muito
depressa.

- Mais ou menos, como?


- É um bocado abelhuda, hem? - Sorriu para suprimir o travo azedo das palavras. - Estou a
brincar. Apenas pretende ajudar-me. Como? Bem, não me venho mas calças, se por acaso suspeita
de algo do género. Acontece quando me preparo para penetrar.

- Nunca a penetrou?

- Não. Venho-me sempre antes.

- Mal o pénis lhe toca?

- Sim - admitiu, repentinamente desolado. - Preciso de resolver o problema, o mais depressa


possível.

- Estamos a tratar disso - lembrou ela.

- Estamos? Ainda não notei nada.

- É indispensável um pouco de paciência. No entanto, tem de efectuar todos os exercícios


comigo, sem omitir um único. Confie em mim, Chet.

- Que remédio... - resmungou ele, com1 um encolher de ombros.

- Para já, deite-se de costas mo tapete.

- Está bem!. E você?

- Hoje, vamos ocupar-nos do prazer genital anunciou Gayle, enquanto ele se acomodava no
tapete.

- Quer dizer que nos vamos agarrar um ao outro?


- O semblante de Hunter iluminou-se um pouco.

Ela pressentiu que a situação podia tornar-se crítica. Até então, tocara e acariciara todo o corpo,
excepto o pénis, e agora preocupava-se com a reacção dele.

Por fim, ajoelhou a seu lado e começou a aplicar óleo ao longo do pernis.

- Para tornar tudo mais realista e você poder apreciar o ambiente vaginal, chamemos-lhe
assim explicou. - Quando passarmos à fase da penetração, estarei húmida por dentro. Assim,
vai-se habituando.

- Acho bem.

Depois de o untar, Gayle levou a mão ao abdómen dele e principiou a acariciá-lo, ao mesmo tempo
que informava:

- Não lhe seguro o pernis para o excitar, mas apenas para proporcionar um prazer sem
retribuição.

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Você deve limitar-se a fechar os olhos sem fazer nada. Vá, feche-os.

Hunter obedeceu e, estendendo a mão, ela segurou-lhe o pénis e começou a friccioná-lo, primeiro
com suavidade e depois com firmeza.

- Está bem assim? Sente prazer?

- Nem se pergunta.

- Talvez não o estimule muito, mas... .\

- Não diga isso.

Gayle tencionava conceder-lhe alguns minutos para alcançar a erecção total, porém o fenómeno
registou-se quase imediatamente.

Se prosseguisse com a estimulação, arriscar-se-ia a frustá-lo demasiado, pelo que convinha desviar-
lhe o pensamento do pénis.

- Bem, chega. - Pegou-lhe no braço para que se erguesse. - Agora, é a minha vez.

- Vai proporcionar-me prazer da mesma maneira.

- Entre as pernas?

- Com certeza. Para eu experimentar algum prazer inerótico.

- Essa é boa! Nunca pode ser inerótico.

- Eu indico-lhe como deve proceder.

Ela deitou-se de costas no tapete e Hunter, a seu lado, apoiado no cotovelo, começou a tocar-lhe no
clitóris.

- Mais suave mente - advertiu Gayle, empenhada em evitar o orgasmo. - E mais devagar.

Ele passou a actuar como lhe era ordenado e ela, de olhos fechados, decidiu que executava o
exercício de modo a todos os títulos satisfatório. De súbito, a pressão no clitóris tornou-se mais
intensa e rápida.

- Querida... - ouviu-o murmurar.

Abriu os olhos e viu-o apontar para a área entre as pernas.

- Olhe para isto.

Apresentava uma erecção completa, e Gayle sentiu-se por instantes perplexa quanto ao que devia
fazer.

- É bom sinal... - aventurou.


- Podemos desfrutar os dois - volveu ele, com ansiedade. - Deixe-me.

- Deixo o quê?

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- Metê-lo dentro. Estou preparado. Para quê perder tempo?

- Não, não está preparado. Precisa de mais sessões.

- Mas tenho a certeza de que desta vez consigo. Posso garantir-lhe...

- Ainda não.

- Por favor, Gay lê. Deixe-me provar-lho.

Ela reflectiu apressadamente, lamentando não dispor de tempo para consultar o D r. Freeberg. Em
todo o caso, sabia perfeitamente que muitas daquelas decisões tinham de depender do critério da
delegada. No fundo, que havia a perder? Se ele fosse na verdade bem sucedido, achar-se-ia
encaminhado para a cura. De contrário, aprenderia a lição.

- Está bem - anunciou, impulsivamente. - Se pensa que pode completar a penetração, talvez
não seja má ideia. Continue, que eu colaboro.

- Vai ver, vai ver - articulou ele, assumindo a posição ortodoxa entre as pernas dela. - Você é
estupenda. Tenho a certeza de que consigo.

Gayle sentiu a ponta do pénis pousar na vagina e aguardou a penetração... que não se consumou.

Soergueu a cabeça e viu-lhe o semblante contraído num esgar de angústia.

No instante imediato, apercebeu-se da humidade do sémen à entrada do aparelho genital.

-• Maldição! - grunhiu ele, ao completar o orgasmo.


- Não fui capaz de me aguentar. Desculpe, mas foi mais forte do que eu.

- Não se preocupe, Chet - murmurou ela, pousando-lhe a mão no ombro. - É para isso que
estamos aqui juntos. Mas garanto-lhe que se obedecer às minhas indicações, acabará por
se livrar da anomalia.

- Já não digo nada - balbuciou Hunter, em voz estrangulada. - Começo a duvidar.

- Estou tão convencida do êxito, que lhe vou dar um conselho. Aliás, faço-o sempre, nesta
altura do programa. Quando se encontrar com a sua pequena, nada de tentativas de sexo.
Leve-a ao cinema ou sente-se com ela num sofá para repetir os exercícios em ambiente mais
realista. Abrace-a, acaricie-lhe o rosto e os seios, mas por cima da roupa e não por

151
baixo. Não pense nas suas erecções. Domine-se. Se cumprir as instruções à risca, acabaremos por
alcançar a vitória.

No entanto, quando se separaram, sentia-se menos optimista do que ela. Encaminhou-se lentamente
para o carro que deixara estacionado perto, sentou-se ao volante e entregou-se a longas cogitações.

Convenceram e de que seria bem sucedido e, com a penetração consumada, o resto desenrolar-se-ia
da melhor maneira.

Se Ferguson, Scrafield! e Hoyt Lewis se inteirassem daquilo, o plano e o seu próprio futuro
poderiam comprometer-se irremediavelmente. Se não lograsse consumar o coito com Gayle, não
poderia apresentar-se no tribunal e declarar, sob juramento, que tivera relações sexuais com ela e
pagara o serviço. E a rapariga também juraria que não a penetrara.

Uma vez conhecida a verdade, não haveria elementos sólidos contra Freeberg, nem reportagem ou,
muito menos, um lugar fixo no Chronicle.

De repente, todavia, descobriu que eles não necessitavam de saber. Ferguson, Scrafield e Hoyt
Lewis poderiam não se inteirar jamais do desaire daquela noite. Tanto quanto sabiam, ele submetia-
se ao tratamento com uma prostituta. Só precisariam de tomar conhecimento, quando fosse bem
sucedido.

O problema residia precisamente aí.

Alguma vez conseguiria ser bem sucedido?

Bem, ela previra que não seria naquela noite e acertara. No entanto, mostrava-se confiante em que
tudo se alteraria num futuro não muito distante. Por conseguinte, podia dar-se o caso de também ter
razão nesse aspecto e o resto seria um mar de rosas. Ele veria o projector apontado à sua figura
como testemunha fundamental de um julgamento vitorioso, teria um lugar seguro no Chronicle e
casaria com Suzy.

Se Gayle Miller não se (equivocara e ele actuasse com a necessária prudência, colaborando nos
exercícios, poderia obter tudo o que ambicionava. \

Introduziu a chave na ignição e ligou o motor.

Prometeu a si próprio mostrar-se mais paciente e

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acatar tudo o que ela lhe indicasse. Não haveria mais tentativas para chegar prematuramente ao fim.
Procederia em conformidade com o que lhe fosse determinado e o resultado compensá-lo-ia
largamente dos sacrifícios a que agora porventura tivesse de se sujeitar.

153
CAPÍTULO VI

COMO o despertador começou a tocar quando Gayle se encontrava a meio de um sonho


com Paul Brandon, este continuou momentaneamente vívido. Calculou que o originara o
pensamento, quando se preparava para ir para a cama, de que devia telefonar-lhe a fim de
combinarem um encontro, como prometera, e apetecera-lhe fazê-lo naquele momento, mas
estava demasiado cansada e, ao deitar-se, adormecera quase imediatamente.

Agora, de manhã, Paul Brandon continuava presente no seu espírito. No sonho, ela
encontrava-se numa ilha dos Mares do Sul, porventura uma parte remota do Taiti, e corria
através de uma floresta tropical, com ele no seu encalço. No entanto, tinha a vaga
impressão de que não lhe fugia muito depressa.

Consultou o relógio e verificou que não dispunha de tempo para lhe telefonar. Com efeito,
não podia arriscar-se a chegar atrasada ao Teste das Analogias de Miller que completaria as
provas de admissão à UCLA. Já se desembaraçara dos de Aptidão e de Psicologia
Avançada, com resultados satisfatórios. Restava apenas o das Analogias de Miller, decisivo
para as suas aspirações.

Entrou na casa de banho, meteu-se debaixo do chuveiro, secou-se, vestiu-se


apressadamente, consagrou alguns minutos à maquilhagem e tomou um pequeno-almoço
rápido e frugal. Por fim, de pasta na mão, encaminhava-se para a porta, quando o telefone
tocou.

Retrocedeu, com um suspiro de contrariedade, e

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levantou o auscultador, pensando que era o Dr. Freeberg ou porventura Adam Demski ou
Chet Hunter.

Reconheceu a voz imediatamente, e tratava-se de Paul Brandon.

- Olá, Gayle. Tenho passado praticamente toda a noite ao pé do telefone, e nada.


Esqueceu-se do que prometeu?

Ela receou não chegar a tempo do exame, mas, por outro lado, reconhecia a necessidade de
se explicar.

- Desculpe, Paul, mas tenho estado muito atarefada e quase nem consigo arranjar tempo
para respirar. Ocupo-me de dois pacientes, como sabe...

- Pois sei, mas mesmo assim...

- O que implica duas consultas diárias com o Dr. Freeberg e outros tantos relatórios
pormenorizados depois de cada sessão. Há, de resto, outras coisas, como a arrumação do
apartamento. Neste momento, sigo para Los Angeles, a fim de efectuar um teste que faz
parte da minha admissão à UCLA. E...

- E qual é a minha posição no meio de tudo isso?


- insistiu ele. - Vou dizer-lhe. A de um solteirão muito solitário.

- Estou Interessada em me encontrar consigo volveu ela, com veemência. - Muito, mesmo.
Olhe, prometo telefonar-lhe logo à tarde. Tem trabalho, à noite?

- Hoje, não. Espero despachar a minha paciente até às seis. Depois, devo jantar sozinho.

- Não janta, não senhor - proferiu, impulsivamente. - Vai ter companhia. Uma
companhia excepcional. Eu. Que diz a uma refeição caseira no meu apartamento? Gosta de
massa?

- Gosto, se for servida por si. A que horas me quer aí: às oito?

- É preferível mais para as nove.

- Combinado. Vou aperaltar-me para a deslumbrar.

- Óptimo.

Pousou o auscultador e, quando se dirigia para a porta, lembrou-se do sonho.

Conhecia o seu desenlace.

Paul alcançá-la-ia.

Pelo menos, assim esperava.

155
A manhã de Gayle foi totalmente preenchida pelo teste em Westwood, após o que seguiu no carro
para Hillsdale, a fim de participar em duas reuniões sucessivas - a primeira com Freeberg e Demski
e a segunda com o médico e Hunter.

A tarde prometia igualmente ser esgotante. Um exercício com Demski às duas. Outro exercício às
cinco, este com um Chet Hunter mais calmo, segundo as suas previsões. Depois, disporia apenas do
tempo suficiente para ditar o relatório na clínica e regressar a casa, para preparar o jantar com Paul
Brandon, prelúdio do que esperava se convertesse num longo e delicioso serão. Estava convencida
de que ele se comportaria maravilhosamente, e, de resto, julgava-se merecedora de um pouco de
descontracção. Naquela noite, mesmo que se dedicasse a uma actividade que fazia parte da sua
profissão, a ausência de remuneração conferir-lhe-ia um prazer especial.

De momento, porém, tentou concentrar-se em assuntos mais imediatos.

Adam Demski apresentou-se pontual mente às duas horas, deixando transparecer mais confiança
que nas sessões anteriores.

Gayle usava um roupão de seda, com decote conservador, mas nada mais por baixo.

Depois de o saudar cordial mente e ajudar a despir o casaco, interrogando-o sobre o que fizera
durante a manhã, anunciou que podiam começar quando- eile desejasse. Acto contínuo Demski
encaminhou-se para o corredor de acesso à sala de terapia, nas traseiras, e ela seguiu-o, consciente
de que o exercício era ainda mais crucial que o precedente. Se resultasse, constituiria um passo
importante para ganhar confiança sobre o seu corpo e acabaria por obter a erecção.

Gayle já estendera o tapete no chão entre o sofá e o espelho da parede, mas desta vez cobria-o um
lençol, com duas toalhas de banho e duas almofadas de penas. De momento, ela ignorou o tapete,
reclinou-se no sofá e viu Demski despir-se, satisfeita com o à-vontade com que se libertava da
roupa.

Quando ficou desnudo, ela levantou-se e libertou-se do roupão. Em. seguida, sentou-se numa das
toalhas e tez sinal a Demski para que o limitasse na outra.

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- Quer saber o que vamos fazer hoje?

- Quero. Que é?

- Uma coisa a que podemos recorrer como alternativa. Gosto muito de efectuar este exercício,
pois sempre o considerei agradável e eficiente. Chama-se o Relógio.

- O Relógio? Não me recordo de o mencionarem. Em que consiste?

- Não há relógio nenhum. É imaginário e situa-se na minha vagina.

- Um relógio imaginário na vagina? - Ele arqueou as sobrancelhas. - Como? Para quê?

Ela elucidou-o pormenorizadamente e acrescentou:


- Agora que compreendeu a mecânica, podemos começar. Deitemo-nos, para que lhe acaricie as
coxas, estômago e peito.

Procedendo com a suavidade de uma pena, acariciou-o com extrema lentidão e encorajou-o a tocar-
lhe nos lábios exteriores da vagina e clitóris.

Transcorridos uns momentos, indicou-lhe que se sentasse e fez o mesmo, antes de anunciar:

- Podemos passar ao Relógio. Vou tornar a reclinar-me de costas, erguer os joelhos e abrir as pernas.
Você instala-se entre elas, sentado como os índios, e introduz gradualmente o indicador na minha
abertura: dois centímetros, a seguir três e finalmente cinco. Eu guio-o em torno do relógio
imaginário e vou fazendo comentários.

- É só isso?

- Talvez seja mais, muito mais - admitiu, com um sorriso malicioso. - Pode haver fogo-de-artifício.

- Não estou a compreender. - Ele exibiu uma expressão de perplexidade.

- Pode dar-se o caso de eu reagir ao exercício. Se me excitar o suficiente, sou capaz de ter
um orgasmo.

- Que... que faço?

- Nada, além de aguardar que eu termine para retirar o dedo. Limitar-se a apreciar o que me
consegue fazer.

- Que quantidade de dedo começo por introduzir?

- Apenas uma pequena parte. Vá... isso mesmo... Faça-o deslizar. - Vendo que ele hesitava, Gayle
tentou

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encorajá-lo, impelindo o dedo. Assim ficaria demonstrado que um homem não necessitava de ter
um pénis enorme para satisfazer uma mulher. - Chega. Que nota de especial?

- É mole, quente...

- E apertada em volta do dedo?

- Exacto.

- Porque o cilindro vaginal se contrai e envolve tudo o que penetra. Assemelha-se um pouco a
uma coisa elástica. A vagina contrai-se ou dilata-se em conformidade com as dimensões do
corpo introduzido. Quanto ao que eu sinto... - Fez uma pausa. - Há algumas extremidades de nervos
à entrada, mas poucos no interior. Vou contrair os músculos pélvicos, para que o seu dedo se
aperceba.

- De facto, nota-se bem.

- Vamos então ao Relógio. Levante o dedo bem alto no centro. São doze horas. Depois, vá
descendo em volta, exercendo pressão nas paredes vaginais. Mais para baixo, cada vez mais para
baixo... Ena! - Contraiu-se com firmeza. - As seis horas são estupendas. Como vê, reajo ao seu
toque. Adam...

- Sim, Gayle?

- Volte às seis horas. Mova o dedo na parede... com mais forca...

- Assim?

- Exacto... não pare, por favor! - Cerrou as pálpebras e mordeu o lábio inferior. - Estou... estou
a desintegrar-me...

O orgasmo atingiu o auge e prolongou-se.

- Veja o que conseguiu fazer-me... - balbuciou, ofegante.

Por fim, quando se acalmou por completo, conservou a cabeça pousada na almofada e Demski
retirou o dedo.

- Fez-me isto só com o dedo - murmurou ela.

Ele levantou-se, com uma imponência quase militar e apontou para o penis.

- E você fez-me isto - anunciou.

Gayle olhou e verificou que de facto se dilatara pelo menos dez centímetros.

- Maravilhoso! - exclamou. - Merece quinze valo-

158

rés. Na próxima vez, ou na outra a seguir, havemos de chegar aos vinte.


- Acha?

- Tenho a certeza!

- Oxalá não se engane.

Quando a campainha da porta soou às cinco e dez, em vez das cinco em ponto, e admitiu Chet
Hunter, Gayle reflectiu que ele aparecia atrasado pela primeira vez.

Nas visitas anteriores, apresentara-se mesmo com alguma antecedência, sem dúvida em resultado da
ansiedade em prosseguir o tratamento. Ora, o atraso indicava que sentia relutância em precipitar os
acontecimentos após o recente desaire ou perdera o entusiasmo. Ao observá-lo, ela concluiu que não
se tratava de relutância, pois continuava empenhado em resolver o problema e normalizar as suas
relações com a amiga. Por conseguinte, tudo apontava para que efectuasse um esforço consciente
para acatar as recomendações da sua delegada e abster-se de precipitações.

Ao certificar-se do estado de espírito do paciente, Gayle resolveu mante-lo e intensificá-lo.

- Acabo de fazer chá, Chet. Aceita uma chávena?

- Pois sim. - Ele parecia de facto dócil e disposto a satisfazer-lhe todos os desejos.

- Sente-se e descontraia-se. Entretanto, vou buscar o tabuleiro e conversaremos durante uns


minutos.

Hunter achava-se afundado numa poltrona, quando ela reapareceu com o chá. Em seguida, Gayle
começou a fazer-lhe perguntas sobre o seu trabalho como escritor. Ele mostrou-se reticente nesse
capítulo, mas loquaz acerca da variedade de pesquisas a que procedia. -.. - A sua pequena ajuda-
o? - Bem, está interessada, mas tem o seu trabalho.

- Quer falar dela?

- Não - declarou com firmeza. - Mantenhamos a conversa limitada a nós os dois.

- Como queira.

- E você? - inquiriu inesperadamente. - Tem algum namorado por fora?

Gayle hesitou. Teria? , No entanto, tentou exprimir-se com sinceridade:

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- Talvez. Quase. Veremos. E se for um ejaculador prematuro? - repostou Ao pensar em Paul
Brandon, esforçou-se por não
sorrir. -

- Tratá-lo-ei, como a você. - Supõe que dará resultado?

- Tenho essa esperança.

- e Muito bem. - Hunter esvaziou a chávena e pousou-a. - Que se segue na agenda?

- Vamos fazer exactamente a mesma coisa de ontem. Troquei impressões com o Dr.
Freeberg, que o recomendou. Despimo-nos, para efectuarmos carícias corporais, incluindo os
órgãos genitais. Mas com uma diferença.

- Qual?

- Desta vez, quando me tocar tem de se lembrar de que o faz para seu próprio prazer e não para
satisfazer outrem, mesmo que me proporcione satisfação. Aliás, é essa a verdadeira
finalidade das relações sexuais. Quando introduzir o pénis na minha vagina, ou de outra
mulher, deve apreciar a sensação para si, enquanto eu reagirei do mesmo modo para comigo.

- E se se sentir passiva?

- Pode acontecer e temos de o considerar igualmente. No entanto, hoje vamos acariciar-nos e


experimentar todo o prazer possível. A única diferença de ontem consiste em que não haverá
insistências irreflectidas de sua parte para me possuir, porque não o permitirei. Pelo menos, por
enquanto.

- Muito bem. Será como determinar.

- Mas hei-de proporcionar-lhe prazer de outra maneira. Creio que chegaremos a essa parte.

- Qual parte?

- Perto do final do exercício - explicou ela, com uma expressão grave, pego-lhe no pénis e levo-o à
beira do orgasmo.

- Refere-se a um trabalho manual? - Ele mostrava-se surpreendido.

- Chame-lhe o que quiser. Levo-o à beira do orgasmo, repito, e explico-lhe como o deve
retardar.

- Julga-se capaz disso?

- Espero que sim. Certifiquemo-nos.

Pouco depois, desnudos na sala de terapia, Hunter

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deitou-se no tapete e Gayle colocou-se de joelhos a seu lado, a fim de proceder às carícias frontais.
Durante a operação, ela evitou o pénis, que já se apresentava consideravelmente tumefacto. Por fim,
todavia, olhou-o e comentou:

- Apetece-lhe o orgasmo.

- E de que maneira!

- Vai tê-lo - prometeu. - Mas primeiro uma breve prelecção sobre o exercício que o acompanha.

- Oxalá não seja muito longa.

- Escute, Chet. Se eu procedesse rapidamente, você tinha o orgasmo com prontidão, antes de
poder penetrar.

- Está bem, está bem. Diga de sua justiça.

- Alguma vez ouviu falar do método do apertão? - O método do quê?

- A técnica do apertão para impedir a inevitabilidade da ejaculação.

- Ah, sim! Li qualquer coisa sobre o. assunto, nas minhas pesquisas.

- Pois, é o que vamos fazer. A ejaculação prematura resulta da ansiedade. Deixe-me pôr a questão de
outra maneira. Quando começo a friccionar-lhe o pénis, o impulso para ejacular surge quase
imediatamente. Devido à necessidade. Quer executar o acto e consumá-lo, enquanto outra
faceta do seu íntimo lhe recomenda que se domine, para ser um bom amante. Não é assim?

- Mais ou menos.

- Acredite que é. Ora, há duas maneiras tradicionais de superar a prematuridade. Uma é a


chamada atitude do bom senso. O homem toma uma ou duas bebidas alcoólicas para atenuar a
excitação erótica, ou utiliza uma pomada anestésica, ou busca uma distracção, olhando a mobília
ou as cortinas ou esforça-se por pensar na sua profissão. A outra consiste em resolver o
assunto por meio de um psicanalista ou psicólogo. Nesta última, inteira-se de que a
prematuridade envolve os seus conflitos inconscientes acerca de mulheres que começaram com
problemas da infância. Ambas as atitudes podem resultar, mas nenhuma é tão imediata ou eficiente
como a terapia através de uma delegada sexual, o que, repito, envolve a técnica do

161
apertão. Eu sei, e você não, que a ejaculação prematura advém da sua incapacidade para concentrar
a atenção na sensação de estímulo sexual antes do orgasmo. Só se preocupa com isso. Não obstante,
se tudo correr bem, a experiência do tacto e carícias há-de inverter a situação. Entretanto, em
algumas sessões, o apertão evitará a inevitabilidade ejaculatória. Creia que funciona, Chet.

- Acredito em tudo o que disser, senhora professora.

- Vamos fazer o seguinte. Acaricio-o para o excitar até à iminência do orgasmo, e nessa altura
previne-me para o apertar.

- Quando, exactamente?

- Não no segundo em que se prepara para ejacular. Meio minuto antes, aproximadamente. Na
verdade, é melhor eu retardá-lo mais cedo, para jogar pelo seguro, e depois aventurarno-nos cada
vez mais perto, até cerca de cinco segundos antes da ejaculação.

- Espero conseguir preveni-la a tempo.

- Consegue, sim. No instante em que o fizer, aperto a glande com o polegar e o [indicador,
enquanto exerço pressão na parte inferior. Prometo não o magoar. Perderá a erecção e o desejo de
ter um orgasmo. Todo o mecanismo de tensão ficará reduzido e o pénis adquirirá flacidez. A seguir,
repetiremos tudo. Friccioná-lo-ei até nova erecção. Não se preocupe com isso, porque é possível
fazê-lo mais de uma dezena de vezes consecutivas. Em todos os casos, retardarei a
ejaculação pelo mesmo processo. Vamos estabelecer um alvo. Hoje, tentaremos contê-lo por
cinco minutos e passaremos gradualmente a dez, até ao limite de quinze. Quer tentar?

- Com certeza.

Gayle recomeçou a acariciar-lhe o abdómen e coxas, cada vez mais perto dos órgãos genitais. Por
fim, a mão rodeou os testículos e o pénis principiou imediatamente a avolumar-se, não tardando a
ficar totalmente erecto. Fez deslizar os dedos ao longo do comprimento, contornou-o com os dedos
e começou a friccioná-lo.

Ele semi cerrou os olhos, enquanto as nádegas estremeciam e emitia um grunhido.

- Não aguento mais...

162

Acto contínuo, Gayle deslocou os dedos para a glande e apertou-a.

Hunter soltou um gemido de desconforto, mas a ejaculação não se consumou. O pénis tornou-se
flácido na mão dela e acabou por soltar-se de entre os dedos.

- Conseguiu, Chet. Houve erecção e excitação, mas não ejaculação.

- Está bem - articulou ele, ofegante, lançando uma olhadela ao membro inerte. - E agora?

- Agora, satisfaço-lhe a virilidade, mas não se descontrole.


Os dedos e a mão voltaram a acariciar o pénis, que ficou rígido mais uma vez, até que ele começou
a gemer.

- Estou quase... - preveniu.

Ela apressou-se a apertar a glande.

Não houve orgasmo e a flacidez reapareceu.

Continuou a repetir o exercício, retardando sempre a ejaculação. No entanto, transcorridos cinco


minutos de tentativas coroadas de êxito, quando se achava no auge da erecção, pegou num lenço de
papel e aproximou-o da extremidade do pénis, sem parar de friccionar.

Desta vez, quando ele gemeu, Gayle não apertou a glande e deixou-o ejacular livremente.

No final, Hunter voltou-se para o lado e murmurou:

- Obrigado. Vencemos?

- Pelo menos, a primeira batalha. Para que a contenção da ejaculação seja realmente eficiente, tem
de praticar em casa.

- Como?

- Tocando-se.

- Tocando-me?... - repetiu, soerguendo-se. - Ah, refere-se à masturbação?

- Exacto.

- Mas eu não...

- Toda a gente o faz ou, pelo menos, fez numa ou noutra fase da vida. Não acredito que você seja
uma excepção.

- Bem, em miúdo...

- Mas agora é um homem. Quero que o faça antes do nosso próximo exercício. É muito simples.
Comece a masturbar-se e aplique a técnica do apertão. Umas

163
cinco vezes, ou mais, antes da ejaculação. Assim, poupa muito tempo a ambos.

- Confesso que é uma coisa que não me agrada. Sobretudo, na minha idade. Não consigo ver-
me em semelhante actividade solitária. Se fosse com a colaboração de uma mulher, ainda podia
aceitar-se...

- Mas pode fazê-lo com uma mulher. É para isso que está aqui. A masturbação constitui a
chave da terapia sexual - afirmou Gayle, levantando-se. - Garanto-lhe que a regra de ouro do
tratamento é a seguinte: fá-lo a ti próprio com êxito e poderás fazê-lo com outros pela vida fora.

- Gostava de me convencer, mas não sou capaz. Não me importo que você mo faça...

- Podemos poupar muito tempo, se colaborar. A masturbação, no fundo, é uma coisa assim tão
horrível.

- Talvez, mas não me agrada.

Olhou-o em silêncio por um momento e declarou:

- Um homem que manifesta tanta relutância pela masturbação, pode ter muito trabalho a executar
nele psicologicamente. Se não acredita, pergunte ao D r. Freeberg.

- É o que tenciono fazer,

- Depois, conte-me o que ele disse.

O Dr. Freeberg, que escutara Chet Hunter com atenção, começou a inclinar a cabeça.

- O que Miss Miller lhe aconselhou é basicamente correcto. Talvez dramatizasse um pouco ao
afirmar que a masturbação é a chave da terapia sexual, no entanto. Eu poria a questão noutros
termos. A masturbação constitui um exercício valioso em conjugação com o prazer e outros
métodos terapêuticos. Por que se lhe opõe com tanta veemência?

- Porque não me agrada a perspectiva de dar à bomba sozinho, em casa.

- Mas porquê?

- Lembra-me que não consigo nada com as mulheres.

- E aumenta a sensação de insucesso?

- Acho que sim.

- A resistência à ideia não terá começado muito

164

antes? Diz que se masturbava na adolescência. Como reagiam os seus pais?

- Nunca me passou pela cabeça informá-los! exclamou Hunter, empertigando-se na poltrona.


- Por conseguinte, já então considerava a masturbação ilícita e que, se se inteirassem, não a
aprovariam. Segue-se que conhecia a atitude deles perante o problema.

- Agora que falou nisso... Sim, creio que tinha a consciência de que a masturbação era encarada com
desagrado. Provavelmente, ouvi-os mencioná-lo. - Fez uma breve pausa para reflectir. - Eles
são baptistas ferrenhos e deviam pensar que se tratava de um pecado mortal, o que decerto
influenciou a minha atitude.

- Mas agora sabe que não é assim - persistiu Freeberg. - Não existe a mínima prova científica
de que pode afectar a saúde.

- Tenho plena noção disso, pois apurei muitos pormenores sobre o assunto no decurso das
pesquisas para os meus trabalhos literários. Em todo o caso, creio que ainda estou
vinculado aos receios da juventude.

- Pois os receios da juventude não devem continuar a preocupá-lo. O velho relatório Kinsey
descobriu que noventa e quatro por cento dos homens se masturbavam, num ou noutro momento da
sua vida, e um estudo mais recente indica que o fazem cerca de cem por cento. Não sinto a menor
relutância em revelar que figurei nesse número.

- Na adolescência?

- Não apenas então. Em anos mais recentes, quando a minha mulher se ausentou de casa por
um período e, sob tensão, eu necessitava de me descontrair.

- Devo reconhecer que é excepcional mente sincero - admitiu Hunter, pestanejando.

- E normal. Acredito quando digo que a masturbação não é um pecado. No seu caso, ao tentar
retardar a ejaculação prematura, pode considerar-se mesmo uma virtude, com a colaboração de Miss
Miller ou na solidão de sua casa. Sugiro que acate as instruções dela. Masturbe-se até à erecção e,
dez segundos antes da ejaculação, empregue o método do apertão.

- Isso é outra coisa que não me agrada. Posso

165
aceitá-lo, quando uma jovem impede a ejaculação prematura, mas detesto fazê-lo a mim mesmo.

- Bem, há outra coisa igualmente eficiente.

- Sim? O quê?

- As delegadas chamam-lhe o método de pára e arrisca, enquanto os terapeutas preferem a


designação de processo de Se mans, do urologista James Se mains, que começou a empregá-lo em
1956. O paciente estimula-se quase até ao ponto de ejaculação, pára de repente, aguarda que a
excitação se atenua e a erecção diminua, repete tudo desde o princípio, volta a parar e assim
sucessivamente.

- Nesse ponto, duvido que conseguisse aguentar-me - confessou, amargurado.

- Nesse caso, limite-se ao método do apertão. Por desagradável que lhe pareça, encontrá-lo-á
sempre eficiente.

- Bem, suponho que, se ela consegue fazer-mo, eu também hei-de ser capaz.

- Óptimo. Experimente já esta noite. Se tardar a excitar-se, olhe alguma coisa que lhe pareça
erótica ou pornográfica.

- Refere-se àquelas revistas com fotografias de raparigas nuas?

- Precisamente. Contemple-as e fantasie, até estar preparado para o orgasmo. Se perder a erecção,
não se preocupe. Na sua idade, pode ter um largo número delas. No momento em que tal acontecer,
friccione o membro para surgir outra. Faça isso cinco ou seis vezes, esta noite, e amanhã
continue com Gayle Miller. De acordo?

- Se lhe parece que serve para poder entender-me sexualmente com as mulheres...

- Gayl e prometeu-lhe conduzi-lo às relações sexuais normais. - Freeberg levantou-se e


estendeu a mão. - Eu quase posso garanti-lo. Felicidades, Mr. Hunter.

- Não podemos fazer isto juntos? - perguntou Nan Whitoomb.

Estava deitada na cama de Brandon, apoiada no cotovelo, e observava-o, enquanto despia as calças
e se preparava para tirar igualmente as cuecas.

166

” - Juntos?

- Refiro-me ao prazer genital não-retribuível.

- Para ser franco, não sei. - Ele sentou-se na borda da cama, desnudo. - Conheço apenas a
prática usual. Você deita-se de costas, fecha os olhos, descontrai-se e eu acaricio-a da cabeça aos
pés. Depois, é a sua vez de mo fazer.

- Mas se o fizermos juntos, é a mesma coisa. Vocês não estão autorizados a introduzir variantes,
de vez em quando?
- Com certeza, desde que respeitemos os parâmetros do exercício. Na verdade, o Dr. Freeberg quer
que sejamos flexíveis, quando há necessidade de recorrer a algo de inovador.

- Então, toquemo-nos um ao outro ao mesmo tempo.

- Há alguma razão especial para o fazermos?

- Não sei... Talvez surjam sensações mais agradáveis. Quando você me toca e, depois, eu a si,
separadamente, é como se se tratasse de duas coisas isoladas... bem:, não totalmente, mas
em parte. Gostava de ter contacto simultâneo com- um homem.

- Por que não? - decidiu ele, subitamente. Ainda acalentava algumas dúvidas, mas, de um modo
geral, o exercício afigurava-se-lhe razoável. - Vou deitar-me a seu lado. Depois, fechamos os
olhos, eu acaricio-o e você a mim, fazendo-me exactamente o mesmo

Ela olhou com insistência por um momento.

- Tem a certeza de que não se importa, Paul?

- Pelo contrário, até me vou divertir.

Brandon deitou-se ao lado de Nan e aproximou-se até que os quadris contactaram. Viu-a cerrar as
pálpebras e imitou«a, após o que começou a acariciar-lhe o cabelo, orelha, face e pescoço.

Ao mesmo tempo, sentia os dedos mornos dela no seu rosto, numa tentativa para o imitar.

Gradualmente, fez deslizar a mão até aos seios, sobre os quais se manteve por uns momentos. Eram
macios, excepto os bicos, que haviam endurecido. Entretanto, apercebiam-se dos dedos dela no
peito, pousados nos mamilos, porque não se esquecera de que também podiam constituir uma zona
erógena para o homem.

Prosseguiram assim durante cerca de vinte minutos,

167
até que a mão livre dele se deslocou para as proximidades da área púbica, e foi no momento em que
Nan se preparava para o imitar que aflorou o problema imprevisto. Com efeito, o pénis achava-se
erecto e, a partir do instante em que os dedos dela o rodearam, Brandon preocupou-se com o
domínio da situação.

Seria necessária uma força de vontade espartana para refrear o impulso sexual, e compreendeu a
dificuldade da situação ao sentir a iminência do orgasmo.

Apressou-se a introduzir o dedo na vagina e massajar o clitóris, até que ela emitiu um som
estrangulado e sussurrou:

- Não... não pare!

Os movimentos do dedo aceleraram-se, mas o desejo de um orgasmo também se acentuou.

De súbito, Nan soergueu o corpo num arco, enquanto os dedos apertavam o pénis convulsivamente.

A iminência do orgasmo extinguiu-se com prontidão. Involuntariamente, ela acabava de aplicar a


técnica do apertão.

- Estou a vir-me - anunciou, em voz trémula.

- Óptimo - murmurou ele, congratulando-se com o gesto dela que impedira o orgasmo.

Quando se sentaram, agora de olhos abertos, Nan assumiu uma atitude de embaraço.

- Desculpe, Paul, mas não fui capaz de me conter.

- Não fez absolutamente nada de errado. Creio que o Dr. Freeberg concordaria que foi benéfico
para si, para a sua terapia. Aliviou a tensão irresistível...

- Totalmente. Pela primeira vez.

- O que é excelente para o tratamento da sua deficiência.

- Mas você não experimentou muito prazer.

- Foi suficiente. De resto, tratava-se de um exercício não-retribuível.

Ao mesmo tempo, porém,, ele ponderava intimamente a oportunidade da expressão «não-


retribuível». A sua utilização parecia-lhe tecnicamente correcta. Significava que o homem: não
necessitava de participar, limitando-se a absorver prazer, assim como a proporcioná-lo, sem
qualquer exigência sexual de sua parte. Desta vez, todavia, desejara reagir e fizera-o, de certo modo.
Contudo, reconheceu de súbito que não era nada

168

que necessitasse de discutir com o Dr. Freeberg. Na verdade, pressentia que, no fundo, embora fosse
a mão de Nan que lhe acariciava o pénis, ele fantasiara que se tratava da de Gayle Miller.
- Foi-me oferecido por Tony, quando fiz anos explicou ela, colocando o relógio de ouro no pulso. -
Vou ter de me retirar, pois ele deve estar a chegar a casa para jantar.

- Tão cedo?

- Não gosta de comer tarde, para poder ver televisão e deitar-se a horas decentes, segundo a
sua expressão. Eu confesso que detesto.

- Porque lhe desagrada o que acontece na cama? Que tenciona fazer, esta noite?

- Tentarei desencorajá-lo. - Ela hesitou. - Ainda disponho de dez minutos antes de me vestir e pôr a
andar. Importa-se que continuemos deitados?

- É uma boa ideia.

Reclinaram-se nas almofadas e voltou-se para ele.

- Quer abraçar-me, Paul?

- Com o maior prazer.

Brandon rodeou-lhe os ombros desnudos com o braço e puxou-a para si, fazendo com que os seios
lhe tocassem no peito.

- Você é maravilhoso - sussurrou ela. - O homem mais maravilhoso que já conheci. Não se aborreça
se o beijo. Gosto de o beijar.

Ele colou os lábios aos dela, disposto a não passar daí, todavia Nan entreabriu os seus e a língua
emergiu como um foco ardente e devorador. No final do «beijo francês, ela murmurou:

- Adoro-o.

Ele não replicou, porque a situação principiava a preocupá-lo.

Pouco depois, Nan vestiu-se apressadamente, examinou o cabelo e a maquilhagem no espelho e


introduziu as correcções que se lhe afiguraram convenientes para que não subsistissem vestígios do
que acabava de ocorrer.

- Que faremos na próxima sessão, Paul ?

- Penetração - informou ele, secamente. - Primeira tentativa.

169
- Há-de resultar - asseverou ela, com um sorriso.
- Tenho a certeza absoluta.

Chegou a casa poucos minutos antes de Tony Zecca aparecer, e o jantar já se encontrava na mesa no
momento em que ele surgiu para a visita ritual à casa de banho, antes de começar a comer. Por seu
turno, Nan dirigiu-se ao quarto para mudar de vestido e em seguida foi fazer-lhe companhia.

Ele já principiara a devorar um suculento bife com apetite canibalesco e ela sentou-se e pôs-se a
comer com lentidão, olhando-o dissimuladamente de vez em quando, com um misto de aversão e
medo.

- Causas-me muitos aborrecimentos, filha - acabou Zecca por dizer, com a boca cheia.

- Como?

- Estando ausente, a maior parte do tempo. Admiti ao serviço uma caixeira e afinal depara-se-
me uma prima donna. Custas-me uma fortuna, com a empregada em part time a que tenho de
recorrer para te substituir, enquanto passas os dias no consultório de um médico qualquer.

- Quanto te custo? - retorquiu ela, incapaz de dominar a animosidade. - Pagas-lhe uma


miséria. Utilizas mão-de-obra escrava.

- Com; o que rouba, tem uma remuneração principesca. O pessoal é todo uma cambada de
ladrões. Sobretudo, se se trata de pretos ou latinos.

«Olha quem fala!», apetecia-lhe replicar. Na realidade, não compreendia como ele conseguira
sobreviver no Vietname, pois seria compreensível que algum companheiro de armas, irritado com
os seus comentários racistas, acabasse por matá-lo.

- Nem todos - terminou, ao invés, por contrapor.

- Que sabes tu disso? De qualquer modo, ainda bem que acaba já amanhã. Não te esqueças de
comparecer ao serviço às nove em ponto.

- Não posso, Tony.

- O quê?

- Tenho consulta.

- Nem penses! - rugiu ele, desferindo um soco violento na mesa. - Disse-te que podias ir ao raio
do médico mais uma vez, para a última injecção, e foi hoje.

170

- E eu expliquei-te que ele precisava de continuar a observar-me durante mais uma ou duas
semanas.

- Nem em sonhos! Para que precisa de te observar com tanta frequência? Para que a conta vá
aumentando, aposto.
- Pára com isso, por favor. Trata-se de um dos melhores ginecologistas do país. Amanhã decidirá
por quanto tempo mais necessita de me observar. Ainda não estou em condições de...

- Queres dizer que não podes ir para a cama comigo esta noite e proceder como qualquer
mulher normal?

- A culpa não é minha. Tenho de esperar até estar curada. Hei-de perguntar ao médico...

- Enganas-te. Eu é que lhe vou perguntar por que me anda a bandarilhar e durante quanto tempo
pensa que isto continuará. Amanhã, iremos vê-lo os dois. Á que horas é?

Apanhada desprevenida, Nan disse a primeira coisa que lhe acudiu à cabeça.

- Às dez... Sim, é isso. Tenho de estar no consultório às dez da manhã. Mas não me embaraces, por
favor. São doenças de mulheres e ele talvez receba os casais juntos, de vez em quando. No entanto,
como não somos casados...

- E quem é que lhe vai dizer?

- Bem... eu mencionei-o, no primeiro dia. Ficou registado na minha ficha que sou solteira.

- Seja como for, amanhã vais à consulta acompanhada. - Zecca pôs-se de pé com brusquidão. - E
agora não quero ouvir mais objecções. Mete-te na cama e tenta descansar. Hoje não te incomodo,
porque quero poupar-me para amanhã à noite. Sim, então hei-de montar-te até gritares pela mamã!

Ao ficar só na mesa, ela afastou o prato da sua frente e perguntou-se o que poderia fazer. No
entanto, mais tarde, quando enfiava a camisa de dormir, no quarto de vestir, ocorreu-lhe a solução.

Zecca já se deitara, quando subiu para a cama disposta a aguardar pacientemente, consciente de que
ele, depois de adormecer, não acordaria antes da manhã seguinte, ainda que se registasse uma
explosão.

Por último, transcorridos uns quinze minutos,


1
ouviu-lhe a respiração compassada. Esforçando-se por não produzir o menor som e abstendo-se de
calçar os chinelos, dirigiu-se à casa de banho, cuja luz deixou apagada, fechou a porta e prosseguiu
para o quarto de vestir, que se situava a seguir, onde acendeu um candeeiro de mesa.

Procurou a sua mala de viagem, abriu-a, vestiu-se apressadamente e guardou nela a roupa, calçado e
outros artigos que lhe pertenciam. O produto das suas economias não lhe permitiria ir longe, nem
sobreviver por muito tempo, mas bastaria até que conseguisse um emprego. Certificou-se de que o
dinheiro continuava dentro do par de sapatos em que o ocultara e fechou a mala.

Faltava apenas fazer uma coisa. Arrancou uma folha do bloco de apontamentos e traçou algumas
palavras endereçadas a Zecca, a fim de agradecer tudo o que fizera por ela e explicar que
necessitava de partir, para poder singrar na vida pelos seus próprios meios. A determinação dele de
interferir nas suas visitas ao médico constituíra a gota de água que fizera extravasar o copo, uma
invasão à sua intimidade que não poda aceitar. Desejou-lhe felicidades, asseverou que deplorava
ver-se forçada a tomar semelhante decisão e concluiu com uma fórmula corrente de despedida.
Depois, serviu-se de um pedaço de fita gomada para pendurar o bilhete no espelho do toucador.
Finalmente, depois de se certificar de que ele continuava a dormir pesadamente, pegou nas chaves
do carro e abandonou a casa onde esperava jamais tornar a entrar.

Cá fora, descobriu que fazia uma noite fria, embora mais acolhedora que o ambiente do «lar» a que
acabava de voltar as costas.

Sentou-se ao volante do Volvo que adquirira em segunda mão, ligou o ruidoso motor, responsável
por uns minutos de apreensão suplementares, e carregou no pedal do acelerador.

Estava finalmente livre. Pelo menos, assim esperava. A liberdade tinha algo de assustador, mas
havia alguém que se preocupava com ela. E esta última esperança não era menos veemente que a
outra.

172

Na cozinha do seu pequeno apartamento, Gayle Miller concluiu os preparativos para o jantar íntimo
com Paul Brandon.

Assumira uma atitude ambivalente em relação ao serão que se avizinhava. Na realidade, sentia-se
demasiado pressionada pela urgência e teria preferido um encontro mais tranquilo. As sessões com
Demski e Hunter na mesma tarde haviam-na deixado esgotada, embora os progressos registados em
ambas fossem gratificantes. A seguir, necessitara de gastar uma boa parte do tempo para ditar os
respectivos relatórios destinados ao Dr. Freeberg. Depois, visitara apressadamente o supermercado
das proximidades, a fim de fazer as compras para o jantar, e por último concentrara-se na
preparação de uma refeição que deplorava não poder ser mais sofisticada.

Terminados os preparativos, consultou o relógio e verificou que Brandon ainda deveria tardar uns
vinte minutos a aparecer, tempo mais do que suficiente para cuidar da sua apresentação.

Uma vez no quarto, vestiu-se com meticulosidade. No exercício da profissão, preocupava-se em não
usar nada de sexualmente provocante, no intuito de evitar ideias erradas aos pacientes.

No entanto, Paul Brandon não figurava nessa categoria. Tratava-se de um ser humano bem
integrado nas suas funções, alguém que ela desejava impressionar e excitar. Por conseguinte, no
caso de um encontro particular e pessoal, podia comportar-se como uma mulher apaixonada,
Nessa conformidade, optou por uma indumentária sensual: uma blusa de seda branca e
arrojadamente decotada, saia curta cor de tangerina e sapatos de saltos tipo estilete. Todavia,
mostrou-se moderada na utilização de cosméticos, limitando-se a aplicar um pouco mais de baton
do que habitualmente. E acabava de se considerar satisfeita com o que o espelho do toucador lhe
revelava, quando soou a campainha da porta.

Paul Brandon apresentou-se acompanhado de uma dúzia de rosas vermelhas.

Emocionada e satisfeita, Gayle aceitou o ramo, pousou-lhe a mão no braço com ternura para
agradecer

173
a gentileza e decidiu que não exagerava as efusões, fazendo seguir o gesto de um beijo na
face.

- Vou pô-las num jarrão- disse, por fim, indicando as flores. - Depois, preparo bebidas. Que
prefere?

- O que você tomar.

- Scotch on the rocks?

- Boa ideia.

Pouco depois, com os copos na sua frente, sentaram-se no sofá e ela disse:

- Sabe uma coisa? Tenho a impressão de que somos praticamente estranhos. Jantámos
juntos duas vezes e, apesar disso, quase não me inteirei de nada a seu respeito.

- Não se pode dizer que jantássemos. Tomámos café e pouco mais num lugar de,
virtualmente, entrar e sair, ambiente pouco conducente a uma conversa em profundidade.

- Tem razão. Bem, agora, ao menos, estamos sós.

- Fale-me de si. - Brandon levou o copo aos lábios. - Tem família?

- Nem por isso, se me permite a expressão. Meu pai morreu, quando eu era pequena e
minha mãe encontra-se internada num lar, prematuramente senil. Visito-a uma vez por mês,
para me certificar de que a tratam bem. Há também um irmão mais velho, que vive em
Toronto e é uma espécie de mago de computadores.

- Ele sabe que você tem esta profissão?

- Mostramo-nnos muito abertos na correspondência que trocamos e um ou outro


telefonema ocasional. Sabe, compreende e não faz qualquer objecção, porque está ao
corrente do que me levou a ser delegada sexual. Creio que já lhe falei do rapaz com
o qual andava e acabou por se suicidar.

- Sim, recordo-me.

- Até agora, mantenho-me solteira. E você?

- Bem, de momento vivo só. No entanto, fui casado...

- Sim? Que aconteceu?


- Com uma jovem actriz de Los Angeles. Necessito de dizer mais? Ó seu verdadeiro
interesse concentrava-se nela própria e no seu futuro. Mas vou poupar-lhe os pormenores
escabrosos. Limitar-me-ei a referir que

174

não apreciava o sexo em geral e eu não gostava de o fazer com ela em particular.

- Por conseguinte, divorciaram-se?

- Passado um ano. Em todo o caso, fui perseguido por uma sensação de culpa. Digamos,
uma incerteza. Eu tivera aventuras e ela não. De qualquer modo, não nos entendíamos na
intimidade. O disfuncional era eu, e, de certo modo, ela também. Li algures um artigo
sobre um grupo de pessoas afectadas por problemas sexuais que seguiam um programa
dirigido por dois psicólogos, em La Jolla, e resolvi inscrever-me. Graças a isso, apurei que
o meu caso ocorria com certa frequência. No fundo, não gostava da mulher com quem tinha
casado. Desejava afastar-me dela, e o corpo compreendeu a mensagem antes da cabeça. A
experiência estimulou-me o interesse pela educação sexual e regressei ao Orégão
para voltar a dedicar-me ao ensino. Mais tarde, soube que o Dr. Freeberg procurava um
delegado masculino e concorri ao lugar.

- A profissão interessa-lhe apenas como um meio de sobrevivência?

- Para dizer a verdade, ainda não sei. No entanto, pressinto que se trata de algo mais.

- E não se engana - proferiu Gayle, aliviada. - Tem família?

- Na prática, não. Os meus pais divorciaram-se há uns dez anos, voltaram- a casar e
quase lhes perdi o rasto. Pode dizer-se que sou uma pessoa solitária, como você. Isso
não significa que a situação me agrade, como prova a minha presença aqui.

- Por que veio? - perguntou, olhando-o com curiosidade.

- Porque não gosto de estar longe da sua companhia.

- Boa resposta - aprovou, com um sorriso. Em seguida, pousou o copo vazio, levantou-
se e estendeu a mão. - Vamos jantar.

Brandon pôs-se igualmente de pé, mas, em vez de se deixar conduzir à casa de jantar,
puxou-a para si com firmeza, e ela não resistiu.

- A comida pode esperar, não acha? - mormurou-lhe ao ouvido.


- Tem alguma ideia melhor? - replicou Gayle, em voz débil.

- Isto. - Ele procurou-lhe os lábios e beijou-a com sofreguidão. - Tento dizer-lhe que a amo.

- Também o amo, Paul. Não percamos mais tempo...

- Receava...

- Alguma resistência? Estou ansiosa. - Ela enfiou o braço no dele. - O quarto é ao fundo do corredor.

Brandon seguiu-a a um aposento pequeno, mas decorado com gosto, em que se viam candeeiros
artísticos nas mesas-de-cabeceira, duas cadeiras estofadas, uma das quais diante do toucador, e uma
cama de casal.

Gayle conservou-se silenciosa, enquanto ele a despia e depois se desembaraçava igualmente da


roupa. Ao mesmo tempo, apercebia-se da erecção gradual e experimentou um princípio de
humidade no seu íntimo.

Ele cingiu-a, cobriu-lhe a boca de beijos e em seguida procurou-lhe os seios, para se concentrar nos
bicos tumescentes.

- Sonhei com isto todo o dia - articulou ela, começando a puxá-lo para a cama. - Mesmo
durante o trabalho.

- Com quem trabalhaste? - quis Brandon saber, seguindo-a.

- Primeiro, com o paciente impotente de Chicago. Decorreu tudo satisfatoriamente e tive um


orgasmo.

- Tu? - estranhou, enquanto se acomodavam na cama. - Como reagiu ele?

- Teve a primeira erecção.

- E depois, que fizeste?

- Felicitei-o. Não farias o mesmo? - Ela hesitou.


- Portanto, se me achares um pouco lenta esta noite, procura ter paciência.

- Porquê? Também estiveste com o teu segundo paciente?

- O ejaculador prematuro? Sim, frequenta um tratamento intensivo.

- Que fizeste com esse?

- O habitual. Introduzi-o na técnica do apertão.

- Como?

- Francamente, Paul! Apertando-lhe o pénis antes de ejacular. Resultou.


176

- Não precisavas de ser tão descritiva - observou ele, com uma expressão circunspecta.

- Desculpa, querido. - Ela principiou a acariciar-lhe o pénis, que revelava indícios de


amolecimento. - Vamos tratar disso. Chega-te mais para mim.

- Que pretendes fazer?

- Descontrair-te. Deixa-me aplicar-te algumas carícias faciais, para...

- Alto lá! Julgava que se tratava de um encontro puramente social e não de uma das habituais
sessões.

- Com certeza, mas tentava apenas...

- Não me interessam os teus malfadados exercícios, esta noite.

- Então, vamos fazer outra coisa... Soergueu-se, pegou no pénis e começou a inclinar
a cabeça para ele.

- Qual é a tua ideia?

- Vou beijá-lo. Estou certa de que dará resultado.

- Beijar isso? - Brandon puxou-a pelos cabelos. -- Em circunstâncias normais, não objectaria,
mas tenho a sensação de que é uma coisa que fazes correntemente com os teus pacientes.
Costumas cair de joelhos diante deles?

- Nunca fiz isso - balbuciou Gayle, indignada. - Mas se houvesse necessidade, creio que não
hesitaria.

- És desprezível! - vociferou ele, meneando a cabeça de repulsa. - Estás-te nas tintas para o
amor acrescentou, abandonando a cama. - Só te interessa mostrar as tuas habilidades, como
consegues dominar os homens. Metes-me nojo!

- Enlouqueceste?

- Sim, devia estar louco para aceitar o teu convite e pensar que uma delegada sexual podia ser uma
mulher a valer - volveu, começando a vestir-se apressadamente. - Cai de joelhos com os teus
pacientes ou faz o que te apetecer com eles. Comigo é que não. Lamento, mas não pode haver nada
de comum entre nós.

Quando ela se levantou, vestiu o roupão e correu para a sala, a fim de tentar convencê-lo de que
laborava num erro, era demasiado tarde.

A porta de entrada acabava de se fechar ruidosamente atrás dele e a sala encontrava-se deserta.
CAPÍTULO VII

QUANDO acordou, de manhã, Tony Zecca ficou surpreendido ao ver que Nan não
estava deitada a seu lado, circunstância pouco vulgar, pois ela, em geral, ainda dormia, à
hora de ele seguir para o restaurante, Em todo o caso, recordou-se de algumas ocasiões em
que se levantara mais cedo, a fim de ir fazer algumas compras para casa.

Não obstante, vestiu-se, sem se preocupar com a sua ausência, porque prometera chegar ao
escritório a tempo de entrevistar mais duas candidatas ao lugar de caixeira. Depois,
regressaria a horas de acompanhar Nan ao médico e esclarecer a situação com o explorador.

Uma vez vestido, dirigiu-se à sala de jantar e, de caminho, preveniu a governanta na


cozinha de que lhe podia servir o pequeno almoço.

Sentou-se à mesa e abriu o jornal na secção desportiva, enquanto Hilda aparecia com o
sumo de laranja e café fumegante, e acabava de os consumir, no momento em que ela
surgiu mais uma vez, com ovos mexidos, bacon e uma torrada.

Principiando a devorá-los, com uma mirada ocasional aos resultados desportivos da


véspera, Zecca perguntou, quase distraidamente:

- A que horas tomou o pequeno-almoço a minha amiga?

- Ainda não apareceu - informou a governanta, encaminhando-se para a cozinha.

Ele pousou o garfo com violência e rugiu:

- Espera aí! - Fez uma pausa, até que a

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corpolenta alemã tornou a materializar-se à entrada, - Que estás para aí a dizer? Ela nunca
sai em jejum.

- Ninguém disse que saiu. Eu, pelo menos, não me apercebi. Acho que está por aí,
algures.

- Pois, deve ser isso.

Acabou rapidamente de consumir os ovos e bacon que restavam no prato e levantou-se,


disposto a seguir directamente para o restaurante, mas de súbito recordou-se de que
planeara visitar a casa, a fim de recolher Nan e acompanhá-la ao curandeiro, para uma
confrontação. Como não sabia a que horas a devia ir buscar, resolveu inteirar-se
imediatamente.
A casa de banho contígua ao quarto encontrava-se fechada e Zecca abriu a porta de
rompante, para espreitar, mas deparou-se-lhe deserta. A cabra devia estar no quarto de
vestir. Nunca compreendera por que razão as mulheres precisavam de tanto tempo para se
aperaltar, quando a única coisa que os homens pretendiam delas era despi-las e levá-las
para a cama.

Por conseguinte, abriu a segunda porta e rugiu:

- Com mil diabos, Nan!...

O quarto apresentava-se igualmente deserto, e o instinto Impeliu-o a abrir o armário. Os


cabides que costumavam conter a roupa dela achavam-se vazios. De repente, o olhar fixou-
se na folha de papel colada no espelho.

Arrancou-a com um gesto brusco e leu as breves palavras com fúria crescente. Ela
abandonara-o! A cabra dera-lhe com os pés, coisa que ninguém se atrevera a fazer-lhe!

Dominado pela cólera, reduziu o papel a uma bola, que esmagou na mão possante.

No entanto, a cólera não se achava só. Desfrutava da companhia de uma certa dose de
estupefacção. Como se explicava aquele acto de Nan? Ele tratara-a sempre bem, dera-lhe
um emprego e um lar e, não obstante, partira. Porquê? Não tinha lugar algum para onde ir.
Não conhecia ninguém, à parte...

À parte o patife do médico que procurava quase todos os dias!

Esse pormenor e a recordação da conversa da véspera, durante a qual ela tentara dissuadi-lo
de se

179
avistar com o homem, relacionavam-se e revelavam toda a história.

Nan abandonara-o para ir viver com o curandeiro, com o qual provavelmente fornicava desde o
primeiro dia.

Pois estavam muito enganados se pensavam que se safariam. Ele descobriria o homem e, quando
acabasse de o triturar, perderia a vontade de voltar a embrulhar-se com as mulheres dos outros.
Depois, agarraria Nan pelo cachaço e arrastá-la-ia para o lugar a que pertencia. O rumo a seguir era
bem, claro e simples.

Havia apenas um obstáculo.

Quem diabo seria o médico? Zecca necessitava de se inteirar de quem merecia o correctivo, antes
de se dirigir ao local e aplicá-lo.

Quem diabo seria ele?

Ela nunca se descosera, a espertalhona, tanto quanto a memória lhe permitia recordar, e tinha
vontade de se zurzir com um cavalo-marinho por não se haver lembrado de a interrogar.

Esforçou-se por raciocinar com calma. A visita a um medico implicava um recibo, pelo que devia
haver alguns em casa. No entanto, não se recordava de ver um único, quando guardava a papelada
para efeitos de dedução na tributação.

Não, havia uma excepção. Lembrava-se de ter visto um, passado por um médico de clínica geral, no
princípio das consultas, antes de Nan começar a tomar precauções.

Contendo a ansiedade, levantou o auscultador da extensão do quarto, ligou ao restaurante e não


tardou a ouvir a voz da chefe do pessoal de mesa, que acumulava essas funções com as de gerente.

- Escute, Marge. Sigo já para aí, mas não disponho de tempo para receber as candidatas a caixeiras.
Mande-as voltar amanhã e deixemos a estouvada que admitimos há dias continuar a roubar-nos por
mais vinte e quatro horas. Preciso de tratar de um assunto relacionado com as Finanças, pelo que
não quero que me incomodem.

Desligou com um gesto abrupto, pegou no chapéu, correu para a saída e instalou-se ao volante do
seu

180

Cadillac, a caminho do início da vingança que previa particularmente gratificante.

Meia hora mais tarde, no cubículo que lhe servia de gabinete de trabalho, nas traseiras do
restaurante, inteirou-se da data em que Nan principiara a trabalhar para ele, consciente de que
encetara as visitas ao médico pouco depois.

Transcorreram mais dez minutos, antes de descobrir o recibo, que sacudiu entre os dedos em ar de
triunfo.

Assinava«o Dr. Stanley Lopez - um latino, ainda por cima - e continha a quantia paga pelo primeiro
checkup.
O único recibo. Não havia outros, porque ela passara a utilizar dinheiro em vez de cheques ou, mais
provavelmente, ele pagava-lhe por o deixar fornicar. Zecca devia ter suspeitado do género de
injecções de que se tratava!

Com o recibo na mão, e conhecedor, portanto, do endereço do Dr. Lopez, tornou a meter-se no
Cadillac e rumou à área central de Hillsdale.

Quinze minutos depois, arrumava o carro no parque de estacionamento de um- edifício de


consultórios de seis pisos, procurou o nome do médico na relação à entrada dos elevadores e meteu-
se no primeiro que apareceu.

Saiu da cabina no terceiro andar e deteve-se diante da porta que ostentava os dizeres: STANLEY M.
LOPEZ - Clínica Geral. Encheu os pulmões de ar, impeliu-a com o punho cerrado e irrompeu numa
elegante antecâmara, onde uma jovem de aspecto latino se debruçava sobre vários documentos.

A expressão dela alterou-se ao ver o recém-chegado, e este, pressentindo que tinha as intenções
desenhadas no rosto, fez um esforço para as dissimular.

- Queria trocar impressões com o Dr. Lopez a respeito da minha... da minha mulher.

- Ela é doente do senhor doutor?

- Com regularidade.

- Diz-me o nome, por favor.

- Zecca - informou ele, automaticamente, mas apressou-se a rectificar: - Não, desculpe. Ela
gosta de

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dar o nome de solteira. É Nan Whitcomb e tinha consulta marcada para hoje.

- Deve haver engano- replicou a rapariga, enrugando a fronte. - O Dr. Lopez não recebe
ninguém hoje, porque participa num seminário. Tem a certeza de que a sua esposa é cliente dele?
Confesso que não reconheço o nome.

- Absoluta - asseverou Zecca, puxando do recibo


- Certifique-se. Tenho aqui a prova de que pagou uma das consultas.

Ela examinou O rectângulo de papel, cada vez mais perplexa, até que se levantou com lentidão e
aproximou de um ficheiro atrás da secretária, onde se agachou, a fim de puxar a gaveta de baixo.
Depois de procurar por uns momentos, anunciou:

- Tem toda a razão. Há, de facto, uma ficha com o nome de Nan Whitcomb. Deixe-me ver...

Regressou à secretária com a mesma lentidão, abriu a pasta de cartolina e examinou o conteúdo
com atenção. Por fim, levantou a cabeça, com um sorriso.

- Afinal, eu também tinha. A sua esposa não é cliente habitual do Dr. Lopez. Consultou-o apenas
uma vez, para um checkup, a pedido do Dr. Freeberg, que lhe manda sempre os pacientes para um
exame geral, antes de iniciar o tratamento. É a ele que deve procurar.

- Freeberg? Ela nunca o mencionou na minha presença.

- Talvez por acanhamento. Muitas esposas reagem assim, quando chegam a esse ponto.

- Que ponto?

- Consultar um terapeuta sexual, como é o caso de Dr. Arnold Freeberg, que dirige uma clínica da
especial idlade, na Market Avenue, a uns cinco minutos daqui. A sua esposa deve ser
paciente dele, que decerto lhe prestará todos os esclarecimentos.

- Sim, é natural - assentiu Zecca, secamente. - D r. Arnold Freeberg, foi o que disse?

- Exacto. Quando sair ao nosso edifício, corte à esquerda e depois à direita, mo primeiro
quarteirão. A Market Avenue principia aí. Não são mais de dez a quinze minutos a pé. De carro,
uns cinco. Vou dar-lhe o endereço exacto da clínica.

182

Guardou o pedaço de papel na algibeira, murmurou algumas palavras de agradecimento e retirou-


se.

Enquanto aguardava o elevador, tinha grande dificuldade em dominar a indignação.

Com que então, a sonsa da Nan rebolava-se na palha com um terapeuta sexual! Não precisava de se
entregar a longas conjecturas para abarcar a situação. O Dr. Freeberg, sem dúvida um sádico da pior
espécie, valia-se da natureza da profissão que escolhera para manter relações íntimas com as
pacientes. E ela delirava com o tratamento!
Pois bem, decidiu ao entrar para a cabina, em breve teria de se preocupar com um tratamento mais
prolongado. Ela e o médico, quando lhes pusesse as mãos em cima. Havia de o reduzir a picado
para hamburgers e arrastaria Nan para casa numa trela, a fim de poder finalmente servir-se dela
como desejava desde o princípio.

A primeira coisa a fazer era descobrir onde o tal Freeberg tinha alojado a amante e, depois de os
surpreender em flagrante, actuaria.

No entanto, quando saía do elevador já traçara planos mais definidos. Reduzir Freeberg a picado
para hamburgers talvez fosse castigo demasiado benévolo para o patife. Trataria de o «esgotar»... ou
incumbir ia um dos rapazes que lhe deviam favores de se ocupar dele.

Sim, era essa a solução. Esgotá-lo.

«Olho por olho», como rezava a Escritura.

O telefonema de Roger Kile, que se intitulava advogado do D r. Arnold Freeberg em Los Angeles,
surgiu no gabinete do promotor público de Hillsdale, Hoyt Lewis, às onze e um quarto daquela
manhã.

Este último especulara ao longo da semana sobre se a chamada proviria do próprio Freeberg ou do
seu representante legal e a natureza! da sua decisão. Agora, sabia que o médico recorrera a um
advogado para o efeito e não tardara a inteirar-se da posição que decidira assumir.

- Telefono para discutirmos o ultimato que dirigiu ao meu cliente - explicou Kile. - Na qualidade de
seu

183
representante, disponho de poderes para o fazer em nome dele.

- Confesso que não enxergo o que há para discutir - replicou Lewis, friamente.

- É possível. No entanto, para me certificar de que ele escutou bem os termos do ultimato,
gostaria que repetisse o que lhe disse quando o procurou.

- Não vejo qualquer inconveniente. Suponho que pretende gravar exactamente o que
transmiti ao Dr. Fre-eberg?

- Decerto.

- Muito bem. No meu único encontro com o Dr. Arnold Freeberg., informei-o de
que investigara o seu emprego de delegados sexuais, na maioria do sexo feminino, a
fim de coabitarem com homens em troca de remuneração. Salientei que, em face dos
elementos disponíveis, a sua actual actividade de terapeuta infringia o estatuto da
Califórnia, que considera o proxenetismo um delito, e as delegadas o artigo que
encara a prostituição como uma prática ilegal. Acrescentei que, se fossem julgados e
condenados, incorriam em penas de prisão que podiam ir até dez anos, no caso dele, e de
seis meses no delas.

- É a seguir apresentou-lhe uma alternativa.

- assim, animado de um espírito de generosidade. Na realidade, o Dr. Arnold Freeberg não


tem cadastro criminal. Trata-se da sua primeira infracção à Lei (à parte os antecedentes
de Tucson), e, convencido de que ele interpretara erradamente o espírito da Califórnia,
ofereci-lhe uma oportunidade de se livrar de apuros mais graves. Por conseguinte,
expliquei que ninguém o incomodaria, se cessasse a utilização dos delegados sexuais e
cingisse as actividades à do terapeuta comum. Por outro lado, se ignorasse a oferta e
persistisse na prática actual, mandá-lo-ia prender e acusar formalmente.

- Permita-me que insira alguns elementos neste ponto, e fá-lo-ei com a maior
sinceridade. Quando acedi a defender o Dr. Freeberg e as suas delegadas, não estava -
muito familiarizado com o seu trabalho e o que a Lei determina a esse respeito. Sabia que
ele actuava com a máxima boa fé e orientava as delegadas, mas subsistia uma remota
possibilidade no meu espírito. Receava que se escudasse nas suas recomendações e

184

elas não passassem de prostitutas encobertas. Ora, a partir do momento em que iniciei as
pesquisas, avistei-me com numerosas delegadas sexuais e verifiquei que existia uma
diferença qualitativa entre uma delegada sexual e uma prostituta. Hoje, tenho a certeza
absoluta de que se trata de actividades totalmente distintas, dos pontos de vista moral e
legal. Freeberg e as suas delegadas, são pessoas que curam através de um tratamento,
enquanto as prostitutas não passam de exploradoras. É óbvio que praticamente todos os
promotores públicos da Califórnia e Nova Iorque conhecem essa diferença e daí a razão
pela qual, em mais de vinte anos, nunca se registou uma acção legal contra um terapeuta e
uma delegada.

- Em particular, porque o clima moral deste país nunca se tinha deteriorado tanto - replicou
Lewis. - Agora, atingiu um dos seus pontos mais baixos e quero contribuir para pôr termo à
situação. O processo de limpeza tem de principiar em algum lugar e decidi que seria aqui.
Repito que não descortino uma distinção clara entre um proxeneta e as suas prostitutas e
um terapeuta sexual e as suas delegadas. As investigações demonstrarão a inexistência de
uma diferença definida e quando eu terminar a minha campanha nenhum Estado da União
permitirá a utilização de delegados de qualquer sexo.

- Mas reconhece, sem dúvida, que há uma vasta diferença de motivação e comportamento
entre uma delegada e uma prostituta comum? - insistiu Kile.

A voz do promotor endureceu:

- Não reconheço coisa nenhuma. Aliás, estou familiarizado com os argumentos


apresentados, e o D r. Freeberg expô-los com a maior eloquência. Na minha maneira de
ver, carecem de bases sólidas e serão desmoronados no tribunal. Uma delegada actua
tanto à margem da Lei como uma frequentadora das ruas...

- Perdão, eu considero-a dentro da Lei, pois actua sob a orientação de um terapeuta


profissional, na qualidade de adjunta ou assistente.

- Lamento, mas discordo. As delegadas do Dr. Freeberg, dedicam-se, por instigação


dele, a práticas sexuais libidinosas em troca de uma remuneração. São prostitutas
encapotadas, por assim dizer, coisa que

185
não estou disposto a tolerar em Hillsdale. - Lewis fez uma pausa. - Não vislumbro qualquer
vantagem no prosseguimento deste debate. Apresentei uma alternativa razoável ao Dr. Freeberg:
plena liberdade de continuar a sua actividade sem recorrer a delegadas sexuais ou acusação de
proxenetismo e prostituição, se persistir em servir-se delas. Suponho que telefonou para me
comunicar a decisão dele?

- Exacto.

- Qual é?

- Na minha qualidade de representante legal do Dr. Arnold Freeberg, estou autorizado a informar
que, em virtude de nos acharmos convencidos de que actua dentro da Lei, prosseguirá as suas
actuais actividades, com o recurso a delegadas sexuais.

O promotor não previra concretamente que seria aquela a decisão. Na realidade, pensava que Roger
Kile expusera a sua frágil argumentação em nome do cliente, esperançado em o levar a ponderar
melhor a possibilidade de recorrer aos tribunais e, quando o panorama se apresentasse mais tarde,
aceitaria as alternativas oferecidas. Afinal, as coisas deparavam-se muito mais prometedoras do que
imaginara.

- Diz que ele tenciona prosseguir com as actuais actividades? É a sua decisão final?

- Exacto.

Apetecia-lhe dizer É o funeral dele, mas lembrou-se a tempo de que a conversa estava a ser gravada
e, ao invés, proferiu:

- Nesse caso, creio que nada tenho a acrescentar, a não ser que voltaremos a ver-nos no tribunal.

- Se conseguir que algum magistrado considere os seus elementos justificativos de um


processo. - retrucou Kile, com suavidade.

- Garanto-lhe que não tenho a mínima dúvida a esse respeito.

Uma hora mais tarde, o promotor público, Hoyt Lewis, tinha Josh Scrafield sentado na sua frente.

- Lamento interromper-lhe o trabalho, reverendo, pois sei que é uma pessoa muito atarefada,
mas como se trata de Freeberg e os seus delegados...

186

- Nada me preocupa mais do que este assunto. Aquele curandeiro está a poluir a nossa comunidade.

- Como sabe, ofereci-lhe uma alternativa - esclareceu Lewis. - O advogado dele acaba de telefonar
para comunicar a decisão.

- E?... - articulou Scrafield, inclinando-se para a frente na poltrona.

- O Dr. Freeberg decidiu ignorar a minha oferta. Tenciona continuar com a utilização dos delegados.

- Vai prosseguir com a sua prática pecaminosa?


- bradou o outro, com uma inflexão de prazer.

- E nós vamos para a frente com o nosso plano volveu o promotor, calmamente. - Mover-lhe-emos
um processo em toda a extensão da Lei.

- Proxenetismo e prostituição - murmurou o reverendo, humedecendo os lábios. - Não podemos


perder. Começaremos a fazer rufar os tambores em seu favor, assim que nos der luz verde. Ganhará
o processo e desfrutará de todas as vantagens inerentes à vitória, Hoyt. É o acontecimento mais
grandioso que se nos podia deparar. O pleito contra o Dr. Freeberg está ganho por sua natureza.

- Também estou convencido disso. No entanto, tudo depende da sua testemunha principal.

- Chet Hunter? Não se apoquente com ele. Tornou-se paciente de Freeberg e passa os dias na
clínica ou noutro lugar qualquer com uma jovem chamada Gayle Miller.

- E sujeita-se ao tratamento?

- Ele garante que sim. Não o voltei a ver desde a nossa reunião aqui, mas conversamos pelo telefone
com regularidade.

- Suponho que mantém um relatório escrito das... hum... actividades?

- Sim. Uma espécie de diário. Regista tudo no papel.

- Excelente - aprovou Lewis. - É altura de voltarmos a falar com ele, para vermos o que apurou. -
Levantou-se de trás da secretária. - Falta ainda obter provas do elemento fulcral. - Mudou de tom
para salientar o que disse a seguir. - Refiro-me à prática de relações sexuais. A partir do momento
em que tal acontecer, singraremos de vento em popa. Acusarei Freeberg e Gayle

187
Miller imediatamente. Quando Hunter nos comunicar que o coito se consumou, deverá
estar preparado para nos entregar a gravação da respectiva sessão. Creio que utiliza um
gravador?

- Com certeza. Recebeu instruções pormenorizadas nesse sentido.

- A gravação é indispensável para corroborar as suas declarações no tribunal. - Mostrou-


se momentaneamente apreensivo. - Acha-o capaz de se desenrascar? Como pensa
proceder?

- Nas suas pesquisas habituais, serve-se de um gravador miniatura activado pelo som da
voz, que oculta no bolso do peito do casaco. Pode estar certo de que captará todos os
pormenores do... acto.

- Basta-me isso para esmagar a oposição - declarou, mais confiante. - Logo que ele tiver a
sessão do coito registada no seu diário, confirmada pela gravação, deverá informá-lo e o
reverendo a mim. A seguir, prenderei e acusarei formalmente Freeberg e Gayle Miller.
Convém, pois, que contacte com Hunter o mais depressa possível, para se inteirar da
situação.

- Se ele estiver em casa, falar-lhe-ei imediatamente.


- Scrafield pôs-se também de pé. - Parabéns, Mr. Lewis. Como disse há pouco,
singramos de vento em popa.

Cerca de uma hora depois, o reverendo Scrafield encontrava-se sentado na desconfortável


poltrona do apartamento de Chet Hunter e contemplava o que o rodeava com mal
dissimulada reprovação.

- É aqui que se encontra com ela? - acabou por perguntar.

- Com ela? - repetiu Hunter, instalado na poltrona em frente. - Ah, refere-se a Gayle Miller?

- À prostituta contratada por Freeberg. Ela vem aqui?

- Não. Encontramo-nos num apartamento muito jeitoso que alugou a uns vinte minutos
de minha casa.

- É melhor dar-me o endereço, para Hoyt Lewis o poder utilizar imediatamente, no


momento oportuno.

Não sem certa relutância, inscreveu a morada num pedaço de papel que entregou ao
interlocutor..

188

- Onde são as sessões? - quis saber este último, com um breve olhar ao papel. - No quarto?
- Não. Na sala de terapia.

- Na quê?

- Um aposento que ela preparou para demonstrar os exercícios, uma espécie de meio
escritório, meio sala social, com um sofá e um tapete para nos deitarmos.

- Já se pôs nela?

- Bem... - Hunter hesitou. - Por que não lê o que temos feito? - Pegou num maço de folhas
dactilografadas, que estendeu a Scrafield. - Mantenho um registo minucioso das nossas
actividades juntos. No final de cada exercício, venho para casa anotar tudo o que se
passou. Na verdade, bati à máquina mais três páginas esta manhã, pelo que as vinte e uma
que tem na mão estão actualizadas. Sugiro que as consulte para saber...

- A única coisa que sei é que o promotor público está ansioso por que você complete o
trabalho. Quer actuar o mais depressa possível e incumbiu-me de averiguar em que ponto
se encontram as suas diligências.

- O material que tem aí sobre as sessões diárias com Gayle Miller fornece um panorama
elucidativo da situação.

- Está bem. Vou ler.

- Entretanto, posso fazer café.

- Sim, é uma boa ideia - assentiu Scrafield, já debruçado sobre o relatório.

Hunter dirigiu-se à pequena cozinha, dominado por certa apreensão sobre a reacção do
reverendo ao tomar conhecimento pormenorizado do que se desenrolava nas sessões.

Por fim, regressou à sala com duas chávenas fumegantes, que pousou na secretária. No
entanto, Scrafield ignorou o café e continuou imerso na leitura e Hunter sorveu o seu,
esforçando-se por não olhar a expressão do visitante.

Escoaram-se dez minutos e, por último, o reverendo chegou ao fim e colocou as folhas
sobre os joelhos.

- Tenho de confessar que isto não passa de um estendal de baboseiras - anunciou, com um
olhar glacial.

- Não compreendo.

- Quero eu dizer que não serve para nada. Vou


189
exprimir-me com mais clareza. Uma vez, li algures que só um crime se reveste de
importância. Não é roubar jóias ou praticar um desfalque, mas o homicídio. O mesmo se
aplica aqui. Se se pretende provar que existe prostituição, não são os pormenores marginais,
por muito escabrosos, que contam, mas o coito. Ora, não vejo nada que se pareça com isso,
nos seus apontamentos.

- Bem, tudo o que escrevi faz parte dele - alegou Hunter, na defensiva.

- Para mim, não, nem para Hoyt Lewis, aposto. - Scrafield tornou a pegar no relatório
e começou a folheá-lo. - Na realidade, que temos aqui? Carícias manuais, carícias
faciais, carícias nas costas, imagismo corporal, carícias nas costas, mais imagismo
corporal, alguns apalpanços, mas omitindo os órgãos genitais, etc., etc. Tudo somado,
que nos proporciona? Um monte de esterco inútil. No tribunal, só interessará a resposta a
uma pergunta: pôs-se nela? Por que não o fez ainda? Por que não o faz?

- Como sabe, consegui ser admitido na clínica porque aleguei que tinha um problema. -
Hunter notou o aparecimento de transpiração abundante na fronte.

- Não há problema que uma boa penachada não resolva. Está a dizer-me por outras
palavras que não consegue pô-lo de pé?

- Consigo e já o pus.

- Então, de que está à espera?

- Tenho de obedecer ao regulamento. Há regras na terapia, e devem ser cumpridas.

- Quem se preocupa com regras, num caso destes?


- A expressão do reverendo era de profundo desagrado. - Você tem essa garota
atraente (diz aqui que é muito jeitosa) ao seu dispor, despida, deitada na cama, e, em vez de
a montar, entretém-se com carícias! Ela está habituada a ter o membro masculino dentro.
Por conseguinte, pare de uma vez com os rodeios!

Hunter transpirava agora livremente. Não queria revelar que efectuara uma tentativa
frustrada, nem discutir a técnica do apertão que Gayle considerara necessário empregar
com ele.

- Estamos a avançar - aventurou em voz algo trémula. - Espero ter relações sexuais com ela
amanhã.

190

- Com certeza?

- É o que figura a seguir no programa.


- Pode garantir-mo?

Engoliu em seco antes de articular:

- Sem dúvida.

A expressão quase granítica de Scrafield abriu-se num simulacro de sorriso.

- Óptimo. - Pôs-se de pé e sacudiu a mão em que segurava as folhas dactilografadas. -


Tire fotocópias disto e leve-as ao promotor. De caminho, comunique-lhe que disporá da
prova suprema gravada a todo o momento.

- Depois de amanhã.

- Excelente. No momento em que ele possuir a sua declaração escrita de que deporá no
tribunal, mandará prender Freeberg e Gayle Miller. - Deu uma palmada amigável no
ombro de Hunter. - Já agora, desfrute o mais possível com ela... antes de a pormos fora da
circulação.

Enquanto se despia no quarto, com Nan Whitcomb já desnuda na cama, de olhos extasiados
fixos nele, Paul Brandon não conseguia concentrar-se no trabalho imediato a efectuar.
Tinha a mente ocupada por Gayle e a sua própria conduta estúpida, ao voltar-lhe as costas,
na noite anterior. Assolava-o uma sensação de culpa e receava ter posto termo irremediável
a um relacionamento que prometia cimentar-se e perdido para sempre uma mulher que na
verdade amava. Continha-se com dificuldade de lhe telefonar, para averiguar se se sentiria
disposta a tornar a vê-lo.

Entretanto, acabara de se despir e compreendeu que Nan aguardava que tomasse a


iniciativa.

E ele sabia bem no que consistia o exercício seguinte.

Penetração.

Conservou-se imóvel, receoso de actuar. Antes de mais, com o pensamento concentrado em


Gayle, preocupava-o vagamente o receio de não conseguir uma erecção com Nan. No
entanto, ao observar-lhe a expressão do olhar, compreendeu que não era isso que temia,
mas a possibilidade de, na eventualidade de praticarem o coito sem problemas e com prazer
mútuo, ela tomar

191
o facto por uma prova de amor. Se tal acontecesse, surgiria na verdade um problema complexo.

- Preocupa-o alguma coisa? - acabou Nan por perguntar.

- Estou a pensar no que vamos fazer a seguir.

- O que é?

Brandon perguntou-se se conviria tentar ganhar tempo, até dispor do ensejo de decidir o possível
resultado do coito com ela.

Instintivamente, desejava ponderar o assunto sem precipitações susceptíveis de conduzir a um


desaire.

- Acho que devíamos repetir o último exercício, para analisarmos melhor a nossa reacção.

- O toque genital, outra vez? - Ela não conseguia dissimular o desapontamento. - Hoje não tínhamos
de fazer uma coisa nova?

- Não forçosamente. Aliás, não foi nada mau.

- Foi maravilhoso, Paul - apressou-se a afirmar. - Não me importo de o repetir.

- Talvez tenha um novo orgasmo. Não é o nosso objectivo, mas não há inconveniente, se lhe
apetecer.

- De facto, apetece-me, mas ainda é melhor se você também tiver um. Da outra vez, creio que lho
cortei.

- Veremos - proferiu ele, em voz neutra, reunindo-se-lhe na cama.

Aproximaram-se do meio e viraram-se um para o outro, de olhos abertos. Em seguida, Brandon


pegou num frasco e aplicou óleo no corpo dela, evitando o monte de Vénus, após o que lho
entregou e indicou que lhe fizesse o mesmo. Nan procedeu com meticulosidade, efectuando um
cuidadoso desvio na área genital, mas quando completou a operação, ele notou que os seios arfavam
mais rapidamente. Pretendia que a sessão fosse lenta e prolongada, porém o desejo óbvio dela de ser
tocada indicava que teria de ser substancialmente abreviada.

- Vamos lá, então, ao exercício. Quer que proporcionemos prazer um ao outro simultaneamente,
como da última vez, ou prefere proceder por turnos?

- Por turnos - decidiu ela, sem hesitar. - Concentro-me melhor. Pode começar você, se não se
importa.

- Absolutamente nada. Por sinal, até é preferível

192

dessa maneira. Deite-se de costas, feche os olhos e dê livre curso às sensações.

- Muito bem.
Em seguida, Brandon debruçou-se sobre ela e, principiando pela cabeça, fez deslizar os dedos ao
longo da face, pescoço, ombro e seios, cujos bicos se achavam apontados agressivamente.

No momento em que começou a acariciar o estômago, registou-se um som quase inaudível, que ele
atribuiu a um gemido. Os dedos penetraram na vagina e, de súbito, ela ergueu os joelhos e abriu
mais as pernas.

- Não aguento mais...

Os dedos passaram a exercer pressão, até que moveu o corpo num arco e exclamou:

- Paul, Paul! - Uma pausa e explodiu: - Estou a vir-me!

Brandon colaborou na medida do possível e, quando o longo orgasmo cessou, Nan afundou-se na
cama, inerte, enquanto tentava recuperar o fôlego.

Ele aguardou o momento e completou o exercício até alcançar os pés, sem que ela se movesse, o
que se lhe afigurou vantajoso, pois não desejava envolver-se demasiado com aquela paciente.

De repente, porém, soergueu-se e abriu os olhos.

- Obrigada, Paul - murmurou, inclinando-se para ele e beijando-o. - Queria que desse livre curso às
sensações e foi o que aconteceu. - Impeliu-o para trás e acrescentou: - Agora, sou eu e espero que
sinta o mesmo.

Abstendo-se de replicar, porque na realidade não estava bem certo do que devia dizer, ele colocou-
se na posição apropriada.

No instante imediato, depois de fechar os olhos, sentiu a mão ávida começar a percorrer-lhe o
corpo.

- Você é extraordinário... - sussurrava ela.

Ele esforçou-se por imaginar que era Gayle que lhe falava, Reviu-a despida e irresistível como na
véspera e, de repente, regressou à realidade para se aperceber do fenómeno: o pénis tumefacto
erguia-se como um poste de iluminação.

Nada o podia conter. Encontrava-se fora do seu domínio.

A mão dela circundou-o e principiou a friccioná-lo.

Brandon não sabia quantos minutos se tinham

193
escoado. Cinco ou seis, ou porventura mais. No entanto, pareciam uma eternidade de prazer, e
apetecia-lhe alcançar o clímax.

. - Nan... eu... eu...

--Eu sei, querido - murmurou ela, acelerando o movimento da mão.

A explosão surgiu finalmente e seguiu-se um período de aturdi mento.

Quando voltou a dar acordo de si, ele viu que Nan se achava deitada a seu lado e o abraçava.

- Foi maravilhoso... - ciciou ela. - Simplesmente maravilhoso.

- Você também.

- Sentia-me mais perto de si que nunca.

- Era a minha esperança.

Brandon fixou o olhar no tecto e ela conservou-se silenciosa por uns momentos, entretida a
contemplá-lo, até que disse em tom hesitante:

- Queria falar-lhe de uma coisa, Paul.

Ele não se sentia muito tentado a inteirar-se de que se tratava, mas assentiu com um movimento de
cabeça.

- Deixei Tony Zecca - informou ela, como se lhe anunciasse um presente. - Não aguentava mais e
saí de casa, ontem à noite, quando ele dormia.

como Deixou-o? --repetiu Brandon, subitamente interessado.

- Como você sugeriu uma vez.

--Mas eu... - Hesitou, sem saber o que dizer. - Para onde foi?

- Procurei-o para que me indicasse um hotel, mas você não estava em casa.

- Sim, tive de sair - admitiu, recordando-se da cena desagradável com Gayle.

- Acabei por telefonar ao Dr. Freeberg, que teve a gentileza de me reservar um quarto no Excelsior,
perto da clínica. i

- Ainda bem. Sentou-se na cama e ela imitou-o.


- E a respeito de dinheiro?

- Tenho o suficiente para me aguentar umas semanas. Depois, procurarei trabalho.

- Há-de arranjar alguma coisa - profetizou Brandon, abandonando a cama.

- Paul...
194
- Sim?

- Se quiser, posso ficar consigo, esta noite. Agradava-lhe?

- Com certeza que me agradava estar consigo aquiesceu com prontidão. - Infelizmente, não é
permitido. O Dr. Freeberg despedia-me, se soubesse. De resto, mesmo que eu quisesse infringir o
regulamento, esta noite não podia. Tenho um... um compromisso.

- Compreendo... - O desapontamento de Nan era evidente.

- Mas voltaremos a ver-nos amanhã à tarde, para o próximo exercício.

- Tem razão. Não me esquecerei. - Pareceu um pouco mais animada, - Em que consiste?

- Penetração. - O termo brotou dos lábios dele com dificuldade. - Se se sentir com disposição,
claro
- apressou-se a acrescentar.

- Consigo, sinto disposição para tudo, Paul. Tudo. Poucos minutos depois de ela se retirar, Brandon

pegou no telefone e marcou um número, esperançado em encontrar Gayle em casa.

E, após escassos instantes, verificou que não se equivocara.

- É Paul - anunciou ele, em tom compungido. De chapéu na mão. Quero pedir desculpa do meu
comportamento de ontem à noite. Fui de uma grosseria e estupidez inconcebíveis.

- Ainda bem que telefonaste - replicou ela, com gravidade. - Estive todo o dia a pensar em nós e
senti-me quase tentada a ligar para tua casa. Também não me portei de modo muito razoável.

- Quando posso voltar a ver-te? O mais depressa possível.

- Queres que passe por aí?

- Quando?

- Só depois do jantar, pois prometi comer com duas das nossas colegas. Talvez por volta das dez.
Ou será muito tarde?

- Nunca é muito tarde.

- Então, fica combinado. dá-me o endereço. Estou ansiosa por esse momento.
195
Quando se apresentou no apartamento, Gayle foi acolhida por Brandon com um abraço e beijos. Em
seguida, desprendeu-se e contemplou a sala.

- Não está mal, para um delegado sexual em luta por um futuro melhor. Gosto daquelas litografias
de Giacometti nas paredes.

- Pareceram-me apropriadas ao ambiente. \

- São autênticas?

- Não, reproduções. Tenho lá dinheiro para as autênticas! Estou muito contente por te ver
aqui, Gayle.

- Trouxe-te uma coisa, uma oferta de paz - anunciou ela, com um sorriso. - Creio que já assinámos a
paz, mas gostava que a aceitasses.

- Que é?

- A chave de minha casa - Enformou, entregando-lha. - No nosso próximo encontro, se chegares


primeiro, podes entrar e preparar-te para mim. - Indicou o roupão de banho que ele usava. - Vejo
que, hoje, já estás preparado. O que há por baixo?

- Apenas eu. Sem camuflagem.

- Não te quero ficar atrás. Onde é o quarto? Brandon acompanhou-a e, à entrada, observou:

- É demasiado modesto para ti.

- Costumas utilizá-lo?

- Para quê?

- Para a tua paciente. Eu tenho uma sala de terapia especial e reservo o quarto para as pessoas como
tu.

- Sim, fazemos os exercícios aqui.

- Como vai o tratamento dela... como se chama?

- Nan.

- Revela progressos? - perguntou Gayle, começando a desabotoar a blusa.

- Penso que sim. Sofria de vaginismo, mas creio que principia a descontrair-se um pouco.

- Ainda não tens a certeza? - insistiu, desembaraçando-se dela.

- Espero tê-la após a próxima sessão.

- Penetração?
- Exacto. Mas há um problema que me enerva levemente. - Ele enrugou a fronte. - Não sei
bem como actuar.

- Qual é?

- Bem, para dizer a verdade, receio que ela se

196

tenha apaixonado por mim. Abandonou o amante (e fez muito bem, porque era um patife) e hoje
ofereceu-se para ficar comigo.

- É proibido.

- Foi o que lhe expliquei.

- Refiro-me também ao resto. - Gayle levou as mãos às costas para soltar o fecho do soutien. -
Não podes permitir que uma paciente se enamore de ti.

- Acredita que não a entusiasmei. Apesar disso, vejo que está a acontecer. É uma moça simpática e a
situação causa-me certo desconforto, pois não sei como enfrentá-la.

- Talvez não te mostres suficientemente profissional.

- Esforço-me o possível.

- Pode não ser o bastante. Quem sabe se te compadeceste dela? - Fez uma pausa. - Que razão levou
a tua Nan a abandonar o amante?

- Não posso dizer que ficasse contrariado. Julgo mesmo que a encorajei. À avaliar pelo que me
contou, o homem é um animal, e não me admirava que fosse a causa da deficiência dela. De
qualquer modo, mandou-o passear. Ou melhor, ela é que foi passear.

- Por que a encorajaste? - volveu ela, que ainda não tirara o soutien. - Dá-me a impressão de que
não procedes da melhor maneira. Penso mesmo que devias expor o assunto ao Dr. Freeberg.

- Que pode ele fazer?

- Tirar-te a paciente das mãos, por exemplo. Conheço-o o suficiente para saber que nunca
permitiria que um delegado se envolvesse emocional mente com uma paciente.

- Eu não estou envolvido - declarou Brandon, com ar resignado. - Quem está é ela.

- Então, ela. Mas deixaste-a ficar embeiçada por ti sem tomares medidas para o evitar. O Dr.
Freeberg não permitiria que uma coisa dessas acontecesse ou, pelo menos, evitaria que
prosseguisse. Falaste-lhe nisso?

- Não.

- Tens de lhe dizer - reiterou ela, acercando-se um passo. - É teu dever.


- Achas realmente que me retirará a paciente?

- Sem a menor hesitação.

197
- Mas a terapia ainda não está concluída.
- Ele encontrará alguém para a completar.

- Sou o único delegado masculino da clínica.

- Garanto-te que encontrará outro para a tua Nan.

- Não gosto da ideia. - Brandon meneou a cabeça com veemência. - A minha substituição nesta
altura do tratamento pode afectá-la seriamente.

- O Dr. Freeberg tem larga experiência da situação como essa. Deves a ti próprio, a ele e a ela
revelar-lhe o que se passa.

- És capaz de ter razão - concedeu, com um encolher de ombros. - Custa-me proceder como
indicas, mas de facto parece não haver qualquer alternativa.

- Óptimo - aprovou Gayle, com satisfação. - Bem, vejamos se consigo animar-te um pouco.

Tirou o soutien, e os seios quase saltaram em direcção a Brandon, que se apressou a cingi-la e beijar
os bicos.

- És fantástica - murmurou, ofegante, ao mesmo tempo que a apertava.

- Não estou a sentir nada em ti - queixou-se ela, desprendendo-se. - Toca a despir o roupão. - Fez
uma pausa, enquanto ele a comprazia, e contemplou o pénis flácido. - Que se passa, querido? Não te
apetece?

- Sem dúvida que apetece. Só que...

- Só que?... - inquiriu, com curiosidade crescente.

- Não te quero mentir. Tive um orgasmo esta tarde, mas se me concederes algum tempo...

- Tiveste um orgasmo... quando estavas com Nan? --perguntou, apressando-se a cobrir os seios com
as mãos e exibindo uma expressão de incredulidade. - Com Nan?

- Deixa-me explicar. Dedicávamo-nos ao prazer não-retribuível...

- Chamas a isso não-retribuível?

- Apesar de respeitarmos rigorosamente as regras, excitei-me e... Bem, ela teve um orgasmo ontem,
durante a sessão, e quis que eu também...

- Por conseguinte, deste livre curso aos teus impulsos!

- Não queria, mas foi-me impossível evitá-lo.

- O tanas! Desejavas era que a rapariga que te ama te satisfizesse o apetite, porque também a amas. .

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- Pára com isso, por favor. Juro-te que tiraste conclusões erradíssimas. Ela não me interessa
absolutamente nada...

- Nem tu a mim - cortou Gayle, apertando o fecho do soutien. - Deixas outra mulher estimular-te e
agora pretendes que aguarde pacientemente a minha vez na bicha. - Fez uma pausa para enfiar a
blusa. - Nem em sonhos, meu amigo!

- Palavra de honra que não necessitas de ter ciúmes de ninguém! - bradou ele, segurando-lhe os
braços.

- Quem é que tem ciúmes? Não passo de uma antiquada monógama. Um homem, uma mulher. É
assim que tenciono viver a minha vida. Não preciso de um polígamo para me complicar a
existência. Passa muito bem!

Com estas palavras, ela encaminhou-se para a porta com passos firmes e abandonou o apartamento.

Foi uma noite agitada para Gayle.

Quando regressou a casa, deitou-se, mas não conseguiu adormecer. Assolavam-lhe o pensamento
fantasias sobre a ligação não podia considerar sessões de terapia os encontros que mantinham de
Paul com a mulher chamada Nan. Embora não fizesse a menor ideia do aspecto desta última ou do
seu comportamento, conjurava repetidamente a imagem de mais atraente do que ela e mais
espontaneamente condescendente.

Enquanto se voltava na cama, em busca de uma posição que lhe permitisse conciliar o sono,
continuava dominada pelas fantasias. Os órgãos genitais de Nan eram mais bonitos, perfeitos, mais
admiráveis que os seus e Paul adorava-os. E os orgasmos deviam ser igualmente melhores, assim
como o que ele tivera, induzido por ela, e Gayle reconhecia a impossibilidade de competir com um
amor de semelhante natureza.

À medida que a noite se escoava, esforçava-se por banir as fantasias e substituí-las pela razão. Nan
não era uma mulher normal como ela. Encontrava-se com Paul, porque necessitava de ser tratada de
deficiências que a afligiam e Gayle não conhecia. Paul simpatizava com a paciente, dispensava-lhe
mesmo algum afecto, mas reservava todo o seu amor para Gayle.

As suas fantasias não faziam sentido. O amor e devoção não se situavam na área da virilha, mas no

199
coração. Paul amava-a do coração, como ela a ele. O problema não consistia em Nan ou nesta e
Paul, mas no ciúme de Gayle. Sim amava-o o suficiente para se sentir despeitada, se soubesse que
concedia uma parte de si próprio a outra mulher. Ela sabia desde as primeiras sessões com o Dr.
Freeberg que o ciúme resultava de uma insegurança básica, uma questão terapêutica de que ela se
supunha livre. Esperar um relacionamento totalmente monógamo era irrealista, porque a
monogamia absoluta não podia existir. Os homens olhavam para outras mulheres e as mulheres para
outros homens. Havia breves namoros discretos e até algo mais. No entanto, isso não invalidava o
seu amor dominante por um único companheiro. Assim, Paulo podia permitir-se um pequeno
devaneio com Nan, sem que deixasse de conservar Gayle no coração como alguém que a estimava
acima de todas as outras mulheres.

Chegada a esta conclusão, sentiu-se mais descontraída e sonolenta, até que, já perto da alvorada,
adormeceu.

Quando acordou, com o sol bem alto, e viu as horas, descobriu que se deixara dormir. Não muito,
mas costumava levantar-se mais cedo. Depois de desanuviar as ideias, congratulou-se por ter
conseguido descansar, pois necessitava de todas as energias.

Com efeito, aguardava-a um dia cansativo. Primeiro, Adam Demski, ao entardecer e, ao serão, Chet
Hunter. Em ambos os casos, o exercício a efectuar era a penetração, sem dúvida crucial e
importante.

Recordou-se, porém, de que também se revestia de particular importância esclarecer a situação com
Paul Brandon.

Sabendo que costumava levantar-se tarde, calculou que ainda o apanharia em casa e estendeu a mão
para o telefone.

A campainha tocou três vezes do outro lado da linha e, por fim, surgiu a voz dele, embora um pouco
rouca.

- É Gayle, Paul. Acordei-te?

- Acordaste, mas ainda bem, porque...

- Deixa-me dizer uma coisa, primeiro. Estou abjectamente envergonhada e peço-te mil desculpas.
Portei-me de forma imperdoável, ontem à noite, e agora posso

200

confessar porquê. Tive ciúmes avassaladores. No entanto, creio que não se justificavam. Engano-
me?

- Amo-te mais do que a qualquer outra pessoa do mundo, Gayle.

- Posso afirmar o mesmo a teu respeito, Paul. Apareces, esta noite, para fazermos as pazes?

- Que alguém tente impedir-me!

- Às nove e meia? Fico a contar os minutos com ansiedade.


Estavam deitados no tapete, ao lado um do outro, desnudos, e Gayle apoiou o cotovelo na almofada
e resolveu exprimir-se sem rodeios.

- Se está interessado em saber o que segue, é a penetração. - Fez uma pausa e viu-o enrugar a fonte
com apreensão. - Não será a única tentativa, pois haverá outra... ou talvez mais duas. Não quero que
se enerve e comece a encarar-se como um artista que não pode falhar.

- Julga-me capaz?...

- Penso que sim. É por isso que vamos executar o exercício. Serei o parceiro dominante, o de cima.
Chama-se penetração gradual de enchimento.

- Enchimento? - ecoou ele. - Que quer?...

- Deixe-me explicar... A maioria dos homens supõe que para consumar o coito tem de conseguir
uma erecção dura como o granito. Ora, isso não corresponde de modo algum à realidade.

- Não?

- Vou confiar-lhe um segredo, Adam. Até se pode consumar com o pénis quase flácido. Basta
cinquenta por cento, e não cem, de tumefacção. Muitos homens preferem a posição missionária,
com eles por cima, por ser mais macho. No entanto, comigo por cima, estarei mais bem situada para
orientar o que segue. Posso recorrer à gravidade, em vez de actuar contra ela. Principiaremos, pois,
pela penetração mole. Na próxima ocasião ou na outra, passaremos à dura, consigo na posição
dominante. Mas agora sou eu por cima.

- Não sei se...

- Sei eu. Resolveu a sua impotência, porque aconteceu na minha presença. Tenho a certeza de que
pode experimentar prazer e sensualidade e proporcionar-me

201
igualmente a satisfação. Deixemo-nos de ideias tenebrosas. Vou pedir-lhe que me beije os seios e
faça deslizar as mãos pelo corpo e a seguir acaricio-o todo, incluindo os órgãos genitais. Quando o
julgar preparado, digo-lhe.

A resignação que o semblante de Demski exibira até àquele momento, foi substituída por interesse e
curiosidade.

Gayle reclinou-se na almofada e indicou:

- Toque-me nos seios, beije-os e ao resto do corpo. Ele soergueu-se e principiou a comprazê-
la, ao
mesmo tempo que ela lhe acariciava as faces e peito. Por fim, começou a entreter-se com os
testículos e pénis.

A pouco e pouco, notou que este último se dilatava, não para alcançar uma erecção completa, mas
não subsistiam dúvidas de que aumentava de tamanho.

Quando o julgou suficientemente estimulado, decidiu:

- Agora, deite-se e não se mexa.

Aguardou que ele obedecesse e colocou-se-lhe em cima, pegando no pénis com uma das mãos e
orientando-o para a vagina. Com lentidão e cuidado, introduziu-o na vulva e sentiu a pequena haste
no seu íntimo.

- Lembra-se do Relógio, Adam, quando moveu o dedo dentro de mim? Agora, é o pénis.

- Não tenho bem a certeza de estar dentro de si.

- Vou provar-lhe que está. - Ela tentou contrair os músculos vaginais interiores. - E agora?

- Nem se pergunta!

- Nada de movimentos. Este exercício destina-se apenas a demonstrar que pode entrar em mim. A
verdadeira finalidade resume-se a habituar-se a ser suficientemente potente para me penetrar,
introduzir e manter o pénis dentro de uma vagina numa situação não-ameaçadora, nem retribuível.
A ideia fundamental reside em convencer-se de que pode alcançar uma erecção suficiente para
penetrar uma mulher e manter o pénis erecto. Como é a sensação?

- Boa, muito boa.

Embora tentasse ensinar aos seus pacientes que não se isolassem da situação, Gayle esforçava-se
por permanecer alheia naqueles instantes, a fim de poder ser uma espectadora das reacções.

202

Havia alguns momentos que se mantinham imóveis e, no interior da vulva, ela sentiu-o diminuir e
amolecer. Por conseguinte, para não o deixar perder o que conquistara ou abalar-lhe a confiança,
advertiu:

- Se quiser, pode mexer-se mais um pouco.


- Claro que quero.

- Então, vá. Para a frente e para trás, algumas vezes. Talvez atinja o orgasmo, de contrário não
se preocupe. É uma reacção natural.

As coxas dela exerceram pressão nas dele, enquanto o pénis se movia no seu interior. Por um
instante, sentiu-o tornar-se mais rígido e deslocar-se mais depressa, até que surgiu o orgasmo e ele
grunhiu de prazer.

Mais tarde, depois de tomar banho e vestir-se, Gayle, de roupão, acompanhou-o à porta.

Antes de sair, Demski voltou-se e beijou-a na face.

- Acho que foi você que me fez consegui-lo.

- O trabalho foi inteiramente seu. Merece bem um dezasseis. - Ela retribuiu o beijo. - Para a
próxima, abalance-se a uma classificação mais alta.

- Um vinte? - Prometo-lhe um vinte, Adam.

-i Após um banho prolongado, Gayle mudou de roupão a tempo de acudir à porta sem demora, no
momento em que Chet Hunter chegou.

Quando se dirigiam para a sala de terapia, ela apercebeu-se sem dificuldade de que ele estava mais
nervoso e tenso do que habitualmente.

A seguir, instalou-se no tapete e, enquanto Hunter se despia, perguntou-lhe se fizera os trabalhos de


casa.

- Como a senhora professora me recomendou respondeu ele, ao mesmo tempo que despia o casaco
e o dobrava meticulosamente, para colocar no espaldar do sofá. - Mas sozinho não é muito
divertido.

- A finalidade não consiste no divertimento imediato, mas hei-de prepará-lo para que desfrute a
valer.

- Assim espero.

- Resultou?

- Com certeza. Após a erecção, continuei a friccioná-lo e, na iminência da ejaculação, apertei.


Repeti a operação quatro ou cinco vezes.

Vai - Muito bem.


- Interessa-me saber uma coisa. - Encontrava-se totalmente despido. - Quando é a valer?

- Agora.

- Já, neste momento? - A tensão pareceu dissipar-se. - Quer dizer que vamos levar o coito às
últimas consequências?

- Chama-se penetração - corrigiu Gayle. - Aquilo que designamos por penetração mole. Significa,
não que você entrará flácido, mas que procederemos com lentidão, para se habituar a estar dentro de
mim e conter-se.

- Estupendo.

- Enquanto for capaz de conter a ejaculação prematura, continuaremos a praticar a técnica do


apertão juntos. Verá como é eficiente.

- Quando quiser, estou preparado. Podemos começar já?

- Sem dúvida, Vamos deitar-nos e acari ciar-nos alternadamente, até surgir a erecção.

- Não há-de demorar muito. - Ele não desviava os olhos dos seios. - Quando tocar nesses balões,
subo às nuvens.

- Óptimo. Nessa altura, mantém-se deitado de costas e eu coloco-me por cima.

- Um momento, um momento! Não estou habituado a que as mulheres fiquem por cima de mim.
Qual é a ideia?

- Facilitar-lhe a contenção. Reduzir as possibilidades de se mover e ejacular.

- Não estou a ver como.

- Acabará por ver, creia. Uma vez conseguida: a erecção, esteja quieto, enquanto eu o monto. Se
suspeitar de que não consegue conter-se, previna-me, imediatamente. Tratarei de lhe
aplicar o apertão e retardar a ejaculação, para depois o acariciar, até estar de novo preparado.

- Isso não se parece muito com uma penetração.

- Passaremos ao seu tipo de penetração quando eu lhe disser. Para já, depois de estar dentro de mim
e sentir que vai ter um orgasmo, previna-me. Aplicaremos a técnica do apertão e continuará a
penetrar até conseguir manter-se dentro cinco minutos. Lembre-se que, depois de entrar, se
suspeitar de que vai ejacular rapidamente, não deve hesitar: avise-me e eu evito-o.

204

-•.k. - Está bem.

Gayle segurou-o pelo braço.

- Comecemos por nos deitar e tocar, por turnos. Uma vez ao lado um do outro no tapete, principiou
a mover os dedos pelo corpo dele, evitando os órgãos genitais, para não o excitar demasiado cedo.
Transcorridos uns minutos, reclinou-se, e indicou-lhe que a acariciasse.

No momento em que a mão de Hunter tocou nos seios, a erecção foi instantânea, como previra.

Ela baixou os olhos e verificou que se tratava de uma erecção completa. Não havia, portanto,
problemas por esse lado.

O que sucedesse a seguir, resultaria decisivo, toda- via possuía experiência de casos daquela
natureza e estava confiante.

- Muito bem, Chet. Agora, deite-se de costas e deixe-me fazer o resto.

Hunter obedeceu e ela apoiou-se nos joelhos e colocou-se-lhe em cima lentamente, até que a
extremidade do pénis roçou na área púbica.

- Que sente?

- Vontade de me vir... - murmurou ele, de olhos fechados e expressão distorcida. - Como se...

Acto contínuo, a mão de Gayle pousou na glande e exerceu pressão com três dedos.

- Abóbora! - protestou ele, ao ver o pénis tornar-se flácido. - Estava certo de que desta vez
conseguia.

- Engana-se - afirmou ela. - Mas há-de conseguir.

- Quando?

- Seja paciente. Hoje. Voltemos ao princípio. Mantendo-se em cima, os dedos recomeçaram a

acariciar-lhe o rosto, pescoço e peito. Automaticamente, ele tornou a acariciar-lhe os seios, e o pénis
endureceu e avolumou-se com prontidão.

Gayle voltou a orientá-lo para a vagina e, no momento em que surgiu o aviso da ejaculação
iminente, apertou a extremidade e suprimiu a possibilidade do orgasmo.

O processo foi reatado e prolongou-se durante pelo menos dez minutos, sempre com o mesmo
resultado, para evitar a ejaculação prematura.

205
- Estou derreado - articulou Hunter, ofegante, pousando a cabeça na almofada. - Começo a pensar
que não sou capaz...

- Há-de ser - cortou ela, com firmeza.

Iniciou de novo as carícias, e desta vez foi necessário mais algum tempo para reanimar o membro
flácido. Após dez minutos de insistência, enquanto Hunter acariciava os seios, surgiu finalmente a
esperada reacção.

No instante em que a erecção se completou, Gayl e introduziu o pénis totalmente na vagina. Em


seguida, quase notou a passagem dos segundos: quatro, cinco, seis, sete, oito, nove, dez.

- Não se mova - recomendou. - E não se esqueça de me...

Mas naquele momento ele começou a estremecer e ela conservou-se imóvel, sentindo o orgasmo
explodir no seu íntimo.

No final, ele espreguiçou-se, esgotado, e Gayle deslizou para o seu lado no tapete.

- Não foi mau, para começar, hem, Chet?

- Entrou todo, não foi?

- Uma penetração total.

- Mas insuficientemente longa. Excitei-me muito cedo. Não consegui conter-me, nem tive
tempo de a prevenir.

- Em todo o caso, fez aquilo de que até agora era incapaz.

- O coito?

- Exacto. E será cada vez melhor e mais prolongado, se continuar a fazer o trabalho de casa.

- Qual é o nosso objectivo?

- O homem médio (médio, repare) costuma manter a união sexual durante cinco a sete minutos
antes do orgasmo. Insistiremos até que você aguente dez. A partir desse momento, poderá
considerar-se formado na matéria e tornará alguém muito feliz.

- Sim, alguém - proferiu ele, inclinando a cabeça.


- Alguém se sentirá muito feliz, sem margem para dúvidas.

206

Às nove e meia daquela noite, depois de não obter resposta à campainha da porta, Paul Brandon
utilizou a sua chave para entrar no apartamento de Gayle Milier.

Dirigiu-se ao quarto e encontrou-a na cama, profundamente adormecida. Aproximou-se para ter a


certeza e ouviu a respiração compassada. Depois de contemplar o rosto atraente em repouso
inocente por uns instantes, meneou a cabeça com lentidão. Por que se enamoraria de uma delegada
sexual? Por que não se interessaria antes por uma mulher média, como uma espia de uma
superpotência, uma recordista da maratona ou a esposa de outro homem?

Por que preferira uma delegada sexual?

A única coisa que podia esperar dela eram aborrecimentos.

Com um suspiro, pousou a caixa de bombons de que se fizera acompanhar e retirou-se.

207
CAPÍTULO VIII

NAN WHITCOMB achava-se envolta no roupão de banho dele, à espera do exercício


crucial - penetração, quando Brandon, que acabava de entrar no quarto para se despir, estremeceu ao
ouvir a campainha do telefone.

Em regra, desligava-o antes de iniciar um exercício, mas desta vez esquecera-se inexplicavelmente.
E daí, talvez houvesse uma explicação, porque ainda tinha bem presente no espírito o insucesso da
noite anterior, quando tentara estabelecer contacto com Gayle, e a apreensão pelo que o aguardava
com Nan.

A campainha continuava a retinir e, como a paciente acabava de entrar na casa de banho, ele não viu
inconveniente em atender.

- Paul? - A voz do outro lado do fio era a de Gayle. - Interrompo alguma coisa?

- Não.

- Acordei agora mesmo e ainda me sinto meio atordoada, mas encontrei uma caixa de
chocolates em cima da mesa de cabeceira e deduzi que tinhas estado cá, ontem à noite. É
verdade?

- Bem, como se costuma dizer, se uma árvore cai na floresta e ninguém ouve, a árvore caiu
realmente na floresta? - replicou Brandon, com um sorriso. - Pois bem, ontem caí aos teus pés,
mas ninguém ouviu. Se estive em tua casa? Sim, estive.

- Oh, meu Deus! - Ela parecia sinceramente pesarosa. - Deixei-me dormir. Desculpa, por
favor.

- É compreensível. Estavas exausta.

208

- Mas desejava tanto estar contigo! Como posso reparar o mal que pratiquei?

- Saindo comigo hoje. Posso passar por aí e irmos jantar algures. Desde que não estejas
muito cansada, claro.

- Decerto que não. Esta tarde, só tenho de ir ao cabeleireiro.

- Irei buscar-te às sete e meia. Entretanto, reservarei uma mesa no restaurante Lapin Agile. É
francês, mas sossegado.

- Óptimo.

Ele pousou o auscultador, desligou a tomada do telefone da sala e depois das outras extensões e
encaminhou-se apressadamente para o quarto, a fim de estar preparado no momento em que Nan
reaparecesse.
Acabava de se despir, quando a viu, ainda de roupão, à entrada, entretida a contemplá-lo com
enlevo.

Lentamente, em movimentos quase provocantes, desapertou o cinto e libertou-se do roupão, após o


que avançou para Brandon, devagar para que abarcasse bem a sua nudez. À medida que se
aproximava, ele notou que utilizara um perfume de odor algo exótico. Por fim, ela beijou-o na face
e dirigiu-se para a cama, onde se sentou.

- É hoje o grande dia, hem?

Ele sentiu-se momentaneamente enervado ao aperceber-se de que Nan encarava a sessão como uma
noite de núpcias há muito esperada.

- Exacto.

- Penetração - proferiu ela a meia-voz. Brandon tentou reforçar a sua intenção de lhe
recordar, no final, que não eram amantes, mas monitor e paciente e em breve a terapia terminaria e,
com ela, as suas relações íntimas.

- Penetração não-retribuível - salientou. - Você não deve colaborar.

- Porquê não-retribuível? - Ela não exibiu uma expressão de contrariedade, mas o movimento
do- pescoço e ombros ossudos produzia essa convicção.

- Porque o exercício se destina a provar que pode ser penetrada totalmente e sem dor, e nada mais.

- Espero reagir normalmente. Nem quero pensar na possibilidade de ter aquele horrível aperto
consigo.
209
- Se os exercícios correram bem até agora, como creio, não haverá problema - declarou ele,
procurando assumir uma atitude profissional.

Nan reclinou-se na cama e Brandon colocou-se a seu lado, após o que ela perguntou
inocentemente:

- Que faço, agora?

- Vamos principiar com carícias frontais, por turnos, para adquirirmos a disposição
apropriada.

- Eu já a tenho - anunciou, com desprendimento.

- É vantajoso.

- Estou húmida, cá em baixo. - Exibiu um1 sorriso tímido. - Não foi difícil. Bastou-me olhar para si.

- Excelente. - Ele pressentiu que necessitava de lhe refrear o entusiasmo. - Antes de começarmos,
gostava de dizer umas coisas.

- As que quiser.

- As suas únicas relações prolongadas com um homem foram com Tony Zecca. Em
resultado disso, ainda pode conservar algumas imagens corporais negativas de si própria.

- Acho que você me ajudou a superá-las. Agora, sinto-me mais atraente.

- E é. Por outro lado, com ele, você nunca experimentou prazer. Apenas dor, sem orgasmos.

- É verdade.

- Desligou, por assim dizer, todos os seus receptores físicos e mão experimentou a menor
sensação dessa natureza. No nosso programa, o meu objectivo consistiu em: a familiarizar com a
sua sensualidade.

- Não tenho a menor dúvida de que o conseguiu murmurou ela, com novo sorriso, agora menos
tímido.

- Nunca considerei o nosso relacionamento exclusivamente artificial. Embora o tratamento seja


pago e celebremos sessões com um terapeuta, senti desde o princípio que havia algo mais
entre nós. Deixei de o considerar um delegado. - Fez uma pausa, hesitante.

- Suponho que é bom sinal.

Brandon não tinha a certeza se transpirava, mas assolava essa impressão. Desejava revelar-lhe que
uma parte vital da terapia consistia em se separarem em breve e poderem esquecer sem dificuldade
tudo o que de íntimo ocorrera entre ambos. Conquanto fosse o momento apropriado para o dizer, ao
observar-lhe a

22210
vulnerabilidade, não conseguia reunir a coragem suficiente.

- É, de facto, bom sinal - assentiu em voz débil.


- Bem, tentemos descontrair-nos e experimentar prazer com o nosso relacionamento.

Começou a acariciá-la e depois foi a vez dela. Mostrava-se extremamente receptiva ao contacto dele
e tornara-se perita em carícias.

Brandon convenceu-se de que não surgiriam; problemas com a sua erecção. Encontrava-se
preparado para o que se seguiria. Por fim, olhando-a com firmeza, disse:

- Vamos tentar a penetração. Penetração não-retribuível, lembre-se. Deito-me de costas e você


coloca-se em cima de mim. Depois, muito devagar, faz baixar o corpo até eu entrar totalmente.
Não me moverei e você tão-pouco, após a penetração. Se sentir dores, previne-me
imediatamente.

Nan aquiesceu com entusiasmo e tratou de seguir as instruções à risca. A erecção era total, e ele
preparou-se para o seu primeiro contacto.

- Nem o mínimo movimento de vaivém de nenhum dos dois - advertiu. - Mesmo que lhe
apeteça, contenha-se. Habitue-se apenas a sentir-me dentro.

Ela pegou no penis com uma das mãos, enquanto se acomodava em cima, e em seguida pousou-o
nos lábios vaginais e fez baixar o corpo gradualmente.

- Não sente dores? - perguntou ele.

- É maravilhoso - sussurrou ela, ofegante. Parece um autêntico êxtase. Deixe-me mover um


bocadinho, Paul.

- Não.

- Por favor...

- Nem pensar.

- Mas agora sinto-me maravilhosamente. Estou curada. Adoro isto, Paul querido... Adoro mais
que tudo o resto na vida.

Segurando-lhe os braços com firmeza, Brandon levantou-a de cima de si e depositou-a a seu lado,
porém isso não a impediu de o tentar abraçar e beijar, ao mesmo tempo que articulava, ofegante:

- E ainda o amo mais a si. Hei-de amá-lo sempre. Ele tentou corresponder às carícias, sem se
mostrar

211
demasiado expansivo, e assim que lhe foi possível deu o exercício por terminado.

Depois de vestida, já prestes a sair, Nan perguntou:

- Amanhã à mesma hora?

- Sim.

- Vamos ter mais... do mesmo?

- É o que determina o programa.

- Mas mais perto da realidade? Refiro-me aos movimentos.

- Exacto - aquiesceu ele, em voz quase inaudível.

- Amo-o a valer - declarou ela, com um beijo final. Quando se encontrou só, Brandon voltou a
ligar
as tomadas do telefone, dominado Por apreensão crescente.

A conveniência de ultrapassar o seu problema - o óbvio envolvimento emocional de Nan com ele -
tornara-se uma necessidade urgente. Conservou-se imóvel Por um momento diante do telefone do
quarto e, Por fim, levantou o auscultador e marcou o número da clínica. Pediu para falar com o Dr.
Freeberg, mas foi informado de que tivera de se ausentar em serviço e regressaria dentro de cerca de
uma hora. Depois de deixar recado para que lhe telefonasse o mais depressa possível, cortou a
ligação.

A seguir, puxou do cachimbo e, percorrendo a sala em persistente vaivém, continuou a ponderar a


situação. Empenhava-se, sobretudo, em aclarar mentalmente todas as facetas do envolvimento de
Nan - a sua intensidade e a determinação dela de ignorar o relacionamento profissional e considerá-
lo um amigo íntimo da vida real. Embora Brandon soubesse que aquilo não podia prosseguir,
sentiu-se incapaz de lhe explicar que se tratava de um convívio clínico, Por assim dizer, que
terminaria dentro de uma semana. E, Por muito que lhe custasse, teria de permitir que o Dr.
Freeberg confiasse a paciente a outro delegado para completar o tratamento.

A chamada do terapeuta só surgiu noventa minutos mais tarde.

- Como está, Paul? »

- Nunca me senti melhor.

- O seu recado diz que pretende conhecer a minha opinião acerca de qualquer coisa.

212

- Queria, de facto, fazer-lhe uma pergunta. Eu... De súbito, Brandon descobriu que o que preparara
para dizer, o que ensaiara, ficava congelado num recanto da garganta.

Imaginou Nan convocada pelo Dr. Freeberg, no dia seguinte, a fim de ser informada de que o seu
delegado devia ser afastado do caso e ela ficaria ao cuidado de um substituto.
Anteviu sem dificuldade a consternação que a comunicação inesperada lhe produziria. Além disso,
decerto pressentiria que o homem que amava a rejeitara, e a perspectiva de iniciar tudo de novo com
um desconhecido apavorá-la-ia. Na realidade, existia o perigo de a terapia sofrer um atraso de
várias semanas ou mesmo a suspensão definitiva.

Brandon reconheceu que, Por muito diplomático que Freeberg se mostrasse, seria um abalo brutal
para Nan, tão contundente como a atitude irreflectida e egoísta de Tony Zecca. E decidiu para
consigo que não podia ser o responsável de novas mágoas sofridas pela sua paciente.

- Diga lá, Paul. - A voz do terapeuta fê-lo regressar à realidade.

- Na verdade, não era para lhe perguntar nada, mas apenas para transmitir uma informação.
Trata-se de boas notícias, e quis que as conhecesse o mais depressa possível.

- Que aconteceu?

- Nan e eu efectuámos a penetração não-retribuível, hoje, e julgo poder afirmar que o vaginismo
está curado. Não se registaram obstruções. Correu tudo bem e tenho a certeza de que não voltará a
haver problemas nesse aspecto.

- Suponho que ainda não tentou a penetração e movimento de vaivém?

- Não, de facto.

- Faça-o amanhã e depois diga-me o resultado. Se também não houver novidade Por esse lado,
teremos a certeza da cura, e você merecerá felicitações. Boa sorte.

«Soa sorte?», reflectiu Brandon, com amargura, enquanto pousava o auscultador no descanso.

Encontrava-se em pior situação que anteriormente

213
e não fazia a menor ideia de como enfrentaria Nan Whitcomb, no dia seguinte.

Em todo o caso, naquela noite, com Gayle, não se lhe deparariam problemas. De qualquer modo,
nem afloraria na presença dela a conversa que acabava de ter com Freeberg e, em particular, a sua
mudança de ideias no último momento.

Gayl e não necessitava de se inteirar de nada daquilo.

Se uma árvore caía na floresta e ninguém ouvia, tinha de facto caído?

O serão começou a desenrolar-se o melhor possível para Brandon, e Gayle.

O Lapin Agile era um restaurante de ambiente íntimo, que proporcionava o enquadramento perfeito
para uma conversa descontraída. O pianista do outro lado da sala quase cheia interpretava em
surdina velhas canções populares de Montmartre. Três das paredes que os rodeavam estavam
cobertas com cartazes que exibiam: reproduções de telas de Toulouse-Lautrec nas quais se achavam
representados muitos amigos do artista, de May Belfort e Jane Avril a Aristide Bruant e o grupo de
M. e Eglantine

De qualquer modo, em obediência à promessa que fizera a si próprio, Brandon providenciou para
que as suas actividades de terapia não fossem abordadas. Na realidade, estava firmemente decidido
a não voltar a cometer a imprudência de aludir às dificuldades enfrentadas pelos delegados com
determinados pacientes. E, instintivamente, Gayle condescendeu em navegar nas mesmas águas.

Sentados à mesa rústica circular, trocaram impressões sobre o seu passado e futuro, música, livros,
cinema, política e programas da televisão. E também não deixaram de se debruçar sobre o tema
mais íntimo das suas relações.

No termo da refeição, tinham dificuldade em se recordar do que se compusera, apenas podendo


afirmar que fora deliciosa.

Enquanto se olhavam com ternura, Brandon reflectia que chegara finalmente a noite há tanto tempo
adiada. Ansiava por ter aquela incomparável mulher nos

214

braços, para fazer parte dela e ela dele. Por último, quebrou um longo silêncio para lhe revelar
precisamente isso.

Ela assentiu com uma inclinação de cabeça e

replicou:

- É exactamente o que eu também desejo, Paul. Vamos para minha casa?

O percurso no carro desenrolou-se com a troca de breves palavras e ambos experimentavam uma
ansiedade quase juvenil, como colegiais no primeiro encontro a sós com um elemento do sexo
oposto.

Por último, detiveram-se diante do bangaló dela e Brandon apeou-se, para contornar o carro e abrir
a porta do lado do passageiro.
Quando descia, Gayle proferiu com desprendimento:

- Queria perguntar-te - uma coisa. Aquela paciente que se apaixonou por ti... esquece-me o nome...

- Nan - disse Brandon, em tom quase inaudível, acompanhando em direcção à entrada.

- Foi Nan que disseste?

- Exacto.

- Queria perguntar-te como resolveste a situação. Foi difícil comunicar-lhe que tinhas de
abandonar o tratamento?

Ele fingiu que não ouvira e seguiu-a, transpondo os três degraus de acesso à porta.

- Reagiu mal? - insistiu Gayle, enquanto abria a carteira para procurar a chave.

Brandon reconheceu que tinha de encarar o inevitável e admitir a verdade.

- Não fui capaz de lhe dizer.

- Não?

- Era a mesma coisa que executar uma pessoa. Confesso que me faltou a coragem.

Seguiu-se um silêncio ominoso, até que ela volveu:

- Nesse caso, informaste o Dr. Freeberg?

- Era, de facto, a minha intenção, e telefonei-lhe nesse sentido.

- Que disse ele?

- Nada... porque não toquei no assunto. - Bradon verificava que as dificuldades ainda eram mais
complexas do que supusera.

- Não comunicaste ao Dr. Freeberg que a tua

215
paciente se apaixonou por ti e espera ter um romance a sério contigo? - A expressão dela exprimia
profunda incredulidade.

- Não consegui, por mais que me esforçasse. Teria sido desumano. Depois de alcançar aquele
nível de relacionamento com ela, pedir ao Dr. Freeberg que me substituísse... bem,
afigurou-se-me uma decisão impossível.

- Podia saber-se exactamente que nível de relacionamento é esse?

- Eu... nós... creio que superámos o vaginismo.

- Queres dizer que fornicaste com ela?

- Não propriamente isso. Foi apenas penetração não-retribuível.

- Fornicas com ela e adora, enquanto ela delira e está apaixonada por ti. - O tremor da voz de Gayle
deixava transparecer claramente a cólera que começava a dominá-la. - E não fazes nada para pôr
cobro à incrível situação!

- Não fornico com ela, nem adoro! - retorquiu ele, igualmente acalorado. - Procuro apenas
comportar-me com decência.

- Chamas a isso decência? Encorajá-la, depois de me dizeres que não a amas? Se é o que fazes,
acho-te ignóbil. No entanto, palpita-me que a verdade é outra. Agrada-te o que obténs dela e não
queres renunciar-lhe.

- Nesse caso, que faria eu aqui?

- É o que eu gostava de saber. Que fazes aqui e, sobretudo, que faço eu aqui contigo?

Com estas palavras, ela introduziu precipitadamente a chave na fechadura e imprimiu-lhe duas
voltas.

- Fazes-me o favor de parar com os disparates e ouvir a voz da razão? - articulou Brandon,
segurando-lhe o braço. - Compreendo o ciúme de uma pessoa, mas quando não há motivo...

- Sim, tenho ciúmes, diabos te levem! - vociferou Gayle, soltando-se. - E com fortes motivos.

- Deixa-me entrar e...

- E quê? Para fornicar comigo como fazes com ela? Nem penses!

- Ao menos, concede-me uma oportunidade de...

- Não volto a falar contigo até romperes definitivamente com a tua Nan ou conversares com
Freeberg,

216

para que te aconselhe a fazê-lo. Entretanto - concluiu, impelindo a porta com violência, deixa-me
em paz! E, voltando-lhe as costas, entrou e fechou-a ruidosamente atrás de si.
Brandon sentou-se ao volante do carro, estacionado diante da casa de Gayle, e embrenhou-se em
reflexões.

Durante alguns minutos, tentou verberar a atitude dela. Procedia como uma insensata, uma garota
irreflectida, ao permitir que um ciúme imaturo interviesse nas suas relações. Na realidade, era tão
injustificado que atingira as raias do incrível.

Para ela, porém, era crível, e, por uns momentos, ele tentou encarar o envolvimento com Nan
segundo o ponto de vista de Gayle. Compreendeu que, embora fosse uma delegada sexual
profissional, não se comportava como uma mulher profissional. Talvez soubesse mais acerca do
mecanismo do sexo do que a mulher média, tal como um médico estava mais elucidado sobre o
mecanismo da saúde do que o leigo médio, mas, à semelhança do médico que não podia tratar a si
próprio, Gayle encontrava-se impossibilitada de superar as inseguranças de uma mulher vulgar.

Brandon aventurou-se mesmo a considerar a validade da posição dela. Ele experimentaria prazer
nas relações com a paciente e o facto de ela o amar? Haveria a possibilidade de Gayle se ter
apercebido intuitivamente de algo que correspondia à verdade? Examinou a hipótese com
insistência e depararam-se-lhe dois factos indiscutíveis. Em primeiro lugar, tinha compaixão de Nan
e desejava ajudá-la, mas não a amava. Em segundo, estava profundamente apaixonado por Gayle...
e na iminência de a perder para sempre.

Só havia uma maneira de provar que o seu verdadeiro amor era ela e não uma paciente chamada
Nan Whitcomb. Tinha de se mostrar firme com! esta última e recordar-lhe que o seu relacionamento
era puramente profissional e terminaria- após a próxima sessão, ou então informar o Dr. Freeberg do
seu problema e solicitar-lhe a indicação do rumo a seguir.

Como profissional que se supunha, executara o seu trabalho de forma pouco mais satisfatória que
um ama-

217
dor. Sim, impunha-se que falasse imediatamente com Freeberg e se exprimisse com a maior
sinceridade.

Acendeu a luz do tablier, aproximou o pulso do rosto e viu as horas.

Eram 23.45. Recordou-se de ouvir dizer a alguém que o terapeuta costumava deitar-se tarde,
escrevendo e lendo até à meia-noite, pelo- menos. Por conseguinte, era natural que ainda estivesse a
pé. De qualquer modo, necessitava de se arriscar. E quanto mais depressa melhor.

Ligou o motor e percorreu as ruas das imediações até desembocar numa área comercial, onde havia
uma estação de serviço ainda aberta. Seguiu para lá e verificou que o único empregado se preparava
para a encerrar, mas havia uma cabina telefónica ao lado.

Estacionou junto desta última, apeou-se, procurou dinheiro trocado na algibeira e depois a agenda
de endereços.

Encontrou o número que pretendia, introduziu as moedas necessárias na; caixa e marcou-o.

A campainha tocou1 duas vezes no outro extremo do fio, antes de surgir a voz do terapeuta.

- Dr. Freeberg? É Paul Brandon. Desculpe incomodá-lo a estas horas...

- Não tem importância, pois não tenciono deitar-me tão cedo. Estou a contas com um artigo
encomendado por uma revista médica. Que há de novo?

- Uma coisa que julgo importante sobre as minhas relações com a paciente Nan Whitcomb, e
gostava de ouvir a sua opinião.

Registou-se uma pausa.

- Era disso que pretendia falar, quando me telefonou, esta tarde?

- Era - admitiu Brandon, surpreendido. - Como soube?

- O outro telefonema foi incaracterístico -- explicou Freeberg, com uma breve risada. -
Pareceu-me óbvio que tinha uma coisa importante para me dizer e não se atrevia. Ainda bem que
mudou de ideias.

- Nan Whitcomb apaixonou-se por mim.

- Ah, é isso? Julgo conveniente que descreva tudo, sem omitir o mínimo pormenor.

Durante mais de dez minutos, Brandon procedeu

218

ao relato minucioso das sessões com Nan, incutindo particular ênfase aos momentos em que se
apercebeu de que ela se enamorara dele - da oferta para se instalar no apartamento até à declaração
de amor daquela tarde.
- Eu devia ter discutido o assunto consigo mais cedo - concluiu, mas receava que me afastasse do
caso. Pensei que, se ela fosse tratada por outro delegado, poderia atrasar-se tudo, quando nos
achávamos perto do fim.

- Compreendo a sua preocupação, Paul. Quantas sessões faltam?

- Duas, o máximo. Se tudo continuar a correr tão bem, talvez dê o tratamento por terminado com o
exercício marcado para amanhã à tarde.

Registou-se novo silêncio na linha, agora mais prolongado, e Brandon compreendeu que Freeberg
ponderava o assunto meticulosamente.

- Creio que sei o que há a fazer - anunciou finalmente o terapeuta. - Vou telefonar a Nan Whitcomb,
a fim de adiar a sessão de amanhã para o da seguinte. Entretanto, terei uma conversa com ela, na
clínica.

- Acerca de quê?

- Nesta altura da terapia, a sua substituição seria contraproducente, Paul. Como você mesmo
salientou, representaria um choque para ela, susceptível de anular todos os progressos obtidos, ainda
que eu conseguisse encontrar outro delegado< rapidamente. Não, essa hipótese está posta de parte.
Em vez disso, terei uma longa conversa com ela, tão paternal quanto possível, amanhã, ao fim da
tarde.

- Que pensa dizer-lhe?

- Tentarei! basicamente convencê-la de que o seu relacionamento como delegado é de natureza


profissional e não pessoal. Julgo que o conseguirei sem lhe abalar a confiança no tratamento.
Depois, resultará mais fácil para si ocupar-se do último exercício sem ulterior envolvimento.

- Fico-lhe extremamente grato, doutor. Hei-de torcer como um adepto fanático para que
seja bem sucedido.

Depois de pousar o auscultador, Brandon

219
conservou-se imóvel por uns momentos. Finalmente, procurou mais moedas na algibeira e,
introduzindo-as na caixa, marcou o número de Gayle Miller.

Perto do fim da tarde seguinte, Tony Zecca sentava-se, com os nervos tensos e olhos bem abertos,
ao volante do seu Cadillac estacionado a menos de meio quarteirão da Clínica Freeberg. Como
acontecera nós três últimos dias, concentrava a atenção na entrada do estabelecimento, em
persistente observação a todas as pessoas que passavam por ela.

Embora ainda ardesse intimamente devido à traição de nan, a cólera atribuía agora a primazia ao
homem que a seduzira e lha arrebatara virtual mente da cama.

Obcecava-o em particular a necessidade de averiguar quem era o sedutor e amante dela, para o
obrigar a expiar a afronta que cometera. Até agora, porém, Zecca não conseguira estabelecer, sem
margem para dúvidas, a identidade do patife. Conquanto suspeitasse de que o Dr. Arnold Freeberg,
o médico que Nan visitava, era o culpado, ainda não conseguira prová-lo.

No primeiro dia de vigilância à clínica, julgara que alcançara o seu objectivo. Depois de arrumar o
carro no posto de observação que escolhera, entrara para se inteirar do ambiente. A sua boa estrela
fizera com que descobrisse, na Recepção, um monte de brochuras que descreviam o funcionamento
do local e continham elementos biográficos e uma fotografia do eminente Dr. Freeberg.

Depois de tomar conhecimento do aspecto deste último e do modo como- ganhava a Inconfessável
vida, Zecca regressara ao Cadillac, a fim de aguardar a sua passagem: pela entrada da clínica. Fora
um período de expectativa prolongado e cansativo, mas, perto do anoitecer, vira a paciência e
resistência recompensadas.

Freeberg fechara a porta à chave, subira para o carro, estacionado no parque das proximidades, e
seguira para o apartamento onde decerto recebia Nan. Zecca mantivera-se a uma distância prudente,
sem o perder de vista, ao mesmo tempo que tencionava decidir o que faria, quando chegassem ao
local. Freeberg acabou por estacionar o automóvel diante de uma casa nos arrabaldes da cidade,
apeou-se para abrir a cancela

220

de acesso ao jardim, e, após arrumá-lo na garagem, foi recebido na porta principal por uma mulher
roliça, sem dúvida a esposa, o que significava que ele se encontrava com Nan em qualquer outro
lugar.

No dia seguinte, Zecca tornara a aguardar que Freeberg abandonasse a clínica, mas verificara com
aborrecimento que voltara a dirigir-se para casa, sem qualquer paragem ou desvio intermédios.

Algo- desencorajado, iniciou a vigilância durante a longa tarde do terceiro dia.

De súbito, através da janela do carro, reconheceu uma figura muito familiar que se encaminhava
para a entrada da clínica.

Nan, em carne e osso, na iminência de apanhar a «injecção diária. A cabra. Mas ao diabo com ela.
Quem lhe interessava era o patife, em cuja constituição física tencionava introduzir algumas
alterações.
A sua reacção instantânea ao avistar Nan foi a de saltar do carro e enfrentá-la, e chegou mesmo a
abrir a porta, mas reconsiderou no último momento. A aplicação de um correctivo naquela fase das
operações achava-se desprovida de sentido. Devia era aguardar para ver se ela abandonava a clínica
com um homem- e se tratava de Freeberg.

Nessa conformidade, pousou as mãos no volante e colou os olhos à entrada do estabelecimento.

A expectativa prolongava-se havia mais de vinte minutos e começava a escurecer, quando a


paciência de Zecca obteve a desejada compensação.

Viu Não surgir da clínica, cuja porta alguém conservou aberta para que o precedesse. No momento
imediato, esse alguém tornou-se igualmente visível. Era de facto um homem - o homem, nada mais
nada menos que o Dr. Anrold Freeberg, o suspeito número um de Zecca desde o princípio, o filho
da mãe que lhe arrebatara a companheira.

Depois de fechar a porta à chave, o médico enfiou o braço no dela e desceram a Market Avenue, em
sentido contrário ao local em que Zecca estacionara o carro.

Quando considerou que os separava uma distância confortável, apeou-se e, conservando-se de


preferência

221
fora do clarão projectado pelos candeeiros públicos ou iluminação dos escaparates, moveu-
se no seu encalço.

Percorreram algumas centenas de metros, após o que cruzaram a rua e desapareceram num
prédio igual a muitos outros das cercanias. Depois de se certificar de que não o podiam ver,
Zecca estugou o passo, ansioso por descobrir o ponto de encontro usual dos dois amantes.

No entanto, quando se acercou, viu que se tratava de um hotel. O Excelsior, mais


concretamente. Era, pois, aí que ela se ocultava e onde o médico a procurava para
fornicarem.

O seu primeiro impulso consistiu em entrar, inteirar-se do número do quarto dela,


surpreendê-los embrulhados na cama, sovar o velho Freeberg até certificar-se de que não
lhe restava um único osso inteiro, segurar Nan pelos cabelos e arrastá-la para a casa a que
pertencia.

Não obstante, apesar da ansiedade quase irresistível, o instinto de conservação obrigou-o a


reflectir.

Se agredisse o médico, decerto haveria consequências indesejáveis. Na realidade, Zecca


poderia ser detido, com o nome publicado nas primeiras páginas dos matutinos, sem dúvida
o último lugar onde o grupo com o qual se dedicava a certos negócios desejaria vê-lo. Com
efeito, o grupo - a designação de quadrilha nunca merecera a sua aprovação - gostava de
evitar a publicidade, sobretudo se ela se relacionava com a Polícia. Por conseguinte, o
tratamento imediato de choque tinha de ser posto de parte.

A operação devia desenrolar-se com maior discrição e segurança. O mais indicado seria
mesmo que ficasse a cargo de um dos elementos do grupo, indiscutivelmente mais
competentes do que ele.

Em todo o caso, mais tarde se debruçaria melhor sobre o problema.

Regressou ao Cadillac, disposto a ponderar a situação mais meticulosamente.

Havia duas poltronas no quarto de Nan Whitcomb, e o Dr. Freeberg aguardou que ela
ocupasse uma antes de se sentar na outra. Após recusar a oferta de vinho

222

branco e obter autorização para fumar, acendeu uma cigarrilha e reclinou-se.

- Queria falar consigo, de preferência no gabinete da clínica, mas depois reconheci que
aquilo que pretendia dizer-lhe assumiria um aspecto mais informa! no sossego ao seu
quarto. Espero que não tenha nada que objectar?

- Decerto que não - assentiu ela, cuja curiosidade era evidente.


- Suponho que acha isto confortável - continuou Freeberg, com um gesto largo que
abarcava o aposento.
- Foi o melhor que consegui no pouco tempo disponível.

- Estou-lhe grata pelo incómodo.

- Mr. Zecca sabe que se encontra aqui?

- De modo algum. É a última pessoa a quem o diria.

- Pensa que tentará encontrá-la?

- Não sei. - Nan encolheu os ombros, com uma expressão de dúvida. - Quando leu o meu
bilhete, deve ter ficado aliviado por se livrar de mim. Mas, por outro lado, como lhe
conheço bem o ego, tentará localizar-me e levar para casa. No entanto, eu nunca o
acompanharei. Sobretudo, depois do que aconteceu.

- Não a censuro por isso, pois sofreu uma experiência assaz brutal. Em todo o caso, não
julgue que é um exemplo ímpar. Na verdade, não difere muito das que um número
substancial de mulheres conhece com o marido ou amante.

- Palavra? - articulou, arregalando os olhos de espanto.

- De um modo geral, as mulheres que vivem com um companheiro incompatível sofrem


mais a brutalidade emocional do que física, porventura porque a maioria deles se habitua a
elas e considera que tem a sua fidelidade garantida. Acabam mesmo por encará-las como
objectos sexuais, nem necessidade da permuta de amor e carinho, ou mesmo preliminares
excitantes do coito usual. A única coisa que lhes interessa é ter o orgasmo e ficar aliviados.
Numa palavra, acham-se absolutamente alheios aos sentimentos das companheiras como
seres humanos que necessitam de afecto e protecção.

- Pode repeti-lo, sobretudo no caso de alguém como Tonny Zecca.

- Bem, ele é um exemplo extremo. Pretendo apenas

223
assegurar-lhe que não se encontra só, nessa situação. A uma escala mais civilizada, o
comportamento de Zecca ocorre a todo o momento em todos os recantos do mundo. Não obstante, a
senhora em breve descobrirá que existem homens mais sensíveis e compreensivos, capazes de ter
um relacionamento com...

- Já me inteirei disso - cortou Nan, impulsivamente, desde que conheci Paul Brandon.

- Pois, Paul Brandon - proferiu Freeberg, chupando a cigarrilha. - Por sinal, era dele que lhe queria
falar.

- Falar de quê? - Ela deixou transparecer perturbação. - Já lhe descrevi o nosso relacionamento, nas
minhas sessões com ele. Não lhe revelei tudo?

- Exactamente tudo, não. - O médico apagou a cigarrilha no cinzeiro e inclinou-se para a


frente. - Deve recordar-se da nossa primeira reunião, quando se tornou minha paciente, a que Paul
também assistiu. Na altura, estabelecemos um contrato, um acordo, verbal. A senhora tinha um
problema que se revestia de consequências para outrem, e assentámos numa meta. Recorrendo à
terapia e exercícios, elaborámos um programa susceptível de alcançar o seu objectivo da satisfação
sexual absoluta. Não lhe ocultámos nada. Na realidade, expusemos todos os aspectos do
tratamento e respectivas sessões.

- Recordo-me perfeitamente.

- Revelei-lhe uma coisa com a maior sinceridade. Sob a minha orientação, Paul Brandon ajudá-la-ia
profissionalmente, seria um delegado-parceiro que a ensinaria e orientaria. A senhora pagaria a
competência e experiência dele e não o seu carinho emocional. Sabia desde o princípio que o vosso
relacionamento, embora se tornasse cada vez mais íntimo, se cingia ao âmbito profissional, era uma,
digamos, associação temporária para um número limitado de semanas. Fez-se-lhe compreender
que, a partir do momento em que completasse o trabalho, ele regressaria à sua vida pessoal e a
senhora teria concluído a terapia e regressaria à sua.

Fez uma pausa e viu que ela o olhava com ar angustiado.

- Creio que sei o que tenta dizer-me - articulou, a meia-voz. - Pensa que me apaixonei por ele e isso
não devia ter acontecido.

224

- É o que me vejo forçado a concluir ao escutar e ler nas entrelinhas dos relatórios de Paul Brandon.

- E crê que cometi um erro?

- Sim, cometeu - asseverou Freeberg. - Como seu delegado, ele estima-a sinceramente, o que
corresponde ao relacionamento que esperávamos se estabelecesse entre ambos. No entanto, tinha
um princípio e um fim. Paul não passa de um degrau da escada de acesso ao que a aguarda lá fora,
no seu mundo. Agora, devem cortar os laços que se formaram, para cada um seguir o seu caminho.
Ele tem uma vida privada e isto não passa do seu trabalho. Repito: a senhora pagou a competência e
experiência do seu delegado e não o carinho emocional. Quer que continuemos a discutir o assunto?

- Não... penso que não é necessário - balbuciou Nan, parecendo na iminência de romper em
lágrimas.
- Convença-se do seguinte. Na vida de todas as pessoas, surge sempre uma situação difícil de
enfrentar. Tenho a certeza de que superará a sua e conhecerá a felicidade. - Freeberg fez nova pausa.
- Afinal, sempre aceito o vinho branco que há pouco referiu.

No seu gabinete do Município, o promotor público Hoyt Lewis, consciente da tensa presença do
reverendo Scrafield do outro lado da secretária, fez um esforço para ler a fotocópia do relatório de
Hunter pela segunda vez.

O diário que este último mantinha dos seus exercícios com Gayle Miller era meticuloso em todos os
aspectos, e quando tornou a chegar ao fim, Lewis considerou-se basicamente satisfeito com o
material exposto. Não obstante, concedeu-se trinta segundos para ponderar todas as facetas da
situação.

No entanto, Scrafield tinha fortes dificuldades em dominar a impaciência para actuar.

- Diga-me o que pensa, Hoyt. Não está aí tudo, como referi?

- Creio que sim...

- Preocupa-o alguma coisa?

- Não... Bem, talvez uma. - O promotor largou a fotocópia em cima da secretária. - Trata-se daquilo
a que Hunter chama «penetração». Ora, ainda não

225
aconteceu, e quando se depende de uma única testemunha, há necessidade de ter tudo tão explícito
quanto possível.

- Já lhe disse que não precisa de se apoquentar retrucou o reverendo, com impaciência crescente. -
Ele garantiu-me que montaria Gayle Miller amanhã. Em seguida, tratará de nos fazer
chegar imediatamente às mãos o respectivo relatório.

Lewis coçou o nariz pensativamente e, por fim, inclinou a cabeça várias vezes, com lentidão.

- Sim, Hunter parece merecedor da nossa confiança.. Mandei aprofundar os seus antecedentes.
A sua folha de serviço na reserva da Polícia está limpa e acha-se absolutamente motivado para
dar boa conta do recado, segundo Ferguson, do Chronicle. Mas por que demora tanto a fornicar com
a dama? Não se pode considerar a missão mais desagradável do mundo.

- Tudo no seu devido tempo, Hoyt. Tem de obedecer ao regulamento da clínica. Tranquilize-se que
não nos desapontará.

- Oxalá não se engane, reverendo - proferiu, empertigando-se na cadeira rotativa.

- Qual é a etapa seguinte? - quis saber Scrafield.


- Como tenciona actuar?

- Da maneira habitual. Principiarei por uma declaração à Imprensa: comunicarei a Ferguson como
o meu Gabinete vai proceder, explicando que acusarei o Dr. Arnold Freeberg de proxenetismo.

- E Gayle Miller?

- Por enquanto, não se lhe toca. Só depois de comprovado o seu acto de prostituição. No
entanto, já dispomos de material suficiente para a acusação de proxenetismo. Por conseguinte, a
primeira declaração pública só se referirá a Freeberg.

- Posso utilizar o assunto para tema do meu programa de amanhã? - perguntou, com ansiedade.

- Não vejo inconveniente, desde que limite os seus ataques à matéria da minha declaração.

- Quando poderei mencionar a prostituição?

- Logo que Hunter montar Gayle Miller - prometeu Lewis. - Espero que seja depois de
amanhã. A seguir, acusá-los-ei em conjunto e emitirei mandados de captura contra Freeberg por um
delito grave e contra ela por comportamento à margem da Lei. Espero assim

226

fazê-los acusar formalmente por um juiz, no prazo de quarenta e oito horas.

- E a partir daí? - inquiriu Scrafield, sorridente.

- Comparecerão perante o tribunal e, além de terem a actividade profissional irremediavelmente


comprometida, sofrerão penas pesadas - informou Lewis, que também franzia os lábios num sorriso
de satisfação.
- E o seu nome figurará nas primeiras páginas de todos os jornais, meu amigo.

- Tal como o seu - salientou, levantando-se. - Se Freeberg e Gayle cumprirem a sua parte da
operação, nós cumpriremos a nossa. São favas contadas, reverendo.

CAPÍTULO IX

ESTE exercício é o da minha formatura? Adam Demski e Gayle encontravam-se, desnudos, na sala
de terapia, sentados lado a lado na borda do tapete.

- Pelo menos, tenho essa esperança.

- Mostrar-me-ei à altura da situação - afirmou ele, divertido.

- Farei o possível para que se eleve - asseverou ela.

Ao observá-lo, agradava-lhe o que via, em franco contraste com o homem rígido e apreensivo que
se lhe deparara, algumas semanas atrás. Junto dela, achava-se agora um mancebo aparentemente
confiante e descontraído ao ponto de emitir comentários jocosos e sorrir. A atitude comprazia-a, e
estava convencida de que não se verificaria uma recaída susceptível de o fazer regressar à
impotência.

- Quando efectuarmos a penetração... - começou ele, pegando-lhe na mão.

- Sim?

- Eu gostava de me colocar por cima.

Gayle ponderou a sugestão por breves instantes e decidiu que o paciente estava em condições de
actuar na posição mais ortodoxa, pois só se consideraria vitorioso, quando pudesse consumar o acto
sexual daquela maneira. Com efeito, a posição de missionário era a mais popularizada no mundo
dos homens, aquilo que supunham que se esperava deles.

Agora, Adam Demski queria provar a si próprio que

228

estava preparado para enfrentar o mundo real. O que implicava penetrar por cima. O êxito nessa
posição robustecer-lhe-ia a sua nova sensação de potência.

- Muito bem - surpreendeu-se Gayle a responder.


- Não vejo nenhum inconveniente.

Desejava acrescentar que havia muitas outras posições mais aconselháveis para ele, mais
confortáveis e até mais eficientes, com uma futura parceira, mas preferiu não lhe criar confusão
num momento daqueles. Haveria muito tempo para discutir as variações, quando se reunissem com
o Dr. Freeberg, para a conversa final.

Para já, ele queria provar a sua virilidade na posição masculina clássica, e ela decidiu envidar todos
os esforços para que as coisas se desenrolassem da melhor maneira.
- Começamos, Adam?

- Estou ansioso.

Gayle deitou-se no tapete e ele imitou-a. Em seguida, ela procurou a posição de costas mais
conveniente e Adam apoiou-se nos joelhos, preparado para a indicação imediata.

- Menos precipitação - recomendou ela. - Creio que um pouco de acção preliminar não estaria
deslocada. Quero lubrificar-me com naturalidade e que você alcance uma erecção completa antes de
me penetrar.

- Com certeza - aquiesceu ele, em tom de desculpa. - De facto, precipitei-me.

- Não há pressa. Saboreemos todos os momentos, do preâmbulo até ao clímax.

- De acordo - aquiesceu, deitando-se de costas ao lado dela. - Podemos manter os olhos abertos?

- Se preferir.

- Prefiro.

Começou a fazer deslizar os dedos da mão direita pela fronte de Gayle, em torno dos olhos, ao
longo do nariz e lábios. Quando alcançou os seios, acariciou-os com suavidade e inclinou a cabeça
para beijar os bicos.

Entretanto, ela sentia-lhe a eficiência e, sem que o pudesse evitar, notou que os bicos dos seios
endureciam e principiava a aparecer humidade entre as pernas.

De repente, porém, apercebeu-se de outra coisa que exercia pressão na coxa.

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Baixou os olhos e viu o pequeno pénis flácido começar a dilatar-se para a erecção.

Estendeu a mão e rodeou-o com os dedos, enquanto com a outra lhe massajava os ombros e costas.

Subitamente, sem que fosse pronunciada uma só palavra, Demski encontrou-se de joelhos sobre ela.

A sensação era de prazer mesclado com triunfo, no momento em que a cabeça do pénis principiou a
deslizar para o interior da vagina.

Gayle deu-se conta do palpitar do coração dele, ao iniciar o movimento de vaivém. O que a
surpreendia era o vigor com que a empalava, juntamente com a firmeza e persistência da acção de
êmbolo. Esperava que atingisse o orgasmo com prontidão, mas em seguida descobriu que o
confundia com Chet Hunter. O problema de Demski nunca fora daquela natureza e agora menos que
nunca.

Dirigiu um olhar fugaz ao relógio em cima da mesa e viu que se tinham escoado sete ou oito
minutos desde que haviam começado.

Ele continuava em cima, insistindo no ritmo regular, e ela descobriu-se a elevar e baixar as nádegas
involuntariamente, em sincronia com o parceiro.

Os movimentos prosseguiam, e Gayle principiou a supor que Demski era um ejaculador retardado
que possivelmente nunca chegaria ao orgasmo... ou ela o precederia.

No momento em que se deteve e apoiou no cotovelo ofegante, ela lançou nova mirada ao relógio.

Doze minutos.

Nada mau. Na realidade, muito bom mesmo.

Quando ele retirou o pénis, Gayle viu que exibia um largo sorriso.

Estendeu a mão e puxou-lhe a cabeça para baixo, a fim de o beijar. Em seguida, abraçou-o, sem se
importar com a transpiração que lhe deslizava pelo rosto e corpo.

- Então, senhora professora - murmurou-lhe ele ao ouvido, quantos valores me dá?

- Hoje tornou-se um homem, Adam - replicou ela, no mesmo tom. - Está preparado para consolar
uma população de mulheres receptivas. Dou-lhe a classificação máxima, com honras.

230

- Com honras?

- Assinarei a sua caderneta diária. Terá o mundo feminino a seus pés. Parabéns!

Eles encontravam-se no quarto do apartamento de Paul Brandon.

- Bem - proferiu Nan- Whitcomb, com um suspiro.

- Parece que é a última vez.


Do vestuário, apenas restavam as cuecas de nylon, que despiu no momento imediato.

Durante uns segundos, contemplou o monte de Vénus e, distraidamente, começou a alisar a


penugem púbica, imersa em reflexões.

Por fim, ergueu a cabeça para olhar Brandon, que ainda não terminara de se despir.

- Antes de efectuarmos o exercício pela última vez, queria dizer uma coisa.

- Talvez não seja a última, se chegarmos à conclusão de que o problema não foi totalmente
superado.

- Não creio que isso aconteça. Tenho a certeza absoluta de que tudo correrá normalmente,
doravante. Mas gostava de me referir a outra coisa. Estou... estou envergonhada de mim mesma
pelos aborrecimentos que lhe causei.

- Aborrecimentos? Não me causou nenhum.

- Causei, sim. O Dr. Freeberg foi extremamente franco comigo. Muito aberto, graças a Deus. -
Nan fez uma pausa. - Referiu-se ao nosso relacionamento. (Brandon inclinou a cabeça,
enquanto despia as calças.)

- Fez muitíssimo bem em me falar do que se passava e mostrar a situação em que eu o colocava,
Paul. Na realidade, levou-me a abarcar o verdadeiro aspecto da situação. - Contemplou o corpo dele
com uma expressão de nostalgia. - De facto, apaixonei-me por si, sem que o pudesse evitar. Passou
um mau bocado por minha culpa, quando apenas pretendia cumprir a sua missão profissional para
me curar...

- Não seja tão severa para consigo - interrompeu ele. - De resto, não foi uma reacção
unilateral. Reconheço agora que também me envolvi emocionalmente consigo e, porventura, sem
se dar conta, encorajei-a. Não o devia ter feito. Foi uma atitude muito pouco profissional da
minha parte. - Estendeu a mão para

231
pegar na dela. - Quero que saiba que gostava (e gosto) de si, quando tentava curá-la,

- Nunca conheci um homem tão gentil - sussurrou Nan, puxando-o, com um sorriso de embaraço. -
Bem sei que não conheço muitos e achava todos insignificantes até que você apareceu. - Segurou o
rosto dele entre as mãos e beijou-o. - Não voltarei a dizer que o amo, mas é verdade. A diferença
consiste em que me compenetrei de que tudo vai chegar ao fim.

Ele retribuiu o beijo e fez-lhe deslizar os dedos pelas faces.

- Terá mais sorte, no futuro. Muito mais.

- Ao menos, sei o que devo procurar. Um homem bondoso, terno e inteligente... como você. - Ela
roçou o corpo pelo dele. - Mas já que o tenho junto de mim, porque saboreamos a última vez. Quero
provar-lhe que estou preparada. - Levou a mão à erecção tumescente. Já sei que você também está.

- Sem a menor dúvida...

Brandon conduziu-a para a cama e, depois de a ver deitada de costas, reuniu-se-lhe.

Quando Nan ergueu os joelhos e abriu as pernas, instalou-se entre elas e começou a penetrá-la com
lentidão.

Não necessitou de lhe perguntar se sentia dores, pois a expressão quase extática revelava-lhe o
essencial. A sensação penosa desaparecera, substituída, única e exclusivamente, pelo prazer.

- Meu Deus... - gemeu uma vez, enquanto ele continuava a penetrar.

Por fim, estendeu as mãos para se lhe segurar. O rosto contorceu-se, e Brandon compreendeu que
alcançara o orgasmo e também não se conteve.

Após um intervalo, retirou o pénis e deitou-se ao lado dela, cujo arfar da virilha lhe indicou que
ainda não se considerava saciada. Por conseguinte, introduziu os dedos na vagina e iniciou o
movimento de vaivém. Nan não tardou a ter o segundo orgasmo e, pouco depois, o terceiro, até que
finalmente permaneceu inerte e esgotada.

Transcorridos alguns minutos, voltou a cabeça para ele.

- Portei-me bem?

232

- Com perfeição.

- Você foi delicioso. Obrigada por me permitir dizê-lo.

Após novo silêncio, porque se preocupava sinceramente com ela, Brandon perguntou:

- Que pensa fazer?

- Creio que abandonarei a cidade - declarou ela, depois de reflectir por um momento. - Não quero
correr o risco de esbarrar em Tony Zecca. Talvez vá para o Médio-Oeste. Tenho uma prima em Dês
Moines e outra em Chicago. Mas onde quer que me instale, encontrarei uma maneira de sobreviver
num emprego qualquer e utilizarei o dinheiro que me sobrar para frequentar um curso de secretária,
à noite. Assim, poderei arranjar uma colocação mais bem remunerada e, com um pouco de sorte, um
homem tão gentil como você. Que lhe parecem os meus planos?

- Excelentes. Mas não parta imediatamente. O Dr. Freeberg gostava que jantássemos com ele,
depois de amanhã. É costume, quando os pacientes e os delegados concluíram os exercícios com
êxito. Aceita o convite?

- Não faltarei. O Dr. Freeberg disse-me que você tem a sua vida pessoal para viver. Gostava
de a conhecer.

Ao princípio da noite, na sala de terapia de Gayle, ela despiu-se, e reclinou-se no sofá, à espera de
Chet Hunter, observando-o, enquanto se desembaraçava da roupa.

- Fez o trabalho de casa?

- Com devoção. .

- Como se sente?

- Com disposição para ser bem sucedido.

- Já foi, da última vez - salientou. - Houve penetração.

- Segundo o meu código, não. Você ficou por cima e tratou-me como se fosse um objecto frágil.
Conseguiu meter-me dentro de si, mas por pouco tempo... talvez menos de um minuto...

- Mais do que isso.

- De qualquer modo, creio que continuei a ser prematuro. Quer que aguente cinco minutos...

- Dez, Chet. Eu disse dez minutos.

233
- Bem, não sei. É possível. - Ele aproximou-se do sofá, com uma expressão grave. - Tem de
resultar, Gayle. Como sabe, sou louco pela minha pequena e quero casar com ela. Ora, não o
poderei fazer até estar curado. Acha que já estou?

- Julgo que sim, depois do exercício de hoje replicou Gayle, inclinando a cabeça com veemência.

- Que vai acontecer hoje?

- O seu espectáculo de despedida.

- Pensava que não devia actuar.

- Não actuará propriamente. Desfrutará apenas. Talvez de forma memorável...

- A fazer o quê?

- Sabe-o bem. A penetração da maneira que sempre desejou. Colocado em cima, como mandam as
regras da masculinidade, para executar o coito completo. É natural que eu tenha de o refrear uma ou
duas vezes e apertar, mas prosseguiremos até estarmos ambos satisfeitos.

- Só as suas palavras bastam para começar a entusiasmar-me.

- Venha cá, Chet - convidou ela. - Deite-se comigo.

- Mas já estou preparado, como pode ver.

- Nada de precipitações. Não temos pressa. Vamos criar o prazer gradualmente e, quando vir que
nos encontramos nas condições ideais, previno-o. Portanto, deite-se a meu lado, para nos
descontrairmos com alguns contactos preliminares.

- Como queira - assentiu ele, com relutância, obedecendo.

- Faça caso do que digo. A sua parceira é que sabe o que lhe convém.

- Muito bem, parceira - articulou, acomodando-se.


- Estou pronto para começar.

- Afaste o pensamento do pénis e concentre-se na sensualidade em geral. Acaricie-me.


Depois, acaricio-o eu.

Emitiu um grunhido e começou a mover os dedos ao longo de todo o corpo dela, não tardando a
absorver-se na operação e experimentar prazer com as reacções que lhe notava.

234

- Você é fantástica. Tenho o membro quase a estoirar.

- Deixe o membro sossegado, de momento. Agora, sou eu.

À medida que Gayle lhe acariciava o rosto e abdómen, ele sentia a urgência atenuar-se e principiou
a soltar pequenos gemidos de prazer.
- Preciso de si, Gayle - sussurrou, esforçando-se por dominar a respiração.

- De que está à espera?

No instante imediato, encontrava-se em cima dela. Um momento de hesitação e o pénis entrou


gradualmente, sem que se registasse a ejaculação. Em seguida, iniciou o movimento de vaivém.

- Devagarinho - recomendou Gayle. - Vai muito bem. Sente a ejaculação aproximar-se?

- Ainda não.

Apetecia-lhe pousar as mãos nas nádegas, para o ajudar, mas não queria excitá-lo demasiado, pelo
que conservou as palmas apoiadas nos ombros.

- Muito bem - repetiu.

- É estupendo!

Ele intensificou os movimentos e ela viu-o assumir uma expressão quase de angústia.

- Que tem, Chet?

- Receio que...

Libertou-se do amplexo, estendeu a mão para o pénis húmido e apertou-o com firmeza.

- Mas eu queria...

- Não se preocupe. Há-de conseguir, mais tarde.

Continuou a apertar, até que o pénis se tornou flácido. A seguir, com uma olhadela fugaz ao relógio,
recomeçou a acariciá-lo, até que tornou a verificar-se a erecção.

- Pode voltar a entrar - indicou, assumindo a posição apropriada.

Ele colocou-se-lhe de novo em cima e introduziu o pénis na vagina, reiniciando os movimentos.

- Vá insistindo.

Obedeceu, embora não necessitasse de ser estimulado, e, de súbito, proferiu em voz entrecortada:

- Gayle... eu... eu...

- Está autorizado - anunciou ela, em tom jovial.

235
Foi um orgasmo ruidoso e prolongado. Por fim, Hunter caiu pesadamente para o lado, como se
tivesse sido atingido com um tiro.

- Fenomenal - murmurou, ofegante.

- Chama-se a isto uma ejaculação adulta. Agora, descansemos.

Passados alguns minutos, ela levantou-se e enfiou o roupão.

- Depois de me lavar, vou à cozinha preparar uma bebida reconfortante. Contenta-se com chá?

- O que desejar. - Quando Gayle reapareceu com duas chávenas fumegantes, sentaram-se no tapete
e ele observou: - Você é de facto maravilhosa. Conseguiu que aguentasse até ao fim. Quantos
minutos foram?

- Sete.

- Imagine! Fantástico. - Assumiu um ar grave. - Mas preferia tê-lo feito sem o apertão.

- Há-de conseguir - prometeu ela, pousando a chávena e pondo-se de pé para despir o roupão. -
Desta vez, vamos fazê-lo sem intervenção das mãos. Até ao fim sem apertão.

- Não está satisfeita com os sete minutos?

- Claro que estou, mas não o largo no mundo cruel que nos rodeia até que me penetre durante pelo
menos dez. Depois, deixá-lo-ei partir, por muito que me custe. Vamos, pois, a isso, Chet.

Quando se preparava para abrir a torneira do chuveiro, ainda eufórica com os dois triunfos daquele
dia, Gayle julgou ouvir a campainha da porta. Vendo que eram quase dez horas, calculou que se
tratava de Paul Brandon, pelo que vestiu o roupão de seda e abandonou a casa de banho, dominada
por uma forte sensação de expectativa.

O relacionamento de ambos havia conhecido altos e baixos [mais baixos do que altos), nos últimos
dias. Até agora, ambos se tinham preocupado com as necessidades de terceiros. No entanto, a
terapia chegara ao fim com êxito, pelo que se lhes deparava a ansiada oportunidade de se
concentrarem nos seus próprios interesses.

Atravessava a sala, quando ouviu a chave rodar na

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fechadura da porta de entrada, e a sua excitação avolumou-se ao ver surgir Brandon.

- Como estás, querido? - murmurou ela, depois de se beijarem, quando se encaminhavam para o
quarto.

- Encantado por me encontrar finalmente a sós contigo - declarou ele, despindo o casaco e
começando a desabotoar a camisa. - Um pouco cansado, em todo o caso - acrescentou, passando a
libertar-se das calças.
- Foi um dia extenuante.
- Para mim, também. Como correram as coisas com Nan? O Dr. Freeberg facilitou-te o trabalho?

- De facto, não houve qualquer problema. - Sentou-se na borda da cama para descalçar os sapatos e
peúgas. - Ela mostrou-se mesmo extremamente compreensiva.

- E tu?

- Profissional do princípio ao fim. E os teus pacientes? Ficaram ambos aprovados ou apenas um?

- Ambos.

- Conseguiram o que pretendiam?

- Conseguiram:, graças a Deus.

- Então, deves estar esgotada - observou, despindo as cuecas.

- Não, sinto-me bem.

- Depois de quatro horas com eles? Admira que possas manter-te de pé.

- Também não foi assim tão esgotante. No fundo, tratava-se de pacientes. Não possuem o vigor de
quem não foi afectado por problemas dessa natureza. Se estou um pouco cansada, é por causa da
tensão. Quando chegamos à última sessão, existe sempre um certo receio do insucesso, após tanto
trabalho.

- Mas foste bem sucedida nos dois casos. Os exercícios terminaram?

- Completamente. - Gayle fez uma pausa, enquanto o contemplava com curiosidade. - Mas quem
parece em baixo és tu. E só tiveste de te ocupar de uma paciente.

- Não esqueças que Nan foi a minha primeira. Como referiste, há uma forte tensão
envolvida. Mas deixemos os outros e concentremo-nos em nós.

- Tens razão. - Vendo que ele estendia os braços, recuou um passo e indicou: - Mete-te na cama, que
não

237
me demoro. Vou tomar banho num abrir e fechar de olhos. - Começou a afastar-se. - Espera por
mim.

- Com ansiedade. Não leves muito tempo.

- Verás que mereceu a pena esperar um pouco. O banho de chuveiro foi maravilhoso, como um
ritual

iniciador de uma vida nova. Depois de fechar a torneira e secar-se, aplicou água-de-colónia no
corpo e um pouco de perfume menos activo atrás das orelhas e no vale entre os seios.

Sem se preocupar em voltar a vestir o roupão, encaminhou-se para o quarto e viu que Brandon
permanecia deitado na cama.

Ansiosa por começar a estimulá-lo, instalou-se a seu lado e aguardou.

Todavia, ele não se moveu.

Gayle soergueu-se para o observar e descobriu com assombro que dormia profundamente.

Apesar de tudo, não se sentiu muito contrariada, porque compreendia o que se passava, pois, na
sequência de um dia esgotante, também lhe apetecia descansar e dormir.

Por conseguinte, aconchegou-se-lhe e, sentindo o sono principiar a dominá-la, reflectiu que


poderiam amar-se de manhã.

Pressentiu que fariam amor como ela nunca fizera em toda a sua vida. Somente lhe interessava
tornar Brandon feliz. Queria que ele...

De momento, a única coisa que queria era dormir, e adormeceu.

Ao regressar a casa, após a sessão final com a sua delegada, Chet Hunter tinha a impressão de que
flutuava no espaço.

Desejava telefonar a Suzy para lhe comunicar o resultado, mas reconheceu que estava demasiado
cansado para se expor a semelhante excitação, além do que havia a possibilidade de ela pretender
inteirar-se da vitória de uma forma mais concreta que a verbal. Com a euforia e exaustão que o
assolavam, ele apenas queria comemorar o êxito com um bom trago de uísque.

No entanto, antes de se dirigir ao armário para pegar na garrafa, compreendeu que necessitava de se
ocupar de um assunto prioritário. Essa chamada tinha

238

de ser feita. O reverendo Josh Scrafield devia aguardar com ansiedade os resultados da última
sessão, para saber se o coito com Gayle se consumara.

Nessa conformidade, levantou o auscultador da extensão da sala e marcou o número. Atendeu uma
voz feminina e, transcorridos alguns segundos, Scrafield encontrava-se no outro extremo do fio.

- É você, Chet? - perguntou com impaciência.


- O próprio.

- E então?

Hunter acercou mais os lábios do bocal e anunciou em tom confidencial:

- Consegui, reverendo. - Entrou nela?

- Por duas vezes.

- Meteu-o mesmo dentro dela? - insistiu Scrafield, como se tivesse dificuldade em se convencer.

- Sem margem para a menor dúvida.

- Está disposto a jurar que o que acaba de dizer corresponde inteiramente à verdade?

- Jurarei sobre uma pilha de Bíblias, se for necessário. De resto, tenho a gravação.

- Excelente trabalho!

- Ainda não a transcrevi, porque estou arrasado.

- Ela esgotou-o, hem?

- E de que maneira! De qualquer modo, tratarei disso pela manhã. Não sei se telefone a Hoytis
Ferguson...

- Deixe, eu encarrego-me de os informar. Vou ligar primeiro para Ferguson e a seguir para casa do
promotor, ainda que seja necessário arrancá-lo da cama. Quero comunicar-lhe sem demora que
você obteve as provas e podemos avançar.

- Tem a certeza?

- Agora, ninguém se poderá opor. Você terminará a sua participação na operação depois de levar a
Hoyt Lewis a transcrição da gravação, juntamente com o relatório de tudo o resto que aconteceu.
Havemos de colocar o chulo do Freeberg e a sua rameira atrás das grades muito mais cedo do que
pensávamos. Estupendo!

Ao pousar o auscultador, Hunter reconheceu que sofrera um abalo no instante em que o reverendo
chamara rameira a Gayle. A inflexão cáustica que incutira

239
ao termo proporcionou-lhe um momento de desconforto. «Mas enfim, negócios são negócios!»,
acabou por decidir para consigo.

Aguardava a manhã seguinte com ansiedade, altura em que completaria o seu trabalho, revelaria
tudo a Suzy e depois entregaria o material.

Assolado por crescente euforia de triunfo, levantou-se da poltrona da sala e serviu-se finalmente da
garrafa de scotch.

Brandon foi o primeiro a acordar e tentou desanuviar o espírito, para se recordar do que acontecera
na véspera, mas só então se apercebeu de que não se encontrava só. A seu lado, achava-se deitada
Gayle, que também emergia gradualmente do sono.

- Até que enfim... - principiou, rodeando-lhe os ombros com o braço, mas a campainha do
telefone na mesa-de-cabeceira do lado dela interrompeu-o. - Deixa tocar - murmurou.

Gayle espreguiçou-se e volveu os olhos para o despertador.

- Não posso - declarou, pesarosa. - São oito e meia. Só o Dr. Freeberg costuma telefonar tão
cedo. Tenho de atender, Paul. - E estendeu a mão para o auscultador.

Era na verdade o médico.

- Preciso falar consigo, Gayle...

- Quer que passe pela clínica?

- Não, neste momento. - Fez uma pausa. Está só?

Ela dirigiu um breve olhar a Brandon, que enrugava a fronte, numa expressão de perplexidade, e
replicou, hesitante:

- Bem, não. Está aqui Paul Brandon.

- Não tem importância, pois pertence à família. Tenho de lhe comunicar uma coisa.

- Parece preocupado, doutor - observou, soerguendo-se e cobrindo os seios com a ponta do lençol. -
De que se trata?

- Estou de facto preocupado, e por razões de peso. Preste muita atenção, Gayle. Acabo de ser preso.
A Polícia aguarda lá fora...

- Preso?! Terei ouvido bem?

240

- Ouviu, sim. Por proxenetismo. A possibilidade sempre existiu e eu devia tê-la prevenido. Não o
fiz, porque me garantiram que não me podiam acusar e quis evitar que o pessoal se alarmasse. Mas
aconteceu e julguei conveniente informá-la antes que...

- Vão levá-lo para a prisão?


- A fim de ser formalmente indiciado, em primeiro lugar.

- Que se passa? - quis saber Brandon, pousando a mão no braço de Gayle.

Esta cobriu o bocal com a mão e informou:

- O Dr. Freeberg foi preso por proxenetismo. - Retirou-a, para se dirigir de novo ao médico. -
Quem está por trás de tudo isto?

- O promotor público, Hoyt Lewis. A sua intervenção principiou há uns dias. Ele procurou-me para
comunicar que a utilização de delegados sexuais constituía um acto de proxenetismo, segundo a Lei
da Califórnia, e ameaçou levar-me aos tribunais se não renunciasse a essa actividade. Contactei com
o meu advogado, Roger Kile, (você conhece-o) o qual, depois de efectuar pesquisas nos códigos
estaduais, garantiu que Lewis não poderia incomodar-me. Lamento, Gayle. Eu devia tê-la avisado.

- Mas avisado de quê? - perguntou ela, com um pressentimento desconfortável.

- Também vai ser presa.

- Eu? Acusada de quê?

- Prostituição. Eu por proxenetismo, uma actividade delituosa, e você por prostituição,


comportamento contrário à moral, porque trabalha para mim.

- Não acredito! Então e os outros: as minhas colegas e Paul?

- Somos apenas nós os visados. Tudo indica que, se ganharem o pleito, acusarão os restantes mais
tarde.

- Mas porquê eu em especial?

- Tentei inteirar-me, e a única coisa que consegui averiguar foi que a principal testemunha de
acusação é um dos seus pacientes.

- Um dos meus pacientes? É impossível. O senhor conhece-os tão bem como eu. Adam Demski não
vive em Hillsdale, nem conhece ninguém aqui, além de que
247
o acho incapaz de molestar uma mosca. Quanto a Chet Hunter, nunca me denunciaria como
prostituta. Eu salvei-o. Restituí-lhe a confiança na virilidade.

- Um deles denunciou-a e deporá contra nós no tribunal - persistiu Freeberg, implacável.

- Mas não faz sentido. Que... que nos vai acontecer?

- Emitiram mandados de captura contra nós os dois, mas os delitos mencionados diferem. Vão
levar-nos para a cadeia do Município, onde recolherão as impressões digitais, tirarão
fotografias para os ficheiros...

- Não pode ser...

- E estabelecerão o quantitativo da fiança. Já preveni Roger Kite, que deve chegar de Los
Angeles a todo o momento para tratar disso. Por conseguinte, seremos Libertados imediatamente.

- Por quanto tempo?

- A sequência dos acontecimentos diferirá para cada um de mós. Eu devo ser ouvido em sessão
preliminar dentro de dez dias, e o juiz decidirá da possibilidade ou não de ter havido uma actividade
criminosa. Em caso afirmativo, serei julgado num prazo máximo de dois meses.

- E eu? - perguntou Gay lê, em voz trémula.

- O seu processo é mais simples. Comparecerá perante um magistrado, acompanhada por


Roger Kile, que apresentará uma contestação de não culpada. Depois, poderá ou não ser
submetida a julgamento.

- Vai aparecer tudo nos jornais e na televisão?

- Receio bem que sim. Mas não se preocupe, porque Roger tratará da nossa defesa.

- Mas estou preocupadíssima, doutor! Estou mesmo morta de medo! Quando devo esperar ser
presa?

- Dentro de uns dez minutos. Agora, tenho de desligar.

Ela pousou o auscultador no descanso com um gesto brusco e voltou-se para Brandon.

- A polícia vai aparecer aí a todo o momento, Paul.


- Enquanto ele a abraçava e tentava reconfortar, acrescentou: - Está tudo perdido! Consegues
imaginar
242
alguém detido por prostituição receber uma bolsa de estudo da UCLA? Foi tudo por água abaixo...

- Tudo não, querida. Restamos nós.

- Sim, mas um estará na cadeia!

E começou a chorar convulsivamente.


243

CAPÍTULO X

QUANDO acordou, de manhã, a primeira ideia que acudiu ao pensamento de Chet Hunter foi
contactar com Suzy Edwards, para lhe comunicar a fantástica novidade.

Assim, ainda de pijama, pegou no telefone e marcou o número da Clínica Freeberg.

- Preciso falar-te com urgência, Suzy - anunciou, excitado. - Quando podes passar por minha casa?

- Sabe-lo perfeitamente. Logo que termine o trabalho aqui. Pouco depois das seis.

- Não, mais cedo. Temos de conversar antes disso.

- É assim tão importante? - inquiriu ela, intrigada.


- De que se trata?

- Pelo telefone, não. Quero mostrar-te uma coisa. E é de facto importante.

- No intervalo para o almoço? Óptimo. Trincamos uma sanduíche, enquanto conversamos.

- Acerca de quê? - persistiu. - Não me podes dar um lamiré?

- Depois vês. Espero-te ao meio-dia e um quarto. Quando cortou a ligação, Hunter lembrou-
se de

outra chamada necessária, pelo que voltou a levantar o auscultador e marcou o número do
Município.

A secretária de Hoyt Lewis revelou-lhe que ele se ausentara em serviço e acrescentou:

- Mas sei que aguardava notícias suas e disse que se encontraria consigo.

- É por isso que telefono - esclareceu Hunter. Transmita-lhe o seguinte recado, por favor. Desejo
falar-lhe

244

no assunto relacionado com a conversa dele com o reverendo Scrafield, ontem à noite. Estou a
transcrever tudo e, depois de mandar tirar fotocópias, envio-lhe uma antes do meio-dia. Passarei por
aí entre as duas e as três, se ele não vir inconveniente. Tomou nota de tudo?

- Perfeitamente, Mr. Hunter. - A secretária soltou uma risada divertida. - Depreendo que ontem
conseguiu, finalmente.

- Mas quem lhe?...

- Não esqueça que sou a secretária particular de Mr. Lewis. Passei à máquina a descrição das
acusações, há duas horas.
- Sim, acertou. - Ele não pôde evitar um sorriso.
- É verdade, minha prezada senhora: consegui, finalmente.

A boa disposição manteve-se, depois de pousar o auscultador. Dispunha de quase duas horas para se
preparar para o da que ficaria memorável. Após um prolongado banho de chuveiro, faria a barba,
tragaria um pequeno-almoço completo e concluiria o seu diário para entregar a Hoyt Lewis.

Em seguida, aguardaria pacientemente a chegada de Suzy, que seria a primeira leitora dos seus
apontamentos, mais tarde entregues ao promotor público e por fim ao editor do Chronicle,
Ferguson.

Sentando-se diante da máquina de escrever eléctrica, tentou evocar, com a maior abundância de
pormenores possível, o que acontecera na sua última sessão com Gayle. Embora o diálogo estivesse
registado na gravação, somente a sua mente poderia reconstituir o ambiente.

Ela encontrava-se sentada no sofá, desnuda como viera ao mundo, e aguardava que ele terminasse
de se despir.

Perguntara como se sentia e ele respondera: «Com disposição para ser bem sucedido.»

Depois, ela observara: «Já foi, da última vez. Houve penetração.»

Os dedos começaram a mover-se rapidamente sobre as teclas. Decidiu não mencionar a parte
referente ao seu receio da prematuridade ejaculatória. Os pormenores dessa natureza não eram
necessários. No fundo,

245
não tentava emular James Joyce ou Henry Miller, pelo que resolveu concentrar-se no- que se
revestiu de relevância e correspondia à verdade.

«De qualquer modo, creio que continuei a ser prematuro, dissera ele. «Quer que aguente cinco
minutos.»

«Dez, Chet, corrigira ela. Eu disse dez minutos».

Escrevia mais depressa, à medida que se aproximava das passagens mais suculentas, omitindo
apenas algumas palavras menos pertinentes.
A penetração da maneira que sempre desejou. Colocado em cima, como mandam as regras da
masculinidade, para executar o coito completo.»

O movimento dos dedos acelerou-se ainda mais.


«De que está à espera?», perguntara Gay lê.

Não pôde deixar de esboçar um sorriso ao reconhecer intimamente que se tratava de uma mulher
apetitosa e suculenta, talvez não tanto como Suzy, mas nada má, para uma parceira remunerada.

Ao recordar a penetração final, engoliu com dificuldade e alongou-se um pouco mais nos
pormenores.

«Conseguiu que aguentasse até ao fim, admitira ele. «Quantos minutos foram?»

«Sete», informara ela, que, um pouco adiante, advertira: «... não o largo no mundo cruel que nos
rodeia, até que me penetre durante pelo menos dez.»

E conseguira-o, na segunda vez ainda melhor que na primeira, e descreveu tudo minuciosamente.

Por fim, arrancou a derradeira página da máquina e releu o que escrevera, verificando com
satisfação que apenas necessitava de introduzir três correcções.

Em seguida, reclinou-se na cadeira, para saborear o triunfo.

Aquilo não bastaria para entusiasmar o promotor público? E Sorafield? E, mais importante, Otto
Ferguson?

No entanto, acima de tudo figuraria a reacção entusiástica de Suzy Edwards.

Recolheu as folhas e saiu para fazer duas visitas. A primeira destinava-se à tabacaria da esquina,
onde mandou tirar três fotocópias. Em seguida, cruzou a rua em direcção ao Serviço de
Mensageiros Ultra-Rápidos e providenciou para que fosse entregue uma a Hoy t Lewis, mo
Município, outra ao reverendo Scrafield,

246

na sua igreja, e a terceira a Otto Ferguson, na redacção do Chronicle de Hilisdale.

Era exactamente meio-dia, quando regressou a casa com o original, a fim de aguardar a aparição de
Suzy.
Ela apresentou-se às 12.14 e, depois de o beijar, afastou-o um pouco na sua frente, para tentar
determinar um pormenor susceptível de lhe satisfazer a curiosidade.

- De que se trata? - acabou por perguntar.

- Disto - replicou Hunter, estendendo-lhe o original dos seus apontamentos e conduzindo-a à sua
poltrona preferida. – Senta-te inteira-te do que se passou na minha última sessão de terapia.

Embora se vissem com regularidade nas duas últimas semanas, ele evitara duas coisas: qualquer
tentativa de sexo com ela, em obediência à recomendação do Dr. Freeberg a todos os pacientes (e,
de resto, Hunter receara novo insucesso com Suzy), e discussões das suas actividades com a
delegada sexual e progressos verificados, porque nunca se convencera por completo do êxito do
tratamento.

Agora, ela tomaria finalmente conhecimento de tudo.

Assim, observou-a atentamente, enquanto procedia à leitura, e, perto do final, ouviu-a articular entre
dentes:

- Maravilhoso... maravilhoso... maravilhoso...

De súbito, terminou, pôs-se impulsivamente de pé e abraçou-o com entusiasmo:

- Conseguiste, querido! Deu resultado e o problema desapareceu!

- Creio que sim - admitiu ele, um pouco enervado com a explosão, - Mais ou menos...

- Qual mais ou menos! Fizeste-o com essa maravilhosa mulher, não uma, mas duas vezes,
três na realidade. Por que estás tão hesitante?

- Porque não sei até que ponto os efeitos da minha delegada se manterão. Gayle demonstrou
que o podia fazer com ela, mas agora que me largou, quem me garante que fiquei curado com outra
mulher? Pode não resultar.

- Diz-me uma coisa, Chet - exigiu ela, segurando-lhe os braços e olhando-o com firmeza. -
Apaixonaste-te por ela?

247
--Que ideia! Estou apaixonado por ti, bem sabes. Não passou de uma professora. A minha amada és
tu.

- Então, -prova-mo - solicitou, abraçando-o. – Prova-me que te curou o suficiente para o fazeres
comigo. É a única coisa que me interessa. Vamos a isso.

- Agora? - Hunter parecia perplexo. - Tenho... tenho de sair dentro de momentos e tu precisas de
regressar ao trabalho. E ficas sem almoçar? - acrescentou, em voz quase inaudível.

- Há tempo de sobra para tudo isso.

- Não interpretes mal as minhas palavras. Quero ir para a cama contigo em qualquer altura,
sempre...

- Então, agora é o momento oportuno.

- Tens razão - assentiu, começando a afrouxar o nó da gravata.

Suzy despiu a blusa, largou-a na poltrona e encaminhou-se para o quarto.

- Segue-me, querido!

- É para já, filha. Puseste-me rijo como uma estaca de aço.

No quarto, acabaram de se despir em menos de um minuto e, fixando os olhos no pénis erecto, ela
murmurou:

- Há muito, tempo que ansiava por isto.

Em seguida, deitou-se na cama e Hunter acomodou-se imediata mente a seu lado. Embora sentisse
dificuldades em se conter, os exercícios que aprendera nos últimos dias achavam-se bem presentes
no seu espírito. Carícias, toques leves... mas sobretudo com lentidão, nada de precipitações, como
se necessitasse de provar alguma coisa.

Após cinco minutos de preliminares, ele considerou que - eram suficientes e, a avaliar pelos
gemidos roucos que emitia, Suzy pensava da mesma maneira.

Abriu as pernas para o receber e ele instalou-se convenientemente.

Não lhe cruzou o pensamento a menor ideia de ejaculação prematura ou possível insucesso. Na
noite anterior, penetrara a sua delegada, não uma, mas duas vezes, ao mesmo tempo que mantinha a
erecção e refreava o orgasmo por um1 período que se lhe afigurara uma eternidade.

Nem remotamente lhe passava pela cabeça que


8
não o conseguiria fazer com Suzy, a sua exuberante e amada Suzy.

A ponta do pénis contactou com a entrada da vagina, sem que se registasse o menor espasmo ou
emissão de esperma; apenas o desejo devorador de a possuir e fundirem-se num único corpo.
Penetrou sem hesitação, sentindo apenas o calor de - ambos ao unirem-se no que prometia ser o seu
primeiro coito completo.

Surgia finalmente a sonhada consumação e o ponto mais elevado do prazer que ele jamais
experimentara.

As contracções e extensões de ambos prosseguiram, sem: que qualquer deles se apercebesse da


passagem do tempo. Somente lhes interessava verificar que a ejaculação prematura não corroía
aquele momento de felicidade.

Quando o orgasmo se registou finalmente, desenrolou-se com a maior normalidade.

No final, conservaram-se abraçados, aliviados e eufóricos com o que o futuro lhes reservava.

A seguir, tomaram banho de chuveiro juntos e vestiram-se, após o que Suzy anunciou:

- Vou tratar das sanduíches.

- Faz só para ti - indicou Hunter. - Eu como mais tarde, em qualquer sítio. Tenho de me despachar,
senão chego atrasado a uma entrevista.

Vendo que se afastava para a sala, ela seguiu-o e perguntou:

- Para quê tanta pressa? Não queres descontrair-te e?...

- Não posso - replicou ele, pegando nas páginas finais do seu diário. - O promotor público está à
minha espera, no Município.

- O promotor público? Incumbiu-te de algum trabalho de pesquisa?

- Incumbiu, e já o concluí. - Ergueu a mão que segurava as páginas. - Ele vai prender Freeberg
por proxenetismo e Gayle Miller por prostituição e precisa disto como prova.

Suzy assumiu uma expressão horrorizada e colocou-se-lhe na frente, para impedir a passagem.

- Um momento, Chet. Não me digas que não sabes...

249
- Não sei o quê?

- Freeberg e Gayle foram presos esta manhã. Ele não se mostrou muito preocupado
depois de o seu advogado, Roger Kile, o convencer de que nenhum paciente
testemunharia contra as suas actividades. Mas - acrescentou ela, arregalando os olhos -
queres dizer que és tu que vais confirmar no tribunal que Freeberg é um chuto e Gayle uma
rameira?

- Trata-se apenas de um trabalho. Alguém tinha de o fazer, e eu reuni as provas.

- Tu? Não acredito! - A fúria começava a dominá-la. - De repente, em vez do homem que
amo, vejo um réptil asqueroso e traiçoeiro! - Fez uma pausa para recobrar o alento. -
Indiquei-te a clínica para te curares de uma anomalia e aproveitaste a oportunidade para
investigar o que lá se passava!

- Foi uma coisa acidental, à margem do verdadeiro motivo do recurso aos préstimos de
Freeberg e Gayle

- tentou ele explicar, com visível embaraço. - Evidentemente que a minha intenção básica
consistia em receber tratamento. - Tornou a agitar as páginas na mão.

- Sabes o que isto significa para nós? O assunto transformou-se num problema político
tenho emprego garantido no jornal de Ferguson.

Tentou dirigir-se para a porta, todavia Suzy mantinha-se firmemente na sua frente.

- Não vais a parte nenhuma. Se o fizeres, não me voltes a aparecer. Não quero tornar a
pôr-te a vista em cima. Considerar-te-ei o que existe de mais abjecto no mundo. Não
compreendes o mal que vais produzir ao Dr. Freeberg e Gayle Miller, depois da
maneira como te trataram? As tuas declarações podem liquidar-lhes as vidas.

- Não sou eu que faço as leis...

- Mas és tu que vais tentar provar que as infringiram. Como podes voltar-te contra eles,
destruir uma mulher maravilhosa como Gayle? Acabo de ler o que ela fez por ti. Como
recompensa, pretendes demonstrar que é uma delinquente.

- Sabes perfeitamente que nunca tive essa intenção.

- A realidade é só uma, Chet. - Ela pousou-lhe as mãos nos ombros. - Não podes... não
deves fazê-lo.

250

- Lamento, querida, mas comprometi-me...


- Desconpromete-te. - Arrancou-lhe as páginas da mão. - Foi uma prostituta profissional
empedernida que te tratou, ou uma delegada sexual oficial ao serviço de um terapeuta
diplomado?

- Sai da frente, por favor. O tribunal decidirá quem tem razão. A única coisa que sei é o que
está certo para min. Para nós. Tenho de comparecer a uma entrevista.

- Como ser humano, és uma nulidade. Procedes como um rato!

- Pára com isso, por favor!

- Não podes prosseguir com o trabalho que tens executado. Um dia, surgirá uma
oportunidade e triunfarás na vida. De momento, deves viver contigo e comigo. Como
podes sequer pensar em prejudicar quem tanto fez por ti? Medita bem nisso.

Tonny Zecca sentava-se à secretária do pequeno escritório mas traseiras do restaurante, à


espera que o telefone tocasse.

Tentara contactar com Manny Martin «Grande», em Las Vegas, cerca de meia hora antes, e
fora informado de que se ausentara da sua suite por uns minutos e em seguida telefonaria,
sendo acrescentada a recomendação (na realidade, tratava-se de uma ordem) de que não se
afastasse do aparelho.

Por conseguinte, obedecera e começava a perguntar-se se procedera da melhor maneira e o


que diria a Manny, quando finalmente telefonasse.

Não duvidava de que lhe satisfaria o pedido, pois sempre tinham mantido relações
excelentes. Com a sua rede de restaurantes, Zecca estabelecera a capa perfeita para investir
dinheiro de proveniência inconfessável e assumir um aspecto insuspeito aos olhos dos
inspectores do Fisco. O grupo ajudara a desenvencilhar-se de pequenos problemas, sem
dúvida, todavia ele ainda o auxiliara mais e de uma maneira crucial. Com efeito, entre os
favores que o grupo, lhe devia figurava a canalização de droga proveniente da América do
Sul. Nessa conformidade, Manny decerto não se negaria a comprazê-lo.

No entanto, o que preocupava Zecca era a natureza

251
do auxílio que solicitaria, quando surgisse o telefonema.

Por outro lado, o seu alvo final não lhe suscitava a menor dúvida. Desembaraçar-se do patife do Dr.
Freeberg, de uma forma ou de outra. O médico seduzira Nam e mantinha-a num hotel para uma
penachada ocasional durante o dia. A partir do momento em que fosse eliminado, ela ficaria só e
desamparada, pelo que Zecca não teria a menor dificuldade em a fazer regressar ao aprisco.

O seu primeiro instinto consistira em ser ele próprio a eliminar Freeberg, pois, embora sempre
tivesse tomado as maiores precauções para que Nan não se inteirasse, nunca saía de casa sem uma
automática de calibre 45, pelo que a conversão do médico num cadáver resultaria fácil. Não
obstante, algo o levara a hesitar. Conquanto não- se sentisse avesso a matar alguém que o
prejudicara, a verdade era que não abatia um ser humano desde a guerra do Vietname, porquanto a
sua fachada e valor perante o grupo residia na respeitabilidade. Se alguma vez cometesse um deslize
e tivesse uma confrontação com a Polícia, a sua utilidade para o grupo terminaria e a sua própria
vida poderia conhecer um futuro assaz nebuloso.

Por fim, decidira que o trabalho devia ser executado pelo grupo sem rosto. Os seus membros eram
peritos na matéria e não subsistiria o menor vestígio capaz de lhes atribuir a paternidade do acto.
Por seu turno, ele conservaria as mãos limpas e plena liberdade para fazer Nan voltar para o seu
convívio permanente.

Nessa conformidade, Zecca telefonara a Manny, em Las Vegas.

Agora, enquanto aguardava a chamada, apenas vislumbrava uma incerteza. Que lhe pediria,
exactamente? Desejava, porventura, que Manny contratasse um assassino profissional para
«esgotar» o malfadado médico e fazer desaparecer o corpo, ou que enviasse um dos seus
musculosos colaboradores para lhe triturar o corpo e indicar que abandonasse a cidade no primeiro
transporte, se desejava preservar o que restava dele?

Enquanto não lhe acudia uma ideia concreta, dirigiu um olhar acerado ao telefone e pegou no
Chronicle

252

daHillsdale, que ainda não abrira, em busca de inspiração.

Todavia, antes que tivesse tempo de se concentrar na secção desportiva, o cabeçalho da parte
inferior da primeira página atraiu-lhe a atenção. Na realidade, o que lhe despertou a curiosidade foi
o nome do Dr. Arnold Freeberg, logo no parágrafo inicial do artigo.

Cada vez mais interessado, apressou-se a ler, com satisfação crescente. No final, reclinou-se na
cadeira rotativa e exibiu um sorriso mordaz. Segundo parecia, o promotor público, Hoyt Lews,
acusava um terapeuta de problemas sexuais chamado Arnold Freeberg de utilizar delegadas para
curar os pacientes. Por conseguinte, decidira prendê-lo e a uma colaboradora por enquanto anónima
pela prática das actividades ilegais de proxenetismo e prostituição e conseguir que o tribunal
mandasse encerrar a clínica a título definitivo.

No dia seguinte, Lewis convocaria uma conferência de Imprensa, a fim de expor os pormenores da
acusação a Freeberg.

O sorriso de Zecca alargou-se.


O seu dilema terminara. A Lei proporcionara o meio de se desembaraçar de Freeberg para sempre,
pelo que já não necessitava de recorrer a alguém do grupo. O promotor público encarregava-se
disso. Na verdade, esgotaria o patife do médico, e Zecca teria a cadela infiel da Nan- de novo na sua
cama durante o tempo que entendesse.

Naquele momento das suas cogitações, o telefone tocou.

Era Manny Martin «Grande», de Las Vegas.

- O lá, camarada!. Tem algum assunto importante para discutir?

- Nem por isso, chefe. - Zecca engoliu em seco.


- Deixei-me arrastar pelo entusiasmo. Na verdade, é um caso de rotina.

- Mas de que se trata?

- A encomenda... pois, a encomenda da Colômbia chegou com uma semana de antecedência e


pensei que você desejaria tomar as providências necessárias para lhe dar seguimento.

- Era só isso? Não merece a pena. Iremos

253
recolhê-la na data habitual. Obrigado por me avisar, em todo o caso. Até breve.

Depois de pousar o auscultador, reclinou-se, aliviado.

Ainda bem que o promotor público lhe retirara o trabalho das mãos. No dia seguinte,
trataria de se inteirar do que transpirasse na conferência de Imprensa.

Somente nos segundos antes de ser introduzido no gabinete de Hoyt Lewis, Chet Hunter
notou uma certa falta de firmeza nas pernas. No entanto, estava convencido de que não se
devia a nervosismo derivado do passo momentoso que se preparava para efectuar, mas da
exaustão provocada pela segunda sessão na cama com Suzy Edwards, sem dúvida melhor
do que a primeira, muito mais prolongada e gratificante.

Por fim, endireitando os ombros e sentindo»se mais forte e seguro do terreno que pisava,
entrou nos domínios do promotor público.

O reverendo Josh Scrafield também se achava presente, naturalmente, e dirigiu-lhe um


sorriso de aprovação. Hunter fez um pequeno desvio para o cumprimentar e prosseguiu em
direcção à secretária de Lewis, que o aguardava de pé, com a mão estendida.

- Parabéns! - bradou, indicando as últimas páginas do diário de Hunter. - Foi um excelente


trabalho, absolutamente perfeito.

- Obrigado.

- Estava ansioso por conversar consigo, pois quero preparar a nossa estratégia, antes da
conferência de Imprensa de amanhã. Mas sente-se, sente-se.

No entanto, Hunter permaneceu de pé e o promotor instalou-se de novo na cadeira rotativa


estofada.

- O essencial é que você preste declarações no tribunal nos mesmos termos do seu relatório
- prosseguiu Lewis. - Não podemos perder. Será uma magnífica testemunha de acusação,
Chet. Uma testemunha impossível de contradizer.

O interpelado aclarou a voz e anunciou com simplicidade:

- Receio bem que não.

O outro ergueu subitamente a cabeça e arqueou as sobrancelhas, como se não tivesse


ouvido bem.

254

- O quê?
- Vou repetir. Não comparecerei no tribunal. Cheguei à conclusão de que o D r. Freeberg
não se dedica ao proxenetismo e Gay l e Miller não é uma prostituta. Penso, pois, que não
devem ser julgados. Praticam uma terapia perfeitamente legal, como posso
comprovar, visto que me sujeitei a um tratamento bem sucedido. Considero-os pessoas de
bem, e úteis, que devem poder continuar a sua obra sem interferências.

- Perdeu o juízo, homem? - vociferou o promotor.


- Devo ter entendido mal as suas palavras.

- Está alucinado? - rugiu por sua vez Scrafield, que cruzou a sala para se aproximar de
Hunter. - Freeberg pagou-lhe para que assumisse essa atitude?

- Pelo contrário - retrucou Hunter, sem se alterar, eu é que lhe paguei para me curar.

- Reconsidere, seu vira-casacas, ou palavra de honra que o despedaço!

- Deixe-o - acudiu Lewis, ao mesmo tempo que observava Hunter com curiosidade. - Isto
pode constituir uma aberração momentânea de sua parte, Chet. Não sei o que se oculta por
detrás, mas merece uma segunda oportunidade. Quer ser minha testemunha e declarar o
que escreveu no seu diário?

- Não. Recuso-me terminantemente a ser sua testemunha.

- Não se pode negar a depor - lembrou em voz átona. - Isso, só por si, já representa um
delito. Se não o fizer voluntariamente, enviar-lhe-ei uma contrafé a que não se poderá
esquivar.

- Pode, de facto, fazê-lo e eu comparecerei admitiu Hunter. -• Mas não conseguirá


converter-me numa testemunha favorável à Acusação. Na realidade, serei uma péssima
testemunha, do seu ponto de vista. Creio mesmo que a Defesa delirara se me convocar.
Preciso de ser mais claro? - Fez uma pausa, enquanto o promotor parecia conter a
indignação com extrema dificuldade. - Suponho que não temos mais nada a dizer. Por
conseguinte, vou retirar-me. Espero que nos voltemos a ver, um dia... mas não será no
tribunal.

Com estas palavras, deu meia volta e abandonou o gabinete.


Enquanto atravessava o corredor do Município, Hunter experimentava uma profunda sensação de
alívio, pois receara não resistir à pressão combinada de Hoyt Lewis e do reverendo Sorafield, porém
agora considerava que se portara à altura da situação. Não se atemorizara. Na realidade, fora mesmo
particularmente corajoso e suspeitava de que, como Suzy sugerira, devia a Gayle algo mais do que a
reparação da sexualidade. Ao restituir-lhe a virilidade, restaurara-lhe de certo modo a moralidade e
a confiança no seu futuro. Por conseguinte, ele sentia-se plenamente satisfeito por não a ter
denunciado.

De súbito, pareceu-lhe ouvir pronunciar o seu nome e voltou-se, para ver se Lewis ou Scrafield o
chamava.

No entanto, o homem que acabava de sair das instalações sanitárias e tentava atrair-lhe a atenção
não era nenhum dos dois, mas outra pessoa que Hunter não contava voltar a ver.

- Estava à sua espera, Chet - disse Otto Ferguson.

- À minha espera? - articulou Hunter, surpreendido.

- Queria conversar consigo - volveu o jornalista, aproximando-se. - Fartei-me de o procurar e acabei


por concluir que se encontrava aqui. E quando a secretária de Lewis mo confirmou, vim
imediatamente. Calculo que teve uma reunião escaldante, no gabinete do promotor?

- É verdade, foi de facto muito quente.

- Que aconteceu? Disse-lhes que seria testemunha deles, ou mudou de ideias?

- Mudei de ideias. Neguei-me a colaborar com eles.

- Excelente!- exclamou, com um largo sorriso. - Se tivesse procedido de outro modo, não
continuaria a falar consigo.

- Não estou a compreender - declarou Hunter, perplexo. - Foi o senhor que me envolveu no
assunto.

- Antes de conhecer a verdadeira natureza das actividades do D r. Freeberg e seus delegados. -


Ferguson extraiu um maço de folhas de papel dobradas da algibeira e ergueu-o diante do rosto do
interlocutor.
- Agora, conheço-a bem.

- Que é isso?

- O seu relatório. O diário que me enviou esta

256

manhã. Quando tudo isto começou, estava naturalmente céptico quanto à genuinidade dos
tratamentos de Freeberg, mas receei que a sua reportagem fosse demasiado realista para leitura de
certas famílias. Foi por esse motivo que o aconselhei a explorar a faceta política do caso. Desse
modo, eu poderia divulgar o aspecto sexual da situação, sobretudo se o promotor formulasse
acusações de proxenetismo e prostituição. No entanto, enganei-me. A escassez de factos de que
dispunha fez-me enveredar pelo caminho errado.
- Em que sentido?

- Depois de ler o seu material, Chet, fiquei impressionadíssimo. A única conclusão a extrair é
que se tratava de uma criatura decente desesperadamente necessitada de ajuda e Gayle um
anjo misericordioso.

- Gostou... gostou da minha descrição dos tratamentos da delegada?

- Adorei! Contém todos os elementos de uma reportagem: perfeita: um herói sofredor


assolado por conflitos íntimos e a sensação de derrota e uma heroína atraente capaz de tudo para o
salvar e, após umas semanas de suspense, o rapaz é salvo e surge o final feliz. - Ferguson fez uma
pausa. - Suponho que corresponde tudo à verdade.

- Até à última sílaba.

- Há muitos milhares de pessoas que padecem em silêncio de anomalias sexuais, às quais a sua
reportagem pode proporcionar uma oportunidade de felicidade.

Hunter notou que a boca secara por completo e sentia dificuldade em respirar.

- Aonde pretende chegar?

- A comunicar-lhe que vou publicar a sua reportagem sob a forma de uma série de artigos. É
possível que lhe peça que atenue um pouco as passagens mais realistas, sem, todavia, deturpar
ou comprometer a sinceridade da narrativa.

- Quer dizer que me vai confiar a publicação?

- Com certeza, a partir do momento em que se instalar na sua secretária privativa do Chronicle. -
Ferguson estendeu a mão. - Parabéns, meu rapaz.

- Ainda não estou em mim.

- A experiência da idade ensinar-lhe-á que a virtude

257
também é recompensada... às vezes. Apresente-se no meu escritório amanhã, às dez horas, para
discutirmos o seu salário. - Principiou a afastar-se, mas deteve-se e virou-se para trás. - Espero que
tenha alguém que tire proveito dos novos conhecimentos que adquiriu, no campo da sexualidade.

- Tenho, e vamos casar!

- Oxalá Gayl e apanhe o ramalhete atirado pela noiva.

Quando o outro desapareceu ao fundo do corredor, Hunter continuava imóvel, como que petrificado
pelo que acabava de acontecer.

Por fim, procurou um telefone, a fim de comunicar a Suzy Edwards que já podiam casar o mais
depressa possível.

No gabinete do promotor público, este pousava1 os cotovelos na secretária, com a cabeça entre as
mãos, numa imagem muito elucidativa do desespero total.

Menos de uma hora antes, sentia-se satisfeito como poucas vezes lhe acontecera. Depois de ter o
que Hunter apurara e parecia disposto a confirmar no tribunal, os sonhos mais arrojados de Hoyt
Lewis surgiam no horizonte como uma realidade irrefutável.

E agora, devido a uma; testemunha acobardada que se recusava a depor, todas as suas ambições se
diluíam na atmosfera como uma coluna de fumo soprada pelo vento.

- Repugnante, absolutamente repugnante - proferiu entre dentes.

O reverendo Scrafield, que não parava de percorrer a sala em frenético vaivém, concordou com uma
vigorosa inclinação de cabeça.

- Apetece-me matar o grandíssimo filho da mãe!


- rugiu, cerrando os punhos.

- Bem, não há nada a fazer. - Lewis endireitou-se, com ar resignado. - O fulano agarrou-nos pelos
testículos, por assim dizer. Temos de desistir.

- E a conferência de Imprensa?

- Mantém-se, mas limitar-me-ei a anunciar que tínhamos recebido informações erradas acerca
da clínica do D r. Freeberg e decidimos retirar as acusações, com a libertação imediata dele e Gayle
Miller.
2585

Fez uma pausa ao ver que o reverendo se detinha bruscamente na sua frente e o olhava com um
leve sorriso.

- Espere aí - murmurou, pausadamente. - Creio que tenho uma ideia capaz de ressuscitar tudo.

- Como?

- Você recordou-me uma coisa. Gayle Miller foi acusada de prostituição, não é assim?
- Exacto, mas sem testemunhas a acusação não tem validade.

- Calma. Como disse, acudiu-me uma ideia. Imagine que eu apresentava uma testemunha ainda
mais convincente do que Hunter.

- A quem se refere? - O interesse do promotor começou a acentuar-se.

- Nem- mais nem menos do que à própria rameira: Gayle Miller.

- Não estou a acompanhar o seu raciocínio, reverendo.

- Afirmou que foi acusada de prostituição. Ora, ignora que não seja julgada.

- Mas ficará a saber após a minha conferência de Imprensa em- que anunciarei a retirada das
acusações.

- Sim, mas hoje ainda não sabe - persistiu Scrafield. - Recordo-me de ler na ficha dela que você me
mostrou que concorreu a uma bolsa de estudo da U C LA. Portanto, se constar que vai ser julgada
por prostituição, perde todas as possibilidades de a conseguir.

- Qual é a sua intenção?

Contornou a secretária e postou-se junto do promotor, que olhou com intensidade.

- Ela só sabe que foi acusada e terá de responder no tribunal por prostituição. Aposto que treme
como varas verdes e daria tudo para se livrar do pesadelo. Suponhamos que a procuro com uma
proposta? A oportunidade de não ir malhar com os ossos atrás das grades, por exemplo.

- Como espera conseguir essa proeza?

- Visitando-a hoje e apresentando-lhe a seguinte saída: «Você foi acusada de prostituição, na


iminência de ser julgada e condenada, com a reputação destruída, mas existe uma maneira de se
livrar de apuros e ser encarada como Miss Pureza. Passe-se para o nosso

259
lado e transforme-se em testemunha de acusação contra Freeberg e as suas delegadas rameiras. Diga
que enveredou por essa actividade iludida com- argumentos falsos e ele se dedicava ao
proxemetismo e as outras mulheres à prostituição, de que decidiu desligar-se. Se proceder assim, o
promotor público retirará todas as acusações contra si, Gayle.» Que lhe parece Hoyt? Estaria
resolvido a estabelecer um acordo dessa natureza com ela?

- Sem a menor dúvida. Se ela aceitasse em depor a nosso favor, teríamos a vitória assegurada.

- Nesse caso, esta noite procurarei a nossa amiga Gayle.

--Acha que concordará? - perguntou Lewis com ansiedade.

- Com certeza. - Sorafield franziu os lábios num esgar malicioso. - Providenciarei nesse sentido.

260

CAPÍTULO XI

ERAM cerca das oito e meia da tarde, quando o reverendo Josh Scrafield, depois de substituir o
colarinho clerical por uma camisa branca e gravata de
malha azul sob o casaco escuro, se apresentou à entrada da casa de Gayle Miller.

Por um momento, conservou-se imóvel, para ponderar meticulosamente a maneira mais


conveniente de a abordar. O ingresso na residência constituiria a dificuldade mais importante,
porquanto, depois de se encontrar na sala, decerto não surgiriam problemas. Evidentemente que a
abordagem devia revestir-se de elasticidade, pois tudo dependia do género de mulher que fosse. Ele
nunca a vira e, à parte os elementos que lera no relatório de Hunter e na ficha compilada por Hoyt
Lewis, desconhecia por completo a sua personalidade. Das palavras do primeiro, depreendera que
era atraente e inteligente, porém a profissão que exercia exigia que possuísse qualidades
susceptíveis de atrair o sexo oposto.

Finalmente, julgou ter descoberto o meio de obter acesso à casa sem dificuldade e tocou à
campainha três vezes consecutivas.

Pareceu-lhe ouvir passos que se aproximavam e, em seguida, soou uma voz abafada.

- Quem é?

- Procuro Miss Gayle Miller para um assunto de seu interesse - informou Scrafield. - É a senhora?

A porta entreabriu-se uma nesga apenas suficiente

261
para tornar visível uma parte de quem se encontrava do outro lado.

- Sou eu, de facto. De que se trata?

Por um instante, ao vê-la, ele ficou demasiado impressionado para replicar. Embora esperasse
alguém atraente, a natureza da sua actividade e o facto de ter sido detida por prostituição tinham-no
levado a imaginar que se lhe depararia uma mulher de ar desmazelado e grosseiro. Ao invés, tinha
na sua frente uma criatura encantadora, envolta num roupão de seda verde- claro suficientemente
apertado para indicar que a configuração do corpo não destoava do rosto.

- Queria discutir um assunto muito importante consigo, Miss Miller - terminou por declarar.

- Não faço a menor ideia do que... De qualquer modo, não pode ficar para amanhã? É que tenho um
encontro marcado e preciso de me vestir.

- Tem de ser resolvido hoje.

Ela abriu um pouco mais a porta, para observar melhor o visitante. Pareceu-lhe reconhecê-lo, mas
não conseguia determinar quem era ou onde o vira.

- Quem é o senhor? - pretendeu saber. - Que espécie de assunto?

- Sou o reverendo Josh Scrafield.

- O evangelista? Sim, vi-o na televisão. - Fez uma pausa. - De que tenciona falar?

- Da sua detenção, esta manhã.

- Como o soube? - inquiriu, surpreendida. - De resto, que tem que ver com isso?

- Pediram-me que servisse de intermediário entre o promotor público Hoyt Lewis e a senhora. - Ele
sentia-se agora mais confiante. - Relaciona-se com a intenção de a levar aos tribunais. Mandou-me
procurá-la para apresentar uma proposta respeitante à sua detenção. Posso entrar?

- Está bem. - Gayle acabou de abrir a porta. - - Já agora, não perco nada em o ouvir.

O reverendo entrou para a modesta sala, exibindo um sorriso de satisfação, e ignorou o sofá que ela
lhe indicou, permanecendo de pé, para a contemplar com admiração crescente. A delicadeza dos
traços fisionómicos e as curvas generosas do corpo contrastavam com os pormenores eróticos que
lera no relatório de Hunter.

262

A rapariga assemelhava-se a uma deusa vestal, sem nada de comum com a chocante e experiente
delegada sexual que concebera baseado na leitura.

Embora ela conservasse o roupão bem apertado, não conseguia dissimular aos olhos experientes de
Scrafield que só usava por baixo um reduzido soutien e minúsculas cuecas de nylon.
- Ia vestir-me, quando tocou à campainha - explicou ela. - Como disse, tenho um compromisso
dentro de poucos minutos. Agradeço, portanto, que seja breve. Sente-se e exponha o assunto que o
trouxe.

- Obrigado, Miss Miller. - Ele sentou-se na borda do sofá, ao mesmo tempo que se perguntava
quantas sessões ardentes se teriam desenrolado no móvel.

Aguardou pacientemente, enquanto Gayle puxava uma cadeira para a sua frente e se sentava,
cruzando as pernas bem torneadas debaixo do roupão, sem permitir que os joelhos ficassem
expostos.

- Foi, pois, o promotor público que o mandou procurar-me? Quer apresentar-me uma proposta
relacionada com a minha detenção?

- Exactamente - assentiu Scrafield, depois de aclarar a voz.

- De que se trata?

- Ele examinou os seus antecedentes, como é habitual nestes casos, e inteirou-se, por exemplo, de
que a senhora trabalhou para o Dr. Arnold Freeberg como delegada sexual no- Arizona, onde a Lei
não o permite, do que resultou terem de abandonar o Estado.

- Isso não corresponde inteiramente à verdade. O Dr. Freeberg podia continuar a exercer a sua
profissão sem a colaboração de delegadas, mas considerou o processo ineficiente e preferiu partir.
Ofereci-me para o acompanhar e viemos para a Califórnia, onde supúnhamos que imperava uma
atitude mais liberal. - Gayle encolheu os ombros. - Afinal, enganámo-nos. - Encarou o reverendo
com curiosidade. - Que tem esse aspecto da questão que ver com a situação actual?

- Talvez não seja relevante - concedeu ele, mas mencionei-o para lhe dar uma ideia do tipo de
informação que o promotor público conseguiu obter a seu respeito. O mais importante são as suas
actuais actividades. Sabemos,

263
por exemplo, o que fazia como delegada, aqui, em Hillsdale.

- Não era secreto. Esses métodos de trabalho sempre receberam larga publicidade. - Ela fez
uma pausa. - Mas quem lhes falou da parte que me diz respeito?

- Não me compete divulgá-lo. Há-de inteirar-se de tudo no tribunal. No entanto, o promotor


dispõe de outros elementos que lhe podem interessar mais, Miss Miller.

- De que género?

- Pretende frequentar a UCLA, o que não se pode permitir sem uma bolsa de estudo.
Sabemos que a requereu recentemente.

- Que tem isso de censurável?

- Do ponto de vista dele, nada, Mas, se a sua detenção por prostituição transpirar e tiver
de comparecer no tribunal, afigura-se-me que a candidatura à bolsa de estudo ficará
irremediavelmente comprometida. Ora, o promotor assegurou-me que não deseja
prejudicar-lhe o futuro.

- E daí? - inquiriu, mudando de posição na cadeira.

O movimento fez oscilar os seios, e Scrafield pareceu mesmerizado pelo efeito,


considerando-os cheios, tumescentes, sem dúvida os mais admiráveis que se lhe deparavam
nos últimos anos. Não o surpreendia que Hunter conseguisse a erecção com facilidade e
recusasse depor contra ela. Provavelmente, acalentava a esperança de ulteriores sessões
com a apetitosa criatura.

Entretanto, quase não prestava atenção ao que ela dizia e, perturbado, aventurou:

- Tem, por acaso, uma bebida? A missão de que me incumbiram é particularmente difícil, e
dois dedos de uísque ajudavam-me a coordenar as ideias.

- Creio que ainda tenho um resto de scotch, mas o que me falta é o tempo. - Ela levantou-se
com relutância. - Está bem. Vou buscar-lhe os dois dedos de uísque.

Ao acompanhá-la com a vista, enquanto se encaminhava para a cozinha, ele reparou no


ondular dos quadris e notou certa excitação entre as pernas. No entanto, esforçou-se por
ignorá-la.

- Já agora, uma dose dupla, se não se importa.

- De acordo. .)

264
Gayle reapareceu com o scotch, sem gelo, entregou-lho e voltou a sentar-se.

- Ainda não entendi a finalidade da sua visita declarou, verificando que o uísque
desaparecia em dois tragos. - Diz que o promotor não quer prejudicar-me. Então, que
espera conseguir, ao dar-me voz de prisão?

- Já me sinto mais calmo, obrigado - disse o reverendo, saboreando os efeitos da bebida. -


Qual é a intenção dele? Deteve-a para lhe pregar um susto e fazê-la escutar a voz da razão.
Como já deixei transparecer, não deseja levá-la aos tribunais e convertê-la num
espectáculo público. Preferia, pelo contrário, torná-la num membro útil da nossa
comunidade.

- Como? - perguntou ela, com desconfiança.

- Propondo-lhe um acordo que permitiria retirar a acusação, sem revelar o seu nome, e
ilibar de ulteriores medidas legais.

- Que espécie de acordo? - insistiu, cada vez mais desconfiada.

- Autorizou-me a comunicar-lhe que, se prestar declarações a favor do Estado, retirará


a acusação imediatamente.

O seu rosto revelou uma ponta de esperança, apesar de que a curiosidade persistia.

- Prestar declarações a favor do Estado? Que significa isso?

Através do fino tecido, Scrafield conseguia descortinar os contornos das coxas e os limites
das cuecas, mas tentou desesperadamente concentrar-se.

- Disporia da invulgar oportunidade de se colocar do lado da Acusação como testemunha


principal do promotor.

- Testemunha contra quem? - inquiriu Gayle, estremecendo.

- Contra a outra parte do pleito. Teria apenas de se sentar no banco das testemunhas e
admitir que praticou todos os actos de que a acusam em obediência às ordens do réu.

- Esse réu seria, porventura, o Dr. Freeberg?

- Com certeza.

- Por outras palavras, sugere que deponha contra ele? - Pôs-se de pé com brusquidão. -
Enlouqueceu? - Pretendo apenas ajudá-la - alegou Scrafield,

265
inocentemente. - Quero poupar-lhe aborrecimentos evitáveis.

- Mandando para a cadeia um homem decente que não infringiu nenhuma lei? Quer que me volte
contra alguém que tanto tem feito por numerosas pessoas, entre as quais me incluo?

- Miss Miller... Gayle... procure ser razoável. - Levantou-se igualmente, apreensivo. - O promotor
e eu oferecemos-lhe a oportunidade de ser inteiramente livre. Não terá de acusar Freeberg de
coisa alguma, no tribunal. Bastará que, sob juramento, descreva como ele lhe pagava para se
entregar a práticas sexuais com desconhecidos.

- Esperam que me comprometa a crucificá-lo e contribuir para que o condenem como um chulo?

- Proxeneta - corrigiu, automaticamente.

- Querem que me volte contra um dos seres humanos mais admiráveis que jamais conheci?
Enlouqueceram, não há dúvida. Não o faria nem por todos os tesouros do mundo. Prefiro cumprir
uma pena de prisão.

- Mas ele é um proxeneta. Não se sacrifique por um...

- E o senhor é um hipócrita! - cortou ela, irritada.


- Ponha-se na rua, com as suas vergonhosas propostas! Não quero voltar a vê-lo. Saia de minha
casa, seu imundo patife!

Ele tremia de excitação à medida que a linguagem dela se azedava. Por baixo do verniz estonteante,
existia uma rameira completa, uma vagina acessível a quem estivesse disposto a esportular o preço.

- Não ouviu? - bradou Gayle. - Desapareça e deixe-me em paz!

Scrafield começou a dirigir-se lentamente para a porta, com ela no seu encalço.

- Reconsidere, por favor... - murmurou.

- Raspe-se!

Vendo-o pousar a mão no puxador, rolou nos calcanhares e encaminhou-se apressadamente para o
quarto.

O reverendo abriu a porta para sair, mas olhou por cima do ombro, e o que lobrigou no quarto
levou-o a fechá-la ruidosamente e permanecer dentro.

Viu-a despir o roupão de seda e pousá-lo numa cadeira. Entre o reduzido soutien rendado e as
abreviadas

266

cuecas transparentes, o corpo apresentava um aspecto mais acetinado que o roupão. E no momento
em que ela se virou para o espelho, teve oportunidade de a admirar de frente, julgando divisar o
longo e escuro triângulo de penugem púbica através das cuecas.
Sentiu o coração começar a palpitar com intensidade. Possuíra mulheres ao longo dos anos, muitas
mesmo, algumas unidas em matrimónios infelizes com paroquianos seus, as quais lhe veneravam a
voz de ouro e indiscutível virilidade. Por outro lado, desfrutava dos favores de Darlene Young com
regularidade desde longa data, conquanto ultimamente lhe parecesse demasiado gorda para produzir
um estímulo completo.

Mas aquela rameira sensual... Sim, tratava-se sem dúvida da mulher mais desejável que jamais
conhecera. Por conseguinte, não podia retirar-se sem que fosse sua. Em última análise, faria pouca
ou nenhuma diferença na situação dela, que decerto já conhecera mil homens intimamente. Seria
apenas o milésimo primeiro.

Ofuscado pelo desejo, começou a avançar para o quarto.

Entrou e achou-se a curta distância dela, que agora se encontrava de costas para a porta e
aproximava de uma cadeira, para pegar numa saia.

- Gayle... - articulou Scrafield, a meia-voz.

Ela virou-se, surpreendida, e arregalou os olhos.

- Você? - exclamou, com uma expressão de incredulidade. - Que faz aqui?

- Queria suplicar-lhe mais uma vez que reconsiderasse. Aceite a nossa proposta, por favor.

- Não a aceitava por nada deste mundo! Ponha a sua nojenta carcaça daqui para fora!

Scrafield estava hipnotizado pelo triângulo escuro mal dissimulado pelas cuecas.

- Gayle... - balbuciou, sentindo dificuldade em falar. - Esqueça tudo o que eu disse. Isto é
diferente... Nunca vi uma mulher como você. Posso cuidar de si e pôr termo a todos os seus
problemas. - Começou a aproximar-se. - Tratá-la-ei como uma rainha. Será uma rainha. A meu
lado, não terá de ser uma rameira...

- Não sou uma rameira, seu bandalho! - gritou ela.


- Afaste-se de mim!

267
No entanto, ele continuava a acercar-se e ergueu os braços.

Gayle estendeu a mão, numa tentativa para o esbofetear, porém Scrafield segurou-lhe os pulsos e
fez baixar os braços.

- É uma rameirazinha, ouviu? - proferiu em voz trémula. - Prostituiu-se com os homens que o
seu chulo lhe enviava. Posso provar que fornicava todos os dias. Agora, vou proporcionar-lhe a
oportunidade de estar com um homem a valer que sabe como se deve tratar uma rameira...

Soltou-lhe os pulsos e, antes que ela se pudesse esquivar, agarrou-a pelos ombros, e obrigou-a a
deitar-se de costas na cama. Quando tentou erguer-se, agrediu-a com os punhos, até que ficou quase
inconsciente, soltando gemidos entrecortados.

Sem desviar os olhos da presa, Scrafield despiu o casaco, baixou as calças e levou a mão à
braguilha das cuecas. A erecção, que Gayle olhou vagamente com ar horrorizado, irrompeu, como
que accionada por uma mola.

Em seguida, ele arrancou-lhe o soutien e as mãos possantes seguraram o elástico das cuecas.

- Não, por favor... - suplicou ela. - Não... Não... Tentou debater-se, porém ele desferiu-lhe
novo

murro, que a obrigou a cair pesadamente para trás.

Os esforços para manter as pernas unidas resultaram infrutíferos, pois ele abriu-as com as poderosas
manápulas.

No momento imediato, fez uma breve pausa para contemplar o excitante monte de Vénus.

Depois, pegou no pénis erecto, a fim de o orientar convenientemente, quando soou um estalido
metálico atrás dele.

Alguém abriu a porta de entrada.

- Paul! - gritou Gayle, a plenos pulmões. Socorro, Paul!

Ao ouvir passos apressados, Scrafield endireitou-se e deu meia volta, no instante em que Brandon
irrompia no quarto. Abarcou a cena num segundo e lançou-se contra o reverendo, que segurou pela
garganta, todavia as mãos vigorosas deste último conseguiram libertá-lo.

- Seu filho da mãe! - rugiu Brandon, puxando-o

268

pela camisa em direcção à sala, onde lhe aplicou um murro demolidor na cabeça que o projectou no
chão.

Entretanto, Gayle pegava no telefone do quarto e marcava 911, para em seguida bradar:

- Emergência! Violação! Ele ainda aqui está! Chamem a Polícia, chamem a Polícia!
Na sala, Scrafield recompusera-se parcialmente e seguiu-se acesa refrega, no meio1 de grunhidos,
sons secos de murros e mesas e candeeiros derrubados.

Embora ofegante, o reverendo, mais forte e bem treinado, começou a adquirir certa supremacia.

Quando viu o antagonista avançar para ele mais uma vez, fintou-o com um movimento hábil e
desferiu-lhe um soco de baixo para cima que o atingiu no queixo. Brandon cambaleou para trás e o
outro continuou a agredi-lo impiedosamente, até que o fez cair, aturdido.

Para não perder mais tempo, Scrafield puxou o fecho da braguilha das calças e, sem se preocupar
com o casaco, precipitou-se para a porta.

Quando a abriu, avistou dois homens de uniformes azuis, que saltavam de um carro-patrulha e
percorriam apressadamente o caminho de acesso à casa.

Seguraram-no pelos braços com firmeza e o mais alto dos dois exclamou:

- Um momento, amigo! Onde vai com tanta pressa?

- Eu... eu... - O reverendo não conseguia recuperar o uso da fala.

- Foi-nos comunicado que se registou uma violação


- observou o outro polícia.

- O violador está lá dentro - balbuciou Scrafield.

- Muito bem. Vamos lá ver.

- Não! - uivou, tentando soltar-se.

- Ou vem connosco lá dentro ou à esquadra anunciou o mais alto.

Naquele instante, Scrafield apercebeu-se de que o outro lhe puxava as mãos para as costas e
aplicava algemas.

Com um suspiro de resignação, parou de resistir.

Na manhã seguinte, quando o promotor público Hoyt Lewis entrava na antecâmara que precedia o
seu gabinete, depararam-se-lhe à sua espera o Dr. Freeberg e

269
Gayle Miller, juntamente com um jovem que não conhecia.

O recém-chegado deteve-se e disse:

- Desculpem tê-los convocado tão cedo, mas pareceu-me importante reunirmo-nos antes de
surgirem os habituais problemas quotidianos. Acompanhem-me, por favor.

Levantaram-se, e Gayle, que segurava a mão do jovem, explicou:

- Mr. Lewis, permita-me que lhe apresente o meu namorado, Paul Brandon. Pode assistir também?

- Sem dúvida - assentiu o promotor, em tom afável. - Entremos.

Uma vez no gabinete, indicou-lhes que se sentassem e em seguida instalou-se na cadeira rotativa
atrás da secretária.

lamento o que aconteceu ontem à noite, MissMiller. Deve ter sido uma experiência horrível.

- Foi, de facto - confirmou Gayle, em tom incisivo.


- Tive, porém, a sorte de o Paul aparecer naquele momento. Que acontecerá àquele nojento
pregador?

- Discutiremos isso dentro de instantes - prometeu Lewis. - Primeiro, tenho outro ponto agendado. -
Pegou numa pasta, pousou-a nos joelhos, abriu-a e extraiu dois manuscritos. - Sabe o que é isto? -
perguntou a Freeberg. - Um diário, duas fotocópias de um diário, que um dos seus pacientes
mantinha durante o tratamento com uma delegada. Constituía a base da minha acusação contra o
doutor e Miss Miller. - Interessa-lhe saber o nome do seu autor?

- Como se chama? - inquiriu o médico.

- Um paciente de Miss Miller, Chet Hunter.

- Chet Hunter? - repetiu ela, com uma expressão de incredulidade. - Mas ele não podia... não
seria capaz...

- Mas foi - asseverou o promotor.

- O patife... - interpôs Brandon.

- Não o devemos julgar com demasiada severidade.


- Lewis ergueu a mão num gesto conciliador. - A ideia partiu, na verdade, dele, mas fui eu, com o
apoio do reverendo Scrafield, que lhe dei luz verde para pôr o plano em execução. E, na posse
destes elementos, determinei as vossas detenções.

270

<” - E nós? - Gayle mostrava-se cada vez mais indignada. - Vai mesmo levar-nos a
tribunal?

- Isso também pode ficar para mais tarde, se não se importam. Antes de os elucidar, preciso de saber
outra coisa. - O promotor inclinou-se sobre a secretária e entregou uma cópia do manuscrito de
Hunter ao Dr. Freeberg e a outra a Gayle. - Leiam o diário que Chet mantinha e digam-me se
corresponde inteiramente à verdade o que contém acerca da terapia sexual.

- Um momento - rogou Freeberg. - Se se trata de provas contra nós e pretende que as confirmemos,
exijo a presença do meu advogado.

- Não é necessário. Dou-lhes a minha palavra de que o que disserem não será utilizado para os
comprometer. Só me interessa que leiam e digam se está correcto. - Lewis levantou-se. - Necessito
de fazer umas chamadas da extensão da minha secretária. Voltarei dentro de meia hora.

Abandonou o gabinete e, transcorridos trinta minutos exactos, reaparecia para perguntar:

- Já chegaram a alguma conclusão?

- A parte que se me refere, ao papel que desempenho, é exacta - admitiu o Dr. Freeberg.

- A minha também - declarou Gayle, atirando a cópia para cima da secretária.

- Obrigado. Agora, vou explicar-lhes por que os convoquei. A minha primeira leitura do diário
foi apressada e sob o efeito de uma ideia preconcebida. Só me interessava encontrar material para
um assunto susceptível de figurar nas primeiras páginas dos jornais e não a verdade. Ontem à noite,
antes de o chefe da Polícia telefonar para comunicar o acto tresloucado do reverendo Scrafield,
comecei a encarar o documento a uma luz diferente.

- A que se refere, concretamente? - quis saber o médico.

- Para ser franco, envergonhei-me de mim próprio, do papel que desempenhei no assunto. Hunter
seria a principal testemunha de acusação, mas ficou tão impressionado com o tratamento de Miss
Miller que se desligou da maquinação, chamemos-lhe assim, e eu senti-me inclinado para proceder
da mesma maneira. No entanto, quando Scrafield se ofereceu para a procurar com a próposta,

271
concordei. Mais tarde, arrependi-me e reli o diário de Hunter mais atentamente. Recolhi uma ideia
mais profunda do trabalho que se executava na clínica e lamentei não poder dissuadir o reverendo,
mas era demasiado tarde. - Lewis fez uma pausa. - Não pretendo eximir-me da parte da
responsabilidade do que se passou em sua casa, Miss Miller. Por conseguinte, penso que ambos
devem pronunciar-se sobre o destino a dar a Scrafield. Uma vez arrumada essa faceta da questão,
discutiremos o vosso futuro. Por conseguinte, que sugerem que lhe faça?

Durante dez minutos depois de Freeberg, Gayle e Brandon se terem retirado, o promotor público
permaneceu sentado, só, à espera do próximo visitante. Por fim, ouviu a porta abrir-se, para dar
passagem ao reverendo Josh Scrafield.

Contava ver surgir um homem aprumado, de atitude agressiva, como de uma inocente vítima das
circunstâncias, pelo que não se surpreendeu ante a concretização das suas previsões.

- Ainda bem que pôde receber-me imediatamente


- disse o recém-chegado, avançando com passos firmes.

Todavia, Lewis não se levantou para o receber, nem lhe estendeu a mão, limitando-se a inclinar a
cabeça para a poltrona vazia à sua frente e aguardar que Scrafield se sentasse.

- É um imbecil e irreflectido, reverendo.

- Escute, Hoyt - replicou o outro, sem se perturbar, as coisas não se passaram exactamente como
suponho que lhe contaram.

- Li a natureza das acusações e conversei demoradamente com as duas testemunhas, Gayle Miller e
Paul Brandon.

- Pensa realmente que tentei violentá-la?

- Não, limitou-se a tentar convencê-la de que estava arrependido de a perseguir.

- Tem de escutar a minha versão.

- Foi para isso que o chamei. Quero inteirar-me dela, antes de o colocar atrás das grades.

Ignorando a ameaça, Scrafield respirou fundo e, assumindo a expressão bem conhecida dos
telespectadores

272

do seu programa, passou a expor a sua defesa em voz convincente e melíflua.

- Talvez não acredite, mas procurei Gayle Miller com a única intenção de cumprir a missão que
tínhamos combinado. No instante em que apresentei a proposta, ela perdeu a cabeça e tirou a
máscara. Não só a declinou com veemência, como principiou a injuriar-me numa linguagem que
nem me atrevo a repetir. No fundo, não se devia esperar outra coisa de uma pessoa daquelas, mas
visitei-a cheio de ilusões e fiquei assombrado.

Calou-se por um momento, a fim de tentar determinar o efeito conseguido, porém o semblante de
Lewis apresentava uma expressão granítica, pelo que se apressou a reatar a peroração.
- Quando compreendi que não conseguiria nada, decidi retirar-me, e encaminhava-me para a
porta, no instante em que a víbora mudou de táctica. Começou a tornar-se provocante. Estava
praticamente despida e pôs-se a saracotear o rabo para me tentar. Adverti-a de que procedia como
uma prostituta e não me deixaria impressionar, o que a levou a murmurar que tinha uma ideia
melhor o podíamos discuti-la no quarto. É claro que eu devia ter suspeitado, mas a candura impeliu-
me a acompanhá-la e comunicou-me então que queria apresentar uma contraproposta. Se eu o
convencesse a não manter a ordem de detenção, deixava-me fornicar com ela sem cobrar um
cêntimo. Creia que me senti indignado e...

- Não acredito numa única palavra do que diz interrompeu o promotor. - Se o deixava fornicar
de borla, por que se debatia como uma desesperada, quando o namorado entrou? E por que chamou
a Polícia? E ainda, como se explica que os dois guardas que acudiram o surpreendessem a sair
precipitadamente de casa, desgrenhado e em mangas de camisa?

- Garanto-lhe que ela é uma rameira asquerosa, e o namorado resolveu apoiar tudo aquilo de que
me acusam - aventurou o reverendo, cujo aprumo começava a dissolver-se.

Lewis olhou-o em silêncio por um momento e sugeriu:

- Nesse caso, quatro pessoas mentem, enquanto você fala verdade?

273
- A palavra daquela mulher vale mais do que a minha? Aliás, você concordou que se tratava
de uma prostituta...

- Mas enganei-me redondamente desde o princípio e não hesitarei em confessá-lo onde for
necessário. Você é um brilhante orador, sabe lidar com as pessoas de forma convincente, e
revelou esperteza suficiente para explorar o meu único ponto fraco: a ambição. Sim, deixei-
me arrastar pelos seus argumentos embaladores, mas principiei a arrepender-me quando
permiti que procurasse Gayle Miller, ontem à noite. Você poderá não aprovar como ela
procede com os homens para os curar e eu talvez também não concorde inteiramente, mas
isso é um problema nosso e não dela, uma pessoa treinada e honesta, que acredita
inteiramente no que faz. Não se trata de modo algum de uma prostituta, como declararei à
Imprensa, esta tarde. - Encheu os pulmões de ar antes de concluir: - Nós é que nos devemos
considerar prostitutos, por tentarmos utilizar-lhe o corpo para satisfazer as nossas
ambições. Estou igualmente disposto a confessar isto publicamente. E você?

- Não tenho nada para confessar.

- Considero-o um reles hipócrita e foi surpreendido virtualmente com as calças na mão,


como pretendo provar no tribunal.

- Não quero ser levado a julgamento, Hoyt. O reverendo retomou o tom persuasivo. -
Mesmo que fosse ilibado, ficava com a vida destruída.

- Nunca esperei ouvir uma coisa dessas a um ministro da Igreja. Estou-me nas tintas
para o que você quer ou não quer.

- Tem de revelar um pouco de compreensão insistiu, sem alterar a inflexão da voz. -


Confessou uma fraqueza. Pois bem, estou disposto a admitir a minha. Às vezes, como todos
os seres humanos, sofro de apetite sexual. - Inclinou-se para a frente. - Não esqueça que nos
envolvemos nisto juntos. Deve-me um favor.

- Não lhe devo absolutamente nada. Mas se pensa de maneira diferente, indique de que se
trata.

- Basta que não me leve a julgamento.

- Quer que deixe andar à solta em Hillsdale um violador potencial? - bradou Lewis,
arregalando os olhos.

274 i

- Sabe perfeitamente que não sou violador. Talvez me deixasse dominar por uma aberração
momentânea, mas violador é que não sou.

- Duvido que os jurados partilhem desse ponto de vista.

- Farei tudo para não comparecer no tribunal.


- Tudo? - perguntou, olhando-o pensativamente.

- Sim, tudo.

- Então, talvez haja uma alternativa, que considero apenas para poupar ao Município as
despesas com um processo dispendioso e impedir o desapontamento geral do seu rebanho.
- Imergiu em reflexões por um momento. - Arquivarei as queixas que lhe são
dirigidas se, além de partir de Hillsdale, abandonar o Estado da Califórnia para sempre.

- Mas isso é a mesma coisa que dizer-me que a única alternativa consiste na guilhotina.
Tenho toda a minha vida aqui! Tudo o que possuo encontra-se em Hillsdale!

- Nesse caso, tê-lo-á à sua espera quando sair da prisão.

Scrafield baixou os olhos para a carpeta e conservou-se silencioso por um momento. Por
fim, fitou o interlocutor e perguntou em voz átona:

- Retira a acusação de violação, se eu partir?

- Limito-me a aconselhá-lo a fazê-lo.

- Não tentará procurar-me, mais tarde?

- Francamente, não quero tornar a vê-lo. Pode refazer a vida noutro lugar, mas não em
território da minha jurisdição. Devo esclarecer que a alternativa não é de minha autoria.
Quando convoquei as duas testemunhas, assim como o Dr. Freeberg, para ouvir as suas
versões, perguntei-lhes o que pensavam que devia resolver a seu respeito, Scrafield. Eu
inclinava-me para a solução de o meter na cadeia e Freeberg concordou, enquanto Paul
Brandon sugeriu que o pendurássemos pelos testículos. No entanto, Gayle Miller mostrou-
se mais compassiva. Disse que conhecia os homens e muitos venderiam a alma ou o que
fosse preciso para possuir a mulher que desejavam. Com o facto presente no espírito,
declarou-se disposta a perdoar e esquecer. Ela é uma verdadeira cristã e você uma fraude.
Por conseguinte, decidi aceitar a ideia dela.
Scrafield suspirou e, numa inflexão estrangulada, admitiu:

- Bem, acho que só me resta acatar a sugestão.

- Sim, é o único caminho a seguir. Dispõe de quarenta e oito horas para reunir as suas coisas e
partir.

- Muito bem, Hoyt- assentiu, com uma inclinação de cabeça. - Procederei exactamente como diz.

Só podia fazer o que lhe era indicado: desaparecer de Hillsdale. No entanto, enquanto se levantava
com lentidão, compreendeu que ainda não estava preparado para partir.

Subsistia um assunto pendente, que lhe provocava uma cólera surda. Gayle Miller e Paul Brandon
eram os responsáveis da sua actual situação, pelo que um deles tinha de expiar o acto que cometera.

E um deles expiaria.

Era a única coisa que o obcecava, quando voltou as costas ao promotor público e abandonou o
gabinete, para pôr a vingança em prática.

Como fazia uma tarde amena e os matutinos anunciavam a convocação de uma conferência de
Imprensa pelo promotor público Hoyt Lewis, que prometia a revelação de um escândalo, juntara-se
uma multidão compacta diante do edifício do Município de Hillsdale.

Seis largas escadas conduziam das portas envidraçadas a um espaçoso terraço no piso inferior,
circundado por dois semicírculos de palmeiras. No centro, encontrava-se um pequeno estrado, com
uma estante sobre a qual se via um microfone ligado a um sistema sonoro interno. À esquerda,
havia quatro filas de cadeiras dobráveis ocupadas por repórteres de vários jornais e publicações
periódicas do Estado da Califórnia e alguns outros do Oeste. Atrás deles, achavam-se câmaras da
televisão e representantes das diversas estações de rádio munidos de microfones e gravadores.

Do outro lado do terraço, estendiam-se mais alguns degraus até ao passeio, onde pelo menos duas
centenas de cidadãos aguardavam os acontecimentos, mantidos em respeito por meia dúzia de
polícias uniformizados.

A conferência de Imprensa estava marcada para as 14.00.

Exactamente dois minutos antes, o promotor público

276

Hoyt Lewis emergiu de uma porta interior, com duas folhas de papel na mão, e desceu a escada
lentamente em direcção ao terraço.

Na rua, observando-o com curiosidade, Tony Zecca transferia o peso do corpo de um pé para o
outro com impaciência, na segunda fila de espectadores. Chegara o momento que ele aguardava
com satisfação. Tudo indicava que a conferência de Imprensa fora convocada para o promotor
público anunciar que o peçonhento Dr. Freeberg, já detido, seria enviado aos tribunais por grave
infracção à Lei. Assim, o médico não tardaria a ficar reduzido à insignificância e, cumprida a pena,
decerto teria de abandonar Hillsdale. E Zecca ficaria com Nan Whitcomb só para si e para o que lhe
apetecesse. A ideia de optar pela reconciliação não tardara a acudir-lhe ao espírito, mas considerara
igualmente a conveniência de uma leve retaliação prévia, para deixar bem vincado que com Tony
Zecca não se brincava. Todavia, para já, resolveu concentrar-se no que se passava à sua volta.

O promotor acabava de se postar diante da estante, na qual pousou os papéis, e alterou a posição do
microfone para corresponder à sua altura.

Antes de iniciar a comunicação, olhou em redor e acenou vagamente a algumas pessoas conhecidas.

Zecca apressou-se a esquadrinhar a multidão com a vista em busca de Nan, mas não conseguiu
descortiná-la. Aliás, era pouco provável que desejasse estar presente.

Hoyt Lewis principiou, enfim, a falar:

- A minha intenção inicial ao convocar esta reunião era diferente. No entanto, chegaram-me ao
conhecimento determinados factos que obrigaram a alterar o conteúdo das minhas revelações.
Ponderei a possibilidade de cancelar a conferência, mas preferi realizá-la para esclarecer um
determinado assunto e pôr termo a certos rumores. Como muitos dos presentes sabem, os órgãos da
Informação divulgaram que o meu Gabinete investigava as actividades de uma clínica inaugurada
recentemente nesta cidade. O seu fundador e director, Dr. Arnold Freeberg, é psicólogo diplomado,
especialista de problemas sexuais, e recorreu à colaboração de delegados, na sua maioria do sexo
feminino, para proceder ao tratamento

277
dos pacientes a contas com anomalias dessa natureza.

«Após a investigação preliminar, cheguei à conclusão de que o Dr. Freeberg e os seus


delegados infringiam a lei deste Estado referente ao proxenetismo e prostituição. Como é
do conhecimento quase geral, coloquei o referido médico e uma das suas delegadas em
situação de detenção, anteontem. Contudo, depois disso, registaram-se outros factos que eu
desconhecia, em resultado do que acabei por admitir que as detenções constituíam um erro
grave. Cometido por mim, saliente-se. Talvez me precipitasse, impelido pelo zelo em
manter a cidade limpa e ordeira. De qualquer modo, estou agora plenamente convencido de
que o Dr. Freeberg e os seus delegados se dedicam a uma actividade valiosa para a nossa
comunidade. Quero, portanto, afirmar publicamente que não infringem a lei atrás citada,
pelo que as acusações foram retiradas. Não quero terminar esta comunicação sem
apresentar desculpas ao Dr. Arnold Freeberg.»

Em seguida, voltou-se e ergueu a mão para chamar alguém que se encontrava junto da
entrada do edifício, e o Dr. Freeberg desceu a escada para se lhe reunir.

Sorridente, Lewis apertou-lhe a mão e proferiu:

- Dr. Freeberg, quero confessar publicamente o mau serviço que lhe prestei e, aqui e agora,
desejo apresentar-lhe as minhas mais profundas desculpas, assim como ao seu pessoal.

O médico sorriu igualmente e replicou:

- E eu quero agradecer-lhe o esforço admirável que fez para repor a verdade. Muitíssimo
obrigado.

E, depois de acenar à multidão, que o aplaudia, começou a descer os degraus para se lhe
reunir.

Após o que acabava de ver e ouvir, Tony Zecca sentia-se assolado por fúria difícil de
conter.

O que se desenrolava perante os seus olhos constituía o maior crime que jamais
presenciara.

Apopléctico, quase alucinado de cólera, via apenas uma palavra traçada com letras de fogo
na sua mente.

Justiça... Tinha de se fazer justiça.

A mão direita pousou quase inconscientemente no vulto da algibeira do casaco.

Seria feita justiça.

275
Foi Paul Brandon, que se encontrava na primeira fila da assistência, o primeiro a aperceber-
se do rebuliço verificado quase imediatamente à sua esquerda.

No momento em que o Dr. Freeberg se aproximava dos últimos degraus, Brandon avistou
um homem atarracado, de expressão transtornada pela ira, que afastava brutalmente dois
espectadores na sua frente e levantava a mão direita.

E, horrorizado, Brandon viu que empunhava uma automática.

Aparentemente, não foi o único a dar-se conta da ocorrência, pois registaram-se gritos
proferidos por pessoas das proximidades e, de súbito, uma voz feminina suplicou:

- Não! Não faças isso, Tony!

No entanto, a arma foi apontada ao alvo e o dedo exerceu pressão no gatilho.

Soou uma explosão, que se repetiu uma, duas vezes.

A primeira bala atingiu o Dr. Freeberg que levou as mãos ao peito e vacilou, e os joelhos
dobraram-se-lhe, enquanto tombava lentamente no chão.

Antes que Brandon! pudesse juntar-se aos outros para acudir ao médico, uma jovem de
semblante aterrorizado, ma qual reconheceu Nan, irrompeu da multidão e correu para ele
para lhe puxar o braço, ao mesmo tempo que gritava:

- Agarre-o, Paul! É Tony! Foi ele que disparou! Mas tenha cautela, que enlouqueceu!

Brandon abriu caminho por entre a assistência, desviando e empurrando, até que alcançou
uma clareira e avistou Tony Zecca, que fugia velozmente.

- Foi aquele! - indicou ao polícia mais próximo, apontando.

Verificou, porém, que dois outros já corriam no encalço do fugitivo. Este olhou por cima do
ombro, viu que o perseguiam e deteve-se, para dar meia volta e alvejar os policiais.

Todavia, as balas perderam-se. Os perseguidores agacharam-se e ripostaram com mais


cuidado. O impacto dos projécteis obrigou Zecca a dar um salto involuntário antes de cair
pesadamente.

Quando Brandon chegou ao local, os dois polícias

279
debruçavam-se sobre o fugitivo e abanavam as cabeças lentamente.

- Acertaram-lhe? - perguntou, desnecessariamente.

- Está morto - informou um deles, endireitando-se.


- Que lunático!

- Sim, era um lunático - assentiu Brandon, em voz neutra.

Escoaram-se dez minutos até que ele regressou à entrada do Município, onde <a multidão abrira um
espaço para passagem da ambulância.

Dois paramédicos depositaram o Dr. Freeberg numa maca, que em seguida transferiram
cuidadosamente para a viatura.

Brandon apercebeu-se de que Gayle se lhe reunira e o abraçava, chorando e soluçando. No


momento imediato, tentando tranquilizá-la, murmurou, enquanto a acariciava:

- Há-de salvar-se.

--Não sei... - balbuciou ela. - Está com um aspecto horrível, horrível...

250

CAPÍTULO XII

A sal a de conferências do segundo piso do Hospital Central de Hilisdale fora cedida aos membros
da Imprensa, que aguardavam o primeiro boletim sobre o estado do Dr. Arnold Freeberg, o qual
continuava na sala de operações.

Depois de circular por alguns minutos entre os novos colegas, Chet Hunter resolveu regressar à sala
de espera ao fundo do corredor, onde estivera antes e fora apresentado aos outros por Suzy e Gayle.
Agora, consciente de que devia permanecer entre as pessoas relacionadas mais intimamente com o
médico, encaminhavam-se de novo para lá.

Quando passou diante da antecâmara da sala de operações, em cuja porta se via a advertência
«ENTRADA PROIBIDA», avistou três pessoas sentadas em! cadeiras, no corredor, e reconheceu
duas como sendo a esposa de Freeberg, Miriam, e o filho, Jonny. Quanto à terceira, um homem de
meia-idade, trajado impecavelmente, calculou que era o antigo companheiro de quarto na
Universidade e actual advogado do médico, Roger Kile, e sentiu-se tentado a interrompê-los para
perguntar se sabiam alguma coisa sobre o estado do ferido. No entanto, viu que Kile conversava
com Mrs. Freeberg a meia-voz, e a expressão angustiada desta última indicou-lhe que o momento
não era oportuno para os abordar.

Ao chegar à entrada da espaçosa sala de espera, Hunter deteve-se por um momento para a
contemplar. Todas as cadeiras e os dois sofás estavam ocupados

281
e o televisor ao canto desligado. Nas cadeiras junto de um dos sofás, encontravam-se um
homem e uma mulher que ele sabia serem Adam Demski e Nan Whitcomb, imersos em -
amimada conversa, embora exibissem expressões graves. No sofá a seguir, achavam-se
Paul Brandon, Gay lê e Suzy EdWards. Conservando o olhar nos dois primeiros por uns
instantes, reflectiu que não deixava de ser estranho que dois delegados mantivessem
relações românticas. Como fariam amor? Dedicar-se-iam aos exercícios de carícias e
contactos previamente? Era muito provável. E daí, talvez não. De qualquer modo, existia a
possibilidade de, um dia, fornecerem! matéria para uma série de artigos que constituiriam a
sequência dos que agora seriam publicados. Continuou a passear o olhar pela sala. Também
estavam presentes as outras delegadas que lhe tinham sido apresentadas antes, e a boa
memória permitiu que recordasse os nomes: Beth Brant, Li la Van Patten, Elaine Oakes e
Janet Schneider. Todas se mostravam angustiadas, em virtude do- estado crítico do D r.
Freeberg.

Por fim, decidiu consultar Suzy. Atravessou a sala com passos lentos, aproximou-se e, num
murmúrio, perguntou:

- Já se sabe alguma coisa?

- Absolutamente nada - respondeu ela, no mesmo tom. - Ouvi uma enfermeira dizer
que ainda pode demorar meia hora. Depende do lugar em que a bala estiver embebida.

- Há-de correr tudo bem.

- Assim espero. Deus não permitirá que um; homem destes morra.

- Gostava de trocar umas palavras com Gayle. Se não te importas, claro.

- Sabes bem que não.

Hunter deu mais dois passos ao longo do sofá até encontrar-se diante de Gayle Miller, que
acabava de dizer algo a Brandon.

- Posso interromper? - perguntou a este último. Desejava falar em particular com ela, se não
vê inconveniente.

- Mas cedo-lha apenas por empréstimo - advertiu Brandon, com um sorriso.

252
•• Hunter estendeu a mão e ajudou Gayle a levantar-se do sofá.

- É um assunto que só a nós interessa - explicou, a meia-voz. - Há um laboratório


desocupado na porta ao lado. Parece-me o lugar mais seguro para uma conversa
sem interrupções.

- Pois sim.
Conduziu-a para o corredor, abriu a porta do laboratório deserto e gesticulou para que o
precedesse.

No balcão de fórmica mais próximo, puxou dois bancos de baixo, indicou a Gayle que
ocupasse um; e instalou-se no outro.

- Queria falar consigo, antes que aconteça... o que acontecer.

- De que se trata, Chet?

- Já sabe que Suzy é a minha pequena e foi ela que me aconselhou a procurar o Dr.
Freeberg.

- Foi uma verdadeira surpresa. É um felizardo. Todos gostamos dela.

- Acredito, mas não é disso que lhe quero falar. Se não fosse ela, nunca me livraria do meu
problema. No entanto, quando se referiu às actividades que se desenrolavam na clínica,
esqueci essa faceta da questão, para me concentrar na oportunidade que se me deparava.

- Não estou a compreender.

- Sou o responsável da sua detenção e do Dr. Freeberg.

- Eu sei. O promotor público mostrou-me o seu diário.

- Creia que estou profundamente pesaroso. Eu não lhes queria mal, e os interesses
pessoais impediram-me de abarcar as consequências do meu acto. Só pensei em min e no
meu futuro imediato. Fui joguete da minha ambição desmedida. Ansiava por escrever um
artigo baseado em observações pessoais do que se desenrolava na clínica, que me
garantiria um1 lugar permanente nos quadros do Chronicle. - Hunter fez uma pausa. -
Deixei-me absorver demasiado pelo desejo de ser alguém.

- Acontece a toda a gente, numa ou noutra altura da vida.

- Quando leu o diário, Suzy ficou fula e tentou

283
incutir-me um pouco de sensatez. Por sorte, algumas células do meu cérebro ainda continham uns
restos de decência e moralidade e conseguiu fazer-me escutar a voz da razão e alterar radicalmente
a minha posição. Desejava que você se inteirasse disto... e aceitasse as minhas desculpas, se lhe for
possível. Agora, encaro-a como aquilo que na verdade é.

- Há muito que lhe perdoei tudo. - Gayl e exibiu um sorriso. - Encara-me como na verdade sou?
Que sou eu, Chet?

- Um anjo-da-guarda.

- Deixe-se de fantasias - replicou, levantando-se do banco e encaminhando-se para a porta. -


Sabe o que sou, de facto? Alguém que sabe aplicar o método do apertão.

- Nesse caso - concedeu ele, com uma gargalhada, o anjo-do-apertão.

Paul reclinava-se no sofá, com o cachimbo apagado na mão, lamentando! que não fosse permitido
fumar, quando viu Gayle reaparecer e, enquanto a observava, admirou-lhe mais uma vez a
graciosidade felina e desejou-a mais do que nunca.

Quando ela se aproximou, levantou-se, para em seguida tornar a instalar-se no sofá a seu lado.

- Então? - perguntou Gayle, em voz baixa.

- Ainda nada.

- Deus queira que se salve!

- Que pretendia ele? - inquiriu Brandon, inclinando a cabeça na direcção do corredor.

- Confessar-se. Expiar as penas. Purificar a alma. Na realidade, apenas queria dizer-me que estava
arrependido do que fez e grato por aquilo que tu sabes.
- Olhou-o com benévula desconfiança. - com que te entretiveste, na minha ausência?
Inspeccionaste as outras delegadas, para tentar descobrir alguma mais atraente?

- Como adivinhaste? Por sinal, foi isso mesmo. Repara nas pernas da Lila, por exemplo. Em
todo- o caso, para dizer a verdade, prefiro-as bojudas, como as tuas.

- Malvado...

- Mas, a sério, estive de ouvidos apurados. - Ele

sentava-se de costas para Nan e Demski, que ocupavam cadeiras a um dos lados do sofá, e indicou-
os com um movimento de cabeça, ao mesmo tempo que baixava a voz. - Perguntava-me se o
acanhamento os impediria de estabelecer contacto, depois de apresentados. Gayle olhou-os
discretamente e comentou:

- Não parecem muito acanhados.

- Viste que, na primeira meia hora, estiveram sentados ao lado um do outro, como índios de pau?
Encontrava-me perto, quando Nan se tornou agressiva e fez qualquer alusão ao tempo.
- Conversam muito com a madame ne - acrescentou, continuando a observá-los. - De que estarão
a falar?

- Provavelmente, de nós.

- Ou deles próprios. Tenho pena de não poder ouvir.

Nan Whitcomb aproximara a cadeira alguns centímetros da de Adam Demski, para se lhe poder
dirigir sem que terceiros se inteirassem.

- Não vejo inconveniente em lhe dizer por que procurei o Dr. Freeberg. Tinha um problema
difícil, e um médico de clínica geral indicou-mo. Sofria daquilo a que chamam vaginismo.

Demski enrugou a fronte ao ouvir o termo pela primeira vez.

- Que é isso?

- Espasmos musculares na área da vagina, que tornam as relações sexuais difíceis e dolorosas.

- Não... não sabia - admitiu, corando. - Como aconteceu?

- Segundo o Dr. Freeberg, pode dever-se a várias causas. Uma delas consiste em más experiências
com homens. No meu caso, resultou de uma experiência terrível com um indivíduo chamado
Tony Zecca.

Permaneceu impassível por um segundo e, de repente, pareceu reconhecer o nome.

- O tipo que alvejou o Dr. Freeberg? Lamento que o tivessem abatido.

- Pois eu não - replicou Nan, sem vacilar. - Era um animal perigoso.

- Por que fez uma coisa daquelas?


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Conservou-se silenciosa por um momento e terminou por murmurar:

- Vou explicar-lhe o motivo. Talvez não devesse, mas...

- Pode confiar na minha discrição.

- Eu vivi com ele durante um breve período, que foi um tormento quase permanente.
Provocava-me dores tão fortes, que acabei por procurar o D r. Freeberg, a fim de me
submeter ao tratamento apropriado, durante o qual descobri que também, há homens
decentes no mundo e decidi abandonar o Tony. Ora, tudo indica que se convenceu de que
eu tinha fugido com outro amante e suspeitou de que se tratava do próprio Dr. Freeberg.
Não sei ao certo o que se passou a seguir, mas, possessivo como era, resolveu vingar-se
matando-o. - Fez uma pausa, para exalar um suspiro. - Na verdade, sinto-me responsável do
que sucedeu.

- A culpa não foi sua - apressou-se Demski a assegurar, ao mesmo tempo que lhe dava
uma palmada tranquilizadora no braço. - Se pudesse, o D r. Freeberg seria o primeiro a
afirmá-lo.

- Talvez tenha razão. - Nan voltou a suspirar. Ele é um homem maravilhoso. - Fitou
o interlocutor com curiosidade. - você, por que o procurou, ou não devo perguntar?

- Depois da franqueza com que se exprimiu; quero pagar-lhe na mesma moeda. - O pomo
de Adão dele moveu-se com nervosismo. - Sou... sou de Chicago, onde trabalho como
contabilista. Era... era...

- Não precisa de...

- Impotente - desabafou, para acrescentar com prontidão: - Mas estou curado, graças à
minha delegada.

- Estupendo. Quem era ela?

Com um gesto quase imperceptível, indicou o sofá onde Gay l e se sentava com Brandon.

- Gayle Miller? - sussurrou Nan, admirando a atraente morena. - Não admira que se
curasse. Quem me dera ser como ela!

- Mas é - asseverou Demski. - Melhor, mesmo.

- Não haja dúvida de que sabe lisonjear uma moça.

- Falo a sério. Quem... quem era o seu delegado? Ela levou o indicador aos lábios e, com o
polegar,

indicou Brandon.
286

Foi a vez de ele proceder a um exame apreciativo, para finalmente declarar:

- Parece um artista de cinema.

- Sim, é simpático, mas tenho mais facilidade em conversar com um contabilista do que
com um artista de cinema. - Nan corou e desviou os olhos para a porta. - Quando
nos informarão do estado do Dr. Freeberg?

Cinco minutos mais tarde, uma enfermeira assomou à entrada e anunciou:

- o cirurgião vai falar-lhes. - E desapareceu. Estabeleceu-se silêncio absoluto na sala de


espera,

com todos os olhares concentrados na porta.

Transcorridos alguns segundos, um homem alto e magro, de bata verde, materializou-se à


entrada e avançou uns passos.

- Sou o Dr. Conerly, cirurgião-chefe deste hospital, e peço desde já desculpa por fazê-los
esperar tanto tempo, mas as novidades que tenho para comunicar compensam a demora.
O Dr. Freeberg encontra-se bem. Na realidade, não podia estar melhor, atendendo ao...
contratempo que sofreu. - Fez uma pausa, enquanto os outros soltavam suspiros de
alívio. - Vamos transferi-lo para a Unidade de Cuidados Intensivos como mera
medida de precaução e por um período relativamente breve. Devo esclarecer que o
ferimento não lhe ameaçava a vida, pois quis a sua boa estrela que a bala que penetrou
pela clavícula esquerda não atingisse o coração nem os pulmões. Na verdade, não afectou
qualquer órgão vital. Já a extraímos e certificámo-nos de que não se registaram danos
permanentes, à parte o trauma natural. No entanto, continuará connosco alguns dias,
para o conservarmos sob vigilância constante. Se tudo correr como esperamos, poderá
voltar a sentar-se à secretária da sua clínica dentro de menos de duas semanas. Por
conseguinte, podem regressar a casa absolutamente descansados. - Os outros começavam a
levantar-se, quando perguntou: - Miss Miller e Mr. Brandon estão presentes? - Aguardou
que se identificassem e informou: - Gostava de lhes dizer duas palavras. - Enquanto se
encaminhavam para a porta, comunicou-lhes: - Tenho um recado para os dois do

287
Dr. Freeberg. Pediu-me que os prevenisse de que reservou uma mesa no Mario’s Gardens, para esta
noite, às oito e meia. Como não pode exercer as funções de anfitrião, deseja que o substituam e
tratem de avisar os outros convidados.

- Muito bem - aquiesceu Gayle. - Trataremos de tudo.

- Outra coisa. Insistiu também em que lhes dissesse que «celebrassem um lauto jantar com
Jones».

Quando o cirurgião se afastou, Brandon voltou-se para Gayle, com uma expressão intrigada.

- Que história é essa do lauto jantar Tom Jones? Ela piscou o olho, deu-lhe o braço e replicou:

- Depois verás.

Depois de orientar a embalagem dos valiosos móveis, o reverendo Josh Scrafield postou-se à porta
para observar o embarque no camião que os conduziria ao local de armazenamento, onde
permaneceriam até que ele enviasse instruções de São Luís.

Depois de esquadrinhar a rua com a vista, na expectativa, frustrada, de avistar Darlene Young,
voltou para dentro e começou a recolher os objectos de uso pessoal de menores dimensões.

Transcorridos uns dez minutos, ouviu abrir a porta de entrada e precipitou-se para a sala, a fim de se
certificar de que era de facto ela. No entanto, Darlene olhou-o com uma expressão de perplexidade,
enquanto lhe entregava um saco de papel.

- Aqui tens a encomenda que pediste na Drogaria Hanover. O dono não estava, mas deixou-a a um
dos empregados, um rapaz chamado Charles, que não me deu só isto.

- Que estás para aí a dizer?

- Deu-me também uma informação que eu não conhecia - volveu acercando-se um passo. -
Dois polícias que são clientes da casa referiram-se a um rumor que circula pela cidade. Parece que
foste preso, ontem à noite, por tentares violar uma delegada sexual de Freeberg chamada Gayle
Miller.

- Isso são calúnias sem o menor fundamento! retorquiu Scrafield. - Violá-la? Apetece-me é matá-la
por me abordar daquela maneira. Não passa de uma rameira

288

barata. Dirigiu-me acusações falsas e fui preso por engano. Mas, como vês, estou aqui
plenamente livre.

- Então, por que partes para São Luís, esta noite?

- Recebi uma oferta vantajosa e tive de me decidir de um momento para o outro. Fizeste as malas
para me acompanhar?

- Que remédio - articulou ela, com um encolher de ombros.


Ele extraiu do saco um frasco que continha um líquido amarelado e principiou a desenroscar a
cápsula.

- Tem cuidado com isso - advertiu Darlene. - É ácido sulfúrico e basta uma gota na pele para
produzir uma forte queimadura, segundo o empregado me explicou. - Hesitou levemente, antes
de perguntar: - Para que o queres?

- É o melhor produto que existe para desentupir canalizações. Quero certificar-me de que não
surgem problemas dessa natureza na nossa nova casa. Mas não percamos mais tempo com
palavreado, que a viagem é longa. São horas da partida, e guias tu. - Scrafield fez uma pausa. - Já
me esquecia: efectuamos uma breve paragem antes de abandonar a cidade. Conheces o restaurante
chamado Mario’s Gardens?

- Toda a gente o conhece.

- Então, paras à entrada por um momento e esperas por mim. Preciso de me despedir de alguém que
se encontra lá.

- Como queiras.

- É mesmo o que quero - resmungou, começando a dirigir-se para a porta.

Subiram para o Buick dele e Darlene sentou-se ao volante, para ligar o motor, depois de se certificar
de que o companheiro se acomodara convenientemente.

A mesa redonda no Mario’s Gardens situava-se perto do recinto de baile.

Na sua qualidade de anfitrião, Brandon e Gayle dominavam o grupo. A um lado deles, sentavam-se
Nan e Demski e, no outro, Hunter e Suzy, enquanto a sétima cadeira, destinada ao Dr. Freeberg,
tinha sido retirada.

Após as bebidas iniciais e a salada mista italiana, um rapaz levou os pratos e dois empregados de
mesa

289
principiaram a servir a iguaria principal da refeição, composta da inevitável pasta.

- Ainda não me explicaste uma coisa - disse Brandon, enquanto Gayle se esforçava por
enrolar a maior quantidade possível de espaguete no garfo.

- O quê?

- O significado do «jantar Tom Jones».

- Lembras-te daquele velho filme intitulado Tom Jones? Havia uma cena impressionante à mesa,
em que o herói e a heroína comam juntos, do prato um do outro, sem pararem; de se olhar. Era a
mais sensual de toda a fita. Ora, os delegados sexuais adoptaram-na como rituais da sua formatura.

- Porquê?

- Porque existe um elo estreito entre a comida e a sexualidade. O que fazemos aqui, esta noite, é
meramente simbólico de um verdadeiro jantar Tom Jones. o Tom Jones real, se se decide efectivar,
ocorre no último exercício entre delegado e paciente. Cada um leva comida e, em silêncio,
alimentam-se um ao outro, além do que podem: ou não tomar um pouco de vinho. Não se trata de
uma sessão sexual, mas é excitante. Uma maneira de se ser íntimo e dizer adeus. Mais tarde,
conversam, evidentemente. O delegado e a parceira (ou delegada e parceiro, claro) revêem o seu
relacionamento íntimo, o que correu bem e o que correu pior, o que houve de alegre ou triste e o
que se pode fazer para melhorar o tratamento, no futuro. Evocam o seu receio e nervosismo iniciais,
assim como os pontos altos dos das anteriores. Ao conversarem, sabem que talvez nunca se tornem
a ver, mas o que experimentaram juntos fica-lhes gravado para sempre na memória. Trocam
impressões sobre a contribuição do tratamento para o estabelecimento de relações futuras e
concepção da vida de uma forma mais rica e agradável. Proporcionam-se prazer mutuamente
trocando comida e recordações. Simbolicamente, era o que o Dr. Freeberg queria que
desfrutássemos, esta noite. Por conseguinte, saboreemos o nosso jantar Tom Jones.

Com estas palavras, Gayle levou o garfo cheio de espaguete à boca de Brandem, que o tragoucom
sofreguidão e em seguida procedeu do mesmo modo para com ela

290

- Vocês também - indicou, mastigando, aos convidados. - Chet dá de comer a Suzy e ela a si. Nan e
Adam fazem o mesmo um com o outro. Verão como é divertido.

Entregaram-se ao ritual com entusiasmo e, a meio da refeição, começaram a conversar, evocando as


melhores e piores fases da terapia e reconhecendo que, naquela noite, todos se sentiam felizes e
eufóricos.

O grupo musical constituído por cinco figuras principiou a actuar e Suzy e Hunter não perderam
tempo em ir dançar, imitados pouco depois por Nan e Demski.

Durante alguns minutos, Gayle e Brandon, de mãos dadas, observaram em silêncio os dois pares
que evolucionavam na sala imersa em luz difusa.

- Vamos fazer-lhes companhia? - sugeriu ele. Todavia, Gayle abanou a cabeça.

- Vamos antes fazer companhia um ao outro, quando sairmos daqui.


- Providenciarei para que seja cedo.

Darlene e Scrafield chegaram à entrada do Mario’s Gardens, e ela imobilizou o Bulck.

- Pronto - articulou. - E agora?

- Aguarda aqui, sem desligar o motor. Volto já.

No foyer do restaurante, o reverendo dirigiu-se ao chefe dos empregados de mesa e explicou:

- Procuro alguém que janta aqui, esta noite. Miss Galye Miller. Deve estar na mesa do Dr. Freeberg.

- É exacto. - O homem começou a afastar-se, enquanto perguntava: - Quem devo anunciar?

- Diga que é Dr. Lewis, com uma notícia importante para lhe transmitir.

Enquanto o acompanhava com a vista, Scrafield sorria para consigo, reflectindo que começava a
habituar-se a recorrer a nomes e vozes de outros. Quando concebera o plano, telefonara à secretária
de Freeberg e, intitulando-se Otto Ferguson, esclarecera que necessitava de falar com Gayle Miller.
Fora então informado de que o médico reservara uma mesa no Mario’s Gardens para aquela noite e
ela figurava entre os convidados.

Desenrolara-se tudo com extrema facilidade, como

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a diligência de agora, servindo-se do nome de Hoyt Lewis como engodo.

Introduziu a mão na algibeira e pousou-a no frasco de ácido sulfúrico. Quando brindasse Gayle com
a lembrança que pretendia entregar-lhe - e ela merecia, pareceria o Fantasma da Ópera... ou pior.
Nenhum homem voltaria a manifestar interesse pela imunda rameira.

Naquele instante, viu o chefe dos empregados de mesa reaparecer e, um passo atrás - uma
derradeira olhadela ao rosto atraente e ancas excitantes - Gayle Miller.

O homem gesticulou na direcção de Scrafield e afastou-se para atender uns clientes que acabavam
de chegar.

Intrigada, ela acercou-se do reverendo e exclamou:

- Você? Ele disse que era Mr. Lewis. Que pretende?

- Vim apenas para lhe entregar uma recordação minha - redarguiu Scrafield, adiantando-se
igualmente.

- Não compreendo.

Puxou do frasco de ácido sulfúrico e retirou a cápsula apressadamente. Em seguida, ergueu o braço,
com o gargalo apontado a Gayle, disposto a arremessar o conteúdo.

De súbito, porém, surgiu outro braço atrás dele, que lhe imprimiu uma torção e fez o ácido
derramar-se sobre o seu próprio rosto.

O reverendo levou as mãos à fronte e rosto e soltou um uivo agudo, ao mesmo tempo que Gayle
chamava Paul.

E enquanto o chefe dos empregados de mesa ajoelhava ao lado de Scrafield, que se lançara ao chão
e contorcia com dores, ela fixou o olhar surpreendido em Darlene Young.

- Sou Miss Young, assistente dele - informou esta última, em voz tensa, vendo Brandon acudir para
tomar Gayle nos braços. - Palpitou-me que se queria vingar de si, Miss Miller. Afinal, quem vai
ficar desfigurado é ele.

- Aconselho-a a desaparecer antes que chegue a Polícia - advertiu Brandon.

- Não. - Darlene sacudiu a cabeça com firmeza.

292

- Quero explicar às autoridades o que aconteceu. - Esboçou um sorriso. - Desculpem ter-lhes


estragado o jantar. - Fez uma pausa. - E daí, talvez não estragasse.

Três horas e três conhaques mais tarde, Brandon conduzia Gayle a casa, em andamento moderado.

Quando transpunham a esquina de acesso à rua em que o bangaló se situava, desviou


momentaneamente os olhos para ela, que se lhe encostava, e rodeou os ombros com o braço.
- Como te sentes?

- Recuperada. Melhor do que nunca.

- Podia ter sido horrível.

- Mas não foi. Já quase não me lembro do que aconteceu. Na verdade, só me recordo de uma coisa.
Esqueceste-te de me oferecer sobremesa.

- Enganas-te, não me esqueci. Mas decidi que havia de ser uma sobremesa Tom Jones. Algo que
devíamos partilhar juntos em tua casa. Aprovas?

- Por que vamos tão devagar? - murmurou Gayle, aconchegando-se ainda mais.

Gayle introduzia a chave na porta de entrada, quando Brandon começou a despir-lhe a camisola de
malha e puxar o fecho da saia.

Na sala débilmente iluminada, abraçaram-se e beijaram, para em seguida se desprenderem e


passarem a despir-se um ao outro.

Por fim, encaminharam-se, descalços, para o quarto, onde apenas estava aceso o candeeiro da mesa
de cabeceira.

Uma vez junto da cama, ele ergueu-a um pouco, depositou-a de costas e deitou-se a seu lado, com
os corpos em contacto. Os seus dedos deslizaram ao longo da fronte e boca dela, que principiou a
friccionar-lhe levemente o abdómen.

- Paul...

- Sim?

- Espero que não te importes, mas como o Dr. Freeberg não está a espreitar por cima do meu
ombro, gostava de abreviar a parte relativa às carícias e toques.

- Sugeres que infrinja o regulamento?

- Esta noite, não há regras. Nem pacientes. Apenas

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tu e eu, no nosso tempo livre. E apaixonados. Portanto, vamos... - Gayle abriu as pernas e ele
colocou-se-lhe em cima. - Estou preparada. Muito. E tu?

- Muitíssimo.

- Vai ser divertido.

Ele penetrou-a com extrema lentidão, afundando-se gradualmente, até à raiz. A vagina estava
húmida e suave como o veludo, e tragou-o como uma boca voraz. Em seguida, começou a mover-se
em cadenciado vaivém.

- Aaah!... - sussurrou ela. - É estupendo.

- Amo-te - volveu ele, ofegante.

Actuavam em perfeita sincronia, quando as mãos dela lhe pousaram nas costelas, para tornar os
movimentos ainda mais lentos.

- Paul...

- Sim?

- Costumas falar, quando fazes amor?

- Às vezes. Talvez. Não sei.

- Eu costumo.

- Óptimo.

- Porque em regra estou calada, quando o faço com os pacientes. Não é permitido, como sabes.

- Pois não.

- Mas agora estamos sós, e eu gostava de dar livre curso às minhas sensações. E talvez também
porque...

- Continua, querida.

- ...porque gosto tanto de estar contigo que não consigo ficar embaraçada. Por outro lado...

- Por outro lado?...

- Espero que não te importes, se eu for ruidosa, pois adoro expandir-me.

- Então, expande-te. E eu também.

- Aaah, que bom! Mais depressa, Paul. Tão devagar não. Depressa!...

Ele intensificou o vaivém, tornando a união mais íntima.


- Paul...

Brandon quase não a conseguia ouvir, pois ela movia a cabeça de um lado para o outro na almofada
e os quadris entregavam-se a uma agitação crescente.

- Paul...

- Sim?... - arquejou ele. •„,., ;

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- Sabias que a mulher demora cerca de quinze minutos mais do que o homem a alcançar o
orgasmo? i

- Ouvi dizer.
- Mas eu não. <

- Não?

- Não. Chego lá muito mais depressa... quase tanto como tu... Faz-te diferença?

- Não aguento mais.

Durante alguns minutos, mergulharam um no outro, completamente fundidos, alheios a toda a


qualquer noção do tempo.

- Oh, Paul... . - •; - Sim, querida?

- Estou quase. Só preciso...

- O quê?

- ...que fricciones o clitóris com um pouco mais de força... Assim, não... Não é com a mão. Quero
que o friccione o corpo, quando entras e sais...

- Assim?

Ele segurou-a pelos hemisférios das nádegas e puxou-a para si, enquanto se acariciavam, totalmente
colados.

- Isso mesmo... Acertaste em... cheio...

- É divinal.

Os movimentos prosseguiram, com um sincronismo cada vez mais admirável e perfeito.

- Paul...

- Querida?
-... aqueles livros, romances, em que o herói e a heroína estão unidos e, perto do fim, ela gritou:
«Mais, mais, mais... Não pares... Com mais força, por favor, com mais força»...

- Sim, que têm?

- Aquilo não é fantasia, mas muito realista. Eu sei. - Sabes o quê?

- Que é verdade... Vou prová-lo. - Silêncio, apenas alterado por respirações ofegantes e roçar dos
corpos nos lençóis. - Não pares... Mais, mais, mais... Com mais força, por favor...

Brandon começou a ter dificuldade em enxergar devido à transpiração que rolava da fronte, ao
mesmo tempo que o peito arfava com intensidade e os braços

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tremiam, com o penis completamente instalado dentro dela...

Entretanto, Gayle mostrava-se à altura da situação, indiferente ao forte palpitar do coração


e respiração irregular, cravando as unhas no corpo dele, com a região pélvica erguida num
arco.

- Meu Deus, Paul... estou a vir-me... estou!...


- Seguiram-se algumas palavras ininteligíveis e, por fim: - Vim-me...

No entanto, Brandon não a ouvia, pois concentrava-se na sua própria erupção no interior
dela, que se prolongou até à exaustão.

- Vim-me - repetiu a voz de Gayle, de uma distância incomensurável.

- Eu também, querida, como nunca.

Desprendendo-se gradualmente, Brandon afundou a cabeça na almofada ao lado dela.

No final de um longo intervalo, recuperaram parcialmente a serenidade e Gayle voltou-se


para o contemplar.

- Onde estiveste metido durante toda a minha vida? Abraçaram-se com ternura e, passados
uns minutos,

adormeceram profundamente.

Ele foi o primeiro a acordar, pouco depois das nove da manhã, com o espírito desanuviado
e os músculos descontraídos e repousados.

Em seguida, moveu a cabeça, para ver se Gayle ainda dormia. Na verdade, conservava os
olhos fechados, e um dos seios, não coberto pelo lençol, permanecia em repouso e
levemente inclinado para fora.

Ao ver que o lençol cobria ambos, Brandon calculou que ela acordara por momentos
durante a noite, a fim de o puxar para cima.

Regalando-se com o perfil suave que observava, ainda sob o efeito da recordação do que se
passara antes de adormecerem, perguntou-se se ela, ao acordar, experimentaria as mesmas
repercussões sensuais das suas relações íntimas.

De súbito, viu as pálpebras agitarem-se ligeiramente e, após um instante, abrirem-se por


completo. Gayle parecia saber onde se encontrava e quem estava com ela, porque o
procurou imediatamente. E viu-o contemplá-la com tanta ternura, que lhe estendeu os
braços.

296
Brandon apressou-se a enlaçá-la e beijar com sofreguidão, após o que desviou os lábios
para o pescoço, e os seios cujos bicos estimulou com a ponta da língua.

- Sei o que gostava de fazer antes do pequeno-almoço, querida - murmurou.

Ela estendeu a mão sob o lençol e imobilizou-a entre as pernas dele, para segurar o membro
com firmeza.

- Creio que também sei o que me apetecia neste momento - articulou, em surdina.

Ele pegou na ponta do lençol e afastou-o com um movimento brusco.

No entanto, a nova fase de paixão foi interrompida pelo som de um trovão distante. Ou,
pelo menos, muito parecido com um trovão.

Na realidade, tratava-se apenas da campainha do telefone na mesa-de-cabeceira, que retinia


com insistência.

- Não atendas - disse Brandon. - Desta vez, não pode ser o Dr. Freeberg.

- Mas deve tratar-se de um assunto importante. Mais ninguém costuma telefonar tão cedo.

Gayle levantou o auscultador e acercou-o do ouvido. Aguardou, enquanto alguém falava do


outro lado do fio, e replicou:

- Sim, sou Gayle Miller.

Voltou a escutar e, a avaliar pela expressão concentrada e palavras dispersas que proferia,
Brandon concluiu que afinal se tratava de algo importante.

- Mas que maravilhoso! - Ela colou ainda mais o auscultador ao ouvido, enquanto a
satisfação se desenhava cada vez com mais intensidade no rosto. - É a melhor notícia que
me podiam dar e estou-lhe infinitamente grata por ter telefonado. Sinto-me simplesmente
encantada. Fico a aguardar com ansiedade a carta com os pormenores, e esteja descansado
que não faltarei. Mil vezes obrigada, Dr. Wilberforce.

Pousou o auscultador no descanso e ergueu os braços, ao mesmo tempo que soltava uma
exclamação de triunfo.

- Ouve isto, Paul. Era o chefe da Comissão de Admissão ao Programa do Curso Avançado
de Psicologia da UCLA. Vou receber uma carta na qual me comunicam

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que, de entre as mais de quinhentas candidaturas ao Departamento de Psicologia para este ano, sou
uma das sessenta admitidas. E, como se isso não bastasse, concederam-me uma bolsa de estudo
válida para todo o ano escolar. Tiveram a gentileza de telefonar, para que me inteirasse antes de
chegar a comunicação pelo correio. Não é fantástico?

Baixou os braços e colocou-os em torno do tronco de Brandon, que a beijou com entusiasmo.

- Parabéns, querida. É de facto fantástico.

- Assim, vou abandonar a actividade de delegada, por muito que me custe, para estudar com afinco.
Hei-de ser uma segunda Freeberg, se tudo correr como espero.

- Tenho a certeza disso.

Esquivando-se a nova tentativa para a beijar, Gayle inclinou a cabeça para o lado, enquanto o
observava com curiosidade, e declarou:

- E tu também podes ser. Devias doutorar-te em psicologia, para completarmos o curso juntos e
fundarmos uma clínica. Desse modo, podíamos trabalhar e fazer amor juntos. Cada coisa no seu
lugar e tempo, claro. Tens de tentar, ao menos.

- Já tentei - anunciou ele, com um sorriso malicioso.

- Tentaste?

- Pouco depois de te conhecer, calculei que serias admitida e desejei seguir-te as pisadas. Por
conseguinte, apresentei a candidatura, submeti-me a toda a rotina e rezei.

- E depois?

- As minhas preces foram escutadas. Recebi a notificação preliminar de admissão, a semana


passada.

- E estavas tão calado, enquanto eu me afligia com o teu futuro!

- Não te podia dizer sem ter a certeza de que te admitiam. Sim, porque se não conseguisses a
admissão, era capaz de desistir e dedicar-me a outra actividade contigo. Por sorte, não preciso da
bolsa de estudo, pois economizei o suficiente para me aguentar.

- Parabéns para ti também, Paul! - Ela segurou-lhe o rosto entre as mãos e cobriu-o de beijos. -
Agora é que me sinto mesmo nas nuvens.

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- Nunca pensaste em continuar até à estratosfera?


- murmurou Brandon, pousando as mãos nos seios.

- Começo a encarar a possibilidade seriamente, neste momento. - Gayle fez uma pausa ao soar a
campainha da porta. - Quem será?

- Eu vou ver.
Ele saltou da cama e abandonou o quarto. Na sala, levantou as calças do chão, vestiu-as, e
encaminhou-se para a porta, que abriu.

Um paquete estendeu-lhe um ramo de rosas amarelas e um talão para assinar.

Brandon voltou a fechar a porta e regressou ao quarto com as flores, deparando-se-lhe Gayle, de
joelhos na cama, com uma expressão de curiosidade.

- Rosas? De quem serão?

- Não faço a menor ideia.

- Há um pequeno sobrescrito preso a um dos pedúnculos. Dá-mo. - Ele obedeceu e ela


informou. - É endereçado a Miss Miller e Mr. Brandon. Vejamos o que contém. - Abriu-o e extraiu
um bilhete de visita, cujo texto leu em voz alta: - «Passámos a noite juntos e ”fizemo-lo”. Foi
divino. Queremos agradecer-lhes por o tornarem possível. Não sabemos o que nos aguarda, mas
desta vez... caramba!» - Ergueu os olhos. - Assinam Nan e Adam.

Brandon pousou as flores e anunciou:

- Os jogos e brincadeiras podem bastar para eles, mas não para mim. Quero casar contigo.

- Quando?

- Também, não há assim tanta pressa. Primeiro, um pouco de amor pré-marital, a minha última
oportunidade de pecar. Depois, uma ou duas doses de ovos com bacon. A seguir, voltamos para a
cama até ao meio-dia. Mais tarde, um pouco de amor nocturno, até que nos dê o sono, e quando
acordarmos estaremos preparados para casar. Ou tens outros projectos para hoje... e o resto da tua
vida?

- O meu único projecto és tu, Paul. Para sempre. Ele subiu para a cama, tomou Gayle nos braços e

iniciou as actividades do primeiro dia Para Sempre.

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AGRADECIMENTO

De entre os delegados sexuais que me auxiliaram


- nove, ao todo, sete dos quais do sexo feminino, quero salientar em particular duas mulheres que
tornaram este livro possível.

A minha gratidão vai, pois, para Maureen Sullivan, a mais conhecida e atarefada de todas as
terapeutas sexuais, e Cecily Green, a administradora de articulação de treino da Associação
Internacional de Delegados Profissionais.

Com efeito, merecem o crédito do rigor existente no presente romance. Por outro lado, não se lhes
deve atribuir a menor responsabilidade das passagens em que recorri à liberdade de escritor para me
afastar um pouco dos factos, a fim de tornar possível uma obra de ficção.
IRVING WALLACE

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oficinas GRÁFICAS DE LIVROS do BRASIL

LISBOA
A VIRGEM
EO

CIGANO
por D. H. LAWRENCE

A personalidade artística de D. H. Lawrence (1885-1930) marcou incisivamente a literatura


europeia nas décadas de 20 e 30 do século XX, através de uma obra «classicamente»
autobiográfica e endereçada ao âmago dos grandes problemas morais e éticos do nosso
tempo.

Estreado em 1908 com um romance de cunho tradicional e simbólico, D. H. Lawrence


alcança a notoriedade com Filhos e Amantes, que atrai as iras do conservadorismo e
provoca escândalo internacional com O Amante de Lady Chatterley. Considerado, por uns,
como simples provocador, por outros, como o escritor que rompe com os moldes do
oitocentismo e abre os horizontes das gerações actuais e da modernidade, D. H. Lawrence
é, sobretudo, um artista raro e um extraordinário criador de personagens e mitos. A Virgem
e o Cigano, obra na qual a crítica tem vindo a distinguir páginas verdadeiramente
inatacáveis, é uma das suas novelas mais justamente célebres, não raro apodada de obra-
prima da cultura europeia.

fim

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