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UNIVERSIDADE DO OESTE DE SANTA CATARINA – UNOESC

CLORETE MARLA SALVADEGO

A ATA NOTARIAL COMO MEIO DE PROVA:


(re)vestindo fatos particulares com a fé pública para o convencimento do magistrado

Xanxerê - SC
2022
CLORETE MARLA SALVADEGO

A ATA NOTARIAL COMO MEIO DE PROVA:


(re)vestindo fatos particulares com a fé pública para o convencimento do magistrado

Trabalho de Direito Processual Civil I,


apresentado ao curso de Direito, da Universidade
do Oeste de Santa Catarina, Campus Xanxerê, para
obtenção de nota parcial.

Xanxerê - SC
2022
Mormente, é essencial pontuar que os meios probatórios, tais como estão dispostos pelos
Códigos – sobretudo pela Lei 13.605/2015 –, devem ser analisados em consonância à
mutabilidade do Direito. Deste modo, a Ata Notarial, enquanto meio de prova e objeto do
presente estudo, poderá ser esmiuçada com respaldo histórico, técnico e crítico.
Segundo a etimologia, a palavra “prova” é originária do latim probo (honesto, correto)
e tem como sinônimos: indício, mostra, inspeção. (MICHAELIS, 2008)
De modo análogo, Marinoni e Mitidiero (2011, p. 334) conceituam prova como “meio
retórico, regulado pela legislação, destinado a convencer o Estado da validade de proposições
controversas no processo, dentro [...] de critérios racionais.”
Com base nessa conceituação, frisa-se que os processos judiciais sempre estiveram
despojados sob o ideal de justiça, em busca de se provar algo. Quer seja pelo entendimento
divino, outrora pelo poder daqueles que governavam, ou, por sorte, pela lei positivada.
Neste sentido, Holthausen (2008, ONLINE) verifica a origem da prova judicial.
Depreende que a figura da prova inexistia na Pré-história, pois o mais forte sempre vencia os
conflitos. Em vista disso, a Idade Antiga, cerca de 3.500 a. C., guarda a gênese probatória.
Assim, a religião foi o primeiro parâmetro de prova dos povos indo-europeus. Isto é, as
sociedades antigas atribuíam origem divina ao Direito e, consequentemente, acreditavam que
Deus coordenava o processo e julgamento dos homens por meios cruéis e cabalísticos. Nesta
entoada, as ordálias, o juramento e os duelos judiciais eram usados para buscar a verdade real
dos fatos.
Já no fim da Idade Média, o fortalecimento do Estado e o desenvolvimento das
sociedades permitiram novas formas de administração social. Para tanto, a racionalização
ganhou espaço nas Universidades do século XI, uma vez que a vontade de Deus não mais
explicava tudo que ocorria. Logo, a fusão entre o direito romano, germânico e canônico fez
surgir o Processo Comum, que se expandiu pela Europa Ocidental até o século XVI.
(WIGGERS OLIVEIRA, 2008, p.21)
À vista disso, a predominância da justiça pública sobre a privada fez efervescer o
entendimento processual pós-moderno. Ou seja, a partir da Revolução Francesa de 1789 as
provas passaram a ser instruídas pela racionalização e pela dignidade da pessoa humana.
(MARTINS, 2019, ONLINE)
É evidente a vasta historicidade compreendida pelo Direito, desde a lei divina até àquela
positivada. Entretanto, o breve relato supracitado já satisfaz o entendimento sobre conceito e
origem dos meios de provas, com foco naquelas produzidas em matéria de Processo Civil.
Em um segundo momento, faz-se mister adentrar à dinamicidade da Ata Notarial e sua
influência na fase instrutória.
De acordo com Lima (2016, ONLINE) a Ata Notarial emerge com os escribas do
Antigo Egito. Curiosamente, parte da doutrina entende que a primeira ata lavrada no Brasil teria
sido a Carta de Pero Vaz de Caminha, à época escrivão da armada portuguesa, que descreveu
as terras “brasileiras” ao rei Dom Manuel I. Por outro lado, alguns historiadores atribuem o
registro deste primeiro documento ao Tabelião do Consulado dos Mares, Rodrigo de Escobedo.
Em 1492, durante expedições, Escobedo teria registrado a conversa de Colombo com os índios
sobre a posse das terras aos Reis Católicos. Basicamente, a discussão doutrinária é sobre a
competência de ambos para o grau de registro.
Em acréscimo, Gouvêa et al. (2020, p. 99) explica a introdução gradual da Ata Notarial
no ordenamento jurídico brasileiro. Assim, o CPC/73 foi o primeiro diploma a reconhecer esse
instituto, ainda que indiretamente. Desta forma, durante a vigência do antigo Código, a ata era
considerada uma prova atípica, por não ser disciplinada expressamente. Contudo, o artigo 364
admitia a força probatória dos documentos públicos lavrados e presenciados pelo tabelião. Em
vista disso, criou-se materialmente este instituto, que passou a ser apreciado nas demandas
judiciais.
Complementando o entendimento, Lima (2016, ONLINE) discorre:
(...) mesmo antes do advento do atual Código de Processo Civil, já existia a
possibilidade de os Cartórios lavrarem atas notarias, embora os tabeliões lavrassem
atas notarias sem sequer saber que estavam utilizando-se desse instituto que, uma vez
previsto em lei, passou a ser minimamente regulamentado (apud ARAÚJO, 2009, p.9)
Mais tarde, em 1994, a Ata Notarial foi oficialmente regulamentada pela Lei 8.935,
conhecida como Lei dos Notários e Registradores. Dentre as atribuições, aos tabeliães de notas,
foi disposto a lavratura de atas notariais (art. 7º, III). Ou seja, a competência para serem
redigidas é exclusiva destes. (THEODORO JÚNIOR, 2021, p. 789)
De forma ajustada, o campo processual só a tipificou no rol das provas com o Novo
Código de Processo Civil de 2015. Destaca-se que a incorporação normativa da Ata Notarial
ao artigo 384 do CPC ocorreu em virtude do inegável proveito que esta vinha tendo no dia a
dia forense. (LIMA, 2016, ONLINE)
Finalmente, o instituto foi estampado com a seguinte redação:
Art. 384. A existência e o modo de existir de algum fato podem ser atestados ou
documentados, a requerimento do interessado, mediante ata lavrada por tabelião.
Parágrafo único. Dados representados por imagem ou som gravados em arquivos
eletrônicos poderão constar da ata notarial (BRASIL, 2015).
De acordo com os termos do artigo supracitado, Donizetti (2021, p. 100) conceitua Ata
Notarial do seguinte modo: “É o instrumento formalizado por tabelião para constatar a
realidade de um fato que ele presenciou ou do qual tomou conhecimento, sem qualquer
emissão de opinião pessoal.”
Ato contínuo, Gouvêa et al. explica que o trabalho do tabelião é restrito e não deve ser
praticado de ofício. Portanto, o que ele fará é ver, sentir e/ou ouvir as situações e informações
de variadas naturezas que lhe forem levadas, descrevendo-as por escrito, sem aplicar nenhum
juízo de valor. (2020, p. 100)
Outrossim, o autor complementa citando Humberto Theodoro Júnior:
A compreensão de sua exata natureza e função é necessária, porque, não
obstante seja produzida como um documento público, a ata notarial retrata
conteúdos que foram presenciados por pessoas – entre elas o tabelião. Mas o notário
não é uma testemunha, nem se converte em uma. Humberto Theodoro Júnior ensina
[...] que o tabelião forma documentos enquanto descreve fatos, para que a descrição
sirva para representá-los em momento posterior. Para o professor, é importante
ressaltar que o notário não dá autenticidade ao fato, apenas o relata com
autenticidade (GOLVÊA, et al. 2020, p. 101, apud THEODORO JÚNIOR).
Por mais que essa conceituação seja tardia, o tempo para maturá-la é indispensável.
Pois, bastou até o momento conhecer a ata como meio probatório. De agora em diante,
verificar-se-á seus efeitos, ou seja, a ata aplicada ao/no meio probatório.
No tocante à eficácia, Bueno (2021, p. 577) afirma que a Ata Notarial é um meio de
prova robusto, pois não deixa de ser, em sentido amplo, um documento público. Destarte,
dispõe o art. 405 do CPC que “o documento público faz prova não só da sua formação, mas
também dos fatos que o escrivão, o chefe de secretaria, o tabelião ou o servidor declarar que
ocorreram em sua presença”. Por essa razão, qualquer das partes podem solicitar que um
tabelião registre seus fatos particulares, objetivando fazer prova em juízo ou fora dele.
Dito de outra forma, a autenticidade do documento público é duplamente reconhecida:
tanto na estrutura documental, quanto no conteúdo que a comporta.
Denota-se que este meio de prova está em voga por duas principais circunstâncias: a
primeira diz respeito à urgência de documentar certos fatos que podem, natural ou
artificialmente, desaparecer ou reduzir; já a segunda se refere à presunção de veracidade do
conteúdo atestado, dado o fato da fé pública.
Em relação à fé pública e à natureza da ata, Theodoro Júnior (2021, p. 790) explica,
sabiamente:
Em razão dessa presunção de veracidade, diz-se que a ata faz prova plena do fato
nela narrado. [...] Todavia, a presunção é juris tantum, ou seja, admite prova em
contrário. Vale dizer, reconhecer a veracidade do fato atestado na ata notarial não
enseja a automática procedência ou improcedência do pedido. O juiz deverá cotejar
a ata com as outras provas existentes nos autos para formar o seu convencimento a
respeito do litígio. E, caso o material probatório abale a fé da ata, a sua veracidade
poderá ser afastada.
Assim sendo, as solenidades adotadas lhe conferem a presunção relativa (juris
tantum). Logo, as circunstâncias fáticas descritas consideram-se provadas, desobrigando a
parte do ônus ou da complementação por outras provas. Todavia, embora as atas notarias
tenham um “peso” probatório maior que um documento particular, por exemplo, não são
imediatamente acatadas como procedentes pelo magistrado.
Corroborando com o exposto, Gouvêa et al. (2020, p. 101) conclui que a Ata Notarial
“é, portanto, uma espécie de prova documental, e não um meio de prova autônomo.” Posto
isso, conforme o artigo 320 do atual Código, a natureza documental atribuída exigirá que essa
espécie de prova seja levada aos autos juntamente com as peças inaugurais do processo: na
petição inicial e na contestação.
De modo paralelo, ao abrir um terceiro bloco de comentários, é pertinente mencionar
situações que podem ser registradas em atas, as restrições encontradas quando da sua
documentação e, por fim, falar sobre o processo de cognição judicial que a envolve.
A gama de utilizações práticas das atas notariais é extensa. Recapitule-se que ela é
solicitada, na maioria dos casos, para que se registre fatos que são de curto prazo de duração.
Isto é, que podem ser modificados pela ação natural do tempo ou pela ação humana.
Dentre os usos mais corriqueiros, estão: a constatação de excesso de ruído; o registro
da inexistência de documentos que comprovem a cobrança de débitos; o registro de reuniões
de sócios, assembleias de condomínios, discussões e votações; acompanhamento na vistoria
de imóveis; registro de negociações com o intuito de provar atividades ilícitas; a confirmação
de invasão de propriedade rural no contexto da reintegração de posse; a anotação de
prestações de serviços, além de diversas outras diligências. (GOLVÊA et al., 2020, p. 101)
Ainda, Bueno (2021, p. 576) assinala que a ata tem sido comumente usada para registrar
licitações públicas, com o intuito de apurar as sessões, propostas e comportamentos dos
licitantes.
O universo tecnológico, por sua vez, é amplamente documentado pelas atas notarias.
Deste modo, os websites, salas de bate-papo e mídias de vídeos podem ser aferidas pelo
Tabelião.
À luz do parágrafo único do artigo 384, Montenegro Filho (2018, p. 370) exemplifica:
A ata notarial, como modalidade de prova, é importantíssima, sobretudo para registrar
fatos propagados pelas redes sociais antes que a mídia seja retirada do ar, como
fotografias de pessoas, de lugares, textos escritos e ali veiculados, além de gravações
telefônicas, com o registro de ameaças, de informações, em diálogos domésticos
(entre marido e mulher, por exemplo), comerciais etc.
Uma interessante discussão envolve o registro da declaração de testemunhas por meio
da ata notarial, contraditando o que comumente se verifica pelos olhos do notário. Parte da
doutrina defende sua admissibilidade, contudo, para isso, as partes devem decidir em conjunto,
estipulando os termos para a coleta da prova. (THEODORO JÚNIOR, 2021, p. 791)
Segundo Golvêa et al., em todas essas situações, a ata deverá ser redigida, com
“narração objetiva, fiel e detalhada de fatos jurídicos presenciados ou verificados
pessoalmente pelo Tabelião de Notas”, contendo local, data e hora de sua lavratura. (2020, p.
100)
Na mesma linha de raciocínio, Bueno (2021, p. 576) ressalta que “não há limitações ou
parâmetros aos fatos que podem ser demonstrados por meio da ata notarial”. Contudo, o
tabelião não poderá lavrá-la se for considerado impedido ou incompetente, devido à atribuição
dos diferentes serviços notariais.
A parte que queira produzir este tipo de prova terá que arcar com custos. Acerca disso,
os valores divergem em cada unidade federativa, pois são fixados pela Tabela de Tarifas de
Títulos e Emolumentos de cada Estado. Em Santa Catarina, a ata notarial simples custa R$
166,66, somando R$ 4,44 por folha excedente. (CARTÓRIO DE PROTESTOS BR, 2021)
Conclui-se que, na Ata Notarial, os reflexos da vida privada são revestidos pela fé
pública, porquanto materializa fatos com o objetivo de resguardar direitos.
De maneira silenciosa, ela pode ser registrada sem controle ou ciência prévia da parte
contrária e do julgador. Com isso, é incontestável afirmar que qualquer pessoa pode,
antecipadamente, por meio da Ata Notarial, armar-se contra aquele que lhe ofende.
Não é à toa que a documentação estatal é presumidamente verdadeira. Na fase
instrutória, o magistrado aproxima-se de seus pares (servidores públicos) e do material
produzido por estes. De modo irrefutável, aquele que usa a Ata Notarial como meio de prova
está mais perto da materialização do direito subjetivo. Ou seja, tê-la em mãos, é perpetuar os
fatos no tempo. É aproximar-se da prestação da tutela jurisdicional.
REFERÊNCIAS

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BUENO, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil, v. 2


: procedimento comum, processos nos Tribunais e recursos. 10. São Paulo Saraiva Jur 2021 1
recurso online ISBN 9786555593747.

CARTÓRIO DE PROTESTOS BR. Tabela de Emolumentos vigente. [S. l.], 30 dez. 2021.

DONIZETTI, Elpídio. Curso de direito processual civil. 24. São Paulo Atlas 2021 1 recurso
online. ISBN 9788597027860.

GOUVÊA, José Roberto ; et al. Comentários ao Código de Processo Civil - volume VIII –
tomo I – artigos 369 a 404 - DAS PROVAS: Disposições Gerais. Editora Saraiva, 2020.
Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786555591446/. Acesso
em: 24 mai. 2022.

HOLTHAUSEN, Fábio Zabot. Prova judicial: conceito, origem, objeto, finalidade e


destinatário. [S. l.]: Âmbito Jurídico, 31 ago. 2008. Disponível em:
https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-processual-civil/prova-judicial-conceito-
origem-objeto-finalidade-e-
destinatario/#:~:text=Burgarelli%20assim%20define%20a%20palavra,ocorr%C3%AAncia%2
C%20tal%20como%20foi%20descrito. Acesso em: 1 maio 2022.

LIMA, Lucas Melo. Ata notarial: evolução do instituto. [S. l.], 27 maio 2016. Disponível
em: https://jus.com.br/artigos/49360/ata-notarial-evolucao-do-instituto. Acesso em: 4 maio
2022.

MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Código de processo civil comentado.


3. ed. São Paulo: RT, 2011. p. 334.

MARTINS, Juliana Viana. Das provas no novo Código de Processo Civil. [S. l.], 15 nov.
2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/77872/das-provas-no-novo-codigo-de-
processo-civil. Acesso em: 4 maio 2022.

MICHAELIS. Dicionário prático língua portuguesa. 1. ed. São Paulo: Melhoramentos,


2008. ISBN 9788506056806.

MONTENEGRO FILHO, Misael. Novo Código de Processo Civil comentado. 3. Rio de


Janeiro Atlas 2018 1 recurso online ISBN 9788597016611.

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. 62. ed. rev. e atual.
Rio de Janeiro: Forense, 2021. 1035 p. v. 1.

WIGGERS OLIVEIRA, Fátima das Dores. Origem da prova. In: WIGGERS OLIVEIRA,
Fátima das Dores. Prova no Processo Civil. 2008. Monografia (Bacharelado em Direito) -
Universidade do Vale do Itajaí, Itajaí, 2008. p. 21. Disponível em:
http://siaibib01.univali.br/pdf/Fatima%20das%20Dores%20Wiggers%20Oliveira.pdf. Acesso
em: 9 maio 2022.

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