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CONCEITUANDO O GENERO: OS FUNDAMENTOS EUROCENTRICOS DOS CONCEITOS FEMINISTAS E O DESAFIO DAS EPISTEMOLOGIAS AFRICANAS Oyerénké Oyéwimi OYEWUMI, Oyérénké. Conceituando o géneto: os fimdamentos euocéntricos dos conceitos feministas © 0 desafio das epistemologias afticanas. Tiadugio para uso didético de: OYEW Oyéconké. Conceptuslizing Gender: The Buocentiic Foundations of Feminist Concepts and the challenge of African Epistemologies. African Gender Scholarship: Concepts, Methodologies and Pacadigms, CODESRIA Gender Series. Volume 1, Dakxr, CODESRIA, 2004, p. 1-8 por Juliana Axabjo Lopes. Os tltimos cinco séculos, descritos como e1a da mode:idade, foram definidos por wna série de processos histéricos, incliindo © trafic atlintico de esciavos e instituicoes que acompanharam a escravidio, ¢ a colonizacio europeia de Afiica, Asia e Amézica Latina. A ideia de mode:nidade evoca © desenvolvimento do capitalismo ¢ da industrializacio, bem como 0 estabelecimento de estados-naciio ¢ © ceescimento das dispatidades segionais no sistema- mundo. © pesiodo tem assistido a uma sétie de tansformacdes sociais € cultusais Significativamente, género ¢ categorias raciais surgicam durante essa época como dois eixos fundamentais ao longo dos quais as pessoas foram exploradas, e sociedades, estuatificadas. Uma caracteristica marcante da eta modema é a expansio da Europa © 0 estabelecimento de hegemonia cultural euro-americana em todo 0 mundo, Em nenhum Ingar isso é mais profindo que na producio de conhecimento sobre o comportamento humano, historia, sociedades © culturas. Como resultado, os interesses, preocupacdes, predilecdes, neuroses, preconceitos, instituicdes sociais € categorias sociais de euro-amesicanos tém dominado a escrita da histéria humana. Um dos efeitos desse exocentrismo é a racializacio do conhecimento: a Europa ¢ xepresentada como fonte de conhecimento, € os europeus, como conhecedores. Na verdade, o privilégio de género masculino como uma parte essencial do thes encopen esti consagrado na cultura da modemidade, Este contesto global para a producio de conhecimento deve sex levado em conta em nossa busca para compreender as xealidades afticanas e de fato a condicdo humana. Neste artigo, men objetivo € interrogar género € conceitos aliados com base em experiéncias e epistemologias cultumais afticanas. © foco aqui é sobre o sistema de familia nuclear, que é uma forma especificamente europeia, ¢ ainda é a fonte original de muitos dos conceitos que sto usados universalmente na pesquisa de género. © objetivo é encontrar maneizas em que a pesquisa afticana possa ser mais bem informada por preocupacdes interpretagdes locais ¢, ao mesmo tempo, simultaneamente, pata que expetiéncias afticanas 1 LJ sejam levadas em conta na construgio tedrica geral, a pesar do racismo estrutural do sistema global Género ¢ a politica de conhecimento feminista Quaisquer estudos sézios sobre o Ingar do "género" em realidades afticanas devem necessuiamente levantar questdes sobse couceitos vigentes ¢ aboxdagens teduicas. Bste € um sesultado do fato de que a arquitetuza e mobilifsio de pesquisa de génexo tém sido em grande parte destilada desde a Europa ¢ expetiéncias americanas. Hoje, estudiosas feministas sio a mais importante cixcunscticio com foco em género ¢ a fonte de muito conhecimento sobre as mulheres ¢ hierarquias de género. Como resultado de seus esforcos, 0 género tormou-se uma das categorias analiticas mais importantes na empreitada académica de descrever o mundo tarefa politica de prescrever solugées. Assim, embora a nossa busca por entender nio possa ignorar 0 papel das feministas ocidentais, devemos questionar a identidade social, interesses € preocupacdes das fomecedoras de tais conhecimentos. De acordo com esta abordagem "cociologia do conhecimento", Karl Mannheim afirma: Pessoas ligadas entre si em grupos se esforcam em conformidade com o carter e a posicio dos grupos a que pertencem para mudar 0 mundo em tomno da natureza e da sociedade ow tentar manté-lo em uma determinada condicio, Eo sentido desta vontade de mudar ou de manter, desta atividade coletiva, que produz o fio condutor para a emergéncia de seus problemas, setis conceitos € suas formas de pensamento. (1936: 4) ‘As feministas, como um destes grupos, tém usado seu poder secém-adquirido nas sociedades ocidentais para transformar o que antes exam vistos como os problemas particulares das mulheres em questées pitblicas. Eles mostraram como problemas pessoais das mulheres na esfera privada sio de fato questées piiblicas constituidas pela desigualdade de género da estrutuza social. Esti claro que as experiéncias das mulheres euro-americanas ¢ 0 desejo por transformacio forneceram as bases para as perguntas, conceitos, teorias © preocupacées que produzicam a pesquisa de género. Pesquisadoras feministas usam género como o modelo explicativo para compreender a subordinagio ¢ opressio das mulheres em todo o mundo, De uma s6 vez, elas assumem tanto a categoria "mulher" ¢ sua subordinagio como universais. Mas género ¢ antes de tudo uma construcio sociocultural, Como ponto de pattida da investigacdo, nao podemos tomar como dado o que de fato precisamos investigar. Se o género predomina tio largamente na vida das mulheres brancas com a exclusio de outros fatores, temos que perguntar: por que género? Por LJ qe nfo alguma outra categoria, como raga, por exemplo, que é vista como fundamental por afio-americanas. Porque género é socialmente constiuido, a categoria social "mulher" nio € universal, € outras formas de opressio € igualdade esto presentes na sociedade, questdes adicionais devem sex feitas: Por que género? Em que medida uma anilise de génezo revela ou oculta outras formas de opressio? As situacdes de quais mulheres sio bem teorizadas pelos estudos feministas? E de que grupos de mulheses em pasticulas? Até que ponto isso facilita os desejos das mulheres, ¢ seu desejo de entender-se mais claramente? Muitos estudiosos tém criticado 0 género como um conceito universal ¢ tém mostrado a medida em que ele € pasticular a politicas de mulheres angléfonas/amezicanas e brancas, especialmente nos Estados Unidos. Talvez a critica mais importante de articulagdes feministas de género € aquela feita por tums série de estudiosas afio-americanas que insistem que nos Estados Unidos de forma alguma 0 género pode ser considerado fora da saca e da classe. Esta posi¢io levow a insisténcia sobre as diferencas entre as mulheres e a necessidade de teorizar mntitiplas formas de optessio, particularmente sobre as quais as desigualdades de raca, géneto € as desigualdades de classe sio evidentes. Fora dos Estados Unidos, as discussdes centiaram-se sobre a necessidade de atentar-se ao imperialismo, i colonizacio ¢ outras formas locais e globais de esttatificacdo, que emprestam peso 2 afismacto de que 0 génexo nio pode ser abstraido do contexto social e outros sistemas de hierarquia Neste artigo, gostasia de acrescentar outta dimensio para as razdes pelas quais 0 género nio deve ser tomado por seu valor nominal ¢, especificamente, para articular uma critica Afticana, Em primeiro lugar, explorarei as fontes originais dos conceitos feministas que sto. 0 esteio da pesquisa de género. Gostaria de sugerir que os conceitos feministas estio ensaizados sobre a familia nuclear. Esta instituicio social constitui a propria base da teoria feminista e representa o veiculo para a articulacio de valores feministas. Isto é, apesar da crenca generalizada entre as feministas que seu objetivo é subvester esta instituicio dominada pelos homens ¢ a cxenca entre os detuatores do feminismo que o feminismo é anti-familia. Apesar do fato de que © feminismo tomou-se global, é a familia nuclear ocidental que fomece o fundamento para grande parte da teoria feminista. Assim, os txés conceitos centrais que tém sido os pilares do. feminismo, mulher, géneso ¢ soxoridade, sdo apenas inteligiveis com atencio cautelosa & faumia nuclear da qual emergicam. Além disso, algumas das questdes mais importantes e debates que animaiam pesquisa de géneto nas tiltimas trés décadas fazem mais sentido, uma vez que o grat em que eles estio entrincheirados na familia nuclear (que é uma configuragio institucional e espacial) é analisado. O que é a familia nuclear? A familia nuclear é uma familia generificada por exceléncia. Como LJ ‘uma casa unifamiliar, é centrada em uma mulher subordinada, um marido patciarcal, ¢ as filhas ¢ filhos. A cstrutuza da familia, conccbida como tendo uma unidade conjugal no centro, presta- se & promocio do género como categoria natural e inevitivel, porque dentro desta familia nto esistem categorias transversais desprovidas dela, Em uma familia genezificada, encabecada pelo macho ¢ com dois genitores, o homem chefe ¢ concebide como ganhadox do pio, c o feminino est associado ao doméstico ¢ ao cuidado, A socidloga feminista Nancy Chodorow nos dé um telato de como a divisdo sexual do trabalho na familia nuclear, em que mulheres exercem a maternagem, configuca diferentes trajet6rias psicolégicas de desenvolvimento para fillos ¢ fillaas «, finalmente, psoduz sexes com génezo e sociedades geneuificada, De acordo com Chodosow: A divisio do trabalho familiar em que as mulheres exercem @ maternagem da sentido social ¢ histético especifico para o génexo em si. © engendramento de homens ¢ mulheres com personalidades, necessidades, defesas ¢ capacidades patticulates ctia condicées € contribui para a reproducio dessa mesmna divisto do trabalho, Assim, 0 fato de as mulheres serem mies inadvertidamente inevitavelmente se seprodua. (1978: 12) Distinedes de génexo sto fundantes do estabelecimento € fincionamento deste tipo de familia, Assim, 0 génexo € o principio organizador fundamental da familia, € as distincdes de género sfo a fonte primitia de hierarqnia e opressio dentro da familia nuclear. Da mesma forma, a mesmice de génexo é a principal fonte de identificaciio ¢ solidaiedade neste tipo de familia Assim, as fillas se auto-identificam como mulheres com sua mie e irmis, Haraway, por sta vez escreve: “O casamento encopsulan e reprodusi relarae antaginica de dois gropes socais coerentes, bontens ¢ mulheres" Haraway 1991: 138). A familia nuclear, porém, é tuma forma especificamente euro-americana; nfo é universal ‘Mis especificamente, a familia nuclear continua a ser wma forma alicnigena na Aftica, apesar da sua promocio pelos Estados colonial e neocolonial, agéncias intemacionais de (cub)desenvolvimento, oxganizacdes feministas, oxganizacdes mio-governamentais (ONGs) contemporineas, entre outros. A configusacio espacial do agsegado familiar nuclear como um espaco isolado & findamental para a compreensio de categosias conceituais feministas. Nao é de se suxpreender que a nogio de feminilidade que emerge do feminismo euro-americano, que esti enraizada na failia nuclear, € © conceito de esposa, uma vez que, como Mixiam Johnson coloca, [Nas sociedades ocidentais] “a relacio de matrimonio tende a sera relaio nuclear de soldariedade adultae, coma ta, fae com que a pripria definicto de mulber se tomne a definigto de esposa:” (19:40) Porque a categoria "esposa” est enraizada na familia LJ Em grande parte da teoria feminista branca, a sociedade € sepresentada como uma familia nuclear, composta por um casal ¢ suas/sens fillhas/os. Nao ha lugar para outros adultos, Para as mulheres, nesta configuiagio, a identidade esposa é totalmente uma definicao; outros selacionamentos so, na melhor hipétese, secundizios. Parece que a extensio do universo feminista é a familia nucleax. ‘Metodologicamente, a unidade de andlise € 0 lar da familia nuclear, 0 que, teoricamente, entio, xeduz mulher & esposa. Porque 1aca € classe nfo sio noumalmente vatiéveis na familia, faz sentido que o feminismo branco, que esta preso na familia, nfo veja raga on classe, Assim, a categoria fundamental da diferenca, que aparece como um universal a pastic dos limites da familia nuclear, é 0 género. A mulher no centio da teoria feminista, a esposa, nunca fica fora do domicilio. Como tm caracol, ela carrega a casa em torno de si mesma. O problema nio é que a conceituagio feminista comece com a familia, mas que ela munca transcenda os estreitos limites da familia nuclear. Consequentemente, sempre que mulher est ptesente, toma-se a esfexa privada da suboxdinacio das mulheres. Sua propria presenca define- como tal Ao teorizar a pastix do espaco confinado da familia nuclear, niio € de se estuanhar que as qnestées de sexualidade automaticamente vém 3 tona em qualquer discussio de génexo. Mesmo uma categoria como mie nfo ¢ inteligivel para o pensamento feminista branco, exceto se a mie ¢ inicialmente definida como esposa do patriarca. Patece nto haver compreensilo do papel de mie independente de seus lagos sexuais com um pai. Mies sio, antes de tdo, esposas. Esta é a tinica explicagio para a popitlaridade do seguinte paradoxo: mie solteira. A pastir de uma perspectiva afticana e como uma questio de fato, mies por definigfo nto podem ser solteicas, Na maioria das culturas, a matemidade é definida como uma relacio de descendéncia, nio como uma relacio sexual com um homem, Dentro da literatura feminista, a materidade, que em muitas outras sociedades constitu a identidade dominante das mulheres, esti subsumida a sex esposa. Porque mulher é um sindnimo de esposa, a proctiacio ¢ a lactacio na literatua de género (tradicional ¢ feminista) sto geralmente apresentadas como paste da divisio sexual do trabalho. A fosmacio de casais pelo casamento esté assim constituida como a base da divisio social do tabalho. A socidloga feminista Nancy Chodorow argumenta que mesmo uma erianca experimenta a sua me como um ser genesificado ~ esposa do pai ~ 0 gue tem implicacées profindas no que diz respeito ao desenvolvimento psicossocial de filhos ¢ filhas. Ela suniversaliza a experiéncia da matemnidade nuclear € toms-a como um dado humano, estendendo LJ assim os limites desta forma euro-americana muito limitada para outras cultucas que tém diferentes organizacdes familiares. A familia Toruba nao-generificada AAté este ponto, mostrei que os conceitos feministas emergizam da légica da familia nuclear patiiarcal, uma forma de familia que est universalizada de fouma inadequada. Nesta secio, desenhando a partir da minha propria pesquisa sobre a sociedade Iorubs do sudoeste da Nigésia, en apresento um tipo diferente de organizacio familias. A familia Torubs tradicionsl pode sex desciita como uma familia ndo-genetificada. E nlio-geneziticada porque papeis de pparentesco ¢ categorias nao so diferenciados por género. Entio, significativamente, os centros de poder dentro da familia sio difusos € nao sio especificados pelo géneso. Porque o principio organizador fundamental no seio da familia é antiguidade baseada na idade relativa, e niio de género, as categorias de parentesco codificam antiguidade, ¢ nfo género. Antiguidade é a classificacdo das pessoas com base em suas idades cronolégicas. Dai as palavras eghon, referente a0 itmio mais velho, e abure para o imo mais novo de quem fala, independentemente do género. O principio da antiguidade é dinimico ¢ duido; a0 contuatio do génexo, nfo é rigido on estatico. Dentro da familia Joma, ovo, a nomenclatnsa para a crianga, é melhor tradnzida como prole. Nio ha palavras que denotem individualmente menina ou um menino em primeira instincia, No que diz respeito As categorias de marido ¢ esposa dentro da familia, a categoria ok, qne nommalmente é registrada como 0 macido em Inglés, nio € especificada por géneso, pois abrange ambos machos e fémeas. Ihave, registrada como esposa, em Inglés refere-se a fémeas que entcam na familia pelo casamento. A distingio entre oko € jane nio é de género, mas uma distincio entre aqueles que sio membros de nascimento da familia ¢ os que entram pelo casamento. A distincio expressa uma hierarquia em que a posicio oko é superior a iyane. Esta hierarquia no é uma hierarquia de génexo, porque mesmo o£o fémea so superioxes a pane fémea. Na sociedade em geral, mesmo na categoria de iyaue inclui homens ¢ mulheres, em que os devotos dos Ozixis (divindades) sio chamados jyavo Orisa. Assim, os relacionamentos sio fluidos, ¢ papéis sociais, situacionais, continuamente situando individuos em papéis modificativos, hierdrquicos e nao hiesirqnicos, contestuais que sio. O tabalho da antropéloga social Niara Sudazkasa sobre as cazacteristicas contuastantes dos sistemas familiares baseados em Africa e formas baseadas na Europa é especialmente esclarecedor. Ela sessalta que a familia auclear € uma familia que tem bases conjugais, que € constiida em tomo de um casal como micleo conjugal. Na Aftica Ocidental (da qual os loruba 6 LJ so uma parte), é a linhagem que se considera como a familia. A linhagem é um sistema familiar baseado consanguineamente, construido em torno de um micleo de inmios ¢ imis por relacdes de sangue. Ela explica Apés © casamento, os casais nosmalmente nio estabeleciam familias separadas, mas sim se juntavam ao composto familiar da noiva ou do noivo, dependendo das regras vigentes de descendéncia. Em uma sociedade em que a descendéncia é patsilinear, o gmupo ptincipal do composto consistia de um gmupo de immios, algumas irmis, seus filhos adultos © netos. O micleo da unidade co-residencial era composto de parentes de sangue. Os cénjuuges sio conside1ados pessoas de fora e, poxtanto, mio parte da feuiia [guito da autoxa} (1996: 81) No caso Tomb, todos os membros da linhagem sio chamados omo.ilee sto classiticados individualmente por ordem de nascimento. Todas as fémeas que adentiam pelo casamento sto conhecidas como juan ie sio classificadas por ordem de casamento. Individualmente, um e- ile ocupa a posicio de oko em relacio A pave que chega. Esta elacio insider-outsider esti sangueada, com o insider sendo 0 idoso psivilegiado. O modo de recmatamento para a linhagem € a difexenca crucial — nascimento pata oko e casamento pata jane. Se havia um papel-identidade que definia fémeas era a posigio de mae. Dentto da casa, os membros sio agmapados em tomo de diferentes unidades mie-filhas/os descritos como omoya, literalmente, irmios filhos de uma mesma mée-ventre. Por causa da matrifocalidade de muitos sistemas familiares afiicanos, a mie é 0 eis em tomo do qual as relacdes familiares sio delineadas ¢ organizadas. Consequentemente, o”g)a é a categoria comparivel na cultura Toruba A irmi nuclear na cultura enro-americana branca. A relacio entre irmios de ventre, como aquela das iamis da familia nucleas, é baseada em uma compteensio de intexesses comuns nascidos de uma experiéncia compartilhada, A sxpetiéncia partilhada definidora, que une os oma em lealdade ¢ amor incondicional, é o ventre da mie. A categoria omoya, diferentemente de itm’, tuanscende o génezo. Omeya também transcende a casa, porque primos matrilaterais sio considerados como inmfos de ventre, ¢ sio percebidos como mais préximos sans dos outros do que inmios que compartilham 0 mesmo pai e que podem mesmo viver na mesma casa. Omoya localiza uma pessoa dentro de um agmapamento reconhecido socialmente, ¢ ressalta a importincia dos lagos entre mie ¢ filha/o ao delinear e ancorar o lugar de uma crianca na familia; assim, estas relacdes sio primétias, privilegiadas, e devem ser protegidas acima de todas as outras. Além disso, ogy sessalta a importincia da matemidade como instituicio ¢ como experiéncia na cultura LJ O Desafio de conceituagdes africanas A dificuldade da aplicacto de conceitos feministas pasa expressar e analisar as xealidades afiicanas € 0 desafio central dos estudos de género afticanos. O fato de que as categorias de ginexo ocidentais so apresentedas como inetentes 4 natureza (dos coxpos), ¢ operam numa dualidade dicotémica, binariamente oposta entue masculino/feminino, homem /mulher, em que © macho € presumido como superior ¢, portanto, categoria definidora, é particularmente alienigena a muitas culturas afticanas. Quando ealidades afticanas sto interpretadas com base nessas alegagdes ocidentais, 0 que encontiamos sto distorcdes, mistificagdes linguisticas € imiuitas vezes uma total falta de compreensio, devido & incomensurabilidade das categorias € instituigSes sociais. Na verdade, as duas categorias basicas de mulher e género demandam repensar, dado o caso Torubé apresentado acima, e, como argumentei em meu livro Tbe Invention of Women: Making an African Sence of Western Gender Discourses. Esctitos de outras sociedades afiicanas sugerem problemas semelhantes. Seguem alguns exemplos. A antropéloga social Ii Amaduime escxeve sobre filltas do sexo masculino, matidos fémeas, € a instituicio do casamento de mulheres na sociedade Igbo (Amaduime 1987). Essas concepcées confindem a mente ocidental ¢, portanto, no deveriam ser aprisionadas pela moldura interpretativa feminista. No romance Nenwus ConditionTsitsi Dangaembga, escrevendo em um contesto Shona, discute os privilégios do que ela chama de "status patriarcal” a Tia Tete, tima personagem da historia: "Agora, este tipo de trabalho era trabalho de mulheres, e das treze mulheres lé, minha mie e Lucia eram um pouco incapacitadas — com Tete tendo status patriarcal, nfo se esperava que fizesse muita coisa". (1989: 133) Compreendemos que Tia Tete € uma mulher, mas tem "status patriarcal", que a isenta do trabalho de mulher. Emerge entio a questio de como a categoria "mulher" é constituida na sociedade Shona. Quem, entio, é 2 mulher que faz 0 twabalho das mulheres? © que significa tudo isso dentro da oxganizacio social da sociedade? Da mesma forma, Sekai Nzenza Shand, escrevendo sobre sua familia Shona em seu livro de meméxias Songs fom av Aiea sanset, descreve a selacio superior de sua mie pata com os vasdes assim: Em sua aldeia de solteira, minha mie e:a visto como a grande tia, ou um homem honoririo; os vardes de1am-lhe 0 espeito devido a um pai, e minha mie poderia comandé-los como desejasse. Eles, poxtanto, vieram 4 aldeia de sett “marido” para apoid-la em lato (1997: 19). A mie de Nzenza Shand é um homem (ainda que um homem honoritio)? O que isso significa?) Voltando a Africa Ocidental, o linguista ganés, Kwesi Yankah em sua monografia sobre os Okvane ~ posta-voz de chefes Akan - ele fez a seguinte observacio: "um Odyeane tradicionalmente referide como o obene yere, esposa do chefe - ¢ geralmente aplicado a todos Odjeame, se em posicdes de nomeagio governamental ou hereditirias" (1995: 89). Ele explica: "mesmo em casos em que um chefe fémea € seu O£yame é macho, o akyeame ainda é esposa, © 0 chef, marido” (89), Esse entendimento confiande claramente a compreensio ocidental generificada em que o papel social "esposa" € inezente ao corpo feminino. Finalmente, a historiadora Edna Bay, escrevendo sobre o reino de Dahomey, afitma: © tei também se casava com homens. Aitesiios proeminentes e lideres talentosos de areas recém conquistadas eram integrados aos Dahomey através de lacos com base no idioma do casamento. Junto a eunncos ¢ mulheres do palacio, tais homens eram chamados de ahosi. Ahosi do sexo masculino tiaziam familias consigo ou ganhavam mulheres e escravos para estabelecer ‘uma linhagem. (1998: 20) A categoria "mulheres do palécio" mencionada na citacio nio inclui as filhas da linhagem. As fémeas nascidas na linhagem ficam com seus irmios na categoria de membros da linhagem, um agrupamento que detiva do local de nascimento, Esses fates reforcam a necessidade de submeter a categoria "amulles" a uma analise mais aprofandada, e de privilegiar as categorias e interpretacdes destas sociedades afticanas, Estes exemplos africans apresentam varios desafios aos universalismos injustificados de discursos de género feministas. A partir dos casos apresentados, toma-se Sbvio que estas categotias sociais afticanas sio fluidas. Elas nio se basciam no tipo de corpo, ¢ 0 posicionamento é altamente situacional. Além disso, a linguagem do casamento, que é utilizada para classificacio social, freqnentemente nfo é, a principio, sobre género, como interpretacées feministas da ideologia ¢ organizacio familiar poderiam sugerir. Em outro momento, argumentel que © idioma casamento/ familia em muitas cultuas afticanas é uma maneiza de desctever telacdes patrono/cliente, que pouco tém a ver com a natureza dos corpos humanos. Andlises e interpretagio de Aftica devem comecar a partir de Africa. Significados & intexpretagdes devem detivar da orgenizacio social ¢ das velacdes sociais, prestando mnita atengio aos contextos cultntais e locais especificos. Referéncias Amadiume, Ili, (1987). Male Daughters, Female Husbands: Gender and Sex in an African Society. London: Zed Press. Bay, Edna (1998). Wives of the Leopard: Gender, Politics, and Culture in the Kingdom of Dahomey.Charlottesville, University of Virginia Press. Chodorow, Nancy. 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