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Capa: Criativa TI
Revisão: Angélica Pedrolli
Frustração
“Dia após dia reaparece. Noite após noite a batida do meu coração
demonstra o medo. Fantasmas aparecem e somem. Sozinho entre os
lençóis. Somente traz irritação. É hora de caminhar pelas ruas e sentir o
cheiro do desespero.”
Voltei tarde da noite para meu martírio com a música Overkill do
Motorhead no último volume. A tragédia na minha vida não roubou só o
meu coração, mas também meu lar. Não tinha mais prazer em voltar para
casa.
Meu olho estava pesado porque estava inchado e com alguns
hematomas. Acionei o controle remoto para abrir o portão da garagem.
Depois de estacionar, peguei minha mochila e fui para fundo da casa.
Caminhei até a porta da cozinha, a destranquei e quando a luz acendeu levei
um susto.
— Caralho, Priscila, vai assustar outro, porra. Igual um fantasma no
escuro. — Estava sendo difícil lidar com uma irmã psicóloga pegando no
meu pé.
— Boa noite, irmão. Eu tinha certeza de que seu estado ao chegar
não me agradaria. Você está deplorável, Henrique.
— Priscila, por que não vai embora cuidar da sua família? Não estou
bem hoje. — Acabei de falar e me arrependi. Dei munição a ela.
— Minha família? Sim, Henrique, eu estou cuidando da “MINHA
FAMÍLIA” e da SUA inclusive. — Abri a boca para interrompê-la, mas ela
estendeu a mão me fazendo parar. — Não se atreva a dizer que Lara não é
SUA FAMÍLIA. Até quando vai se esconder atrás dessa fantasia de vítima?
— Fantasia? Está louca? Eu perdi minha esposa no momento mais
esperado por nós. Tiraram tudo de mim, inclusive a vontade viver. —
Caminhei para a sala e ela veio atrás de mim feito doida. Com o dedo em
riste falou aos gritos.
— Cala a boca, pelo amor de Deus. SUA FILHA PRECISA DO
PAI. Olha para você. Agindo como um garoto rebelde frequentando luta
clandestina. — Terminou a frase enfiando aquele dedo fino no meu peito.
Olhei para ela espantado. Como ela sabia do clube? Aquele lugar
era escondido, mas claro, minha irmãzinha sabia. Porém, eu não daria a ela
nenhuma informação.
— Do que está falando, sua maluca? Hoje tive problemas com um
elemento no serviço. — Ela me olhou decepcionada e depois fechou os
olhos. Quando os abriu, respirou fundo e logo depois me encarou
desanimada.
— Não subestime minha inteligência, Henrique. Eu sei o que anda
fazendo. — Priscila estava me irritando quando eu queria apenas tomar
banho e dormir para sempre. Enchi o peito de ar e fiz um discurso todo
emocionado.
— Está bem, irmã. Eu sou todo errado, fiz merdas, mas eu precisava
colocar esse ódio para fora. Quanto a minha filha, ela precisa de alguém que
possa amá-la. Meu coração está destruído. Ninguém sabe o que sinto. Por
que aconteceu isso comigo? Você pode me responder, doutora psicóloga?
— Ela deu uma risada maquiavélica e me preparei para um novo surto.
Ela começou a me aplaudir feito uma louca. Permaneci em silêncio
a encarando com raiva.
— Parabéns, pessoa especial. Acorda, meu irmão, acontece todo dia,
com todo mundo. Você não é o único que perdeu alguém. O seu
questionamento está errado. — Ela colocou a mão na cintura e me encarou
como um touro bravo.
— Qual seria então a pergunta certa, gênio? — Ela bufou com raiva
e acabou comigo apenas com uma frase.
— Por que não com você, irmão? — Respirei fundo e me sentei no
sofá da sala.
Coloquei meus cotovelos nas coxas e baixei minha cabeça nas mãos.
Senti o sofá afundar e permaneci na mesma posição. Passamos alguns
minutos um ao lado do outro sem falar nada, até sentir um afago em meu
cabelo.
— Henrique, você é meu único irmão. Eu te amo demais. Não faz
isso com você e com sua filha. Ela necessita do pai. Nós também perdemos
a Laura, mas a vida precisa continuar. — Respirei fundo e olhei para minha
irmã desanimado.
— Estou cansado, irmã. Preciso descansar. Amanhã é minha folga,
terminamos essa conversa no café da manhã, pode ser? — Priscila me
examinou com olhar de águia e para meu espanto concordou rápido demais.
— Tudo bem, Henrique. Tome um banho e cuide desses ferimentos.
Amanhã cedo venho tomar café com você. — Ela me deu um beijo na testa
e depois se levantou para ir embora, mas quando chegou até a porta, se
virou e me deixou encucado.
— Eu sei como resolver seu problema, irmão. Amanhã te explico
melhor. — Jogou um beijinho e saiu sorridente.
Depois que ela se foi, permaneci um tempo no sofá tentando
entender o que ela queria dizer com aquilo, mas acabei desistindo. Priscila
era um ser indecifrável.
Capítulo 2
Imprevisível
Acordei cedo com o interfone tocando sem parar. Olhei para meu
celular e ainda eram sete e meia da manhã.
— Porra, quem está tocando uma hora dessa? — Virei para o lado e
segurei o travesseiro na cabeça.
A pessoa que estava tocando não desistiu e infernizou com aquele
som infernal até eu levantar. Quando cheguei na cozinha e vi minha irmã no
visor da câmera do interfone, não acreditei naquilo.
— Sério, Priscila? É de madrugada ainda.
— Bom dia meu querido irmão. Estou feliz por te ver também. —
Revirei os olhos e falei.
— O que você quer a essa hora? Estou de folga, quero dormir.
— Abre logo essa merda antes que eu derrube. Vou fazer o café para
você, seu ingrato. — Apertei o dispositivo para abrir o portão e fui até o
banheiro lavar o rosto.
Quando voltei fui surpreendido por um carrinho de bebê na sala e
senti o cheiro de café vindo da cozinha. Olhei para minha filha que dormia
como um anjo e fechei os olhos apavorado. Saí de perto dela sem olhar para
trás e fui atrás da doida.
— Posso saber o que aquele carrinho está fazendo na sala?
— Naquele carrinho, Henrique, tem uma bebê linda que por sinal é
sua filha. — Respirei devagar tentando me acalmar.
— Priscila, não brinca comigo a essa hora da manhã. Para que você
trouxe a bebê?
— Porque o pai dela precisa entender que ele deve cuidar do seu
bem mais precioso. — Com o pouco de paciência que ainda restava fui até
ela que mexia no fogão e falei entredentes.
— Eu já te disse que não cabe um bebê em minha vida. Ela está
muito melhor com você. — Priscila abriu a boca para falar, mas eu não
deixei. — Sem chance, não quero ouvir mais nada. Vou tomar banho. Passe
bem, irmã.
Virei as costas e subi para o meu quarto com o coração disparado.
Debaixo do chuveiro com a água quente caindo sobre mim deixei meu
pranto rolar. Tudo estava muito fodido em minha vida, eu não daria conta
sozinho. Por que Laura me abandonou? Juramos amor eterno, fizemos
nossos votos, morrer estava fora de cogitação, aquilo não podia estar
acontecendo comigo.
Acionei pela Alexa a música God Never You Side do Motorhead no
volume máximo. Aquela letra fazia todo o sentido para a minha nova vida.
Dei uma gargalhada raivosa, porque Deus nunca esteve ao meu lado,
exatamente como na canção.
“Se as estrelas caírem sobre mim, se o Sol se recusar a brilhar,
então as algemas podem ser desfeitas e toda a velha palavra cessará de
rimar. Se os céus virarem pedra, isso não importará, não mesmo, pois não
há paraíso no céu. O inferno não espera por nossa ruína. Deixe a voz da
razão brilhar. Deixe os devotos esvanecerem duma vez. A face de Deus está
escondida, toda invisível. Você não pode perguntar a ele o que isso tudo
significa. Ele nunca esteve ao seu lado. Deus nunca esteve ao seu lado.
Abandone o certo ou errado, decida por si mesmo. Deus nunca esteve a seu
lado.”
Soquei a parede algumas vezes e gritei por toda minha má sorte.
Cansado, destruído e sem saber como seguir em frente, praguejei e
amaldiçoei todos os médicos responsáveis por não salvar minha esposa. Só
saí do banheiro quando minha casa estava em total silêncio.
Era zero a possibilidade de cuidar sozinho de um bebê de dois
meses. Minha irmã deve ter entendido minha incapacidade de lidar com a
pequena Lara e voltou com ela para sua casa.
Assim que cheguei na cozinha senti meu sangue fugir do meu corpo.
Aquilo só podia ser um pesadelo. Próximo a bancada estava o carrinho de
bebê com um pedaço de gente dormindo como um anjo. Com o coração
saltando no peito me deparei com um bilhete colado na porta da geladeira.
Antes da Laura
Reviravolta do Destino
Destruído
“Estou afundando e desta vez receio que não haja ninguém para me
salvar. Esse tudo ou nada realmente, tem um jeito de me deixar louco. Eu
preciso de alguém para curar. Alguém para conhecer. Alguém para ter.
Alguém para abraçar. É fácil dizer, mas nunca é igual. Acho que gosto do
jeito que você anestesiava toda a dor.”
A música Someone You Loved, do Lewis Capaldi tocava no sistema
de som do meu quarto. Eu não deveria ouvi-la, pois me fazia recordar do
meu casamento. Cantei para Laura o hino de nossa relação. A letra dizia
exatamente o que ela representava em minha vida.
Quinze dias após minha alta hospitalar, fui surpreendido por minha
irmã que chegou em minha casa pela manhã soltando fogo pelas ventas.
— Não acredito que ainda não foi ver sua filha. Você está louco,
Henrique? — Porra, estava tentando me equilibrar um pouco antes de voltar
ao trabalho.
Eu precisava pedir a ela a chave da minha casa, não precisava mais
de babá entrando e saindo do meu lar.
— Eu já disse que não tenho condições de estar com ela o tempo
todo. Não força a barra, irmã, você sabe que comigo não funciona assim. —
Ela cresceu uns dois metros para cima de mim, colocou as mãos na cintura
e gritou.
— Como funciona com você, Capitão Estevão? É tão irresponsável
que abandonou uma filha de quase três meses? É isto? O que acha que
Laura acharia disto? — Meu sangue ferveu. Levantei em um rompante e
respondi a ela no mesmo tom.
— Não se atreva a falar assim comigo. Você não perdeu sua família,
não sabe o que senti ao ver Laura morta naquele hospital. Não tenho
condições de criar uma criança. Ela é sua sobrinha, fique com ela. Esta
conversa acabou aqui, Priscila. — Acabei perdendo o controle e ela saiu
feito uma onça batendo a porta.
Priscila passou quase uma semana sem aparecer, mas logo no dia em
que eu estava me sentindo um merda, ela apareceu na cozinha da minha
casa em plena madrugada. Deu em mim um sermão de quase meia hora.
Naquela noite, eu havia lutado no clube clandestino e depois trepado
com a Barbie. Quebrei uma promessa feita a mim mesmo de não fazer mais
aquilo. A frustração e o sentimento de humilhação cresciam em minha
alma.
Para piorar, minha irmã não se sentiu satisfeita e combinou de voltar
na manhã seguinte. Priscila chegou em minha casa logo cedo e daquela vez
tocou o interfone. Estranhei ela não ter usado sua chave. Eu queria dormir o
dia inteiro, pois estava de folga, mas ela não desistiria de sua missão.
Depois de acionar o dispositivo que abria o portão e levei um susto ao ver
Lara no carrinho. Acabei brigando com minha irmã de novo. Virei as costas
e subi para meu quarto. Deixei minha irmã e filha para trás. Ela insistia em
forçar minha relação com minha filha.
Tomei um banho quente, xinguei, praguejei e quando acabei, o
silêncio na casa deixava claro que minha irmã havia me deixado em paz.
Porém, nada me preparou para o que me esperava. Li o bilhete da minha
irmã e fiquei puto da vida. Como ela se atreveu?
— Puta que pariu, como a filha da puta teve coragem de fazer isso
comigo? — Lara se assustou e remexeu no carrinho.
Eu fiz o shi... shi..shi... um som maluco que ouvia minha irmã
fazendo às vezes e dava certo. Minha filha se acomodou e continuou
dormindo. Empurrei seu carrinho até a sala e sentei-me no sofá em frente a
ela.
Nunca passou por minha cabeça estar um dia sentado em frente a
um bebê dependendo só de mim. Eu, um brutamontes de quase dois metros,
com zero capacidade de cuidar de uma coisinha tão delicada como aquele
bebê dormindo em minha frente, estava ferrado. Meu coração estava quase
saindo pela boca de pânico dela acordar.
— Oras Henrique, uma hora sua filha precisará de você. — Resolvi
sair do meu estado de inércia enquanto ela dormia.
Fui até a cozinha e peguei a bolsa que minha irmã havia deixado
com suas coisinhas, minha esperança era descobrir ali dentro um manual de
como cuidar de um bebê.
Depois de olhar tudo, fraldas, pomadas, lenços umedecidos, um
bilhete sobre como agir nas cólicas, roupinhas, escova para cabelo, fiquei
frustrado por não achar um livro ou algo que me ensinasse a cuidar de um
recém-nascido.
Estava distraído em pensamentos, quando ouvi um chorinho vindo
do carrinho. Juro por Deus, era como se houvesse caído uma granada nos
meus pés. A vontade era sair correndo, mas meu senso de responsabilidade
me fez agir.
— Oi bebê, sua tia maluca te deixou sozinha comigo. Eu sou seu
pai, apesar de não ter aparecido até hoje e nunca te carregado. Estou
morrendo de medo de errar com você, coisinha pequena.
Acho que falei muito alto, pois ela começou a chorar como se
tivesse visto um monstro. Levantei-me depressa e muito sem jeito a tirei do
carrinho. Aquele pedacinho de gente parecia mole feito uma gelatina, eu
nunca havia carregado um bebê tão novinho na minha vida e o pavor de
machucá-la me sufocava.
Aconcheguei sua cabecinha no meu peito e comecei a balançá-la
devagar enquanto andava pela sala. Minha cabeça girava a mil por hora,
eram muitas dúvidas, mas o choro estridente de Lara, me mostrou que não
poderia me dar ao luxo de ficar filosofando.
Tentei de tudo. Cantei a música When I Need You, do Rod Stewart,
com a esperança dela se lembrar de quando cantava para ela ainda na
barriga da mãe. Depois conversei baixinho, mudei de posição e nada dava
certo. Foi então que me lembrei da mamadeira, poderia ser fome. Andei até
a cozinha com ela nos braços, mas percebi como seria difícil dar conta de
arrumar o leite com uma bebê no colo.
Voltei para sala e a coloquei no carrinho. Aquela garotinha com uma
boquinha tão pequenininha gritou tanto, que parecia ter sido colocada sobre
um colchão de agulhas. Desesperado a levei para a cozinha e comecei
arrumar a mamadeira conforme a filha da puta da minha irmã tinha deixado
explicado no bilhete.
O barulho que aquele pequeno ser fazia parecia de um batalhão em
um dia de treinamento. Estava tão nervoso que derramei quase todo o pó da
fórmula infantil pela bancada. Depois de fazer a maior bagunça consegui
terminar.
Minha filha estava roxa de tanto chorar, parecia estar perdendo o ar,
a tirei do carrinho e fui para o sofá. Assim que coloquei a mamadeira em
sua boca, o choro cessou e ela conectou com a mamadeira, sugando como
se estivesse mil dias sem comer.
Fiquei hipnotizado vendo aquela coisinha pequena, bochechas
rosadas, uma boquinha parecendo de boneca, cabelinho ruivo, puxando o
leite com força. Nunca imaginei sentir tamanha emoção. Seu corpinho
balançava em pequenos espasmos em função do tempo chorando. Senti
remorso por ter demorado tanto com a mamadeira.
Naquele momento senti meu coração bater fora do corpo. Ali, no
meu colo, pequena e vulnerável, estava minha filha. Meu Deus, não dava
para acreditar. Lágrimas grossas começaram a descer pelo meu rosto. Como
se soubesse o que estava acontecendo, com sua mãozinha minúscula
segurou meu dedo.
Caralho, chorei toda a minha dor. Aquele bebê foi o ser mais
sonhado e esperado por mim e Laura. Nunca imaginei estar sozinho no
mundo com uma filha. O que eu ia fazer? Eu não fazia a menor ideia de
como cuidar de uma criança, ainda mais uma menininha.
Meu rosto ainda estava banhado de lágrimas, quando ela terminou
sua mamadeira e ficou me olhando. Balancei a cabeça, puxei o ar com força
e me levantei com ela no colo para poder arrotar. Pelo menos isto eu sabia
fazer, pois cansei de ver minha irmã com meu sobrinho.
Dei pequenas batidinhas nas costas da pequena, ela deu um arroto
digno de um marmanjo. O mais engraçado foi vê-la se assustando com seu
próprio som e fazer beicinho para chorar.
— Calma, princesa, foi só um arroto, mesmo que eu não tenha a
menor ideia do que fazer com você, papai está aqui.
Como um milagre, Lara encostou a cabecinha em meu ombro e
ficou quietinha. A sensação de ter minha filha com seu corpinho encostado
em meu peito, me trouxe um pouco de paz.
Enquanto eu balançava meu corpo com ela nos braços, tentava
acalmar meu coração e pensar de forma racional qual seria meu próximo
passo dali em diante. Não adiantava ficar choramingando atrás da minha
irmã, no fundo ela tinha razão, eu era o pai.
Capítulo 8
O despertar de um pai
Não era possível que eu, um homem adulto, com tanta experiência
de vida, não saberia como agir com um bebê. Coloquei meu lado
pragmático em ação. A primeira providência era procurar o pediatra da
Lara. O número estava dentro da bolsa dela com as outras orientações. Ele
com certeza me orientaria como agir. A segunda seria procurar uma babá.
Meu Deus, como não pensei nisto? Nas instruções deixadas por
minha irmã, lembro de ter visto o nome de uma pessoa que poderia me
atender. Puxei o ar com força, eu tinha muito trabalho à frente.
Saí dos meus devaneios quando senti um serzinho se contraindo no
meu colo. Olhei para o rostinho da minha filha e a vi fazendo uma caretinha
linda e logo depois o cheirinho de cocô tomou conta da sala. Aliás, cheiro
não, como uma Coisinha Pequena podia fazer algo que fedia tanto?
Assim que ela terminou de se retorcer, começou a choramingar.
— Calma aí mocinha, vamos ver como se livrar desta fralda cheia
de cocô? — Sem ter a mínima ideia de como fazer, peguei a bolsa dela e fui
em direção ao meu quarto.
A deitei com todo cuidado do mundo na minha cama e na mesma
hora ela chorou como se estivesse sido colocada em brasas. No impulso a
peguei de novo e balancei.
— Filha, eu preciso te trocar. Ajuda o papai, por favor. Não sei fazer
isto, ainda mais com você em meus braços. — Ela gritou em plenos
pulmões e sem pensar, comecei a cantar para ela a música Coisa Linda, do
Tiago Iorc. Minha esposa sempre cantava para Lara enquanto alisávamos a
sua barriga.
Linda do jeito que é. Da cabeça ao pé. Do jeitinho que for. É e só de
pensar sei que já vou estar. morrendo de amor.
Foi a experiência mais surreal da minha vida, pois bastou ouvir a
música para ela parar de chorar e ficar emitindo uns sonzinhos como se
acompanhasse e reconhecesse a minha voz.
Mesmo com a emoção tomando conta de mim, continuei a cantar e a
coloquei de forma lenta deitada na cama. Abri a bolsa e tirei tudo que
precisava para a operação mais difícil da minha vida.
Quando abaixei para tirar sua roupinha, ela estava com um macacão
rosa com desenhos de corujinhas, meu cordão com a foto da minha esposa
ficou em frente o seu rostinho e ela levou a mãozinha até ele. Meu coração
disparou, eu respirei fundo tentando segurar as lágrimas que estavam se
formando, mas algumas escaparam.
— Ela é sua mamãe, filha. Você é linda como ela.
Lara me olhava com tanta atenção, parecia entender tudo. Quando
abri a fralda me deu desespero. O medo de machucá-la bateu forte. Ela era
tão pequena, seu corpo delicado, frágil e eu um brutamontes.
A toquei como se fosse de algodão. Usei quase todos os lenços
umedecidos da embalagem e demorei cerca de vinte minutos para trocá-la.
Ela estava concentrada na canção e no cordão balançando a sua frente.
— Pronto, meu Pedacinho do Céu, agora você está limpinha e
cheirosa. — Ela começou coçar os olhinhos. — O soninho está chegando
bebê? O papai vai te fazer dormir, princesa.
Eu a peguei com todo o cuidado e fui em direção ao seu quarto.
Enquanto a ninava, cantava baixinho a música, senti seu corpinho amolecer
e a coloquei no seu bercinho. Fiquei velando seu sono, parecia um anjo, ali,
no quarto que eu e a mãe dela havíamos preparado com tanto amor. Aquela
cena despertou em mim um tsunami de lágrimas, no entanto, elas não eram
de raiva e sim de aceitação. Aproveitei para fazer uma promessa a Lara.
Aquela noite foi bem agitada. Lara sentiu muitas cólicas. Minha
irmã tinha deixado escrito no papel sobre algumas gotinhas do remédio que
estava em sua bolsa. Depois de dar o remedinho, acabei desistindo de
deixá-la no berço e a levei para minha cama. Acordei todo doendo, pois,
minha pequena dormiu em cima de mim e meu braço era seu cinto de
segurança. Foi a única posição na qual Lara se acalmou às três da
madrugada.
Acordei por volta das oito com ela resmungando. Olhei assustado no
relógio e fiquei aliviado de ver que conseguimos dormir por cinco horas
seguidas.
— Bom dia, filha. Você deu uma canseira no papai, mas
conseguimos descansar um pouquinho, não é? Vamos para a cozinha fazer
seu leitinho, depois banho e passeio na praça. — Apesar de ser só uma
bebezinha, ela parecia entender tudo.
Estávamos no início da primavera e o sol não estava muito quente,
dava para dar uma voltinha pela rua. A manhã foi um pouco mais tranquila.
Lara era muito boazinha e estávamos construindo nossa rotina juntos.
Depois de tomar toda a mamadeira, fazer sua costumeira bomba
amarela com cheiro de leite azedo, tomamos banho debaixo do chuveiro.
Foi preciso quase um malabarismo para não deixar água cair em seu
ouvido. Uma experiência bem complexa, porque Lara era tão pequenininha
e ficou escorregadia com o sabonete, me deixando com medo dela cair.
Acabado a rotina matinal intensa, saímos para um passeio. Assim
que abri a porta da minha casa, me deparei com a cadeirinha do carro na
varanda e mais um bilhete da minha irmã malvada. Pensei em rasgar e jogar
longe, mas minha consciência não permitiu.
De volta ao trabalho
Sonho ou realidade
Cem dias!
Assustada
— Meu Deus! Por que eu sou assim? Fui um grosso com Hannah.
Ela não merecia ser tratada assim, Estevão. — Respirei fundo e dei um soco
na parede.
Aquela reação repentina foi mais forte do que eu. Quando a vi
deitada na minha cama, lugar pertencente a Laura, fiquei enlouquecido. Foi
imperdoável a forma em que a tratei.
Saí do quarto a procura dela para me desculpar e fui surpreendido
por sua ausência. Não esperava aquela atitude dela. Liguei para a portaria e
pedi ao senhor Antônio para interceptá-la. Ela não podia fugir assim da
minha casa. Eu precisava pedir perdão pelo meu jeito bruto de ser.
Como ela demorou a aparecer e o porteiro não deu sinal de vida,
resolvi ligar de novo para a recepção do condomínio.
— Senhor Antônio, cadê a Hannah? Ela ainda não apareceu aqui. —
Ouvi ele raspar a garganta e simular uma tosse. Não entendi por que estava
me enrolando para responder. — Fala logo homem, o que está acontecendo?
— Capitão, com todo o respeito, mas a menina Hannah, tenho até
vergonha de falar, mas ela mandou o senhor tomar naquele lugar e saiu
correndo. — Espantado. Esse foi meu sentimento.
— Como é, Antônio?
— Isto mesmo que o senhor ouviu, ela xingou aquele nome feio do
dedo do meio. — Não acreditei no que ouvi.
Ninguém tinha me mandado para aquele lugar até aquele dia. Que
diabinha.
— Entendi senhor Antônio, obrigado por me dar o recado. —
Desliguei o interfone e acabei rindo sem acreditar naquela conversa mais
sem fundamento.
Resolvi tomar banho antes que minha filha acordasse. Quando
cheguei no quarto e vi todos os medicamentos em uma mesinha ao lado da
cama com as anotações de quantidade e horário a ser ministrado, me senti
um completo idiota. Eu tinha que admitir: Hannah era excelente para minha
filha.
Quando saí do banheiro, aproveitei para ligar para Priscila. Quando
contei a ela o acontecido, minha irmã surtou.
— Não acredito que foi esse ogro com a menina, Henrique. Que
porra foi essa?
— Não sei o que me deu, irmã. Só me senti muito mal em ver outra
mulher no lugar da Laura.
— Pelo amor de Deus, criatura. É só uma cama. O lugar da sua
esposa é no seu coração. — Priscila mais uma vez tinha razão.
— Você está certa. Vou na casa dela me desculpar.
— Dê um jeito de consertar isso. Tenho uma ideia: o aniversário da
Hannah é no sábado, Henrique. Vamos fazer uma festa surpresa para ela?
— Aquela era uma ótima ideia.
— Está decidido, vamos fazer. Você pode organizar na minha casa.
O que acha?
— Posso sim. Você fica responsável por atrair ela até aí no dia da
folga dela.
— Deixa comigo. — Lara começou a resmungar e precisei desligar.
— Irmã, a pequena está acordando. Obrigado pelos conselhos. Depois
conversamos mais.
— Está bem. Tchau cabeça dura que amo. — Dei uma gargalhada.
Minha irmã era a melhor de todas.
Tirei e Lara do berço e desci para a cozinha. Dei a ela um chazinho
que Hannah havia deixado pronto e a acomodei sentadinha no bebê
conforto em cima do balcão da cozinha.
— Pedacinho do Céu, seu pai é um grosso. Preciso aprender ser
mais educado. Você é a única que tem o meu melhor. O que vamos fazer
agora? A Hannah está brava com o papai e vamos ter que dar um jeito de
mudar isto. — Lara balbuciou algo com sua língua de bebê e eu jurava que
minha filha me entendia.
Ela não estava mais com febre. Estava com uma ótima aparência
não lembrando em nada a criança doente da tarde. Preparei somente um
sanduíche com suco para meu jantar, pois havia perdido a fome. Esquentei a
sopinha para minha filha e nos alimentamos. Depois de saciados, olhei para
minha bebê e falei.
— Quer saber? Vamos atrás da Hannah. Não posso esperar até
amanhã — Ela havia me dito que não tinha aula naquele dia.
Então dirigi para o edifício onde ficava sua quitinete. Estacionei em
uma vaga bem em frente ao prédio. Retirei o bebê conforto com Lara de
dentro do carro, pois ela estava dormindo.
Conversei com o porteiro que me conhecia das vezes que levei a
garota em casa. Ele liberou minha entrada e fomos de elevador até o sexto
andar. Toquei a campainha e aguardei a porta abrir.
Ela abriu só uma fresta da porta e tentou fechar quando me viu, mas
eu fui mais rápido e coloquei o pé.
— Hannah, por favor, me deixa entrar. Precisamos conversar com
você, eu e Lara. — Ela fungou deixando a porta livre para que eu entrasse.
Seu rosto inchado me matou de remorso. — Ei, olhe para mim, quero me
explicar. Será que pode se virar? Não gosto de conversar quando a pessoa
está de costas.
Ela estava parada na janela. Demorou alguns segundos, mas minha
filha acordou, deu seu gritinho alegre, bateu as perninhas e bracinhos ao vê-
la. Hannah acabou se virando para mim. Minha filha me salvou sem
perceber.
— Isto é golpe baixo, Henrique. Você sabe que sou louca pela Lara.
— Eu sei, Hannah. Uma pena que o pai dela não tem educação.
Olha, não tem desculpas para o que eu fiz, foi errado, mas você me mandar
para aquele lugar também não foi muito educado, não é? — Ela deu um
sorriso entre lágrimas e colocou a mão no rosto envergonhada.
— Não acredito que o senhor Antônio repetiu o que eu disse. Que
vergonha.
— Eu mereci, Hannah. Será que pode me perdoar? Eu não sei o que
me deu, mas ver você em minha cama... precisa entender que ainda é difícil
para mim aceitar a morte de Laura. Minha raiva não era direcionada a você,
me entende? Meu descontentamento é com a vida, por me tirar a mulher
que eu amava. — Ela raciocinou por um tempo em silêncio.
Dava para ver sua mente trabalhando por causa de suas expressões
faciais. Eu era treinado para identificar as reações das pessoas nos pequenos
detalhes, e com certeza, ela estava ponderando alguma coisa que eu não
sabia o que era.
— Eu te perdoo, Henrique. Saí de sua casa decidida a não voltar
nunca mais, porém não consigo ficar longe da Lara.
— Você não precisa ficar longe dela, Hannah. — Ela me olhou
muito séria e me alertou.
— Henrique, vou te dar um aviso. Não faça mais nada parecido. Eu
não vou tolerar ser maltratada por homem, já chega um ex-namorado idiota
que me deu trabalho para ficar livre dele. — Aquela informação me deixou
alarmado. Será que Hannah estava sendo perseguida por algum babaca?
— Prometo não agir mais desta maneira. Agora me fala mais deste
ex-namorado babaca. Ele ainda persegue você?
— Esquece isto, capitão. Eu falo demais, deixa para lá, ele já parou.
— Não acreditei muito na negativa dela.
— Hannah, me promete que vai pedir minha ajuda se precisar, por
favor. — Ela colocou os dois dedos cruzados em frente a boca e beijou. Ri
com aquela atitude pueril.
— Prometo. Pode deixar, se necessitar falo com você.
O aniversário de Hannah era no sábado e eu precisava atrai-la até a
minha casa e àquela hora era perfeita para a missão.
— Hannah, gostaria de convidá-la para passar o sábado conosco.
Lara está doentinha e fica mais feliz com você em casa. O que acha? — Ela
deu um sorriso amplo e aceitou meu convite.
Hannah só não sabia que estaríamos fazendo uma surpresa para ela.
Saí da casa dela deixando acertado o encontro de sábado.
Capítulo 16
Dia de emoção
Papa
Saímos por volta das dezenove horas rumo a nossa primeira noite
como se fossemos uma família. Pelo menos era assim que eu me sentia.
Henrique nos levou a uma pizzaria charmosa e acolhedora. Escolheu a mesa
localizada em uma área reservada, pois era mais aconchegante para
colocarmos o bebê conforto. Lara já estava coçando o olhinho, com certeza
não duraria muito tempo acordada.
Fizemos nossos pedidos e enquanto esperávamos, conversamos
sobre meu curso. Henrique comentou sobre as taxas de criminalidade e da
importância da aproximação da polícia a sociedade. Ele era bom de papo e
era visível como estava se tornando um homem menos carrancudo.
Comemos a pizza que estava deliciosa entre brincadeiras e
conversas descontraídas. A sobremesa foi um espetáculo à parte. Estava
soberana. Sorvete ao forno com calda de marshmallow e chocolate, não
tinha nada melhor no mundo. Enquanto comia a sobremesa feito uma
criança, Henrique parou me olhando e depois passou o dedo em meu rosto
perto da minha boca.
— Você está com calda de chocolate no rosto — falou e riu quando
percebeu meu constrangimento.
Aproveitei para pedir licença e ir ao banheiro. Quando cheguei em
frente ao espelho pude ver alguns rastros de chocolate, mas o que chamou
minha atenção foi o vermelho tomate do meu rosto. Olhei para o meu
reflexo e conversei comigo mesma:
— Hannah, você é patética. Se controle, garotas. O homem não te
enxerga como mulher, só como a babá da filha dele. — Respirei
desanimada e voltei a mesa.
Henrique estava com uma xícara de café na mão e quando me viu
retornar, olhou-me como se desconfiasse de algo.
— Eu não sabia se você gostava de café a noite, então pedi. Senão
quiser, pode deixar aí que eu tomo.
— Aceito sim, obrigada. Sabe, você não deveria tomar tanto café a
noite. — Ele sorveu um pouco da bebida e permaneceu sem falar nada.
Continuou me olhando de forma inquisitiva, até colocar a xícara
sobre a mesa e me questionar.
— Hannah, venho te achando estranha há alguns dias. Tem algo
acontecendo? Seu ex-namorado voltou a te importunar? — Quando ele
falou aquilo, eu levei um susto, comecei a tossir e cuspi tudo na mesa.
Ele levantou-se rápido me dando um guardanapo e um pouco do
suco que ainda estava no meu copo.
— Henrique, me desculpe. Meu Deus, que vergonha. — Baixei
minha cabeça nas mãos sem coragem de olhar para ele.
— Calma, Hannah. Respira. Acontece com todo mundo. — Não
dava para fazer rodeios, precisava ser direta.
Como ele soube do Gustavo? Será que alguém da polícia contou?
Necessitava descobrir sem comentar nada. Antes precisava sondar o
assunto.
— Quem te falou do meu ex-namorado, Henrique? — Ele puxou o
ar com calma, como se estivesse pensando na resposta.
— Hannah, me perdoe, mas já tem tempo que Priscila comentou.
Ela não falou por mal, foi sem querer. — Ele parou de falar e verificou se
estava tudo certo com Lara que dormia no bebê conforto. Depois levantou a
cabeça e foi direto. — Você viveu um relacionamento abusivo? Isso é
verdade?
Meu coração disparou ao ouvir os questionamentos dele. Priscila
não tinha direito de falar sobre minha vida com o irmão dela. Estufei o peito
querendo mostrar uma segurança que eu não tinha.
— Olha, não sei o que sua irmã te falou e não quero saber. Isso é
passado. Vamos embora? Estou cansada e quero ir para minha casa. —
Henrique abriu a boca para contestar, mas não deixei. — Vou com Lara para
o carro enquanto você pede a conta.
Peguei o bebê conforto onde Lara estava dormindo. Estendi uma
mão para ele sem falar nada. Queria que ele percebesse que não tinha o
direito de se meter em minha vida. Ele entendeu e apenas me entregou a
chave do carro. Antes de sair o ouvi chamar o garçom.
Precisei daquela saída estratégica para me acalmar e colocar meu
pensamento em ordem. Eu não queria entrar naquele assunto com ele.
Acabei de prender o bebê conforto no cinto de segurança quando ele se
aproximou do carro.
Estranhei a atitude dele. Henrique não foi para sua porta, caminhou
para o meu lado e parou atrás de mim. Aquela era a hora na qual eu
precisaria ser atriz e fingir estar calma. Virei para ele e o encarei, porém fui
surpreendida pelo seu gesto. Nunca imaginei que ele fizesse aquilo.
Sem falar nada, apenas tocou no meu casaco na altura do ombro.
Cheguei a prender a respiração, porque minha mente sonhadora e romântica
se preparou para receber um abraço e um beijo. Tola, pura ilusão.
Henrique manteve meu olhar cativo ao dele, mas em vez de me
beijar, apenas baixou um pouco o casaquinho na direção do meu ombro até
chegar ao meu braço e ver o hematoma.
O tórax do homem começou a subir e descer agitado, como se
estivesse com dificuldade de respirar. Fechei meus olhos e respirei fundo,
porque suspeitava qual seria a reação dele.
Sem falar nada, Henrique me soltou, abriu a porta do carro para eu
entrar e foi para o lado do motorista. Ligou o carro, acionou sua playlist em
um volume ambiente e saiu.
“Passar todo o seu tempo esperando por aquela segunda chance,
por uma oportunidade que deixaria tudo bem. Sempre há um motivo para
não se sentir bom o suficiente e é difícil no fim do dia, eu preciso de alguma
distração. Oh, bela libertação. A lembrança vaza pelas minhas veias.
Deixe-me ficar vazio e sem peso, e talvez eu encontrarei alguma paz esta
noite”.
A música In The Arms Of The Angel na voz do Thei Celtic Angels,
encheu o ambiente do carro. Às poucas vezes em que dormi na casa dele, eu
ouvia aquela música enquanto o Henrique ficava sentado no sofá com o
olhar perdido e um álbum de fotografias na mão.
Na minha inocência, nunca imaginei que um homem pudesse amar
daquela maneira. Eu coloquei o cinto de segurança como se estivesse
anestesiada. Sentia um misto de vergonha, humilhação, raiva, tudo
misturado em minha alma. Sem saber como agir, virei meu rosto para o lado
da minha janela e deixei as lágrimas caírem.
Meu coração estava muito machucado e ouvir aquela melodia só fez
toda minha dor vir à tona.
Capítulo 20
De Volta ao Passado
Abrindo o coração
Impactado
Memórias fotográficas
Um dia memorável
Um ano
Armações
Cicatrizes de batalha
Sequestrada
Anos depois
A autora
Perdido em Pensamentos
Desassossegos
Desentendimentos
Escola de Bandidos
Premonição
Punição
A dor causada pela correção imposta ao meu erro era pequena diante
do meu fracasso. No fundo, as feridas causadas pelo açoite daquele chicote
serviam para conter a fúria dentro de mim.
— Gustavo, seu burro. Seu erro foi imperdoável. Pelo amor de
Deus, como não conseguiu conter uma garotinha indefesa? — gritou meu
Mestre.
Meu ato intempestivo prejudicou todo o meu disfarce e por isso, fui
punido de forma severa por ele. Pelas escutas eu tive a confirmação de que
o capitão dos infernos conseguiu me identificar pelas filmagens. Ele deve
ter colocado todo seu exército de paus mandados para me caçar, no entanto,
meu esconderijo era muito bem protegido.
Passei três dias sendo torturado, mas o sangue que corria livremente
pelo meu braço me fascinava. O vermelho era intenso e me fazia sentir o
poder da dor em meu organismo. Meu mentor sempre me dava corretivos
corretos e que aumentavam minha força para seguir em frente. Seus
conselhos eram assertivos e estratégicos.
— Gustavo, para de reclamar igual uma mulherzinha, levanta esta
bunda do sofá e vai à luta. — Respirei fundo e o encarei impaciente, mas
meu mestre era perverso e autoritário. — Não se atreva a me olhar assim,
ou você já se esqueceu do castigo que lhe apliquei? — Abaixei meu olhar
me colocando submisso diante dele e pedindo desculpa pelo meu ato
infantil.
— Perdão mestre. — Meu olhar só retratou minha frustração por
minha incompetência.
— É hora de deixar o que aconteceu de lado, não precisa se cobrar
tanto. As pessoas ainda vão ouvir falar de você, meu querido menino.
— Será? Às vezes me sinto invisível para o mundo. — Só ouvi o
estalo e a ardência do tapa desferido em meu rosto.
— Nunca mais fale isto, ouviu? Não aceito ser mestre de discípulos
fracos e derrotados. A Hannah sempre foi sua, quem entrou em seu
caminho foi aquele maldito imbecil. Mostre para ele que aquela farda é
pouco para te parar. — Revigorado pela injeção de ânimo, saí da minha
inércia e comecei a planejar meu novo disfarce.
Dei uma última olhada no espelho e sorri satisfeito com o resultado.
Meu mestre tinha caprichado daquela vez, eu era um verdadeiro gari. O
uniforme era perfeito para passar despercebido, mas o melhor era minha
cabeleira rastafári, a barba e o óculos escuro. A partir daquele dia, eu iria
circular livremente pela rua do digníssimo capitão sem que ele soubesse de
nada.
Olhei para meu painel onde tinha tudo anotado. Os hábitos da
Hannah, do homem que ela pensava ser seu marido, da irmã do idiota e da
empregada da casa. Algumas fotos da minha princesa enfeitavam meu
trabalho minucioso de planejamento. Eu nunca tinha recebido uma negativa
na minha vida e Hannah não seria a primeira a mudar isto.
Mamãe sempre dizia que eu era o reizinho da casa. Mesmo quando
meu pai queria colocar as mangas de fora e mandar em mim, minha rainha
não deixava. Dona Dulce sabia do meu potencial e por isto me incentivava
a desbravar o mundo. Ela sempre dizia:
— O mundo está aí para você, meu amor, basta conquistá-lo.
E era exatamente assim que deveria ser: o mundo aos meus pés.
Tudo estava indo muito bem, até o maldito policial aparecer no meu
caminho e enfeitiçar minha Hannah com sua lábia.
Meus dias na prisão foram longos, graças à intervenção do capitão
de merda, no entanto, aprendi a tudo para mostrar a ele o quanto errou ao
entrar no caminho.
O homem precisa saber ensinar a mulher qual é o seu lugar na
relação. Os papéis eram claros, nós, os homens, somos seres superiores
desde a época do Velho Testamento, basta ver que a mulher apareceu depois
de nós.
Toda esta idiotice de lei Maria da Penha, foi criada para inverter as
coisas, tentando mudar a ordem natural do mundo. Eu estava conseguindo
colocar Hannah nos eixos, ela era submissa e me obedecia, até começar
trabalhar na casa daquele sujeito e perder a noção do seu papel feminino.
Não tinha problemas, eu a ensinaria de novo como as coisas
funcionavam. Meu método sempre prezou pelo amor, só usava a dor quando
ela resistia em ceder. Eu aprendi no presídio que tudo deveria ser a seu
tempo e a hora da minha vitória estava chegando, bastava eu me manter
concentrado como o mestre me ensinou.
Eu não podia errar de novo. Paciência e precisão. Era isso que eu
precisava para que tudo desse certo. Estava chegando a hora de começar a
executar a segunda parte do meu plano.
O poderoso policial não tinha noção das cenas dos próximos
capítulos. Minhas vítimas estavam sendo escolhidas de forma muito
peculiar pelo meu mestre. Senão fosse a mente genial dele, não conseguiria
chegar ao meu objetivo final: casar-me com Hannah.
Capítulo 42
Descobrindo Noah
Menino ou menina?
Coisa linda
Vou pra onde você está
Não precisa nem chamar
Coisa linda
Vou pra onde você está
Os dias na casa dos meus pais foram deliciosos. Nunca tinha visto
meu marido livre em meio a natureza. A visão dele de calça jeans desbotada
com a cintura baixa salientando o V que chegaria até as suas partes baixas,
botas e sem camisa suado lavando os cavalos, era uma afronta a qualquer
mulher. Henrique se enquadrava naquela paisagem rústica, com seu jeito
selvagem, másculo e para me deixar louca de tesão, estava com uma barba
que o deixava mais voraz.
Quando estava trabalhando se barbeava todos os dias, mas como
estávamos em pequenas férias, deixou a pele do rosto descansar. Puta que
pariu, ele estava irresistível e eu só pensava em sexo.
Meus hormônios à flor da pele só me faziam imaginar ele sem
roupa. Praticamos muita sacanagem naqueles dias! Lara não desgrudava do
meu pai um minuto, nos deixando livres para várias aventuras sexuais pela
fazenda. Estávamos insaciáveis.
A nossa primeira loucura foi no estábulo em meio aos cavalos. Tudo
aconteceu em um fim de tarde quando Henrique estava levando os animais
para o descanso noturno.
Eu o observava andando de um lado para o outro e o suor que descia
em suas costas me causava imagens bastante férteis. Saí do banco no qual
estava sentada embaixo de uma árvore e fui em direção aquele homem
delicioso.
A minha roupa era bastante favorável para meus planos, eu usava
um vestido de tecido leve, soltinho que descia até um pouco abaixo das
minhas coxas.
Quando cheguei no estábulo, ele estava de costas conversando com
seu animal preferido. Era um manga-larga machador de cor caramelo, um
verdadeiro atleta premiado do meu pai e que ganhou a atenção de Henrique
que passava algumas horas cavalgando.
A gravidez não me permitia sair pelos campos com ele, mas eu fazia
questão de incentivá-lo a ir sem mim. Parei atrás dele e passei minha unha
por suas costas descobertas, sua pele arrepiou e me incendiou. Abracei a
cintura do meu homem e falei em seu ouvido:
— Garanhão, eu estou louca para saber como é fazer amor tendo
estes cavalos como testemunhas. — Fui surpreendida por ele que se virou e
agarrou minha cintura me dando um beijo indecente e cheio de promessas.
— Linda, aqui não vou fazer amor com você, vou te foder com
força, como fazem os cavalos. Você aguenta? — Jesus, Maria, José, só de
ouvir aquela voz rouca com aquela proposta sacana, senti minha calcinha
molhar. Minha respiração falhou, precisei puxar o ar com mais força para
dentro dos meus pulmões.
— Eu quero com força, meu garanhão. Quero muito e com certeza
aguento. — Henrique me levou para um canto do estábulo que ficava entre
as baias, me virou de costas para ele e sussurrou.
— Segure, Hannah, eu estou faminto por você. — As mãos hábeis
do meu homem desceram por minha bunda, levantaram meu vestido e
começaram a acariciar meu sexo me enlouquecendo de prazer.
Eu mal conseguia respirar quando seus dedos começaram a
massagear meu buraco apertado e sem nenhum pudor rebolei em sua mão.
Meu marido estava duro como rocha e não podíamos demorar muito para
não correr risco de sermos pegos em flagrante. Estava sendo torturada com
algumas mordidas no meu ombro, dedo entrando e saindo de dentro de mim
e palavras devassas em meu ouvido.
— Rebola essa bunda gostosa, esfrega sua boceta em minha mão, eu
sei você gosta assim, duro, selvagem. — Eu tentava elaborar alguma frase,
mas só palavras desconexas saíam da minha boca.
Era demais respirar, falar, gemer e quase morrer de prazer ao mesmo
tempo. Quase gritei de êxtase quando senti um tapa na minha bunda, mas
fui calada por Henrique que enfiou o dedo em minha boca com meu sabor,
aquilo podia parecer sujo para alguns, mas para mim era o paraíso.
— Fica quietinha, não grita, vou te foder como nunca fiz antes. — E
seu pau entrou em mim de forma avassaladora, me preenchendo por inteiro
e me fazendo quase desfalecer de tanto prazer.
Chegamos ao orgasmo juntos, suados e com o coração quase saindo
pela boca. Ainda estávamos nos recompondo quando ouvimos meu pai
entrar com Lara no estábulo.
— Vamos ver se o papaizinho e a mamãe estão aqui tratando dos
cavalos. — Quase desmaiei quando ouvi a voz do meu pai, em total
desespero cochichei com meu marido:
— Ai, meu Deus! Henrique, meu pai vai saber o que fizemos. O que
a gente faz?
— Fica calma, meu amor, deixe comigo. — Henrique pegou um
esfregão que estava no chão e começou a passar no cavalo que estava ao
nosso lado.
Ele olhou para mim e fez sinal para eu me sentar em um caixote que
estava perto da baia.
— Filha, estou aqui atrás dando um trato nos cavalos do vovô. —O
cretino falou e ainda piscou para mim.
Eu ainda tentava regularizar minha respiração. Quando meu pai se
aproximou de nós dois, Hannah veio correndo e me abraçou.
— Mamãezinha, eu estava preocupada com você e meu irmãozinho.
—Fiz um carinho nos cabelos dela e a enchi de beijos porque estava
impossibilitada de falar. Fui salva por meu marido.
— Não estava preocupada com seu papaizinho não, mocinha? —
Ela me soltou e correu para os braços do pai que a carregou e colocou no
pescoço.
— Clarooooo que sim, meu amor. — Meu pai achou graça no jeito
dela falar.
— Esta menina não parece ser uma criança, conversa de tudo. O
vovô está aprendendo muito com ela, não é bebê? — Lara levantou o
dedinho em riste e falou séria com o avô.
— Vovozinho, eu não sou bebê, sou “grandona”, o bebezinho é o
meu irmão. — Meu pai sorriu para ela e se desculpou.
— Verdade, você já é uma mocinha, que cabeça a minha.
— Isto mesmo, vovozinho. Papaizinhoooo, você fez um machucado
no ombro? Ai meu Deusssss!!! Tá saindo sangue — disse apavorada com as
mãos no rosto como se todo o sangue do pai estivesse saindo pelo pequeno
arranhão.
Meu rosto queimou quando a vi mostrando um arranhando no
ombro do meu marido, fiquei morrendo de medo do meu pai desconfiar de
algo.
— Não foi nada, filha, o papaizinho se arranhou em um galho, mas
vamos entrar e tomar um banho antes do jantar. — E assim ela se distraiu e
nós saímos do estábulo direto para a casa grande da fazenda.
O susto que levamos naquele dia, não nos impediu de continuar
nossas aventuras sexuais, mas optamos por lugares mais afastados. Nas
terras do meu pai havia uma cachoeira maravilhosa.
Eu e Henrique pedimos aos meus pais para cuidar da Lara e da
Nininha, para fazermos um piquenique. Foi um dia de muitas guloseimas e
sexo. Transamos na água gelada, embaixo da árvore e por último dentro do
carro.
Aqueles estavam sendo dias para ficar marcados para sempre em
nossa coleção de boas recordações. Eu tinha um baú de madeira onde
guardava fotos e escritas dos melhores momentos de nossa vida.
Como dizia o velho ditado: tudo que é bom dura pouco. Voltamos
para nossa casa depois de sete dias de paz e tranquilidade. Mamãe e papai
nos deram mil recomendações e prometemos voltar mais vezes.
Lara estava encantada com tudo que viveu na fazenda. Ela e
Nininha pularam e brincaram tanto que voltaram desmaiadas quase toda
viagem. Eu voltei para casa com uma sensação ruim, era como se algo fosse
acontecer.
Assim que chegamos meu marido voltou a trabalhar e como tinha
ficado muitos dias fora, não estava conseguindo almoçar em casa. Minha
cunhada veio nos visitar para saber das novidades e aproveitei para mostrar
a ela as fotos que tiramos na viagem.
Thiago estava morrendo de saudades da prima e sumiram para o
quintal com a Nininha junto. Dodora não sabia o que fazer para mimar e
satisfazer os desejos da minha filha.
Durante nossa viagem, nossa secretária foi para a casa da filha, no
entanto, ela era tão amorosa e cuidadosa que voltou um dia antes de
chegarmos para deixar tudo arrumado em nossa casa. Priscila vivia
brincando com ela que iria roubá-la.
— Dodora, você tem certeza de que não tem uma irmã gêmea? Eu
preciso de alguém como você para me ajudar, não dou sorte como Hannah
deu contigo.
— Bondade, dona Priscilla, eu que sou afortunada pelos meus
patrões, eles são como filhos para mim. — Eu levantei e dei um abraço
apertado naquela fofa.
Dodora era uma mulher com seus sessenta anos, muito carinhosa e
habilidosa com crianças.
— Priscilla, tira este olhão de cima da minha querida, mas quem
sabe Dodora não conhece ninguém para te indicar?
— Prometo tentar encontrar alguém para você, dona Priscilla. Agora
preciso começar a preparar o jantar, porque daqui a pouco o patrão chega
cheio de fome. — Minha cunhada deu uma de suas risadas que eu amava.
— Meu irmão vai acabar engordando com sua comida deliciosa,
Dodora.
— Vai nada, o patrão trabalha muito, precisa se alimentar bem. Ela
foi para cozinha e Priscilla riu para mim.
— Esta daí bate em qualquer um que falar mal do meu irmão. — Eu
balancei a cabeça rindo, pois ela tinha razão.
Levei minha cunhada para o meu quarto, para mostrar as roupinhas
que eu e Lara compramos no shopping para o irmãozinho dela. Estávamos
cumprindo à risca o que a pediatra nos orientou em relação a Lara. Para ela
não sentir ciúmes do irmão fazíamos ela participar de tudo que dizia
respeito a Noah.
Minha cunhada foi embora com Thiago reclamando que queria ficar
mais. Combinamos de fazer um churrasco no fim de semana para as
crianças brincarem na piscina da tia.
Meu marido chegou do serviço me beijou e foi direto para o quarto.
Achei Henrique tenso quando perguntei se estava acontecendo algo, disse
não ser nada demais, mas eu o conhecia muito bem. Tinha alguma coisa
errada e eu ia descobrir o que era.
Eu daria a ele um ultimato e não aceitaria enrolação.
Capítulo 46
Você pensa que não pode mais ser surpreendido, aí vem a vida e te
mostra outra situação. Nossa briga me fez conhecer a fortaleza chamada
Hannah. Eu tinha certeza de que seria o medo e o desespero que tomariam
conta dela, no entanto, se demonstrou forte, com grande sabedoria e reagiu
muito diferente do que eu esperava. Ela tomou frente da situação pedindo
para não ser mais poupada. Contei tudo sem omitir nenhuma informação.
Depois descemos para a cozinha, fizemos um lanche leve entre
beijos e carícias. Dormimos por volta de meia-noite e pela primeira vez
desde que o infeliz havia fugido, eu consegui dormir sem pesadelos em um
sono reparador.
Acordei cedo para o trabalho e prometi a Hannah chegar às
dezessete horas com as filmagens das câmeras do shopping e dos meus
vizinhos. Durante o meu expediente de trabalho, lembrei-me de um amigo
de longa data que talvez pudesse me ajudar.
Resolvi ligar para o capitão Miguel Germano¹, ele era um oficial
muito competente acostumado a viver situações bem adversas. No terceiro
toque ele me atendeu com seu jeito amistoso de sempre.
— Meu Deus, quem é vivo sempre aparece, não é mesmo? Capitão
Henrique Estevão. A que devo a honra desta ligação, meu amigo? —
Miguel continuava o mesmo espirituoso e um tanto exagerado.
Uma vez que nos encontramos há menos de um ano em um encontro
das forças de segurança nacional.
— Fala irmão, como estão as coisas por aí com sua família? Fiquei
sabendo que sua esposa foi promovida a capitã, dê meus parabéns a
Amanda por mim.
— Foi sim, pode imaginar o que eu passo com esta mulher? Já era
terrível quando era tenente, imagina agora? Meu consolo é que estou tendo
o prazer de ver meu amigo Otávio² de quatro pela sua esposa que também
foi promovida a capitã. As duas juntas são terríveis. — Dei uma gargalhada,
porque realmente as esposas dos meus amigos eram fogo na roupa, mas eles
eram apaixonados e rendidos a elas.
As mulheres tinham jeito de anjo, mas eram as melhores PFEM³ que
eu já conheci na vida.
— Verdade, tinha me esquecido da capitã Alice. Mande meu abraço
ao Otávio.
— Pode deixar, mando sim e vamos combinar de nos encontrarmos.
É só você me falar quando podem vir e vamos para o sítio. Sua pequena vai
gostar de brincar com os meninos.
— Vamos ter que esperar um pouco. Não te contei a novidade, mas
serei pai de um garotão, o Noah.
— Oh, meu irmão, parabéns e dê meu abraço em Hannah. Então,
quando seu garotão nascer, deixe passar uns meses e venha aproveitar as
férias em Porto Alegre conosco. Vai ser um prazer receber vocês. Agora me
conta aí, o que posso te ajudar? Tenho certeza de que é um problema dos
bravos.
Não tinha muito como enrolar, afinal, Miguel me conhecia muito
bem para saber que algo estava acontecendo. Contei tudo ao meu amigo
sem deixar de fora nenhum detalhe. Ele sabia da existência de Gustavo e de
sua prisão, porque no nosso encontro eu havia contado a ele e ao Otávio.
Eu tinha certeza de que ele teria alguma ideia melhor que a minha.
Se tinha algo que anos de polícia me fez aprender, é que ao ter nossa família
envolvida em qualquer situação de perigo, os amigos conseguem pensar
estratégias melhores que a nossa, uma vez que estão vendo a situação de
fora.
— Henrique, eu penso que contratar segurança formal de terno e
ficar atrás de sua esposa o tempo todo não vai te ajudar a encontrar o
meliante, no entanto, se você colocar estes seguranças velados4 pode dar
certo.
— Porra cara, você é o melhor! Esses caras vão dar segurança a
minha família sem alertar o maldito que vive rondando minha casa.
— Eu sei que sou foda. — Ouvi a gargalhada do meu amigo e
acabei rindo também, sei que ele só está querendo me distrair um pouco,
pois o Miguel era o cara mais centrado que eu conhecia. — Você coloca uns
dois disfarçados de gari e sei que tem uma praça perto de sua casa, coloque
um zelador e comunique a Prefeitura que será uma operação de sigilo da
polícia. — Minhas esperanças foram alimentadas com a conversa com meu
amigo e ainda consegui agregar valor à ideia dele.
— Posso também colocar uma segurança velada como babá de Lara,
para acompanhar Hannah quando precisarem sair. Cara, você é mesmo foda
e eu serei eternamente grato.
— Deixa de besteira, cara, amigo são para estas horas. Qualquer
coisa conte comigo e vai me colocando a par da situação. — Nos
despedimos comigo prometendo de mantê-lo informado sobre nossos
avanços.
Quando desliguei o telefone respirei fundo, a conversa com Miguel
me deixou mais calmo e pronto para começar meus planos. Minha primeira
providência foi marcar uma reunião para aquele dia com o secretário de
Serviços Urbanos. Precisava informá-lo da operação sigilosa e solicitar a
ele uniformes usados pelos garis e zeladores dos parques municipais.
Logo depois, liguei para meu amigo delegado, precisava ver a
disponibilidade dele se reunir comigo à noite. Eduardo e eu estudamos
Direito juntos e desde a faculdade éramos inseparáveis.
Conversamos um pouco, contei a ele sobre as estratégias sugeridas
pelo Miguel e marcamos às vinte horas em minha casa. Com a confirmação
dele, saí da minha sala atrás do capitão Roberto, meu parceiro de uma vida.
Contei a ele tudo que tinha se passado e ele confirmou presença na nossa
reunião.
Naquele dia fui almoçar em casa, precisava contar todos os avanços
da manhã para minha esposa. Hannah ficou muito feliz e confiante, disse
que ia preparar um delicioso jantar para meus amigos.
Pedi a ela que preparasse Dodora para entender como aconteceria
toda operação, uma vez que teríamos uma segurança babá dentro de casa. A
nossa secretária do lar estava conosco há três anos e cuidava de tudo como
se fosse nossa mãe.
O mais engraçado aconteceu quando minha esposa me acompanhou
até ao carro na hora de retornar ao trabalho. Ela me mostrou sua
preocupação em relação a aparência da segurança que ficaria com ela.
— Está com ciúmes, meu amor? — Ela entortou a boca para o lado
esquerdo e revirou os olhos.
— Ciúmes não, meu querido, isto chama-se cuidar do patrimônio.
Pode dar um jeito de contratar uma mulher feia para ser minha segurança,
sei bem que o senhor é chegado em uma babá. — Fui obrigado a dar uma
risada, Hannah não existia.
Eu a puxei para meus braços e a calei com um beijo forte e duro
para ela perceber quem era a única dona do meu coração. Depois segurei
seu rosto e fiz com que me olhasse nos olhos.
— Você disse certo, meu amor, eu sou “chegado” em uma só babá:
você. — Voltei para o trabalho com a certeza de que tudo daria certo e nós
conseguiríamos acabar com meu tormento.
Capítulo 49
Insano
Controlando a adrenalina
Henrique voltou para o trabalho animado com seu novo plano para
descobrir o paradeiro daquele maluco. Meu Deus, se eu suspeitasse da
loucura do Gustavo nunca teria me aproximado dele.
Voltei para dentro de casa com o coração disparado, era muita
adrenalina para uma grávida. Caminhei puxando o ar com calma, contando
mentalmente de um a seis e fiz o mesmo processo ao soltar o ar. Segundo
minha cunhada, as técnicas de respiração eram ótimos calmantes naturais.
Cheguei na sala e senti falta da minha pequena e da gigante Nininha.
Fui até a cozinha e Dodora me informou que ela havia adormecido assim
que o pai saiu e que a cadela estava na sua casinha dormindo.
Aproveitei o momento de paz para explicar a ela sobre a operação,
ela se mostrou muito preocupada com tudo que falei.
— Hannah, isto não é perigoso? Nossa, eu tenho tanto medo de que
algo aconteça com vocês. — Fui até ela e dei um abraço apertado, não só
para acalmá-la, mas para me tranquilizar também.
— Dodora, vai dar tudo certo, vamos seguir à risca as orientações
do Henrique e de seus amigos. Meu marido sabe o que está fazendo, ele é
um dos melhores no que faz. — Eu precisava repetir aquilo muitas vezes
para apaziguar a minha agitação interna.
Pedi a ela que providenciasse os ingredientes para fazer lasanha,
salada e carne assada, prato preferido do meu marido. Subi para meu
quarto, pois precisava descansar e me acalmar um pouco. Minha agitação
estava perturbando meu bebê que estava mexendo mais que o normal.
Enchi a banheira com água morna, coloquei a essência de camomila
que minha cunhada havia me dado e acionei a minha playlist favorita no
celular. Todas as músicas faziam parte da minha vida com Henrique.
A temperatura da água, o aroma e a melodia me fizeram relembrar
do meu começo com o amor da minha vida. Nunca me imaginei casada com
um capitão de polícia e muito menos passar por tal situação com um ex
maluco. Mesmo sabendo da competência do meu marido, o medo de que
algo pudesse acontecer com ele não me abandonava.
Quando o conheci, a tristeza profunda presente em seu olhar
acabava comigo, eu sentia necessidade de salvá-lo. Adorava vê-lo com
Lara, pois eram os únicos momentos em que ele sorria e eu enxergava luz
em seus olhos.
O nosso envolvimento foi acontecendo sem que ele percebesse, no
entanto, eu fui arrebatada por ele muito antes de conhecê-lo. A primeira vez
em que o vi foi em uma ocasião em que o marido de Priscilla receberia uma
homenagem no teatro da cidade.
Eles saíram todos juntos da casa da irmã. Henrique estava lindo
vestido em um terno junto de sua esposa grávida. Eles eram um casal de
uma beleza estonteante, impossível de passar despercebidos. Na época eu
era uma menina e fiquei embasbacada, mal consegui disfarçar minha
admiração por eles.
Lembro-me de Priscilla me falando quando estava saindo:
— Meu irmão é lindo, não é? Eu sei que ele tem este efeito sobre as
mulheres. — Deu uma piscadinha e saiu me deixando vermelha de
vergonha por ter sido pega no flagrante desejando o homem alheio.
Desde aquele dia, adorava stalkear o capitão pela internet. Era meu
passatempo favorito ler todas as muitas reportagens nas quais ele aparecia.
Quando conheci aquele pequenino bebê que havia perdido a mãe de forma
trágica, só pensava na tristeza do seu pai.
Nunca vou me esquecer de quando comecei a trabalhar na casa dele,
eu precisava me controlar a todo momento para não ficar babando o
observando. Algumas vezes ele dormia no sofá com Lara sobre seu peito e
eu velava o sono dos dois.
Um dos dias mais marcantes da minha vida foi quando ele descobriu
meus hematomas causados pelo meu ex. A fúria em seu olhar mostrava o
quanto ele ficou transtornado com a situação.
Nosso primeiro beijo foi algo como transcender, era como se eu
estivesse atravessado um portal e chegado ao paraíso. Daí em diante, meus
dias se transformaram em sensações, realizações e amor.
Depois de tudo que Henrique passou, eu me via na obrigação de ser
uma esposa forte, por ele e pela minha pequena Lara. Não podia demonstrar
meu pânico, porque meu capitão estava fazendo de tudo para não
enlouquecer, pois além do risco em relação a Gustavo, havia o medo que ele
tinha da hora do parto.
Saí do meu momento remember mais calma e confiante. Fui até o
quarto de Lara e ela estava dormindo feito um anjo, a escolinha a deixada
exausta de tanto que brincava com seus amiguinhos. Dei um beijo em sua
testa e me deitei ao seu lado. Aquele corpinho e seu cheirinho de criança
sempre me acalmaram. Não demorou para eu adormecer em paz abraçada a
ela.
Naquela noite deixei minha pequena com a tia para que meu marido
pudesse conversar com seus amigos policiais sem que nossa menina
prestasse atenção a tudo. Era incrível como as crianças captavam tudo que
os adultos diziam e Lara era a rainha da esperteza. Nininha também foi
junto, pois Thiago adorava brincar com ela.
O delegado e o capitão Roberto eram pessoas muito agradáveis,
nosso jantar aconteceu em um clima de recordações, pois os três
relembraram dos tempos em que estudavam Direito. Adorei a disposição
deles para o jantar, comeram feito um verdadeiro batalhão de polícia.
Apesar da empolgação com o garfo, os três apresentavam um corpo
de dar inveja a qualquer atleta e eu sabia do condicionamento físico deles,
pois meu marido tinha o hábito de correr e praticar luta junto de seus
amigos.
Quando terminamos, eu os convidei a sala para conversarmos sobre
a estratégia que seria usada na operação. Eles tinham tudo planejado e
traçado de forma impecável. O capitão Roberto explicou sobre a supervisão
que faria em relação aos seguranças velados e ainda trouxe duas novidades
para meu marido.
— Henrique, eu não te contei ainda, mas recebi autorização do
comando para utilizar três policiais junto aos seguranças, eles irão compor a
equipe de varrição de rua neste quarteirão. Eu vou acompanhar tudo de uma
central de monitoramento, as câmeras vão estar instaladas em seus bonés e
no botão da camisa.
Henrique respirou fundo e deu o sorriso que eu mais amava, aquele
que mexia com minhas entranhas.
— Porra, cara! Você é o melhor, não sei nem como agradecer.
— Não precisa agradecer, meu amigo, mas ainda não acabou.
— Como assim? O que mais tem para me contar?
— O pessoal da inteligência descobriu interferência nos rádios,
como se alguém estivesse captando nossas conversas. Todas as frequências
dos rádios estão sendo alteradas e um especialista foi chamado para tentar
descobrir o endereço de onde vinha o sinal.
— Nossa! Será que é ele?
— Estamos confiantes que sim. Vamos aguardar a investigação.
— Cara, as melhores notícias, obrigado.
— Você sabe nosso lema na polícia, mexeu com um mexeu com
todos. — Eduardo balançou a cabeça confirmando a fala do Roberto.
— Henrique, além disto, não se esqueça que capturaremos um
fugitivo. O dossiê sobre o homem está quase pronto. Demorei um pouco
porque precisei de algumas autorizações e descobri o quanto ele tem uma
mente doentia, um perigo para a sociedade. Meus homens estão à
disposição do capitão no que for necessário. — Os três continuaram a
planejar tudo e inclusive me dando orientações sobre como eu deveria agir.
— Hannah, é muito importante você agir com naturalidade, mas
precisa estar atenta a qualquer pessoa que possa ter semelhança com o
Gustavo. Tenha em mente que ele não está com a aparência na qual você o
conheceu, com certeza, usará um disfarce.
— Eduardo, eu o reconheceria até se estivesse vestido de mulher. O
jeito dele andar não vai mudar, pois ele sofreu um acidente de carro na
adolescência e isto o fez não ter muita firmeza na perna esquerda. Apesar
de ser algo sútil, ele anda mancando um pouco para o lado. Deixe comigo.
— Henrique estava com a sobrancelha unida em cima do nariz formando
umas rugas na testa. Meu marido era ciumento demais e odiava me ver
falando do meu ex.
— Eu sei que estamos no caminho certo, mas o fato de colocar
minha esposa nesta operação me deixa muito preocupado. — Ele estava
sentado ao meu lado no sofá, pegou minha mão e levou a sua boca e deu um
beijo.
Roberto e Eduardo o acalmaram repassando todos os passos da
operação. Soltei a mão do meu marido para ver meu celular, ele havia
vibrado anunciando uma mensagem.
— Henrique, vou esperar Priscilla que está chegando com nossa
pequena. Sua irmã disse que ela está chorando querendo o pai. Novidade,
não é? — Os amigos de Henrique deram uma risada da cara que ele fez para
mim. — Verdade, porque vocês não sabem o quanto Lara me troca pelo pai.
Eu os deixei conversando e acertando os últimos detalhes e fui para
a porta esperar. Não demorou um minuto e vejo a irmã do meu marido
chegando com uma pequena no colo e Thiago trazendo Nininha que andava
próximo ao seu corpo. Realmente o adestrador tinha feito um milagre, ela
virou um doce.
— Oh, meu amor, vem com a mamãe. Acho que isto é soninho, titia.
— Lara abriu os bracinhos e veio para meu colo. Ela estava bem pesada,
mas eu não abria mão de carregá-la de vez enquanto.
— Mamãe, eu quero meu papaizinho.
— Eu sei meu bem, vamos lá para seu papaizinho. — Minha
cunhada despediu e voltou para sua casa.
Fui até a sala com a Lara no colo e quando ela viu o pai literalmente
se jogou em seu colo. Henrique sorriu para mim e ela deitou a cabeça no
ombro do pai que continuou conversando com os amigos, enquanto ninava
a filha. Aquela cena sempre me comovia, acho que nunca vou me enjoar de
observá-los.
Os amigos conversaram mais uns minutos e se despediram
combinando começar a operação em dois dias. Henrique os acompanhou até
o portão com Lara adormecida em seus braços. Depois de despedir dos
amigos, entramos em nossa casa, eu fechei a porta e acionei o alarme.
Foi um dia intenso, mas nos deixou cheio de esperanças. Subimos
para o quarto de Lara. Henrique a colocou na cama e eu troquei a roupa
dela que dormia um sono profundo.
Meu marido foi para nosso quarto, enquanto eu terminava de
arrumar a pequena ouvi o chuveiro. Meu corpo se agitou só de imaginar
aquele exemplar de deus grego embaixo da água.
Apaguei a luz, acionei a babá eletrônica que ainda fazia questão de
usar e fui ao encontro do meu amor.
Capítulo 51
Descobrindo um cativeiro
Comemorando o sucesso
Descobrindo a loucura
Adeus mamãe
Um incêndio inesperado
Espera agoniante
Bad Girl
Estava cansado, louco por uma cama, mas seus olhinhos brilhantes
me fizeram embarcar na dela. Estava pronto para ouvir as ideias da minha
esposa. Hannah era inteligente e astuta, daria uma excelente investigadora
de polícia, mas seu sonho ainda era seu Café Literário. Ela adiou seus
planos porque ficou grávida e quis esperar nosso Noah nascer, para depois
começar seu empreendimento.
Minha linda esposa virou seu corpo todo em minha direção,
arregalou os olhos e gesticulando como fazia quando estava empolgada
começou a explicar.
— Amor, a primeira ideia começa com um questionamento. Você
traçou o perímetro por onde aquele que não quero falar o nome passou, não
é? — Meu Deus, a expertise de Hannah era contagiante e eu a amava cada
dia mais.
— Sim senhora, temos todos os lugares traçados por onde aquele
maldito esteve.
— Massssss, eu tenho certeza de que você esqueceu do batalhão,
não é?
— No batalhão? Por que, Hannah?
— Amorrr, ele deve observar a movimentação do batalhão o dia
inteiro. E agora vai minha ideia: você vai usar seu poder de policial fodão e
vai sair por todos os lugares traçados em seu perímetro para conseguir as
imagens das câmeras existentes. Eu quero vê-las com você, porque se ele
aparecer eu vou reconhecê-lo.
— Senhora minha esposa, quero te dizer que esta é uma ótima ideia
e eu vacilei não pensando nisto antes. — Ela deu um sorriso cheio de luz,
que me fazia seu refém.
— Por isto estou aqui, meu amor, para salvar você.
— É verdade, você me salvou de cinquenta maneiras diferentes e
continua me salvando a cada dia quando sorri para mim. — Hannah sorriu
porque brinquei com um de seus livros favoritos, o famoso Cinquenta tons
de cinza.
Ela se levantou da cadeira e se sentou no meu colo me beijando,
meu amigão reagiu na hora. Quando ela me soltou, estava corada.
— Acalma este rapaz aí, porque ainda tenho que contar a segunda
ideia maravilhosa que tive. — Eu a beijei como se minha respiração
dependesse daquele beijo, minhas mãos passearam pelo corpo dela e fomos
interrompidos pelo chute do meu jogador.
— Noah, meu filho, ajuda aí, divide a mamãe comigo. Vamos lá, o
papaizinho vai fazer você dormir. — Ela deu uma gargalhada e eu fiquei
alisando sua barriga para acalmar meu filho.
Era incrível como ele ficava quietinho quando eu fazia carinho na
barriga da mãe.
— Amor, a minha ideia vai precisar ser muito bem executada para
dar certo, é o seguinte: vamos protagonizar algumas cenas de brigas no
nosso jardim, em frente à casa da sua irmã e onde for possível. Tenho
certeza de que vai servir de isca para aquele maldito e aí os velados agem.
— Continuei alisando a barriga dela, enquanto assimilava sua ideia que
parecia maluca, mas podia dar certo.
— Hannah, não sei, fico preocupado em colocá-la em risco. Ele está
enlouquecido, meu amor.
— Ótimo, porque eu também sei ser louca. Henrique, pensa comigo,
esta é a única chance de terminarmos com este martírio, não quero
prolongar isto até depois do nascimento de Noah, quero ter paz, meu amor.
— Ela tinha razão, não dava mais para continuar vivendo daquele jeito. Eu
a beijei devagar, demonstrando a ela todo meu amor, depois falei em seu
ouvido:
— Eu tenho a melhor esposa do mundo. Ela tem uma mente
brilhante, eu a amo demais e ela é uma bad girl. — Ela sorriu convencida e
começou a me morder.
— Vamos para o quarto, porque esta bad girl tem uma promessa
para cumprir. — Eu a carreguei e subimos para nosso cantinho do paraíso.
O plano da minha esposa foi aprovado pelos meus amigos Roberto e
Eduardo. Demoramos quatro dias para juntar todas as imagens necessárias.
Não foi fácil como eu imaginava, eram muitas horas de filmagens. Algumas
câmeras tinham uma tecnologia mais antiga e foi necessário converter o
vídeo com as imagens, mas no fim tudo deu certo.
A polícia civil continuava investigando o incêndio criminoso da mãe
do louco. A novidade foi a aparição do pai dele, que nos contou o quanto o
filho sempre deu sinais de ser perverso, sem remorsos, sem limites e cheio
de razão em tudo.
O senhor José Ramos contou com tristeza sobre a devoção da ex-
esposa ao filho. Ele arcou com as despesas do enterro e se colocou à
disposição caso fosse necessário.
Começamos a maratona de assistir as imagens, era preciso muita
atenção nos mínimos detalhes. Minha esposa foi fundamental em
reconhecer o bandido em várias situações, mas a mais inusitada de todas foi
a descoberta dele disfarçado de mulher. O desgraçado ficava na banca em
frente ao batalhão, inclusive esteve lá no dia que descobrimos o falso
cativeiro.
Desde o dia do incêndio não tínhamos mais nenhum sinal do infeliz.
Era como se ele tivesse tomado chá de sumiço. Nossa operação estava
acontecendo. A babá segurança estava em nossa casa, mas nada acontecia.
Estava difícil manter tantos homens da polícia empenhados e
disfarçados. O comandante da nossa regional, era um homem muito bom e
estava mantendo nossas estratégias, mesmo sem êxito.
Hannah e eu começamos a encenar nossas brigas falsas, mas
precisávamos esperar Lara dormir ou estar na escolinha para ela não
presenciar nosso teatro. Minha filha era muito nova para entender o que
estava acontecendo.
Hannah morria de rir depois dos conflitos fakes, mas eu confesso
que ficava incomodado de gritar com ela, ainda mais carregando uma
barriga de oito meses.
Tentava não ficar ansioso à medida que o tempo ia passando, mas o
meu medo crescia na proporção da barriga dela.
A coisa saiu do controle no dia em que Lara estava brincando com
Nininha no jardim e o interfone tocou com um suposto carro de Pet Shop.
Fiquei louco quando Ester me contou como tinha acontecido.
Segundo ela, minha filha correu para atender, mas a Ester estava a
postos e o atendeu sem abrir o portão.
— O senhor deve ter errado o endereço, não pedimos nenhum
serviço.
— Estranho, porque recebi a ligação me dando este endereço e
dizendo que era para buscar a Nininha para banho.
— Senhor, eu já disse que não pedimos nenhum serviço, o senhor
pode se retirar, por favor. — Contou que naquela hora uma viatura virou em
nossa rua e ele saiu correu em fuga.
Ele foi seguido por várias ruas movimentadas da cidade, até que ele
conseguiu ultrapassar um sinal e a viatura precisou parar. Os policiais
conseguiram sair, mas já era tarde demais. O veículo havia sido abandonado
em uma esquina e o motorista desaparecido.
O carro foi levado para o pátio da polícia civil e descobrimos que a
placa havia sido adulterada. A pintura com o nome de um Pet Shop estava
com tinta fresca, mas o que me deixou enlouquecido de ódio fora as
inúmeras fotos de Hannah que estavam no porta-malas.
Tudo aconteceu no dia que somente os seguranças pagos estavam
disfarçados. Como aquela era uma operação demorada, não dava para
manter os policiais em todos os dias.
As filmagens mostravam um idoso, mas minha esposa reconheceu
Gustavo pelo jeito de andar. Naquele dia fiquei cego, chamei uma reunião
de urgência e perdi a linha. Alterei o tom de voz com os homens da empresa
de segurança envolvidos na operação.
— Eu não posso acreditar no que aconteceu. Vocês cometeram um
erro grave, relaxaram e ele chegou ao meu portão. Que inferno, qual o
problema de vocês? Não estamos lidando com um aprendiz e sim com um
maluco que enganou a todos. Revejam as táticas, prestem atenção em uma
mosca que pousar naquela rua. Não quero ninguém estranho perto da minha
casa, entenderam? Sumam da minha frente, na próxima, e eu espero que
não haja próxima, eu rompo meu contrato com a empresa de segurança e
vou garantir que ninguém mais contrate vocês.
Eles saíram da minha sala sem falar nada, eu não dei oportunidade.
Odiava incompetência e aquela foi inaceitável. A polícia fez barreira em
vários lugares, reforçou a entrada e saída do meu bairro, mas não havia
sinal do desgraçado.
Tudo parecia estar dando errado, eu estava a ponto de largar tudo e
mudar do país com minha família. Permaneci em minha sala me corroendo
por dentro, quando Capitão Roberto entrou feito um louco.
— Henrique, se levanta desta cadeira. Caralho, você não vai
imaginar. Descobrimos o endereço onde estavam captando a frequência de
nossos rádios. O comandante já conseguiu uma autorização judicial para
entrarmos e a polícia civil está a caminho do endereço. Vamos lá ver que
apartamento é este. — Saímos em quatro viaturas e quase doze homens.
Para nossa surpresa o local era próximo ao batalhão. Tocamos o
interfone sinalizado como do síndico e pedimos para abrir.
— Senhor, polícia. Temos uma ordem judicial para entrar no
apartamento trezentos e um.
— Polícia? Pois não senhor, vou abrir e esperá-los na porta do
apartamento, se precisar tenho a chave reserva. — Subimos as escadas com
alguns policiais em retaguarda.
Eu, Eduardo e Roberto forçamos a porta e nada. Batemos
anunciando ser a polícia, mas não ouvimos nenhum som. O síndico me
entregou a chave e abrimos a porta. Alguns policiais do Grupo de
Operações Táticas entraram na frente fazendo a varredura no apartamento.
Aguardamos a liberação deles.
— Não há ninguém no apartamento, senhor. — Assim que
entramos, nos deparamos com uma bancada cheia de rádios e
computadores.
Enquanto os peritos fotografavam tudo, fomos para um quarto que
me deixou sem ar. Havia uma cama e em frente a ela uma parede cheia de
fotos de Hannah. Algumas delas tinha a foto do Gustavo colada em cima da
minha imagem.
— Caralho, é o apartamento dele.
— Henrique, você precisa ver isto. — Eduardo me chamou no outro
quarto e assim que entrei me deparei com um armário cheio de uniformes.
Tinha dos Correios, da empresa de limpeza urbana, de auxiliar de
limpeza do shopping, até uma batina estava no cabide. Além disto, tinha
roupas femininas, perucas, vários bonés, muitos óculos e algumas máscaras
feitas sobre medidas.
Para piorar, ainda havia pendurado no teto um saco de bater, uma
esteira elétrica no canto e o mais sinistro, um manequim vestido com uma
capa preta com capuz.
Sobre seu ombro havia três azorragues, aqueles chicotes que eram
usados para açoitar condenados.
— Meu Deus, é muita loucura. Esse bandido é um perigo para toda
a sociedade, Eduardo. — Abrimos as gavetas de uma cômoda e
encontramos joias, dinheiro e vários documentos com diversas identidades
diferentes.
— Eu sei, Estevão. Nós vamos prender esse maldito.
Achamos diversas fotos do batalhão, dos policiais juntos comigo, da
minha irmã, meu sobrinho e da minha filha. Cheguei a ficar ofegante e
soquei a cômoda.
— Eduardo, este cara é um maníaco e quer minha família. Você tem
noção o que é isto?
— Calma, cara. Descobrimos o esconderijo do bandido e bem
embaixo dos nossos olhos. Vamos embora, deixe nossos homens terminar
por aqui.
Aceitei a sugestão do meu amigo. Eduardo me levou para casa, eu
precisava estar junto das minhas meninas.
Capítulo 58
Mudança de planos
Não contava com uma babá dos infernos cuidando da pequena peste.
Aquela desgraçada atrapalhou meu plano. Eu tinha certeza de que a
senhorinha me atenderia, mas veio uma mulher parecendo um pitbull no
portão e para piorar uma viatura surgiu do nada.
Quando você precisa tomar uma decisão na pressão, quase sempre
erra, mas eu não me sentia pressionado por ninguém. Não fugi da polícia
como os trouxas imaginaram, só quis me divertir um pouco as custas deles.
O carro da minha mãe era potente e podia competir com uma
viatura, mas eu ia renunciar a ele porque não gostava da cor. Era um
vermelho horrível.
Correr pelas ruas da cidade com os babacas me seguindo foi bem
divertido, ultrapassei um sinal que havia acabado de fechar e os despistei.
Deixei o carro estacionado, corri e entrei no primeiro ônibus. Claro, deixei
um presentinho no porta-malas para o poderoso capitão de merda.
Continuei sendo sombra, ninguém conseguia me ver. Eu era muito
mais esperto que todos aqueles Gambés juntos. Os últimos acontecimentos
modificaram meus pensamentos. Com muita alegria presenciei minha
mulher brigando com o marido.
Pelo jeito a lua de mel acabou e ela não o via mais como seu
príncipe encantado. Esta foi minha percepção ao presenciar algumas
discussões bem acaloradas dos dois.
Hannah costumava passear no shopping, mas sempre acompanhada
da pequena peste e da babá dos infernos. Porém, aprendi a usar a paciência
ao meu favor e continuava a vigiando, uma hora eu ia conseguir vê-la
sozinha.
Precisei mudar de planos motivado pelo pequeno incidente com a
casa da minha mãe e porque os malditos policiais descobriram meu
apartamento. Fui obrigado a procurar um hotel e ficar um pouco sumido.
Minha sorte era os cartões de crédito que estavam em minha carteira com
uma identidade falsa.
O Mestre tentou me castigar em função do meu vacilo permitindo
que os policiais chegassem até mim, mas eu acabei revidando. Estava
cansado da metodologia e dos ensinamentos dele, então o dispensei.
Percebi que ele não deu conta quando entendeu que a criatura se
desenvolveu mais que o criador. Eu não necessitava mais dele. Estava
obsoleto e não aceitava minhas decisões, no entanto, ele só se esqueceu de
que o plano era meu e não dele. Estava bem melhor sozinho tomando o
rumo da minha vida sem nenhuma intromissão.
Metas e planejamentos careciam de monitoramento e avaliação, pois
durante o percurso eram necessários alguns ajustes. Pensando em todas as
experiências vivenciadas, tomei outra decisão importante para mim e
Hannah.
Não esperaria mais nosso filho nascer, eu a queria junto de mim.
Passei por um processo de introspecção durante meu sumiço obrigatório e
cheguei à conclusão de que aquele bebê era meu por direito.
Capítulo 59
Decisão arriscada
Planos mudam
Momento arriscado
O dia D
O inesperado