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RECURSO EM HABEAS CORPUS Nº 171895 - ES (2022/0320422-2)

RELATOR : MINISTRO ROGERIO SCHIETTI CRUZ


RECORRENTE : THIAGO DOS SANTOS MARTINS (PRESO)
ADVOGADOS : LUCAS KAISER COSTA - ES018506
CARLOS BERMUDES - ES022965
RECORRIDO : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO ESPÍRITO
SANTO
CORRÉU : RODRIGO TEIXEIRA
CORRÉU : HENRIQUE SCHUNK BAUMGARTEN

DECISÃO

THIAGO DOS SANTOS MARTINS alega sofrer coação ilegal


em decorrência de acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado do
Espírito Santo no Habeas Corpus n. 5002289-50.2022.8.08.0000.

Nas razões deste recurso, a defesa postula o reconhecimento da


atipicidade da conduta, com o consequente trancamento da ação penal.

O Ministério Público Federal opinou pelo desprovimento do recurso.

Decido.

I. Contextualização

O recorrente foi denunciado pela suposta prática do crime descrito no art.


273, §§ 1º e 1º-B, V, do Código Penal.

De acordo com a inicial acusatória, o acusado forneceu "para Carlos


Bataniel Wanzeler substâncias anabolizantes, como a Somatropina (hormônio do
crescimento) e um blend de Trembolona, Masleron (Propionato de Drostanolona) e
Propionato de Testosterona (todos esteroides anabolizantes), que são vendidas

Edição nº 3505 - Brasília, Disponibilização: terça-feira, 25 de outubro de 2022 Publicação: quarta-feira, 26 de outubro de 2022
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Publicação no DJe/STJ nº 3505 de 26/10/2022 (Aguardando confirmação da publicação). Código de Controle do Documento: 28ee1ce7-d088-4022-ba4d-6370cb666f90
apenas com receita médica e sua restrição, cuja origem dos produtos é
desconhecida" (fl. 14).

Por ocasião do cumprimento do mandado de busca e apreensão, foram


encontradas em sua residência "três ampolas de Durasteston (medicamento para
reposição de testosterona - hormônio do crescimento)" (fl. 15).

Inconformada, a defesa impetrou habeas corpus perante o Tribunal


estadual, que denegou a ordem nos seguintes termos (fl. 540):

Cabe ressaltar que o trancamento da ação penal, em sede de


habeas corpus, constitui medida excepcional, que só deve ser
aplicada quando indiscutível a ausência de justa causa ou quando
há flagrante ilegalidade demonstrada em inequívoca prova pré-
constituída. [..]
No caso vertente, entretanto, não é possível vislumbrar qualquer
das hipóteses elencadas acima, notadamente pelo teor da decisão e
das informações já transcritas, restando assim inviável o
acolhimento da pretensão veiculada, somente permitida, repito,
nos casos em que a ausência de justa causa é patente, o que não
ocorre no caso em comento. Ademais, o Juiz não está adstrito à
capitulação feita na denúncia, podendo adequar o tipo penal após a
instrução processual concluída, o que exige análise de prova e,
portanto, dilação probatória adequada. Lado outro, ressalto que na
via estreita do habeas corpus, não se admite a análise aprofundada
de fatos e provas, de tal modo que a alegada coação ilegal deve
estar demonstrada de plano, por prova pré-constituída, o que não
ocorreu na espécie.
Portanto, em tese, entendo que tais argumentos atestam a
legalidade dos procedimentos que deram origem à ação penal
originária instaurada, de modo a afastar a pretensão de seu
trancamento pela via do habeas corpus. [...]
Logo, aflora do apostilado que a tese lançada pelo Impetrante não
é constatada primo ictu oculi, mostrando-se atrelada ao próprio
mérito do processo originário, merecendo, portanto, ser avaliada
no momento oportuno, qual seja, no decorrer da instrução
criminal. Desta feita, não se vislumbra razão para o trancamento
da ação penal, porquanto ausentes quaisquer vícios que a maculem
- ao menos em uma análise perfunctória, própria da via escolhida.
Portanto, com fundamento nas razões acima aduzidas, entendo que
não deve prosperar o pedido formulado em favor do Paciente,
razão pela qual o parecer desta Procuradoria de Justiça Criminal é
no sentido de que se conheça da impetração, mas para DENEGAR
a ordem.

II. Trancamento do processo

Edição nº 3505 - Brasília, Disponibilização: terça-feira, 25 de outubro de 2022 Publicação: quarta-feira, 26 de outubro de 2022
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Conforme reiterada jurisprudência desta Corte, na linha do que dispõe o
art. 395 do CPP, o trancamento do processo, por ser medida excepcional, somente
é possível quando evidenciadas, ictu oculi, a absoluta deficiência da peça
acusatória ou a ausência inconteste de provas (da materialidade do crime e de
indícios de autoria), bem como a atipicidade da conduta ou a existência de causa
extintiva da punibilidade.

No caso dos autos, a defesa suscita o reconhecimento da atipicidade da


conduta. Alega, em síntese, que há prova pré-constituída que indica a
originalidade dos anabolizantes – fato que, em seu entender, não configura o
crime descrito no art. 273, §§ 1º e 1º-B, V, do Código Penal.

Infere-se dos autos que foram apreendidas, na residência do recorrente,


"três ampolas de Durasteston (medicamento para reposição de testosterona -
hormônio do crescimento)" (fl. 15).

A perícia concluiu que "os exames realizados no material encaminhado,


descrito na seção 1, detectaram conter Propionato de Testosterona, Isocaproato de
Testosterona, Decanoato de testosterona e Fempropionato de testosterona na sua
composição" (fl. 58).

Além disso, o expert registrou que a referida substância "encontra-se


relacionada na Lista das Substâncias anabolizantes (Lista C5), sujeitas a Receita de
Controle Especial em duas vias, de acordo com o Anexo 1 da Portaria n. 344 da
Secretaria de Vigilância Sanitária/Ministério da Saúde, de 12 de maio de 1998 e
suas atualizações" (fl. 58).

Nesse contexto, a alegação defensiva de que os produtos apreendidos


consistem em "substância original" (fl. 562) e, consequentemente, a conduta
imputada ao acusado seria atípica, deve ser analisada junto ao mérito da ação
penal, notadamente em virtude da alegada mercancia de outros produtos também
realizada pelo recorrente, cuja procedência, ao que se infere de uma análise
perfunctória inerente a esta etapa processual, é ignorada.

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Deveras, a denúncia narra que, em 3/4/2019, "'Thiago avisa que os
produtos chegaram e encaminha foto para Carlos, se tratando do medicamento
denominado Eutropin, cuja composição é o hormônio do crescimento chamado de
Somatropina" (fl. 15, grifei) - sem informar o fornecedor.

A inicial descreve, ainda, que, em 7/11/2019, o paciente indicou "o


melhor medicamento para um ciclo de cinquenta dias" e vendeu, para o mesmo
comprador, um "blend de asteroides anabolizantes" (fl. 15, destaquei).

Há, também, fotos das substâncias e transcrições de conversas de


whatsapp envolvendo, em tese, o comércio de diversos produtos hormonais.

Assim, ao menos para os limites de cognição possíveis nesta via estreita


e para o standard probatório exigido para a etapa de oferecimento da denúncia, não
há como ser reconhecida a atipicidade da conduta.

III. Dispositivo

À vista do exposto, nego provimento ao recurso em habeas corpus.

Publique-se e intimem-se.

Brasília (DF), 19 de outubro de 2022.

Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ


Relator

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