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ATUALIZACAO FRANCISCO BRAGA Direito CONSTITUCIONAL grifado 12 edigao = MATERIAL DE ATUALIZAGAO N° 01/2021 Atualizado até a EC 111/2021 eo Informativo n° 1032 do STF | EDITORA JuPODIVM www edlitorajuspodivm.com br ATUALIZAGAO | Direito Constitucional Grifado - Francisco Braga <> MENSAGEM DO AUTOR Prezado leitor, Prezada leitora, Gostaria de lhe dar as boas-vindas ao material de atualizacéo perid- dica do nosso Direito Constitucional Grifado. O objetivo aqui é muito sim- ples: fazer com que, ao longo do ano, a edigao do livro adquirida por vocé permanega atualizada, tal qual estava no momento do seu langamento. A metodologia utilizada aqui é exatamente a mesma adotada no li- vro, inclusive (evidentemente), quanto aos grifos. Assim, tudo que vocé encontra no livro também encontrara aqui: linguagem didatica e objeti- va, contetido aprofundado, trechos previamente grifados para facilitar a revisdo da matéria e possibilitar diferentes estratégias de estudo, ausén- cia de notas de rodapé e inclusao dos dispositivos legais e constitucio- nais e dos trechos das decisdes eventualmente comentados. Espero que essas atualizagdes periddicas sejam Uteis e que, assim, vocé nao tenha mais dificuldade para se manter em dia no estudo do Direito Constitucional. Bons estudos! Francisco Braga AATUALIZAGAO || Diteto Constitucional Grfado Francisco Braga SUMARIO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE. CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE REALIZADO POR TRIBUNAL DE CONTAS... CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE POR moLacho ‘ANORMA DE REGIMENTO INTERNO DE CASA LEGISLATIVA A LEGITIMIDADE ATIVA PARA © CONTROLE CONCENTRADO ABSTRATO PERTENCE ‘AO ORGAO, CARGO OU ENTIDADE, NAO A PESSOA QUE 0 OCUPA. CAPACIDADE POSTULATORIA PARA O AJUIZAMENTO DE ADI E PROCURAGAO COM PODERES ESPECIFICOS ADI: EFEITO REPRISTINATORIO INDESEJADO E IMPUGNACAO DE NORMAS ANTE- RIORES A CONSTITUICAO. ADITAMENTO DA PETIGAO INICIAL DA ADI PARA INCLUIR OUTROS DISPOSITIVOS NA IMPUGNACAO. ALTERAGAO DO OBJETO DA ADI NO CURSO DA Ashok E NECESSIDADE OU NAO DE ADITAMENTO DA PETICAO INICIAL.... . CONTROLE CONCENTRADO ABSTRATO EMt AMBITO ESTADUAL... £ Lei Organica Municipal como paradigma de controle : | Paricpagio do Poder Legislativo... O tol de legitimados ativos pode ser maior do que o rol de legitimados ativos para o controle concentrado abstrato perante o STF?... DIREITOS FUNDAMENTAIS NA CF/88.. IGUALDADE (ART. 5°, “CAPUT” E I, CF/88).. A questdo do prazo decadencial para a anulacao de atos administrativos... Fixagao de prazos distintos para a licenga-maternidade de acordo com a natureza da filiaga0 F Candidatos spotadoes de deficiéncia em provas fisicas de concursos publi os... LIBERDADE RELIGIOSA (ART. 5°, VI, CF/88). LIBERDADE PROFISSIONAL (ART. 5®, Xl, CF/88)... DIREITOS POLITICOS EMENDA CONSTITUCIONAL Ne 11/2021 ! Consultas populares nas campanhas eleitorais municipais.. 10 u 3 7 19 23 24 24 26 28 31 31 31 36 36 37 38 44 BR ATUALIZAGAO | Direito Constitucional Grifado - Francisco Braga Infidelidade partidaria: nova hipétese de justa causa para a desfiliacdo do 2 partido Data da posse do Presidente da Repiiblica e dos Governadores de Estado ‘Computo em dobro dos votos obtidos por mulheres e negros para fins de E acesso ao fundo partidério e ao Fundo Especial de Financiamento de Campa- nha (FEFC). Regras sobre incorporacao e alteragao estatutéria dos partidos politicos... | ORDEM ECONOMICA E SOCIAL ... DIREITO A SAUDE. Possibilidade de se exigir judicialmente a aplicagao dos recursos minimos E que devem ser destinados as aces e servicos puiblicos de satide. ! Fornecimento de medicamento nao registrado na ANVISA, mas com impor- Ftagdo autorizada vcvcnnnnnininsnnnnnnnnn DIREITO A EDUCAGAO.. . sn Lei estadual que incluio pagamento de pessoal inativo nas despesas com E manutengdo e desenvolvimento do ensin0 suum } Ampliagéo da autonomia universitaria em ambito estadual. |_ REMEDIOS CONSTITUCIONAIS .. IMPETRAGAO DE“HABEAS CORPUS" PARA ASSEGURAR DIREITO DE MANIFESTACAO EM LOCAL DE VACINACAO. | ORGANIZACAO DO ESTADO ... OPERACOES FEDERATIVAS ENVOLVENDO MUNICIPIOS .. VEDAGOES CONSTITUCIONAIS AS ENTIDADES FEDERADAS: PROIBICAO DECRIAREM DISTINGOES ENTRE BRASILEIROS OU PREFERENCIAS ENTRE SL... . | REPARTICAO CONSTITUCIONAL DE COMPETENCIAG...... COMPETENCIA PARA LEGISLAR SOBRE ORGANIZACAO E REGIME JURIDICO DA POLICIA CIVIL DO DISTRITO FEDERAL o o ANALISE DA JURISPRUDENCIA DO STF | PODER LEGISLATIVO... 7 ELEICAO DOS MEMBROS DAS MESAS DIRETORAS DAS ASSEMBLEIAS LEGISLATIVAS: O-ART. 57, § 4°, DA CF/88 E NORMA DE OBSERVANCIA OBRIGATORIA? POSSIBILIDADE DE CONTROLE JUDICIAL DOS REQUISITOS E PRESSUPOSTOS PARA A INSTAURAGAO DE UMA COMISSAO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI) (IM)POSSIBILIDADE DE CPI CONVOCAR GOVERNADOR DE ESTADO PRERROGATIVA DE FORO DE MEMBRO DO MINISTERIO PUBLICO SEGUNDO 0 ST) 45 47 49 50 52 52 52 53 56 56 59 68 68 69 n 73 2 78 91 1 95 97 103 AATUALIZAGAO || Diteto Constitucional Grfado Francisco Braga FORO POR PRERROGATIVA DE Funcho DE PARLAMENTAR FEDERAL EM CASO DE MANDATOS CRUZADOS ve PRERROGATIVA DE FORO EM AMBITO ESTADUAL... FORO PORPRERROGATIVA DEFUNCAO DE DEPUTADO ESTADUALEACOMPETENCIA DO TRIBUNAL DO JURI: STI VS. STF... VINCULAGAO REMUNERATORIA ENTRE DEPUTADOS ESTADUAIS E DEPUTADOS FEDERAIS... VEDACAO DE PAGAMENTO DE INDENIZAGAO A PARLAMENTARES EM VIRTUDE DE CONVOCACAO EXTRAORDINARIA..... - PROCESO LEGISLATIVO... Iniiativa privativa do Chefe do Poder Executive, A apresentagao de nova proposigéo durante uma tramitacao legislativa € apta a sanar vicio de iniciativa (Lei da Autonomia do Banco Central)?.. Simetria no processo legislativo orgamentario Observancia da ordem cronolégica na apreciacao das medidas provisérias.... } Edigao de medida proviséria no mesmo dia em que o Presidente da Reptbli- } ea sanciona ou veta projeto de lei de contetido semelhante... Apreciacio das medidas provisérias por meio de deliberacao remota durante a pandemia de COVID-19.. PODER EXECUTIVO .. (IN)EXISTENCIA DE PRAZO PARA ANALISE DE PEDIDO DE INSTAURAGAO DE"IMPE- ACHMENT" CONTRA O PRESIDENTE DA REPUBLICA. (IN)EXISTENCIA DE DIREITO A APRECIACAO DE PEDIDO DE INSTAURACAO DE "iM- PEACHMENT" CONTRA O PRESIDENTE DA REPUBLICA REGULAMENTAGAO DA ELEIGAO INDIRETA PARA O PODER EXECUTIVO ESTADUAL EM CASO DE DUPLA VACANCIA..... se PODER JUDICIARIO CONTROLE DE QUALIDADE EXTERNO DOS SERVICOS PRESTADOS PELO PODER JUDICIARIO TEMPO DE SERVICO PUBLICO COMO CRITERIO DE DESEMPATE PARA PROMOGAO NA MAGISTRATURA sonnei se FUNCOES ESSENCIAIS A JUSTICA .. OS FUNDOS DE MANUTENGAO E APARELHAMENTO DAS FUNGOES ESSENCIAIS A. JUSTIGA (E DO PODER JUDICIARIO) ADVOCACIA PUBLICA ESTADUAL: A UNICIDADE E AS UNIVERSIDADES PUBLICAS.. 105 106 7 119 121 125 125 131 134 135 137 138 143 143, 144 148 152 152 153 156 156 162 ATUALIZAGAO | Diteito Constitucional Grifado - Francisco Braga (_ MINISTERIO PUBLICO..... 164 NORMAS QUE REGEM O MINISTERIO PUBLICO.. wns 164 NORMA ESTADUAL QUE IMPOE AO PROCURADOR-GERAL DEJUSTICA 0 DEVER DE PRESTAR INFORMACOES A ASSEMBLEIA LEGISLATIVA, vn 168 GARANTIAS DO MINISTERIO PUBLICO. 170 } Autonoma financeira e orgamenttia vnnnsnnennnnnnnnncnnnnnnnsinnnens — 170 |_ SEGURANCA PUBLICA... 174 (IM)POSSIBILIDADE DE LEI CONFERIR AUTONOMIA A POLICIA CIVIL.... 174 INICIATIVA LEGISLATIVA DE NORMAS QUE TRATAM DA. ORGANIZAGAO EDO FUN- CIONAMENTO DA POLICIA CIVIL... 176 FIXACAO, DO SUBSIDIO DE DELEGADO DE POLICIA EM 90,25% DO. SUBSIDIO DE MINISTRO DO STF... sss cvs hoes 177 | pOvipas Dos LEITORES 180 RESPONSABILIZACAO DE JAIR BOLSONARO ENQUANTO DEPUTADO FEDERAL: O STJ REALMENTE CONTRARIOU O STF? werner 180 [ATUALIZAGAO | Direito Constitucional Grifado + Francisco Braga CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE REALIZADO POR TRIBUNAL DE CONTAS Conforme vimos nas paginas 220 e seguintes do livro, a doutrina aponta a realizacao de controle de constitucionalidade por Tribunal de Contas (notadamente, pelo Tribunal de Contas da Unido) como uma hipé- tese de controle de constitucionalidade repressivo politico. Durante muito tempo, o Supremo Tribunal Federal admitiu a possi- bilidade de o TCU realizar o controle de constitucionalidade, desde que 0 fizesse no exercicio de suas atribuicdes regulares, e esse entendimento foi (e continua até hoje) estampado na Stmula n° 347 da Corte, mas aca- bou sendo superado recentemente. Como assim? ASGmula 347 do STF, de 13/12/1963, até hoje ndo revogada expres- samente, diz que “o Tribunal de Contas, no exercicio de suas atribuicées, pode apreciar a constitucionalidade das leis e dos atos do poder publico”. Por conta desse enunciado, sempre foi tido como certo, de maneira mais ou menos uniforme na doutrina, que o TCU nao poderia exercer con- trole abstrato de constitucionalidade (0 que sé pode ser feito pelo STF), mas poderia, nos casos submetidos ao seu julgamento, isto é, nas contas que estivessem sendo julgadas, realizar um controle concreto de consti- tucionalidade. Ou seja, essa simula sempre permitiu que, no desempe- nho de suas fungées, o Tribunal de Contas realizasse controle concreto incidental de constitucionalidade. Esse controle, portanto, nos termos da Sumula 347/STF, permitia ao TCU julgar, incidentalmente, a constitucionalidade das leis e dos atos normativos do poder pUblico. Para alguns autores, no entanto, mesmo amparado por esse enunciado sumular, o TCU nao poderia apreciar a constitucionalidade de leis, mas apenas de atos e contratos do poder pt- blico. ATUALIZAGAO | Direito Constitucional Grfado - Francisco Braga Ocorre, porém, que, apesar da existéncia e da permanéncia da SU- mula 347 do STF até hoje, ela nunca esteve livre de criticas. O Min. Gil- mar Mendes, por exemplo, ja entendia que ela, editada anteriormente 4 CF/88, era ultrapassada e deveria ser revogada. Mas o fato é que esse enunciado nao foi revogado até hoje, o que fez com que sempre fosse cobrado em provas de concursos. No entanto, nessa linha de pensamento critico, o Supremo Tribunal Federal (mais precisamente, 0 Ministro Alexandre de Mores monocrati- camente) vinha, nos Ultimos anos, afastando a aplicagao da sua Simula 347, afirmando que ela, anterior 4 CF/88, ndo se compatibilizaria com a ordem constitucional em vigor, pois apenas 4 Suprema Corte se permite (com exclusividade) realizar controle de constitucionalidade, além de o exercicio desse controle pelo Tribunal de Contas ferir a separacao de Po- deres e o sistema de checks and balances consagrado na Constituigao da Republica. Isso porque a CF/88, ao atribuir ao Poder Judicidrio o desempenho do controle de constitucionalidade, estabelece diversas balizas para que essa tarefa possa ser desempenhada, tais como a clausula de reserva de plenario (a ser observada nos Tribunais), 0 rol restrito de legitima- dos para a instauragéo do controle concentrado abstrato, a exigéncia de maioria absoluta para que a inconstitucionalidade seja declarada etc. Eo Tribunal de Contas nao se submete a nenhuma dessas balizas, de modo que permitir que esse 6rgao realizasse o controle de constitucionalidade causaria verdadeiro desequilibrio, pois possibilitaria o afastamento da presuncao de constitucionalidade das leis e atos do Poder Publico sem as amarras estabelecidas pelo constituinte no contexto do sistema de freios e contrapesos. Segundo o Min. Alexandre de Moraes, se a Constituig¢do da Republi- ca, com a finalidade de proteger a presuncao de constitucionalidade das normas editadas pelos orgaos estatais e a propria separacao de Poderes, estabelece diversas exigéncias para que uma inconstitucionalidade seja reconhecida, permitir que o Tribunal de Contas (que nao se submete a es- sas amarras) declarasse uma inconstitucionalidade seria uma subversao do esquema organizatério tracgado pelo constituinte, pois, a um sé tem- po, representaria usurpacao de funcées do Poder Judiciario (para realizar o controle de constitucionalidade) e do Poder Legislativo (para criar leis). Esse entendimento foi adotado, liminarmente, por exemplo, nos Mandados de Seguranga n°s 35410, 35490, 35494, 35500 e 35836. [ATUALIZAGAO | Direito Constitucional Gifado + Francisco Braga Finalmente, em 13/04/2021, 0 Plenario do Supremo Tribunal Fede- ral realizou 0 julgamento de mérito desses casos e superou a sua SUmula 347, passando a entender, em verdadeira guinada jurisprudencial, que o Tribunal de Contas nao pode realizar controle de constitucionalidade, ainda que no desempenho de suas atribuig6es. Seguindo a linha de raciocinio inicialmente adotada (de forma mo- nocratica) pelo Min. Alexandre de Moraes, o Plendrio da Corte decidiu que a possibilidade de o Tribunal de Contas exercer controle de consti- tucionalidade usurpa a atribui¢ao do Poder Judiciario (especialmente, do STF) de declarar inconstitucionalidade com eficacia para além do caso apreciado (com efeitos erga omnes e vinculantes), pois a decisao da Cor- te de Contas, embora seja tomada em um caso concreto, leva a Adminis- tragao a afastar a aplicagao da lei em todos os demais casos. Um cenario como esse caracteriza, segundo o STF, verdadeira violagdo 4 separacao dos Poderes, ja que o Tribunal de Contas nao possui fun¢ao jurisdicional, que é a funcao estatal incumbida, por exceléncia, do controle de consti- tucionalidade. No julgamento, os Ministros destacaram que a Simula 347/STF foi editada antes da CF/88 e, pelos motivos mencionados acima, nao se com- patibiliza com a ordem constitucional que se encontra em vigor. Apenas para contextualizar 0 novo entendimento firmado pelo STF, € pertinente esclarecer em que consistiram os casos julgados. Tratava- -se de mandados de seguranca impetrados contra decisdes do TCU que vinham reconhecendo a inconstitucionalidade de disposicGes legais que asseguravam 0 pagamento de um bénus de eficiéncia a servidores ina- tivos da Receita Federal do Brasil. Ao adotar essa postura nos casos con- cretos submetidos a sua apreciacao (em especial, nos processos de regis- tro de aposentadoria), o TCU acabava fazendo com que a Administragao Publica aplicasse esse entendimento aos demais casos antes mesmo de serem apreciados (pela Corte de Contas), justamente para evitar proble- mas em sua anilise futura. As decisées do Tribunal de Contas, portanto, embora tomadas por ocasiao da apreciagao de casos concretos, acabavam se projetando para fora desses casos, revestindo-se de uma eficacia erga omnes e vinculan- te, muito se aproximando, inclusive, de um cenario de transcendéncia dos motivos determinantes. Foi desse ponto de vista que o STF analisou a situacao e decidiu afastar o entendimento consagrado na sua Sumula 347. ATUALIZAGAO | Direito Constitucional Grfado - Francisco Braga Assim, atualmente, tendo em vista a adocao desse novo entendi- mento pelo Pleno do Supremo Tribunal Federal, é seguro posicionar-se, em provas, no sentido da impossibilidade de Tribunal de Contas realizar controle de constitucionalidade. No entanto, é importante sempre ter em mente o teor da Sdmula 347 da Suprema Corte, pois nada impede que as bancas examinadoras questionem a respeito desse enunciado (inclusive, sobre a sua literalidade) ou mesmo exijam que se aborde a evolucao ju- risprudencial nesse tema. E interessante notar, por fim, que o raciocinio adotado pelo STF para rejeitar a possibilidade de Tribunal de Contas exercer controle de cons- titucionalidade é semelhante ao que levou a Corte a proibir o desem- penho desse controle pelo CN] e pelo CNMP: por se tratar de érgao nao jurisdicional, nao pode exercer a fiscalizagao da constitucionalidade das leis e dos atos do poder publico. CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE POR VIOLACAO A NORMA DE REGIMENTO INTERNO DE CASA LEGISLATIVA No Tema de Repercussdo Geral n° 1.120 (RE 1.297.884, j. 14/06/2021), o Supremo Tribunal Federal se manifestou sobre a seguin- te questao: é possivel falar em inconstitucionalidade formal de uma lei em virtude de, no seu processo legislativo, ter sido inobservada alguma regra do regimento interno da Casa Legislativa (ou mesmo por ter havido alguma discordancia entre os Parlamentares a respeito da correta aplica- 40 ou interpretacao dessa regra)? Segundo entendeu o STF, nao. De acordo com a Corte, nao cabe ao Poder Judiciario realizar con- trole sobre a aplicacao e/ou interpretacgao de normas internas (como é 0 caso do regimento interno) do Poder Legislativo, sob pena de violacao a separacao dos Poderes. O STF esclareceu que, a menos que haja ofen- sa a alguma norma da Constituico Federal, essa questo (a aplicacao e interpretacdo do regimento interno de um Poder) é interna corporis, nao podendo sofrer a intromissao dos demais Poderes da Republica. Portanto, segundo o Supremo Tribunal Federal, inexiste inconstitu- cionalidade formal (e, consequentemente, nao é possivel haver contro- le de constitucionalidade) por violagao a regra de tramitacao legislativa prevista unicamente em regimento interno de Casa Legislativa. [ATUALIZAGAO | Direito Constitucional Gifado + Francisco Braga Nos termos da tese fixada pelo STF nesse precedente, “em respeito ao principio da separagao dos poderes, previsto no art. 2° da Constitui- ¢Go Federal, quando ndo caracterizado o desrespeito as normas constitu- cionais pertinentes ao processo legislativo, é defeso ao Poder Judicidrio exercer o controle jurisdicional em relagdo a interpretagdo do sentido e do alcance de normas meramente regimentais das Casas Legislativas, por se tratar de matéria interna corporis”. Na verdade, para que seja possivel falar em inconstitucionalidade (seja ela formal ou material), é indispensavel que a norma apontada como violada (isto 6, 0 paradigma de controle) seja uma norma da Cons- tituigdo Federal, de modo que, para o reconhecimento, por exemplo, de uma inconstitucionalidade formal propriamente dita, é necessério que fique caracterizada uma ofensa a alguma norma da CF/88 disciplinadora da tramitagao das proposicgées legislativas, ndo bastando, para tal fim, que tenha sido inobservada (ou incorretamente interpretada) uma nor- ma regimental interna do Poder Legislativo, a qual nem mesmo possui status constitucional, sendo, portanto, incabivel falar em inconstitucio- nalidade em virtude de sua violagao. ALEGITIMIDADE ATIVA PARA O CONTROLE CONCENTRADO ABSTRATO PERTENCE AO ORGAO, CARGO OU ENTIDADE, NAO A PESSOA QUE O OCUPA O art. 103 da CF/88 elenca os legitimados ativos para 0 ajuizamen- to de acao direta de inconstitucionalidade (o que também se aplica as demais acdes de controle concentrado abstrato), nos seguintes termos: “Art. 103, CF/B8. Podem propor a ago direta de inconstitucionalidade e a ago declaratéria de constitucionalidade: 1-0 Presidente da Republica; Il-a Mesa do Senado Federal; Illa Mesa da Camara dos Deputados; IV-aMesa de Assembléia Legislativa ou da Camara Legislativa do Distrito Federal; V- 0 Governador de Estado ou do Distrito Federal; VI- 0 Procurador-Geral da Republica; VIl-0 Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil; Vil- partido politico com representagao no Congresso Nacional; IX - confederagao sindical ou entidade de classe de ambito nacional.” u ATUALIZAGAO | Direito Constitucional Grfado - Francisco Braga A esse respeito, o Supremo Tribunal Federal enfrentou o seguinte questionamento: a legitimidade ativa é do cargo, érgao ou entidade elencado no art. 103 da CF/88 ou da pessoa fisica que o titulariza? A resposta a essa pergunta tem consequéncias praticas. Caso se entenda que a legitimidade é da pessoa fisica que ocupa 0 cargo, 6rgao ou entidade, uma vez proposta, por exemplo, uma ADI e vin- do a ocorrer uma modificacao na titularidade do cargo, 6rgao ou entida- de, a aco fica prejudicada. Da mesma forma, também na hipotese de se entender que a legitimidade é da pessoa fisica, esta nao podera propor a aco caso seja afastada do cargo, 6rgao ou entidade. O que entendeu o STF sobre isso? Na ADI 6728 AgR, julgada em 03/05/2021, o Supremo Tribunal Fe- deral decidiu que a legitimidade ativa para o controle concentrado abs- trato de constitucionalidade é do orgao, cargo ou entidade, e nao da pes- soa fisica que 0 ocupa. No caso especifico julgado pela Corte, o Governador do Estado do Rio de Janeiro havia sido afastado de suas fungdes em virtude de o ST) receber dentncia criminal contra ele e determinar, cautelarmente, 0 seu afastamento do cargo. Apesar disso, ele (o Governador do Rio de Janeiro) ajuizou ADI para requerer que o STF realizasse uma interpretagdo con- forme de dispositivos da Constituigdo do Estado do Rio de Janeiro e do Cédigo de Processo Penal. O STF, no entanto, entendeu que, apesar de o afastamento do cargo decorrer de uma decisao cautelar e ter, portanto, carater temporario, a pessoa afastada fica impedida de, no periodo em que perdurar o afasta- mento, exercer as funges inerentes ao cargo, dentre elas, 0 ajuizamento de a¢gdo de controle concentrado abstrato de constitucionalidade. Nos termos da ementa do acérdao, “o afastamento cautelar de cargo de Go- vernador de Estado, suspendendo o exercicio das fungées publicas res- pectivas, implica a ilegitimidade para a propositura de acdo direta de inconstitucionalidade, na forma do art. 103, V, da Constituigdo da Repu- blica”. Nas palavras utilizadas pelo Min. Edson Fachin (relator) em seu voto, “0 individuo afastado perde, ainda que de forma temporaria, a capacidade de exercer a fun¢ao estatal e se encontra proibido de realizar as competén- cias vinculadas ao cargo. [ATUALIZAGAO | Direito Constitucional Grifado + Francisco Braga Uma vez constatada a existéncia de medida cautelar de afastamento das funcées, em decisdo proferida pela Corte Especial do Superior Tribunal de Justica, inexiste fundamento para que o titular do mandato retenha © poder de expressar a vontade do Estado por meio de acao direta de in- constitucionalidade. (.) Parece-me que a interpretagdo que melhor se coaduna com a Consti- tuigdo da Republica é aquela que, diante de afastamento cautelar no qual se suspendem as relacées entre o ocupante do cargo e o desempenho das fungées correlatas, rejeita, a fortiori, a possibilidade de o Governador afastado propor acdo direta. De uma parte, porque a atribuigao do art. 103, V da CRFB/88 s6 pode ser entendida como componente do feixe de fungées tipicas do cargo e, portanto, alvo da supracitada suspensdo. De outra parte, em virtude do lugar central que ocupa a legitimagdo para a propositura de agées diretas no desenho de nossas instituigées democrati- cas, ndo se pode conceber que esta capacidade seja preservada ao Chefe do Poder Executivo quando outras lhe sdo defesas”. Como se pode extrair dos esclarecimentos do Ministro, a legitimi- dade para o ajuizamento de acao de controle concentrado abstrato de constitucionalidade integra o conjunto de fungdes do cargo, 6rgao ou en- tidade, nao sendo um poder conferido & pessoa fisica que 0 ocupa. Isso fica muito claro no trecho em que afirma que “a atribuicdo do art. 103, V da CRFB/88 sé pode ser entendida como componente do feixe de funcgées tipicas do cargo”. Como consequéncia, quando o titular do cargo, orgéo ou entidade é afastado de suas fungdes ou mesmo perde o vinculo definitivamente, ele fica impedido de ajuizar acdo de controle concentrado abstrato de cons- titucionalidade, e, da mesma forma, o fato de o afastamento das fungées ou a extingdo do vinculo ocorrer no curso de uma acao ja ajuizada nao prejudica o seu julgamento de mérito, ja que a legitimidade ativa nao desaparece por conta disso. CAPACIDADE POSTULATORIA PARA O AJUIZAMENTO DE ADI E PROCU- RAGAO COM PODERES ESPECIFICOS Conforme vimos, o art. 103 da CF/88 elenca os legitimados ativos para 0 ajuizamento de acao direta de inconstitucionalidade. Veja: ATUALIZAGAO | Direito Constitucional Grifado - Francisco Braga “Art. 103, CF/88. Podem propor a acao direta de inconstitucionalidade e a agao declaratéria de constitucionalidade: - 0 Presidente da Republica; Il-a Mesa do Senado Federal; ll-a Mesa da Camara dos Deputados; IV-a Mesa de Assembiéia Legislativa ou da Camara Legislativa do Distrito Federal; V-0 Governador de Estado ou do Distrito Federal; VI- 0 Procurador-Geral da Republica; VIl-0 Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil; VIIL- partido politico com representacao no Congresso Nacional; IX - confederacao sindical ou entidade de classe de ambito nacional.” Vimos também que, dentre os legitimados ativos para a propositu- ra de ADI, apenas dois nado possuem capacidade postulatéria para essa a¢ao, precisando, portanto, constituir advogado para instaurar 0 controle concentrado abstrato. Sao os seguintes: !) Partido politico com representacdo no Congresso Nacional; e ll) Confederacao sindical ou entidade de classe de mbito nacional. Além disso, foi registrado o entendimento firmado na jurisprudén- cia do Supremo Tribunal Federal no sentido de que, nos casos em que 0 legitimado ativo constitui advogado para ajuizar a ADI, o instrumento de procuracao deve conferir poderes especificos para essa finalidade e indi- car os diplomas e dispositivos legais a serem impugnados na acao (ADIs 2017, 2835, 4373, 4860). Esse é 0 entendimento tranquilo do STF sobre o tema. Ocorre que, na ADI 4541, julgada em 19/04/2021, 0 Supremo Tri- bunal Federal adotou um posicionamento que também merece registro. Essa ago foi ajuizada por um partido politico representado no Con- gresso Nacional, que, como vimos acima, precisa constituir advogado para propor ADI. E assim foi feito. No entanto, a procuracao inicialmente outorgada nao indicou em seu instrumento os diplomas e dispositivos legais a serem impugnados na acao. Posteriormente, no curso do processo, um novo instrumento de procuragao foi apresentado pelo legitimado ativo, indicando os disposi- tivos objeto da impugnacao, de modo a sanar a falha. 4 TUALIZAGAO | Diteito Constitucional Grfado + Francisco Braga Como o STF se manifestou sobre isso? A questao foi analisada pela Min. Carmen Lucia (relatora), que fez duas consideracées. Primeiramente, a Ministra registrou que, embora a jurisprudéncia da Corte realmente exija que haja, no instrumento de procuracao para © ajuizamento de ADI, a indicagdo dos diplomas e dispositivos legais a serem impugnados, no caso em anilise a falta de indicagao numérica dos dispositivos objeto da acao nao representaria vicio algum. E que a exigéncia de indicagao (no instrumento de procuracao) dos diplomas e dispositivos a serem impugnados tem como finalidade evitar que a procuracao outorgada seja genérica. Isso, porém, ndo ocorreu no caso, porque, no instrumento de procuracao, o legitimado ativo especifi- cou 0 contetido dos dispositivos que deveriam ser impugnados na acao (no caso, eram dispositivos da legislacdo do Estado da Bahia que, segun- do alegado na petico inicial, permitiriam a transposigao de servidores entre cargos pUblicos, violando, assim, a regra constitucional do concur- so publico). Nos termos do voto da Ministra, essa procuracdo atendeu a exigéncia da jurisprudéncia do Supremo Tribunal Federal de outorga de poderes es- pecificos para 0 ajuizamento de ADI, “pois a procuracdo que acompanhaa inicial desta agdo atribui poderes para “o ajuizamento e acompanhamen- to de a¢do direta de inconstitucionalidade [no] Supremo Tribunal Federal, impugnando dispositivos da legislacao do Estado da Bahia que permitiram a ocupacao do cargo de Auditor do Tribunal de Contas por servidores que ndo se submeteram 4 exigéncia constitucional do concurso publico” (doc. 1). Embora a procuracao nao indique, expressamente, os dispositivos le- gais questionados, tanto ndo configura inespecificidade a impedir o pro- cessamento desta a¢do. Nesse sentido, “atende as exigéncias legais procu- racGo que outorga poderes especificos ao advogado para impugnar, pela via do controle concentrado, determinado ato normativo, sendo desneces- dria a individualizagao dos dispositivos” (ADI 2.728/AM, Rel. Min. Mauri- cio Corréa, Plendrio, DJ 22.2.2004).” E possivel afirmar que o entendimento adotado nesse caso (ADI 4541) superou o tradicional posicionamento do STF que exige a indica- ¢30, no instrumento de procuracio, dos diplomas e dispositivos a serem impugnados na ADI? Nao. ATUALIZAGAO | Direito Constitucional Grfado - Francisco Braga Na verdade, os dois entendimentos convivem de forma harménica, da seguinte forma: 1) Em regra, exige-se que, nos casos em que 0 legitimado ativo constitui advogado para o ajuizamento da ADI, 0 instrumento de procuragdo outorgue poderes especificos para isso, indicando os diplomas e dispositivos a serem impugnados na acao. Il) Porém, quando, apesar da falta de indicagdo numérica dos diplo- mas e dispositivos a serem impugnados na ago, o instrumento de procuragao nao for genérico (por indicar especificamente o objetivo da ADI e o contetido das normas que devem ser seu objeto), a exigéncia de outorga de poderes especificos para ao ajuizamento da acao ficara satisfeita. Além disso, a Min. Carmen Lucia destacou que, mesmo que se en- tendesse pela irregularidade da procuragao em virtude da nao indicagéo numérica dos dispositivos a serem impugnados, no caso nao seria pos- sivel extinguir a agao sem resolucao do mérito, porque eventual vicio na constituigdo do advogado teria sido sanado pela superveniente juntada de novo instrumento de procuracao, dessa vez com a indicac¢ao especifi- ca dos diplomas e dispositivos objeto da acao. Disso, é possivel extrair 0 entendimento de que, na ADI, eventual vicio processual decorrente da outorga de procuracéo sem indicagéo dos diplomas e dispositivos a serem impugnados é sanavel, podendo ser afastado pela juntada de novo instrumento de procuracao que supra es- sas falhas. Essas questdes processuais tratadas pela Ministra Carmen Lucia em seu voto nao foram objeto de manifestagao dos demais Ministros. Porém, também nao houve apresentacao de qualquer divergéncia em relacdo a elas, o que permite concluir que houve concordancia unanime com o po- sicionamento da relatora. Portanto, hoje, com o julgamento da ADI 4541 (em 19/04/2021), é possivel afirmar que o Supremo Tribunal Federal possui os seguintes en- tendimentos a respeito da procuracéo outorgada para o ajuizamento de ADI: |) Emregra, exige-se que o instrumento de procuracao outorgue po- deres especificos para a propositura da aco, indicando os diplo- mas e dispositivos a serem impugnados. Esse é 0 entendimento 16 [ATUALIZAGAO | Direito Constitucional Grifado + Francisco Braga existente ja ha bastante tempo no STF (ADIs 2017, 2835, 4373, 4860). Il) Quando, apesar da falta de indicagao numérica dos diplomas e dispositivos a serem impugnados, o instrumento de procuragao nao é genérico (por indicar especificamente o objetivo da ADI e 0 contetido das normas que devem ser seu objeto), a exigéncia de outorga de poderes especificos para o ajuizamento da acao fica satisfeita. Esse posicionamento foi adotado na ADI 4541. Ill) Eventual vicio no instrumento de procura¢gao decorrente da nao indicagaéo dos diplomas e dispositivos a serem impugnados na agao pode ser sanado pela juntada de novo instrumento que su- pra essas falhas. Esse posicionamento também foi adotado na ADI 4541. ADI: EFEITO REPRISTINATORIO INDESEJADO E IMPUGNACAO DE NOR- MAS ANTERIORES A CONSTITUICAO Conforme estudamos, 0 STF nao admite o ajuizamento de ADI con- tra normas anteriores ao paradigma constitucional de controle, seja este uma norma originaria da Constituic¢do ou uma norma resultante de emen- da constitucional. Isso porque, em relacéo a normas pré-constitucionais, 0 confronto delas com o texto constitucional consubstancia um juizo de recepcao Ou nao recep¢ao, e ndo um juizo de constitucionalidade ou inconstitu- cionalidade. Em outras palavras: segundo a jurisprudéncia do Supremo Tribunal Federal, normas anteriores @ Constituigao, caso sejam com ela incompativeis, no séo consideradas inconstitucionais, mas sim nao re- cepcionadas (nesse caso, o STF fala em revogacao por nao recepco). Além disso, vimos que 0 Supremo Tribunal Federal também nao ad- mite o ajuizamento de ADI para impugnar norma que ja se encontra re- vogada no momento em que a a¢ao é ajuizada, exceto quando a norma impugnada houver revogado normas anteriores também inconstitucio- nais. Nessa hip6tese, para evitar o chamado efeito repristinatério inde- sejado, o STF exige, sob pena de indeferimento da peticao inicial, que seja impugnada na AD! todas as normas integrantes da cadeia normativa que foi revogada pelo objeto principal da acdo, desde que posteriores ao paradigma constitucional invocado como violado (pois, como vimos, "7 ATUALIZAGAO | Direito Constitucional Grfado - Francisco Braga em relacao a normas anteriores ao paradigma constitucional de controle, nao cabe ADI). Isso significa que nao se admite que, para evitar o efeito repristina- tdrio indesejado, o legitimado ativo impugne na ADI a cadeia normativa completa, inclusive, as normas anteriores ao paradigma constitucional de controle? Nao exatamente. Na ADI 4711, julgada em 08/09/2021, 0 Supremo Tribunal Federal decidiu que, quando o legitimado ativo, com a finalidade de evitar o efei- to repristinatorio indesejado, realiza, por um excesso de zelo, a impug- nagao de toda a cadeia normativa, inclusive, dos atos anteriores & norma constitucional que alega ter sido violada, é possivel admitir a impugna- Gao em sua integralidade e conhecer da ADI, julgando o seu mérito sem excluir nenhuma das normas impugnadas, mesmo as pré-constitucionais. Nesse caso, se o Tribunal julgar a acdo procedente, a decisao reconhecera a inconstitucionalidade das normas posteriores ao paradigma de contro- le e a revogacao por nao recepcao das normas anteriores a ele. Isso foi explicado de forma esclarecedora pelo Min. Luis Roberto Barroso (relator) em seu voto, ao lembrar de um precedente do Tribunal que foi relatado pelo Min. Gilmar Mendes. Veja: ) 4. A declaracao de inconstitucionalidade em abstrato de normas legais, diante do efeito repristinatério que lhe é inerente, importa na restauracao dos preceitos normativos revo- gados pela lei declarada inconstitucional. Sendo assim, a jurisprudéncia desta Corte exi- ge a impugnacao da integra da cadeia normativa incompativel com a Constituigao, para que a deciséo do Supremo Tribunal Federal atinja as leis que “exteriorizem os mesmos vicios de inconstitucionalidade que inquinam a legislacao revogadora’ (v. ADI 3.148, Rel. Min. Celso de Mello, j.em 13.12.2006). 5. Nao se desconhece que este Supremo Tribunal Federal exige apenas a impugnacao da cadeia de normas revogadoras e revogadas até 0 advento da Constituicéo de 1988, porquanto 0 controle abstrato de constitucionalidade abrange téo somente o direito pés-constitucional. Nada obstante, esta Corte admite o cabimento de ago direta de inconstitucionalidade nos casos em que o autor, por precausao, inclui, em seu pedido, também a declaracao de revogacao de normas anteriores & vigéncia do novo parame- tro constitucional. Transcreva-se, nessa linha, trecho elucidativo do voto do Min. Gilmar Mendes na ADI 3.660: “2 Assim, na delimitacao inicial do sisterna normativo, o requerente deve ve- rificar a existéncia de normas revogadas que poderao ser eventualmente repristinadas pela declaracao de inconstitucionalidade das normas revo- gadoras. Isso implica, inclusive, a impugnagao de toda a cadeia normativa de normas revogadoras e revogadas, sucessivamente. 18 ATUALIZAGAO | Direito Constitucional Grifado + Francisco Braga Por outro lado, é preciso levar em conta que o proceso de controle abstrato de normas destina-se, fundamentalmente, a afericéo da cons- titucionalidade de normas pés-constitucionais (ADI n® 2, Rel. Min. Paulo Brossard, DJ 2.2.1992). Dessa forma, eventual colisao entre o direito pré- -constitucional e a nova Constituicao deve ser simplesmente resolvida pelos principios de direito intertemporal (lex posterior derogat prion). Assim, considerando ambos os entendimentos professados pela jurispru- déncia, a conclusao nao pode ser outra sendo a de que a impugnacao deve abranger apenas a cadeia de normas revogadoras e revogadas até 0 advento da Constitui¢ao de 1988. () Nao se pode deixar de considerar, ademais, que, nos casos em que o re- querente, por excesso de cuidado, impugnou toda a cadeia normativa, mesma as normas anteriores ao texto constitucional de 1988, poderé o Tribunal conhecer da a¢ao e declarar a inconstitucionalidade das normas posteriores a 5 de outubro de 1988 e, na mesma decisao, declarar a revo- gacao das normas anteriores a essa data. (..)" (ADI 3660, Rel, Min. Gilmar Mendes, j. em 13.03.2008). (.)" (ADI 4711, Pleno, trecho do voto do Rel. Min, ROBERTO BARROSO, j. 08/09/2021) Esse entendimento também ficou estampado na ementa do julga- mento, onde foi registrado que “o Supremo Tribunal Federal exige a im- pugnac¢do da cadeia de normas revogadoras e revogadas até o advento da Constituigdo de 1988, porquanto o controle abstrato de constitucionali- dade abrange tdo somente o direito pds-constitucional. Nada obstante, esta Corte admite o cabimento de acdo direta de inconstitucionalidade nos casos em que o autor, por precaucao, inclui, em seu pedido, também a de- claracdo de revogacdo de normas anteriores a vigéncia do novo pardmetro constitucional”. ADITAMENTO DA PETICAO INICIAL DA ADI PARA INCLUIR OUTROS DIS- POSITIVOS NA IMPUGNACAO Em relacao & possibilidade de, apés 0 ajuizamento da ADI, 0 legiti- mado ativo aditar a inicial para incluir novos dispositivos na impugnacao, vimos, na pagina 344 do livro, que, segundo decidido na ADI 1926 (j. 20/04/2020), o Supremo Tribunal Federal “aceita o aditamento da inicial para incluir novos dispositivos na impugnagdo (além dos que jd haviam sido impugnados originalmente), desde que nao haja necessidade de soli- citar novas informagées aos 6rgdos responsdveis pela edigao do ato nem 19 ATUALIZAGAO | Direito Constitucional Grifado - Francisco Braga de abrir prazo para novas manifestacées do Advogado-Geral da Unido e do Procurador-Geral da Republica”. Esse entendimento se fundamenta nos principios da economia e da celeridade processuais, tendo como objetivo aproveitar uma a¢ao ja em curso para apreciar a validade da maior quantidade possivel de normas. Acontece que, na ADI 4541, julgada em 19/04/2021, o STF inadmi- tiu o aditamento da inicial para incluir dispositivos na impugna¢aéo apés a prestacado de informacées pelo 6rgao responsavel pela edi¢do da nor- ma eas manifestag6es do AGU e do PGR. Isso significa que agora a inclusdo de novos dispositivos no objeto da ADI sera sempre vedada se 0 AGU e 0 PGR ja houverem se manifestado nos autos, independentemente de haver necessidade ou néo de novas manifestagdes dessas autoridades? Em outras palavras: essa nova deci- sao faz com que esteja superado o entendimento anterior, adotado na ADI 1926? Nao necessariamente. Isso porque, da analise do julgamento da ADI 4541, fica claro (embo- ra os Ministros nao tenham afirmado expressamente) que o indeferimen- to do pedido de aditamento da inicial para a inclusdo de novos disposi- tivos teve raz6es praticas, pois, na verdade, o STF negou a possibilidade de o legitimado ativo aditar a inicial nesse caso porque o aditamento pretendido nao geraria economia processual. E necessdrio conhecer alguns detalhes do caso para compreender melhor a questao. Essa ADI foi ajuizada para impugnada dispositivos de determinadas leis do Estado da Bahia, e, quando todos os orgaos e autoridades ja ha- viam se manifestado nos autos, o legitimado ativo apresentou pedido de aditamento para incluir na impugnacao um dispositivo da Constituicdo do Estado da Bahia de teor muito semelhante (e, portanto, maculado pelo menos vicio de inconstitucionalidade) ao de um dos dispositivos legais impugnados inicialmente. A norma indicada no pedido de aditamento, portanto, nao ampliaria 0 escopo da ac¢ao, o que, a principio, atrairia a aplicagdo do entendimento adotado pelo STF na ADI 1926 e, assim, seria possivel a sua inclusao tardia no objeto da acao. Acontece que, além do referido dispositivo da Constituicao Estadual, 0 legitimado ativo omitiu na peticao inicial outros dispositivos legais 20 TUALIZAGAO | Diteito Constitucional Grfado + Francisco raga dotados de mesmo teor e que, assim, seriam igualmente viciados. Esses outros dispositivos legais omitidos eram as redacées anteriores do dis- positivo legal impugnado na acao cujo conteddo era semelhante ao do dispositivo constitucional objeto do pedido de aditamento. Por conta disso, ainda que o pedido de aditamento fosse deferido e que a acao fosse julgada procedente em relacao ao dispositivo constitu- cional tardiamente incluido na impugnacao e ao dispositivo legal de teor semethante, a versao anterior deste Ultimo voltaria a ser aplicavel (por conta da eficacia repristinatéria da decis&o final da ADI) e a inconstitu- cionalidade impugnada na aco continuaria existindo no ordenamento juridico (caracterizando o chamado efeito repristinatério indesejado). Ou seja, o aditamento pretendido pelo legitimado ativo nao geraria eco- nomia processual alguma. Dessa forma, vislumbrando que nao seria Util ao resultado pratico do processo, o STF preferiu rejeitar 0 pedido de aditamento, afirmando que, apés a prestacao de informacées pelo érgao de origem da norma impugnada e as manifestacdes do Advogado-Geral da Uniao e do Procu- rador-Geral da RepUblica, 6 vedado alterar o pedido da acao. Inclusive, para fundamentar esse indeferimento, a Ministra Relatora (Carmen Lu- cia) invocou antigos precedentes da Corte, tanto monocraticos quanto do Plenario (ADI 437 QO, j. 01/03/1991), no sentido da impossibilidade de alteragdo do objeto impugnado apés a vinda das informagées do 6r- gao responsavel pela edigdo da norma atacada, e afirmou no seu voto que o “Supremo Tribunal assentou a inadmissibilidade do aditamento a inicial da agdo apés 0 recebimento das informacées dos Requeridos e das manifestagées do Advogado-Geral da Unido e do Procurador-Geral da Re- publica”. E importante repetir, porém, que isso nao significa necessariamen- te que o entendimento adotado anteriormente pelo proprio STF na ADI 1926 esteja superado, pois, embora os Ministros nao tenham afirmado isso expressamente, a rejeigéo do pedido de aditamento na ADI 4541 se deveu ao fato de que a alteragao do objeto da acado nesse caso nao gera- ria qualquer proveito pratico para o processo, pois 0 efeito repristinato- rio indesejado continuaria presente e, assim, impediria a apreciacdo do pedido de declaragao de inconstitucionalidade do dispositivo legal cujo teor era semelhante ao do dispositivo da Constituicdo Estadual que o le- gitimado ativo pretendia incluir tardiamente no objeto da acao. Ou seja, a inconstitucionalidade que se pretendia retirar do ordenamento juridico com o pedido de aditamento da peticao inicial continuaria existindo, de 2 ATUALIZAGAO | Direito Constitucional Grifado - Francisco Braga modo que permitir que 0 objeto da acao fosse aditado causaria tumulto no andamento processual sem gerar qualquer beneficio. Se nao é possivel afirmar que a decisdo da ADI 4541 (mais recente) superou 0 entendimento da ADI 1926 (menos recente), qual posiciona- mento deve ser adotado nas provas? Depende. Em uma prova objetiva, é necessario analisar como o tema esta co- brado no enunciado da questao e como esto redigidas as assertivas. Caso a questao se refira a uma situacdo em que o legitimado ativo pre- tende incluir novo dispositivo no objeto da ADI e que a inclusdo des- se novo dispositivo nao causaré atraso no andamento processual nem exigiré novas manifestagdes do AGU e do PGR, certamente o ideal sera adotar o entendimento da ADI 1926, na qual o STF admitiu o aditamento da inicial nessas circunstancias. Por outro lado, se a questao nao trouxer esses detalhes e tao somen- te afirmar ser inadmissivel a inclusdo de novos dispositivos no objeto da ADI apés as manifestacdes do érgao responsavel pela norma impugnada, do AGU e do PGR, provavelmente, o examinador exigira uma resposta de acordo com o julgamento da ADI 4541, em que o STF simplesmente rejeitou o pedido de aditamento. Foi exatamente isso que ocorreu, por exemplo, na prova objetiva do concurso para o cargo de Procurador do Estado da Paraiba realizado pelo CESPE em 2021, na qual foi considerada incorreta a assertiva segundo a qual, “com o recebimento das informa- ¢Ges dos requeridos e das manifestagées do advogado-geral da Unido e do procurador-geral da Republica, é admitido o aditamento a inicial da agdo direta de inconstitucionalidade até 0 julgamento”. Além dessas hipoteses, é possivel que, em uma mesma questao de prova objetiva, sejam apresentados ambos os entendimentos (0 da ADI 1926 e o da ADI 4541). Nesse caso, o ideal é responder de acordo com o entendimento mais recente, ou seja, no sentido de que, uma vez reali- zada a “instrugao processual” (com a vinda das informacées do érgao do qual se originou a norma impugnada e das manifestacdes do AGU e do PGR), nao é possivel aditar a inicial para alterar o pedido e incluir novos dispositivos no objeto da ADI. Ja em provas subjetivas e orais, o recomendado é desenvolver o tema abordando todos os detalhes que vimos acima e expondo as dife- rentes decis6es do STF a seu respeito, indicando o entendimento mais recente da Corte. 22 TUALIZAGAO | Diteito Constitucional Grfado + Francisco raga ALTERACAO DO OBJETO DA ADI NO CURSO DA ACAO E NECESSIDADE OU NAO DE ADITAMENTO DA PETICAO INICIAL Conforme vimos, caso o objeto da ADI sofra modificagaéo no curso do proceso, é possivel que a aco, em vez de ficar prejudicada (e ser ex- tinta sem resolucéo do mérito), tenha continuidade e seja julgada no seu mérito. Para que isso ocorra, é necessario que a nova redacdo da norma impugnada também seja inconstitucional e que o legitimado ativo adi- te a peticao inicial, demonstrando que o vicio de inconstitucionalidade persiste. Esse é o entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal para Os casos em que a alteracgdo da norma atacada na ADI é substancial, ou seja, quando se trata de uma alteracao de contetido. Como exemplo, po- demos citar o precedente da ADI 2595 AgR, julgada em 18/12/2017. Diferente é a situacdo em que o objeto da ADI sofre alteragdo no cur- so do processo, mas essa alteracado nao é substancial (isto 6, ndo modifica © contetido da norma), a exemplo do que ocorre quando a modificagéo consiste em tao somente atribuir um nome diferente a um cargo publico que é disciplinado na norma questionada na acao. Quando a alteracao do objeto da ADI nao é substancial, ela nao tem potencial de causar nenhum tipo de prejuizo para a apreciacao da vali- dade da norma, motivo pelo qual a acao pode ter prosseguimento e ser julgada no mérito, independentemente de o legitimado ativo promover 0 aditamento da petigao inicial, informando a alteragao ocorrida e de- monstrando que, apesar dela, o vicio de inconstitucionalidade persiste. Esse foi o entendimento adotado pelo STF na ADI 5579, julgada em 21/06/2021. Nessa agao, houve a impugnacao de dispositivo da Lei Or- ganica do Distrito Federal que conferia autonomia funcional a integran- tes da Policia Civil, e a redacéo desse dispositivo foi alterada no curso do processo, mas a alteracao consistiu simplesmente em modificar 0 nome do cargo de perito papiloscopista, que passou a se chamar datiloscopista policial. Segundo esclareceu a relatora, Ministra Carmen Lucia, em seu voto (seguido & unanimidade), “essa mudanca (...) nao altera, em sua esséncia, o objeto da presente agdo direta, considerados os argumentos para o pe- dido de inconstitucionalidade, a dizer, a inconstitucionalidade da atribui- do de independéncia funcional 4 atuacdo dos integrantes das carreiras 23 ATUALIZAGAO | Direito Constitucional Grfado - Francisco Braga da policia civil distrital, ai incluidos os datiloscopistas. Essa circunstancia afasta a necessidade de aditamento da peti¢ao inicial no ponto”. Portanto, no que diz respeito 4 necessidade de aditamento da peti- Gao inicial da ADI para que a acao tenha prosseguimento (e seja julgada no mérito) quando o seu objeto sofre alteragao no curso do processo, 0 Supremo Tribunal Federal possui dois entendimentos distintos para si- tuagoes distintas: 1) Quando a alterag&o é substancial (isto é, modifica o conteido da norma impugnada), é necessdrio que o legitimado ativo pro- mova 0 aditamento da petigao inicial, demonstrando que 0 vicio de inconstitucionalidade continua existindo. N3o sendo aditada a inicial, a ago fica prejudicada e é extinta sem resolugdo do mérito (ADI 2595 AgR, j. 18/12/2017). Il) Quando a alteragao nao é substancial (como é 0 caso daquela que consiste em tao somente modificar o nome de um cargo pu- blico disciplinado na norma impugnada na acao), o aditamento da inicial fica dispensado, podendo a ADI prosseguir e ser julga- da no mérito, independentemente dessa providéncia (ADI 5579, j. 21/06/2021). CONTROLE CONCENTRADO ABSTRATO EM AMBITO ESTADUAL m LEI ORGANICA MUNICIPAL COMO PARADIGMA DE CONTROLE Como vimos, 0 art. 125, § 2°, da CF/88 prevé que os Estados de- vem instituir controle concentrado abstrato de constitucionalidade, ten- do como paradigma constitucional de controle a Constituicgo Estadual € como objeto lei ou ato normativo estadual ou municipal. A redacdo do dispositivo é a seguinte: “Art, 125, § 2%, CF/88. Cabe aos Estados a institui¢ao de representacao de inconstitucionalidade de leis ou atos normativos estaduais ou munici- pais em face da Constituigo Estadual, vedada a atribuicao da legitimacao para agir a um tinico 6rgao.” Nos termos estabelecidos na Constituicgao Federal, portanto, o para- metro superior do controle concentrado abstrato estadual deve ser nor- ma da Constituigao do respectivo Estado. 24 [ATUALIZAGAO | Diteito Constitucional Grifado + Francisco Braga No entanto, o seguinte questionamento sobre esse tema que foi le- vado ao Supremo Tribunal Federal: apesar do teor do art. 125, § 2°, da CF/88, uma Constituigdo de Estado pode estabelecer que, no controle concentrado abstrato exercido pelo respectivo Tribunal de Justica, seja utilizada como parametro superior (ou paradigma) de controle a Lei Or- ganica de um Municipio? Essa questéo foi enfrentada pelo STF na ADI 5548, julgada em 17/08/2021. Nessa acao, houve a impugnacao de disposicao da Constituigao do Estado de Pernambuco que previa a possibilidade de o Tribunal de Justi- ¢a realizar controle concentrado abstrato de leis e atos normativos mu- nicipais em face da Lei Organica do respectivo Municipio. Essa hipdtese de controle foi rotulada pela Constituicdo Pernambucana de controle de constitucionalidade, pois o instrumento para o seu exercicio era a agdo direta de inconstitucionalidade perante o TJ/PE. Ao analisar essa previsdo da Constituigdo do Estado de Pernambuco, 0 Supremo Tribunal Federal declarou a sua inconstitucionalidade, pois o art. 125, § 2°, da CF/88, ao prever que os Estados devem instituir 0 con- trole concentrado abstrato de constitucionalidade estadual, é claro ao estabelecer que o paradigma constitucional de controle deve ser norma da Constituigéo Estadual. Em outras palavras, nao ha previsdo, na CF/88, de controle concentrado abstrato estadual com base em Lei Organica Municipal, motivo pelo qual, essa possibilidade ndo pode ser estabele- cida em norma estadual, ainda que por meio da Constituic¢ao do Estado. Portanto, segundo o STF, é inconstitucional a previsdo em Constitui- ao Estadual da possibilidade de realizagao de controle concentrado abs- trato (de constitucionalidade) perante o respectivo Tribunal de Justica tendo como paradigma (ou parémetro superior) Lei Organica Municipal. Esse posicionamento da Suprema Corte nao surpreende, pois, con- forme ja estudamos, é prevalecente o entendimento de que Lei Orga- nica Municipal ndo tem natureza de norma constitucional, ao contrario das Constituigées Estaduais e da Lei Organica do Distrito Federal, que sao obras do chamado poder constituinte derivado decorrente, sendo, portanto, normas de carater constitucional, 0 que as torna aptas a servir de paradigma de controle de constitucionalidade (em ambito estadual e distrital, respectivamente). 25 ATUALIZAGAO | Direito Constitucional Grfado - Francisco Braga Alias, em relag3o as Constituigdes dos Estados, a propria Constitui- ao Federal, no art. 11 do ADCT, estabelece que elas sao fruto do exerci- cio do poder constituinte, tendo em vista que, nos termos desse disposi- tivo, “cada Assembléia Legislativa, com poderes constituintes, elaborard a Constituigdo do Estado”. O poder constituinte origindrio, portanto, ao elaborar a CF/88, expressamente atribuiu poderes constituintes aos 6r- gaos legislativos dos Estados para que elaborassem as respectivas Cons- tituigdes Estaduais. Diferente 6 a situacdo da Lei Organica Municipal, que, segundo 0 en- tendimento que prevalece, nao é obra do poder constituinte e, portanto, nao tem natureza de norma constitucional. = PARTICIPACAO DO PODER LEGISLATIVO Na ADI 5548, julgada em 17/08/2021, além da questao sobre a ap- tidao ou nao de Lei Organica Municipal para ser paradigma de confronto no controle concentrado abstrato estadual, o Supremo Tribunal Federal analisou outro questionamento: Constituigao de Estado pode estabelecer que, no controle concentrado abstrato realizado pelo Tribunal de Justi¢a, a Assembleia Legislativa tenha a fungdo de suspender a norma declara- da inconstitucional em face da Constituigéo Estadual e as Cémaras de Vereadores, a atribuigéo de suspender as normas municipais declaradas “inconstitucionais” em face das respectivas Leis Organicas Municipais? O dispositivo que causou esse questionamento foi 0 art. 63, § 3°, da Constituigao do Estado de Pernambuco, segundo o qual, “declarada a inconstitucionalidade, a decisdo serd comunicada a Assembléia Legislati- va para promover a suspensdo da eficdcia da lei, em parte ou no seu todo, quando se tratar de afronta a Constitui¢ao Estadual, ou a Camara Munici- pal quando a afronta for a Lei Organica respectiva". Essa atribuigéo da Assembleia Legislativa e das Camaras de Verea- dores seria semethante, portanto, 4 do Senado Federal prevista no art. 52, X, da CF/88, segundo o qual, cabe privativamente ao Senado “sus- pender a execucdao, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisdo definitiva do Supremo Tribunal Federal”. A diferenca é que a disposigéo do art. 52, X, da CF/88 se aplica no controle difuso, e ndo no controle concentrado. O Supremo Tribunal Federal, além de afirmar a impossibilidade de Lei Organica Municipal ser paradigma de controle (conforme vimos anterior- mente), decidiu pela inconstitucionalidade da previsao, em Constituicdo 26 ATUALIZAGAO | Direito Constitucional Grifado + Francisco Braga Estadual, da referida participacao da Assembleia Legislativa (e das Cama- ras Municipais) no controle concentrado realizado pelo Tribunal de Justi- ¢a, tendo em vista que a participacao do Poder Legislativo no controle de constitucionalidade é prevista na Constituigéo Federal apenas no ambito do controle difuso, e nao no controle concentrado. Assim, segundo entendeu o Supremo Tribunal Federal, trata-se de uma interferéncia do Poder Legislativo sem previsdo na Constituicgdo Fe- deral, de modo que a norma estadual em questao, ao prever a atribui¢ao da Assembleia Legislativa (e das Camaras Municipais) para suspender a eficdcia de lei declarada inconstitucional pelo Tribunal de Justica, viola © esquema organizatorio tragado na CF/88. Embora nao tenha sido dito expressamente pela Corte nesse julgamento, a verdade é que uma dis- posicao de Constituigéo Estadual com esse teor viola a separacao dos Poderes, pois estabelece uma hipétese de atuagao do Poder Legislativo no controle de constitucionalidade que nao foi prevista na Constituigao Federal, e o controle de constitucionalidade envolve sensiveis mecanis- mos de interferéncias dos Poderes (especialmente o Legislativo e o Judi- ciario) uns nos outros. E importante registrar, no entanto, que o proprio STF ja reconheceu a constitucionalidade de norma de Constituigéo Estadual que prevé a atribuicao da Assembleia Legislativa para, no 4mbito do controle difu- so de constitucionalidade, suspender norma declarada inconstitucio- nal diante da respectiva Constituigdo Estadual em decisao irrecorrivel (definitiva) do Tribunal de Justi¢a. Isso ocorreu no RE 199.293, julgado em 19/05/2004 por unanimidade de votos, envolvendo dispositivos da Constitui¢ao do Estado de Sao Paulo. Nesse precedente, inclusive, o Min. Marco Aurélio (relator) escla- receu em seu voto que 0 art. 52, X, da CF/88 é norma de observancia obrigatoria pelos Estados, o que é uma afirmacao natural, considerando a jurisprudéncia do STF no sentido de que normas da Constituicao Fede- ral que afetam a separacao dos Poderes (e esse € 0 caso do art. 52, X, da CF/88, jé que diz respeito ao controle de constitucionalidade, que € um sensivel aspecto da relacao entre os Poderes) sao de observancia obri- gatéria. Mas o detalhe mais importante desse julgado (RE 199.293) foi a seguinte diferenciagdo feita pelo Supremo Tribunal Federal: é constitu- cional disposi¢gao de Constituigao de Estado que preveja a atribuicado da 27 ATUALIZAGAO | Direito Constitucional Grifado - Francisco Braga Assembleia Legislativa para suspender norma declarada inconstitucional pelo Tribunal de Justicga em controle difuso de constitucionalidade rea- lizado em face da respectiva Constituigéo Estadual (seguindo, portanto, o modelo do art. 52, X, da CF/88), mas é inconstitucional disposicao de Constituigdo de Estado que preveja essa mesma participagao do Legisla- tivo Estadual no ambito do controle concentrado abstrato exercido pelo Tribunal de Justica. Aimpossibilidade de haver essa participagdo do Legislativo no con- trole concentrado abstrato foi fundamentada nao apenas na inexisténcia de sua previsdo no texto da Constituigéo Federal, mas também no fato de se tratar de algo ilégico, haja vista que a decisao de inconstitucionalida- de no controle concentrado abstrato retira a norma inconstitucional do ordenamento juridico (em regra, com eficacia retroativa e erga omnes), de modo que, se o Poder Legislativo tivesse a atribuicao de suspender a norma declarada invalida pelo Tribunal de Justica nesse tipo de controle, ele, na verdade, iria suspender algo que nao mais existe no mundo juri- dico. Nos exatos termos da ementa do acérdao lavrado nesse precedente, “a comunicagao da pecha de inconstitucionalidade proclamada por Tri- bunal de Justica pressup6e decisdo definitiva preclusa na via recursal e julgamento considerado o controle de constitucionalidade difuso. Insub- sisténcia constitucional de norma sobre a obrigatoriedade da noticia, em se tratando de controle concentrado de constitucionalidade”. m= O ROL DE LEGITIMADOS ATIVOS PODE SER MAIOR DO QUE O ROL DE LEGITIMADOS ATIVOS PARA O CONTROLE CONCENTRADO ABSTRATO PERANTE 0 STF? O art. 125, § 2°, da CF/88 trata do controle concentrado abstrato de constitucionalidade em ambito estadual, mas de forma pouco detalhada. O que esse dispositivo estabelece é apenas que: 1) O paradigma constitucional de controle deve ser a Constituigéo do Estado; Il) O objeto do controle deve ser lei ou ato normativo estadual ou municipal; e Ill) A legitimidade ativa nao pode ser atribuida a um nico 6rgao ou autoridade, devendo ser plural. ATUALIZAGAO | Direito Constitucional Grifado + Francisco Braga “Art. 125, § 2%, CF/88. Cabe aos Estados a instituigdo de representacao de inconstitucionalidade de leis ou atos normativos estaduais ou munici- pais em face da Constituicao Estadual, vedada a atribuicao da legitimacao para agir a um Unico érgao.” A partir disso, surge 0 seguinte questionamento: a liberdade dada aos Estados, pelo art. 125, § 2°, da CF/88, para definir o rol de legitima- dos ativos para o controle concentrado abstrato estadual permite que eles (os Estados) estabelecam um rol desses legitimados mais amplo do que o rol de legitimados ativos para o controle concentrado abstrato em ambito federal (perante o STF)? Na ADI 558, julgada em 19/04/2021, o Supremo Tribunal Federal decidiu que sim, os Estados podem estabelecer um rol de legitimados ativos para o controle concentrado abstrato estadual mais amplo do que o rol, previsto no art. 103 da CF/88, de legitimados ativos para o controle concentrado abstrato perante o STF. A propésito, confira o rol de legitimados ativos estabelecido no art. 103 da CF/88: “Art. 103, CF/88. Podem propor a agao direta de inconstitucionalidade e a ago declaratéria de constitucionalidade: 1-0 Presidente da Republica; Il-a Mesa do Senado Federal; Ill-a Mesa da Camara dos Deputados; IV-aMesa de Assembléia Legislativa ou da Camara Legislativa do Distrito Federal; V-0 Governador de Estado ou do Distrito Federal; VI-0 Procurador-Geral da Republica; VIl-0 Consetho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil; Vill - partido politico com representacao no Congresso Nacional; IX- confederacao sindical ou entidade de classe de ambito nacional.” Por conta disso, os Estados podem atribuir legitimidade ativa, por exemplo, ao Procurador-Geral do Estado, ao Defensor Publico-Geral do Estado, aos Parlamentares Estaduais, a uma determinada comissao da respectiva Assembleia Legislativa etc., muito embora nao haja, no rol de legitimados para o controle concentrado abstrato perante o STF (previsto art. 103 da CF/88), autoridades ou orgaos federais equivalentes a essas autoridades ou 6rgaos estaduais. 29 ATUALIZAGAO | Direito Constitucional Grifado - Francisco Braga O STF esclareceu, inclusive, que a previsdo de legitimidade ativa para o Procurador-Geral do Estado e para o Defensor PUblico-Geral do Estado nao representa ofensa as atribuicgdes constitucionais da Procura- doria-Geral do Estado (art. 132, CF/88) e da Defensoria Publica (art. 134, CF/88), pois, além de o art. 125, § 2°, da CF/88 dar aos Estados liberdade para conferir legitimidade ativa a essas autoridades, a natureza da atua- go dos legitimados ativos no 4mbito do controle concentrado abstrato de constitucionalidade nao se confunde com a natureza da atuagao de tais 6rgaos (PGE e DPE) no desempenho de suas fun¢ées constitucionais. Essa distingao entre a natureza da atuacao dos legitimados ativos no controle concentrado abstrato de constitucionalidade e a natureza da atuagao da Procuradoria-Geral do Estado e da Defensoria Publica no desempenho de suas atribuicées constitucionais é facilmente percebi- da a partir da natureza dos processos em que essas atuagdes ocorrem: no controle concentrado abstrato de constitucionalidade, o que se tem é um processo de carater objetivo, no qual nao ha uma lide propriamente dita (mas t8o somente a busca pela protecao da higidez do ordenamen- to juridico) nem tampouco verdadeiras partes processuais (autor e réu), enquanto que, por outro lado, a atuagéo em juizo da PGE e da DPE no desempenho de suas atribuicgdes constitucionais se da em processos de carater subjetivo, nos quais ha a disputa de interesses subjetivos com verdadeiras lides e partes envolvidas. Enfim, como se pode notar, inexiste necessidade de, em ambito es- tadual, observar-se uma simetria com o rol de legitimados ativos para o controle concentrado abstrato federal previsto no art. 103 da CF/88. Nas palavras do Tribunal, “no § 2° do art. 125 da Constituigdo da Re- publica se veda seja atribuida a um unico 6rgao a legitimidade para a re- presentacao de inconstitucionalidade de leis ou atos normativos estaduais ou municipais em face da Constituicao Estadual. Os Estados detém auto- nomia para ampliar os legitimados para além do previsto no art. 103 da Constituigdo da Republica. Ndo ofende os art. 132 e 134 da Constituigdo da Republica a atribuigdo ao Procurador-Geral do Estado, ao Defensor Pu- blico Geral do Estado, a ComissGo Permanente da Assembleia Legislativa e aos membros da Assembleia Legislativa para ajuizarem acdo de controle abstrato no Tribunal de Justiga estadual”. ATUALIZAGAO | Direito Constitucional Grifado + Francisco Braga DIREITOS FUNDAMENTAIS NA CF/88 IGUALDADE (ART. 5°, “CAPUT” E |, CF/88) ™ ~AQUESTAO DO PRAZO DECADENCIAL PARA A ANULACAO DE ATOS AD- MINISTRATIVOS Na ADI 6019, julgada em 12/05/2021, o Supremo Tribunal Federal analisou a compatibilidade com a CF/88 da fixagao, em lei estadual, do prazo de 10 (dez) anos para a Administragdo Publica estadual anular atos administrativos considerados invalidos. A decisdo tomada nesse caso se fundamentou no principio da iso- nomia. Como assim? E sabido que a Administracao publica, em virtude do poder-dever de autotutela que possui, pode (na verdade, deve) anular seus atos que sejam invalidos. Isso, inclusive, é dito pela Simula 473 do STF, segundo a qual, “a administracdo pode anular seus proprios atos, quando eivados de vicios que os tornam ilegais, porque déles ndo se originam direitos; ou revogd-los, por motivo de conveniéncia ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciacdo judicial”. Ocorre que a anulagao de atos administrativos deve ser feita dentro de determinado prazo (de natureza decadencial), sob pena de se per- petuar uma inseguranca nas relagdes juridicas deles decorrentes. Tendo isso em vista, a Unido estabeleceu, para a anulagdo de atos administra- tivos no ambito da Administracao Publica federal, o prazo de 5 (cinco) anos, conforme previsto no art. 54 da Lei 9.784/99, segundo o qual, “o direito da Administragao de anular os atos administrativos de que decor- ram efeitos favordveis para os destinatdrios decai em cinco anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada mé-fé”. 3 ATUALIZAGAO | Direito Constitucional Grifado - Francisco Braga Diversos Estados-membros, inspirando-se nessa lei federal, também editaram leis fixando, em seus ambitos, 0 prazo decadencial de 5 (cinco) anos para a anulacao de seus atos administrativos. Aqui surge o primeiro questionamento sobre o tema: os Estados po- dem ter leis proprias disciplinando esse prazo? Sim, pois se trata de uma questao de direito administrativo que, segundo a Constituigaéo Federal, nao é de competéncia privativa de nenhuma esfera federativa, de modo que se insere nas capacidades de auto-organizacao, autoadministragao e autolegislacdo de cada ente federado. Inclusive, nesse exato sentido, em relagéo aos Estados-membros, a CF/88 dispGe, em seu art. 25, § 1°, que “sdo reservadas aos Estados as competéncias que ndo lhes sejam vedadas por esta Constituigao”, 0 que é mais um fundamento para concluir que essas entidades federativas so competentes para fixar regras e prazos prdoprios para a pratica e o controle dos seus atos administrativos. Além dos Estados que, inspirados na legislacao federal, editaram leis préprias fixando o prazo de 5 (cinco) anos para a anulacao dos seus atos administrativos, hé Estados que nado possuem leis préprias sobre essa questao e que, por conta disso, aplicam por analogia a Lei 9.784/99 e 0 prazo de 5 (cinco) anos nela previsto. Essa aplicagdo analégica é ad- mitida pela jurisprudéncia do STF e do STJ. Porém, também ha Estados que, exercendo sua autonomia, decidem fixar prazos para a anulacao de seus atos administrativos diferentes do prazo estabelecido pela Unio para que seus atos administrativos sejam anulados (prazo esse que, como vimos, é de cinco anos). So exemplos disso o Estado de Sao Paulo e o Estado de Pernambu- co, que fixaram, em suas leis disciplinadoras de seus processos adminis- trativos, o prazo decadencial de 10 (dez) anos para a anulacao dos seus atos administrativos considerados invalidos. Veja o teor dos dispositivos legais que estabeleceram o prazo deca- dencial decenal nos ambitos desses Estados: “Artigo 10 da Lei 10.177/98 do Estado de Sao Paulo. A Administracao anularé seus atos invalidos, de oficio ou por provocagao de pessoa inte- ressada, salvo quando: 1-ultrapassado 0 prazo de 10 (dez) anos contado de sua produgao; y “Art. 54 da Lei 11.781/2000 do Estado de Pernambuco. O direito da Administracao de anular os atos administrativos de que decorram efeitos 32 [ATUALIZAGAO | Direito Constitucional Grifado + Francisco Braga favoraveis para os destinatarios e danosos para o Estado decai em dez anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada ma- -f6, e observada a legislacao civil brasileira quanto & prescricao de divida para erario.” O art. 10, I, da Lei 10.177/98 do Estado de Sao Paulo foi o objeto da ADI 6019, e, no julgamento dessa a¢do, o Supremo Tribunal Federal declarou inconstitucional a fixacdo, por esse dispositivo legal, do prazo de 10 (dez) anos para a anulacao de atos administrativos no &mbito da Administragao Paulista. Por que o STF decidiu dessa forma? Segundo a Corte, embora a norma em questao nao usurpe a compe- téncia de nenhum outro ente federado (pois, conforme vimos, trata-se de questao cuja disciplina se insere na autonomia de cada entidade federa- tiva) e 0 prazo de dez anos nao ofenda a razoabilidade nem a seguranca juridica, hd no caso uma ofensa a isonomia. Isso porque, segundo foi registrado no julgamento, a Unido adota, por lei prépria, o limite temporal de 5 (cinco) anos para a anulagdo dos seus atos administrativos benéficos aos administrados, 0 que é feito igualmente por diversos Estados. Também foi registrado pelo Tribunal que os Estados que nao possuem leis préprias disciplinando a questéo aplicam, por analogia, o prazo (de cinco anos) fixado na legislaco fede- ral, e que até mesmo 0 prazo prescricional para a deducao de pretensdes contra o poder publico em juizo é de 5 (cinco) anos, conforme previsto no art. 1° do Decreto n° 20.910/32, nos termos do qual, “as dividas passivas da Unido, dos Estados e dos Municipios, bem assim todo e qualquer direito ou a¢ao contra a Fazenda federal, estadual ou municipal, seja qual for a sua natureza, prescrevem em cinco anos contados da data do ato ou fato do qual se originarem”. Com base nesse cenario, 0 STF afirmou que, como as relacées trava- das entre o poder pUblico e os administrados tém sempre sido pautadas pela adocao do limite temporal de 5 (cinco) anos, nao pode um Estado especifico estabelecer prazo diverso para o exercicio do seu poder-de- ver de autotutela em relagao aos seus atos administrativos, sob pena de ofensa a isonomia. Consequentemente, segundo a Corte, é inconstitu- cional a fixagao do prazo de 10 (dez) anos para que a Administracao es- tadual anule seus atos administrativos, devendo ser observado, para tal finalidade, o prazo de 5 (cinco) anos. 33 ATUALIZAGAO | Direito Constitucional Grfado - Francisco Braga Veja o teor da ementa do julgamento: "(..) 1. Agao direta contra o art. 10, |, da Lei n® 10.177/1998, do Estado de S40 Paulo, que estabelece o prazo decadencial de 10 (dez) anos para anulacao de atos administrativos reputados invalidos pela Adminis- tragao Publica estadual. 2. Lei estadual que disciplina o prazo decaden- cial para o exercicio da autotutela pela administracéo piiblica local nao ofende a competéncia da Unido Federal para legislar sobre diteito civil (art. 22, |, CF/1988) ou para editar normas gerais sobre licitacoes e contra- tos (art. 22, XXVIL, CF/1988). Trata-se, na verdade, de matéria inserida na competéncia constitucional dos estados-membros para legislar so- bre direito administrativo (art. 25, § 1°, CF/1988). 3. O dispositivo impug- nado nao viola os principios constitucionais da seguranga juridica e da razoabilidade. 0 prazo decenal nao é arbitrario e nao caracteriza, por sis6, instabilidade das relacées juridicas ou afronta as leg expectativas dos particulares na imutabilidade de situacées ju cas consolidadas com o decurso do tempo. Esse ¢, inclusive, 0 prazo prescricional geral do Cédigo Civil (art. 205) e de desapropriacéo indire- ta (Tema 1.019, STJ), dentre outros inumeros exemplos no ordenamento juridico brasileiro. 4. Sem embargo, 0 prazo quinquenal consolidou-se como marco temporal geral nas relagdes entre o Poder Publico e par- ticulares (v,, e.g, oart. 1° do Decreton® 20.910/1932 e o art. 173 do Cédigo Tributério Nacional), e esta Corte somente admite excecées ao principio da isonomia quando houver fundamento razoavel baseado na necessida- de de remediar um desequilibrio entre as partes. 5. Os demais estados da Federacao aplicam, indistintamente, 0 prazo quinquenal para anulaao de atos administrativos de que decorram efeitos favordveis aos adminis- trados, seja por previsao em lei prépria ou por aplicacao analégica do art. 54 da Lei n° 9.784/1999, Nao ha fundamento constitucional que justi- fique a situagao excepcional do Estado de Séo Paulo, impondo-se 0 tratamento igualitario nas relacées Estado-cidado. (..)" {ADI 6019, Pleno, Rel. Min. MARCO AURELIO, Redator do acérdao Min. ROBERTO BARROSO, j. 12/05/2021) Apesar de essa decisdo do STF merecer criticas (e a principal de- las 6 a constatacao de que ela viola a autonomia dos Estados-membros para criar suas préprias normas de processo administrativo), o recomen- dado para as provas dos diferentes concursos é adotar o entendimento firmado nesse precedente, segundo o qual, repita-se para que fique cla- ro, a fixagdo do prazo decadencial de 10 (dez) anos para a anulacdo de atos administrativos é inconstitucional por violar a isonomia, devendo a Administracao observar o prazo de 5 (cinco) anos para o exercicio do seu poder-dever de autotutela. 34 [ATUALIZAGAO | Direito Constitucional Grfado + Francisco Braga Por fim, é importante registrar que, nesse julgamento, o STF modu- lou os efeitos da decisao, pois, quando da anélise do caso pelo Tribunal, diversos atos administrativos j4 haviam sido anulados pela Administra- do PUblica do Estado de Sao Paulo tomando-se como parametro o prazo decadencial decenal. Além disso, em relacao a diversos outros atos admi- nistrativos, ja havia decorrido mais da metade do prazo de 10 (dez) anos, embora ele ainda nao houvesse expirado. Levando tudo isso em consideragao, a Corte manteve valida a apli- cacao do prazo decadencial de 10 (dez) anos para a anulagéo de atos administrativos pela Administragéo do Estado de Sao Paulo em relacao aos atos jd anulados até o dia 23/04/2021 (data da publicacao da ata do julgamento de mérito da agao), bem como em relacao aos atos que, nessa data (23/04/2021), ja haviam sido praticados ha mais de 5 (cinco) anos. No que diz respeito aos demais atos (isto é, os atos ainda nao anulados e que, no dia 23/04/2021, haviam sido praticados ha menos de cinco anos), a Corte determinou a aplicagdo do prazo decadencial de 5 (cinco) anos adotando-se como termo inicial 0 dia 23/04/2021, que foi o marco temporal da modulacao. Veja o trecho da ementa do acérdao em que ficou registrada a modu- lagdo dos efeitos da decisdo: *(..) A declaragao de nulidade, com efeitos ex tunc, do dispositive ora im- pugnado acarretaria enorme inseguranca juridica no Estado de Sao Paulo, com potencial de (i) refazimento de milhares de atos administrativos cuja anulagao ja se consolidou no tempo, (ii) ampla ¢ indesejavel litigiosidade nas instancias ordinarias e (ii) provavel impacto econémico em momento de grave crise financeira que assola o pais, tendo em vista que os atos anulados haviam produzido efeitos favoraveis aos administrados 7, Desse modo, impée-se a modulacao dos efeitos desta decisao (art. 27 da Lei ne 9,868/1999), para que (i) sejam mantidas as anulacées jé realizadas pela Administracao até a publicacao da ata do julgamento de mérito desta acao direta (23.04.2021), desde que tenham observado 0 prazo de 10 (dez) anos; (ii) seja aplicado o prazo decadencial de 10 (dez) anos aos casos em que, em 23.04.2021, jé havia transcorrido mais da me- tade do tempo fixado na lei declarada inconstitucional (aplicacao, por analogia, do art. 2.028 do Cédigo Civil); e (ii) para os demais atos admi- nistrativos -ados, seja o prazo decadencial de 5 (cinco) anos contado a partir da publicacao da ata do julgamento de mérito desta ago (23.04.2021). (..)” {ADI 6019, Pleno, Rel. Min. ROBERTO BARROSO, MARCO AURELIO, Redator do acérdao 12/05/2021) 35 ATUALIZAGAO | Direito Constitucional Grfado - Francisco Braga = FIXACAO DE PRAZOS DISTINTOS PARA A LICENCA-MATERNIDADE DE ACORDO COM A NATUREZA DA FILIACAO Na ADI 6600, julgada em 27/04/2021, 0 Supremo Tribunal Federal analisou disposigées contidas em lei do Estado do Tocantins que estabe- leciam, para os militares estaduais, prazos de licenga-maternidade que variavam de acordo com a natureza da filiagdo, de modo que, se a mater- nidade fosse bioldgica, o prazo seria um e, se a maternidade fosse adoti- va, 0 prazo seria outro. Segundo decidiu a Corte, essas normas sao inconstitucionais, em vir- tude de imporem a filiagdo adotiva uma discriminacao nao prevista na Constitui¢gao Federal, que, ao contrario do que fez a lei estadual, protege a maternidade biolégica e a maternidade adotiva da mesma forma, asse- gurando a ambas as mesmas garantias. Nas palavras do Tribunal, “a Constituicao Federal estabelece a prote- ¢Go a maternidade como dever do Estado, além de outros direitos sociais instrumentais como a licenca-gestante, o direito a seguranca no empre- go, a protecao do mercado de trabalho da mulher e a reducGo dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de salide, higiene e seguranca. (..) A formacao do vinculo familiar por meio da adocao esta igualmen- te protegida pelas garantias conferidas pela Constitui¢do a maternida- de bioldgica, inclusive no tocante a convivéncia integral da crianca com @ mae de maneira harménica e segura. A Constitui¢éo nao diferencia a maternidade biolégica da adotiva, pelo que é inconstitucional qualquer disposi¢do normativa que discrimine a mae adotiva”. = CANDIDATOS PORTADORES DE DEFICIENCIA EM PROVAS FISICAS DE CONCURSOS PUBLICOS Invocando, dentre outros fundamentos, 0 direito 4 igualdade ma- terial, o Supremo Tribunal Federal decidiu ser inconstitucional vedar a adaptacao de provas fisicas de concursos pUblicos para candidatos por- tadores de deficiéncia. A corte entendeu, também, que viola a Consti- tuigdo a aplicagdo a esses candidatos, nas provas fisicas de concursos pUblicos, dos mesmos critérios de avaliagdo aplicaveis aos candidatos sem deficiéncia, a menos que o tratamento igualitério seja necessdrio por conta da natureza das fungGes do cargo a ser ocupado. Esse entendimento foi adotado na ADI 6476 (julgada em 08/09/2021), na qual o STF fixou as seguintes teses: 36 [ATUALIZAGKO | Direito Constitucional Grfado + Francisco Braga 1) Einconstitucional a interpretac3o que exclui o direito de candi- datos com deficiéncia adaptacao razoavel em provas fisicas de concursos publicos; Il) € inconstitucional a submissao genérica de candidatos com e sem deficiéncia aos mesmos critérios em provas fisicas, sem a demonstracao da sua necessidade para o exercicio da fungao publica. LIBERDADE RELIGIOSA (ART. 5°, VI, CF/88) Pode uma lei estadual determinar que as escolas e bibliotecas pt- blicas estaduais mantenham, em seus acervos, exemplar de determina- do livro de carater religioso? Esse questionamento foi enfrentado pelo Supremo Tribunal Federal na ADI 5258, julgada em 13/04/2021, e a Corte decidiu que uma norma com esse teor é inconstitucional, por violar a laicidade do Estado (art. 19, |, CF/88), a liberdade religiosa (art. 5°, VI) e até mesmo a isonomia (art. 5°, caput e |, CF/88), pois faz com que o poder publico se alinhe a uma religido especifica em detrimento das demais religides. Alei em questao havia sido editada pelo Estado do Amazonas e obri- gava as bibliotecas e as escolas pUblicas estaduais a manterem, em seus acervos, pelo menos um exemplar da biblia. Ao dispor dessa maneira, a norma discriminou as demais religides, pois nao assegurou a disponib zacao de seus respectivos livros (ferindo, portanto, a isonomia e a liber- dade religiosa), e fez com que o Estado adotasse uma postura alinhada com uma religido especifica (violando, com isso, a laicidade estatal). Nos termos que constaram da ementa da decisao, “é inconstitucio- nal, por ofensa aos principios da isonomia, da liberdade religiosa e da laicidade do Estado, norma que obrigue a manutencdo de exemplar de determinado livro de cunho religioso em unidades escolares e bibliotecas publicas estaduais”. Confira o teor das disposiges constitucionais desrespeitadas por essa lei (arts. 5°, caput, | e VI, e 19, |, da CF/88): “Art. 52, CF/88. Todos s4o iguais perante a lei, sem distingao de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no Pais a inviolabilidade do direito a vida, 8 liberdade, a igualdade, a seguran- sae a propriedade, nos termos seguintes: 37 ATUALIZAGAO | Direito Constitucional Grfado - Francisco Braga 1- homens e mulheres so iguais em direitos e obrigagées, nos termos desta Constituigao; (2) Vi- lavel a liberdade de consciéncia e de cren¢a, sendo assegurado: o livre exercicio dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a prote- 40 aos locais de culto e a suas liturgias; (" “Art. 19, CF/88. E vedado a Uniao, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municipios: 1- estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioné-los, embaragar- -lhes 0 funcionamento ou manter com eles ou seus representantes rela- des de dependéncia ou alianca, ressalvada, na forma da lei, a colabora- Gao de interesse publico; wy LIBERDADE PROFISSIONAL (ART. 5°, XIII, CF/88) O direito fundamental de liberdade profissional (ou liberdade de trabalho ou liberdade de profissdo ou liberdade de exercicio profissio- nal) encontra-se previsto no art. 5°, XIll, da CF/88, que estabelece ser livre o exercicio de qualquer trabalho, mas permite que a lei estabeleca restrigdes a essa liberdade. Por forga desse dispositivo, os individuos podem livremente esco- ther qualquer profissdo que queiram exercer, porém, é possivel que o Es- tado estabelega, por lei, determinadas restrigdes e exigéncias para que certas atividades profissionais sejam exercidas. O art. 5°, XIII, da CF/88, portanto, é uma norma constitucional de eficacia contida, pois a sua aplicabilidade é direta e imediata (ja que as pessoas tém direito a liberdade profissional, independentemente de qualquer regulamentagao infraconstitucional), mas pode ser restringida (pois a regulamentacao infraconstitucional, embora nao seja indispensa- vel, é admitida, e, sendo feita, pode trazer restri¢des ao direito). “Art. 5®, XIII, CF/88 - é livre 0 exercicio de qualquer trabalho, oficio ou profissdo, atendidas as qualificagées profissionais que a lei estabelecer;” Qual entidade federada tem competéncia para legislar criando restrigdes e exigéncias para o exercicio de profissées? A Unido, nos ter- mos do art. 22, XVI, da CF/88. Portanto, apenas normas federais podem 38 [ATUALIZAGKO | Direito Constitucional Grfado + Francisco Braga restringir a liberdade de exercicio profissional, no tendo os Estados, 0 Distrito Federal e os Municipios competéncia constitucional para isso. Além disso, segundo a jurisprudéncia do STF, para que o legislador imponha restricdes e condic¢des ao exercicio de alguma profissdo, deve haver um motivo constitucionalmente legitimo que justifique a medida. E necessario, portanto, que haja razoabilidade e proporcionalidade na limitagao da liberdade profissional e que a limitagao nao viole (outras) disposicdes constitucionais. aadvo- Uma das profiss6es cujo exercicio sofre limitagdes por lei cacia. Exemplos de normas que vedam o exercicio da advocacia por de- terminadas pessoas sao o proprio Estatuto da OAB (Lei 8.906/94) ea Lei 13.316/2016 (que disciplina as carreiras dos servidores do MPU e do NMP). Na ADI 5235, julgada em 14/06/2021, foram impugnados disposi- tivos dessas leis, mais precisamente, dispositivos que proibem servido- res do Poder Judiciario e do Ministério Publico da Unido de exercerem a advocacia, além de vedarem que essa atividade seja desempenhada por servidores puiblicos em geral contra a Fazenda Publica que os remunera. Veja o teor desses dispositivos: “Art. 28, Lei 8.906/94. A advocacia é incompativel, mesmo em causa pré- pria, com as seguintes atividades: (3) \V- ocupantes de cargos ou fungées vinculados direta ou indiretamente a qualquer 6rgao do Poder Judiciério e os que exercem servicos notariais ede registro; (." “Art. 30, Lei 8.906/94. Sao impedidos de exercer a advocacia: | - os ser- vidores da administra¢ao direta, indireta e fundacional, contra a Fazenda Pablica que os remunere ou & qual seja vinculada a entidade emprega- dora; (.)" “Art. 21, Lei 13.316/2016. Aos servidores efetivos, requisitados e sem vin- culo do Ministe Publico da Unido é vedado o exercicio da advocacia e de consultoria técnica, ressalvado o disposto no art. 29 da Lei n° 8.906, de 4 de julho de 1994.” O que decidiu o STF? 39

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