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Diálogos de Cidadania

Direitos e Políticas Públicas para mulheres LBT

Bom dia, gostaria de agradecer a oportunidade de participar dessa pauta, sobretudo


para falar de políticas públicas para mulheres travestis e transexuais. Estar em uma
discussão sobre direitos e políticas para mulheres e sendo travesti é extremamente
importante e fortalecedor daquilo que nós pessoas trans viemos lutando há anos:
legitimidade, credibilidade e seriedade para com a nossa existência.

Eu vou me dar a permissão de ler a minha fala que articulei uns pontos que quero
expor de forma mais objetiva, espero que seja o mais elucidativo possível.

Bom, a minha formação é na área das ciências sociais e tenho realizado pesquisas na
área de gênero e sexualidade com recorte para a população trans. Direitos e políticas
públicas não são as frentes que tomam as minhas pesquisas, mas circundam de forma
significativa, pois são questões que nos atravessam diariamente.

Falar de políticas publicas para mulheres LBT é algo bem interesse porque isso nos
diz algo grave: as políticas publicas voltadas para mulheres não são o suficiente, não
conseguem atender a demanda, e por isso temos que criar especificidades para
atender essa população que historicamente é marginalizada e estereotipada.

Eu venho da academia, mas a minha realidade não reflete a realidade da maior parte
das mulheres trans, isso porque elas, em sua maioria, não conseguiram concluir o
ensino básico e se encontram em trabalhos informais, sobretudo na prostituição. Mas
enquanto travesti também vivencio, com certo privilégio, algumas mazelas que nos
afetam diariamente.

Pensar políticas públicas para pessoas trans não é fácil porque infelizmente existem
muitas barreiras morais que tentam se sobressair aos direitos civis, mas é obrigação
do poder público zelar por essa população também, não só porque pagamos impostos,
geramos receita, mas porque temos o direito enquanto seres humanos, enquanto
sujeitos, enquanto sociedade.

O CENTRHO - Centro de Referência em Direitos Humanos, Prevenção e Combate à


Homofobia junto a AGEPEN - Agência Estadual de Administração do Sistema
Penitenciário realizam uma ação muito importante nas unidades prisionais levando
palestras, dia de ação especial para a população LGBT como um todo encarcerada.
Essa é uma pauta importante, pois, esses sujeitos trans confinados tendem a ter uma
outra perspectiva de vida com essas ações que, em grande medida, trazem a
dignidade de volta e apontam um outro caminho que passa pelo respeito.
Algumas políticas já têm sido implementadas há algum tempo como a de respeito ao
nome social, ao gênero, retificação do nome, aplicação da lei Maria da Penha para
mulheres trans, e são ótimas propostas, mas algumas delas sem muito efeito na
prática. Isso se aplica principalmente ao nome social e o gênero. Os órgãos públicos
têm a obrigação de atender às pessoas trans pelo seu nome social, mas infelizmente
não é o que acontece.
Durante os anos de 2015 a 2018 realizei estágio através do programa Vale
Universidade que era articulado pela SEDHAST) e raras foram as vezes que meu
gênero e nome foram respeitados (nos contatos mensais com as assistentes sociais
para falar sobre o andamento do estágio, entrega de fichas etc.).
Então, em uma secretaria que deveria prezar pelos Direitos Humanos era aonde eu
mais me sentia desrespeitada. O mais interessante é que todas as vezes que eu
comparecia na Sedhast tinha um cartaz informando sobre respeito aos LGBT.
Com isso fica evidente que uma política pública não pode ser apenas assinada e
banernizada, infelizmente eu preciso dizer que banner, cartaz, folheto geralmente não
salva a vida de uma travesti e não faz com que as demais pessoas nos respeitem. É
preciso uma coisa bem simples: capacitação. Essa capacitação acredito ser a melhor
política pública para pessoas trans, ensinando os profissionais a atender pessoas
trans de forma respeitosa.

E isso, no que tange as mulheres trans é imprescindível, pois, em muitos casos


quando essa população é abordada por policiais/guardas municipais nem sempre
existe uma abordagem respeitosa, isso é uma demanda de muitas meninas que estão
em situação de prostituição, mas não somente. Nas delegacias ao registrar um
Boletim de Ocorrência o mesmo acontece, o desrespeito ao nome social e uma
abordagem que tenta culpabilizar a vítima é preponderante.

Outro ponto crítico é o atendimento psicossocial do CENTRHO, inclusive, essa é uma


pauta que tem sido batida pelo FORUM LGBT MS porque muitas pessoas trans que
recebem um atendimento primário são remanejadas para entidades como a Casa
Satine, a ATMS, o IBRAT. A Casa Satine é quem mais tem atendido essa população,
pois conta com a ajuda de muitas e muitos parceiras e parceiros que colaboram
prestando atendimento psíquico, mas é grave a falha do CENTRHO de não atender
essa demanda. Essa inclusive é uma reclamação de muitas trans que não tem
acompanhamento, atendimento adequado. E aqui a gente não fala em desrespeito a
pessoa trans por ser trans, mas do não atendimento necessário e primordial para essa
população, sobretudo mulheres trans vítimas de alguma violência doméstica, de
familiares.

Pensando na população trans como seres que estão fora de uma norma social, toda e
qualquer solicitação de suporte é questionada e quando atendida é feita de forma
ojerizada, isso porque o contato com a realidade trans, os estímulos que conhecemos
estão sempre contra essa população. É preciso recriar estímulos positivos.
Acredito que criar estímulos positivos seja na parte educacional/profissional. Aqui não
temos muitas políticas que fazem com que pessoas trans possam frequentar cursos
de capacitação e eu não estou necessariamente dizendo que o poder público tem que
fazer isso ou aquilo, na verdade, a ideia seria apoiar quem já faz. Temos diversas
ONGs que trabalham com trans, aqui mesmo no estado temos a ATMS (Associação
das Travestis e Transexuais de Mato Grosso do Sul) que trabalha majoritariamente
com mulheres trans com pautas de saúde, empregabilidade, projetos sociais diversos.

Uma ideia importante seria valorizar as nossas ONGs, fomentando projetos que estão
em andamento ou estimular que outros sejam criados, o mais interessante disso é que
em sua maioria, essas ONGs trabalham com a população trans, ou seja, coloca-se
pessoas trans para lidar com outras pessoas trans, fazendo circular conhecimento e
experiências que podem futuramente servir para o mercado de trabalho e estimular
escapes da margem social.

Um questão muito importante é quanto a dados. Nós conseguimos em alguma medida


mapear mulheres que sofrem alguma violência doméstica, mas e as mulheres LBT?
Como estão o levantamento e processamento de dados para essa população?
Quantas mulheres LBT tem no estado, aonde se concentram? A gente só vai
conseguir atender essa população com mastreia se conhecermos ela e uma das
formas é fazendo mapeamentos, investindo em pesquisas.

O quantitativo de dados que temos é de votos com o uso do nome social em 2018 que
é de 6.280 pessoas. Aqui no Centro Oeste o número é de 475 pessoas. É um número
muito abaixo da realidade, pois, grande parte da população não conseguiu solicitar o
nome social. Muitas se quer sabiam da possibilidade, então o número é muito
superficial.

Segundo o INEP, no Enem de 2019, 5,1 milhões de pessoas se inscreveram no


ENEM, dessas apenas 394 solicitaram o uso do nome social. Isso é grave. É uma
representação muito baixa desse público buscando o ENEM com o nome social.
Nesse sentido, vale a pena destacar o projeto da ANTRA com o projeto
TransEducação que está oferecendo vagas para curso preparatório para o ENEM para
trans de diversos lugares do Brasil. Essa é uma pauta importante: reforço da
educação, investimento em capacitação para que essas pessoas possam futuramente
conquistar espaços e ter outras trajetórias de vida para além da margem.

Considero levar em apreço a capacitação de diversos setores, sobretudo os que não


atendem diretamente a pauta e investir em projetos sociais no campo da
educação/profissionalização, saúde e segurança. E isso principalmente aliando-se às
diversas ONGs, instituições que já tem um engajamento com a população.

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