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Copyright © Cláudia Castro

Capa: Criativa TI
Revisão: Angélica Pedrolli

Esta é uma obra de ficção. Seu intuito é entreter as pessoas. Nomes,


personagens, lugares e acontecimentos descritos são produtos da
imaginação da autora. Qualquer semelhança com nomes, datas e
acontecimentos reais é mera coincidência.
Esta obra segue as regras da Nova Ortografia da Língua Portuguesa.
Todos os direitos reservados. São proibidos o armazenamento e/ou a
reprodução de qualquer parte dessa obra, através de quaisquer meios —
tangível ou intangível — sem o consentimento escrito da autora.
Criado no Brasil. A violação dos direitos autorais é crime
estabelecido na lei n°. 9.610/98 e punido pelo artigo 184 do Código Penal.
Dedico esse livro a todas
as pessoas que lutam diariamente
´para superar suas perdas. A vocês
todo o meu carinho e respeito.
Sumário
Sinopse
NOTA DA AUTORA
Prólogo
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
Capítulo 29
Capítulo 30
Capítulo 31
Capítulo 32
Capítulo 33
Capítulo 34
Capítulo 35
Capítulo 36
Capítulo 37
Capítulo 38
Capítulo 39
Capítulo 40
Capítulo 41
Capítulo 42
Capítulo 43
Capítulo 44
Capítulo 45
Capítulo 46
Capítulo 47
Capítulo 48
Capítulo 49
Capítulo 50
Capítulo 51
Capítulo 52
Capítulo 53
Capítulo 54
Capítulo 55
Capítulo 56
Capítulo 57
Capítulo 58
Capítulo 59
Capítulo 60
Capítulo 61
Capítulo 62
Capítulo 63
Capítulo 64
Epílogo
Sobre a Autora
Sinopse

Capitão Henrique Estevão, vinte e nove anos, viúvo, lindo e


perigoso, se tornou uma máquina de guerra após uma perda imprevisível.

Hannah Ventura, dezenove anos, virgem, dona de uma beleza


singular e dedicada aos estudos. A garota entra na vida do capitão quando
ele precisa lidar com a filha que rejeitou durante três meses.

Os dois vão precisar romper com suas diferenças em prol da


pequena Lara. Henrique descobre na paternidade o poder da superação e em
Hannah a possibilidade de um recomeço. Porém, alguém do passado está
disposto a destruir o capitão.

Você irá acompanhar a saga de um homem lutando contra seus


fantasmas para proteger as pessoas mais importantes de sua vida longe da
mente doentia e vingativa de um abusador.
NOTA DA AUTORA
Esse livro é um relançamento de dois livros lançados em dois mil e
dezenove: Aprendendo com Você e Protegendo Você. Resolvi dar uma
repaginada na história acrescentando cenas novas e alterando algumas
situações.
Achei pertinente relançá-lo, porque este foi um dos últimos livros
que escrevi com pseudônimo, e por não ter sinalizado na capa que se tratava
de uma Duologia, o segundo ficou perdido na Amazon.
Quem acompanha minha carreira literária sabe que minha marca são
os romances com homens da segurança pública e sou conhecida com a
Rainha dos Fardados. Além do tema ser o preferido das minhas leitoras,
gosto de mostrar homens poderosos que lutam contra seus demônios
internos.
Importante ressaltar, que se trata de obra de ficção e, portanto, não
tem como objetivo tratar de questões inerentes as profissões citadas. Na
criação dos enredos, realizo algumas pesquisas para abrilhantar a história,
no entanto, algumas questões são criadas para dar melhor coerência e
proporcionar emoções ao leitor. Este livro refere-se inteiramente à ficção,
não sendo baseado em nenhum fato verídico.
Esclareço ainda, que nesta história, cito sobre o Transtorno de
Personalidade Antissocial, também conhecido como Psicopatia, no qual
está sob a Classificação Internacional de Doenças - CID - 9, 301.7. O
presente livro, não tem finalidade técnica, mas sim permitir a você, meu
leitor, conhecer um pouco sobre o tema. Como se trata de uma obra de
ficção, não tenho a pretensão de trazer subsídios para pautar intervenções
técnicas ou hipóteses diagnósticas. O personagem Gustavo não foi criado
por meio de inspiração em uma pessoa real, trata-se exclusivamente de
criação da autora.
Volto a dizer, que não tenho o objetivo de adentrar as peculiaridades
do universo militar, mas sim focar na história de um homem em sua vida
profissional precisando vencer os desafios impostos pela paternidade. Este
livro refere-se a inteiramente em ficção, não sendo baseado em nenhum fato
verídico e/ou em nenhuma pessoa em especial.
Aproveito esse momento para agradecer todas as pessoas que dão
uma chance aos meus livros, as minhas queridas Fardadas da Cláudia,
parceiras, blogueiras e as queridas escritoras do projeto Desafio Mari Sales.
A vocês todo o meu carinho.
No mais, espero que esse mocinho poderoso e protetor possa
aquecer suas noites de inverno. Peço que ao fim avaliem a história na
Amazon, isso é muito importante para mim.
Abraços,
Cláudia Castro
Prólogo

Acelerei o meu Jeep Renegate preto em direção ao lugar menos


propício para mim, mas o único onde conseguia descarregar minha raiva.
Eu não deveria frequentar aquele clube de luta, porque eu era a lei, mas nos
últimos meses, nada me importava mais.
A placa com o nome Bar Bungs era só um disfarce para o que
verdadeiramente acontecia no porão. Naquele buraco escuro com cheiro de
suor e sangue rolava lutas proibidas. Assim que me viu, Chacal gritou
animado.
— Agora a noite ficou boa! O imbatível Kamikaze, a “Divindade”
veio para desafiar vocês.
— Boa noite para você também, Chacal. — Ele deu uma gargalhada
com seus dentes podres e me provocou.
— Pelo jeito nessa noite você está precisando dar umas porradas,
não é? — Só balancei a cabeça confirmando e tirei minha camisa.
A garçonete que aceitava meus termos para foder se aproximou e
passou as unhas pontudas e vermelhas por minhas tatuagens.
— Essa aqui é nova, Kamikaze. — Aquela mulher conhecia bem
meu corpo, porque nos últimos dias eu vinha descontando minha frustração
na boceta dela. Respirei fundo e tirei suas mãos de cima da tatuagem.
— Você sabe que é. Não força, Barbie. — No meu ombro esquerdo
estava tatuado o rosto da única mulher que amei.
— Calma, grandão. Vai dar umas porradas e depois eu cuido de
você. — Ela deu uma risada debochada e saiu rebolando.
Empurrei uma cadeira que estava no meu caminho e fui até a
espelunca que eles chamavam de vestiário. Quando entrei olhei para as
paredes riscadas com palavras chulas, números de telefones e recados não
tão amorosos como deveria. O chão cheio de manchas de várias porcarias e
sangue. Balancei a cabeça para os lados, puxei o ar com força e falei
sozinho.
— Vai lá e dá umas porradas, Estevão, quem sabe você se sente
menos degradante. — Não havia mais honra para mim. A vida havia me
jogado de novo no fundo do poço.
Saí do vestiário em busca do primeiro maluco a subir comigo no
rinque improvisado. No centro estava um homem enorme de gordo, dando
gritos e porradas no peito.
— Vem Kamikaze, não tenho medo de você, seu borra botas. —
Respirei devagar e prendi a respiração até chegar no centro daquela arena
suja de sangue.
Quando o sino tocou, o homem veio para cima de mim como um
touro bravo, mas ele não sabia com quem estava lidando. Foi apenas um
soco para ele cair como um saco de batatas. Chacal foi ao êxtase junto com
a pequena plateia.
— Kamikazeeeeeeeee, a Divindade!!! Nosso homem bomba
derrubou mais um em menos de vinte segundos. — Não dei atenção aquele
teatro. Continuei pulando de um lado para o outro para me manter
aquecido. — Quem será o próximo a desafiar nosso campeão imbatível?
Um homem de quase dois metros, cheio de tatuagens e piercings
subiu para o ringue me encarando como se fosse me meter medo. Coitado!
Ele não sabia de que era feito meu coração.
— Vem Kamikaze, vou te mostrar como um homem bate. — O
encarei por alguns segundos e depois cuspi no chão.
Começamos a luta estudando os movimentos um do outro. Depois
de alguns minutos desviando dos golpes dele, acertei seu rosto com um
soco de direita. Ele cambaleou, mas logo se recompôs e veio para cima de
mim com tudo. Socamos e rolamos pelo chão por quase trinta minutos, até
que o chamado Gigante da Noite, bateu a mão no chão desistindo da luta.
Saí de cima dele e ao ficar de pé o filho da puta me deu uma rasteira
me fazendo cair no chão. Bastou aquele golpe sujo para eu descarregar tudo
sobre ele.
Ira...
Revolta...
Descontrole...
Autopiedade...
Só saí de cima dele arrancado pelo Chacal, pois o cara estava
desmaiado e sangrando muito. Meu coração estava disparado, meu peito
subia e descia sem controle. Empurrei o responsável daquela espelunca para
me soltar, desci do ringue e passei pela Barbie a arrastando comigo para o
vestiário.
— Ui, adoro você irritado assim, Kamikaze. — Ignorei a fala dela e
a empurrei para dentro do pequeno cubículo.
— Cala a boca, Barbie, porque hoje não estou bom para seus
joguinhos.
— Pelo menos posso gemer? — Só olhei para ela de cara feia e a
diaba passou o dedo pela boca como se fechasse um zíper.
Antes de entrar no pequeno espaço do chuveiro com ela, fui até o
armário com cadeado que era meu e peguei uma camisinha. Estava me
acostumando a lutar e a foder depois, mesmo me sentindo um lixo quando
chegava em casa.
Voltei sedento de adrenalina, raiva e não sei mais o que para dentro
daquele lugar onde a Barbie me esperava nua somente com o salto como eu
gostava.
— Barbie, você sabe que não há esperança comigo, não é?
— Sei, Kamikaze. Não estou te cobrando nada.
— Sou quebrado, mulher. Agora chega de papo e chupa meu pau. —
Ela deu um sorriso com seu batom vermelho e me chupou com gosto.
Não sabia descrever que porra de prazer eu sentia, mas de uma coisa
eu tinha certeza: era frustrante. Quando ela começou a passar a língua pelo
meu saco, eu segurei sua cabeça a empurrando para ir mais fundo. A mulher
o colocou dentro da boca me deixando cheio de tesão.
Enrolando o cabelão loiro dela em minha mão, a trouxe para cima,
vesti o preservativo em meu pau duro e dei um tapa em sua bunda.
— Vira e rebola, safada. — Ela encostou os antebraços na parede,
virou o bundão para meu lado e ainda me provocou.
— Com prazer, Kamikaze. — Dei outro tapa naquela nádega branca
e redonda.
— Não me provoca, Barbie. — Ela deu um sorrisinho levado e eu
meti dentro dela com toda força do mundo.
— Mais forte, tigrão. Mostra seu lado mau para mim. — Segurei o
cabelo dela enrolado em minha mão e puxei seu pescoço para trás.
— Não pede o que não aguenta, garota. Não sabe com quem está
lidando. — Quando ela abriu a boca para falar, a tampei com minha mão e
meti nela com força sentindo raiva do meu destino.
Capítulo 1

Frustração

“Dia após dia reaparece. Noite após noite a batida do meu coração
demonstra o medo. Fantasmas aparecem e somem. Sozinho entre os
lençóis. Somente traz irritação. É hora de caminhar pelas ruas e sentir o
cheiro do desespero.”
Voltei tarde da noite para meu martírio com a música Overkill do
Motorhead no último volume. A tragédia na minha vida não roubou só o
meu coração, mas também meu lar. Não tinha mais prazer em voltar para
casa.
Meu olho estava pesado porque estava inchado e com alguns
hematomas. Acionei o controle remoto para abrir o portão da garagem.
Depois de estacionar, peguei minha mochila e fui para fundo da casa.
Caminhei até a porta da cozinha, a destranquei e quando a luz acendeu levei
um susto.
— Caralho, Priscila, vai assustar outro, porra. Igual um fantasma no
escuro. — Estava sendo difícil lidar com uma irmã psicóloga pegando no
meu pé.
— Boa noite, irmão. Eu tinha certeza de que seu estado ao chegar
não me agradaria. Você está deplorável, Henrique.
— Priscila, por que não vai embora cuidar da sua família? Não estou
bem hoje. — Acabei de falar e me arrependi. Dei munição a ela.
— Minha família? Sim, Henrique, eu estou cuidando da “MINHA
FAMÍLIA” e da SUA inclusive. — Abri a boca para interrompê-la, mas ela
estendeu a mão me fazendo parar. — Não se atreva a dizer que Lara não é
SUA FAMÍLIA. Até quando vai se esconder atrás dessa fantasia de vítima?
— Fantasia? Está louca? Eu perdi minha esposa no momento mais
esperado por nós. Tiraram tudo de mim, inclusive a vontade viver. —
Caminhei para a sala e ela veio atrás de mim feito doida. Com o dedo em
riste falou aos gritos.
— Cala a boca, pelo amor de Deus. SUA FILHA PRECISA DO
PAI. Olha para você. Agindo como um garoto rebelde frequentando luta
clandestina. — Terminou a frase enfiando aquele dedo fino no meu peito.
Olhei para ela espantado. Como ela sabia do clube? Aquele lugar
era escondido, mas claro, minha irmãzinha sabia. Porém, eu não daria a ela
nenhuma informação.
— Do que está falando, sua maluca? Hoje tive problemas com um
elemento no serviço. — Ela me olhou decepcionada e depois fechou os
olhos. Quando os abriu, respirou fundo e logo depois me encarou
desanimada.
— Não subestime minha inteligência, Henrique. Eu sei o que anda
fazendo. — Priscila estava me irritando quando eu queria apenas tomar
banho e dormir para sempre. Enchi o peito de ar e fiz um discurso todo
emocionado.
— Está bem, irmã. Eu sou todo errado, fiz merdas, mas eu precisava
colocar esse ódio para fora. Quanto a minha filha, ela precisa de alguém que
possa amá-la. Meu coração está destruído. Ninguém sabe o que sinto. Por
que aconteceu isso comigo? Você pode me responder, doutora psicóloga?
— Ela deu uma risada maquiavélica e me preparei para um novo surto.
Ela começou a me aplaudir feito uma louca. Permaneci em silêncio
a encarando com raiva.
— Parabéns, pessoa especial. Acorda, meu irmão, acontece todo dia,
com todo mundo. Você não é o único que perdeu alguém. O seu
questionamento está errado. — Ela colocou a mão na cintura e me encarou
como um touro bravo.
— Qual seria então a pergunta certa, gênio? — Ela bufou com raiva
e acabou comigo apenas com uma frase.
— Por que não com você, irmão? — Respirei fundo e me sentei no
sofá da sala.
Coloquei meus cotovelos nas coxas e baixei minha cabeça nas mãos.
Senti o sofá afundar e permaneci na mesma posição. Passamos alguns
minutos um ao lado do outro sem falar nada, até sentir um afago em meu
cabelo.
— Henrique, você é meu único irmão. Eu te amo demais. Não faz
isso com você e com sua filha. Ela necessita do pai. Nós também perdemos
a Laura, mas a vida precisa continuar. — Respirei fundo e olhei para minha
irmã desanimado.
— Estou cansado, irmã. Preciso descansar. Amanhã é minha folga,
terminamos essa conversa no café da manhã, pode ser? — Priscila me
examinou com olhar de águia e para meu espanto concordou rápido demais.
— Tudo bem, Henrique. Tome um banho e cuide desses ferimentos.
Amanhã cedo venho tomar café com você. — Ela me deu um beijo na testa
e depois se levantou para ir embora, mas quando chegou até a porta, se
virou e me deixou encucado.
— Eu sei como resolver seu problema, irmão. Amanhã te explico
melhor. — Jogou um beijinho e saiu sorridente.
Depois que ela se foi, permaneci um tempo no sofá tentando
entender o que ela queria dizer com aquilo, mas acabei desistindo. Priscila
era um ser indecifrável.
Capítulo 2

Imprevisível

Acordei cedo com o interfone tocando sem parar. Olhei para meu
celular e ainda eram sete e meia da manhã.
— Porra, quem está tocando uma hora dessa? — Virei para o lado e
segurei o travesseiro na cabeça.
A pessoa que estava tocando não desistiu e infernizou com aquele
som infernal até eu levantar. Quando cheguei na cozinha e vi minha irmã no
visor da câmera do interfone, não acreditei naquilo.
— Sério, Priscila? É de madrugada ainda.
— Bom dia meu querido irmão. Estou feliz por te ver também. —
Revirei os olhos e falei.
— O que você quer a essa hora? Estou de folga, quero dormir.
— Abre logo essa merda antes que eu derrube. Vou fazer o café para
você, seu ingrato. — Apertei o dispositivo para abrir o portão e fui até o
banheiro lavar o rosto.
Quando voltei fui surpreendido por um carrinho de bebê na sala e
senti o cheiro de café vindo da cozinha. Olhei para minha filha que dormia
como um anjo e fechei os olhos apavorado. Saí de perto dela sem olhar para
trás e fui atrás da doida.
— Posso saber o que aquele carrinho está fazendo na sala?
— Naquele carrinho, Henrique, tem uma bebê linda que por sinal é
sua filha. — Respirei devagar tentando me acalmar.
— Priscila, não brinca comigo a essa hora da manhã. Para que você
trouxe a bebê?
— Porque o pai dela precisa entender que ele deve cuidar do seu
bem mais precioso. — Com o pouco de paciência que ainda restava fui até
ela que mexia no fogão e falei entredentes.
— Eu já te disse que não cabe um bebê em minha vida. Ela está
muito melhor com você. — Priscila abriu a boca para falar, mas eu não
deixei. — Sem chance, não quero ouvir mais nada. Vou tomar banho. Passe
bem, irmã.
Virei as costas e subi para o meu quarto com o coração disparado.
Debaixo do chuveiro com a água quente caindo sobre mim deixei meu
pranto rolar. Tudo estava muito fodido em minha vida, eu não daria conta
sozinho. Por que Laura me abandonou? Juramos amor eterno, fizemos
nossos votos, morrer estava fora de cogitação, aquilo não podia estar
acontecendo comigo.
Acionei pela Alexa a música God Never You Side do Motorhead no
volume máximo. Aquela letra fazia todo o sentido para a minha nova vida.
Dei uma gargalhada raivosa, porque Deus nunca esteve ao meu lado,
exatamente como na canção.
“Se as estrelas caírem sobre mim, se o Sol se recusar a brilhar,
então as algemas podem ser desfeitas e toda a velha palavra cessará de
rimar. Se os céus virarem pedra, isso não importará, não mesmo, pois não
há paraíso no céu. O inferno não espera por nossa ruína. Deixe a voz da
razão brilhar. Deixe os devotos esvanecerem duma vez. A face de Deus está
escondida, toda invisível. Você não pode perguntar a ele o que isso tudo
significa. Ele nunca esteve ao seu lado. Deus nunca esteve ao seu lado.
Abandone o certo ou errado, decida por si mesmo. Deus nunca esteve a seu
lado.”
Soquei a parede algumas vezes e gritei por toda minha má sorte.
Cansado, destruído e sem saber como seguir em frente, praguejei e
amaldiçoei todos os médicos responsáveis por não salvar minha esposa. Só
saí do banheiro quando minha casa estava em total silêncio.
Era zero a possibilidade de cuidar sozinho de um bebê de dois
meses. Minha irmã deve ter entendido minha incapacidade de lidar com a
pequena Lara e voltou com ela para sua casa.
Assim que cheguei na cozinha senti meu sangue fugir do meu corpo.
Aquilo só podia ser um pesadelo. Próximo a bancada estava o carrinho de
bebê com um pedaço de gente dormindo como um anjo. Com o coração
saltando no peito me deparei com um bilhete colado na porta da geladeira.

“Sinto muito, meu irmão, já é hora de você assumir sua filha, a


Lara precisa do pai. Viver em fuga não vai fazer a Laura voltar. Fiquei com
minha sobrinha até aqui, mas de agora em diante é com você. Estarei
sempre presente em sua vida, mas precisei te dar este tratamento de
choque.
Eu e minha família vamos viajar de férias, deixei tudo explicado em
uma folha que está dentro da bolsa, além do telefone do pediatra e a
fórmula para as mamadeiras.
Henrique, entre no quarto de sua filha, sua esposa deixou tudo
muito organizado. Tenha coragem meu querido, você vai ver o quanto vai
ser bom exercer a paternidade.
Irmão, eu te amo demais, mas não dava mais para ver você se
matando dessa forma. Relaxa, Lara é só um bebê! E você já lidou com
coisa pior neste seu trabalho maluco. Fiquem com Deus.
Sua irmã que te ama muito”.

Terminei de ler em choque. Puta que pariu, eu não acreditava que


minha irmã tinha feito aquilo comigo. Vi minha filha poucas vezes desde o
seu nascimento, sempre por insistência da tia, mas estar sozinho com ela era
diferente.
Respirei fundo para diminuir a taquicardia, passei a mão no cabelo
muitas vezes e decidi empurrar o carrinho para a sala. Andei muito devagar,
pois o medo dela acordar era real. Sentei-me no sofá olhando para aquela
coisinha branca de bochecha vermelha que dormia tranquilamente como se
nada no mundo fosse mais importante que seu sono.
Fechei meus olhos e relembrei de como tudo aconteceu até
chegarmos naquele momento na sala da minha casa.
Somente eu e uma bebê.
Capítulo 3

Antes da Laura

Pensa em um homem que era carregado de energia, adrenalina, sem


nenhum resquício de autopreservação e necessidade de amar, este era eu:
Henrique Estevão, mais conhecido como Capitão Kamikase.
Meus dias eram preenchidos por trabalho, missão, honra, justiça a
qualquer custo e controle. Ninguém ditava regras para o meu modo de
viver. Todas as operações na qual eu participava, me destacava pelo meu
jeito destemido e heroico. Meu mau gênio provocava certo distanciamento
das pessoas, mas não me importava: eu me bastava.
As pessoas não entendiam meu modo de agir e muitas vezes fui
classificado como um ser bruto, arrogante, de difícil convivência, no
entanto, bastava me conhecer e a opinião mudava. Eu era um sujeito
solitário. Gostava do silêncio. Senão pudesse ajudar, não atrapalhava, mas
era fiel aos amigos de farda.
Nunca fui de muitas palavras. Fazia parte do time dos que observava
e só me pronunciava quando necessário. O meu jeito despertava curiosidade
nas pessoas, mas eu sempre fui bom em repelir quem se aproximava.
Minha infância e adolescência foram cercadas de medo, escuridão e
violência doméstica. A linguagem conhecida por meu pai era surras, cintos
e quando fui me tornando homem, socos. Mamãe aceitava viver sobre um
teto violento e sem amor, não tinha força para enfrentar a situação.
Aprendi a relacionar amor com posse, medo, ciúmes, mágoa e
prisão. Acredito não ter sofrido mais em função da minha irmã mais
velha. Eu e Priscila tínhamos uma diferença de idade de três anos, quando
papai começava seus acessos de fúria, mamãe nos mandava fugir.
Esta era uma lembrança viva para mim. Priscila segurava minha
mão, saía correndo em direção ao quintal e nos escondíamos em um buraco
escuro atrás de um pé de manga.
As lembranças marcantes da minha vida eram tristes, e por isto,
nunca gostei de apagar a luz. Dormia com o quarto claro como o dia, era a
única forma de não ser assombrado por pesadelos.
Nunca entendi o porquê de mamãe ficar naquela casa com o
monstro que eu deveria chamar de pai. O argumento usado por ela não me
convencia. Ela insistia no fato dele ser um homem bom, trabalhador, marido
exemplar, até ser vencido pelo alcoolismo.
Mamãe era temente a Deus. Frequentava a igreja quase todos os dias
e acreditava no poder da mulher em edificar o seu lar, mas infelizmente não
conseguia trazer paz para nossa vida. Fomos obrigados a viver por nós
mesmos desde muito cedo.
O fim da violência em nossa vida aconteceu de forma irônica. A
causadora das sessões intermináveis de brigas e dor, também foi a causa do
findar. Tudo aconteceu em um domingo de bebedeira do meu pai,
quando em mais uma de suas loucas crises de ciúmes, resolveu buscar
minha mãe que estava na igreja.
Saiu feito um louco e a retirou de dentro do salão paroquial, fazendo
escândalo e ameaçando a todos que tentaram entrar em seu caminho. Na
volta para casa, perdeu o controle do carro, o batendo em um poste.
A tragédia só não foi maior, porque amanheci com febre e dor de
garganta. Minha mãe pediu para Priscila cuidar de mim, pois naquele dia
ela era a responsável por abrir e organizar a igreja para a missa. A febre
impediu de estarmos juntos naquele carro.
Não passamos maiores dificuldades na vida pós o luto, pois
tínhamos casa própria e minha irmã trabalhava numa loja de calçados
durante o dia e estudava a noite. Logo após a morte dos nossos pais, o
patrão dela me contratou como jovem aprendiz, por isto nossa renda dava
para vivermos de forma simples, sem faltar nada.
Priscila ocupou todas as horas vagas do meu dia e noite, segundo
ela, “mente vazia era espaço propício para más ideias”. Estudava de manhã,
ficava na aprendizagem a tarde e à noite fazia curso preparatório para entrar
na polícia militar. Foi assim que aos dezoito anos passei no concurso da
polícia e entrei para universidade onde cursei Direito. Comecei minha vida
na segurança pública e depois de formado, passei no curso de formação de
oficiais.
Minha irmã resolveu fazer psicologia. Ela queria ajudar mulheres
como nossa mãe, vítimas de violência doméstica. Priscila se formou com
vinte e dois anos e se casou dois anos depois com seu namorado da
adolescência, o mesmo Marquinhos que tantas vezes nos ajudou com a
loucura do meu pai.
Eu tinha muitas mulheres para sexo, todas elas sabiam que amor não
fazia parte dos meus planos. Tornei-me uma verdadeira máquina de guerra,
me inscrevia em todas as capacitações, cursos, treinamentos oferecidos pela
polícia militar, trabalhava a maior parte do tempo e nas horas vagas
malhava até levar meu corpo a exaustão.
Insopitável, este era eu. Impossível de reprimir, de conter, de
controlar; irreprimível, incontrolável, forjado para atuar em uma guerra se
preciso fosse. Esta era a melhor definição sobre quem eu era até Laura
aparecer em minha vida e tudo mudar.
Capítulo 4

Um anjo em minha vida

Erro de estratégia? Falha no planejamento? Erro humano? Não dava


para pensar naquele momento. Se tinha algo para me tirar do sério, era o
fracasso em uma operação estudada e planejada por tanto tempo.
Entramos numa emboscada quando estávamos chegando no barraco
usado para refinar e embalar a cocaína. Usávamos armas potentes, porém os
traficantes sempre tinham mais poder de fogo.
Levamos desvantagem porque a trilha traçada por nós, saiu logo
abaixo do local onde os gerentes estavam vigiando a movimentação do
morro. Foram muitos tiros, mas conseguimos sair sem maiores prejuízos,
não perdemos nenhuma vida.
Precisei dar retaguarda para alguns dos meus homens e acabei sendo
baleado no braço direito e na coxa esquerda. Caralho, a dor era profunda,
cheguei a ter náuseas, mas não podia parar, caso contrário teríamos baixas.
Respirei fundo e continuamos a descer em fuga para onde estavam as
viaturas e os homens preparados para nos tirar da operação caso algo desse
errado.
Quando estávamos quase no pé do morro fomos socorridos pelos
homens que permaneceram a postos para dar retaguarda. Fomos
encaminhados ao hospital mais próximo e precisei passar por uma cirurgia.
Nunca imaginei acordar e dar de cara com um anjo.
Doce. Com certeza este era o melhor adjetivo para o olhar da
enfermeira que estava verificando meus sinais vitais. Quando ela percebeu
meus olhos abertos, abriu um sorriso de parar o quarteirão. Naquele exato
momento fui nocauteado e toda a convicção de nunca me envolver com
ninguém foi por água abaixo.
— Boa noite, capitão, bem-vindo de volta. Como o senhor se
sente? — Apaixonado por você, este foi o primeiro pensamento que passou
por minha cabeça ao ouvir a voz linda daquela mulher.
Tentei acertar o corpo na cama, mas não foi possível porque me
senti tonto e com dor. A enfermeira logo colocou suas mãos em meu ombro
e falou com doçura:
— Calma aí, capitão. O Senhor é forte, mas não é de aço, precisa ir
com calma, acabou de fazer duas cirurgias. — Só então me lembrei dos
tiros e da operação fracassada.
— Você sabe se alguém mais da minha equipe está aqui? Preciso
notícia dos meus homens. — Ela estava anotando algo em uma prancheta,
permaneceu em silêncio por alguns minutos até terminar e voltar sua
atenção a mim.
— Somente o Senhor continua aqui. Seus homens só tinham
algumas escoriações e já foram liberados, pelo jeito, você conseguiu ser o
escudo deles. A bala que estava na sua coxa deu um pouco mais de
trabalho, mas os cirurgiões conseguiram deixar sua perna novinha em folha.
— Terminou sua fala com um sorrisinho lindo no rosto. Eu queria mantê-la
mais tempo perto de mim.
— Como é o seu nome? — Ela virou seu crachá para minha direção
para que eu pudesse ler. — Laura. Um nome muito bonito, enfermeira
chefe.
Brinquei com seu cargo e recebi um sorriso tímido como resposta.
Ela não estava facilitando minha vida, mas observei que não havia aliança
em seu dedo.
— Tente descansar, capitão. Se sentir qualquer coisa, basta acionar
este botão do seu lado direito. — O jeito que ela falava a palavra “capitão”
ia direto no meu pau. Antes dela sair fui ousado e segurei sua mão.
— Você vai voltar para me ver? — Adorei ver sua bochecha
vermelha com minha ousadia.
— Eu trabalho aqui, capitão, com certeza ainda vai me ver — falou
e saiu sem olhar para trás.
Congelei ali, com cara de bobo, vendo aquela loira linda e gostosa
saindo do meu quarto.
Foi assim que Laura entrou em minha vida para sempre. Nosso
namoro e casamento se deu um ano após o a operação. Ela chegou de
mansinho e derrubou as barreiras existentes em meu coração.
Estávamos casados há dois anos e vivendo nosso sonho dourado
com a chegada da pequena Lara. Sabia que não me controlaria diante da
minha bebê, seria ciumento e apaixonado. Minha esposa era meu sol.
Aquecia minha vida de várias formas diferentes, meu porto seguro.
Estava em um nível hard de estresse, eu havia pedido que me
deixassem fora de operações perigosas naquele último mês, mas, parecia
que não compreenderam.
Precisava ficar afastado de missões complexas, pois não queria me
manter fora por muito tempo. Laura estava com nove meses de gestação e
me deixando muito preocupado, porque se encontrava sempre cansada além
do normal. Liguei para ela pela quinta vez e a resposta sempre era a
mesma.
— Amor, estou bem, fique tranquilo.
Não conseguia me manter calmo, afinal, eu era pai de primeira
viagem e tinha este direito. Sentia medo o tempo todo de que algo desse
errado. O médico havia me dito várias vezes que a cada segundo crianças
nasciam no mundo, mas era impossível manter a serenidade.
Eu era uma pilha de nervos, diferente de Laura, uma verdadeira
mansidão. Por minhas meninas sempre faria o melhor, na minha profissão
não podia haver erros. Estava lotado no Grupo de Operações
Especiais, trabalhávamos com situações de conflito, onde na maioria das
vezes havia reféns.
O toque estridente do meu celular me fez pular da cama. O tenente
de plantão me comunicou sobre um possível atentado com vítimas em um
ônibus municipal. Sentei-me ao lado da minha esposa, beijei sua barriga e
aquela boca linda. Ela remexeu na cama como uma gata manhosa.
— Bom dia, meu amor. O que aconteceu para você acordar tão
cedo? — disse esfregando os olhos.
— Nada diferente de outros dias. Um ônibus sendo roubado com
possíveis vítimas. — Laura se levantou, vestiu seu robe de seda
vermelho deixando aberto a frente mostrando sua barriga linda.
— Enquanto você se arruma, vou preparar um café da manhã
reforçado.
— Não vai dar tempo, meu amor, a viatura já está chegando.
— Deixa comigo, gostoso, vou preparar algo que você possa levar e
comer no caminho. — Piscou para mim de forma sexy e saiu com seu
caminhar de grávida. Aquela mulher sempre foi minha perdição.
Cheguei à cozinha e senti o aroma delicioso do café, acabei me
sentando e fazendo um rápido desjejum. Depois peguei o pacote com
algumas guloseimas, ela sabia que passaríamos um bom tempo sem comer e
caprichou na quantidade para mim e meus homens.
Laura foi até a porta me acompanhando e me beijou. Naquele
momento não soube explicar o motivo, mas senti um aperto no peito e a
abracei com força.
— Você não está sentindo nada? — Perguntei pela milésima vez.
— Não meu bem, estou ótima. Vá em paz, eu e a Lara vamos te
esperar. — Beijei sua testa e fui em direção a viatura que já estava me
aguardando.
Recebi as primeiras informações durante o percurso até o local. Não
havia ninguém machucado, mas pânico entre os passageiros e o elemento
que estava muito agitado.
Para gerenciar crises e conflitos, era necessário ter sangue frio e eu
era o mestre em pelo menos parecer ser o mais calmo. Mal sabiam eles que
dentro de mim havia um vulcão pronto para entrar em erupção. Minha
serenidade pertencia a minha esposa, ela era meu alicerce.
Capítulo 5

Reviravolta do Destino

Depois de várias negociações para liberar reféns, acabamos


conseguindo desmontar uma quadrilha de drogas e anabolizantes. O menino
do ônibus, era só um mais um inocente envolvido na podridão armada pelos
infelizes criminosos do tráfico.
Graças a nossa astúcia e experiência em crimes como aquele,
conseguimos terminar sem baixas. Estava ansioso para voltar para minha
casa. Saí com o sentimento de dever cumprido.
Assim era nosso trabalho. Fazíamos a parte de repreensão e
apreensão, o resto ficava com a civil. Sempre nos colocamos à disposição
da justiça e enviamos todos os relatórios da operação. Conseguimos acabar
com a missão no finalzinho da tarde. Depois do dever cumprido, corri para
o melhor lugar do mundo: junto das minhas meninas.
Cheguei louco para tomar um banho de banheira com minha linda
grávida. Adorava aquele momento de sentir minha pequena se movendo no
ventre da mãe. A coisinha mais linda do papai já conhecia a minha voz e
ficava toda levadinha quando conversava com ela.
Entrei em casa chamando por Laura, mas ela não respondeu. Um
pressentimento péssimo tomou conta de mim e corri para o segundo
andar. Não acreditei quando vi a cena à minha frente. Minha esposa
estava de roupão encolhida agachada na porta do banheiro. Ela estava com
uma expressão de dor e medo que me fez perder o ar.
— Amor, o que está acontecendo? Pelo amor de Deus, fale
comigo! O que você está sentindo? — Ela me olhou assustada, respirou
fundo e falou com dificuldade como se estivesse sentindo muita dor.
— Henrique, eu estava saindo do banho, senti um desconforto, então
coloquei o roupão e quando ia saindo do banheiro senti uma cólica como se
uma faca cortasse minha barriga. Estou com medo, acho que estou
sangrando. Não deixe nada acontecer com Lara, por favor.
Sem ter como agir, carreguei minha esposa a retirando do chão e me
apavorei quando vi a quantidade de sangue. Seu roupão estava encharcado e
assim que Laura viu o seu estado, teve dimensão da hemorragia. Ela se
desesperou e começou a chorar. Tentei acalmá-la, mas foi em vão. Desci as
escadas com ela no colo e fui direto para o carro.
Precisávamos chegar ao hospital o mais rápido possível para evitar o
pior. Abaixei o banco do carona e coloquei minha esposa sentada da melhor
forma que consegui.
Lembrei-me que tinha um giroflex no porta-malas, acoplei ao teto
do carro por imã e saí a toda velocidade. No caminho liguei para a médica
da minha esposa informando o ocorrido e ela me disse que iria para o
hospital encontrar conosco.
Nunca senti tanto medo em minha vida. Dirigi feito um louco
segurando a mão da Laura. Ela só chorava encolhida no banco do carro.
Chegamos ao hospital direto na porta da emergência, saí com minha esposa
no colo pedindo ajuda para os enfermeiros. Eles correram em nossa
direção com uma maca e a retiraram dos meus braços.
Meu anjo agarrou minha mão e eu fui correndo ao seu lado
acompanhando a maca até a entrada do centro obstétrico. Nossa médica
chegou logo em seguida e foi examinando minha esposa. A equipe médica a
encheu de fios ligados a alguns monitores.
Um deles era para o coração da minha esposa e o outro para o
coração da minha pequena que parecia estar batendo de forma fraca. O
enfermeiro que estava verificando a pressão arterial da minha esposa, fez
uma expressão de preocupação e logo depois, percebi a agitação da equipe.
Algo estava muito errado com Laura.
A obstetra pediu que preparassem a sala de cirurgia para uma
cesárea de urgência. Desesperada, minha esposa me puxou para perto dela.
— Meu amor, por favor, me promete que se algo acontecer comigo,
você vai cuidar da nossa pequena. Promete, Henrique, por favor!
— Pare com isso, amor, nada vai acontecer. Nós vamos sair daqui os
três juntos, entendeu? Eu prometo que nada vai acontecer.
Laura apertou minha mão com força e falou entre lágrimas.
— Henrique, eu te amo como nunca imaginei amar alguém, mas
preciso que me prometa, por favor.
— Laura, eu prometo só para te acalmar, amor, mas fica quietinha,
respira fundo e acredite, nada vai acontecer. Eu te amo demais, meu sol, vai
dar tudo certo.
Acabei de falar e todos saíram correndo com Laura em direção à
sala de cirurgia. Eu ainda tentei ir atrás, mas fui impossibilitado por sua
médica.
— Henrique, Laura está tendo uma eclampsia. É uma
crise hipertensiva severa, preciso que se acalme e nos deixe trabalhar. Se
você costuma rezar, esta é uma boa hora.
Pela primeira vez em minha vida senti medo. Saí andando sem rumo
pelos corredores do hospital. Não era acostumado vivenciar situações que
fugiam ao meu controle. Estava me sentindo encurralado, desesperado e
sem saber o que fazer, fui descendo pela parede até chegar ao chão e ali
chorei.
Senti uma dor profunda e um medo que rasgava meu peito e me
sufocava. Não conseguia me concentrar, só ficava repetindo baixinho para
Deus salvar minhas meninas.
As pessoas passavam por mim e ficavam consternadas com a cena.
Minha roupa estava coberta pelo sangue da minha esposa e minha
expressão não era das melhores. Eu estava em um estado de letargia há uns
quarenta minutos, até que resolvi reagir, me levantei e saí em busca de
notícias.
Andei alguns metros e vi a médica vindo em minha direção. Não
precisou de palavras, a expressão dela dizia o pior. Saí correndo em direção
à sala de cirurgia. Três enfermeiros tentaram me segurar, mas eu estava
enlouquecido. A obstetra pediu para liberarem minha entrada e me
conduziu até minha esposa.
Não conseguia acreditar no que meus olhos estavam vendo, Laura
estava inerte, coberta até a cabeça por um lençol branco. Os médicos
cuidavam da minha bebê em uma incubadora ao lado da mãe sem vida.
Eu me deitei sobre ela, gritei, chorei e amaldiçoei a Deus. Não
restava mais nada em minha vida. Beijei meu sol várias vezes. Sua pele
estava fria, sem o calor que eu tanto amava. Senti os braços da médica no
meu ombro, mas continuei ali, parado junto ao corpo morto da minha
mulher.
Fiz carinho nos cabelos dela, jurei amor eterno, falei o quanto eu a
amava e chorei. Eu estava sentindo uma dor dilacerante, quebrando minha
alma, como uma faca rasgando minha pele.
Todos na sala pareciam emocionados. A médica com carinho me
levantou e foi me levando até onde meu bebê estava. Ela era rosada, tinha
uma cabeleira ruiva e dormia serena. Eu estava com tanto ódio da vida, que
não consegui encarar a minha filha.
Saí daquele lugar sufocante, abandonando minha pequena com a
equipe médica. No caminho em direção ao meu carro, dei um soco com
tanta força na parede, quebrando meus dedos na mesma hora. Mesmo
aquela dor não foi capaz de arrancar do meu peito a perda da Laura.
Quando estava quase chegando ao estacionamento, fui interceptado pela
médica me perguntando se tinha alguém para ligar.
Dei a ela o telefone da única pessoa que podia resolver tudo por
mim, Priscila, minha irmã mais velha, que era psicóloga e com certeza
saberia o que fazer.
Peguei o meu carro e voltei para casa, estava alucinado, sem saber o
que fazer. Quando abri a porta, comecei a atirar tudo que estava à minha
frente na parede. Gritei feito um louco, não conseguia controlar o ódio
crescente em meu peito. Depois de muito socar, quebrar e chorar, fui para o
quarto da minha bebê.
Peguei algumas roupinhas e as abracei. Passei a mão pelo bercinho,
pelos enfeites colocados por Laura e me desesperei. Eu não conseguiria
cuidar sozinho da minha filha. Deitei-me no chão e chorei toda minha dor.
Eu mal respirava.
Permaneci naquele estado até minha irmã sentar-se ao meu lado e
me abraçar. Ela beijou minha cabeça e choramos juntos. Não
precisávamos conversar, ela sabia o quanto aquela perda ia deixar minha
alma dilacerada e destruída. Minha irmã conhecia o tamanho do meu amor
por Laura e por isso, entendia a proporção da minha perda.
— Henrique, eu imagino o tamanho da sua dor, mas você tem uma
filha e vai precisar ser forte pela Lara.
Olhei para ela convicto da minha decisão e falei entre lágrimas.
— Priscila, eu não vou conseguir. Você vai cuidar dela por mim.
Ela balançou a cabeça em negativa, segurou minha mão que já
estava inchada e respondeu com todo amor.
— Vamos com calma, meu irmão. Tudo a seu tempo. Vá tomar um
banho e depois vamos cuidar desta mão. — Sem forças para discutir, eu
simplesmente levantei e me dirigi ao banheiro.
Nada mais seria como antes.
Capítulo 6

Destruído

Tudo aconteceu como em um pesadelo, onde você fica paralisado e


não consegue se mover. Como eu imaginava, Priscila cuidou de tudo,
organizou o melhor funeral. Laura estava linda dentro daquele caixão. Ela
não parecia morta, estava serena como se dormisse. Para mim, aquela era
uma visão de um filme de terror, de tão assustador e desesperador.
Todos os meus amigos estavam comigo. O marido da Priscila e meu
sobrinho Thiago ficaram o tempo todo ao meu lado. Meu sobrinho tinha
apenas três anos, mas aquele pequenino ficou segurando minha mão com
seus dedinhos gorduchos.
Voltar para casa foi a pior missão da minha vida. Priscila insistiu
para que eu fosse com ela, mas não aceitei. Eu precisava começar a
enfrentar o deserto que se tornaria meus dias.
Eu tinha direito a férias prêmio na polícia. Solicitei os noventa dias
dos quais eu tinha, precisava de um tempo para sofrer. Cheguei à minha
casa, fui ao bar e enchi um copo de uísque, precisava me anestesiar. Nunca
fui de beber, mas aquela ocasião exigia álcool em minhas veias.
Dei fim a uma garrafa inteira, sozinho. Fui para o meu escritório e
chorei, gritei, xinguei todos os santos, Deus e tudo que era sagrado. Acabei
dormindo ali mesmo. Meus dias se passavam assim. Eu bebia, chorava,
quebrava mais algumas coisas, beijava as fotos da minha esposa, assistia
milhares de vezes aos nossos vídeos, segurava as roupinhas da minha bebê
e me embebedava mais.
Minha irmã veio dia após dia e eu a expulsava, não queria sair da
minha bolha de ódio, raiva, pena, tudo que você pudesse imaginar. Até que
no décimo sexto dia, Priscila apareceu pela manhã e começou a fazer uma
faxina em minha casa. Meu cunhado me levou arrastado para o banheiro,
pois eu não tinha forças para resistir. Mal lembrava o que tinha comido por
último.
Marquinhos me ajudou debaixo do chuveiro, depois fez minha barba
e depois me levou para o quarto. Minha irmã já tinha arrumado minha cama
e estava com um prato de sopa que ela me obrigou a comer.
Priscila era uma peste quando queria algo, então, para economizar
energias, eu resolvi obedecer. Todo aquele cuidado me fez bem, porque foi
a primeira vez desde o desastroso dia no hospital que eu consegui dormir na
minha cama.
Acordei no início da noite e me deparei com Priscila sentada ao meu
lado me olhando. Ela estava séria, com uma expressão triste e cansada.
— Meu irmão, eu sei que você está passando por um momento
horrível, não consigo mensurar sua dor. Já passamos por muita coisa juntos
e vamos passar de novo. Eu estou aqui, Henrique. Sempre estarei com você.
— Eu não consigo, Priscila — falei com um tom de voz derrotado.
—Vamos descobrir uma maneira de ultrapassarmos essa tempestade,
mas você precisa reagir e me ajudar. — Limpou algumas lágrimas que
insistiam em cair. — Eu não posso te ver assim, é demais para mim. Você
não viu sua filha nem uma vez. Lara precisa de você, irmão. Quando vai vê-
la?
Olhei para ela sem forças, totalmente perdido. Não sabia como
recomeçar. A culpa e o ódio cresciam dentro de mim em alta velocidade.
Não tinha vontade de reagir. Ficava o tempo todo me martirizando com um
conflito me corroendo a minha alma. No meu íntimo eu tinha raiva de Lara
estar viva e a mãe dela morta. Mesmo sendo um pensamento absurdo.
Acabava me culpando por não estar mais cedo em casa, talvez
pudesse ter evitado a tragédia. A médica me afirmou que eu não poderia
fazer nada. Segundo ela, mesmo que eu estivesse me casa, não mudaria o
quadro da minha esposa.
Eu queria desistir de tudo. Preferia permanecer o resto da vida
dentro de casa, sem ver ninguém. Tudo havia perdido o sentido. Priscila
ainda me olhava com lágrimas descendo pelo seu rosto, quieta esperando
por meu pronunciamento.
— Irmã, estou sem chão. Laura era meu porto seguro. Não quero ver
a Lara, além de não ter forças para isso. — Parei para respirar, porque meu
peito doía. — Eu gostaria de ter outra resposta para você, mas infelizmente
não tenho.
— Meu irmão, não se maltrate assim, você não tinha como evitar.
Eu te conheço, Henrique. Tenho certeza de que está se culpando como um
louco. Não faz assim, deixa eu te ajudar. — Balancei a cabeça em negativa,
mas ela continuou insistindo. — Vamos passar um tempo em minha casa e
você vai se acostumando com sua filha. Eu peço para o Marcos doar as
coisas da Laura. — Senti uma faca entrando em meu coração.
— Como assim? De jeito nenhum. Não estou preparado para nada
disso. Eu ainda preciso das fotos da Laura comigo, dos nossos vídeos e das
roupas dela. — Olhei para minha irmã e em respeito ao amor que ela sentia
por mim, tentei não ser hostil.
— Meu irmão, vai ser melhor para você, acredite em mim. — Puxei
o ar pelo nariz e prendi a respiração por uns segundos.
— Priscila, eu sei que você só quer me ajudar, mas não estou pronto,
irmã. Preciso deste tempo. Não quero ver a Lara e muito menos guardar as
coisas da Laura. Quero tudo como está e não vou para sua casa. Me
entenda, por favor. — Ela cruzou os braços tentando controlar seu mau
gênio.
—Henrique, não vai poder fugir para sempre, mas vou te dar mais
um tempo. Só te peço que não fique bebendo sem se alimentar. Vou passar
aqui todos os dias para trazer comida. — Eu a interrompi.
— Não precisa. Estou sem fome.
— Henrique, você querendo ou não, eu virei. Eu te amo, meu irmão,
e necessito que você fique bem para uma garotinha linda que te espera.
Conhecia muito bem minha irmã para saber que ela não desistiria
até eu concordar, por isto balancei a cabeça de forma afirmativa. Priscila me
abraçou e se despediu prometendo voltar com meu almoço.
Aproveitei e subi para o meu quarto. Era insuportável lembrar-me
que não existiria mais o nós, era somente eu. Tudo ficava vazio. Abri o
nosso guarda-roupa, cheirei as roupas da minha esposa que ainda tinha o
aroma delicioso dela. Abracei uma camisola que eu adorava e relembrei de
cada minuto de quando nos conhecemos.
A enfermeira chefe era osso duro de roer. Laura me deu um cansaço
no começo. Ela tinha respostas na ponta da língua para negar todas as
minhas investidas. Fiquei rindo sozinho e, de repente, as lágrimas
chegaram.
Os dias passavam em branco. Priscila, trazia comida e me mostrava
fotos de Lara que eu fingia ver. Passamos quase um mês assim. Eu só
corria, lutava em um clube clandestino, bebia, xingava, chorava, quebrava
alguma coisa e dormia. Cheguei a ver Lara algumas vezes, mas a
semelhança dela com a mãe, piorava meu humor.
Quase dois meses depois da morte da minha esposa, aconteceu algo
horrível. Visitei minha filha e quando saí da casa da minha irmã, estava tão
descontrolado que resolvi dar umas porradas no imbecil que me desafiasse
no clube de lutas.
Como de costume, ganhei todas as lutas e quando estava indo
embora para casa, fui abordado por uma das garçonetes que me lembrava a
minha esposa. A infeliz me provocou e acabei em uma cama de um
quartinho fétido que ficava no fundo do clube.
A vagabunda era acostumada a terminar suas noites com homens
quebrados como eu, porque ela tinha uma caixa de camisinhas sobre a
mesinha ao lado da cama.
Foi a pior foda da minha vida. O tempo todo via o rosto da Laura no
da mulher. Não consegui terminar, gozar, nada. Parei no meio do caminho e
saí de lá sem olhar para trás.
Não consegui dormir naquela noite e no meio da madrugada, me
levantei e fui para minha academia improvisada em um cômodo ao lado da
minha garagem. Tinha uma esteira, alguns pesos e um saco de bater.
Precisava descarregar a raiva que estava em mim, caso contrário explodiria.
Minha mão ainda estava inchada das porradas da noite. Eu mal
havia me curado do meu último acesso de raiva. O médico me receitou uma
tala por quarenta dias e não usei por dez. A minha saúde não me importava
mais. Precisava dar uns socos para não enlouquecer.
Comecei a treinar feito um louco. Corri na esteira por quase uma
hora, depois levantei pesos e por último, dei muitos socos no saco de areia.
A raiva só aumentava, e por isso, necessitava cansar meu corpo. Meu
coração estava em frangalhos, precisava da sensação física de dor para
amenizar o que estava em meu interior.
Depois de quase três horas de treinamento insano, tomei um banho,
minha mão estava roxa e horrível. O dia amanhecia ensolarado, mas para
mim tudo era sombrio. Estava me sentindo tonto, fraco e com o corpo
inerte. Vesti uma calça de moletom e caí sobre a cama. O sol iluminava meu
quarto, mas eu não me importava.
Fechei os olhos e comecei a sentir calafrios. Puxei o lençol para meu
corpo e dormi um sono agitado. Minha esposa e minha linda pequena
estavam em um campo cheio de flores e elas sorriam para mim. Eu corri,
tentei alcançá-las, mas não consegui. Gritei para Laura voltar e ela disse de
longe que nunca me esqueceria, mas que eu precisava seguir.
— Henrique, cheguei ao fim da minha missão. Você tem um longo
caminho pela frente, meu amor. Continue sendo o homem forte que eu
sempre amei.
— Não consigo sem você, Laura. Volta para mim, por favor. —
Gritei com todas as minhas forças, mas ela não me ouviu.
Sorrindo continuou rumo a um caminho cheio de flores com a nossa
filha no colo. Comecei a me debater e acordei com Priscila me sacudindo.
— Henrique, acorda. Pelo amor de Deus, você está queimando em
febre. Estava sonhando e gritando por Laura. Meu irmão, por favor, deixa
eu te ajudar. — Ela segurou minha mão machucada e surtou. — Vamos para
o hospital agora.
— Lara está morta... — falei desesperado. — Vocês a enterraram
sem eu saber.
— Meu irmão, você está delirando. Sua filha está bem, está na
minha casa e só precisa do pai. — Eu estava acabado, me entreguei e deixei
cuidarem de mim.
Eles me levaram para o hospital, pois no meu treino louco
machuquei ainda mais meus dedos e consegui uma luxação no pulso.
O médico resolveu me internar. Além dos sintomas de estresse pós-
traumático, eu estava desidratado. Só deixei me levarem, feito um robô.
Sem reação nenhuma. O sonho não saía da minha cabeça, porque tinha sido
muito real. Fui levado para um quarto, me colocaram no soro, aplicaram
uma injeção e eu apaguei junto com minha dor.
Acordei um dia pela manhã, abri um pouco meus olhos e vi minha
irmã dormindo sentada com a cabeça em meus braços. Aquela imagem
mexeu comigo, não podia me entregar feito um rato, afinal, eu era homem e
prometi cuidar da minha filha.
Sei que não seria fácil viver, mas necessitava reagir. Fui treinado
para enfrentar as piores crises, mesmo aquelas que me levariam a ruína,
mas precisava encarar a realidade.
Laura sempre seria a dona do meu coração, não deixaria ninguém
tomar o lugar que era só dela, mas iria continuar. Fiz um carinho na cabeça
da minha irmã, que abriu seus olhos e deu um lindo sorriso para mim:
— Bom dia, campeão! Você me deu um susto. Nunca te vi assim,
tão vulnerável. Como você está? Sua mão dói muito?
—Bom dia, little cat, dormi por quantos dias?
— O médico resolveu te apagar. Segundo ele precisava dar um
tempo ao seu corpo para se recuperar. Dormiu por dois dias. Sua mão está
doendo?
— Minha mão não dói, perto da dor que sinto aqui no peito, mas
prometo que vou seguir em frente, por você e por Lara. — Fechei os olhos
um pouco, puxando o ar com força. — Vou me dedicar a minha profissão e
ajudar quem precisa de mim, vou prosseguir.
— Irmão, quanto tempo você não me chamava assim, amo você e
sei que não está nada fácil. Iremos seguir juntos, eu prometo e sua filha
precisa de você. — Ficamos abraçados por um tempo, até que o médico
abriu a porta do quarto e veio me examinar.
— Bom dia, capitão. O senhor nos deu um susto dessa vez. Seu
corpo não é de ferro. Precisa ir devagar. — Balancei a cabeça concordando
sem muita convicção, mas tentando.
Eu iria ficar de molho naquele hospital por mais quarenta e oito
horas, segundo ele, era o protocolo para casos como o meu. Não fiquei
muito feliz, mas acabei aceitando. Na verdade, eu estava me sentindo fraco.
Recebi a visita dos meus amigos da polícia e todos tentaram me
animar. Tentei ao máximo ser pelo menos educado, mas estava querendo
ficar sozinho. Eles contaram todo o desenrolar do caso do ônibus e fiquei
feliz que tudo terminou bem.
Eles se despediram e falei que dentro de dez dias estaria na ativa,
para as operações mais perigosas. Queria viver conforme meu apelido:
Kamikaze. Concentraria em prender os malditos traficantes, atender
emergências e só. O amor havia morrido para mim, era assim que seria. Frio
como um iceberg e duro como um tanque de guerra. Iria me transformar em
uma máquina, inatingível e sem coração.
Assim que eles saíram do meu quarto, minha irmã ficou me olhando
com a fisionomia bem séria.
— O que foi? Por que esta cara?
— Henrique, você não vai voltar a trabalhar agora, precisa aprender
cuidar de sua filha. — Respirei fundo e fechei os olhos. Quando os abri ela
ainda me olhava com uma expressão desapontada.
— Não tem jeito da pequena morar comigo, Priscila. Eu serei o pai
dela, mas a Lara continua morando com você. Eu não dou conta. — Minha
irmã se levantou com as mãos na cintura e eu me preparei para a leoa.
— O quê? Você está louco? A Lara é sua filha, não minha. Pode dar
um jeito de aprender a lidar com ela.
— Minha irmã, pense um pouco. O que eu tenho a oferecer para esta
criança? Sou um homem quebrado, sem coração. Você é a melhor pessoa
para criar minha filha. — Ela balançou a cabeça para os lados com raiva.
— Esquece. Está fora de cogitação. Esta “criança” é sua filha,
Henrique. Pode dar um jeito de se fortalecer e ser o pai que Laura esperava
que você fosse.
Priscila jogou a bomba e saiu do quarto, me deixando sozinho com
suas palavras furando minha alma. Permaneci deitado na cama com a
certeza de que aquela era a melhor decisão para um pequeno bebê. Eu ia me
enfiar de cara no trabalho. Lara já estava com a tia há quase dois meses e
estava bem melhor com a tia.
Com aquela decisão tomada, passei por aqueles dias e me preparei
para ser um novo homem, pronto para trabalhar e matar se preciso fosse.
Iria entrar para o time de atiradores de elite. Nunca quis antes, era
necessário ser muito frio para aquela função, porém, depois da morte de
Laura, me tornei frio. Eu não tinha mais coração. Não vou me envolver com
nenhuma mulher. Nunca mais. Enchi o peito de ar e falei alto para mim
mesmo.
— Só preciso satisfazer minhas necessidades masculinas. Sem
necessidade de amar. Será sem nomes, jantares, romances... Será só trepar,
foder com força... e para isso a Barbie servia. — Eu não existia mais para o
amor!
Capítulo 7

O destino é dono de sua vida

“Estou afundando e desta vez receio que não haja ninguém para me
salvar. Esse tudo ou nada realmente, tem um jeito de me deixar louco. Eu
preciso de alguém para curar. Alguém para conhecer. Alguém para ter.
Alguém para abraçar. É fácil dizer, mas nunca é igual. Acho que gosto do
jeito que você anestesiava toda a dor.”
A música Someone You Loved, do Lewis Capaldi tocava no sistema
de som do meu quarto. Eu não deveria ouvi-la, pois me fazia recordar do
meu casamento. Cantei para Laura o hino de nossa relação. A letra dizia
exatamente o que ela representava em minha vida.
Quinze dias após minha alta hospitalar, fui surpreendido por minha
irmã que chegou em minha casa pela manhã soltando fogo pelas ventas.
— Não acredito que ainda não foi ver sua filha. Você está louco,
Henrique? — Porra, estava tentando me equilibrar um pouco antes de voltar
ao trabalho.
Eu precisava pedir a ela a chave da minha casa, não precisava mais
de babá entrando e saindo do meu lar.
— Eu já disse que não tenho condições de estar com ela o tempo
todo. Não força a barra, irmã, você sabe que comigo não funciona assim. —
Ela cresceu uns dois metros para cima de mim, colocou as mãos na cintura
e gritou.
— Como funciona com você, Capitão Estevão? É tão irresponsável
que abandonou uma filha de quase três meses? É isto? O que acha que
Laura acharia disto? — Meu sangue ferveu. Levantei em um rompante e
respondi a ela no mesmo tom.
— Não se atreva a falar assim comigo. Você não perdeu sua família,
não sabe o que senti ao ver Laura morta naquele hospital. Não tenho
condições de criar uma criança. Ela é sua sobrinha, fique com ela. Esta
conversa acabou aqui, Priscila. — Acabei perdendo o controle e ela saiu
feito uma onça batendo a porta.
Priscila passou quase uma semana sem aparecer, mas logo no dia em
que eu estava me sentindo um merda, ela apareceu na cozinha da minha
casa em plena madrugada. Deu em mim um sermão de quase meia hora.
Naquela noite, eu havia lutado no clube clandestino e depois trepado
com a Barbie. Quebrei uma promessa feita a mim mesmo de não fazer mais
aquilo. A frustração e o sentimento de humilhação cresciam em minha
alma.
Para piorar, minha irmã não se sentiu satisfeita e combinou de voltar
na manhã seguinte. Priscila chegou em minha casa logo cedo e daquela vez
tocou o interfone. Estranhei ela não ter usado sua chave. Eu queria dormir o
dia inteiro, pois estava de folga, mas ela não desistiria de sua missão.
Depois de acionar o dispositivo que abria o portão e levei um susto ao ver
Lara no carrinho. Acabei brigando com minha irmã de novo. Virei as costas
e subi para meu quarto. Deixei minha irmã e filha para trás. Ela insistia em
forçar minha relação com minha filha.
Tomei um banho quente, xinguei, praguejei e quando acabei, o
silêncio na casa deixava claro que minha irmã havia me deixado em paz.
Porém, nada me preparou para o que me esperava. Li o bilhete da minha
irmã e fiquei puto da vida. Como ela se atreveu?
— Puta que pariu, como a filha da puta teve coragem de fazer isso
comigo? — Lara se assustou e remexeu no carrinho.
Eu fiz o shi... shi..shi... um som maluco que ouvia minha irmã
fazendo às vezes e dava certo. Minha filha se acomodou e continuou
dormindo. Empurrei seu carrinho até a sala e sentei-me no sofá em frente a
ela.
Nunca passou por minha cabeça estar um dia sentado em frente a
um bebê dependendo só de mim. Eu, um brutamontes de quase dois metros,
com zero capacidade de cuidar de uma coisinha tão delicada como aquele
bebê dormindo em minha frente, estava ferrado. Meu coração estava quase
saindo pela boca de pânico dela acordar.
— Oras Henrique, uma hora sua filha precisará de você. — Resolvi
sair do meu estado de inércia enquanto ela dormia.
Fui até a cozinha e peguei a bolsa que minha irmã havia deixado
com suas coisinhas, minha esperança era descobrir ali dentro um manual de
como cuidar de um bebê.
Depois de olhar tudo, fraldas, pomadas, lenços umedecidos, um
bilhete sobre como agir nas cólicas, roupinhas, escova para cabelo, fiquei
frustrado por não achar um livro ou algo que me ensinasse a cuidar de um
recém-nascido.
Estava distraído em pensamentos, quando ouvi um chorinho vindo
do carrinho. Juro por Deus, era como se houvesse caído uma granada nos
meus pés. A vontade era sair correndo, mas meu senso de responsabilidade
me fez agir.
— Oi bebê, sua tia maluca te deixou sozinha comigo. Eu sou seu
pai, apesar de não ter aparecido até hoje e nunca te carregado. Estou
morrendo de medo de errar com você, coisinha pequena.
Acho que falei muito alto, pois ela começou a chorar como se
tivesse visto um monstro. Levantei-me depressa e muito sem jeito a tirei do
carrinho. Aquele pedacinho de gente parecia mole feito uma gelatina, eu
nunca havia carregado um bebê tão novinho na minha vida e o pavor de
machucá-la me sufocava.
Aconcheguei sua cabecinha no meu peito e comecei a balançá-la
devagar enquanto andava pela sala. Minha cabeça girava a mil por hora,
eram muitas dúvidas, mas o choro estridente de Lara, me mostrou que não
poderia me dar ao luxo de ficar filosofando.
Tentei de tudo. Cantei a música When I Need You, do Rod Stewart,
com a esperança dela se lembrar de quando cantava para ela ainda na
barriga da mãe. Depois conversei baixinho, mudei de posição e nada dava
certo. Foi então que me lembrei da mamadeira, poderia ser fome. Andei até
a cozinha com ela nos braços, mas percebi como seria difícil dar conta de
arrumar o leite com uma bebê no colo.
Voltei para sala e a coloquei no carrinho. Aquela garotinha com uma
boquinha tão pequenininha gritou tanto, que parecia ter sido colocada sobre
um colchão de agulhas. Desesperado a levei para a cozinha e comecei
arrumar a mamadeira conforme a filha da puta da minha irmã tinha deixado
explicado no bilhete.
O barulho que aquele pequeno ser fazia parecia de um batalhão em
um dia de treinamento. Estava tão nervoso que derramei quase todo o pó da
fórmula infantil pela bancada. Depois de fazer a maior bagunça consegui
terminar.
Minha filha estava roxa de tanto chorar, parecia estar perdendo o ar,
a tirei do carrinho e fui para o sofá. Assim que coloquei a mamadeira em
sua boca, o choro cessou e ela conectou com a mamadeira, sugando como
se estivesse mil dias sem comer.
Fiquei hipnotizado vendo aquela coisinha pequena, bochechas
rosadas, uma boquinha parecendo de boneca, cabelinho ruivo, puxando o
leite com força. Nunca imaginei sentir tamanha emoção. Seu corpinho
balançava em pequenos espasmos em função do tempo chorando. Senti
remorso por ter demorado tanto com a mamadeira.
Naquele momento senti meu coração bater fora do corpo. Ali, no
meu colo, pequena e vulnerável, estava minha filha. Meu Deus, não dava
para acreditar. Lágrimas grossas começaram a descer pelo meu rosto. Como
se soubesse o que estava acontecendo, com sua mãozinha minúscula
segurou meu dedo.
Caralho, chorei toda a minha dor. Aquele bebê foi o ser mais
sonhado e esperado por mim e Laura. Nunca imaginei estar sozinho no
mundo com uma filha. O que eu ia fazer? Eu não fazia a menor ideia de
como cuidar de uma criança, ainda mais uma menininha.
Meu rosto ainda estava banhado de lágrimas, quando ela terminou
sua mamadeira e ficou me olhando. Balancei a cabeça, puxei o ar com força
e me levantei com ela no colo para poder arrotar. Pelo menos isto eu sabia
fazer, pois cansei de ver minha irmã com meu sobrinho.
Dei pequenas batidinhas nas costas da pequena, ela deu um arroto
digno de um marmanjo. O mais engraçado foi vê-la se assustando com seu
próprio som e fazer beicinho para chorar.
— Calma, princesa, foi só um arroto, mesmo que eu não tenha a
menor ideia do que fazer com você, papai está aqui.
Como um milagre, Lara encostou a cabecinha em meu ombro e
ficou quietinha. A sensação de ter minha filha com seu corpinho encostado
em meu peito, me trouxe um pouco de paz.
Enquanto eu balançava meu corpo com ela nos braços, tentava
acalmar meu coração e pensar de forma racional qual seria meu próximo
passo dali em diante. Não adiantava ficar choramingando atrás da minha
irmã, no fundo ela tinha razão, eu era o pai.
Capítulo 8

O despertar de um pai

Não era possível que eu, um homem adulto, com tanta experiência
de vida, não saberia como agir com um bebê. Coloquei meu lado
pragmático em ação. A primeira providência era procurar o pediatra da
Lara. O número estava dentro da bolsa dela com as outras orientações. Ele
com certeza me orientaria como agir. A segunda seria procurar uma babá.
Meu Deus, como não pensei nisto? Nas instruções deixadas por
minha irmã, lembro de ter visto o nome de uma pessoa que poderia me
atender. Puxei o ar com força, eu tinha muito trabalho à frente.
Saí dos meus devaneios quando senti um serzinho se contraindo no
meu colo. Olhei para o rostinho da minha filha e a vi fazendo uma caretinha
linda e logo depois o cheirinho de cocô tomou conta da sala. Aliás, cheiro
não, como uma Coisinha Pequena podia fazer algo que fedia tanto?
Assim que ela terminou de se retorcer, começou a choramingar.
— Calma aí mocinha, vamos ver como se livrar desta fralda cheia
de cocô? — Sem ter a mínima ideia de como fazer, peguei a bolsa dela e fui
em direção ao meu quarto.
A deitei com todo cuidado do mundo na minha cama e na mesma
hora ela chorou como se estivesse sido colocada em brasas. No impulso a
peguei de novo e balancei.
— Filha, eu preciso te trocar. Ajuda o papai, por favor. Não sei fazer
isto, ainda mais com você em meus braços. — Ela gritou em plenos
pulmões e sem pensar, comecei a cantar para ela a música Coisa Linda, do
Tiago Iorc. Minha esposa sempre cantava para Lara enquanto alisávamos a
sua barriga.
Linda do jeito que é. Da cabeça ao pé. Do jeitinho que for. É e só de
pensar sei que já vou estar. morrendo de amor.
Foi a experiência mais surreal da minha vida, pois bastou ouvir a
música para ela parar de chorar e ficar emitindo uns sonzinhos como se
acompanhasse e reconhecesse a minha voz.
Mesmo com a emoção tomando conta de mim, continuei a cantar e a
coloquei de forma lenta deitada na cama. Abri a bolsa e tirei tudo que
precisava para a operação mais difícil da minha vida.
Quando abaixei para tirar sua roupinha, ela estava com um macacão
rosa com desenhos de corujinhas, meu cordão com a foto da minha esposa
ficou em frente o seu rostinho e ela levou a mãozinha até ele. Meu coração
disparou, eu respirei fundo tentando segurar as lágrimas que estavam se
formando, mas algumas escaparam.
— Ela é sua mamãe, filha. Você é linda como ela.
Lara me olhava com tanta atenção, parecia entender tudo. Quando
abri a fralda me deu desespero. O medo de machucá-la bateu forte. Ela era
tão pequena, seu corpo delicado, frágil e eu um brutamontes.
A toquei como se fosse de algodão. Usei quase todos os lenços
umedecidos da embalagem e demorei cerca de vinte minutos para trocá-la.
Ela estava concentrada na canção e no cordão balançando a sua frente.
— Pronto, meu Pedacinho do Céu, agora você está limpinha e
cheirosa. — Ela começou coçar os olhinhos. — O soninho está chegando
bebê? O papai vai te fazer dormir, princesa.
Eu a peguei com todo o cuidado e fui em direção ao seu quarto.
Enquanto a ninava, cantava baixinho a música, senti seu corpinho amolecer
e a coloquei no seu bercinho. Fiquei velando seu sono, parecia um anjo, ali,
no quarto que eu e a mãe dela havíamos preparado com tanto amor. Aquela
cena despertou em mim um tsunami de lágrimas, no entanto, elas não eram
de raiva e sim de aceitação. Aproveitei para fazer uma promessa a Lara.

— Filha, perdoa o papai. Eu não podia ter te abandonado, você é


meu Pedacinho do Céu. Minha Pequena! — Necessitei parar por alguns
segundos para retomar o fôlego. Prometo nunca mais fugir. A partir de
agora você é minha prioridade. Ninguém vai nos separar e vou te proteger
para sempre. Sou um brutamontes, não aprendi a amar com meu pai, mas
sua mãe me ensinou o quanto o amor faz bem. Vou ser o melhor pai do
mundo, Lara. Eu estava cego de tanta dor por perder sua mamãe,
negligenciei você, mas isto não vai mais acontecer, pode acreditar. Minha
vida é sua, Princesa. Tenha paciência comigo, vai dar certo.
Depois de falar tudo para Lara, me senti mais leve, como se tivesse
passado por uma catarse. Enquanto me acalmava, verifiquei se ela estava
confortável, ajeitei seu corpinho e a cobri. Acionei a babá eletrônica ao lado
do berço e saí para providenciar algumas coisas. Guardei a bagunça que
deixei em minha cama, descartei a fralda com a bomba amarela e voltei
para meu quarto.
Tirei tudo de dentro da bolsa de Lara, deixando em cima da minha
cama. Não ia me atrever a levar para o quarto dela e acordá-la. Desci até a
cozinha para preparar uma refeição para mim. Não tinha comido nada ainda
e meu estômago estava dando sinal de fome.
Coloquei uma lasanha no micro-ondas, preparei uma salada e tomei
uma taça de vinho. Comi depressa com medo da Lara acordar. Lavei o que
havia sujado e aproveitei a pequena pausa para ligar para o número deixado
por Priscila. A jumenta da minha irmã escreveu no papel babá. Ah, que
ótimo, como eu ia dizer?
— Alô, quero falar com a babá.
Eu não tinha outra saída, precisava desta senhora para me ajudar
com Lara. Voltaria a trabalhar dentro de cinco dias, tinha que dar um jeito.
O telefone tocou cinco vezes até que ouvi:
— Alô, pois não? — Mudo. Este foi meu estado ao ouvir a voz da
senhora.
Eu só podia estar sonhando.
Capítulo 9

Capitão Henrique Estevão – Coisas loucas da vida

Eu devia estar ficando louco, pois a pessoa do outro lado da linha


atendeu o celular como Laura atendia as ligações. O mesmo tom de voz e
doçura. Balancei a cabeça para espantar o choque. Oras, tantas pessoas
faziam o mesmo. Respirei fundo, recuperei-me do susto e voltei a ligação.
— Quem está falando?
— O senhor que me ligou, então deve saber com quem quer falar.
Caralho, que atrevida. Eu não sabia o nome da mulher, então era
melhor tentar me explicar, pois eu precisava dela.
— Senhora, meu nome é Henrique, sou irmão da Priscila e pai da
Lara. Ela deixou seu telefone comigo, mas esqueceu de dizer qual era seu
nome. Coisas da minha irmã. — Ela ficou em silêncio por alguns segundos.
Ouvi a respiração do outro lado e resolvi esperar.
— Ah, sim! Você é o pai desaparecido da Larinha, não é? Ai, meu
Deus, me desculpe! Nossa, foi mal. Eu não tenho jeito, falo sem pensar.
Desculpe moço. — Fui nocauteado nos primeiros minutos, não esperava
ouvir aquilo, pensei em desligar e esquecer aquela ligação, mas acabei
respondendo.
— Você não, Senhor. Eu sou o Capitão Estevão. O pai da Lara. —
Não sei o que me deu, mas aquela mulher me irritou, por isto fui arrogante
com ela e fiz questão de enfatizar meu lugar na vida da Lara. Ela demorou a
falar e eu resolvi perguntar logo o que queria saber. — — A senhora faz
serviços de babá?
Ela puxou o ar com força do outro lado e com voz doce me
desarmou.
— Senhor Estevão, me desculpe, eu não tinha o direito de falar
assim. Vamos começar de novo? Meu nome é Hannah Avilar e às vezes
cuidava da sua filha para a dona Priscila.
— Prazer Hannah, como eu já disse, meu nome é Henrique Estevão,
sou capitão de polícia militar e preciso muito de alguém para me ajudar
com a minha filha. Você estaria disponível?
— Senhor Estevão, eu estarei disponível dentro de dez dias. Eu não
estou na cidade. Viajei para casa dos meus pais no interior de Minas. —
Puta que pariu, não esperava aquela resposta.
Como eu ia fazer nos próximos dez dias? Mesmo estando ferrado eu
não podia dispensar aquela senhora.
— A senhora tem algum impedimento para começar daqui a dez
dias? Seu marido não se importa de trabalhar na casa de um viúvo? —
Nossaaaaa!!! Falar a palavra “viúvo” em voz alta me deu sensação de
enjoo.
Nunca imaginei viver o luto com apenas vinte e nove anos.
— Senhor Estevão, não sou casada. Mudei para a Capital há dois
anos, estudo à noite e faço estes bicos de babá para ajudar nas minhas
despesas. — Algo na voz dela me deixava incomodado, mas eu não tinha
opção de escolha.
— Qual a idade da senhora? — Eu podia afirmar estar falando com
uma pessoa de menos de vinte anos, chamá-la por senhora era só um hábito
militar.
— Eu tenho vinte anos, mas muita experiência como babá. Tenho
carta de referência. Cuidei de uma criança por quatro anos, senhor Estevão.
Comecei a trabalhar cedo, tinha treze anos, precisava ajudar meus pais. —
Informação demais para mim.
— Entendi, senhora Hannah. Tem algum problema para começar a
trabalhar comigo daqui a dez dias? Quando chegar combinaremos salário e
horário. O que me diz?
—Posso sim. Estarei na sua casa às sete horas. Podemos combinar
assim? — Combinado, te aguardarei, obrigado.
— Por nada. E Senhor Estevão, me desculpe de novo.
— Tudo bem, passar bem, Hannah. — Desliguei o telefone com
uma sensação estranha.
A voz daquela menina, ai, meu Deus, ela era mesmo uma garota de
vinte anos?
— Henrique onde você estava com a cabeça quando aceitou uma
babá nova deste jeito?
Estava pensando na ligação quando ouvi minha filha chorar como se
estivesse sentindo uma dor terrível, corri para seu quarto. Ela estava se
retorcendo no berço, a peguei no colo e ela vomitou um pouco de leite em
minha camisa. Limpei sua boquinha, tentei dar um pouco de água, mas ela
não aceitou e continuou chorando de forma estridente. Pensei em correr
para o hospital, mas me lembrei das cólicas.
Coloquei a pequena em minha cama, tirei minha camisa suja de leite
e quando olhei para Lara, vi que estava molhada de suor, acho que a cobri
demais. Sem saber como agir, tirei toda a roupinha dela e fui para o
banheiro com ela no colo. Abri a água morna para encher a banheira, peguei
o sabonete dela, tirei minha calça e entramos na água.
— Você quer tomar banho com o papai? Está melhor assim, filha?
— Lara continuava chorando, mas de forma mais calma, como se estivesse
choramingando.
Continuei conversando baixinho, pois percebi que ficava calma
quando eu falava com ela naquele tom de voz.
— Princesa, ajuda o papai, eu não sei como fazer, vou ter que
aprender contigo. A sua mamãe era delicada e linda. Ela era enfermeira,
saberia como lidar com uma bebê. Eu sou um brutamontes, que só sabe
prender bandido, então você vai precisar ter paciência e me mostrar como
fazer. — Era incrível como ela me olhava, parecia entender cada palavra.
Enquanto eu conversava, Lara levou uma mãozinha até a minha
boca, cheguei a perder algumas batidas do meu coração. O medo de errar
me deixava em pânico, mas um sentimento de amor inexplicável invadia
meu peito. Aquele serzinho estava me tirando das sombras.
Segurei ela com a barriguinha apoiada no meu antebraço e passei
sabonete líquido em suas costas. Ela deitou a cabecinha em meu braço e
ficou quietinha. Eu anotava tudo que dava certo em minha cabeça, para
repetir nos momentos de crise.
Não demorei a sair da banheira, pois fiquei com medo dela resfriar.
Saímos da água, eu a enrolei em sua toalha e fui molhando tudo até meu
quarto. Comecei a cantar a música dela e a coloquei na cama devagar. Deu
certo, pois ela não começou a chorar. Eu me enxuguei e troquei em tempo
recorde.
Facilitou minha vida não ter guardado suas roupinhas que estavam
em minha cama. Quando me abaixei sobre ela para trocá-la, fui
surpreendido por cocô e xixi na toalha. Não acreditei, ela estava com as
perninhas lambuzadas com a pasta amarela fedorenta.
Retirei o excesso com os lenços umedecidos e voltei com ela para o
banheiro. Abri a duchinha do vaso na água morna e a segurei com um
braço, fazendo um malabarismo para limpá-la.
— Minha filha, assim você deixa o papai doido. — Ela fixou os
olhinhos curiosos em mim, como se estivesse concordando comigo.
— Ai, meu Deus! Pedacinho de gente, você vai matar o papai de
amor.
Voltei com ela para o quarto, para executar a operação de colocar
fraldas e a roupa. Para mim era tenso passar talco, creme, porque tinha
medo de usar muita força. Fazia tudo com muita calma, para não a
machucar.
Era estranho o fascínio dela pelo pingente com a foto da mãe. Ela
ficava hipnotizada vendo o cordão balançar no meu pescoço. Depois de
vestir a roupa, desci com ela no colo para a cozinha. Eu deixaria a
mamadeira preparada para não passar o sufoco de arrumar tudo com ela
gritando. Coloquei-a ao meu lado no carrinho e enquanto fazia a mamadeira
a balançava com os pés.
— Lara, o papai ligou para a babá. Você gosta dela? Acho que sim,
não é? A Hannah até te conhece, pois te chamou de Larinha. Ela só chega
daqui a dez dias, então teremos que dar um jeito, eu e você. Sua tia é
malvada, deixou a gente sozinho, mas ela vai quebrar a cara, pois nós
vamos dar conta. — Com a mamadeira pronta, saímos da cozinha rumo à
sala. Fui empurrando o carrinho, pois ela estava distraída com seu paninho
de boca.
Sentei-me em frente a ela e aproveitei para pesquisar no celular
como cuidar de uma bebê. Faltava só cinco dias para Lara fazer três meses.
Foi neste momento que percebi como fui louco de perder este tempo da
minha filha. Ela não era mais uma recém-nascida, já estava saindo da fase
das cólicas e eu não tinha participado de nada. Olhando para ela com a
mãozinha na boca, reforcei a promessa de nunca mais me afastar.
Continuei minha leitura por alguns minutos e foi bom, pois aprendi
sobre a higiene da menina, como cuidar para não ter assaduras, sobre a
alimentação e a importância do sol para um bebê. Pela primeira vez estava
me sentindo responsável por aquela vida e era um sentimento muito bom.
Meus pensamentos foram interrompidos pelo início de um chorinho.
— Oi. meu amor, não precisa chorar, papai já está com seu leitinho
pronto. — Tirei Lara do carrinho, a aconcheguei no meu colo e dei a
mamadeira.
Enquanto ela puxava o leite me olhava dentro dos olhos e eu quase
morri do coração, quando eu ri para ela e recebi de volta um pequeno
sorriso.
Nossa, foi golpe baixo. Não consegui controlar a emoção e uma
enxurrada de lágrimas banharam meu rosto. Eu estava virando uma
manteiga derretida e aquilo não combinava com um capitão de polícia, mas
Lara derrubou todas minhas muralhas.
Capítulo 10

O Sol Voltou a Brilhar

Aquela noite foi bem agitada. Lara sentiu muitas cólicas. Minha
irmã tinha deixado escrito no papel sobre algumas gotinhas do remédio que
estava em sua bolsa. Depois de dar o remedinho, acabei desistindo de
deixá-la no berço e a levei para minha cama. Acordei todo doendo, pois,
minha pequena dormiu em cima de mim e meu braço era seu cinto de
segurança. Foi a única posição na qual Lara se acalmou às três da
madrugada.
Acordei por volta das oito com ela resmungando. Olhei assustado no
relógio e fiquei aliviado de ver que conseguimos dormir por cinco horas
seguidas.
— Bom dia, filha. Você deu uma canseira no papai, mas
conseguimos descansar um pouquinho, não é? Vamos para a cozinha fazer
seu leitinho, depois banho e passeio na praça. — Apesar de ser só uma
bebezinha, ela parecia entender tudo.
Estávamos no início da primavera e o sol não estava muito quente,
dava para dar uma voltinha pela rua. A manhã foi um pouco mais tranquila.
Lara era muito boazinha e estávamos construindo nossa rotina juntos.
Depois de tomar toda a mamadeira, fazer sua costumeira bomba
amarela com cheiro de leite azedo, tomamos banho debaixo do chuveiro.
Foi preciso quase um malabarismo para não deixar água cair em seu
ouvido. Uma experiência bem complexa, porque Lara era tão pequenininha
e ficou escorregadia com o sabonete, me deixando com medo dela cair.
Acabado a rotina matinal intensa, saímos para um passeio. Assim
que abri a porta da minha casa, me deparei com a cadeirinha do carro na
varanda e mais um bilhete da minha irmã malvada. Pensei em rasgar e jogar
longe, mas minha consciência não permitiu.

Bom dia, meu irmão!


Passei aqui ontem antes de viajar e deixei a cadeirinha da Lara.
Coloque no seu carro e prenda bem com o cinto de segurança. Uma dica:
apesar de ser um mau costume, ela adora passear e às vezes resolve nas
noites de cólica.
Te amo. Fique bem.
Minha irmã era terrível! Ela sabia o que estava fazendo quando
deixou minha filha por minha conta. Priscila me conhecia muito bem para
saber como resolver o meu problema. Necessitava um tratamento de choque
para perceber o quanto estava perdendo. Ainda bem que tinha a Little Cat.
Coloquei a cadeirinha dentro de casa, pois estava disposta a sair a pé
empurrando o carrinho de Lara. Nós morávamos em um condomínio de
casas com uma área verde enorme e duas pracinhas. Não pretendia ir longe
com ela.
Durante o passeio inclinei um pouquinho a parte de baixo do
carrinho. Prendi Lara no cinto e fui conversando com ela pelo caminho.
Fiquei um pouco espantado de ver como chamávamos a atenção das
pessoas.
Algumas mulheres que eu nunca tinha visto antes, me pararam para
brincar com minha filha. Uma delas chegou a ser mais ousada.
— Nunca vi este papai por aqui antes? Mora no condomínio há
muito tempo? — Eu me senti meio enojado com ela segurando meu braço
com sua mão branca e unhas vermelhas.
Além de me lembrar a Barbie, senti como se ela estivesse invadindo
o espaço de Laura e Lara. Tentei não ser hostil na resposta, mas deixei claro
que não estava disponível.
— Moramos aqui há três anos. — A mulher sorriu e de repente
percebi seu olhar iluminar.
— Claro. Você é o policial que ficou viúvo, não é? — Puta que
pariu, minha vontade era mandar a mulher para a casa do caralho, mas meu
lado oficial educado da polícia não permitiu.
— Senhora, com todo o respeito, eu não estou com vontade de
conversar. Passar bem. — Não dei tempo para ela continuar.
Saí andando depressa com minha filha. Meu Deus, que povo sem
noção. Andei mais uns quinze minutos, mas não gostei de ver como minha
presença despertava curiosidade da ala feminina e voltei para casa.
— Filha, prometo que vamos passear de carro hoje à tarde. Não
imaginei que eu e você despertaria tanto a atenção das pessoas. Qual o
problema desta gente?
Aquele episódio da manhã me deixou um pouco aborrecido, mas o
dia com Lara era agitado, não me dando tempo para ficar amarrando
amargura.
Passamos o dia sem maiores problemas. No tempo que minha
pequena dormiu, desmontei seu berço e o montei no meu quarto. Não dava
para ficar correndo pelo corredor todas as vezes que ela resmungava ou que
eu achava que ela estava resmungando.
Aproveitei para montar a banheira dentro do meu banheiro. A
experiência com ela no chuveiro não foi a das melhores. Laura tinha
pensado em tudo e nossa filha tinha um troço daqueles modernos de dar
banho em bebê.
Ao anoitecer precisei sair para abastecer a geladeira e comprar mais
latas com as fórmulas infantis. Como a tia havia me dito, Lara adorou o
passeio de carro e dormiu quase todo o tempo.
No supermercado fomos alvos de algumas mulheres que nos
paravam. Algumas estavam interessadas em minha filha, outras nem tanto,
só usavam o bebê como pretexto.
Eu não tinha olhos para ninguém. Aquele assédio estava me
assustando e me deixando incomodado. Nunca imaginei que um homem
sozinho com um bebê faria tanto sucesso com a mulherada. Se fosse em
uma outra época da minha vida, até gostaria, mas não naquele momento.
Quando acabei de colocar toda a compra no carro, acomodei minha
pequena na sua cadeirinha e dei a ela seu paninho de boca. Lara não
chupava chupeta, mas o paninho era inseparável. Eu tinha lido algo sobre
este apoio emocional para os bebês e minha filha ficava mais calma com as
fraldinhas menores. Ela segurava o tecido no rosto e dormia. Era uma
imagem tranquilizante.
Chegamos em casa com ela dormindo. Coloquei o carro na garagem
e descarreguei as compras antes de tirá-la da cadeirinha, pois eu tinha
certeza de que ela acordaria querendo a mamadeira. Voltei para a garagem
deixando o leite pronto na mesinha da sala. Assim que me sentei com ela no
sofá, alimentei minha filha.
Sempre ouvi dizer sobre a importância da amamentação e ficava
triste por minha filha não ter vivenciado esta experiência com a mãe, no
entanto, estava disposto a fazer de tudo para ela não se sentir carente.
O momento da mamadeira era sagrado. Eu me conectava com ela.
Segurava sua mãozinha e nós nos olhávamos o tempo todo. Às vezes ela me
dava pequenos sorrisos com a boquinha cheia de leite, eu chegava a ficar
arrepiado de emoção.
Achava incrível como eu conseguia sentir o amor de Laura por mim
todo o tempo. Era como se ela estivesse comigo. Eu falava da mãe para
minha filha, do quanto nós a esperamos. Mostrava fotos para Lara, mesmo
ela sendo um bebezinho.
Liguei para o batalhão informando que não voltaria antes do tempo
determinado, pois precisava me organizar com minha filha. Faltavam
alguns dias para minha volta, não seria fácil me adaptar a vida normal
deixando a pequena com a babá, mas eu não podia me dar ao luxo de parar
de trabalhar.
Depois de terminar o ritual da noite, preparei Lara para dormir. Eu
havia encostado o berço na cama, pois havia descoberto uma forma dela
dormir mais tempo. Colocava o meu braço entre as grades e segurava a
mãozinha dela. Era só fazer isto, cantar baixinho e ela adormecia. O
cansaço me dominava e eu acabava dormindo também.
Nossa primeira visita ao pediatra foi muito satisfatória. Marquei a
consulta para o dia em que minha princesa fazia três meses. Lara estava
dentro da tabela de crescimento para sua idade.
— Parabéns, capitão. Sua filha está ótima. Fico muito feliz que o
senhor esteja com ela.
— Obrigado, doutor. Eu deveria ter feito isso antes — falei com um
tom de voz chateado. O médico sorriu e me acalmou.
— Capitão, cada pessoa tem um tempo necessário para lidar com o
luto. O senhor não estava pronto, mas agora provou estar preparado para
sua filha. Ela está muito bem. — Sorri agradecido e o pediatra meu deu
algumas instruções sobre as vacinas.
O médico me disse não ser saudável ter o berço em meu quarto, mas
a filha era minha e eu ia continuar assim. Meu lema era: time que está
ganhando não se mexe. Então eu e a pequena íamos continuar com a nossa
rotina.
Saímos do consultório e nos deparamos com algumas mães que nos
olharam curiosas. E estava me acostumando a chamar atenção por ser um
pai solo. Achava engraçado o espanto do público feminino ao me ver
sozinho com Lara. As mulheres lutaram tanto por igualdade e não davam
conta de ver um pai exercendo seu papel paterno.
Quando nos acomodamos no carro, olhei pelo retrovisor e minha
filha estava com o pezinho na boca. Aquela imagem merecia ser eternizada.
Eu havia começado a fotografar Lara de vários ângulos, estava começando
a montar uma linha do tempo com diversas fotos. Peguei meu celular e falei
com ela.
— Este pezinho está gostoso, bebê? Papai ama estes dedinhos. —
Fiz algumas fotos enquanto ela ria com a boquinha cheia de baba.
Meu Deus, meu coração estava a cada dia mais inundado por aquele
pequeno ser. O amor por ela era algo impossível de mensurar. Lara estava
sendo o verdadeiro tratamento para a ferida aberta deixada pela partida de
sua mãe. Ela preenchia todo o meu tempo, eu não sabia como voltaria a
trabalhar e a deixaria com uma pessoa estranha.
Capítulo 11

De volta ao trabalho

Nossa família era muito pequena, pois eu e Laura não tínhamos


nossos pais vivos. Minha esposa era filha única, então Lara só tinha a minha
irmã de tia e um priminho. Priscila continuava viajando de férias com a
família e eu estava ficando nervoso com a proximidade da minha volta ao
trabalho.
Não consegui descansar à noite, mesmo com Lara dormindo como
uma anjinha. Minha filha era muito boazinha, tomou sua mamadeira da
madrugada e voltou a dormir. Perdi o sono pensando como seria deixá-la
com uma pessoa estranha.
O dia ainda não tinha amanhecido e eu já estava na cozinha fazendo
café. Precisava de uma boa xícara do líquido poderoso para ver se
melhorava meu ânimo. Parei encostado no balcão americano e observei
minha casa. Não tinha nada fora do lugar, mas precisava de uma limpeza
geral.
Laura tinha uma diarista que cuidava da casa três vezes por semana,
mas desde o dia da tragédia, eu a havia dispensado. Era hora de voltar a
cuidar melhor do nosso lar, eu ligaria para que a senhora Maria voltar pelo
menos duas vezes por semana.
Terminei de tomar meu café e preparei a mamadeira da minha
pequena. Era quase sete horas e a ansiedade me consumia, pois era o dia no
qual a babá se apresentaria. Eu queria me convencer que aquela alternativa
era única, já tinha ouvido tantas histórias de maus tratos infantis. Pensei em
levar Lara para uma creche, mas o pediatra me dissuadiu da ideia, dizendo
ser mais saudável para minha filha ficar em casa até os dois anos.
Meus pensamentos foram interrompidos pelo interfone, fui
comunicado da chegada de Hannah. Respirei fundo e caminhei em direção
a porta para aguardá-la. Cheguei à varanda e me deparei com uma menina
parecendo ter quinze anos chegando próximo a minha casa. Assim que me
viu me saudou com um sorriso tímido.
— Bom dia. O senhor dever ser o Capitão Estevão, certo?
— Bom dia. Sim, sou eu. Pode me chamar de Henrique e sem o
senhor, por favor. — Eu a cumprimentei com um aperto de mão e fiquei
surpreso como ela tinha dedos minúsculos.
Seus cabelos eram longos, castanho claro, pele alva e olhos verdes
expressivos. Hannah era baixinha e tinha um corpo pequeno, enfim, ela
parecia toda frágil. Fui tomado por um sentimento de insegurança em
relação a minha filha. A garota parecia ter lido meus pensamentos.
— Senhor... é... desculpe, Henrique, eu pareço ser nova, não tenho
tamanho, mas te garanto que sei cuidar de crianças. Além disto, já ajudei
sua irmã várias vezes com seu sobrinho e com a Larinha. — Não tinha
como me desculpar, afinal, ela percebeu minha fisionomia desconfiada.
Sem mais cerimônias a convidei para entrar.
— Vou te mostrar a casa. Vamos começar pelo segundo andar, pois
já está na hora da minha mocinha acordar.
Mostrei o quarto de Lara onde estavam todas as suas coisinhas e ela
me fez alguns questionamentos sobre horários e rotinas. Depois de verificar
o local, fez uma expressão de curiosidade e colocou as mãos na cintura.
— Cadê o bercinho dela?
— Ele está no meu quarto. Eu e ela demoramos a nos ajustar com as
noites de sono e o berço lá facilitou as coisas.
— Entendi.
— Vamos ao meu quarto, ela deve estar acordada.
— Sem chorar? — disse espantada.
— Lara é muito boazinha. Tem dias que dorme a noite toda, outros
toma mamadeira por volta de cinco horas e volta a dormir.
Entrei no meu quarto com Hannah atrás de mim. Entranhei por ter
outra pessoa no cômodo que era só meu e de Laura, mas eu precisava me
acostumar com a presença dela. Olhei para o berço e minha pequena estava
acordada com o pezinho na boca.
— Olha só quem acordou. Bom dia, filha, está gostoso esse
pezinho? O papai trouxe uma tia para te ver. — Hannah se aproximou
devagarzinho do berço e brincou com minha filha.
— Oi Larinha, é a tia Hannah. Você se lembra de mim? — Lara
olhou para ela com atenção e sem tirar seu pé da boca babada, deu um
pequeno sorriso.
A cada sorriso daquela garotinha, minha vida ia sendo reconstruída.
— Acho que isto é um sim. Ela lembrou de você. — Hannah deu
um sorriso pueril, deixando ainda mais visível sua pouca idade, mas
demonstrou ser uma garota de atitude.
— Vamos tomar um banho, bebê. Aposto que sua fraldinha está
recheada, hein? — Ela tirou minha filha do berço com naturalidade e
colocou sobre minha cama. Eu fiquei parado olhando, mas fui interrompido
pelas reivindicações de Hannah.
— Vai ficar parado aí me olhando? — Levei um susto com a forma
que ela me interpelou. Ela balançou a cabeça sorrindo e pediu o que
precisava. — Henrique, me dê o lenço umedecido dela e se não se importar,
poderia por favor, encher a banheira para eu dar um banho nesta mocinha.
Eu fui para o banheiro, mas no caminho dei meia volta.
— Hannah, eu e ela temos uma outra rotina. Eu dou mamadeira
primeiro, pois ela sempre faz o número dois depois de tomar tudo. — Como
ela não tinha começado a trocar minha filha, peguei a mamadeira, Lara e
desci para a sala para nosso ritual do sofá.
Achei a postura da garota meio abusada, afinal de contas eu estava
em minha casa. Ela foi descendo atrás de mim como uma sombra, pedi
alguns minutos a sós com minha filha.
— Hannah, fique à vontade para conhecer a casa. — Lara chupava
sua mamadeira e me olhava.
Eu estava tendo dificuldades de me concentrar, mas queria
conversar com minha filha.
— Meu amor, papai precisa voltar a trabalhar e você vai ficar com a
tia. Vai ser por algumas horas durante o dia, mas depois das dezessete horas
eu sou todo seu. Volto correndo para casa. — Podia parecer meio louco,
mas eu senti necessidade de explicar para minha filha o motivo dela não me
ver durante o dia.
Hannah voltou a sala quando eu estava de pé com minha filha no
colo. A cabecinha dela deitada em meu ombro enquanto eu cantava me
emocionava. Resolvi ser um pouco mais calmo com a babá, ela estava ali
para me ajudar e não para tomar minha filha de mim.
— Vamos para o quarto dar banho nesta princesa? Você vai ver
como ajudo o papai, tia.
Se alguém me falasse um dia sobre eu estar imitando a voz de uma
bebê para uma estranha, eu acharia a pessoa louca. Porém, muitas vezes,
sem perceber eu conversava com Lara imitando a voz de criancinha
falando.
Entreguei Lara para Hannah e subi para meu quarto para arrumar
todas os apetrechos para seu banho. Deixei a babá tomar frente da operação,
era uma forma de avaliá-la. Tudo ocorreu de maneira simples. Aquela
garota parecia ter nascido fazendo aquilo.
Os dois dias que passamos juntos com Lara em casa foram de
adaptações e explicações sobre a nossa rotina. Hannah não apresentou
nenhuma dificuldade, me deixando um pouco menos ansioso. Estava em
casa com Lara aproveitando o fim da noite, quando recebi a ligação da
minha irmã.
— Boa noite, bonitão, já está mais calmo com sua irmãzinha? —
Respirei fundo, mas achei graça a forma que a abusada falou comigo.
— Priscila, eu deveria matar você, mas como sou treinado para
proteger as pessoas, não posso realizar minha vontade.
— Ah, para com isto, sua voz é de quem está bem feliz com a filha.
— O fato de estar feliz não anula seu ato, moça. — Ouvi a
gargalhada dela do outro lado da linha e a voz do meu sobrinho ao fundo
pedindo para falar comigo. — Deixa eu falar com este campeão.
— Oi, tio, você está se saindo bem com minha prima?
— Estou sim, ela não é levada como você. — Provoquei meu
sobrinho só para vê-lo reclamar.
— Para tio, eu não sou assim. Sou o pequeno médico da família, já
até falei com meu pai.
— Que legal cara, então não vamos precisar nos preocupar com
saúde, não é mesmo?
— Sim tio, mas não fique triste, porque eu vou ser médico da
polícia.
— Muito bom, mas tem que estudar muito, está bem?
— Tio, estou com saudades da minha prima. Vamos embora dentro
de 10 dias.
— Vou te esperar, Campeão. Agora passa para sua mãe. — Assim
que minha irmã atendeu, perguntei a ela sobre a babá.
— Priscila, você me deu o telefone de uma criança para cuidar da
minha filha. Está louca? — Para me irritar ela deu outra gargalhada me
deixando sem paciência nenhuma para continuar aquela conversa.
— Ei, grandão, não precisa ficar nervoso, te garanto que Hannah é a
pessoa mais indicada para cuidar da minha sobrinha. Ela é meiga, carinhosa
e doce, além disto, necessita de grana para continuar seus estudos. Os pais
fazem de tudo por ela, mas não tem muitas condições.
— Você conhece esta garota há muito tempo?
—Deve ter um ano e meio. A conheci logo quando chegou à cidade
para estudar. Ela mora com uma vizinha que é amiga da mãe dela. Acredite,
esta menina paga seus estudos com seu trabalho de babá. Seu sobrinho é
louco por ela. — Aquelas informações me deixaram espantado.
Como uma garota nova como aquela tinha tanta garra? Gostei de
saber um pouco sobre ela.
— Agora me conta, Henrique, como está minha sobrinha? Estou
louca para saber como foram seus primeiros dias de pai. Você a levou no
pediatra, não é? — Contei tudo a minha irmã sobre nossos primeiros dias.
Descrevi cada situação vivida por nós dois. Priscila ficou feliz de
perceber como conseguimos nos ajeitar. Desliguei a ligação com milhões de
recomendações e a promessa de uma visita assim que ela chegasse das
férias.
Continuei por um tempo na sala pensando na vida. Acabei me
lembrando da petulância da garota comigo no segundo dia que estava em
minha casa, ela puxou minha orelha sem nenhum receio.
— Henrique, pelo amor de Deus, me deixe cuidar da Lara. Logo
você volta ao trabalho e eu não consegui sequer ficar mais de duas horas
com ela. — Olhei para ela assustado com seu rompante, ela estava de pé
com as mãos na cintura, quando abri a boca, ela me interrompeu. — Pelo
amor de Deus, você precisa confiar em mim, caso contrário, vou embora e
não volto mais.
— Ei, calma aí garota, tenha um pouco de paciência. Confiança não
é algo que se adquire do dia para noite, mas tem razão em relação a deixar
você mais tempo com minha filha, me desculpe. Vou tentar ser menos
territorial com ela. — Esta recordação me trouxe memórias de Laura.
Era ela que deveria estar conosco. As noites eram solitárias para
mim, pois tínhamos uma rotina de ficar horas no sofá tomando vinho e
conversando sobre nosso dia. A saudade batia forte e às vezes eu me
permitia chorar. Algumas noites dormia no sofá e acordava no meio da
madrugada assustado por não ver o berço de nossa filha.
Voltei a realidade quando percebi que já era tarde. Eu necessitava
dormir, pois voltaria ao trabalho no outro dia. Mesmo com os nervos à flor
da pele subi para o meu quarto para descansar.
Olhei para o bercinho e me emocionei, pois minha filha estava
dormindo com os bracinhos sobre os olhos, como a mãe dela dormia.
Deitei-me em minha cama e respirei fundo para tentar encontrar forças para
seguir.
Capítulo 12

Sonho ou realidade

“Acordei em um quarto branco, sem ninguém ao meu lado. Tentei


reconhecer o local, mas só vi uma mesinha com algo parecendo ser uma
jarra de água. Fiz um movimento para me levantar, mas algo me mantinha
preso aquela cama, como se tubos invisíveis estivessem presos ao meu
braço. A porta se abriu e Laura entrou sorridente.
— Olá, meu amor, fico feliz de ver você acordado, dormiu por muito
tempo, mas despertou a tempo de conversarmos.
— Dormi por muito tempo? Estranho. Eu me recordo de ter
dormido ainda a pouco.
— Henrique, o tempo deste lado não é como na terra, meu amor.
Para mim, você dormiu por mais de noventa dias, só agora consegue me
ver.
Eu não estava entendendo nada daquele papo louco da minha
esposa, tentei forçar a mente para me lembrar de algo e veio à recordação
dela morta no hospital. Meu coração disparou, eu comecei a me agitar, mas
fui interpelado por minha esposa.
— Calma, meu amor, eu estou com você. Vou te explicar tudo, mas
preciso que tente se manter calmo para não voltar a escuridão.
— Laura, que papo é este? Eu me lembro de você morta no hospital,
do seu enterro e da dor que senti ao te perder.
— Amor, esta dor, o seu desespero e revolta estava me impedindo
de aproximar. Cuidamos de você por muito tempo para chegarmos até aqui.
Meu corpo está morto sim, mas minha alma está feliz junto ao Pai. Só
consegui estar contigo para acalmar seu coração. Você me chamou e fui
autorizada a te atender.
— Laura, não estou entendendo nada, mas estar com você é o
melhor presente. Sinto tanto sua falta. Nossa filha é linda meu amor, ela se
parece com você. É doce, meiga, uma bebê muito boazinha. Me perdoa por
ter ficado longe dela por quase setenta dias, mas eu não conseguia...
Minha esposa colocou seu dedo em minha boca e sorriu para mim.
— Henrique, vamos falar de coisas boas, meu capitão. Você fez tudo
que seu coração deu conta. Estou muito feliz por ver como se recuperou,
quanto a ser bom pai, eu conheço sua capacidade de amar e sabia da sua
competência. Eu te amo muito. A minha visita tem como objetivo acalmar
seu coração. Estarei junto de vocês a vida inteira.
— Eu consigo te sentir como luz no meu caminho, paz no meu
coração e serenidade nos momentos de dor. A saudade é companheira de
todas as horas, às vezes sinto na pele seus toques. Porém, é muito difícil
seguir sem você. Não tem mais lugar no meu coração para ninguém. — Ela
sorriu, me deu um beijo casto e segurou minha mão.
— Amor, tudo a seu tempo. Não vamos apressar as coisas. Viva um
dia de cada vez, tendo a certeza de que sempre vou zelar por vocês.
Descanse, porque a volta ao trabalho vai te fazer bem.
— Laura, aonde você vai? Não me deixa de novo. — Senti um sono
avassalador, mas antes de dormir ainda consegui ouvi-la.
— Eu nunca te deixei meu amor, só estamos em lados diferentes...
— Acordei assustado, como se alguém tivesse me jogado na cama.
Olhei para os lados tentando organizar meus pensamentos. Eu estive
com Laura, a lembrança do sonho ainda estava nítida em minha mente e
senti a paz invadir meu coração.
Capítulo 13

Cem dias!

Este era o tempo exato no qual eu dedicava minha vida a Lara e a


faculdade. Minha rotina era muito corrida. Acordava às cinco e meia,
chegava às sete na casa do capitão e saía por volta das cinco. Não dava
tempo de ir em casa, então, tomava banho no trabalho e corria para a
faculdade. Aquele emprego havia caído do céu para mim.
O capitão fazia questão de me pagar um valor maior que o de
mercado e por isso, eu tinha conseguido sair da casa da amiga da mamãe.
Aluguei uma quitinete perto da casa do Henrique. Morar sozinha não tinha
preço. A privacidade de fazer as coisas sem dar satisfação a ninguém era a
melhor sensação.
O meu começo na casa do capitão não foi nada fácil. Como eu
esperava, ele ficou inseguro com a minha idade. A minha aparência de
menina o incomodou bastante, mas mostrei a ele que era capaz de cuidar
muito bem da filha dele. Com o passar dos dias, ele foi se acostumando
comigo.
Eu o via pouco, pois saía quando eu chegava e só voltava no fim da
tarde. Algumas vezes ele almoçava em casa, mas era muito calado e
reservado. A princípio fiquei receosa de trabalhar na casa de um homem
viúvo, mas ele me respeitava e evitava contato.
No começo precisei fazer um grande esforço para não ficar olhando
para ele. O capitão era o homem mais lindo que eu já tinha visto na vida.
Seu olhar triste era desolador. Priscila tinha me contado como foi a tragédia
da morte da esposa. Nós nos tornamos amiga, pois ela aparecia muitas
vezes durante o dia na casa do irmão. Um dia perguntei a ela se estava me
vigiando. Nunca me esqueço do mico que passei, porque quando dei conta
já tinha falado.
— Por acaso o capitão pediu para você me vigiar? É por isto que
aparece sempre aqui? — Ela me olhou de forma esquisita, como se
estivesse me analisando e pensando como continuar aquela conversa.
— Claro que não, Hannah. Eu venho ver minha sobrinha, porque
além de ser louca por ela, não vou ter outro bebê para mimar.
— Por quê? Você e seu marido são jovens, podem ter outros filhos.
— Não podemos mais, Hannah. Quando Thiago nasceu, eu tive uma
hemorragia e perdi meu útero. Então, esta mocinha é a única bebê da minha
vida. — Puta que pariu, fiquei roxa de vergonha do meu furo. Ainda muito
sem graça, tentei me desculpar da minha invasão de privacidade.
— Oh, Priscila, me perdoa. Eu e meu bocão. Não tem justificativa
para meu mau jeito, mas em minha defesa te digo sobre o olhar de
insegurança de seu irmão todos os dias quando sai para trabalhar. — Ela riu,
veio até mim e me deu um abraço apertado.
— Meu bem, não precisa se desculpar de nada, eu conheço muito
bem meu irmão. Aquilo é um brutamontes, mas com um coração enorme.
— E assim ficamos mais próximas.
Priscila era uma pessoa incrível, adorava conversar e contar casos da
infância dela e do irmão. Mesmo tendo uma vida difícil com o pai, dava
para perceber o quanto os dois eram amorosos.
Um dos dias mais constrangedores para mim, foi no dia de vacinar
Lara. Henrique estava muito nervoso, porque havia pesquisado tudo e
descoberto sobre a aplicação da medicação ser na perninha da filha.
Aquele homem. daquele tamanho não conseguia disfarçar a agitação
pensando no tamanho da agulha e nos possíveis efeitos colaterais. Eu tentei
acalmá-lo e dizer que podia voltar a trabalhar depois da vacinação, mas ele
não aceitou e pediu o dia de folga.
Quando chegamos a unidade de saúde, ele entrou com a filha no
colo e eu pude observar todas as mulheres olhando para aquele homem
lindo. Algumas só disfarçaram quando perceberam minha presença. Na
hora de aplicar a vacina a enfermeira me pediu ajuda.
— Mamãe, fica pertinho e conversa com ela, isto acalma os bebês.
— Senti minha bochecha esquentar, mas olhei para o capitão e ele estava
mudo ajudando a segurar a perninha de Lara.
Ele fez um sinal para me aproximar e eu fui no automático. A
agulha era mesmo assustadora, mas graças a Deus e a mão leve da
enfermeira, a Larinha chorou pouco, mas o pior ainda estava por vir.
— Mãe, coloca ela no peito, faz bem para os bebês sentir a presença
materna após a vacinação. — Cheguei abrir a boca para falar que não era a
mãe dela, mas fui interrompida por Henrique.
— Vamos Hannah, a mamadeira está na bolsa. Lara não mama mais
no peito. — Ele me entregou o leite da filha e aproveitei para sair com a
bebê daquela sala sufocante.
Enquanto eu me sentava ao lado de fora da sala de vacinas, escutei a
enfermeira passando as orientações ao pai, caso Lara tivesse algum sintoma
colateral. Eu conversava com a pequena para acalmar meu coração que
estava tendo uma crise de taquicardia.
— O papai não vai deixar a moça mau encostar mais em você, está
bem, princesa? Toma seu leitinho, que daqui a pouco vamos passear de
carro. — O capitão saiu da sala, me ouviu falando com a filha e se sentou
ao meu lado enquanto ela terminava de mamar.
— Hannah, me desculpe por não desfazer o mal-entendido, mas
detesto o olhar de pena que a pessoas dão para mim e Lara quando ficam
sabendo da morte da mãe, por isto permaneci calado.
— Tudo bem. Eu te entendo, Henrique. — Permanecemos em nosso
silêncio turbulento.
Minha cabeça sonhadora não achou ruim ser confundida com a mãe
da Laura e esposa daquele homem lindo e íntegro. “Ai, meu Deus! Hannah,
se orienta, você é só a babá. Este homem é muita areia para seu
caminhão”.
Lara não teve sintomas colaterais da vacina. Eu e Henrique
passamos o dia inteiro medindo sua temperatura e nada de anormal
aconteceu. Como ela estava bem, fui embora no meu horário normal.
Alguns dias se passaram e tudo corria bem, até uma tarde em que eu
estava na cozinha aproveitando a soneca da Lara para preparar um bolo de
chocolate para o capitão. Estava perdida em pensamentos quando acordei
dos meus devaneios com Lara chorando.
Levei um susto, pois ela não costumava chorar daquela maneira.
Com seis meses ela acordava quase sempre balbuciando sons engraçadinhos
característico dos bebês. Corri para seu quarto e ao tirá-la do berço ela
vomitou todo o leite que tinha mamado em cima de mim.
Quando fui tirar sua roupinha para o banho, percebi que estava
quentinha. Peguei o termômetro para ver a temperatura dela e constatei uma
febre de trinta e oito e meio.
Dei um banho quase frio nela, enquanto chorava sem parar. Tentei
acalmá-la, mas não consegui. Vesti a roupinha em Lara com ela
choramingando.
— Calma, meu amor. A Hannah está aqui e vai cuidar de você,
bebê. — Ela me olhou com lágrimas descendo pelo rosto.
Depois de pronta a deixei no berço e corri para trocar minha blusa
vomitada, não dava tempo de tomar banho. Tentei falar com o capitão, mas
seu telefone só dava fora de área, liguei para Priscila e chamou até cair na
caixa postal.
— Que merda! Por que quando precisamos ninguém atende? —
Resolvi deixar uma mensagem para o Henrique explicando o ocorrido.
Graças a Deus consegui uma consulta extra com o pediatra dela.
Acionei pelo aplicativo um carro que não demorou a chegar e partimos
rumo ao médico.
Durante toda a viagem fui conversando com Lara tentando acalmá-
la, pois ela continuava chorando e recusando a mamadeira. A febre ainda
continuava alta e meu pânico também.
— Lara, fala para a tia o que você está sentindo meu bem? —
Respirei fundo e quando olhei para frente o motorista deu um pequeno
sorriso para mim.
— Deve ser os dentinhos. Meu neto está com seis meses e sofrendo
com o nascimento dos dentes. — Balancei a cabeça concordando, mas não
continuei o assunto. Estava preocupada demais com a Lara.
Cheguei no edifício onde ficava a clínica do bebê e levei o maior
susto ao ouvir o som de uma viatura freando em frente à porta de entrada da
clínica. Fui surpreendida por um capitão fardado e preocupado.
— Como ela está? — Assim que viu o pai, Lara abriu os bracinhos
para ele. Bastava ele aparecer e não tinha para ninguém. Ela só queria o pai.
— Desculpe não ter visto sua ligação, estávamos em uma operação e no
local não tinha boa cobertura para celular.
— O importante é que você chegou a tempo. Vamos subir, o médico
está nos aguardando. — O pediatra examinou a Lara, enquanto ela
protestava chorando sem parar.
Não demorou e o doutor Jorge descobriu o problema. Otite. Ela
estava com ouvido inflamado e por isto não aceitava a mamadeira. O
médico explicou que ao sugar doía muito. Ele ministrou uma medicação
para dor e nos orientou como agir. Passou uma receita com vários
medicamentos e forma de tomar.
Saímos do consultório e a viatura estava esperando o capitão. Ele
ficou inseguro em voltar ao trabalho, mas eu o tranquilizei dizendo dar
conta. Ele precisava voltar para terminar alguns relatórios da operação.
— Henrique, pode ficar tranquilo. Nós estamos bem. Assim que
chegar em casa vou ligar para a farmácia e eles me entregam os remédios.
Se precisar de qualquer coisa te ligo.
Ele beijou a filha na cabecinha e falou baixinho em seu ouvido.
— Papai não demora, meu amor. A tia Hannah vai ficar com você.
— Ele conseguiu parar um táxi que passava próximo ao edifício.
Deu algumas recomendações ao taxista e nos deixou seguras dentro
do veículo. Era bonito de ver como ele se preocupava com tudo à sua volta.
No caminho recebi a ligação da irmã dele e contei nossa aventura. Ela
desligou, mas antes prometeu passar para ver Lara assim que atendesse o
último paciente.
Capítulo 14

Assustada

Depois de dar um b os remédios para a pequenina, ela começou a


resmungar.
— Está com fome, meu amor? A titia vai preparar um suquinho para
você. passou um tempo e ela adormeceu.
Desci com ela no colo e a segurando em um braço, preparei o suco
com o outro. Eu estava acostumada a fazer as coisas com ela. Como o pai
dela não se importava com o excesso de colo, eu aproveitava.
Lara era uma coisinha mais linda do mundo. Parecia uma anjinha. O
cabelinho dela não estava muito ruivo mais. As cores mesclavam com um
loirinho claro e os olhinhos verdes dela eram brilhantes como esmeraldas.
Com a mamadeira cheia de suco de maça, subimos para o quarto do
pai dela.
— A titia vai te dar o suquinho e depois vamos descansar. Foi uma
manhã tensa, não é boneca? — Ela balbuciou.
— Ahhhhhh... Ahhhhh... — Sorri para o sonzinho meigo que ela
fazia.
Depois de tomar tudo, a segurei até arrotar e depois a coloquei sobre
a cama do pai.
— Vamos cantar para sua borboletinha? — Ela tinha uma borboleta
azul de brinquedo que balançava as asas. Aproveitei e cantei a música que
ela adorava.
— Borboletinha, tá na cozinha, fazendo chocolate para a madrinha.
Poti poti, perna de pau, olho de vidro, nariz de pica-pau, pau pau! —
Apertei o narizinho dela que morreu de ri.
Brincamos até Lara dormir. A coloquei no berço e permaneci um
tempo deitada com o braço sobre as costas dela. Preferi esperar um pouco
para ver se ela não acordaria. Verifiquei a temperatura dela algumas vezes e
acabei caindo no sono. Acordei assustada com Henrique me sacodindo.
— O que você está fazendo na minha cama? Você está louca? —
Tentei entender onde estava e quase enfartei quando percebi que tinha
dormido na cama dele com meu braço dentro do berço.
— Eu... eu... — Ele me interrompeu aos gritos.
— Não quero saber, porque está aqui. Saía desta cama. Ela não é sua
para dormir nela. — Abri a boca para contestar, mas ele foi mais rápido. —
Quem te deu essa liberdade?
Antes de começar a chorar na frente dele, levantei-me depressa e saí
correndo do quarto dele. Passei a mão em minha bolsa e fui embora. As
lágrimas desceram sem controle pelo meu rosto.
Eu não dormi por querer, estava brincando com Lara para distraí-la
do incomodo do ouvido, depois ela dormiu e acabei pegando no sono. Ele
não precisava ser grosso daquele jeito. Apesar de precisar muito do
emprego, saí de lá decidida a não voltar. Não era subordinada dele como os
comandados do quartel. Prometi nunca mais aceitar ninguém me maltratar e
ele não seria o primeiro após minha promessa.
Enquanto caminhava sentido a portaria do condomínio, falava
sozinha feito uma louca.
— Nunca fiz nada de errado, sempre fui dedicada a ele e a Lara.
Não tenho vida própria, pois até mesmo no fim de semana ficava com eles.
—. Pensei que nosso relacionamento tivesse evoluído, pois ele conversava e
até ensaiava alguns sorrisos.
— Filho da puta, bastou um deslize para ele me maltratar? Não
serve para mim. Sei que vou sentir muita falta da Lara, da Priscila, mas é
melhor me afastar deles. — Algumas pessoas que caminhavam dentro do
condomínio olhavam para mim, mas eu estava cega de raiva. — Você não
vai me ver mais, capitão Henrique Estevão.
Chorei mais ainda quando percebi meu coração idiota bater um
pouco mais forte por ele. Antes de piorar a situação e arrumar um
problemão, decidi nunca mais voltar naquela casa. Henrique era como uma
árvore morta, com a raiz seca para o amor e eu não queria sair daquela casa
mais machucada ainda.
Estava com intenção de correr para o ponto de ônibus perto do
endereço dele, pois não queria correr o risco de esperar um carro de
aplicativo e ele aparecer atrás de mim. Quando passei pelo porteiro fui
interceptada por ele.
— Hannah, o capitão ligou para a recepção e pediu para você não
sair. Ele quer que você volte para a casa dele, disse que foi um mal-
entendido.
— Senhor Antônio, com todo o respeito, manda o capitão tomar no
cu. — Quando vi já tinha falado.
Com a cara queimando de vergonha, virei as costas e saí com a
certeza de que meu coração tinha ficado naquele lugar.
Capítulo 15

E agora? O que faço?

— Meu Deus! Por que eu sou assim? Fui um grosso com Hannah.
Ela não merecia ser tratada assim, Estevão. — Respirei fundo e dei um soco
na parede.
Aquela reação repentina foi mais forte do que eu. Quando a vi
deitada na minha cama, lugar pertencente a Laura, fiquei enlouquecido. Foi
imperdoável a forma em que a tratei.
Saí do quarto a procura dela para me desculpar e fui surpreendido
por sua ausência. Não esperava aquela atitude dela. Liguei para a portaria e
pedi ao senhor Antônio para interceptá-la. Ela não podia fugir assim da
minha casa. Eu precisava pedir perdão pelo meu jeito bruto de ser.
Como ela demorou a aparecer e o porteiro não deu sinal de vida,
resolvi ligar de novo para a recepção do condomínio.
— Senhor Antônio, cadê a Hannah? Ela ainda não apareceu aqui. —
Ouvi ele raspar a garganta e simular uma tosse. Não entendi por que estava
me enrolando para responder. — Fala logo homem, o que está acontecendo?
— Capitão, com todo o respeito, mas a menina Hannah, tenho até
vergonha de falar, mas ela mandou o senhor tomar naquele lugar e saiu
correndo. — Espantado. Esse foi meu sentimento.
— Como é, Antônio?
— Isto mesmo que o senhor ouviu, ela xingou aquele nome feio do
dedo do meio. — Não acreditei no que ouvi.
Ninguém tinha me mandado para aquele lugar até aquele dia. Que
diabinha.
— Entendi senhor Antônio, obrigado por me dar o recado. —
Desliguei o interfone e acabei rindo sem acreditar naquela conversa mais
sem fundamento.
Resolvi tomar banho antes que minha filha acordasse. Quando
cheguei no quarto e vi todos os medicamentos em uma mesinha ao lado da
cama com as anotações de quantidade e horário a ser ministrado, me senti
um completo idiota. Eu tinha que admitir: Hannah era excelente para minha
filha.
Quando saí do banheiro, aproveitei para ligar para Priscila. Quando
contei a ela o acontecido, minha irmã surtou.
— Não acredito que foi esse ogro com a menina, Henrique. Que
porra foi essa?
— Não sei o que me deu, irmã. Só me senti muito mal em ver outra
mulher no lugar da Laura.
— Pelo amor de Deus, criatura. É só uma cama. O lugar da sua
esposa é no seu coração. — Priscila mais uma vez tinha razão.
— Você está certa. Vou na casa dela me desculpar.
— Dê um jeito de consertar isso. Tenho uma ideia: o aniversário da
Hannah é no sábado, Henrique. Vamos fazer uma festa surpresa para ela?
— Aquela era uma ótima ideia.
— Está decidido, vamos fazer. Você pode organizar na minha casa.
O que acha?
— Posso sim. Você fica responsável por atrair ela até aí no dia da
folga dela.
— Deixa comigo. — Lara começou a resmungar e precisei desligar.
— Irmã, a pequena está acordando. Obrigado pelos conselhos. Depois
conversamos mais.
— Está bem. Tchau cabeça dura que amo. — Dei uma gargalhada.
Minha irmã era a melhor de todas.
Tirei e Lara do berço e desci para a cozinha. Dei a ela um chazinho
que Hannah havia deixado pronto e a acomodei sentadinha no bebê
conforto em cima do balcão da cozinha.
— Pedacinho do Céu, seu pai é um grosso. Preciso aprender ser
mais educado. Você é a única que tem o meu melhor. O que vamos fazer
agora? A Hannah está brava com o papai e vamos ter que dar um jeito de
mudar isto. — Lara balbuciou algo com sua língua de bebê e eu jurava que
minha filha me entendia.
Ela não estava mais com febre. Estava com uma ótima aparência
não lembrando em nada a criança doente da tarde. Preparei somente um
sanduíche com suco para meu jantar, pois havia perdido a fome. Esquentei a
sopinha para minha filha e nos alimentamos. Depois de saciados, olhei para
minha bebê e falei.
— Quer saber? Vamos atrás da Hannah. Não posso esperar até
amanhã — Ela havia me dito que não tinha aula naquele dia.
Então dirigi para o edifício onde ficava sua quitinete. Estacionei em
uma vaga bem em frente ao prédio. Retirei o bebê conforto com Lara de
dentro do carro, pois ela estava dormindo.
Conversei com o porteiro que me conhecia das vezes que levei a
garota em casa. Ele liberou minha entrada e fomos de elevador até o sexto
andar. Toquei a campainha e aguardei a porta abrir.
Ela abriu só uma fresta da porta e tentou fechar quando me viu, mas
eu fui mais rápido e coloquei o pé.
— Hannah, por favor, me deixa entrar. Precisamos conversar com
você, eu e Lara. — Ela fungou deixando a porta livre para que eu entrasse.
Seu rosto inchado me matou de remorso. — Ei, olhe para mim, quero me
explicar. Será que pode se virar? Não gosto de conversar quando a pessoa
está de costas.
Ela estava parada na janela. Demorou alguns segundos, mas minha
filha acordou, deu seu gritinho alegre, bateu as perninhas e bracinhos ao vê-
la. Hannah acabou se virando para mim. Minha filha me salvou sem
perceber.
— Isto é golpe baixo, Henrique. Você sabe que sou louca pela Lara.
— Eu sei, Hannah. Uma pena que o pai dela não tem educação.
Olha, não tem desculpas para o que eu fiz, foi errado, mas você me mandar
para aquele lugar também não foi muito educado, não é? — Ela deu um
sorriso entre lágrimas e colocou a mão no rosto envergonhada.
— Não acredito que o senhor Antônio repetiu o que eu disse. Que
vergonha.
— Eu mereci, Hannah. Será que pode me perdoar? Eu não sei o que
me deu, mas ver você em minha cama... precisa entender que ainda é difícil
para mim aceitar a morte de Laura. Minha raiva não era direcionada a você,
me entende? Meu descontentamento é com a vida, por me tirar a mulher
que eu amava. — Ela raciocinou por um tempo em silêncio.
Dava para ver sua mente trabalhando por causa de suas expressões
faciais. Eu era treinado para identificar as reações das pessoas nos pequenos
detalhes, e com certeza, ela estava ponderando alguma coisa que eu não
sabia o que era.
— Eu te perdoo, Henrique. Saí de sua casa decidida a não voltar
nunca mais, porém não consigo ficar longe da Lara.
— Você não precisa ficar longe dela, Hannah. — Ela me olhou
muito séria e me alertou.
— Henrique, vou te dar um aviso. Não faça mais nada parecido. Eu
não vou tolerar ser maltratada por homem, já chega um ex-namorado idiota
que me deu trabalho para ficar livre dele. — Aquela informação me deixou
alarmado. Será que Hannah estava sendo perseguida por algum babaca?
— Prometo não agir mais desta maneira. Agora me fala mais deste
ex-namorado babaca. Ele ainda persegue você?
— Esquece isto, capitão. Eu falo demais, deixa para lá, ele já parou.
— Não acreditei muito na negativa dela.
— Hannah, me promete que vai pedir minha ajuda se precisar, por
favor. — Ela colocou os dois dedos cruzados em frente a boca e beijou. Ri
com aquela atitude pueril.
— Prometo. Pode deixar, se necessitar falo com você.
O aniversário de Hannah era no sábado e eu precisava atrai-la até a
minha casa e àquela hora era perfeita para a missão.
— Hannah, gostaria de convidá-la para passar o sábado conosco.
Lara está doentinha e fica mais feliz com você em casa. O que acha? — Ela
deu um sorriso amplo e aceitou meu convite.
Hannah só não sabia que estaríamos fazendo uma surpresa para ela.
Saí da casa dela deixando acertado o encontro de sábado.
Capítulo 16

Dia de emoção

Dois dias depois do mal-entendido, acordei cedo para organizar


algumas coisas na área gourmet da minha casa para o aniversário da
Hannah. Marquei com ela por volta de meio-dia. Priscila chegou às nove
horas para preparar o almoço e deixar tudo organizado. Ela ficou
responsável pelo bolo, eu e meu cunhado ficamos responsáveis pelo
churrasco.
Minha irmã comprou um celular para presenteá-la, o dela estava
muito velho e com poucos recursos. Priscila escolheu um modelo indicado
por mim, ele era moderno e útil. Eu comprei para Hannah um relógio de
pulso. Mandei instalar um rastreador, ficaria mais seguro sabendo que caso
fosse preciso eu poderia encontrá-la.
Priscila me contou sobre o ex de Hannah, um playboy sem limites
que não aceitava o término do namoro. Desde a história permaneci
preocupado com ela. Minha irmã ficou jogando piadinhas em relação ao
meu interesse repentino pela segurança da minha babá.
— Lá vem você com esta sua mania de ver amor em tudo, já te disse
mil vezes que não vou me envolver com mais ninguém, sua maluca. — A
bocuda me interrompeu.
— Querido irmão do meu coração, não precisa ficar irritado. Tudo
tem seu tempo e para voltar a amar não necessita ter pressa. — Respirei
fundo e soltei o ar pela boca.
— Priscila, na minha profissão atendemos muitos crimes contra
mulheres, e além disto, minha filha sai com ela, esqueceu? Eu tenho o
direito de me preocupar. — Minha irmã disfarçou um sorrisinho e eu preferi
fingir não ter visto.
— Tem razão, Henrique, relaxa. Você parece um velho. Estou só
brincando. Está certo em colocar o rastreador no relógio, só não deixe ela
saber, pois prometi não te contar sobre o ex — falou com uma expressão
conspiradora.
— Por que ela te pediu segredo? — Não sei explicar o motivo, mas
não gostei de saber daquilo.
— Sei lá, irmão. Quer saber? Hannah é como você, parece uma
velha. Ela deve ter ficado envergonhada por ter se envolvido com um
playboy que não tem nada a ver com ela. — Passei a mão pelo cabelo e
preferi encerrar a conversa.
— Entendi, irmã. Pode deixar, não comento nada. — Terminei
aquele assunto, afinal de contas não me interessava.
No horário marcado para comemorarmos o aniversário de vinte e
um anos de Hannah, estava tudo pronto e organizado. Precisava reconhecer
a capacidade da minha irmã em deixar tudo lindo em pouco tempo.
Permaneci parado observando tudo e fiquei pensando na babá da
Lara. Hannah era nove anos mais nova que eu, tinha jeito de menina de
quinze, mas era só a aparência. A baixinha era brava e invocada. Bastava
provocá-la para reagir como uma onça.
Priscila mandou fazer um bolo com uma bonequinha segurando uma
pasta em um braço e uma bebê no outro. Achei um pouco estranho a
menção da minha filha em seu bolo, mas eu sabia do amor dela por Lara e
acabei relaxando.
Saí dos meus pensamentos quando ouvimos um toque da
campainha.
— Será que é a Hannah? Ela tem a chave dela. — Dei um sorriso e
caminhei até a porta.
Eu sabia que era Hannah. Ela tinha sua chave, mas nunca usava
quando eu estava em casa. A garota era ética e cheia de valores morais. Às
vezes exagerados para alguém da idade dela.
— Boa tarde, moça. O dono da casa me disse que você tinha uma
chave da porta, mas estou vendo que ele estava enganado. — Achei graça
dela entrando em minha brincadeira.
— Boa tarde, moço. O que fizeram com o capitão Henrique? Será
que ele foi abduzido? Porque este homem brincando comigo não me lembra
em nada meu patrão rabugento. — Dei uma gargalhada de perceber a
expressão receosa dela ao brincar comigo.
O rosto dela ficou vermelho, mesmo com ela se esforçando para ser
natural. Resolvi me desculpar pelo meu jeito carrancudo e distante de
sempre.
— O seu patrão, Hannah, está numa fase difícil, mas ele não é
assim. Dá um crédito para ele. — Hannah me deu um abraço me deixando
sem reação com aquele gesto.
Tentei disfarçar meu incômodo por ter outra mulher me tocando,
mas ela agiu de forma tão espontânea, que facilitou as coisas para o meu
lado.
— Como é? Vamos ficar aqui na porta, ou vai me deixar entrar?
Estou morrendo de fome, capitão. Você me convidou para almoçar, então
para de blábláblá e me alimente. — Abri o braço dando passagem a ela.
A garota passou por mim rindo e indo de encontro a minha irmã na
cozinha. Priscila a abraçou, fez sinal para mim e eu chamei as duas para a
sala. Meu cunhado, sobrinho, a vizinha e minha filha estavam na área de
churrasco no fundo da minha casa.
— Sentem-se, por favor. — Ela me olhou assustada e me obedeceu
ressabiada.
— Preciso me preocupar? — disse tentando parecer calma.
Fiz um pequeno suspense para valorizar o momento. Caminhei
algumas vezes de um lado para o outro, olhei para minha irmã e depois
parei no meio da sala e sorri.
— Querida, eu e minha irmã te chamamos para comemorar seu
aniversário. — Ela ficou assustada com a notícia.
Seu rosto ficou vermelho e ela colocou as duas mãos na boca como
se não acreditasse. Olhou para mim e minha irmã e questionou.
— Como descobriram meu aniversário? Meu Deus, não precisava se
preocupar. Henrique, Priscila, vocês são ótimos para mim. — Balançamos a
cabeça para os lados e sorrimos.
— Claro que precisava, Hannah. Você é muito importante para
nossa família e quanto a descoberta da data do seu nascimento, eu sou
policial, esqueceu? — Ela sorriu balançando a cabeça em negativa.
Dava para perceber como ela tinha ficado emocionada. Minha riu e
contou a verdade.
— Ele é policial, Hannah, mas a irmã é bem mais esperta que ele. —
Eu e Priscila demos uma risada.
Olhei para minha irmã e continuei a surpresa.
— Não acabou ainda, temos presentes para você, Hannah. — Ela
sorriu com olhos arregalados e tampou o rosto.
— Ah, não gente! Não precisava, meu Deus, vocês são loucos.
Priscila a abraçou e entregou a caixa do presente. Quando Hannah
abriu e viu o celular, olhou para minha irmã de boca aberta.
— Não é nada demais, Hannah, é só um celular. O seu estava muito
velhinho e descarregava toda hora. Espero que goste. — falou emocionada
com a alegria da garota.
— Gostar? Eu amei, Priscila. Não precisava gastar tanto comigo.
Ninguém nunca me deu um presente tão valioso — disse como uma criança
que ganhava muitos doces.
— Que bom, então sou a primeira. Fico muito feliz por isto, mas
não acabou, ainda tem o do meu irmão. — Hannah me olhou extasiada.
Eu não dei tempo a ela para falar, peguei a caixinha e entreguei. Ela
segurou o presente como se fosse um diamante raro. Sentou-se no sofá sem
falar nada e abriu o presente. Assim que viu o relógio me olhou com
lágrimas no rosto.
— Eu não tenho palavras para agradecer. Nunca me senti tão
importante. É lindo, Henrique, obrigada. — Ela colocou o relógio no braço
e olhou para ele como se fosse de ouro.
Sorri para ela que se levantou em um impulso se jogando em meus
braços. Recebi um abraço apertado e depois um beijou no rosto. Estranheza.
Esta foi a sensação da boca dela em minha face. Minha irmã percebeu meu
constrangimento e me salvou.
— Bom, agora que já demos seus presentes, vamos almoçar? Deixei
a Lara com o tio e o Thiago, ela já deve estar cansada de ser apertada por
eles. — Chegamos na área de churrasco e Hannah levou mais um susto
quando viu a decoração.
Priscila montou uma mesinha redonda enfeitada com uma orquídea,
alguns doces, balas e o bolo no centro. Quando a aniversariante viu a
bonequinha decorativa, ficou com os olhos cheios de lágrimas. Não sabia
que ela era emotiva, foi novidade para mim.
— Eu não tenho palavras para agradecer a todos vocês. Este
aniversário vai ficar nas minhas lembranças para sempre. — Ela parou de
falar porque a emoção embargou sua voz, graças a Deus meu cunhado
quebrou o clima.
— Hannah, venha cá experimentar meu churrasco, aí sim você
nunca mais vai querer comer nenhuma outra carne na vida, porque eu sou o
churrasqueiro mais foda deste país. — Estufou o peito convencido.
— Papaiiiiiiiiii, um real na minha mão agora. Você falou um
palavrão e a mamãe já disse que não pode. — Todos nós começamos a rir e
neste clima descontraído passamos a tarde.
No início da noite não deixei minha irmã arrumar nada, ela já tinha
feito muito. Ela, sua família e a vizinha sobre protestos acabaram aceitando
e se despediram.
Hannah ficou um pouco mais, pois segundo ela me ajudaria com
Lara, enquanto eu dava um jeito na bagunça. Elas subiram e eu fiquei
cuidando de tudo. Quando subi para ver o que as duas estavam fazendo, fui
surpreendido pela visão delas dormindo.
Minha filha estava no colo dela, que tinha adormecido sentada na
cadeira de amamentação no quarto da Larinha. Permaneci parado na porta
observando as duas, enquanto passava um filme na minha cabeça.
Vivi tanta coisa em apenas seis meses, passei por uma experiência
dolorosa e complexa, mas estava conseguindo vencer um pouco a cada dia.
Constatei que aquele dia tinha sido o primeiro após a morte da Laura, onde
consegui passar horas descontraídas sem pensar nela o tempo todo.
Eu não me sentia culpado ou um traidor por estar feliz. O sonho
veio à minha mente como um tornado. Tudo que Laura me disse era
verdade. Senti como se o amor da minha esposa preenchesse o vazio dentro
do meu peito me dando forças para seguir. Fiz um agradecimento silencioso
a Deus por não ter perdido a oportunidade de criar minha filha.
Capítulo 17

Papa

O fim do ano estava chegando e a correria tomando conta dos meus


dias. Desde a minha volta a polícia, fui relocado para a inteligência, era um
setor com horários mais condizentes a vida de um pai em carreira solo
como a minha.
A época das festividades natalinas e da passagem do ano exigiam
atenção e estratégias focadas na proteção do patrimônio das pessoas.
Bandidos gostavam desta época quando as famílias costumavam viajar,
passar horas em compras, visitas a amigos e familiares. Como bem dizia o
ditado popular: oportunidade fazia o ladrão.
Cada dia vivia uma surpresa encantadora. Depois de participar de
quatro reuniões intermináveis, voltei para casa. Gostava de almoçar com
minha filha, mas naqueles dias não estava conseguindo. Quando abri a porta
da minha casa fui surpreendido por um serzinho responsável por todo o ar
do meu mundo.
Lara estava engatinhando na sala e quando me viu sentou-se no
chão, olhou para mim e me fez tremer de emoção:
— Papa, papa, papa... — Senti meu coração disparar na hora, era
sua primeira palavra.
Ela fazia muitos sons, mas nada identificável. Quando ela me viu e
balbuciou papai batendo palminhas, meu peito quase explodiu de tanta
felicidade. Respirei fundo e brinquei com ela.
— Sim filha, sou eu, o papai. Cadê a Lara? — Eu adorava fazer esta
pergunta para ver ela batendo a mãozinha no peito indicando que era ela a
dona do meu coração.
Eu gostava sempre de tomar banho e tirar a farda antes de ter
contato com ela, mas naquele dia foi impossível esperar. A peguei no meu
colo, a enchi de muitos beijos e ela voltou a cantar música para meus
ouvidos.
— Papa...Papa... Papa...
Hannah estava parada na parede filmando com seu celular nós dois
rindo e brincando. Parecia loucura da minha cabeça, mas mesmo sorrindo
com nossa cena, ela parecia ter um olhar perdido. Há alguns dias eu vinha a
observando. Ela andava muito calada.
Perguntei o que era, mas ela disse estar cansada por causa da
semana de provas. Naquele dia em especial, achei um fato estranho, ela
estava com blusa de manga comprida e estava fazendo um calor dos
infernos na cidade. Hannah percebeu meu olhar, mas fingiu não perceber
nada, entrando na festa comigo e Lara.
— Eu não te contei antes, porque queria ver essa cena. — Sorri para
ela e beijei a cabecinha da minha filha que estava passando a mão no meu
rosto. — Ela falou papai ontem quando passei perto do porta-retrato com a
foto de vocês dois. Chamou papai o dia inteiro. Está a cada dia mais linda e
falante. — Lara olhou para ela prestando atenção em cada palavra.
Meu Pedacinho do Céu era uma bebê muito inteligente. Era mesmo
filha de policial, pois observava tudo de forma atenta.
— Lara é a Anjinha do papai, não é filha? — E a resposta foi como
música para meus ouvidos.
— Papa... Papa... — Dei uma risada e muitos beijinhos em sua
barriguinha, ela quase perdeu o fôlego de tanto rir.
Hannah veio andando para o nosso lado e tentou pegar minha filha
do meu colo.
— Vamos gatinha, deixa o papai tomar banho. Depois você fica
mais com ele. — Lara agarrou no meu pescoço falando sem parar.
— Papa, papa, papa...— Hannah colocou as mãos na cintura e
reclamou com ela.
— Ah, é assim, é? Seu pai chega e você não quer mais a tia? —
Minha filha balançou a cabeça de um lado para o outro fazendo seu não e
jogando algumas babinhas para todos os lugares. Estava nascendo os
dentinhos dela e com isso vivia babando.
— Titi, papa...— Hannah abriu o maior sorriso do mundo.
— Ai, meu Deussssss! Você falou titia? Nossa, que coisa mais linda
da tia. — E encheu minha filha de beijos.
Estávamos os dois em êxtases com as descobertas da Lara.
Permanecemos na sala rindo, enquanto eu beijava a cabecinha da minha
filha e Hannah suas costinhas. Foi então que uma ideia veio à minha
cabeça.
— Hannah, você já está de férias, não é? — Ela me olhou sem
entender.
— Estou sim Henrique. Por quê?
— Vamos subir, dar banho nesta princesa, enquanto você veste a
roupinha nela, eu tomo um banho rápido e vamos sair para comer uma
pizza? — Percebi um pouco de receio no olhar de Hannah e não consegui
conter minha curiosidade. — É só uma pizzaria, nada demais. Seu
namorado vai ficar com ciúmes?
— Eu não tenho namorado — disse depressa demais. — Só está
tarde para sair com a Lara, não acha?
— Não, não acho. Eu e Lara ficaríamos felizes com sua presença,
mas fica à vontade se não quiser ir conosco. — Ela pensou um pouco e
acabou aceitando o convite.
Eu aproveitaria o momento para descobrir qual o motivo de sua
mudança de personalidade da água para o vinho. Tinha algo errado
acontecendo, eu tinha certeza.
Capítulo 18

Meu maior pesadelo

Quando ouvi a pequena Larinha falando “titi” quase morri do


coração. Muita emoção sentir o amor daquela criança. Subi a escada atrás
daquele homem concentrando-me em controlar minha respiração. Estava a
cada dia mais difícil trabalhar naquela casa.
Não sabia onde estava minha cabeça, ou melhor, meu coração.
Henrique era um homem lindo, altivo, decidido, forte e ao mesmo tempo
terno. A forma de cuidar e o carinho dele pela filha era algo apaixonante de
se ver.
Ele dedicava todo o seu tempo livre a filha. Nunca demonstrava
cansaço e fazia questão de almoçar com ela todos os dias. Corria de um
lado para o outro e nunca reclamava.
Alguns momentos eu conseguia ver a nuvem de tristeza que cobria
seu olhar. Ele paralisava diante da foto da esposa com tanto amor. Eu
desejava ser olhada por ele daquela maneira, mas eu sabia ser impossível.
Henrique era um homem morto para outra mulher.
Sem perceber acabei gostando da presença dele. Amava tudo nele,
até quando estava emburrado em seu canto, continuava sendo lindo.
Algumas vezes sonhava sendo a mãe da Lara e a esposa dele. Quando
acordava vinha a decepção de voltar a realidade.
Não tinha saída para mim. Eu amava aquele homem. Vivia em um
conflito interno que estava me adoecendo. Deixar aquela casa e sumir para
sempre, ou manter meu amor impossível só para mim.
Para piorar meu drama, Gustavo resolveu ressurgir do inferno para
me atormentar. Não entendia o problema daquele homem, nós não
namoramos sequer três meses e ele se achava no direito de me perseguir.
Ser meu dono.
Aceitar namorar com aquele traste foi a maior burrada da minha
vida. Eu havia chegado na capital para estudar, não conhecia quase nada da
cidade grande e me envolvi com a pior espécie de homem.
Conheci o Gustavo em uma festa de recepção para os calouros. Ele
cursava o quinto período de administração e foi o designado para ser meu
veterano. Era uma espécie de aluno a orientar os iniciantes nos primeiros
seis meses de universidade.
No princípio ele foi um lorde, me encantou com sua inteligência e
carinho. Ficamos amigos e alguns meses depois ele me pediu em namoro.
Eu me lembro de ter recusado no começo, pois não queria me envolver em
relacionamentos. Estava focada nos estudos.
Gustavo soube ser insistente e persuasivo me levando a aceitar seu
pedido. Nos primeiros vinte dias foi muito bom, ele era atencioso, me
respeitava e demonstrava ser muito educado. As coisas começaram a se
complicar quando fomos a uma festa. Ele parecia um cão de guarda e
ninguém podia conversar comigo.
Nossa primeira briga aconteceu naquele dia. Reclamei com ele por
não me deixar aproveitar a festa.
— Gustavo, eu não sou obrigada a falar só com você. Está me
sufocando com seus ciúmes. — A princípio ele revidou aos gritos.
— Não sou otário, Hannah. Ninguém coloca a mão no que é meu.
Você é minha, entendeu? — . Eu me assustei com o rompante dele e decidi
terminar naquele momento.
— Você só pode estar louco. Não sou sua. Quer saber, melhor
terminarmos aqui. — Ele me olhou todo arrependido e pediu perdão.
— Me desculpe, meu amor. Nunca namorei uma garota linda e
cobiçada como você — justificou seu acesso de fúria.
— Isso é coisa da sua cabeça, Gustavo. Não tem ninguém me
cobiçando. — Ele me interrompeu afoito.
— Já te pedi perdão. Prometo nunca mais fazer isso com você. —
Veio para meu lado e me deu um beijo apaixonado.
Acabei envolvida e o perdoei. Não demorou muito para as brigas
bobas de ciúmes voltaram a acontecer. O ápice foi quando ele chegou na
minha sala de aula e não me achou. Gustavo me encontrou na lanchonete
com um grupo de amigos e fez um escândalo me levando a força para seu
carro. Ele parecia estar drogado ou algo assim.
— O que está fazendo aqui? No meio desse monte de homem? —
Um dos meus amigos ainda tentou interceder.
— Calma aí, cara. Estamos só lanchando. Nada demais.
— Eu sei o que você quer lanchar, seu babaca. — Antes que a coisa
piorasse, levantei-me e saí junto com ele.
Gustavo saiu me arrastando para o carro e quando entramos
começou a me agarrar feito um louco.
— Quer ser puta? É isso, sua vadia? Pensei que gostava de homens
respeitadores, mas já vi que é putinha como as outras. — Aquelas palavras
me deixaram paralisada e assustada. — Vou te comer com você quer,
vagabunda.
Ele me deu um tapa na cara e veio para cima de mim. A agressão
me fez sair do estado de inércia. Comecei a gritar e revidar os golpes dele.
— Me solta, seu desgraçado. Socorrooooo — gritei com todo o meu
fôlego. — — Entrei em luta corporal com ele e fui socorrida a tempo graças
aos seguranças da guarda universitária.
Aquele dia foi horrível. Precisei ir a uma delegacia prestar queixas e
depois fui encaminhada para fazer o exame de corpo delito, pois na briga
ele me machucou.
Depois fui encaminhada a Delegacia da Mulher para abrir um
inquérito policial. Dois meses depois eu saía do fórum com uma medida
protetiva contra ele. Naquela época minha vizinha me ajudou e eu pedi
segredo a ela.
Meus dias de paz acabaram. O meu maior pesadelo voltou a me
perseguir. Não sabia explicar como ele descobriu meu trabalho. Começou a
me mandar mensagens ameaçadoras pelo celular. Algumas eram
assustadoras, parecia de uma pessoa louca.
“Hannah, sua puta, eu descobri que está dando para um viúvo. Você
não entendeu que é minha? Vou te mostrar quem eu sou.”
Eu lia as afirmações malucas dele e não respondia. Meu silêncio o
deixava mais irado.
“Se você não aceitar se encontrar comigo, vou te achar até no
inferno. Não me provoque, Hannah”

As ameaças não paravam, foram muitas desde quando ele começou


a me infernizar. Fui ingênua de ler todas sem tomar providências. Bastava
levar o celular para a Delegacia da Mulher e ele seria preso por descumprir
a medida. Porém, como a maioria das mulheres vítimas de violência, eu
resolvi não pedir ajuda.
“Descobri que seu novo macho é policial, saiba que arma por arma,
também tenho a minha.”
“Se você usar esta porra desta medida protetiva e eu for preso de
novo, mato aquela velhinha boazinha que te acolheu quando mudou para
cá.”
“É melhor você se manter caladinha, porque se contar para alguém,
eu posso vingar naquela coisinha bonitinha que estava com você na
pracinha ontem.”
“Sabe onde estou agora? Seguindo sua vizinha boazinha, ou você
me responde, ou ela vai se machucar, tadinha, tão frágil.”
A última mensagem me deixou apavorada e cometi a besteira de
aceitar me encontrar com ele. Foi horrível. Gustavo estava magro, não
parecia em nada com o veterano que conheci na universidade. Ele estava
com hálito etílico, olhos vermelhos, transtornado.
— Hannah, Hannah, eu te avisei que você era minha. Não entendeu
que te amo? — Eu não sabia como agir naquela situação. Pensei rápido e
tentei amenizar sua ira, porque ele parecia estar em surto psicótico.
— Gustavo, vamos conversar numa lanchonete, preciso tomar um
suco, está muito quente. — Ele deu uma gargalhada demoníaca.
— Você deve me achar com cara de otário, não é? Você vai comigo
para onde eu quiser. Vou te mostrar como é ser comida por um homem. —
Ele ligou o carro e saiu feito um louco.
Pensei em pular, mas o carro estava em alta velocidade e perdi a
coragem. Saímos da cidade e andamos quase trinta minutos pela rodovia.
— Gustavo, vamos conversar. Eu prometo te ouvir e te ajudar. —
Tentei argumentar com ele, mas só o deixou mais louco. Tomei um tapa na
cara que me deixou tonta.
— Cala sua boca, piranha. Vou te foder até seu último suspiro. —
Meu coração estava disparado, eu mal conseguia respirar.
Precisava me acalmar e tentar raciocinar. Eu não podia entrar com
ele em nenhum lugar porque não teria escapatória. Quando vi o letreiro de
um motel e Gustavo diminuiu a velocidade para entrar, eu rezei para que
aquele estabelecimento tivesse uma recepção.
Deus estava do meu lado, quando ele parou para pedir a chave de
uma suíte, eu consegui desligar o carro virando a chave e abri a porta. Saí
gritando que estava sendo sequestrada e os seguranças do motel vieram
rápido. Quando Gustavo tentou fugir, foi agarrado e imobilizado por eles.
Mostrei a medida protetiva para os homens que o amarraram e eles
chamaram a polícia. Estávamos em uma cidade vizinha a minha e Gustavo
foi preso. Depois de fazer o boletim de ocorrência e mais um exame de
corpo delito, fui liberada.
A polícia queria me levar em casa, mas eu não quis. Ia ser muita
vergonha chegar de madrugada no meu edifício dentro de uma viatura.
Chamei um carro de aplicativo e paguei uma pequena fortuna para ele me
levar de volta para casa.
Quando entrei no banheiro para tomar banho, vi meus braços
arranhados com alguns hematomas. Como eu esconderia aquilo do
Henrique? Eu não queria envolvê-lo, ele já tinha seus fantasmas, não
precisava dos meus.
Minha vida estava uma montanha russa de emoções. O convite para
comer pizza chegou no momento posterior à minha noite de terror. Era
incrível como a vida nos surpreendia. Em um dia quase fui morta por um
louco e no outro, convidada para sair com o homem mais lindo do mundo.
Eu estava perdida nas lembranças, quando ele me entregou a
Larinha. Logo depois, tirou parte da sua roupa, ficando somente com uma
blusa de malha branca que usava por baixo da camisa da farda, a calça e a
botina. A pequena resmungava no meu braço falando sem parar:
— Titi... Papa... Titi... — Todas as vezes eu via o orgulho nos olhos
dele ao ouvi-la tagarelando.
— Venha Anjinha do Papai, vamos tomar banho para te deixar
cheirosa e mais linda ainda. — Lara fez uma farra no banho, molhou o pai
todo e a água na blusa branca deixou o abdômen trincado dele a mostra.
Eu tentava não olhar, mas era como se o corpo dele fosse um imã. O
mais triste, era constatar o quanto ele era imune a minha presença. Como se
eu fosse um homem junto deles.
Assim que terminou, ele me entregou a filha na toalha e eu a levei
para o quarto dela. Era melhor trocá-la distante daquela tentação.
Permanecer no quarto dele me faria fantasiá-lo embaixo d’água. Eu era
virgem e meu corpo vinha me dando sinais claros do tesão que Henrique
despertava em mim. Muitas vezes me sentia molhada, só de pensar nele.
— Hannah, me entregue esta mocinha...— A voz grossa dele quase
me fez ter um ataque cardíaco.
— Ai, meu Deus! Que susto Henrique. — Ele fez uma expressão de
estranhamento ao ver meu comportamento, mas fingiu não perceber o
quanto eu andava arisca.
— Desculpe. Acabei de me arrumar e pensei em dar a janta para
Lara, enquanto você toma um banho e se arruma. — Senti meu sangue fugir
do rosto.
— Não precisa, Henrique. Posso ir assim mesmo.
— De jeito nenhum, Hannah. Trabalhou o dia inteiro, deve estar
cansada. Um banho vai te relaxar e ainda está cedo para sairmos. — Sem
mais argumentos, acabei aceitando a sugestão e fui para o quarto onde
ficava algumas coisas minhas.
Eu tinha meu próprio banheiro, pois todos os três quartos da casa
eram suíte. Tentei achar alguma roupa que disfarçasse meus hematomas,
acabei optando por um vestido leve e um casaquinho branco.
O problema era a temperatura naquela época. Estávamos passando
por dias quentes e eu não conseguiria enrolar o capitão por muito tempo. A
desculpa do frio não funcionaria com ele. Abri o chuveiro gelado para
esfriar meu corpo, mas minha cabeça estava quente.
— Hannah, porque você aceitou sair, sua burra. E agora? Como vai
sair desta?
Capítulo 19

Apenas uma pizza

Saímos por volta das dezenove horas rumo a nossa primeira noite
como se fossemos uma família. Pelo menos era assim que eu me sentia.
Henrique nos levou a uma pizzaria charmosa e acolhedora. Escolheu a mesa
localizada em uma área reservada, pois era mais aconchegante para
colocarmos o bebê conforto. Lara já estava coçando o olhinho, com certeza
não duraria muito tempo acordada.
Fizemos nossos pedidos e enquanto esperávamos, conversamos
sobre meu curso. Henrique comentou sobre as taxas de criminalidade e da
importância da aproximação da polícia a sociedade. Ele era bom de papo e
era visível como estava se tornando um homem menos carrancudo.
Comemos a pizza que estava deliciosa entre brincadeiras e
conversas descontraídas. A sobremesa foi um espetáculo à parte. Estava
soberana. Sorvete ao forno com calda de marshmallow e chocolate, não
tinha nada melhor no mundo. Enquanto comia a sobremesa feito uma
criança, Henrique parou me olhando e depois passou o dedo em meu rosto
perto da minha boca.
— Você está com calda de chocolate no rosto — falou e riu quando
percebeu meu constrangimento.
Aproveitei para pedir licença e ir ao banheiro. Quando cheguei em
frente ao espelho pude ver alguns rastros de chocolate, mas o que chamou
minha atenção foi o vermelho tomate do meu rosto. Olhei para o meu
reflexo e conversei comigo mesma:
— Hannah, você é patética. Se controle, garotas. O homem não te
enxerga como mulher, só como a babá da filha dele. — Respirei
desanimada e voltei a mesa.
Henrique estava com uma xícara de café na mão e quando me viu
retornar, olhou-me como se desconfiasse de algo.
— Eu não sabia se você gostava de café a noite, então pedi. Senão
quiser, pode deixar aí que eu tomo.
— Aceito sim, obrigada. Sabe, você não deveria tomar tanto café a
noite. — Ele sorveu um pouco da bebida e permaneceu sem falar nada.
Continuou me olhando de forma inquisitiva, até colocar a xícara
sobre a mesa e me questionar.
— Hannah, venho te achando estranha há alguns dias. Tem algo
acontecendo? Seu ex-namorado voltou a te importunar? — Quando ele
falou aquilo, eu levei um susto, comecei a tossir e cuspi tudo na mesa.
Ele levantou-se rápido me dando um guardanapo e um pouco do
suco que ainda estava no meu copo.
— Henrique, me desculpe. Meu Deus, que vergonha. — Baixei
minha cabeça nas mãos sem coragem de olhar para ele.
— Calma, Hannah. Respira. Acontece com todo mundo. — Não
dava para fazer rodeios, precisava ser direta.
Como ele soube do Gustavo? Será que alguém da polícia contou?
Necessitava descobrir sem comentar nada. Antes precisava sondar o
assunto.
— Quem te falou do meu ex-namorado, Henrique? — Ele puxou o
ar com calma, como se estivesse pensando na resposta.
— Hannah, me perdoe, mas já tem tempo que Priscila comentou.
Ela não falou por mal, foi sem querer. — Ele parou de falar e verificou se
estava tudo certo com Lara que dormia no bebê conforto. Depois levantou a
cabeça e foi direto. — Você viveu um relacionamento abusivo? Isso é
verdade?
Meu coração disparou ao ouvir os questionamentos dele. Priscila
não tinha direito de falar sobre minha vida com o irmão dela. Estufei o peito
querendo mostrar uma segurança que eu não tinha.
— Olha, não sei o que sua irmã te falou e não quero saber. Isso é
passado. Vamos embora? Estou cansada e quero ir para minha casa. —
Henrique abriu a boca para contestar, mas não deixei. — Vou com Lara para
o carro enquanto você pede a conta.
Peguei o bebê conforto onde Lara estava dormindo. Estendi uma
mão para ele sem falar nada. Queria que ele percebesse que não tinha o
direito de se meter em minha vida. Ele entendeu e apenas me entregou a
chave do carro. Antes de sair o ouvi chamar o garçom.
Precisei daquela saída estratégica para me acalmar e colocar meu
pensamento em ordem. Eu não queria entrar naquele assunto com ele.
Acabei de prender o bebê conforto no cinto de segurança quando ele se
aproximou do carro.
Estranhei a atitude dele. Henrique não foi para sua porta, caminhou
para o meu lado e parou atrás de mim. Aquela era a hora na qual eu
precisaria ser atriz e fingir estar calma. Virei para ele e o encarei, porém fui
surpreendida pelo seu gesto. Nunca imaginei que ele fizesse aquilo.
Sem falar nada, apenas tocou no meu casaco na altura do ombro.
Cheguei a prender a respiração, porque minha mente sonhadora e romântica
se preparou para receber um abraço e um beijo. Tola, pura ilusão.
Henrique manteve meu olhar cativo ao dele, mas em vez de me
beijar, apenas baixou um pouco o casaquinho na direção do meu ombro até
chegar ao meu braço e ver o hematoma.
O tórax do homem começou a subir e descer agitado, como se
estivesse com dificuldade de respirar. Fechei meus olhos e respirei fundo,
porque suspeitava qual seria a reação dele.
Sem falar nada, Henrique me soltou, abriu a porta do carro para eu
entrar e foi para o lado do motorista. Ligou o carro, acionou sua playlist em
um volume ambiente e saiu.
“Passar todo o seu tempo esperando por aquela segunda chance,
por uma oportunidade que deixaria tudo bem. Sempre há um motivo para
não se sentir bom o suficiente e é difícil no fim do dia, eu preciso de alguma
distração. Oh, bela libertação. A lembrança vaza pelas minhas veias.
Deixe-me ficar vazio e sem peso, e talvez eu encontrarei alguma paz esta
noite”.
A música In The Arms Of The Angel na voz do Thei Celtic Angels,
encheu o ambiente do carro. Às poucas vezes em que dormi na casa dele, eu
ouvia aquela música enquanto o Henrique ficava sentado no sofá com o
olhar perdido e um álbum de fotografias na mão.
Na minha inocência, nunca imaginei que um homem pudesse amar
daquela maneira. Eu coloquei o cinto de segurança como se estivesse
anestesiada. Sentia um misto de vergonha, humilhação, raiva, tudo
misturado em minha alma. Sem saber como agir, virei meu rosto para o lado
da minha janela e deixei as lágrimas caírem.
Meu coração estava muito machucado e ouvir aquela melodia só fez
toda minha dor vir à tona.
Capítulo 20

De Volta ao Passado

Vermelho! Tum... Tum... Tum... Vermelho!


Foi assim que enxerguei quando vi aqueles hematomas no braço e
ombro da Hannah. Meu coração acelerou de uma forma absurda com aquela
visão.
Puta que pariu, voltei ao passado quando o monstro do meu pai batia
na minha mãe e ela andava dias com casaco. Coloquei uma música lenta, as
apaixonadas das playlists de Laura, porque eu precisava me acalmar. E
aquela música em especial tinha o poder de me transportar para o nada.
Somente o vazio. A mente em branco.
Enquanto eu dirigia pelas vias que estavam calma naquele horário
da noite, exercitava a respiração para não enlouquecer. Nem mesmo a letra
da canção conseguiu apagar minhas memórias. Um filme macabro começou
a invadir minhas lembranças.
— Me solta, pelo amor de Deus, não faz isto, as crianças estão em
casa. — Minha mãe falava baixo para nos poupar.
— É bom, porque assim vão conhecer a mãe puta que eles têm. —
Pah... o som do tapa enchia toda casa.
— Para. Você está louco, eu não converso com ninguém. Demorei
porque o supermercado estava cheio — dizia minha mãe com voz de quem
estava chorando.
— Cala sua boca, eu vou te ensinar a me obedecer como uma
mulher casada.
Era como se eu estivesse vendo e ouvindo os tapas, os gritos.
Violência doméstica era algo inaceitável para mim. Tirava todo o meu
equilíbrio. A minha vontade era pegar o filho da puta, me trancar com ele
numa sala e dizer: bata em um homem seu covarde.
No fundo, ver aqueles hematomas no braço delicado da Hannah me
fez sentir culpa. Como aquilo estava acontecendo embaixo dos meus olhos
e eu não percebi? Estava tão imerso pela ausência de Laura na minha vida,
por minha dor, que não enxergava ninguém além de Lara.
Egoísta e cego. Era assim que eu agia. Aquela garota que era um
amor com minha filha, virou seu rosto para o vidro da janela fingindo ver a
paisagem, mas às vezes eu a via limpar as lágrimas.
Minha mente trabalhava acelerada e eu conversava comigo mesmo
em pensamento. Caralho, Henrique! Ela é uma garota. não tem ninguém por
ela nesta cidade e você, um capitão treinado para identificar qualquer
mudança de comportamento preferiu não dar atenção a pessoa que mais te
ajuda na vida. Você tem que pegar o desgraçado.
Eu não a levaria para o apartamento dela porra nenhuma, ela ia para
a minha casa. Entrei no condomínio e coloquei o carro na garagem. Hannah
não teve coragem de falar nada, desceu do carro e me ajudou.
— Hannah, você pode colocar a Lara no berço para mim, por favor?
Vou te esperar na sala. — Ela balançou a cabeça concordando e subiu com
minha filha dormindo nos braços.
Acionei minha playlist e a voz de Peter Gabriel deu voz ao meu
sentimento desde a morte da minha esposa.
“Foi há apenas uma hora, era tudo tão diferente. Ainda não
consegui assimilar, tudo parece ser como sempre foi. Essa carne, esse osso,
é como estamos unidos, mas não há ninguém em casa. Eu sofro por você e
você me deixa. Tão difícil seguir em frente ainda amando o que se foi.
Dizem que a vida continua, continua sem parar.”
Eu me servi de uma dose de uísque para me acalmar. Meu corpo
estava bombardeado por adrenalina e vontade de dar umas porradas no
almofadinha covarde.
Sentei-me no sofá com a segunda dose no copo, quando ela desceu.
A figura de Hannah com olhar cabisbaixo e postura de culpa me matou. Era
como ver minha mãe depois dos acessos de loucura do meu pai. Eu não
deixaria aquela garota altiva e cheia de energia ser consumida por um
verme.
— Hannah, deixa eu ver seus braços, por favor. Não está fazendo
frio, pelo amor de Deus, tira este casaco. — Esperei ela revidar, me xingar,
mas não fez nada, apenas desceu os braços e deixou o pedaço de pano cair
ao chão.
Meu coração disparou ao ver a quantidade de hematomas e
arranhões nos dois braços. Sem pensar, agi no impulso. Fiquei de pé, fui até
ela e a abracei forte.
Com ela dentro dos meus braços, senti como se Hannah estivesse
protegida. Eu só não esperava a enxurrada de lágrimas que vieram juntas
com o abraço. Vê-la naquele estado vulnerável mexeu comigo.
Ela chorou tanto, que seu corpo sacudia dentro do meu abraço.
Permaneci quieto, enquanto balançava o corpo devagar como eu fazia
quando ninava minha pequena Lara. Aos poucos ela foi se acalmando.
Ainda sentia alguns espasmos do seu corpo, mas os soluços sumiram.
De forma lenta fui afrouxando meus braços e a conduzindo para o
sofá. Quando nos sentamos, ela olhou para mim envergonhada.
— Desculpe por isso, Henrique. Eu não tinha este direito. — Não a
deixei continuar.
— Ei, pode parar. Já estamos juntos há quase um ano, não temos
uma relação só de trabalho, somos amigos. — Ela me deu um pequeno
sorriso e aproveitei para brincar com ela. — Ah, bem melhor sorrindo.
Lágrimas não combinam com você.
— Obrigada, Henrique. — Passou a mão pelo rosto secando as
lágrimas. — É muito importante para mim saber o quanto me considera.
— Hannah, você confia em mim? — Ela me olhou como se eu
tivesse feito uma pergunta absurda.
— Claro que confio, Henrique — disse apressada.
— Então, por favor, me conte tudo, não me esconda nada. Eu
prometo que vou te ajudar a se livrar do monstro que fez isto com você.
Capítulo 21

Abrindo o coração

O simples ato de respirar passou a ser difícil depois daquela


pergunta. O ar não entrava em meu pulmão, como se não estivesse
funcionando naquele momento. Henrique me incentivou a falar com sua
postura calma. Respeitou meu tempo com toda paciência do mundo.
Coloquei meus cotovelos na perna, olhei para frente, puxei o ar e
comecei a contar minha história.
— Nasci em uma vila pequena, com quatro mil habitantes. Apesar
da escassez dos recursos, vivi uma infância e adolescência feliz junto aos
meus pais e meu irmão mais velho. Gabriel estudou veterinária e administra
o negócio de fertilização in vitro numa fazenda do Mato Grosso. Eu não
pensava em vir estudar na capital, mas meus pais fizeram questão de me
ajudar a realizar meu sonho. Sempre quis estudar administração de
empresas para abrir meu próprio negócio. — Parei de falar porque uma
lágrima intrusa desceu em meu rosto e Henrique de forma gentil a secou
com um lenço de papel.
— Continue no seu tempo, Hannah. Eu estou aqui por você. Não
tenha pressa. — Olhei para aquele homem machucado e vi tanto carinho em
seu olhar, que me incentivou a continuar.
— Minha família é assim, sabe. Eles são capazes de qualquer coisa
para ficarmos bem. Para ter uma ideia, meus pais e irmão fizeram uma
poupança em meu nome desde que decidi estudar na capital. Eles
continuam enviando dinheiro, mesmo eu dizendo que não necessito.
Segundo eles, para ajudar a realizar meu sonho. — Henrique colocou a mão
no meu ombro para que eu o olhasse.
— Qual seu sonho, Hannah? Deseja abrir qual negócio? — Dei um
pequeno sorriso ao pensar nele.
— Eu quero abrir uma cafeteria aconchegante com espaço para
venda de livros, empréstimos e descobertas de novos autores. Eu amo ler e
quero dedicar minha vida a literatura. — Ele sorriu com os olhos e naquele
momento meu coração bateu mais forte. Como eu amava aquele olhar.
— Nossa, eu gosto disto, mas continue — disse curioso.
— Estou te contando minha história, para saber minhas raízes, meus
valores familiares. Não sou uma garota desvairada, que se apaixonou pelo
playboy. Para ser muito honesta, namorei com ele cedendo a insistência,
pois não estava envolvida. — Henrique colocou a mão em meu rosto me
fazendo olhar para ele.
— Hannah, eu não estou aqui para julgar você. Meu objetivo é te
proteger de um homem abusador que não respeita uma mulher. Não estou
pensando nada, quero só te ouvir. — Balancei a cabeça concordando e
continuei.
— Conheci Gustavo no dia de recepção dos calouros na
universidade. Ele foi meu veterano, pois estava no quinto período de
administração. — Henrique fez uma expressão de não entender qual era a
função dos veteranos. — É como se ele fosse responsável por me mostrar
como funcionava a vida acadêmica, isto é comum nas universidades
federais.
— Entendi, continue. — Respirei fundo e voltei a narrar meu
namoro desastroso.
— Nossa amizade nasceu desta relação. Depois de alguns meses
sempre o encontrando e indo a algumas festas, acabamos trocando alguns
beijos. Gustavo insistiu em um namoro e eu acabei aceitando. — Fomos
interrompidos por um chorinho vindo do andar de cima, Henrique pediu
licença e foi ver a filha.
Aproveitei para ir ao banheiro e lavar meu rosto para me acalmar,
pois ia começar o relato das violências e precisava de respirar longe do
capitão. Quando voltei para a sala, me deparei com ele sentado no mesmo
lugar me aguardando.
— Foi só um resmungo, talvez um sonho ruim. Fiz umas carícias
em seu cabelinho, fiz algumas declarações de amor e Lara voltou a dormir
como um anjo — falou e riu com a face ficando corada.
Eu não cansava de ver o amor daquele pai por sua filha. Aquele
homem enorme, lindo, capitão de polícia, se transformava em uma doçura
perante aquele pequeno ser. Como ele dizia, seu Pedacinho do Céu.
Respirei fundo e dei um sorriso para ele. Em um gesto singular, ajeitou uma
mecha do meu cabelo que estava no meu rosto.
— Hannah, eu sei como será difícil para você reviver toda a
violência, mas preciso que me conte tudo, por favor. — Não entendia muito
bem a insistência dele em saber de tudo, mas não o questionei.
— Vou te contar. Como eu ia dizendo, começamos a namorar e não
demorou muito para ele começar dar sinais abusivos. Fomos em uma festa
de primavera e bastou alguns amigos da universidade chegar perto de mim
para Gustavo reagir com ciúmes exagerados. — Henrique me interrompeu.
— Ele tinha dado algum sinal antes desse comportamento? —
Balancei a cabeça em negativa.
— Quando éramos somente amigos, não. Cheguei a comentar com
ele sobre o exagero das reações de posse, mas foi em vão. Saímos da festa
cedo e no carro começou a gritar dizendo que eu não tinha o direito de ficar
me oferecendo para ninguém. — Parei de falar, porque meu coração estava
disparado demais e eu me sentia ofegante.
— Vou buscar uma água para você, Hannah. — Agradeci a ele,
porque necessitava de um tempo. Henrique me entregou a água e colocou a
mão em meu ombro. — Além dos gritos, ele foi violento com você?
— Não. Neste mesmo dia tentei terminar com ele, mas chorou,
desesperou e pediu perdão. Dei um crédito, mas fiquei encucada com
aquilo. Daí em diante, comecei a perceber alguns excessos em nosso
relacionamento. Era tudo muito sutil. Gustavo começou a querer controlar
meus horários de aula, de comer e reclamar das minhas roupas, segundo
ele: ousadas demais. A gota d’água, foi ele não aceitar o meu não. — Nesta
hora Henrique endureceu no sofá ao meu lado e me interrompeu:
— Ele tentou estuprar você, Hannah? — Fiquei roxa de vergonha,
mas não tinha escapatória, eu tinha que contar tudo.
— Não me estuprou porque gritei com ele e saí do carro. Rasgou
minha blusa, tentando me agarrar, mesmo comigo dizendo não. Cheguei a
comentar sobre minha virgindade e precisar de tempo por não me sentir
pronta, mas ele enlouqueceu dizendo que eu não o amava. Terminei o
namoro e aí começaram os meus problemas.
Contei a Henrique toda a minha história, sem omitir nenhum
detalhe. A cada palavra minha ele parecia transtornado, mas não me
interrompeu em nenhum momento.
Quando cheguei a agressão do dia anterior, me levantei para pegar
meu celular. Voltei ao sofá e entreguei a ele para entender o porquê da
minha saída com ele.
— Eu não sou uma garota ingênua. Precisei sair com ele ontem, pois
queria dar um basta nas loucuras dele. Pode olhar meu celular. Deve ter
mais de cem ameaças assustadoras, eu não sabia como agir. — Ele passou
um tempo calado enquanto lia todas as mensagens.
Seu rosto ficou muito vermelho, era possível ver as veias em seu
pescoço. Depois de ler tudo, olhou para mim, puxou o ar com força e me
disse com semblante decepcionado.
— Por que não me pediu ajuda? Sou seu amigo, não só patrão.
Minha filha te ama, Hannah, é muito importante para ela. Você tem noção
do risco que correu? Este louco podia ter te matado — falou assustado.
— Eu sei, Henrique. Só não queria trazer problemas para sua vida,
já tem seus fantasmas, não precisa dos meus.
— Pelo amor de Deus! Não fala uma coisa desta, Hannah. Olha,
você vai dormir aqui hoje, eu vou até a delegacia onde este desgraçado foi
preso. Preciso levar seu celular, estas mensagens são provas contra ele. —
Arregalei os olhos apavorada.
— Agora? Está tarde Henrique, pode ser perigoso. — Ele deu um
sorriso decepcionado
— Sério Hannah? Você está falando com um policial, Linda. Eu sei
como fazer, fique tranquila. Vamos até a cozinha, vou fazer um chá para
você dormir. Quero que fique no meu quarto com Lara. Eu devo demorar.
— Meu coração disparou mais ainda ao ouvi-lo me chamar de linda. Ele
nunca tinha falado assim comigo.
— Tem certeza? Não precisa se preocupar, eu fiz o exame de corpo
delito e ele foi preso.
— Confie em mim, Hannah. Esses tipos não costumam ficar presos
por muito tempo, mas eu vou ajudar aumentar o tempo dele para aprender a
não se meter com mulheres indefesas. Tenho ódio de covardes como este.
— Ele preparou o chá com todo o carinho enquanto eu esperava sentada no
banco do balcão de sua cozinha americana.
Tomamos o chá em silêncio. Às vezes ele me olhava e dava
pequenos sorrisos. Meu coração falhava muitas batidas, porque a cada dia
eu estava mais apaixonada por ele.
Não tinha nenhuma ilusão de tê-lo um dia, para mim ficava claro o
quanto ele me olhava somente como a garota amada por sua filha. Henrique
não me via como mulher e aquilo me matava. Saí dos meus devaneios
quando ele se levantou para pegar sua carteira e sair. Segurei seu braço
porque queria falar com ele.
— Não sei como te agradecer, obrigada por tudo.
— Este é o meu papel, não precisa me agradecer. — Ele deu um
beijo em minha testa, virou as costas e foi para porta, mas antes de sair
encheu meu coração de esperança.
— Hannah, você é importante para mim também, não só para Lara.
Agora suba e vá descansar, não se preocupe com nada. Eu tenho o controle.
Fechou a porta e saiu me deixando em choque, no mundo da lua,
rindo feito uma boba. Passei a mão em minha testa e fechei os olhos
lembrando do frescor de sua boca em minha pele.
Ah, capitão, como eu te quero.
Capítulo 22

Impactado

Fechei a porta com o coração disparado. Não entendi o porquê da


minha última fala para Hannah antes de sair. Só parecia o certo a dizer.
Entrei no meu carro, acionei uma playlist de rock pesado, precisava
exorcizar alguns demônios da minha infância e adolescência. Ouvir a
narrativa e o sofrimento de Hannah me fez reviver alguns conteúdos
mentais guardados em meu inconsciente.
Coloquei o giroflex no teto do carro, precisava de velocidade para
acalmar meu corpo em ebulição. A rodovia estava vazia àquela hora da
noite, me permitindo pisar um pouco mais no acelerador.
Enquanto dirigia, relembrava do olhar perdido dela ao chorar, algo
me incomodava, mas eu não sabia identificar o que era. No fundo, tê-la em
meus braços, trouxe para mim uma sensação de paz, mas bastou sair de casa
a culpa me castigar. Minha esposa havia partido a pouco menos de dez
meses, era impensável outra mulher ocupar meus pensamentos.
— Acorda, Henrique! Ela não é uma mulher, apenas a garota virgem
de vinte e um anos. Nem pense nisso. Você é um homem maduro, cheio de
cicatrizes, ela não serve para você — falei alto para ver se anulava meus
pensamentos absurdos.
Minha irmã sempre dizia: nossos pensamentos nos fazem refém de
nós mesmos. E era verdade. Priscila estava certa. Às vezes pensávamos
coisas inadmissíveis, mas sem controle.
Hannah chegou em minha vida em um momento de total
descontrole e desequilíbrio. Viúvo, aos vinte e nove anos, com uma filha
recém-nascida a qual eu neguei por quase três meses. Com seu jeito doce,
discreto e altiva, ela foi derrubando minhas barreiras.
No início eu a ignorava. Não tinha paciência para conversar, ouvir
histórias e para piorar, vivia inseguro em relação a ela e minha filha. Pensei
até em encher a casa de câmeras, só não fiz isto porque Priscila ameaçou
arrumar outro emprego para Hannah.
Aos poucos ela foi tomando um espaço em nossa vida, mas eu só
percebi isto quando ela estava em meus braços se sentindo vulnerável, cheia
de hematomas causados por um canalha.
Perdido em meus conflitos enquanto dirigia, constatei que alguma
coisa tinha mudado em mim. A sensação era estranha. Como se eu fosse um
aparelho parado, esquecido há muito tempo, então alguém chegou
precisando dele e o ligou, simples assim.
Saí do meu momento introspectivo quando cheguei à delegacia. O
delegado de plantão não era o mesmo da ocorrência do fato ocorrido com
Hannah. Conversei com o colega da polícia civil explicando a ele o motivo
da minha visita inusitada.
Ele foi bastante solícito, me mostrou o boletim de ocorrência e o
inquérito instaurado. Gustavo tinha sido enquadrado na Lei Maria da Penha
com agravo de estar com cocaína em seu carro.
Como já estava quase amanhecendo o dia e eu não estava de plantão
naquele no sábado, resolvi ir a uma padaria para lanchar enquanto
aguardava a chegada do delegado que autuou o desgraçado. Eu não
facilitaria a vida dele.
Depois de resolver tudo da maneira certa, voltei para a casa com a
sensação de dever cumprido. Aquele maldito não importunaria mais a vida
da Hannah.
Ao chegar em casa, estava tudo em silêncio. Subi sem fazer barulho
e quando cheguei ao meu quarto fiquei impactado com a cena à minha
frente.
Capítulo 23

Memórias fotográficas

Não sabia diferenciar se a adrenalina de ter revivido a violência na


qual Gustavo me submeteu ou a frase dita por Henrique na saída, mas eu
estava sem sono. Fui ao quarto verificar se estava tudo bem com Lara, ela
continuava dormindo como um anjo. Como aquela anjinha era boazinha,
uma garotinha de ouro.
Voltei para sala e me sentei no mesmo sofá de antes. Fiquei feito
uma idiota relembrando o abraço, o toque e o beijo na testa que Henrique
me deu. A boca dele era macia e o seu cheiro de homem invadiu meus
poros como um afrodisíaco avassalador.
Quando eu cheguei para trabalhar naquela casa, nunca podia
imaginar este homem carinhoso, preocupado e honrado. A cada dia eu
percebia uma mudança nele. A princípio ele era amargo, só ria nos
momentos em que brincava ou cuidava da Lara, fora isso, vivia trancado em
sua pequena academia. Socava aquele saco de areia por horas. Como se
estivesse brigando com o destino.
Algumas vezes ele batia tanto que chegava a machucar a mão.
Aquilo me matava, pois eu sentia sua dor. Aos poucos ele foi conseguindo
derrubar alguns tijolos de sua muralha e já se permitia rir, conversar. Eu não
invadia seu espaço, só puxava assunto ou brincava quando ele permitia.
Depois da festa do meu aniversário, as coisas melhoraram um pouco
e começamos a conversar mais. Eu continuava preocupada comigo, pois
meu coração bobo se entregava a cada dia mais. Busquei um copo de suco
na geladeira e quando voltei para o sofá, uma caixa na estante chamou
minha atenção.
Engraçado, eu vivia namorando os livros e nunca a tinha visto ali.
Tomada por uma curiosidade avassaladora, me sentei no chão e comecei ver
o conteúdo. Dentro tinha dois álbuns, um enorme de casamento e um outro
com fotos mais antigas.
Ver o amor de Henrique e Laura me fez chorar horrores. Eles
estavam lindos, era possível ver o amor no olhar deles. Fiquei chocada ao
ver como a Larinha lembrava a mãe. Talvez este tenha sido o motivo do pai
sofrer tanto no início quando olhava para a filha.
Depois de muitas lágrimas e olhar mais de uma vez cada cena,
peguei o outro álbum. Tinha muitas fotografias de Henrique, Priscila e sua
mãe. Ele já era lindo desde novinho, meu Deus. O mais triste foi ver
algumas fotos com um buraco onde tinha uma pessoa ao lado da mãe dele,
provavelmente o pai.
Terminei de ver e quando comecei a guardar tudo, vi uma foto
dobrada e amassada no fundo da caixa. Nela estava um homem bonito
como Henrique e atrás estava escrito:
“ deveria ser meu pai, mas é só um monstro”.
Nossa! Achei pesado e triste ao mesmo tempo. A letra parecia de
quando ele era novo. Nenhuma criança deveria viver algo assim. Eu não
conseguia mensurar o sofrimento dele e da irmã, uma vez que meu pai era o
melhor do mundo. Nunca bateu em ninguém e sempre nos educou
conversando, com amor.
Saí do meu momento nostalgia, fui até a cozinha, preparei a
mamadeira de Lara e subi para tomar banho e tentar descansar um pouco.
Eu não dormiria no quarto dele nunca mais. Fiquei traumatizada da forma
que ele me acordou da outra vez. Escolhi um short e uma camiseta para
vestir e me deitei na cama do quarto que era meu.
Acordei com Hannah chorando, peguei a mamadeira e corri para
ela.
— Calma, bebê, a titia está aqui.
Ela começou a chorar mais ainda e gritava:
— Papa, papa, papa...— Só então me dei conta de que ela não
dormia sem o pai e estava chamando por ele.
Eu a tirei do berço, tentei de tudo para acalmá-la, mas foi em vão.
No auge da choradeira, vi uma camisa de algodão branca do pai dela jogada
sobre a cama, em um ato de desespero vesti a roupa e a abracei.
A pequena foi se acalmando aos poucos. Comecei a cantar a música
que já tinha ouvido o pai cantar mil vezes para ela, até ela aceitar a
mamadeira. Senti o perfume de Henrique impregnado na camisa, me
deixando com uma sensação de segurança e relaxada.
Vencida pelo cansaço, me deitei junto com Lara. Aconcheguei ela
em meus braços, fui alisando seu cabelinho e contando história, até que nós
duas dormimos no lugar proibido.
Capítulo 24

Barreiras invisíveis sendo destruídas

Quando cheguei na porta do meu quarto, me deparei com uma


imagem impactante. Hannah dormia com um short curto e vestida com
minha camisa branca usada. O seu cabelo longo fazia contraste com o
lençol branco, parecia uma pintura. Onde ela tinha conseguido aquelas
pernas lindas? Eu nunca tinha reparado nelas antes.
Respirei fundo, passei a mão pelo cabelo várias vezes e balancei a
cabeça para os lados. Precisava tirar aquela imagem da minha mente.
Quando olhei para minha filha, percebi que estava acordada. Ao me ver
abriu um sorrisão com dois dentinhos e me matou do coração.
— Papa...
Fiz sinal de silêncio para ela e a tirei da cama sem fazer barulho,
Hannah estava desmaiada. A noite passada tinha sido pesada, precisava
descansar. Dei banho em minha filha no quarto dela, lá tinha tudo que eu
precisava.
Estava brincando com Hannah na banheira, quando me lembrei de
uma conversa com Laura quando compramos aquela casa.
— Amor, vamos comprar esta casa. Eu amei. São três quartos com
suíte. Um será para nós dois, o outro da nossa filha e o terceiro do nosso
menino. — Comecei a rir com os planos dela.
— Como sabe disto, senhora Estevão? — a questionei sorrindo.
— Simples, meu amor, o útero é meu e nós fizemos um acordo, será
um casal. — Dei uma gargalhada e ela me abraçou cheia de amor.
Uma das coisas mais lindas da minha esposa era seu alto astral, sua
convicção na felicidade. Ali, vendo Lara brincar com a água e seus
patinhos, me recordei da hora mais triste da minha vida. A lembrança das
últimas palavras de Laura viera em minha cabeça.
— Henrique, me promete que vai ser feliz, por favor. Eu não quero
você sofrendo mais, meu amor. — Na mesma hora, Lara olhou para mim e
sorrindo bateu as mãozinhas na água e disse.
— Titi... — Virei e me deparei com Hannah com a carinha amassada
encostada na porta do banheiro.
— Desculpe — disse toda envergonhada — acabei dormindo em sua
cama.
— E vestida com minha camisa suja, não é? — Ela ficou vermelha
da cabeça aos pés.
Foi mais forte que eu falar assim com ela, mas adorei ver seu
desespero para justificar. Hannah nervosa era algo bonito de se ver. Ela
abraçou seu corpo, até porque estava sem sutiã e claro, eu percebi.
— Ai, meu Deus! Henrique, eu posso explicar. Larinha começou a
chorar desesperada gritando por você e aí vi sua camisa e tive a ideia de
vestir para ela sentir seu cheiro. Deu certo.
— Calma, Hannah! Estou só brincando com você. Venha me ajudar
com esta bagunceira enquanto vou ao banheiro. Preciso urgente de um
banho. — Ela respirou aliviada e me deu um sorriso meigo.
— Claro que ajudo, você deve mesmo estar cansado. Deixa esta
pequena comigo e descanse um pouco. — Eu ri da preocupação dela.
— Quando você vai entender que sou policial e estou acostumado
ao batente? Nada de dormir, vou tomar um banho, trocar de roupa e ficar
com Lara para você se arrumar. — Ela arregalou os olhos sem entender.
— Arrumar? Para onde vamos?
— Passar no sítio da sogra da Priscila. Hoje é aniversário do avô do
Thiago e minha irmã me intimou a levar você. — Hannah balançou a
cabeça para os lados toda preocupada.
— Henrique, é um evento familiar, não acho que devo ir.
— Hannah, não vou falar nada, só ligue para minha irmã e diga isto
a ela.
— Está louco? Sua irmã me mata se eu fizer isto — disse com um
sorrisão no rosto.
— Então está resolvido, vamos nos arrumar. — Não dei tempo para
ela reclamar, saí do banheiro deixando as duas rindo e brincando com a
água.
Decidi viver um dia de cada vez, deixando a vida tomar seu rumo.
Capítulo 25

Um dia memorável

Diferente da ocasião passada, Henrique não se importou por me


achar em sua cama e me deixou confortável. Quando cheguei a sala os dois
me esperavam prontos.
— Demorei um pouco porque estava arrumando a bolsa da Lara. —
O capitão me olhou em silêncio me deixando encabulada. — O que foi? Por
que está me olhando como se eu estivesse doida?
— Por que está com esse casaco? — Baixei meus olhos em direção
aos meus braços e o encarei sem falar nada. — Hannah, estamos em pleno
verão. Pelo amor de Deus, você não tem que se envergonhar dos
hematomas, entendeu?
— É difícil para mim saber que fui burra o suficiente para cair nessa
armadilha — falei e baixei a cabeça.
Henrique caminhou até a minha frente e com a mão do braço
desocupado, colocou a mão em meu queixo e levantou meu rosto.
— Minha querida, você é a vítima. Não tem que se envergonhar de
nada. A cada quinze segundos, três em cada cinco mulheres sofrem
violência no Brasil e no mundo. Não precisa desse casaco.
— Está bem. Se você está dizendo isso, vou tirar, mas se alguém me
perguntar o que aconteceu, diga que escorreguei ou caí da escada, está bem?
— Ele deu um sorriso triste e segurou meu ombro com carinho.
— Eu te prometo que ninguém vai te abordar com esse assunto. —
Sem ter argumentos, acatei seu pedido e retirei o agasalho.
Eu estava vestida com uma camiseta preta e short jeans. Percebi o
olhar diferente do Henrique quando observou meu corpo, mas durou
segundos e acabei acreditando que era ilusão da minha cabeça.
A viagem até o sítio foi divertida como se fossemos uma família.
Era a primeira vez em que o sério capitão Estevão parecia se permitir sorrir
sem a culpa presente em seu olhar. Lara participou por quase todo percurso
das nossas conversas com suas palavras pueris. O homem estava feliz a
ponto de implicar comigo.
— Vai lá, Hannah, coloca aí a playlist do seu Melin. Vamos cantar
as músicas melosas que você gosta. — Deu uma risada e eu fiz careta para
ele mostrando a língua.
— “Desejo a você, o que há de melhor, a minha companhia, pra não
se sentir só. O Sol, a Lua e o mar, passagem pra viajar, pra gente se perder
e se encontrar. Era o local mais lindo que já vi na vida.” — Cantamos a
música Meu Abrigo do Melin em voz alta entre sorrisos.
Lara participava da festa com seu jeitinho especial de acompanhar a
conversa.
— ahhhhhh... ahhhhhh. ahhhhhh... — Quando estávamos quase
chegando no sítio, ela adormeceu.
O lugar era maravilhoso! O clima agradável, a amizade entre as
pessoas me fez descontrair e esquecer o babaca do meu ex. Como Henrique
havia me prometido, ninguém tocou no assunto dos meus hematomas e aos
poucos fui esquecendo das marcas em minha pele.
Depois do almoço, a irmã dele sugeriu que fizéssemos uma
caminhada até a estufa de flores da sogra.
— Henrique, a Hannah me disse que adora flores. Leve-a a estufa de
orquídeas, ela vai amar. — Olhei para ele maravilhada ao saber da
novidade.
— Sério? Aqui tem orquídeas? — Priscilla sorriu e complementou.
— E muitas outras espécies de flores. Minha sogra ama as filhas
dela. — Sorri do jeito da irmã dele.
Naquele momento fomos interrompidos pelo sogro dela.
— A estufa foi um presente de aniversário de casamento. Quando
fizemos vinte e cinco anos de casados. Já se passaram dez anos e ela está a
cada dia mais florida. Você vai gostar, Hannah. — Henrique balançou a
cabeça concordando e aceitou a sugestão.
— Vocês me convenceram. Vamos aproveitar que a Larinha acabou
de dormir. — Priscilla tranquilizou o irmão.
— Pode deixar. Vou ficar atenta a ela. Aproveitem essa tarde
ensolarada. — Eu e Henrique concordamos e saímos em direção ao local
que ficava há uns cem metros da casa principal.
Caminhamos em silêncio somente apreciando a natureza e sempre
que a mão dele encostava na minha, sentia minha pele arrepiar. Ele parecia
imune aos toques. Como das outras vezes, era loucura da minha cabeça.
Quando chegamos na estufa, fiquei maravilhada com a quantidade
de orquídeas e outras flores dentro daquele local. Não consegui conter meu
entusiasmo.
— Ai meu Deus! Que lugar mais lindo é esse? Nossa. Adoro
orquídeas. — Henrique sorriu e balançou a cabeça concordando.
Continuei minha excursão pelo local, olhando cada espécie
atentamente. Esqueci da vida e do homem lindo que estava comigo. Só
voltei a para a realidade quando senti ele se aproximando de mim.
— Pelo jeito gostou muito, não é? — disse sorrindo.
— Eu amei. Meu Deus! É lindo demais, Henrique.
— Podemos tentar fazer uma menor no fundo de casa. O que acha?
— Olhei para ele extasiada, com o coração batendo a mil por hora.
— Tá falando sério?
— Por que brincaria com isso? Será bom para você e para a Lara
aprender a cuidar de algo desde cedo. — Sorri para ele e sem controle dos
meus desejos o abracei.
Ele retribuiu meu gesto um pouco sem jeito. Quando sai daqueles
braços fortes, senti como se um vazio tomasse conta de mim. Henrique
colocou uma mecha do meu cabelo atrás da orelha e encerrou aquele
momento estranho.
— Então está decidido: teremos uma pequena estufa no quintal. —
Ele segurou minha mão com naturalidade e saiu me levando com ele para
fora daquele paraíso particular.
Capítulo 26

Um ano

Aquela data a princípio não era de alegria, mas depois de uma


conversa com minha irmã, consegui desvincular o nascimento da minha
filha com a morte da mãe.
Eu não queria fazer festa, nada. Porém, em uma tarde de domingo,
quando eu estava na casa da minha irmã, sentado perto da piscina, fui
convencido por ela.
— Um milhão por seus pensamentos — falou e sentou-se ao meu
lado.
— Estou tentando pensar no aniversário de um ano da Larinha, mas
só consigo me lembrar da mãe dela morrendo. — Priscilla olhou para mim,
segurou minha mão e me fez olhá-la.
— Henrique, quando eu perdi o útero, mas meu bebê estava
saudável me esperando, a vida me ensinou a procurar quais são meus
motivos para agradecer e não para sofrer. Você já parou para pensar se
naquele dia você tivesse perdido as duas? — Quando ouvi aquela verdade
jogada na minha cara, senti um soco na boca do estômago.
Eu não poderia mais imaginar minha vida sem Lara. Aquele sorriso
babado, seu olhar de devoção para mim, era o ar dos meus dias.
— Não brinca com isto. Eu não consigo imaginar minha vida sem
minha filha.
— Então meu irmão, você já tem a resposta para seus pensamentos.
É um momento de agradecer a Deus por sua filha estar com você, cheia de
saúde, trazendo alegria para sua casa. — Respirei fundo e dei um beijo na
testa dela.
— Você está certa, mais uma vez. Eu te amo, sua chata — disse
rindo. Ela me deu um tapa no braço antes de se vangloriar.
— Eu sempre estou certa. Sou a irmã mais velha, a que cuida de
você. Esqueceu? — Eu a abracei emocionado e me permiti dar vasão aos
meus sentimentos.
Aquela conversa trouxe com tudo uma emoção difícil de segurar. As
lágrimas vieram em meus olhos sem controle. Chorar nos braços da minha
irmã foi libertador. Pela primeira vez aceitei a morte da minha esposa e
entendi sobre gratidão. Era isto. Estava grato a Laura por me deixar junto
com nossa filha.
Depois daquele dia revelador, começamos a loucura de organizar
uma festa de um ano. Eu queria pagar tudo e fazer em um salão de festa,
mas fui convencido por Priscilla a fazer em sua casa.
Como em um passe de mágica, Hannah e Priscilla conseguiram
transformar o quintal em um verdadeiro circo, com palhaços, malabaristas,
pipoca, algodão doce e todas as guloseimas permitidas em festas de
crianças.
Convidei alguns amigos mais próximos do trabalho e fiz questão de
mandar as passagens para que os pais de Hannah pudessem participar
daquele momento conosco. Eles nunca tinham viajado de avião e eu quis
dar aquele presente.
Fui obrigado a aguentar minha irmã me infernizando, pois segundo
ela eu estava me apaixonando.
— Pare de lutar contra o inevitável, irmão. Você está se
apaixonando. Está escrito em sua testa. — Deu uma risada irritante.
— Ai, Priscilla, você vê romance em tudo, até em comercial. Cansei
de explicar a você que minha gentileza é só uma forma de agradecer por
tudo que ela faz por minha filha. — Ela revirou os olhos e debochou.
— Está bem, continue assim. Como diz o velho ditado: o pior cego é
o que não quer enxergar. — Abri a boca para xingar, mas ela me deu um
beijo no rosto e saiu rindo. Aquela insistência dela estava começando a me
deixar encucado. Será que ela tinha razão?
O que me deixou muito feliz foi a chegada dos pais da Hannah. Eles
eram pessoas simples e ficaram maravilhados com a cidade grande, com a
casa da minha irmã e com a Larinha. Eles se enturmaram rápido e ficaram à
vontade. A melhor recompensa foi a alegria dela por ter os pais conosco.
Fiquei espantado em perceber a semelhança entre ela e a mãe.
Lara aproveitou a festa inteira. Foi incrível, mas não estranhou as
pessoas e fez graça para todo mundo. Minha filha era iluminada e especial.
Tiramos muitas fotos, filmamos e na hora de cantar parabéns eu quis falar
algumas palavras. Sempre fui caladão, mas naquele momento senti a
necessidade de ser grato.
— Quero agradecer a todos e todas presentes. Esse é um momento
de alegria em nossas vidas. Todos que estão aqui têm um papel importante
em nossa história. Estiveram comigo nos momentos de dor e nada mais
justo estarem juntos na hora de festejar. Eu tenho gratidão a Deus por poder
comemorar um ano da Lara e por ter amigos fiéis. — A pequena estava em
meu colo e quando eu falei seu nome, ela gritou.
— Papa do nenê... — Todo mundo riu e daí em diante foi só festa.
Cantamos parabéns, tiramos fotos e brincamos. Sim, nos tornamos
crianças de novo. Eu e Hannah entramos na piscina de bolinhas com a
pequena, meu cunhado clicava todos os lances.
Depois de quase quatro horas de festa, as pessoas começaram a ir
embora. Lara começou a cochilou no colo da Priscilla e minha irmã entrou
com ela. Eu e meu cunhado ficamos sentados no quintal tomando cerveja,
enquanto os pais de Hannah foram para o apartamento dela descansar.
Eles a chamaram para ir com eles, mas eu disse que a levaria em
casa depois. Precisava dela para me ajudar com os presentes de Lara. Na
verdade, eu queria comentar sobre a festa e ainda era cedo para ela ir
embora.
Estava conversando com meu cunhado, quando vi Hannah
brincando com meu sobrinho perto da cama elástica. Os olhos dela
brilhavam, dava para ver a vontade dela entrar com ele. Resolvi encorajá-la.
— Entra com ele, Hannah. Você vai gostar — falei alto.
— Está doido? Esta cama elástica não vai me aguentar. — Fui
obrigado a rir da inocência dela.
Minha irmã alugou o maior brinquedo da casa de festa, cabia quase
um time de futebol lá dentro.
— Claro que aguenta. Vai lá, Hannah, estou vendo seu olho brilhar
de vontade. — Ela sorriu de forma tímida, olhou para o brinquedo e para
mim.
— Será? Eu estou de vestido e sou velha demais para isto?
— Eu não entendo esta neura que as mulheres têm com calcinha.
Vocês usam biquíni, é a mesma coisa. — Ela ficou corada e abriu a boca,
mas fomos interrompidos pelo meu sobrinho.
— Tio, entra também, vem você e a tia Hannah pular comigo? —
Eu não podia decepcionar meu sobrinho.
Tirei meu tênis e subi no brinquedo. Encorajada por mim, Hannah
tirou sua sandália e subiu. A alegria tomou conta daquele momento, não
sabia distinguir quem curtiu mais.
Nós três demos as mãos e pulamos. Hannah ria sem parar, seu rosto
ficou vermelho, seus cabelos bagunçados no rosto e ela estava linda. Eu
tentava resistir à não olhar para suas coxas roliças, mas falhei algumas
vezes. Depois de muitos tombos e gargalhadas, resolvemos sair sobre
protesto do meu sobrinho.
— Thiago, seu tio está velho, meu filho. Não consigo pular tanto
quanto você.
— Paraaaaa tio, você é o mais fodão de todos. — Ele falou e na
mesma hora colocou a mão na boca rindo e olhando para o pai.
— Sorte que sua mãe não ouviu, senão ia perder um real. —
Ficamos rindo da carinha de alívio dele.
Meu sobrinho era um menino muito carinhoso e educado. Eu e
Hannah começamos a juntar os presentes no carro para irmos embora.
Precisava deixar Hannah em casa, não queria causar uma má impressão aos
pais dela.
Chegamos tarde da noite. Enquanto eu descarregava as coisas,
Hannah se encarregou de levar Lara para seu bercinho. Minha filha estava
muito cansadinha. Priscilla me disse que ela quase dormiu durante o banho.
Depois de tudo acomodado, eu e Hannah caímos sentados no sofá. Soltei o
ar com força pela boca e ela riu.
— Cansados, porém felizes. A festa da nossa princesa foi linda. —
Ela se expressou de forma tão espontânea, “nossa princesa”. Porém, assim
que percebeu o que tinha falado, mudou sua postura no sofá de corpo
relaxado para rígido.
— Desculpe, Henrique. Ela é sua filha, não nossa — justificou
depressa e mudou de assunto. — Você pode chamar um táxi para me levar
para casa? Não precisa acordar a Lara.
Eu deveria dizer algo, mas fiquei sem ação. Sabia que o momento
exigia uma resposta, no entanto, eu estava vivenciando sentimentos
contraditórios em meu íntimo e não sabia lidar com eles.
— Vamos lá, senhorita. Vou te colocar dentro de um táxi, antes que
seu pai resolva testar sua garrucha comigo. — Hannah deu um sorriso que
não chegou aos seus olhos, mas eu fui covarde e ignorei sua mudança de
humor.
Capítulo 27

Abertura dos Presentes

No domingo após a festa da Lara, acordamos tarde. Minha filha


tomou sua mamadeira da manhã e continuou dormindo comigo em minha
cama até as dez. Acordei com uma mãozinha no meu rosto. Aquela era a
melhor forma de despertar.
— Bom dia pequena do papai, nós dormimos muito hein? — Ela
sorriu com seus poucos dentinhos e depois disparou a falar suas palavras
prediletas.
— Neneeee, papa, titiiiii... — Ai, meu Deus, ela estava falando da
Hannah.
Nada fazia ela dizer o nome dela, só titia, do jeito de criança. Às
vezes eu ficava preocupado com a ligação da minha filha com ela.
— E se ela for embora um dia? Lógico, ela não ficaria para sempre
conosco. Quando começar a namorar, como será? — Senti um aperto no
coração só de pensar nela indo embora.
Como eu explicaria para minha filha que ela era só sua babá? Uma
vozinha chamada inconsciente gritou no fundo da minha cabeça:
— Acorde, Henrique! Você não a vê assim, como uma simples babá.
Assume que ela mexe com você. — Balancei a cabeça para espalhar o meu
pensamento e voltei atenção para minha filha que brincava com seu
paninho.
— Vamos tomar um banho? Seu primo Thiago vai chegar daqui a
pouco para abrirmos seus presentes.
— Iagoooo. — Bateu palminhas quando ouviu o nome do primo, ela
o adorava.
Depois de nossa operação da manhã, fomos para a cozinha.
Coloquei Lara em sua cadeirinha e dei suco a ela. Enquanto seu copo cheio
de desenhos dos cachorrinhos que ela amava a distraía, fui preparar a carne
para o churrasco do almoço. Não demorou muito e minha irmã chegou com
sua família.
A abertura dos presentes foi uma festa a parte. Minha filha apesar de
novinha, ficou maravilhada com suas bonecas, brinquedinhos de bebê e até
as roupinhas. Meu cunhado fotografou e filmou tudo. Segundo ele ia fazer
um vídeo com os melhores momentos.
Passamos uma tarde agradável em família. Minha irmã levou o bolo
e os doces que haviam sobrado da festa e passamos o dia inteiro comendo.
No fim da tarde, meu cunhado foi para a sala de televisão com as duas
crianças e eu fiquei com minha irmã arrumando a bagunça do churrasco.
Eu tinha certeza de que a saída estratégica deles tinha dedo da dona
Priscilla, porque bastou eles saírem para ela começar seu interrogatório.
— Por que não convidou Hannah e os pais dela para almoçarem
conosco? — disse com voz de julgamento.
— Simples. Ela está com a família dela em seu dia de folga,
Priscilla. — Ela parou de lavar as vasilhas, colocou a mão na cintura e ficou
me olhando com a testa franzida.
— O que foi? Falei alguma coisa errada? — Minha irmã não podia
ser normal.
— Henrique, você é cego? — Franzi a sobrancelha para ela sem
entender o teor da fala.
— Como é? Não entendi sua pergunta, irmã.
— Ahhhhh, entendeu sim. Não se faça de idiota. Não é possível que
você não percebeu ainda como Hannah te olha. E antes de falar sobre ela
ser uma garota, vou te interromper dizendo que ela tem quase vinte e dois
anos e você só é nove anos mais velha que ela. — Cocei a cabeça e respirei
fundo sem saber como continuar a conversa, mas minha irmã não me deu
tempo de pensar.
— Continua coçando sua cabeça até ser tarde demais, seu bobo. —
Olhei para ela e balancei a cabeça para os lados como se pudesse desfazer a
imagem formada em minha mente.
— Por que está falando isto? Ela te disse alguma coisa?
— Não, Henrique, ela não me disse por que sou sua irmã, mas sou
mulher e reconheço o olhar de amor dela por você. Hannah é linda e me
contou de um amigo da universidade. — Senti um pequeno sinal de
arritmia.
— Contou o quê? Ela está namorando com este amigo?
— Ainda não, irmão, mas não ficará a vida inteira virgem te
esperando. — Uma sensação de desconforto tomou conta de mim com
aquela informação, mas não deixei minha irmã perceber.
— Ela tem o direito de fazer o que quiser da vida, irmã. — Ela
balançou a cabeça irritada, voltou para as vasilhas na pia e resmungou.
— Depois não diga que não te avisei, seu cabeça dura. — Olhei para
ela de cara feia.
— Quer saber, Priscilla, vou ver como as crianças estão. Ganho
mais.
— É, é melhor fugir mesmo. — Respirei fundo e saí da cozinha,
mas fiquei encucado com o tal amigo da universidade.
Hannah nunca me contava nada da vida dela. Às vezes a ouvia
falando com algumas amigas e combinando sair no fim de semana, mas
bastava eu convidá-la para um passeio no sábado e domingo, para ela
desmarcar tudo.
Eu continuava monitorando o bandido do ex, pois ele estava para
sair da prisão. Infelizmente, ele era réu primário e tinha dinheiro, uma
fórmula fácil de não ficar preso muito tempo.
No fim da noite, quando todo mundo foi embora e Lara dormiu,
resolvi tomar uma dose de uísque, estava sem sono e com a cabeça girando
com a história do “amigo” da Hannah.
Sentei-me no sofá e comecei a passar as fotos que estavam na
galeria do meu celular. Tinha algumas de Hannah com Lara. Analisei cada
expressão em seu olhar e uma foto me deixou espantando. Eu e ela
brincando com minha pequena na piscina de bolinhas.
O que me deixou incomodado foi ver a minha cara de felicidade.
Refleti sobre a minha vida desde a chegada de Hannah e cheguei à
conclusão do quanto ela nos fazia bem. Tentei imaginar nossa vida sem ela
e não gostei do que senti. Sem entender muito qual era o motivo do meu
súbito desejo de falar com ela, apenas deixei me seguir pelo impulso.
— Alô, Henrique? Aconteceu alguma coisa com a Lara?
— Não. Está tudo bem com ela, inclusive está dormindo depois de
brincar o dia inteiro com o primo. Só liguei para saber se seus pais estão
bem, se gostaram da viagem.
— Estão bem sim. Passeei com eles pela cidade, almoçamos no
shopping, fomos ao cinema e agora estão se preparando para viajar amanhã
cedo. Adoraram a viagem. Minha mãe pediu para te agradecer pela
gentileza.
— Fico feliz que tenham gostado. Hannah, se quiser eu os levo ao
aeroporto. — A resposta dela foi um chute no meu saco.
— Não precisa, Henrique. Muito obrigada, mas meu amigo vai levá-
los ao aeroporto amanhã cedo. — Então era verdade a história da minha
irmã.
Não gostei de ouvir aquilo, eu preocupado com os pais dela e ela já
tinha alguém, ou melhor, “o amigo” para ajudá-la. Como eu fui idiota de me
preocupar.
— Ah, que bom já ter alguém para levá-los. Então é isto, bom
descanso, Hannah. — Eu ia desligar sem esperar ela falar nada, mas desisti
ao ouvir sua voz.
— Henrique, espera.
— O que foi, Hannah? — falei um pouco ríspido
— Eu só queria dizer que adorei ter recebido sua ligação. Obrigada,
de verdade!
— Tudo bem, até amanhã Hannah. — Desliguei o telefone e peguei
mais uma dose de uísque para mim.
Eu não tinha direito sobre ela, no entanto, estava me sentindo mal
com a história do amigo. Minha respiração ficou um pouco ofegante e meus
nervos agitados. Resolvi buscar a babá eletrônica e fui para a academia
correr um pouco na esteira. Talvez o exercício me ajudasse colocar as ideias
no lugar.
Capítulo 28

Armações

Desliguei o telefone arrependida por ter aceitado o plano maluco de


Priscilla. Desde a bobeira que dei em meu aniversário, ela vinha enchendo
minha cabeça. A irmã de Henrique cismou em provar para mim que o irmão
também estava apaixonado.
Nunca me esqueço do dia depois do meu aniversário, quando eu saí
com ela para comprar algumas roupinhas para Lara. Henrique deixou seu
cartão de crédito comigo, eu já estava acostumada a comprar as coisas para
ele.
Estávamos andando pelos corredores, quando uma mulher muito
bonita encontrou conosco. Pela intimidade em que ela e Priscilla se
abraçaram, percebi se tratar de uma amiga de longa data. Fui apresentada
como amiga da família e aquilo aquiesceu meu coração, no entanto, a
conversa entre elas me incomodou ao extremo.
— Priscilla, quanto tempo não nos vemos. Como está aquele seu
irmão cabeça dura?
— Do mesmo jeito. Continua teimoso e com cabeça dura. — As
duas riram e Priscilla a convidou para sentar-se conosco e tomar um suco.
Elas conversaram sobre o trabalho, a mulher também era psicóloga,
mas o assunto me interessou quando a morena estonteante resolveu contar
sua vida.
— Eu me divorciei há quase um ano, graças a Deus. Consegui ficar
livre daquele traste foi o melhor presente do destino. Quem sabe agora
consigo uma nova chance com seu irmão?
— Quem sabe? Ele continua um viúvo convicto. Desde a morte da
esposa não se envolveu com ninguém. — A morena suspirou, mexeu em
seu suco e continuou seu ataque.
— Um desperdício aquele homem lindo sozinho. O que você acha
se eu o convidar para sair? — Naquela hora minha boca grande se abriu
sem eu conseguir controlá-la.
— Você pode até convidá-lo, mas eu duvido que ele aceite sair com
você, Henrique só vive para a filha. — A mulher me olhou assustada, uma
vez que entrei na conversa de forma ríspida.
— E como você sabe disto? Por acaso o conhece? — Meu rosto
queimou. Eu abri a boca para falar, mas Priscilla foi mais rápida que eu.
— Hannah já o viu em minha casa algumas vezes e eu contei a ela
como ele permanece no luto. Carmem, dê um tempo para meu irmão, ele
não está pronto ainda. — Ela bebeu o copo com uma expressão de quem
não ficou convencida, mas acatou a sugestão.
— Se você está dizendo, vou esperar um pouco, mas não vou
desistir daquele homem que eu já tive o prazer de experimentar. — Algo me
dizia que a bruxa fez questão de esnobar sua aventura sexual com ele.
As duas conversaram por mais alguns minutos e a mulher se
despediu. Eu fiquei calada porque o olhar de Priscilla deixava claro o que
ela estava pensando.
— Eu tinha um pouco de dúvida se você estava apaixonada pelo
meu irmão, mas agora tenho certeza de que está.
— Claro que não, só achei ela um pouco abusada. — Ela puxou o ar
com uma expressão divertida e continuou me infernizando até eu tomar
coragem e assumir.
— E se eu for? Não muda nada. Ele nem me vê como mulher.
— Hannah, dê tempo ao tempo, ele vai te ver e se não, a gente dá
um jeito. — Deu uma risada debochada.
— Como assim? Dá um jeito? — Fiquei preocupada com a
cabecinha maluca dela.
— Deixe comigo, mas agora vamos as compras. — Ela me abraçou
e saímos pelo shopping.
Desde aquele dia ela sempre estava pensando planos mirabolantes
para nós dois. No aniversário de um ano de Lara, ela me disse durante o dia
que já sabia como fazer o irmão abrir os olhos.
Priscilla inventou um amigo apaixonado por mim. Quando Henrique
me ligou, não sei o que me deu, resolvi colocar o tal plano em prática, mas
bastou ele ser frio no telefone, para eu me arrepender. Para acalmar meu
coração, liguei para ela contando o que tinha acontecido. Priscilla quase
morreu de rir, disse que estávamos no caminho certo na missão: acorda
Henrique.
Nossa relação andava meio estranha, eu estava em época de provas,
então ele chegava e eu já corria para universidade. Ele me olhava às vezes
de canto de olho, como se quisesse perguntar algo, mas perdia a coragem.
O aniversário de Priscilla era no fim de semana e ele me convidou
para jantar com eles na noite de sexta-feira. Eu tinha prova no primeiro
horário, então Henrique combinou de me buscar às dezenove e trinta horas
na universidade.
Naquele dia ele havia voltado para casa mais cedo e eu saí antes do
horário com a desculpa de precisar estudar um pouco mais para a prova. A
verdade era outra bem diferente. Priscilla me fez ir para um salão arrumar
cabelo e fazer uma maquiagem para o tal jantar.
Ela me fez comprar um vestido preto muito bonito. Comprimento
um pouco acima do joelho e cintura marcada. O tecido era a diferença, ele
tinha um brilho sutil e era leve. Quando me vi arrumada no espelho, me
achei linda.
Fui para a universidade fazer a prova e recebi muitos elogios dos
meus amigos. Nunca esperava o que estava por vir, Priscilla levando seu
plano muito a sério, mandou me entregar na universidade um buquê de
rosas vermelhas com um cartão assinado por admirador secreto.
Minha turma foi ao delírio com aquilo. Eu não sabia onde enfiar a
cara, mas sabia que era coisa de Priscilla. Ela havia me dito que a noite do
aniversário dela seria de muitas surpresas. Quando terminei a prova, peguei
minhas coisas, as rosas e desci para esperar o Henrique. Meu coração estava
quase saindo do meu peito com a ansiedade de entrar em seu carro com
aquele buquê.
Quando eu vi seu SUV preto se aproximar, respirei fundo e me
preparei para atuar. Assim que abriu a porta para mim, vi seu olhar de
admiração ao me ver.
— Boa noite, Hannah. Você está linda. Que rosas são estas?
questionou sem cerimônia.
— Boa noite, Henrique. Obrigada, mas não sei quem me mandou.
Está assinado como admirador secreto.
— Ele tem bom gosto. — Eu fiquei sem saber como agir e fiz o
mais fácil.
— Pode por favor abrir o porta-malas? Vou deixar as flores lá, pois
pode dar alergia em Lara. — A pequena dormia em sua cadeirinha.
Ela estava vestida como uma princesinha. Voltei para a porta da
frente e entrei no carro.
Henrique saiu em silêncio, mas vi que mesmo tentando disfarçar,
olhou para minhas pernas. Fiquei corada, mas feliz de perceber o quanto
estava mexendo com ele.
— Você quer ouvir alguma música em especial? — ousei um pouco.
— Surpreenda-me, Henrique. Quero ouvir sua música. — Ele me
olhou de forma intensa, eu mantive meu olhar, mesmo quase sem conseguir
respirar.
Depois de alguns segundos que mais pareciam uma eternidade, ele
acionou sua playlist. E uma canção linda, tomou conta do carro.
— Não conheço esta música, mas ela é linda.
— Through Glass do Stone Sour, quando tiver um tempo, procure a
tradução, é mais ou menos isto que sinto. — Concordei balançando a
cabeça e permaneci em silêncio, porque a tensão dentro do carro estava
demais para mim. Lara acordou quando a tiramos do carro.
— Ei, bebê, você gosta de dormir no carro não é pequena?
— Neném, papa e titi . — Ela estava no colo do pai e falou suas três
palavras favoritas, me deixando emocionada.
— Sim, filha! Neném, papai e titia Hannah. Como tem que ser. —
Ele falou isto como se fosse algo normal e para meu espanto, manteve Lara
em um braço e segurou minha mão para entrarmos no restaurante. A hostess
nos conduziu a uma área privada.
Tentei andar sem tropeçar, ou cair. Meu coração bombeava meu
peito, quase o furando e eu sentia o rosto pegando fogo. Percebi algumas
mulheres olhando para Henrique quando passávamos. Ele estava mais lindo
ainda, se é que era possível.
Quando Priscila nos viu chegando de mãos dadas como uma família
feliz, deu um sorriso maroto, não falou nada, mas Thiago não perdeu
tempo.
— Tia Hannah, você está linda. Tio por que você não namora com
ela? — Naquela hora eu quase morri de enfarto fulminante e o pai do
menino piorou tudo.
— Thiago, ela está mesmo linda, mas aposto que já tem namorado,
não é Hannah? — Eu não sabia onde enfiar minha cara com todo mundo
falando de mim e Henrique não perdeu tempo.
— Namorado não sei, mas admirador secreto que dá rosas ela tem.
— Precisei falar algo e interromper as atenções sobre mim.
— Não tenho namorado. A tia está estudando muito e não sobra
tempo para isto. — Pensei que ele fosse se satisfazer com minha resposta,
mas seu próximo comentário acabou por deixar as coisas mais leves.
— Então, quando eu crescer, vou namorar com você. Pode tio? —
Henrique riu, bagunçou o cabelo do garoto e falou:
— Claro que pode, campeão. Agora vamos nos sentar logo, porque
estamos com fome. — Priscila foi até o irmão, deu um beijo em seu rosto e
pegou Lara do seu colo.
Assim que nos sentamos, o garçom chegou com algumas entradas e
uma garrafa de champanhe em um balde de gelo.
Lara fazia todas as graças na mesa e todas as atenções estavam
sobre ela e Thiago. A conversa fluía descontraída e ninguém mais tocou no
assunto: admirador secreto. Algumas vezes eu me deparei com o olhar de
Henrique sobre mim. Tinha algo diferente no jeito dele. Estava mais calado
que de costume.
Quando o garçom chegou com o bolo, foi uma alegria. Cantamos
parabéns com as crianças batendo palmas. Era lindo de ver como a Larinha
era esperta e imitava o primo. Depois de muitas poses para fotos, Thiago se
deitou no colo da mãe e a pequena começou a coçar olhinho e pediu meu
colo.
— Titi, nenê.
— Venha cá, princesa. Está com soninho, não é? — Ela resmungou
com um chorinho dengoso de sono. Eu conhecia todos os sons daquela
criança.
Algumas vezes pensei em fugir, mas sentia uma dor profunda em
meu coração. Lara fazia parte da minha vida, não saberia continuar sem ela.
Capítulo 29

Cicatrizes de batalha

Hannah se afastou para uma sacada que havia na área privada.


Fiquei a observando enquanto conversava com minha filha e a ninava. Saí
dos meus devaneios quando minha irmã me abordou.
— Você vai perder esta mulher, meu irmão? — Olhei para ela e
pensei se valeria a pena continuar o assunto. Eu a conhecia bem para saber
que não tinha esta opção.
— Não se perde o que não se tem, Priscilla.
— Você a tem, só não percebeu ainda. Hannah é louca por você e
por Lara. Está na hora de você tentar curar suas cicatrizes de batalha, meu
querido. — Olhei para ela e depois para cima, Priscilla odiava quando eu
fazia aquilo. — Não adianta virar os olhos, estou falando sério com você.
Se não abrir seu coração para o que está a sua frente, pode se arrepender
depois, irmão.
Antes de responder Hannah voltou com Lara dormindo e sentou-se à
mesa conosco. Minha irmã abriu a boca e eu olhei para ela com um aviso
implícito para que não falasse nenhuma gracinha.
— Ela dormiu rápido, não foi Hannah?
— Lara é muito boazinha, não dá trabalho para nada e já conheço
cada chorinho dela — justificou toda envaidecida.
— Minha sobrinha tem sorte de ter você, porque o pai dela é meio
ogro. — Dei um sorriso entredentes para minha irmã, porque sabia que ela
estava louca para fazer uma das suas.
— Você está enganada. Henrique é um pai carinhoso e muito
atencioso. Quando o conheci, nunca imaginei que fosse assim. — Ela me
defendeu arduamente me deixando emocionado.
— Como me imaginou, Hannah? — A pergunta foi mais veloz que
o meu pensamento.
Ela ficou vermelha e muda, mas minha irmã não perdeu tempo.
— É mesmo Hannah, como o imaginava? Fiquei curiosa agora. —
Todos da mesa olharam para ela. Para deixá-la mais confortável, fiz uma
brincadeira.
— Aposto que me imaginou barrigudo. — Ela deu um sorriso
genuíno, me deixando encantado.
— Na verdade, já tinha visto algumas fotos na sua casa, Priscilla,
mas confesso que a primeira impressão foi de um homem bravo, meio
bruto. — Minha irmã deu uma gargalhada, fazendo Lara se mexer no colo
de Hannah.
— A definição perfeita para meu querido irmão. Só errou em uma
coisa, querida. Ele não é meio bruto, mas inteiro. — Eu ri para ela
mostrando meu dedo do meio.
— Oras, capitão, se bem me lembro você me repreendeu no dia que
fiz o mesmo com você. — A garota foi cirúrgica ao me repreender pelo
meu gesto.
— Uau, espera aí, me conta esta história direito, Hannah. Você
mandou o capitão para aquele lugar? — disse e deu uma gargalhada.
— Digamos que foi por tabela — expliquei a minha irmã.
Contei sobre o dia em que ela me mandou para aquele lugar. Entre
brincadeiras e provocações o clima ficou mais leve. Já era tarde da noite
quando resolvemos ir embora.
Colocamos Lara em sua cadeirinha e saímos rumo a minha casa. A
conversa de Priscila não saía da minha cabeça, precisava perguntar sobre o
tal admirador secreto antes de qualquer outro passo com Hannah.
— Este não é o caminho da minha casa, Henrique. — Fiquei em
silêncio por alguns minutos até tomar coragem de colocar minha mão sobre
a dela que descansava em sua coxa.
— Eu gostaria que você fosse para minha casa, Hannah. Preciso
conversar com você. — Ela me olhou curiosa, mas não disse nada, só
balançou a cabeça concordando.
Dirigi em silêncio, somente ouvindo Perfect de Ed Sheeran.
Algumas vezes conseguia vê-la me olhando por minha visão periférica, mas
preferi chegar em casa para falar qualquer coisa.
Colocamos Lara no berço e logo depois, segurei sua mão e
descemos para a sala. Hannah não recusou meu gesto e me acompanhou.
Sentamo-nos no sofá, eu puxei o ar com força e fiz a pergunta que estava
me deixando doido.
— Hannah, sou um homem quebrado, complicado, cheio de
cicatrizes de batalha. Nada em minha vida foi fácil, mas algo vem
acontecendo comigo e não quero me machucar mais uma vez. Então não
vou fazer rodeios. Quero saber se você tem alguém? Estas rosas de hoje
significam alguma coisa? — Ela ficou me olhando sem dizer nada, me
deixando mais nervoso. — Desculpe, você deve estar me achando louco,
não é da minha conta, acho que... — Fui surpreendido por Hannah que
avançou sobre mim e me beijou.
Sua boca quente e macia, seu corpo encostado ao meu me fez
renascer. Tomado por uma emoção avassaladora, eu a acolhi em meus
braços e mostrei a ela o quanto eu estava envolvido. Fomos aprofundando
cada vez mais nossas bocas em um ato tomado de desejo reprimido.
Ela se afastou um pouco e me olhou com a boca ainda inchada do
nosso beijo insano.
— Eu não podia esperar mais. Desculpe, mas eu não me arrependo
de ter te beijado — disse com respiração ofegante.
Pensei em falar algo, mas talvez um ato fosse mais importante
naquele momento que palavras. Eu avancei para cima deitando meu corpo
sobre o dela no sofá. Voltamos a nos beijar de forma intensa. Minhas mãos
passeavam pelos seus cabelos, braços, cintura, mas me segurei para não ser
invasivo demais.
Hannah me puxava para ela como se aquele fosse o último dia de
sua vida, enquanto eu estava tentando organizar o turbilhão de emoções em
meu peito. Eu a desejava de muitas formas, mas precisava ir devagar por
mim e por ela.
Eu estava rompendo as minhas certezas em relação ao celibato, após
a morte da Laura. Além disso, ela era virgem, não merecia sua primeira vez
de qualquer jeito. Aos poucos fui diminuindo a intensidade dos nossos
corpos, a beijei na testa, no rosto, na boca até nos encararmos. A imagem
dela com as pupilas dilatadas e a face vermelha me deixou arrebatado.
— Você é linda, Hannah. Eu vinha tentando lutar com meus
sentimentos por culpa ou medo, não sei dizer ao certo. Quando chegou no
meu carro toda linda segurando aquelas rosas, percebi que estava perdendo
a oportunidade de tentar ser feliz de novo.
Ela passou seus dedos delicados em meu rosto, fazendo o contorno
da minha boca, olhos, nariz, me deixando nocauteado com seu jeito meigo.
— Henrique, desde a primeira vez em que te vi, fiquei rendida por
você. A cada dia era mais difícil te ver e não poder te tocar, mas você não
me via como mulher e isto me matava — falou com voz rouca.
— Desculpe se te causei este sentimento, linda. Saiba que você é
muito mulher. Eu estava cego pela dor, Hannah.
Ela colocou seu dedo sobre meus lábios e voltou a me beijar. Seus
toques eram doces, delicados e deixava um rastro de desejo sobre minha
pele. Eu pensava que estar com outra mulher depois de tanto tempo seria
algo difícil, complexo, mas com ela tudo parecia fácil.
O olhar dela era de puro êxtase. Nossos corpos se encaixaram de
forma natural, mas eu precisava frear meus impulsos. Hannah merecia uma
primeira vez inesquecível. Porém, ela não estava determinada a facilitar
minha vida. Gemia ofegante embaixo de mim, suas mãos passeando pelo
meu corpo, arranhando minhas costas, só me faziam querer mais.
Cedi ao desejo e só deixei acontecer. Mesmo tentando me conter, o
tesão falava mais alto me fazendo cometer atos mais ousados. Alisei suas
coxas subindo meus dedos até sua calcinha e contornando toda a lateral da
pequena peça.
As reações dela respondiam de forma positiva e resolvi proporcionar
a ela um momento de prazer. Coloquei minha mão dentro da sua calcinha
alisando seu sexo de forma lenta, passando a ponta do meu dedo em suas
entradas.
Estávamos quase fazendo uma loucura quando ouvimos um
chorinho vindo do segundo andar. Saí de cima dela e dei a mão para que ela
levantasse.
— Acho que Lara está com ciúmes do papai. — Ela me olhou
corada com olhar travesso e deu uma risadinha.
— Meu coração é grande, tem lugar para as duas. Vamos lá ver o
que nossa pequena precisa. — Subi para o quarto, enquanto Hannah foi a
cozinha preparar a mamadeira dela.
Estava feliz como não me sentia há muito tempo. Quando cheguei
próximo ao berço, vi minha pequena sentada choramingando passando seu
paninho no rosto. Eu tirei a pequena do berço e conversei com ela.
— Ei, mocinha, o que foi? Estava sonhando?
— Papa, dedera. — Cada vez em que minha pequena falava, meu
coração perdia algumas batidas.
— Está com fome, filha? A tia Hannah já está chegando com sua
mamadeira. Vem no colo do papai. — Mal falei e ela apareceu na porta com
o leite de Lara nas mãos.
Minha pequena estendeu a mãozinha para receber sua mamadeira.
Hannah a entregou e meu Pedacinho do Céu começou a chupar seu leite
com olhinhos piscando de sono.
Depois do ritual do lanchinho da madrugada, ela adormeceu em meu
colo e eu a coloquei no berço. Hannah e eu ficamos nos olhando de forma
intensa. O desejo foi crescendo e decidi que se ela quisesse, aquele seria o
momento perfeito.
Como ela não fez nenhum movimento para sair do meu quarto,
passei a mão em seus cabelos e a puxei para um beijo. Nossas bocas
começaram a se consumir como se fosse impossível parar. Minhas mãos
começaram a explorar seu corpo como se tivesse vida própria.
Estávamos chegando ao meu limite, não teria mais volta se
continuasse. Com a respiração ofegante, segurei seu rosto e encostei a testa
na dela para fazer a pergunta mais importante daquela noite.
— Hannah, meu corpo está queimando pelo seu, mas posso esperar.
A decisão é sua. O que deseja fazer? — Ela me olhou de forma intensa
fazendo suspense antes de falar.
— Quero ir para o meu quarto, Henrique. — Confesso que me senti
frustrado com a resposta dela, mas fui surpreendido por sua mão na minha.
— Ei, calma aí, capitão. Você entendeu errado. Só não quero ter minha
primeira vez ao lado de sua filha dormindo no berço. Vem comigo, capitão
Estevão, me faça sua mulher.
Meu coração acelerou de tal forma me fazendo puxar o ar com mais
força. Não esperava aquela resposta. Uma mulher decidida a me levar ao
paraíso e me ajudar a recomeçar.
Capítulo 30

Sequestrada

Não imaginava ver tanto brilho nos olhos do meu capitão e


tampouco a coragem aflorada em mim. Eu o queria há muito tempo,
sonhava com o momento dele me enxergar.
Henrique era um homem íntegro, educado e lindo. Desde o primeiro
contato com ele, eu sabia que assumiria um risco de me quebrar. Porém,
não tinha volta, estava disposta a correr perigo em seus braços.
Quando a irmã dele me chamava para ajudar com Lara, eu sentia
algo diferente junto àquela bebê. Nunca me esqueço do dia no qual Priscila
me contou a história de seu irmão. Chorei como se o conhecesse de longa
data.
Na pequena distância naquele corredor entre os dois quartos um
filme passava em minha cabeça. A ansiedade corroía minha alma
antecipando a emoção de estar nos braços do homem desejado.
Abri a porta do quarto e o puxei para dentro. Ele estava atrás de
mim e fui tomada por braços fortes. A boca dele no meu ombro me dando
pequenas mordidas e beijos, me fez sorver o ar com força para o pulmão.
Senti a dureza de sua ereção encostada em mim fazendo meu estômago
ondular.
— Você é linda. Quero te fazer a mulher mais feliz do mundo,
Hannah. — Virei para ele indo de encontro aos seus lábios.
Comecei a beijar aquele homem como se o mundo estivesse
acabando. Ele respondeu meus movimentos demonstrando o quanto me
queria. Empurrei de leve seu ombro fazendo com que ele me olhasse.
— Henrique, eu quero você como nunca quis nada na vida.
— Você me tem, Hannah. — Ouvir aquelas três palavrinhas, me
deixou em êxtase total.
Voltei a engolir sua boca com volúpia, enquanto minhas mãos
deslizaram pelo corpo forte daquele homem. Passei minhas unhas em suas
costas mordendo de leve seus lábios. Eu estava pura ousadia, tamanho o
meu desejo por ele.
Percebi o quanto ele estava fazendo forças para ir devagar, afinal de
contas, era minha primeira vez. Porém, eu desejava de forma insana sexo
selvagem.
Não queria Henrique contido. Desejava despertar um incêndio
dentro daquele homem e a única maneira de conseguir o que eu queria era
sendo ousada. Muitas mulheres só conseguem fazer sexo oral depois de
certa intimidade, mas eu estava pronta para o ato.
Depois de ler o livro Experimento da autora nacional Ariane
Fonseca aprendi muito. O mocinho viveu vinte e cinco anos preso em um
laboratório e quando saiu se apaixonou pela biomédica que o salvou. Ela
ensinou passo a passo de uma relação sexual para ele. Desde então, só
pensava em fazer tudo aquilo com o capitão.
A curiosidade de tê-lo em minha boca vinha de longa data. Sem
pedir permissão comecei a beijar seu ombro, depois fui descendo a boca por
seu peito, abdômen perfeito e lambi seus gominhos de forma lenta.
Sentindo uma liberdade inovadora, tomei frente para realizar minhas
curiosidades.
— Sente-se, capitão, quero tentar algo — disse com um tom de
autoridade no assunto.
— Seu desejo é uma ordem, Senhorita Salva Vidas. — Ele me olhou
de forma sedutora e dei um sorriso questionador para ele. — Sim, Hannah,
eu estava me afogando em minha dor e você me resgatou.
— Quero experimentar tudo que sonhei com você, capitão. —
Estava me sentindo levada e poderosa.
— Só preciso te dar um aviso, Senhorita Salva Vidas. Eu sou
bastante territorial com o que é meu e a partir dessa noite, você se torna
minha mulher.
— É tudo que sempre sonhei, capitão. — Ele enfiou aquela mão
grande em meu pescoço e me deu um beijo reivindicador.
Abri seu zíper devagar, pois precisava conseguir me concentrar em
respirar. A antecipação pelo que estava por vir, me deixava agitada e tonta.
Quando vi o tamanho daquele membro duro a minha frente, levei
um susto e a coragem deu uma diminuída. Minha mão começou a tremer e
toda a ousadia quase foi embora, mas eu estava determinada a ir em frente.
Segurei aquele pinto lindo e comecei a lambê-lo devagar.
Henrique puxou o ar com força, suas mãos deslizaram pelos meus
cabelos e eu me concentrei no meu plano. Explorei cada centímetro de pele
até colocá-lo todo em minha boca. Chupar aquele homem me pareceu algo
natural, como se eu estivesse no lugar destinado a mim.
Ele empurrou minha cabeça em movimento de vai e vem fazendo
meu útero contrair. Amei perceber o quanto eu tinha poder. Henrique
contorcia em minhas mãos até não aguentar mais e me puxar para cima da
cama.
— Vem cá, Perigosa. Eu vou dar um trato em você. — Ele me
deitou de barriga para cima e voltou a me beijar. — Sua mão foi descendo
pelo meu corpo até levantar meu vestido e alisar minha coxa.
Toda a coragem de minutos atrás parecia ter desaparecido. Mesmo
querendo muito perder a virgindade com ele, o medo começou a tomar
conta de mim. Henrique desceu sua boca até o meu seio mordiscando e
sugando. O ar começou a faltar e sentia tremores pelo meu corpo, pois os
dedos dele brincavam com meu sexo.
Alguns gemidos mais altos saíram do fundo da minha garganta.
Sentir seu hálito quente em mim, seus dentes e dedos em minha entrada
estava me dando uma sensação de preenchimento e plenitude.
Ele começou a fazer movimentos circulares em meu ponto mais
sensível me deixando quase sem ar. Quase desmaiei quando sua língua
chegou a minha entrada me lambendo como se fosse o melhor picolé.
A sensação foi tomando conta do meu corpo de um jeito poderoso
até me fazer explodir em mil luzes coloridas. Eu já tinha me dado alguns
orgasmos embaixo do chuveiro ou das cobertas, mas nada se parecia com
aquilo. Eu me retorci, arranhei Henrique e chamei seu nome. Pedi por mais
e ele continuou me dando tanto prazer... era algo como perder os sentidos.
Ele se afastou por poucos minutos e logo depois ouvi o barulho de
algo parecendo uma embalagem se abrindo. Aquele homem lindo
engatinhou por cima de mim e foi terno como nunca imaginei que ele podia
ser.
— Hannah, prometo fazer esse momento o menos doloroso possível.
Se doer demais me avisa — falou com tanto carinho e me beijou.
Henrique conduziu seu membro para o meu sexo. Não dava para
mensurar o que sentia, mas foi a sensação mais estranha da minha vida. Dor
e prazer ao mesmo tempo. Era como se ver em um precipício, mas se jogar
nele confiante de ser resgatada.
Nossos corpos se moviam juntos buscando nossa libertação. Mesmo
cheio de desejo, ele tentou todo o tempo ser cuidadoso comigo. Aquele
homem me olhava com devoção, deixando-me maravilhada em ver a
emoção em seus olhos. Depois de saciados, caímos na cama ofegantes.
Ele segurou minha mão e beijou cada um dos meus dedos. Seus
lábios tocaram os meus devagar fazendo carinhos pelo meu corpo. Depois
encostou sua testa na minha, puxou o ar e falou:
— Você me trouxe de volta a vida, Hannah. Sem perceber fui
baixando minha guarda e abrindo espaço nos meus dias para sua
companhia. — Meu coração pulava no meu peito.
— Henrique, eu sempre achei que o amor fosse espontâneo e fácil,
mas quando eu te conheci percebi o quanto estava enganada. — Ele deu um
sorriso tímido e eu continuei. — Desde a primeira vez em que te vi, me dei
conta de quanto você era um homem denso, complexo e cheio de cicatrizes.
— E mesmo assim você não fugiu? — disse rindo.
— Não, pelo contrário, a cada dia me sentia mais envolvida —
expliquei olhando em seus olhos.
— Por que não saiu correndo de mim, Senhorita Salva vidas? —
Olhei para ele com a esperança de que pudesse ler os meus olhos.
Ele me beijou e quando nossas bocas se afastaram falei tudo contido
em meu coração.
— Arriscar fica mais fácil quando se tem alguém como você,
Henrique. Alguém por quem vale a pena lutar. Eu sonhava em ser a dona
dos seus sorrisos. — Ele me abraçou, nossas carícias foram se
intensificando e voltamos a nos amar.
Naquele momento, percebi como aquele homem precisava voltar a
acreditar no amor para se curar. E se ele necessitava, eu estava disposta a
dar o remédio no tempo dele.
Depois da nossa primeira noite juntos não nos desgrudávamos mais.
Henrique queria me levar para sua cama, mas eu não me sentia bem no
quarto de Laura. Com muito cuidado expliquei meus motivos e ele
entendeu.
Duas semanas depois de nossa conversa, fui surpreendida por ele.
Quando cheguei em sua casa, me deparei com seu quarto todo diferente. O
grande capitão Estevão era capaz de gestos tão carinhosos. Tudo estava
mudado em seu quarto. Papel de parede, móveis e acima da cama nova
havia um quadro com uma foto preto e branco nossa junto com Lara na
piscina de bolinhas. As lágrimas vieram sem controle, não esperava uma
surpresa como aquela.
— Agora você não tem mais motivos para não dormir comigo,
Hannah. — Voei em seu pescoço e o beijei. Lara estava em pé no seu berço
e começou a bater palminhas e gritar.
— Papa, titi, papa, titi. — Fomos até ela, a tiramos do bercinho e
ficamos os três abraçados juntos, nos embalando na melodia da paz. Aquela
garotinha era nosso maior tesouro.
Os dias com Henrique foram se ajeitando. Ele insistiu até que eu
aceitasse dormir com ele nos fins de semana. A cada dia eu estava mais
apaixonada, envolvida e vivendo em função dos dois. Nada me deixava
mais feliz do que ser confundida com a mãe de Lara.
Ela estava linda, crescendo e se desenvolvendo com rapidez. Nós
tínhamos uma rotina muito agradável. Todos os dias eu, ela e Henrique
tomávamos nosso café da manhã juntos e depois que ele saía para trabalhar,
nós duas íamos passear. A pequena adorava brincar comigo no parquinho
do condomínio.
Era só mais uma manhã de sol quando um carro em alta velocidade
parou perto de onde nós estávamos. Quase desmaiei quando vi Gustavo
saindo da porta do carona feito um louco e vindo em minha direção.
Tentei gritar para chamar atenção das pessoas, mas ele foi mais
rápido em tapar minha boca com um lenço. Entrei em pânico quando
comecei a perder os sentidos, só tive tempo de ver Lara chorando e o
mundo apagou.
Capítulo 31

Não posso perder você

Estava em uma reunião de oficiais quando vi a tela do meu celular


acender com o número do porteiro do meu condomínio. Pedi licença ao
meu comandante dizendo precisava atender a ligação.
— Alô, senhor Antônio, aconteceu alguma coisa? — A respiração
do homem estava acelerada a ponto de ouvir pelo telefone.
— Capitão Estevão, aconteceu algo assustador com a menina
Hannah, não sabemos o que fazer. — Ouvi o choro da minha filha ao fundo
e meu coração disparou.
— Por que Lara está chorando?
— Ela está bem, capitão. Só está assustada porque viu Hannah
sendo levada por um carro preto. O sequestrador desceu no parquinho e
pegou a garota. — Não esperei mais nada, apenas peguei minha carteira,
chave do carro e saí falando no telefone. A cada minuto perdido podia
colocar a vida de Hannah em risco.
— Como ele entrou no condomínio? — disse tentando controlar
meus nervos.
— Ele parou o carro na chancela, eu saí para pedir a ele seus
documentos e fui agredido perdendo a consciência. Acordei sendo
socorrido pelo morador que viu tudo acontecer. A esposa dele está com sua
filha, capitão, ela está bem, só assustada. — Perguntei ao porteiro as
características do elemento e tudo levava a Gustavo.
Informei a ele que estava indo para o condomínio e terminei a
ligação. Meu coração estava em tempo de sair pela boca, mas precisava me
manter calmo para pensar qual a melhor estratégia. Lembrei-me do relógio
de Hannah ele tinha o rastreador conectado ao meu celular, era só entrar no
mapa.
Liguei para meu amigo da civil, dei o nome completo do Gustavo e
pedi para verificar se ele havia sido solto, pois não fui avisado. Não
demorou dez minutos e recebi uma ligação informando sobre a fuga do ex
de Hannah.
Assim que cheguei no condomínio, me deparei com a agitação
próximo a recepção. Muitos moradores curiosos para entender o que tinha
acontecido. Saí do carro indo em direção a esposa do vizinho que estava
com Lara no colo.
— Papa, nenê qué titi. — Meu coração partiu, pois, minha filha
novinha e vivenciando uma cena de violência como aquela.
Roberto, o vizinho salvador da minha filha me contou o ocorrido.
Ele estava na janela de sua casa quando presenciou o carro parando em alta
velocidade na pracinha.
— Capitão, ele parecia estar drogado. Foi até Hannah e a levou
desmaiada para o veículo preto. Consegui anotar a placa do carro. — Assim
que me passou o número enviei para nossa central de comunicação.
— Obrigado pela iniciativa. Tem algo mais para contar? — O
homem olhou para Lara no meu colo consternado.
— Sua filhinha estava brincando na areia e foi deixada sozinha. Eu e
minha esposa corremos para resgatá-la. — Enxerguei vermelho com todas
aquelas informações.
— Eu não tenho como agradecer. Agora preciso tomar algumas
providências. — Acionei o aplicativo de rastreamento do meu celular e
esperei alguns minutos enquanto fazia a busca pelo dispositivo inserido no
relógio de Hannah.
Enquanto o meu telefone localizava o rastreador, pedi o celular do
meu vizinho emprestado e liguei para meu comandante relatando o ocorrido
e pedindo apoio. O desespero estava começando a vencer meu lado racional
quando o aplicativo localizou Hannah.
Ela estava há quase vinte quilômetros do meu condomínio. Passei as
coordenadas para o comandante e pedi um favor a Roberto e sua esposa.
— Eu sei onde ela está. Vocês podem cuidar da Lara? — A mulher
dele pegou minha filha que abriu a boca a chorar.
— Calma, Pedacinho do Céu, papai vai buscar a tia Hannah. — Ela
continuou choramingando e falando.
— Titi... Papa...Titi...
Consegui sair deixando minha filha mais calma. Eu conhecia bem o
local onde o rastreador apontava o paradeiro daquele infeliz. Era uma
fábrica abandonada de tecidos, ficava nos arredores da cidade e não tinha
nada por perto além das rodovias.
Durante todo o percurso fui pedindo a Deus para protegê-la.; Não
daria conta de perder mais ninguém na vida. Eu estava dirigindo em alta
velocidade, a viatura voava pela rodovia sentido ao local.
Desliguei o giroflex da viatura quando estava me aproximando,
precisava do elemento surpresa. De longe vi o carro preto estacionado ao
lado da fábrica. Eu só tinha uma certeza: se ele tivesse tocado em um fio de
cabelo de Hannah eu o mataria.
Estacionei a viatura, tirei minha arma do coldre e entrei no local sem
fazer barulho. Ouvi a voz da minha mulher pedindo a ele calma, enquanto
ele ria e gritava como um louco.
— Cala a boca, sua puta. Você vai me chupar como faz com o
policial de merda. Qual seu problema comigo? Eu só te amei, sua piranha.
— Ouvi um barulho semelhante à de um tapa e acelerei meus passos.
Eu a vi em um cômodo ao fundo, ela estava amarrada em uma
cadeira, com sua blusa rasgada aparecendo o sutiã e seu rosto sangrava na
altura dos olhos. Meu sangue ferveu quando ele deu outro tapa em seu
rosto. O antigo Kamikaze que destruía no clube de lutas clandestino voltou
em mim. Sem esperar o reforço chegar parti para cima daquela idiota. Eu
era muito maior e treinado para matar. Ele não passava de um verme
drogado e sem limites.
Como ele não esperava minha chegada, me joguei em cima dele
com socos certeiros. Gustavo tentou revidar, mas eu não dei nenhuma
chance a ele. Estava quase o matando quando meus amigos policiais
chegaram, mas eu estava feito um trem desgovernado.
— Saí de cima deste merda, Henrique. Ele não vale a pena. Vamos
jogar ele no buraco e deixar apodrecer na solitária. — Não queria parar,
meu desejo era matá-lo. Continuei o socando e só parei quando ouvi a voz
fraca da Hannah.
— Henrique, por favor...— Na mesma hora saí de cima daquele saco
de pancadas e corri para a cadeira onde minha mulher estava amarrada.
Soltei as cordas, tirei a minha camisa da farda e tampei seu corpo.
Ela tentou ficar de pé, mas suas pernas não suportaram seu peso. Eu a
carreguei para fora daquele lugar fedendo a mofo e poeira. Hannah tinha
sangue no rosto, pernas e braços esfolados, como se tivesse sido jogada no
asfalto.
O local ficou cheio de viaturas da militar e civil, além de uma
ambulância do SAMU. O médico veio ao nosso encontro com uma maca e
a colocou com cuidado sobre ela. Hannah tremia e chorava sem parar.
Estava com a mão agarrada ao meu braço me pedindo para eu não me
afastar.
Entreguei a chave da viatura a um dos policiais e entrei na
ambulância com ela. Os profissionais fizeram os primeiros procedimentos e
partimos rumo ao hospital. No caminho eu fazia carinho nela, enquanto ela
chorava e tremia.
— Henrique, cadê a Lara? Ela ficou sozinha. Eu não queria
abandoná-la, mas ele me levou a força...
— Psiuuuu... está tudo bem com ela. O nosso vizinho viu tudo e ela
não ficou só, eles a resgataram.
— Ele ia me matar, Henrique. Graças a Deus você me achou.
— Eu vou sempre te achar, meu amor. Agora tenta se acalmar, por
favor. — Ela apertou minha mão e continuou chorando baixinho.
Aquele filho da puta a machucou, marcou sua alma e eu ia fazer de
tudo para ele apodrecer na cadeia. Daria um jeito dele não sair de lá.
Os dias após o atentado não foram fáceis. Dediquei todo meu tempo
livre a ela, mas eu via medo em seus olhos. Pesadelos atormentavam sua
noite. Mesmo com muita resistência, ela aceitou acompanhar minha irmã a
uma psicóloga especializada em estresse pós-traumático. No início da
terapia, Hannah permanecia dentro de casa, se assustava por qualquer
barulho, mas a presença de Lara ajudava a distrai-la.
Aos poucos a terapia foi fazendo efeito e nossa vida se ajeitando.
Lara estava cada dia mais esperta, falando várias palavras e correndo pela
casa. Depois de muitos beijos e sorrisos babados, Hannah parou de resistir,
se entregou ao amor e aceitou morar conosco.
Dormir e acordar com Hannah todos os dias era como voltar ao
paraíso.
Capítulo 32

Anos depois

Três anos se passaram do dia mais triste da minha existência. Não


foram momentos fáceis, mas ali parado no altar esperando as duas mulheres
da minha vida, cheguei à conclusão de que o amor era capaz de realizar
grandes proezas.
Eu estava perdido na escuridão e envolto em sombras, mas um
pedacinho de gente aos poucos foi me resgatando do buraco no qual eu me
encontrava.
Às vezes me recordava de tê-la rejeitado por quase três meses e me
martirizava, mesmo com Lara e minha irmã sempre tentando me livrar da
culpa. A atitude maluca da minha irmã de deixar minha filha aos meus
cuidados sem se preocupar se eu dava conta ou não, me fez acordar para as
futuras consequências da minha inércia.
Passei por noites longas e traiçoeiras, onde tudo me levava a desistir.
Fui resgatado por um anjo de luz e minha vida foi voltando ao eixo. A
chegada de Hannah a minha casa, me deu segurança para acreditar em dias
melhores. Aquela garota atrevida, topetuda e linda, aos poucos foi
ganhando espaço até me fazer enxergá-la como mulher.
Eu estava muito emocionado naquele altar. Minha irmã ao meu lado
era a minha fortaleza. Priscilla nunca me deixou, até mesmo quando ela
também era criança e vítima da violência do meu pai. Sempre
permanecemos juntos. Meus pensamentos estavam vindo todos de uma vez.
— Queria saber todos os pensamentos que estão aí nesta cabecinha.
Consigo ver a fumaça daqui. É seu casamento irmão, dia de estar feliz.
Puxei o ar emocionado e esbarrei o meu ombro no dela em um ato
de carinho.
— Eu estou muito feliz, Priscilla. Só estou emocionado e
relembrando todo o meu percurso até este altar. Só consegui por você,
obrigado irmã. — Ela me deu um tapa de leve no braço e limpou algumas
lágrimas intrusas em seu rosto.
— Não me faça chorar. Vai borrar minha maquiagem. — Saímos do
nosso momento remember quando a música começou a tocar.
Meu coração disparou de tal forma que precisei me concentrar no
ato de respirar. Eu estava com minha farda de gala e todos meus padrinhos
também. Meus amigos eram todos da polícia e cada um que passava por
mim fazia uma gracinha.
Logo depois vieram os padrinhos de Hannah. Eles eram alguns
amigos da universidade e parentes de Minas Gerais. Assim que eles se
organizaram em seus lugares, foi a vez da minha princesa vir com seu
vestido de noivinha.
Ao ver minha pequena de quatro anos jogando pétalas pelo corredor
da igreja com seus cachos ruivos, me emocionei demais. Eu nunca tinha
chorado em público, mas não consegui segurar as lágrimas que desceram
livremente pelo meu rosto.
Lara conseguiu repetir o ensaio até o meio da igreja, mas não deu
conta de continuar no ritmo lento combinado e veio correndo para o meu
colo. Toda a igreja ficou encantada com tanta fofura.
Quebrando todos os protocolos, fiquei com minha filha no colo e
precisei puxar o ar quando ouvi a marcha nupcial. Olhei para a porta da
igreja e meu coração errou todas as batidas. Minha mulher estava linda. Eu
não tinha palavras para descrever tanta beleza.
Hannah veio caminhando de braços dados com seu pai em minha
direção. Nossos olhos não se desgrudavam, dava para ver o amor entre nós.
Quando ela estava quase chegando perto de mim, Lara fez seu show.
— Titia Hannah, tá linda igual eu, né papai? — Todo mundo riu de
sua inocência.
Minha irmã tentou tirá-la do meu colo, mas eu pedi que deixasse,
afinal de contas, as duas eram meu mundo.
— Sim, filha, vocês duas são as mais lindas do mundo. — Hannah
deu um sorriso capaz de iluminar toda a cidade.
Seu pai me entregou sua filha me recomendando nunca deixar de
amá-la. Eu apertei sua mão selando minha promessa.
O padre começou a cerimônia comigo, Lara em meu colo e Hannah
segurando meu braço. Eu estava me sentindo o homem mais completo do
mundo. A hora dos votos foi uma emoção a parte, eu não esperava ver
minha mulher e filha cantando para mim.

Não tenha medo, pare de chorar


Me dê a mão, venha cá
Vou proteger-te de todo mal
Não há razão pra chorar

No seu olhar eu posso ver


A força pra lutar e pra vencer
O amor nos une para sempre
Não há razão pra chorar
Pois no meu coração
Você vai sempre estar
O meu amor contigo vai seguir
No meu coração, onde quer que eu vá
Você vai sempre estar aqui

Por que não podem ver o nosso amor?


Por que o medo, por que a dor?
Se as diferenças não nos separam
Ninguém vai nos separar

E no meu coração, você vai sempre estar


O meu amor contigo vai seguir

Não deixe ninguém tentar lhe mostrar


Que o nosso amor não vai durar
Eles vão ver, eu sei
Pois quando o destino
Vem nos chamar
(Vem nos chamar)
Até separados é preciso lutar
Eles vão ver, eu sei
Nós vamos provar que
Quando eu vi minha filhinha tão pequena, cantando com Hannah a
música do desenho do Tarzan que nós já tínhamos visto mais de mil vezes,
desabei. Chorei todas as lágrimas do meu coração, mas era de alegria,
plenitude. Com certeza eu era o homem mais feliz do mundo.
Meus amigos da polícia me filmaram tudo e eu sabia o quanto eles
iam me infernizar, mas eu não tinha nenhuma vergonha de viver a emoção
da minha alma.
Hannah sorria, cantava com rosto banhado por lágrimas e Lara dava
seu show à parte cantando e dançando com um dos bracinhos no ar. Foi um
momento para a eternidade.
Quando elas acabaram toda a igreja aplaudiu. O padre riu, porque
naquele casamento nada mais seguia o ritual. Respirei fundo porque era
minha vez de fazer os votos.
Olhei para Hannah que estava com Lara no seu colo, dei um beijo
na testa de cada uma e puxei o ar mais uma vez. Eu tinha escrito tudo em
um papel que estava no meu bolso, mas a emoção me fez mudar os planos e
comecei a falar do fundo do meu coração.
— Hannah, tudo o que está reservado para nós, está destinado a nos
encontrar. Quando você chegou em minha vida, trouxe em sua bagagem o
frescor da brisa, a luz da lua e o brilho das estrelas. Eu me encontrava
perdido em sombras, tentando me reconstruir para dar uma vida doce a
minha filha, mas eu sentia pânico. O medo de falhar, de deixar a dor do meu
coração influenciar os dias do meu pedacinho do céu... — Fomos
interrompidos por Lara e sua inocência abençoada.
— Sou eu, a Lara, Pedacinho do Céu. — Todo mundo riu da minha
filha, ela era uma criança espontânea e feliz.
— Sim, meu amor, é você o meu Pedacinho do Céu e a tia Hannah é
o pote de ouro prometido para quem consegue ver as cores do arco-íris. O
nevoeiro passou com sua chegada, meu amor, você é a luz inerrante da
minha vida. Vocês completaram o vazio que existia em mim. Vocês duas
são os meus amores e prometo amá-las por todos os meus dias. — Terminei
meus votos com olhos marejados.
Minha mulher me olhava como se fôssemos só os dois naquela
igreja. Tinha tanto amor em seu olhar... eu não sabia que era possível amar
de novo, mas a prova estava a minha frente.
Quando o padre disse pode beijar a noiva, eu abracei minha esposa
junto de Lara e beijei as duas. Não existia outro jeito melhor de viver...
Capítulo 33

A autora

O capitão Henrique Estevão ainda passará momentos difíceis, mas


faz parte da evolução dele. Nada é por acaso e tudo sempre será para um
bem maior. No fim dessa história tudo será desvendado e então, você
poderá dizer se valeu a pena ou não chegar até lá.
Dois anos após o casamento, ele passeava pelo parque municipal
junto de sua esposa grávida de quatro meses e sua filha Lara. A menina de
cachos ruivos estava encantada com seus balões da Bela e a fera. A criança
era a figura da alegria.
O capitão estava maravilhado, pois tinha acabado de descobrir que
seria pai de um menino. Hannah exibia sua linda barriga em um vestido
soltinho de verão.
A família feliz fazia planos para a festa de aniversário da filha mais
velha, só não imaginavam que nas sombras estavam sendo seguidos.
Esse livro foi um dos mais emocionantes que escrevi e essa família
sempre morará em meu coração.
Vamos a segunda parte da história. Boa leitura!
Capítulo 34

Perdido em Pensamentos

Girei minha cadeira pela milésima vez naquele dia. Minhas


emoções estavam à flor da pele, me deixando inquieto, pois minha mente
era um turbilhão de possibilidades desastrosas. Da janela lateral do meu
escritório, eu vislumbrava o jardim bem cuidado do batalhão. Várias flores
de cores diferentes davam um ar leve aquele lugar.
Olhar a natureza me dava sensação de paz e, naqueles dias, tudo o
que eu mais precisava era pacificar meus pensamentos. Mesmo tendo
dificuldade para manter a serenidade.
Andava pensativo, relembrando o que eu não deveria. Trauma. Uma
palavra pequena, no entanto, com uma carga pesada, capaz de deixar
qualquer ser humano amedrontado. Sempre em alerta. A entrada de Hannah
em minha vida mudou minha concepção de amor.
Percebi o quanto as relações podem ser construídas aos poucos,
constituindo-se um alicerce sólido e seguro. Com minha primeira esposa foi
amor à primeira vista e a morte dela me abalou demais.
Eu me considero um sobrevivente, afinal de contas, na minha
infância e adolescência fui quebrado muitas vezes pela violência doméstica
causada por meu pai. Tudo mudou quando um anjo chamado Laura entrou
em minha vida e remendou os meus cacos. Porém, às vezes, a vida pode ser
cruel e meu caminho foi novamente marcado pela dor. Fui estilhaçado em
pedaços e cheguei ao fundo do poço.
Passei por momentos inimagináveis. A dor rasgou a minha alma.
Vivenciei dias sombrios e falta de fé me acompanharam durante três meses,
mas daquela vez o resgate veio por meio de dois anjos: Lara e Hannah. Nos
dias atuais, meu mundo girava em torno da minha filha, da minha esposa e
do meu filho que chegaria dentro de seis meses. Apesar dos exames ainda
não terem confirmado que meu bebê era um menino, eu tinha certeza de
que era.
Escolhemos o nome Noah caso fosse menino, porque significava
repouso, longa vida e descanso. Estes sentimentos estavam presentes
quando o assunto era relacionado com minha família e a chegada do meu
pequeno.
Todas às vezes em que eu pensava no momento do parto, me
tornava uma pilha de nervos. Mesmo com todo o monitoramento exagerado
no qual eu submetia a gravidez da minha esposa, era impossível não temer.
Para evitar qualquer lembrança do passado resolvemos mudar para o bairro
da Priscila.
Minha irmã ficou muito feliz quando eu disse a ela sobre comprar a
casa que estava à venda na esquina da sua rua, pois ela e Hannah eram
inseparáveis. Meu sobrinho e Lara não se desgrudavam um minuto. Thiago
dizia para todos os coleguinhas da escola que minha filha era sua irmã. Ele
a protegia com dedicação.
Além do meu pânico em relação a gravidez, ainda tinha meu
sentimento de incapacidade por não conseguir rastrear o maldito ex-
namorado da minha esposa. Ele conseguiu fugir do presídio e desapareceu,
virou fumaça.
Empenhei vários homens da inteligência para caçá-lo e nada.
Hannah não sabia da fuga, preferi mantê-la calma. Não queria incomodá-la
na gestação. Joias, celulares, relógios, tudo tinha rastreador, meu pânico de
perdê-la aumentava a cada dia mais. Saí do meu devaneio, quando meu
celular tocou.
— Papaizinho, vai vir almoçar em casa hoje? Mamãe fez aquele
doce que você gosta, esqueci o nome. — Ouvi Lara gritar perguntando a
mãe o nome da comida, ri sozinho esperando-a dizer pudim do jeito errado
dela. — Papaizinho, mamãe fez “pundim”.
Meu coração esquentou alguns graus. Aquele Pedacinho do Cé me
deixava zonzo de tanto amor.
— Vou sim minha pequena, daqui a pouco chego em casa para
comer este delicioso, pu – dim. — Ela deu um sorrisinho quando falei a palavra certa.
— Mamaezinhaaaaaaaaa, o papaizinho já tá chegando. — Ela
desligou o telefone antes que eu pudesse responder.
Lara estava empolgada porque eu a tinha ensinado como falar
comigo no celular. Tudo fazia parte do meu planejamento, caso Hannah e
ela estivessem sozinhas e precisassem de ajuda.
Fechei meus olhos e puxei o ar com força, soltando-o devagar. Fiz
pressão na minha testa, porque eu estava sentindo uma pequena dor de
cabeça. O médico havia me dito que era tensão. Continuei inspirando e
expirando, contando mentalmente de seis em seis, pois aquilo me acalmava.
Acabei me recordando a primeira vez que Lara chamou Hannah de mamãe.
Estávamos em um churrasco na casa da minha irmã. Eu e meu
cunhado cuidávamos da churrasqueira, enquanto as mulheres preparavam
algumas saladas. Quando olhei para o gramado, vi minha pequena
sentadinha no balanço com um jeitinho triste.
— Vigia estes espetos aí meu cunhado, tenho que verificar qual o
motivo daquela crise ali no balanço. — Meu cunhado olhou na direção dela
e balançou a cabeça sorrindo.
— Vai lá capitão, gerenciar conflitos é com você mesmo. — Ele e
Priscilla viviam fazendo chacota do meu jeito militar de ser.
Desisti de explicar que meu treinamento me tornou quase uma
máquina de guerra. Só me humanizei quando as princesas chegaram na
minha vida. Parei em frente a ela e me ajoelhei para olhá-la nos olhos.
— O que aconteceu, Pequena Sereia? — Ela adorava quando eu a
chamava como sua personagem predileta. — Qual o motivo de uma
sereiazinha linda estar tão triste? — Ela levantou a cabecinha e quando
olhou para mim pude ver seus olhinhos marejados. Meu coração chegou a
ficar pequeno.
— Papaizinho, eu estou muito triste, porque minha amiguinha disse
que todo mundo tem mamãe, menos eu. — Senti um baque no peito.
Precisei respirar com calma e pensar na melhor resposta.
Minha filha com apenas três anos já estava sofrendo. Eu a tirei do
balanço e me sentei no gramado com ela no colo. Fiz um carinho em seu
cabelo e coloquei uma mecha atrás da orelha. Levantei seu queixo para que
ela me olhasse nos olhos.
— Você tem sua mamãe. Aquela loira linda das fotos, lembra?
Papaizinho te contou o que aconteceu, não foi? — Ela balançou a cabecinha
visivelmente frustrada.
Eu fui pego de surpresa e não sabia muito bem como sair daquela
situação para amenizar o sofrimento da minha filha. Pensei em dizer a ela
sobre a mãe estar no céu como um anjo olhando por ela, mas eu já tinha
falado aquilo algumas vezes. O momento exigiria alguma resposta mais
palpável, no entanto, fui surpreendido por Lara.
— Papaizinho, eu quero que a tia Hannah seja minha mamãe, aí eu
vou ter duas mamãezinhas, uma no céu e outra aqui na terra. Pode,
papaizinho? — Sem reação. Foi assim que fiquei por alguns segundos,
porém, aqueles olhinhos lindos e espertos aguardavam ansiosos por minha
resposta. Precisei de força para segurar a emoção que tomou conta de mim.
— Claro que pode, minha querida. Acho que a tia Hannah vai gostar
e sua mamãe no céu também. — Ela me deu um abraço apertado, um beijo
babado de bala e ainda com seus bracinhos em volta do meu pescoço disse
em meu ouvido:
— Papaizinho, te amo tanto que até “aperta” meu coração. —
Como um pai poderia se manter durão com tanta fofura? Eu a beijei muitas
vezes na cabecinha e respondi:
— Eu também te amo demais, Pequena Sereia.
— Um amor grandão, papaizinho?
— Sim, gran-dão do tamanho do mar. — Ela se levantou e saiu
correndo pelo quintal gritando:
— Mamãe Hannah, mamãe Hannah. — Do gramado observei minha
esposa sair da cozinha com um pano de prato na mão e me olhou
emocionada.
Eu balancei a cabeça de forma afirmativa e sorri para ela. Hannah
abaixou e pegou minha filha no colo a beijando com emoção. Priscilla veio
para fora ver o motivo da festa e ficou radiante. Lara ainda concluiu o
momento com chave de ouro.
— Tia Pri, eu tenho duas mamães: a mamãe Laura no céu e mamãe
Hannah, aqui comigo.
— Que maravilha, meu amor. Você é mesmo uma garotinha muito
sortuda, tem duas mamães. — Ela ainda estava no colo da Hannah que
estava quase explodindo de emoção. Com as mãozinhas no rosto da mãe,
Lara se declarou:
— Sou mesmo titia, duas mamãezinhas lindas. — Aquele foi um dia
para ficar na história.
Claro que minha irmã tirou muitas fotos do momento, segundo ela,
para ficar registrado para eternidade o dia em que Hannah se tornou
oficialmente mãe da sobrinha.
Saí do meu devaneio e voltei para meu relatório mensal, precisava
terminá-lo antes do almoço. Minha tarde estava comprometida com um
curso de direção perigosa sobre duas rodas. Além de todas as minhas
atividades, ainda gostava de dar aulas para os policiais.
Eu estava cheio de problemas no batalhão com o aumento da
criminalidade e para piorar minha tensão, nada avançava nas investigações
sobre o sumiço daquele maldito. Mesmo com todo o preparo para vivenciar
situações extremas, não o achar estava me desestruturando.
Era como se um tsunami tivesse passado sobre minha vida me
deixado sem ação. A única coisa que tinha a capacidade de me tirar do eixo
era a possibilidade de algo acontecer com minhas meninas.
Eu estava no modo kamikaze. Pronto para protegê-las tão qual um
leão raivoso, mas meu comportamento estava atrapalhando a paz da minha
esposa. Hannah vivia me perguntando o que estava acontecendo e eu não
sabia mais o que inventar. De uma coisa eu tinha certeza: eu acharia aquele
infeliz, mesmo que fosse no inferno.
Capítulo 35

Desassossegos

Deixar minha princesa na escolinha era um dos momentos em que


eu me sentia mais emocionada. Ela sempre entrava, depois voltava
correndo, me dava um abraço e fazia sua declaração mais linda:
— Te amo, mamãe Hannah, grandão igual o mar. — Ela sempre
repetia o jeito do pai falar.
Suspeitava que a pequena Lara acabaria na carreira militar, pois
amava tudo que vinha do capitão. Aproveitei a manhã para visitar minha
cunhada. Priscilla me disse que não trabalharia naquele dia e eu precisava
conversar sobre minhas suspeitas.
Eu andava agoniada com o comportamento do meu marido.
Henrique estava estranho, quieto e quando eu perguntava o que tinha dizia
ser cansaço. Cheguei à casa dela e me deparei com uma farta mesa de café
da manhã.
— Desse jeito vou explodir, cunhada. Se toda vez em que eu vier
aqui e você preparar tanta coisa gostosa, minha obstetra vai me proibir de
visitá-la. — Ela deu um sorriso largo como o do irmão. Eles tinham um
jeito único de sorrir que eu amava.
— Deixa de frescura, mulher! Você nem parece uma grávida, temos
que te engordar. — Balancei a cabeça de um lado para o outro sorrindo, eu
sabia que não escaparia da comilança.
A salada de frutas estava linda. Acrescentei iogurte de cenoura e
mel para começar meu desjejum. Estava na terceira colher, enquanto
Priscila me analisava sem falar nada. Ela era impossível com seu jeito
psicólogo de ser. Mesmo sabendo que algo me incomodava, ela não
iniciaria o assunto, esperava meu tempo.
— Cunhada, eu ando preocupada com seu irmão. Não sei mais o
que eu faço com o Henrique. Ele está com algum problema, mas não se
abre comigo. — Ela acertou o corpo na cadeira, respirou fundo e eu perdi
muitas batidas do coração com receio de ouvi-la.
— Hannah, meu irmão perdeu a esposa na mesa de parto. Como
você acha que ele está se sentindo? — Balancei a cabeça de um lado para o
outro, não era aquilo.
Eu estava com quase quatro meses de gravidez e era cedo demais
para aquele comportamento dele. Tinha certeza de que tinha algo mais.
— Não acho que seja isto. Tem alguma coisa errada o incomodando
e tenho convicção de que não é meu parto. — Minha cunhada chegou seu
corpo para frente e meu fuzilou com o olhar, mas eu não me intimidei.
— Criatura de Deus, o que está passando por esta sua rica
imaginação? Consigo ver a fumaça saindo com seus neurônios trabalhando.
— Abaixei a minha cabeça puxando o ar para tomar coragem de dizer
minhas suspeitas e Priscilla se manteve em seu silêncio irritante.
Expirei todo o ar do meu pulmão e o inspirei de novo de forma
intensa. Sem olhá-la falei tudo de uma vez.
— Eu acho que ele está tendo um caso com aquela sua amiga
psicóloga bonitona que encontramos no shopping. Ela é uma mulher linda,
eu sou sem graça, ainda por cima, a bandida parece ser uma devoradora de
homens casados. Desculpe-me, eu sei que ela é sua amiga, mas aquela
piranha está roubando meu marido. — Quando levantei a cabeça e olhei
para Priscilla, fui obrigada a assisti-la em uma crise de risos.
Sem nenhum controle ela riu até ficar em lágrimas, só parou quando
percebeu minha expressão brava para ela. Fiquei chateada por ela
menosprezar meus sentimentos. Minha cunhada puxou o ar com força,
limpou o rosto e me encarou.
— Desculpe-me, Hannah, mas você só pode estar louca. Meu irmão
nunca te traiu e te garanto que não trairá. Se tem uma coisa que admiro no
Henrique é sua lealdade. De onde tirou uma maluquice desta?
— Muito simples, Priscila, ele vive preocupado, não fala o que está
incomodando e quando transamos parece que tem medo de me quebrar.
— Querida, acalma seu coração. A minha amiga nem no Brasil
está. Há quase três meses ela viajou para um tour pela Europa e depois vai
morar em Londres por dois anos, pois fará doutorado. — Uma sensação de
alívio tomou conta de mim. Aquela mulher sempre me incomodou.
— O que está acontecendo então? Ele não fala comigo, Pri. Eu estou
me sentindo feia grávida. Vou ficar com aspecto de melancia e tenho medo
do parto. — Minha cunhada se levantou, foi para a cadeira ao lado da
minha, segurou minhas mãos e me fez olhar para ela.
— Hannah, você é linda. Meu irmão te ama muito e tenho certeza de
que deve ser algo do trabalho, prometa-me acalmar seu coração. Este
desespero não faz bem para o bebê. Não precisa ter medo do parto. Você é
jovem, saudável e tem uma vida inteira pela frente. O que aconteceu com
minha cunhada foi uma fatalidade, não vai acontecer com você. — Passei a
mão pelo meu cabelo, respirei fundo e olhei para o teto. Estava me sentindo
impotente diante daquela situação.
— Por que ele não fala comigo? Eu sou a esposa dele.
— Henrique é assim, quando está com problemas, se fecha em um
casulo até encontrar uma possível solução. Você precisa entender que, como
Comandante, é acostumado a solucionar problemas, mas o lugar da gestão é
bem solitário. Ele acabou aprendendo a resolver tudo sem pedir ajuda.
Tomei um pouco do suco de maracujá com esperança de me
acalmar. Minha cunhada com sua habilidade de sempre, ficou fazendo
carinho em meu braço sem falar nada.
— Sabe Priscilla, eu nunca aceitei seu irmão me deixar de fora das
decisões. Desde o início mostrei a ele que eu existia e tinha participação na
nossa vida, mas bastou eu ficar grávida para meu marido enlouquecer. —
Priscila me abraçou, beijou minha testa e enxugou uma lágrima que desceu
no meu rosto.
— Querida, ele não enlouqueceu. Só está com medo de te perder. Eu
prometo conversar com aquele cabeça dura e obrigá-lo a voltar para terapia,
senão ficaremos loucas até este bebê nascer. — Terminamos de tomar o
café da manhã e ela me convenceu a ir em uma feira de gestantes que estava
acontecendo no shopping.
Meu ânimo não estava bom para sair, mas acabei me distraindo e
comprando algumas coisinhas para meu bebê. Apesar do meu marido
afirmar ser um menino, optei por cores neutras. Quando terminamos nosso
passeio, voltei para casa um pouco mais animada e com umas ideias
sacanas na cabeça para distrair, meu lindo capitão.
Capítulo 36

Desentendimentos

Depois de uma semana de investigação e nenhuma pista sobre o


paradeiro do bandido, pensei em contratar segurança privada para minha
esposa e filha. Eu só não imaginava ter que enfrentar a terceira guerra
mundial em minha própria casa.
Hannah estava cismada comigo. Segundo ela, eu vivia calado pelos
cantos, com cara de poucos amigos. Eu não podia falar sobre a fuga do seu
ex e principalmente sobre não ter nenhuma pista do canalha. Priscilla
chegou a me contar sobre ela suspeitar de uma amante.
— Irmão, pense em algo para falar com sua esposa, por que ela está
cismada que você tem uma amante. — Cuspi o suco que estava na minha
boca e caí na gargalhada.
— Você está falando sério, Irmã? — Priscilla cruzou os braços e me
olhou séria.
— Muito sério, Henrique. Ela está grávida, insegura se achando feia
e preocupada com você que não fala nada com ela. — Virou o restante do
suco em sua boca e ficou calada.
— Não tem cabimento dela se achar feia. Hannah é linda de
qualquer jeito.
— Então fale isso com ela, criatura de Deus. Converse direito e
conte seus problemas. — Eu a interrompi.
— Como vou dizer para minha mulher grávida que o bandido do ex
sumiu?
— Henrique Estevão, será que não percebeu ainda que sua esposa
não é uma criança? Ela é uma mulher decidida e faz questão de fazer parte
de sua vida. — Respirei fundo e concordei com ela para encerrar aquele
assunto.
— Tem razão, irmã. Prometo me redimir com a Hannah.
Depois daquele alerta da Priscilla, tentei amenizar as coisas. Passeei
com elas à noite no shopping, namoramos até tarde da noite, mas no fundo
minha paz havia sido arrancada de dentro de mim.
Aceitando a sugestão de abrir o coração para minha mulher, pedi a
Priscilla para Lara dormir em sua casa. Precisava ficar sozinho com ela para
aquela conversa.
Resolvi contar sobre a fuga do bandido e sobre os seguranças.
Quando deixei minha Pequena Sereia na casa da Priscilla, fui alertado por
minha irmã sobre a minha ideia de contratar seguranças, mas eu não quis
dar ouvidos a ela.
— Henrique, você precisa relaxar, vai acabar enfartando deste jeito.
Pelo amor de Deus, para com esta ideia fixa de perigo constante. Sua esposa
não vai aceitar viver com vigilância atrás dela. — Levantei-me do sofá
decidido a não ter aquela conversa com minha irmã, porque eu tinha certeza
de que ela ia querer entrar em minha mente.
— Priscilla, deixe comigo, eu convenço a Hannah. — Ela deu uma
risada debochada que me irritou.
— Ai, ai, meu irmão, está se vendo que não conhece sua esposa. Vai
lá, mas depois não diz que não te avisei. Hannah vai te morder. — Peguei a
chave do meu carro na mesinha da entrada e dei uma piscadinha para minha
irmã.
— Mordida de amor não dói. — Virei as costas e saí deixando uma
Priscilla gritando que eu ia quebrar a cara. Não tinha outra saída, era
segurança ou segurança.
Eu e Hannah estávamos tomando sorvete sentados na varanda, após
o jantar. Não parecia que eu era a porra de um comandante de batalhão
especial, pois estava sem saber como começar o assunto.
Olhei para ela toda serena com sua barriguinha linda de quatro
meses, passei a mão no cabelo, enchi meu pulmão de ar e falei de uma vez.
— Meu amor, eu vou contratar seguranças privados para você e para
a Lara. — Ela endireitou o corpo na cadeira, virou lentamente em minha
direção e com um olhar fulminante me respondeu:
— Você não é louco de fazer isso, não é Henrique — Senti minha
narina dilatando e o ar ardendo no meu pulmão.
Fiz um esforço enorme para me manter calmo, porque eu detestava
justificar minhas ações.
— Não “sou louco”, Hannah. Só quero proteção para as pessoas que
mais amo nesta vida. — Ela revirou os olhos e se levantou da cadeira de
forma brusca esquecendo até mesmo da gravidez.
Hannah começou a andar de um lado para o outro a minha frente.
Preferi me manter calado para me preparar para o embate.
— Henrique, presta atenção porque vou falar só uma vez. Eu e Lara
não vamos virar refém de sua loucura, de sua mania de perseguição,
entendeu? — Tentei abrir a boca, mas ela levantou a mão aberta em minha
frente. — Eu não terminei ainda, Capitão Estevão. Eu não me casei para
virar prisioneira e não sou a porra dos seus policiais para aceitar suas
ordens. Este assunto está encerrado. — Sem me dar chance de me explicar,
ela entrou para dentro de casa batendo a porta.
Fiquei boquiaberto com a reação dela. Meu Deus, será que era
difícil entender minha preocupação? Pensei em dizer sobre a fuga do ex,
mas não tive coragem. Não queria preocupá-la. Eu teria que pensar uma
outra forma de protegê-las.
Permaneci sentado na varanda por quase trinta minuto. Precisava
esperar a onça se acalmar. Peguei meu celular e mandei uma mensagem de
texto para minha irmã.
Irmão:: Boa noite, sua chata. Como você disse, eu quase fui
mordido.
Não demorou nem trinta segundos e recebi várias carinhas rindo e
claro, ela não perdeu tempo de jogar na minha cara:
Irmã:: Preciso dizer eu avisei?
Respirei fundo, passando a mão umas mil vezes no cabelo.
Irmão:: Melhor não, porque eu posso ir aí e te morder.
Novamente ela me mandou as carinhas irritantes rindo.
Irmão:: Preciso falar sério com você. Meu faro de policial nunca
errou. Aquele filho da puta está armando algo. O que eu faço?
Ela demorou mais que o normal para responder e eu sabia que ela
estava elaborando o pensamento, coisa de psicólogos.
Irmã:: Henrique, vamos ter que agir com calma com sua esposa.
Hannah não faz ideia do risco que está correndo. Seria prudente você contar
a ela que o ex fugiu. O que acha?
Irmão:: Já pensei nisto, mas fico com medo de prejudicá-la na
gravidez. Irmã, você não tem noção de como estou me sentindo impotente
por não conseguir achar este maldito.
Irmã:: Claro que tenho, te conheço, esqueceu? Olha, eu me posso
me arrepender de te dizer isto, mas se for acalmar seu coração, coloque
alguém vigiando sua casa e fazendo a segurança delas de longe, sem que
sua esposa perceba. Só tome cuidado, porque se ela descobrir mata nós
dois.
Irmão:: Você tem razão. Esta é uma boa saída.
Irmã:: Eu sempre tenho razão, meu irmãozinho.
Irmão:: Vai se ferrar, Priscilla.
Irmã:: Te amo também, rsrsrs vai lá dar uns beijos em sua mulher.
Boa noite!
Irmão:: Boa noite. Obrigado, irmã, te amo também.
Irmã:: Eu sei rsrsrs
Priscila era terrível, ela sempre tinha que dar a última palavra. Seu
eu insistisse em mandar mais uma mensagem, iríamos ficar até meia-noite
disputando quem terminaria o diálogo.
Desliguei as luzes da varanda e entrei para dentro de casa. Tranquei
tudo, acionei os alarmes externos e tomei coragem de enfrentar a ira do meu
anjo.
Quando entrei no quarto, me surpreendi. Hannah estava usando um
roupão rosa que tinha um tecido fino e a deixava deliciosa. Ela me olhou
intensamente e sem dizer uma palavra estendeu a mão me conduzindo até o
banheiro.
A banheira estava preparada para uso, cheia de espuma e com um
cheiro delicioso. Ainda em silêncio foi me despindo de forma torturante.
Ela tirava uma peça e me beijava devagar em cada espaço onde o pano saía
do meu corpo. Tentei falar algo, mas Hannah colocou seus dedos sobre
meus lábios.
— Só sinta, meu amor. Eu vou cuidar de você. — Perplexo. Esta foi
a melhor palavra que encontrei para definir meu sentimento.
Não esperava aquela recepção depois dela ter quase me batido, mas
minha esposa era uma caixinha de surpresas, nunca agia como eu esperava.
Senti seus lábios em meu peito, no abdômen, nas minhas pernas e por fim,
sua língua passou por toda extensão do meu pau.
Cercados de luxúria, sons e sensações, cheguei ao êxtase. Tentei
pará-la, mas ela estava decidida a me enlouquecer.
— Caralho, mulher, você ainda será a minha perdição. — Ela
levantou a cabeça e me olhou com cara de safada.
— Eu sou salvação, capitão. — Acelerou os movimentos me
sugando de forma selvagem, até eu derramar todo o meu prazer em sua
boca.
Mesmo sem conseguir respirar direito, eu a trouxe para mim e beijei
seus lábios que ainda tinha o meu gosto. Aquilo me fazia sentir o dono do
mundo. Segurei seu rosto com as duas mãos e rosnei na boca dela.
— Você é minha e eu sou seu, entendeu? Não há mais espaço para
nenhuma outra. — Hannah puxou o ar com uma respiração entrecortada e
sussurrou.
— Você é meu, capitão e não ouse olhar para outra mulher. Não se
esqueça que dorme comigo, posso cortar seu pau. — Aquele era um
momento sensual, mas acabei dando uma risada.
— Pode deixar, deliciosa, meu pau é só seu.
— Acho bom, meu Capitão. — Peguei nela no colo e encerrei
aquela conversa ciumenta.
— Agora chega de conversa, porque quero foder você. — A safada
deu um sorriso levado e ainda me provocou.
— Estou esperando, capitão Estevão.
— Ahhh, Hannah, o que faço com você?
— Me fode com força, Henrique. Eu só estou grávida, não doente.
— Puxei o ar pela boca e entendi a mensagem implícita na fala dela.
Entrei na banheira com ela em meu colo, me sentei e a coloquei com
as costas encostada em meu peito. Beijei seu pescoço de forma lenta, até ela
ficar arrepiada de tesão. Minha língua deslizou devagar no seu ombro,
enquanto minhas mãos massageavam seus peitos que estavam maiores pela
gravidez.
Desci uma das mãos para o meio de suas pernas e comecei a
masturbá-la devagar, em um ritmo que fazia minha mulher enlouquecer. Eu
conhecia cada pedaço dela e sabia como levá-la à loucura.
— Gosta assim, Senhorita Salvação? — falei no ouvido dela e a
resposta foi maravilhosa.
— Ahhhh, ahhhh, sim, assim... — Gemeu rouca.
Não demorou para ela se desfazer em meus braços. Virei Hannah de
frente e com as pernas enganchadas em mim nós fizemos amor, um olhando
para o outro, somente com os sons dos nossos desejos mais profundos.
Como ela queria selvagem, um pouco antes de chegarmos ao ápice,
eu a virei de quatro. Ela apoiou as mãos na banheira e rebolou aquele
bundão lindo para mim.
— Quero foder seu cuzinho, Hannah.
— Forte, capitão, quero forte. — Porra, ela queria queimar meus
miolos.
Enchi a mão com óleo de banho, lambuzei aquele buraquinho lindo
e comecei a entrar devagar. Eu sentia a parede interna dela sugando
apertando meu pau me deixando louco de tesão. Quando senti que ela
estava confortável, comecei a meter como ela queria. Forte e duro.
— Rebola essa bunda linda em mim, deliciosa. — Ela gemeu
falando meu nome e começou a movimentar-se de forma sensual me
levando ao êxtase.
Chegamos a um orgasmo avassalador juntos. Mal conseguíamos
respirar. Eu a trouxe para meu colo e ficamos nos beijando devagar, entre
respirações entrecortadas.
Depois de saciados saímos da banheira e nos deitamos um de frente
para o outro. Com seu jeito doce de menina mulher, ela me convenceu mais
uma vez. Hannah sempre ganhava as batalhas.
— Amor, estou segura. Não quero te ver sofrendo assim. Este seu
medo de nos perder vai fazer você adoecer. Por favor, se acalme. Eu preciso
do meu capitão calmo.
Ela tinha razão. Eu estava perdendo o equilíbrio e deixando todos
nervosos com minha insegurança.
— Meu anjo, eu prometo tentar ser menos controlador. Hannah,
quando se ama alguém como eu te amo, o medo da perda te enlouquece.
— Você não vai me perder. — Ela respirou fundo, segurou meu
rosto e falou séria. — Henrique, eu te conheço e sei que vai tentar colocar
seguranças atrás de mim e da Lara sem eu saber, mas por favor, não faça
isto, estou te pedindo.
Porra, ela sabia me deixar de quatro, eu não ia ter como trair a
confiança dela.
— Está bem, meu amor, não vou fazer isto, mas promete que vai se
cuidar?
A resposta veio por meio de um beijo acolhedor, com gosto de casa
e mais uma vez ela havia dominado a fera em mim.
Capítulo 37

Escola de Bandidos

Comecei a planejar a minha fuga no dia em que conheci o Bola


Sete. Alguns o chamavam de Cachorro Louco. Ele mesmo se intitulava
assim nas brigas quando chegava rosnando feito uma fera raivosa.
O homem vivia como se estivesse andando em uma corda bamba ou
no fio de uma navalha. Nossa amizade começou no dia em que os presos
estavam armando uma cilada para ele. Todos queriam tirá-lo da liderança do
lugar, porque seus métodos não eram nada ortodoxos.
Eu vinha observando a rotina daquele inferno, tentando ser invisível
até descobrir a quem deveria me aliar. Quando descobri o plano contra o
Bola Sete percebi que aquela era minha chance. Contei tudo a ele, mas não
contava que as paredes de uma penitenciária tinham ouvidos.
Fui cercado em uma emboscada na saída do banho de sol e só não
levei uma surra maior porque a gangue que idolatrava o Cachorro Louco
me salvou e legitimou de vez a rotina hierárquica dentro daquele inferno.
Aprendi tudo com ele, principalmente a ter paciência para dar o bote
na hora certa. Minha liberdade foi patrocinada pelo Bola Sete e seus
homens, que além de me colocar fora daqueles muros, me indicaram uma
velha maquiadora especialista em mudar aparências e produzir perfeitos
disfarces.
Deixei de ser o playboy surfista que usava as melhores marcas e
peças mais descoladas, para ser o nerd tímido. Meu cabelo passou de
castanho claro para preto e penteado com gel como se fosse um candidato a
liderar uma igreja.
Meu vestuário se configurava em calças sociais e camisas horríveis
de manga comprida. Para finalizar com chave de ouro, usava um molde
facial parecendo uma segunda pele feito sob medida para mim. Este artefato
me deixava com rosto arredondado e terminando o visual com óculos estilo
intelectual.
Todos os dias pela manhã realizava meu ritual para mudar minha
identidade. Meus documentos falsos diziam que eu me chamava Inácio
Loiola, tinha vinte e seis anos, era seminarista e bom menino. Aluguei uma
quitinete que ficava próxima ao batalhão de operações especiais.
Eu estava sendo patrocinado pelo tráfico comandado pelo Bola Sete.
Não podia aparecer para minha mãe, pois ela achava que eu estava
estudando em Londres. Acompanhava de perto a rotina do poderoso
Capitão que havia se tornado marido da minha mulher e me divertia com o
esforço da polícia para me encontrar.
Nos meus anos de universidade para o crime, sim, porque era isto
que aprendíamos naquele inferno, me tornei exímio entendedor do
funcionamento de ondas de rádio. Tornei-me especialista em invadir
sistema de escuta e dos aparelhos comunicadores.
Na minha sala estava montada uma pequena central com todas as
parafernálias necessárias para interceptar as conversas da polícia. Este era o
serviço que prestava para os homens comandados pelo Bola.
Eu monitorava os passos da Hannah e da menininha catarrenta que
não desgrudava dela. Aquele filho da puta dos infernos havia engravidado
minha mulher, mas se dependesse de mim ela nunca iria colocar os olhos no
bastardinho. Ela teria que esperar para gerar nossos filhos.
Uma tarde eu os estava seguindo e precisei controlar meus nervos
enquanto a família feliz passeava no Parque Municipal. A minha mulher
estava com o homem errado, quem deveria estar junto a ela era eu. Aquele
maldito policial me tirou tudo. Acabou com minha carreira profissional,
perdi minha identidade e o amor da minha vida. Ele ia me pagar por tudo.
Estava disposto a tornar seus dias na terra um verdadeiro martírio.
Cheguei em casa depois de presenciar a felicidade do casal e para
aplacar meu ódio, peguei meu canivete e escrevi o nome de Hannah no meu
antebraço. O sangue descia, enquanto eu permanecia em êxtase. A sensação
provocada ao ver a lâmina cortando minha pele, era de força e vitória.
A minha mulher estava tatuada em minha alma, tudo por ela e para
ela. Depois de terminar minha tatuagem artesanal, experimentei um tesão
desenfreado ao ver o resultado, no entanto, ao começar a me masturbar,
senti raiva, imaginando o capitão a fodendo. Maltratei meu pau até esfolá-
lo. A dor era meu maior combustível para seguir em frente.
Depois de uma noite agitada, resolvi montar guarda próximo à casa
da Hannah. Bastou alguns minutos para eu ver as duas saírem de carro. Eu
as segui até o shopping, estacionei o carro próximo ao dela e acompanhei
todos os seus passos.
Elas estavam distraídas entrando em lojas de bebê, vendo roupinhas
e conversando animadamente com as vendedoras. A pestinha sempre
segurando a mão dela e sendo o centro das atenções. Observando de longe
aquela criatura com jeito de anjo, segurando um coelhinho de pelúcia,
surgiu em minha mente uma ideia maravilhosa para castigar o maldito
capitão.
Sequestrar a garotinha e dar fim nela seria uma grande forma de me
vingar do papaizinho dela. Aquela ideia começou a crescer em mim
enquanto as duas estavam em uma loja famosa e cheia de corredores. Eu
sempre andava a uma distância segura delas, mas resolvi me aproximar um
pouco a ponto de ouvir uma vendedora conversando com a Hannah.
— Sua filha é linda, meus parabéns. — A idiota deu um sorriso que
poderia iluminar um quarteirão.
Eu não conseguia entender aquela alegria uma vez que a bastardinha
não era filha dela.
— Obrigada. Lara além de linda, é boa menina, não é filha? — A
pequena remelenta entrou no diálogo.
— Eu sou a ajudante da mamãe Hannah. Eu vou ter um irmãozinho,
sabia? — A vendedora sorriu e continuou conversando com a remelenta.
— Que coisa boa. Muito bom você ser a ajudante da mamãe. — A
vendedora passou a mão no cabelo da menina e voltou sua atenção para
Hannah.
Enquanto a moça mostrava algumas coisas para a grávida feliz, as
duas ficaram entretidas e para minha felicidade, a garotinha se afastou.
Aquele era o meu momento glorioso de sumir com ela. Andei na direção da
criança e quando seu coelhinho caiu no chão, eu me aprecei em pegar.
— Ei princesa, seu coelhinho caiu, ele ficou triste sem a dona dele.
— Ela me olhou ressabiada, mas eu dei meu melhor sorriso e me agachei
ficando na altura de seus olhos. — Você é uma menininha muito bonita e
aposto que gosta muito de sorvete.
— Eu gosto muito de sorvete, mas não pode comer muito, senão
minha barriguinha dói.
— O tio também gosta muito de sorvete de chocolate e morango. E
você? — Ela colocou a mãozinha no rosto como se estivesse pensando, eu
esperei, pois precisava ganhar a confiança dela.
— De chiclete e morango. — Fiz um carinho em seu cabelo, ela se
retraiu um pouco, mas não saiu de perto de mim. Precisava ser rápido antes
que Hannah sentisse falta dela.
— Qual é o seu nome, princesa?
— Meu nome é Lara.
— Que nome bonito, Lara, vamos tomar um sorvete com o tio? Sua
mãe não vai se importar. — Este foi meu erro. A garotinha arregalou um
olho como se eu fosse um monstro, eu ainda tentei segurar seu braço, mas
ela escorregou feito sabonete e saiu correndo gritando mamãe.
Ainda agachado, peguei seu coelhinho que ficou para trás e saí
rápido da loja antes que a peste me denunciasse. De longe a observei no
colo da Hannah com a cabeça enfiada em seu pescoço. Minha mulher e as
vendedoras olhavam em todas as direções como se estivessem procurando
alguém. Resolvi ir embora do shopping antes que meus planos fossem
prejudicados.
Aquele foi só um dia fracassado, mas em breve o poderoso capitão
receberia uma foto de sua filhinha morta. Era questão de tempo.
Capítulo 38

Premonição

O dia estava atribulado cheio de reuniões táticas e eu estava me


sentindo estranho, angustiado. Passei metade da manhã olhando para o
celular, verificando se havia alguma mensagem de Hannah. Precisei quase
segurar meus dedos para não invadir sua paz com minhas preocupações
infundadas.
A reunião terminou por volta de onze e trinta, resolvi ir até a minha
sala para fazer uma ligação para as minhas meninas. Quando me sentei meu
celular tocou e o rosto da minha linda esposa apareceu na tela.
— Oi, meu amor, estava com o celular na mão ligando para você.
Como estão minhas princesas?
— Estamos bem, não precisa se preocupar. Você vai sair para
almoçar? — Hannah estava com uma voz tensa.
— Aconteceu alguma coisa? — Ela demorou a responder e eu ouvi
a vozinha da minha filha resmungando. — Hannah, o que houve? Lara está
bem?
— Henrique, tem como uma viatura deixar você aqui no shopping?
Estamos bem, eu vim com meu carro, mas gostaria que você nos buscasse.
— Eu sabia que algo estava errado, mas ela não falaria.
— Estou indo, Hannah. Daqui a pouco chego aí. — Saí para
encontrá-las com o coração disparado.
Chegando ao shopping fui direto para o local onde ela me disse que
tinha estacionado o carro. Quando cheguei as duas não estavam lá. Peguei
meu celular e tinha uma mensagem indicando a loja na qual as duas me
esperavam.
Ao me aproximar, vi pela vitrine Lara no colo da Hannah com a
cabecinha encostada em seu peito. Assim que me viu se levantou e veio ao
me encontro com nossa filha no colo.
— O que houve meu amor? Vocês estão bem? — Quase morri do
coração quando a minha pequena passou para meu colo e falou com
olhinhos arregalados:
— O moço mau, queria me pegar, e agarrou meu braço, mas eu
lembrei do que o papaizinho me ensinou e corri para a mamãe. — Puxei o
ar com força para não a assustar mais ainda e principalmente para controlar
meus nervos. Hannah estava com olhos marejados e eu precisei pensar
antes de falar.
— Eu sempre soube que você era uma mocinha muito esperta, agora
o papaizinho está aqui e nada mais vai acontecer.
— Mas o moço mau levou meu coelhinho Sansão... — Lara
começou a chorar de forma sofrida e meu coração se quebrou em mil
pedaços.
Estava sem entender aquela história, mas Hannah tinha feito sinal
para conversarmos depois.
— Não chora, filha, o papaizinho vai resolver isto. Vamos para
casa? A Dodora fez um almoço bem gostoso para nós.
— Eu não quero, papaizinho. Eu só quero meu coelhinho. — Beijei
sua cabecinha e fiz um carinho. Depois falei com a moça da loja que estava
perto da Hannah.
— Senhorita, vocês têm câmeras internas?
— Temos sim, capitão. — Respirei fundo antes de continuar. Meu
coração continuava descompassado.
— Elas permanecem gravadas por quanto tempo?
— Uma semana, senhor.
— Ótimo, mais tarde eu volto aqui. Tudo bem?
— Sim, estamos à disposição, capitão. — Agradeci a moça e saímos
os três da loja rumo ao estacionamento.
Enquanto caminhávamos, eu escaneava todo o ambiente com meu
olhar treinado. Não consegui perceber nenhuma situação suspeita. Não
procuramos pessoas suspeitas, mas comportamentos. Era impossível
terminar um suspeito por características físicas.
Coloquei minha filha na cadeirinha e a prendi no cinto de
segurança. Ela continuava com uma carinha triste. Fiz um carinho em seu
cabelo e falei baixinho.
— Filha, sei que está chateada, mas vamos resolver isso juntos, está
bem?
— Tá bom, papaizinho — disse com voz de choro cortando meu
coração.
Eu estava com muita raiva, mas controlando minhas emoções para
não assustar ainda mais as duas. Sentei-me no banco do motorista, dei um
beijo em minha esposa e saímos do shopping.
No caminho de casa, Hannah permaneceu calada e eu sabia que ela
estava segurando para não chorar. Tentei brincar com Lara, mas ela não
sorriu. Quando chegamos em casa, entrei com Lara agarrada no meu
pescoço com o corpinho tremendo. Eu estava em tempo de enlouquecer por
não poder conversar com Hannah sobre o fato, mas naquele momento nossa
filha era prioridade.
Ela não quis comer nada, só aceitou um suco. Fomos para sala e eu
fiquei balançando meu corpo de um lado para o outro com ela em meu colo.
Cantei a música Coisa linda, pois sempre a acalmou. Quando senti seu
corpinho amolecendo e ela ressonando, a levei para a cama.
Depois fui para nosso quarto onde minha esposa me aguardava.
Bastou eu me sentar ao seu lado para ela desabar em lágrimas. Eu a abracei
apertado e sussurrei em seu ouvido:
— Shiiii... calma, eu estou aqui. Respira amor, ficar nervosa assim
pode fazer mal para você e o bebê. — Entre soluços ela contou tudo com
seu corpo agitado pelo choro.
— Henrique, me desculpe. Eu a perdi de vista por menos de um
minuto enquanto estava vendo algumas roupinhas. A culpa foi minha. Fui
muito descuidada.
— Ei, Hannah, calma meu amor. Nada disso é sua culpa. Você é
uma excelente mãe. O que aconteceu? Se acalme e me conte tudo. — Ela
puxou o ar com força e ainda emocionada começou a relatar o ocorrido.
Meu coração disparava a cada fato narrado, mas usei todo meu
treinamento para me manter calmo, mesmo explodindo por dentro. Ela não
sabia que Gustavo tinha fugido e achava que o “moço mau” poderia ser um
pedófilo, mas eu tinha certeza de que era o infeliz do seu ex.
Depois de ouvir toda a história expliquei que a filmagem da loja e
do circuito interno do shopping ajudaria nas investigações. Ninguém
conseguiu almoçar naquele dia e eu não voltei para o batalhão. Passei o
resto do dia com minha família.
À noite Lara quis dormir em nossa cama e enquanto eu alisava o seu
cabelo, me lembrei da alegria da minha pequena quando cheguei em casa
com o famoso coelhinho Sansão da Mônica. Ela amava a menina esperta
dos quadrinhos. Era uma sexta-feira e eu cheguei do trabalho com uma
caixa enorme embrulhada em presente. Como ela fazia todos os dias veio
correndo me receber na porta e seus olhinhos brilharam quando viu o
embrulho.
— Papaizinho, este presente é da Lara? — Achava uma graça
quando falava dela mesma como se fosse outra pessoa. Às vezes eu
brincava com ela como se fosse uma terceira pessoa.
— O que você acha? Será que esta menina Lara está sendo boazinha
e merecendo um presente? — Ela colocou a mãozinha embaixo do queixo,
olhou para cima com uma expressão pensativa e começou a falar como se
fosse uma adulta.
— Olha papaizinho, acho que esta mocinha está tentando ser
boazinha, mas ela não gosta muito daquela verdura verde. — Dei uma
gargalhada e abracei minha pequena dando muitos beijos. Ela era a
figurinha que iluminava meus dias. Lara não gostava de hortaliças e nós
estávamos empenhados em ensiná-la a apreciar saladas.
Quando a soltei a entreguei o presente e acionei o celular para filmar
sua reação quando visse o amado coelho. Foi a cena mais linda da minha
vida. Ela sorria e as lágrimas desciam no rostinho tamanha a emoção.
Desde aquele dia ela se tornou inseparável do amigo. Ver a tristeza no olhar
da minha filha só aumentava a minha sede pelo desgraçado.
Eu havia conseguido as filmagens do shopping e mesmo não se
parecendo em nada com o foragido, o jeito de andar e o sorriso dele quando
saiu da loja deixou claro para mim sua identidade. Pedi aos meus vizinhos
as filmagens de suas câmeras e consegui encontrá-lo por diversas vezes
perto da minha casa.
Coloquei toda a minha equipe atrás do sujeito, mas sem sucesso. Ele
estava brincando de gato e rato com a pessoa errada. Eu ia caçá-lo até o
inferno.
Os dias após o acontecido foram bem difíceis. Minha esposa se
culpava pelo estado emocional da Lara. Minha filha não se alimentava e
acordava chorando à noite dizendo que o “moço mau” apareceria.
Compramos outro coelhinho da Mônica para ela, mas não adiantou
muito. No quarto dia, Lara passou a ter febre e a levamos a pediatra. A
médica não encontrou nada de errado no exame físico e tampouco nos de
laboratório, inclusive, chegou a indicar um psicólogo infantil, mas foi a
sugestão da minha irmã que resolveu o problema.
Capítulo 39

Novo membro na família

A noite de sexta-feira para sábado foi um pouco menos atribulada


que as anteriores. Depois do medicamento para febre receitado pela médica
e da minha promessa de uma surpresa no outro dia de manhã, deixaram
minha filha um pouco mais animada.
Eu havia combinado com Hannah de sair sozinho com Lara para
visitar uma instituição de adoção de animais. Ela não imaginava aonde
íamos. Era revoltante como as pessoas tinham coragem de abandonar seus
pets ao primeiro desconforto. Como esperado, cedinho ela já estava em
cima da minha cama me acordando com beijos melados.
— Papaizinho, não é hora de dormir mais. Vamossss, levanta pra
gente passear. — Eu continuei com os olhos fechados como se ainda
dormisse só para ouvir aquela vozinha doce como mel me acordando. —
Ohhhhhh papaizinho, senão acordar agora, vai ganhar um monteeeeee de
beijo babado. — Levantei-me em um pulo e a carreguei em cima de mim
enchendo-a de beijos.
O som da gargalhada pueril da minha filha era um poderoso
combustível para minha vida. Observar minha esposa com seu rosto
sonolento e rindo com a cena, só me deixava com a certeza de que mesmo
diante de tudo que passei, eu havia conseguido vencer.
— Eu que vou encher você de beijos babados, garotinha.
— Aiiiii papaizinho, paraaaa. — Hannah com sua barriga linda de
quatro meses nos abraçou e eu comecei a beijá-la com “beijos melecados”.
Depois de nossa pequena festa no quarto, descemos para tomar café e logo
em seguida fomos para a missão adoção.
Assim que entramos à instituição de adoção de animais
abandonados me minha filha viu vários cachorros, deu um sorriso
iluminado como o sol. Olhou para mim com expressão de surpresa e falou
empolgada.
— Essa é minha surpresa, papaizinho? Eu vou poder levar quantos
para casa? — Eu dei uma risada e coloquei limite na mocinha.
— Ei, calma, aí pequena. Você pode escolher qualquer um, mas
somente um. — Ela colocou as mãozinhas na cintura como se fosse a
operação mais difícil do mundo.
A moça explicou que todos tinham sido submetidos a exames e
vacinas, garantindo a saúde dos animais. No canto do cercado, havia um
dálmata deitado com carinha de abandonado. Ao ver o olhar de Lara para
ele, fiz uma prece para que ela não fosse em direção dele.
Foi exatamente o que ela fez e me arrependi de ter falado qualquer
um daqueles. Ela agachou passou sua mãozinha na cabeça dele e olhou para
mim sorridente. Cocei a cabeça apavorado, mas permaneci calado. Não
adiantou todas as minhas orações.
— Papai, quero esse pintado de preto e branco. Ele está tão tristinho.
Precisa de um lar. — A moça da instituição sorriu e a corrigiu.
— Essa. Ela é uma mocinha. — Minha filha deu um sorrisão e a
abraçou.
A responsável pela instituição tinha me garantido que todos eram
dóceis e mansos, pois muitas pessoas entravam todos os dias para uma
possível adoção.
— Lara, tem certeza de que é essa gigante, minha filha? Sua mãe vai
nos matar. — Ela colocou a mãozinha na boca e riu conspiratória.
— Papai, eu quero essa. Ela é menina como e vai ser minha amiga.
Deixa que a mamãe não vai brigar. — Olhei para a moça que sorriu para
mim como quem diz: está ferrado.
Sem como me livrar daquela gigante, assinei os documentos
necessários e recebi a certidão de saúde da cadela. Saímos do lugar com
Lara radiante de felicidade e comigo pensando como acalmar a ira da minha
anja.
Capítulo 40

Um gigante em nossa vida

Nossa casa estava uma zona de guerra desde a chegada de Nininha,


Lara cismou que aquela gigante era pequenininha e por isso o nome. O mais
engraçado de tudo era o tamanho da cadelinha filhote de dálmata, meu
Deus, ela era uma gigante com apenas sete meses.
Impossível esquecer meu susto quando vi os dois chegando da tal
aventura. Henrique e Lara entraram em casa com aquele animal branco,
cheio de manchas pretas e enorme. Eu quase morri do coração, no entanto,
o olhar de felicidade da minha pequena me fez respirar fundo e fazer festa
com ela.
— Mamãeeeee, vem conhecer a Nininha, ela é tãooo pichititinha,
bonita e muito esperta. — Quando recebemos a sugestão da minha
digníssima cunhada, pensamos em um cachorrinho pequenininho e
educado, não em um diabo da Tasmânia.
Enquanto Lara contava sua aventura para Dodora, chamei Henrique
para o quarto, ele tinha que me explicar aquela loucura.
— Meu Deus, Estevão, em breve vamos ter um bebê nesta casa.
Como faremos com este gigante? — Ele fez uma expressão de cachorro
abandonado pelo caminhão de mudança.
Todas às vezes em que o chamei pelo segundo nome, era sinal de
que a coisa não estava boa para o lado dele.
— Hannah, nossa pequena ficou encantada quando o viu naquela
instituição. Quando contei a ela que pessoas más abandonavam seus
animaizinhos, ela queria trazer todos com ela. Precisei de todo meu charme
para dissuadi-la, mas não consegui me livrar da gigante Nininha. — Eu
andava de um lado para o outro respirando fundo tentando me acalmar.
— Você tem certeza de que não incentivou nossa filha a fazer isto?
Eu te conheço Capitão Henrique Estevão. Posso apostar como tem parte sua
neste crime. — Ele deu um pequeno sorriso de lado, denunciando seu
envolvimento na decisão.
— Lara ficou apaixonada com a cadelinha, meu amor, tentei de
todas as formas convencê-la a levar um Pinscher, mas não consegui êxito.
— Aquela era uma guerra perdida, não havia jeito de negociar com ele
depois da merda feita. Respirei fundo, mas deixei claro minha indignação.
— Desisto, você venceu! — Ele veio todo cheio de charme para o
meu lado, mas eu o barrei com a mão em seu peitoral lindo. — Não adianta
vir me seduzir, senhor capitão. Não quero ver nenhum cocô pelo quintal e
muito menos esta fera dormindo dentro de casa.
Ele ameaçou falar algo e eu só olhei para ele com a sobrancelha
erguida. Henrique levantou as duas mãos em rendição e me puxou para um
beijo estonteante. O infeliz sabia me convencer.
Na segunda semana em que nosso quarto elemento tinha chegado à
família, quase expulsei ele e meu marido de casa depois de acordar e ver o
estrago que a criatura fez. Seria um sábado tranquilo em família, no entanto,
quando desci as escadas e cheguei a minha sala pensei estar em um campo
de guerra. Eu entrei em estado de raiva mortal quando vi o estado em que se
encontrava meu lar.
Sentada com cara de anja em cima do meu sofá estava a pequena
diaba da Tasmânia, com uma carinha dócil e a boca cheia de espuma do
estofado. Ela tinha apenas destroçado o assento inteiro e ainda tinha xixi
espalhado pelo chão.
Ira. Este foi o sentimento vivenciado por mim ao me deparar com
minha linda sala em uma situação de destruição.
— Henriqueeeeeee... — Sem nenhuma calma gritei por meu marido.
Segundos. Esse foi o tempo que ele gastou para chegar ao meu lado,
ainda com o rosto amassado do travesseiro.
— O que houve, querida? Está passando mal? — O coitado estava
com o peito subindo e descendo como se o ar não entrasse em seus pulmões
e não olhou para a sala, só para mim.
Eu segurei seu rosto e virei para o estado lastimável em que seu
querido sofá se encontrava.
— Eu estava bem até descer e ver o que essa peste de cachorro fez.
Henrique, você vai ter que dar um jeito de ensiná-la a ser uma cadela
descente ou vou devolvê-la para onde estava. — Meu marido levou um
susto quando se deparou com o estrago.
Sem falar nada, passou a mão pela cabeça, pegou a gigante no colo e
a levou para fora. O mais incrível foi ele ter feito tudo isto sem falar um A.
Voltou com a vassoura, uma pá e um saco de lixo na mão. Eu estava com
tanta raiva, que não aceitei sua mudez.
— Você não vai permanecer calado? Não acredito nisto, Henrique.
— O homem coçou a testa, soltou o ar com força e encheu o peito de ar.
Aqueles eram sinais de elevado nível de estresse, por isso me calei e
esperei ele se pronunciar. Conhecia muito bem meu marido, ele funcionava
no seu tempo. Henrique começou a varrer a bagunça, enquanto eu pegava
alguns pedaços maior de espuma no chão. Passado uns dez minutos, ele
parou a vassoura e soltou os ombros que até aquele momento estavam
tensos.
— Hannah, não adianta falar nada. A culpa foi minha que acabei me
sucumbido aos encantos da nossa filha sem pensar nas consequências. Vou
procurar hoje mesmo um adestrador para ensinar a Nininha como se
comportar. — Vendo meu marido assumir a culpa com uma postura
derrotada me deixou com remorso e eu amenizei a coisa.
— Pensando bem, eu não gostava muito deste sofá, já estava na hora
de trocar. — Henrique me olhou aborrecido pelo meu show anterior,
balançou a cabeça de um lado para o outro e continuou varrendo.
Resolvi apelar para algo que ele não resistia. Andei até ele com um
sorriso maroto e envolvi meus braços em volta de seu pescoço. Olhei em
seus olhos e joguei meu charme.
— Capitão, alguém já te disse que fica lindo tentando conter sua ira?
Eu adoro este seu jeito de mau. — Ele deu um sorriso sacana e me levou até
o que sobrou do sofá me deitando no meio de vários flocos de espuma. Dei
um gritinho e ele preencheu minha boca com um beijo avassalador. Depois
de quase perdemos o fôlego, ele me provocou me deixando com a calcinha
molhada.
— Você gosta de perigo, não é? À noite vou te mostrar como posso
ser muito mau, Senhora Estevão.
— Estou pagando para ver, capitão. — Fingi tremer de medo e ele
me agarrou mais ainda.
Senão fôssemos interrompidos por uma Lara gritando: “mamãe,
cadê meu leitinho”, tínhamos continuado nosso jogo de sedução. Empurrei
aquele homão de cima de mim e fui até a cozinha preparar o leite da minha
filha.
O trauma do shopping, estava deixando de ser algo presente em meu
pensamento. A vida precisava seguir, no entanto, meu marido permanecia
estranho, sem paz e eu precisava descobrir o que era. Com a chegada da
cadela gigante, Lara voltou a sorrir e esqueceu o “o moço mau”, mas eu
não conseguia, no fundo tinha medo de ser o Gustavo.
Priscila como sempre era meu porto seguro. Ela não era somente
uma cunhada dedicada, mas uma irmã. Quando contei minhas suspeitas em
relação ao episódio ocorrido com Lara, ela me pediu para ficar atenta e caso
percebesse qualquer risco deveria contar para o Henrique.
Preferi aguardar para ter certeza das minhas suspeitas, queria evitar
mais estresse para o meu marido, pois ele vivia com medo de algo
acontecer na minha gravidez. A única coisa possível de fazer naquele
momento, era pedir proteção a Deus e ser mais cuidadosa quando precisasse
sair de casa.
Capítulo 41

Punição

A dor causada pela correção imposta ao meu erro era pequena diante
do meu fracasso. No fundo, as feridas causadas pelo açoite daquele chicote
serviam para conter a fúria dentro de mim.
— Gustavo, seu burro. Seu erro foi imperdoável. Pelo amor de
Deus, como não conseguiu conter uma garotinha indefesa? — gritou meu
Mestre.
Meu ato intempestivo prejudicou todo o meu disfarce e por isso, fui
punido de forma severa por ele. Pelas escutas eu tive a confirmação de que
o capitão dos infernos conseguiu me identificar pelas filmagens. Ele deve
ter colocado todo seu exército de paus mandados para me caçar, no entanto,
meu esconderijo era muito bem protegido.
Passei três dias sendo torturado, mas o sangue que corria livremente
pelo meu braço me fascinava. O vermelho era intenso e me fazia sentir o
poder da dor em meu organismo. Meu mentor sempre me dava corretivos
corretos e que aumentavam minha força para seguir em frente. Seus
conselhos eram assertivos e estratégicos.
— Gustavo, para de reclamar igual uma mulherzinha, levanta esta
bunda do sofá e vai à luta. — Respirei fundo e o encarei impaciente, mas
meu mestre era perverso e autoritário. — Não se atreva a me olhar assim,
ou você já se esqueceu do castigo que lhe apliquei? — Abaixei meu olhar
me colocando submisso diante dele e pedindo desculpa pelo meu ato
infantil.
— Perdão mestre. — Meu olhar só retratou minha frustração por
minha incompetência.
— É hora de deixar o que aconteceu de lado, não precisa se cobrar
tanto. As pessoas ainda vão ouvir falar de você, meu querido menino.
— Será? Às vezes me sinto invisível para o mundo. — Só ouvi o
estalo e a ardência do tapa desferido em meu rosto.
— Nunca mais fale isto, ouviu? Não aceito ser mestre de discípulos
fracos e derrotados. A Hannah sempre foi sua, quem entrou em seu
caminho foi aquele maldito imbecil. Mostre para ele que aquela farda é
pouco para te parar. — Revigorado pela injeção de ânimo, saí da minha
inércia e comecei a planejar meu novo disfarce.
Dei uma última olhada no espelho e sorri satisfeito com o resultado.
Meu mestre tinha caprichado daquela vez, eu era um verdadeiro gari. O
uniforme era perfeito para passar despercebido, mas o melhor era minha
cabeleira rastafári, a barba e o óculos escuro. A partir daquele dia, eu iria
circular livremente pela rua do digníssimo capitão sem que ele soubesse de
nada.
Olhei para meu painel onde tinha tudo anotado. Os hábitos da
Hannah, do homem que ela pensava ser seu marido, da irmã do idiota e da
empregada da casa. Algumas fotos da minha princesa enfeitavam meu
trabalho minucioso de planejamento. Eu nunca tinha recebido uma negativa
na minha vida e Hannah não seria a primeira a mudar isto.
Mamãe sempre dizia que eu era o reizinho da casa. Mesmo quando
meu pai queria colocar as mangas de fora e mandar em mim, minha rainha
não deixava. Dona Dulce sabia do meu potencial e por isto me incentivava
a desbravar o mundo. Ela sempre dizia:
— O mundo está aí para você, meu amor, basta conquistá-lo.
E era exatamente assim que deveria ser: o mundo aos meus pés.
Tudo estava indo muito bem, até o maldito policial aparecer no meu
caminho e enfeitiçar minha Hannah com sua lábia.
Meus dias na prisão foram longos, graças à intervenção do capitão
de merda, no entanto, aprendi a tudo para mostrar a ele o quanto errou ao
entrar no caminho.
O homem precisa saber ensinar a mulher qual é o seu lugar na
relação. Os papéis eram claros, nós, os homens, somos seres superiores
desde a época do Velho Testamento, basta ver que a mulher apareceu depois
de nós.
Toda esta idiotice de lei Maria da Penha, foi criada para inverter as
coisas, tentando mudar a ordem natural do mundo. Eu estava conseguindo
colocar Hannah nos eixos, ela era submissa e me obedecia, até começar
trabalhar na casa daquele sujeito e perder a noção do seu papel feminino.
Não tinha problemas, eu a ensinaria de novo como as coisas
funcionavam. Meu método sempre prezou pelo amor, só usava a dor quando
ela resistia em ceder. Eu aprendi no presídio que tudo deveria ser a seu
tempo e a hora da minha vitória estava chegando, bastava eu me manter
concentrado como o mestre me ensinou.
Eu não podia errar de novo. Paciência e precisão. Era isso que eu
precisava para que tudo desse certo. Estava chegando a hora de começar a
executar a segunda parte do meu plano.
O poderoso policial não tinha noção das cenas dos próximos
capítulos. Minhas vítimas estavam sendo escolhidas de forma muito
peculiar pelo meu mestre. Senão fosse a mente genial dele, não conseguiria
chegar ao meu objetivo final: casar-me com Hannah.
Capítulo 42

Descobrindo Noah

Depois de quase um mês em que a minha família passou junto ao


adestrador, as coisas melhoraram consideravelmente com a Nininha, pelo
menos ela não comia mais nada e aprendeu obedecer a comandos.
Eu estava em uma semana corrida dando treinamento para os novos
policiais que haviam chegado do concurso e fazendo uma investigação
sigilosa para encontrar o ex de Hannah, mas infelizmente não estávamos
avançando.
A falta de pistas do paradeiro daquele bandido minava minhas
energias e acabava com minha paz. Eu tinha certeza de que o infeliz havia
mudado o disfarce. Voltei a pensar em contratar uma empresa de segurança
para vigiar minha casa e os passos da minha esposa, mas desisti quando me
lembrei da promessa que fiz a Hannah.
Precisava dobrar a atenção, pois eu estava há muito tempo na
segurança pública para entender como funcionava o pensamento de um
criminoso e algo me dizia que Gustavo tinha uma mente doentia.
Alguns amigos da civil estavam me ajudando, inclusive em busca do
histórico penal do foragido elemento no período em que esteve recluso.
Eduardo me prometeu entregar um dossiê sobre o infeliz até o fim da
semana.
No meio daquela confusão toda, vivi um momento espetacular.
Descobri que eu sempre estive certo, meu bebê era um menino, meu Noah.
Nunca vou me esquecer do rostinho iluminado de Lara vendo o irmãozinho
na barriga da mãe. Nós fomos os três para o exame de imagem, Hannah
ansiosa com sua primeira gravidez e eu com o coração quase explodindo de
emoção.
Priscila ficou chateada porque para minha irmã tudo se tornava um
evento. Ela ficou inconformada de não poder fazer um tal de chá de
revelação, no entanto, contei com a ajuda do meu cunhado para convencê-la
a esquecer a proposta. Hannah e eu queríamos um momento somente nosso
e de Lara na clínica onde íamos realizar o exame.
Era impossível não sentir uma pontinha de medo depois de tudo que
passei com Laura. Quase deixei a médica tonta com tantas perguntas.
— Doutora, tem certeza de que está tudo bem com nosso menino?
— Ela deu um sorriso acolhedor e, com toda paciência foi me mostrando
tudo no corpinho do meu bebê.
Juro que tentei manter a pose de capitão, mas fui vencido pela
emoção e as lágrimas desceram pelo meu rosto. Graças a Deus tinha um
anjo na sala para deixar tudo mais leve.
— Papaizinho, não fica triste, meu irmãozinho está bem, não é
doutora médica?
— É sim, Lara. Seu irmãozinho está forte como você, mas o
papaizinho não está triste. Vou te contar um segredo: os adultos quando
estão muito felizes não conseguem segurar as lágrimas. Seu pai está tão
feliz que transborda pelos olhos. Minha menina olhou para a mãe que
também estava com os olhos marejados e soltou mais uma pérola a estilo
Lara.
— Você está “tãooooooo alegre que derramo aguinha do seu
olhinho”, né mamãe? — Todo mundo riu e aquela cena nunca vai sair das
minhas melhores lembranças.
Saímos da clínica com uma foto do meu garotão e fomos direto para
casa da minha irmã comemorar nossa descoberta. Quando chegamos, fomos
recebidos por meu sobrinho ansioso para saber qual o sexo do nosso bebê.
— Calma aí, campeão, vamos entrar e o tio vai dar a notícia para
todo mundo.
— Tio, minha mãe arrumou uma mesa com um monte de coisas
gostosas e tem um bolo azul e um rosa. — Dei uma gargalhada, não tinha
jeito com minha irmã, aquela era Priscila sendo Priscila.
Minha esposa olhou para mim, apertou minha mão e deu um sorriso
emocionada. Assim que chegamos à sala fomos surpreendidos com um
espaço decorado de forma singela, com azul e rosa e, de repente, os pais de
Hannah saíram da cozinha, junto com dois casais de amigos do batalhão. Os
meus irmãos de farda que estavam comigo desde o início da minha carreira
militar.
Minha esposa deu um grito de felicidade e correu para abraçar os
pais. meu Deus, minha irmã era profissional em fazer surpresas. O que era
somente a descoberta do sexo do meu bebê virou um grande evento.
Fizemos um suspense e eu consegui falar no ouvido de Lara para ela fazer
segredo até a hora de mostrar o bolo.
— Filha, não fala nada e na hora do bolo você vai mostrar o bolo
azul e contar para todo mundo sobre seu irmãozinho, o Noah, entendeu? —
Ela me envolveu com seus bracinhos no meu pescoço e sussurrou:
— Pode deixar papaizinho, vou “faze certinho”. — Meu coração
falhou algumas batidas, porque naquele momento eu entendi que eu era a
porra do homem mais feliz do mundo.
Capítulo 43

Menino ou menina?

A revelação do sexo do meu bebê foi um dia para ficar guardado no


baú das minhas melhores recordações. Minha cunhada era a melhor pessoa
para nos emocionar. A ideia de trazer meus pais para aquele dia foi
memorável. Mamãe não cabia em si de tanta emoção em saber que seu neto
era um lindo garotinho. E o meu pai tentava convencer meu marido a torcer
pelo seu time de futebol.
O momento em que nossa pequena anunciou a chegada do irmão,
foi lindo. Nunca havia conhecido uma criança esperta e inteligente como
aquela pequena. Ela pediu ao pai para levar uma cadeira para trás da mesa
onde estavam os bolos e pediu ajuda para ficar de pé na mesma.
Ela cochichou algo no ouvido dele e este foi em direção à cozinha,
voltando com um copo de vidro e uma colher. Todos os presentes
aguardavam ansiosos a encenação de Lara. Com sua mãozinha pequena e
gorducha, ela segurou o copo e bateu a colher no mesmo.
— Atenção pessoal! A Lara tem uma coisa “muitooo importante”
para falar. — Todos riram do jeitinho mandão dela, bem parecida com o pai
capitão. — Eu sei que todoooooo mundooooo quer saber o que é meu
irmãozinho, mas meu papaizinho pediu que eu não falasse nadinha até
partir o bolo. — Eu percebi a emoção na expressão das pessoas, mas todos
foram muito compreensivos em não deixar Lara perceber que ela já havia
dito o que era meu bebê.
Quando ela colocou a espátula no bolo azul, olhou para todos com
olhos brilhantes e gritou:
— Eu vou ter um IRMÃOZINHOOOO e ele vai chamar Noah. O
papaizinho e a mamãezinha ficaram tãooooooo feliz, que até saiu “aguinha
do olhinho, mas a médica me explicou que adultos derramam água dos
olhinhos quando ficam felizes”.
Lara não conteve a alegria de ver as pessoas aplaudindo seu
enunciado e pulou no colo do pai enchendo-o de beijos. Meu marido não
cabia em si tamanha emoção. Fizemos muitas fotos com toda a família.
Thiago estava encantado em saber que teria um primo e o tempo todo dizia
ao tio que ia ensinar tudo para o nosso filho.
Eu me sentei no sofá e fiquei observando toda a empolgação da
minha família, toda aquela alegria me fez sentir o quanto eu era muito
amada e realizada. Nunca imaginei que poderia ser tão feliz e completa com
Henrique.
— Um beijo pelos seus pensamentos, meu amor.
— Nada demais, meu querido.
— Hummm... mulher quando fala nada, nunca é nada. O que está
passando por esta cabecinha linda? — Puxei o ar com força e meus olhos
ficaram marejados. — Fala comigo amor. O que está te incomodando?
Passei minha mão em seu rosto, dei um beijo casto em sua boca,
voltei a respirar fundo antes de falar, para tentar controlar a emoção.
— Capitão Estevão, estou pensando no quanto te amo e como sou
feliz contigo. Nunca imaginei que pudesse amar tanto uma pessoa. Estava
vendo você e Lara e agradecendo a Deus por ter aceitado ir até sua casa
naquele dia que me ligou.
Meu marido me puxou para seus braços e me deu um beijo
apaixonado. Depois segurou meu rosto e seu olhar foi intenso como só ele
sabia ser.
— Hannah, tenha certeza de que eu te amo muito mais. Você me
salvou de mim mesmo. Nunca conheci uma mulher como você.
— O que eu tenho de diferente, meu capitão?
— Você é atrevida e tímida ao mesmo tempo. Parece uma mansidão,
mas quando fica brava vira um furacão. — Dei uma gargalhada com a
revirada de olhos do meu marido.
Ele era o mais lindo espécime masculino de todos. Passei meu dedo
em seu peito e molhei meus lábios com a língua. Não sei o que estava
acontecendo comigo, mas bastava ele me beijar para o fogo subir em
minhas entranhas.
— Mulher, não faz isto aqui ou serei capaz de te colocar nos ombros
e procurar um lugar para entrar em você. Esta língua tem o poder de deixar
meu amigão duro como uma rocha. — Dei um sorrisinho de lado para ele e
chupei seu dedo de forma lenta, eu adorava provocar meu homem.
Graças a Deus fomos interrompidos por Lara que veio correndo e
pulou no colo do pai. Meu marido prendeu a respiração e ficou vermelho.
Fechou os olhos e tentou manter-se inteiro, pois sem querer a filha bateu o
joelho no meu playground favorito. Para salvá-lo de um constrangimento
maior, chamei a pequena para comer bolo.
Henrique não perdeu tempo e saiu em direção ao banheiro.
Coitadinho do meu amor, estava com uma expressão desesperada como se
quisesse xingar um bom palavrão pela dor.
Lara não percebeu o sofrimento do pai e foi para a mesa de doces
falante e contando que a tia havia dito o quanto ela era importante por ser a
irmã mais velha.
Meus pais ficaram uma semana em minha casa e minha filha não
cabia de felicidade por ter os avós junto dela. Nininha foi o centro das
atrações, pois a pequena gigante não saía um minuto de perto da Lara.
Mamãe me deu algumas dicas do que fazer para diminuir os enjoos
que continuavam a me debilitar pela manhã. Graças a Deus que papai
ajudou Henrique a pintar o quarto do bebê, pois ele insistia em dizer que
aquela missão era dele, mesmo não tendo o menor dom para aquilo.
Contei para meus pais sobre os pesadelos recorrentes do meu
marido e sua insegurança em relação a minha gravidez.
— Minha filha, você precisa ter paciência, Henrique passou por um
trauma inimaginável com a mãe de Lara. É perfeitamente normal sua
preocupação.
— Mamãe, eu melhor do que ninguém sei de tudo que ele passou,
mas tenho receio dele adoecer. Está cada dia mais nervoso, não dorme
direito e cismou que preciso de segurança vinte e quatro horas por dia. —
Papai estava calado ouvindo nossa conversa, porém percebi em sua
expressão o quanto ficou aflito com a preocupação de Henrique.
— Minha filha, seu marido não pensaria em um segurança atrás de
você à toa. Tem alguma coisa errada nesta história. — Meus pais não
sabiam das últimas loucuras de Gustavo e eu não queria preocupá-los sem
necessidade, até porque ele estava preso.
— Papai, não tem nada acontecendo, apenas tenho um marido
maluco, só isto.
— Cadê este segurança que não o vi ainda?
— Mamãe, é claro que não aceitei esta ideia absurda. Não vou
alimentar a insegurança do Henrique. — Meu pai olhou para minha mãe e
eu percebi que eles estavam conversando com o olhar como sempre faziam
e me irritava. — Ah, não! Podem ir me falando o que estão pensando. Eu
conheço quando vocês dois começam a olhar um para o outro.
Meu pai segurou minha mão e com sua calma clássica deu sua
opinião.
— Filha, eu não acredito que seu marido esteja simplesmente
querendo vigiar seus passos. Talvez tenha algo o preocupando e ele não
quis falar com você por estar grávida. Acho que deveria conversar com ele
e aceitar o segurança. — Meu pai era bastante sábio e ao ouvir sua opinião
senti um frio na barriga.
E se Gustavo tivesse fugido e meu marido preferiu não me falar?
Um pressentimento ruim apertou meu coração.
— Vou tentar conversar com ele, papai, no entanto, Henrique
precisa viajar, descansar um pouco. Ele tem muitas horas na polícia,
podíamos sair um pouco desta cidade e descansar na fazenda.
— Deixe comigo, vou convidá-lo para uns dias conosco na nossa
casa, quem sabe ele aceita? — Abracei meu pai, depois beijei minha mãe e
fiquei no aconchego daquele abraço. Os braços deles eram o lugar mais
seguro do mundo para mim.
Meus pais voltaram para casa com a promessa de não demorar a
voltar para nos ver. Papai tentou sem sucesso convidar Henrique para passar
uns dias na fazenda. Meu marido como sempre preocupado com o trabalho,
com a cidade e com seus comandados.
Se tinha uma coisa para admirar naquele homem era sua paixão por
servir. Eu tinha orgulho do meu marido, mas andava muito preocupada com
ele que mal dormia direito. Seu rosto estava marcado por olheiras que não o
abandonavam, ele estava visivelmente dando sinais de estresse.
Como sempre, corri para minha cunhada, que além de psicóloga,
tinha grande poder de persuasão sobre meu marido. Contei a Priscila dos
pesadelos que não o deixavam em paz, das noites de insônia e da
irritabilidade exacerbada com Nininha. A cadela vivia tentando alguns
minutos de atenção, mas sem sucesso.
O ápice da situação aconteceu em um sábado durante uma noite de
chuva, com muitos trovões e raios. Estava dormindo quando de repente,
acordei assustada com o desespero do homem ao meu lado.
— Por favor, não mate as duas. Eu vou com você. — Tentei acordá-
lo sem sucesso.
Ele remexia, falava em morte, implorava, seu rosto estava banhado
em lágrimas. No auge do meu desespero comecei a rezar pedindo a Deus
para ajudar meu marido. Eu tentava segurá-lo para não se machucar, até que
o sacudi com todas as minhas forças e ele abriu os olhos. Seu olhar estava
vidrado como se estivesse em transe.
— Henrique, pelo amor de Deus, sou eu, a Hannah. Estou com você
meu amor. Estou aqui, não aconteceu nada. — Fomos surpreendidos por
Lara que entrou chorando no quarto.
— Mamãezinha, o que o papaizinho tem? Eu ouvi ele gritar.
— Filha, o papaizinho só teve um sonho ruim, mas já acordou. —
Henrique puxava o ar com força, olhava para os lados, mas a chegada de
Hannah o trouxe de volta a realidade.
Ele nos puxou para um abraço e senti seu corpo em espasmos e
lágrimas molharam minha camisola. O estado em que ele estava cortou meu
coração. Precisei respirar fundo para não chorar, pois ele e a pequena
precisavam de mim. Aos poucos ele foi se acalmando e eu pedi ajuda a
nossa filha.
— Querida, o papaizinho teve um sonho muito feio. Você pode
cuidar dele enquanto a mamãe vai buscar um chazinho para todos nós? —
Aquela pequena criança sempre me emocionava. Ela puxou a cabeça do pai
para que ele se deitasse em seu colo e começou a fazer carinho em seus
cabelos.
— Pode deixar mamãezinha eu vou cuidar direitinho do papaizinho.
— Desci as escadas com um nó em minha garganta e somente quando
cheguei à cozinha me entreguei a emoção do momento.
Lágrimas banharam meu rosto enquanto fazia o chá. Eu precisava
descobrir o que estava acontecendo com meu marido.
Quando estava voltando ao quarto, senti um baque no coração
ouvindo Lara com seu jeitinho de criança cantando para o pai a música do
Tiago Iorc que ele sempre cantou para ela.
Papaizinho lindo
Do jeito que é
Da cabeça ao pé
Do jeitinho que for
É, e só de pensar
Sei que já vou estar
Morrendo de amor
De amor

Coisa linda
Vou pra onde você está
Não precisa nem chamar
Coisa linda
Vou pra onde você está

Entrei no quarto e fiquei emocionada de vê-lo olhando para Lara


enquanto ela cantava fazendo carinho em seu rosto. Meu Deus, aquela
criança não sabia o poder que ela tinha de curar o pai e a todos que
conviviam com ela.
— Trouxe chazinho e torradinha para todo mundo. Acho que seu
irmãozinho está com fome.
— Obaaaaaa, Lara também está com “fominha”.
— Então vamos nos sentar para a mamãe colocar a bandeja na
cama.
— Hoje pode comer na cama, mamãezinha?
— Só hoje, porque está chovendo muito e o papaizinho teve um
pesadelo. — Henrique estava com olhar perdido, parecia um menino
abandonado e meu coração doeu de ver o quanto meu marido foi
machucado pela vida.
Tomamos o chá, comemos algumas torradas e nos deitamos os três
juntos com Hannah ao meio.
— Papaizinho, me dá sua mãozinha, aí você não vai mais ter sonho
feio. Igual quando segura a mão da Lara. — Ele sorriu para Lara.
— Obrigado, amor. Você é a melhor filha do mundo.
— Meu irmãozinho também, papaizinho? — Ele deu um sorriso que
iluminou o quarto todo.
Eu preferi me manter em silêncio, pois corria o risco de falar e mais
lágrimas intrusas inundarem meu rosto.
— Seu irmãozinho também, princesa. — Henrique sussurrou um
obrigado para mim sem som e eu só enviei um beijo para ele.
Apesar de ter sido um momento tenso, acabamos por dormir os três
até quase meio-dia. Graças a Deus, meu marido conseguiu dormir embalado
pelos carinhos da filha.
Capítulo 44

Uns dias no paraíso

Nunca em minha vida havia passado por tamanho desespero como


foi na noite em que tive o pesadelo. A sensação era real, como se Hannah e
Lara estivessem sendo arrancadas de mim por Gustavo.
Eu senti todas as emoções horríveis ao assistir a morte das duas com
requintes de extrema crueldade. Mesmo depois de acordar, eu só conseguia
enxergar o mar de sangue a minha frente com os dois corpos ao meio.
Não queria assustar minha esposa e por isso só falei de forma
evasiva o que tinha acontecido comigo. Ter minha pequena cantando para
mim me elevou a um mundo etéreo onde somente o amor existia.
Enquanto Lara cantava com sua vozinha meiga e os erros de
linguagem próprios da idade, eu pedia a Deus em pensamento para não me
tirar mais ninguém na vida. Não aguentaria mais nenhuma perda. Acabei
aceitando ir para a fazenda dos meus sogros, precisava de alguns dias de
paz e tranquilidade e lá era o lugar ideal.
Nunca imaginei que uma viagem com uma criança e uma cadela
maluca daria tanto trabalho. Arrumar as bagagens e colocá-las no carro foi
quase uma operação de guerra.
A cada minuto Lara lembrava de alguma coisa que precisava levar e
Hannah com toda paciência do mundo tentava dissuadi-la da ideia, mas não
conseguia. Eu era o único sensato da relação naquele momento e acabei me
divertindo com o desafio.
A intenção era sair antes das oito da manhã, mas claro que foi
impossível. Saímos de casa rumo ao interior de Minas Gerais por volta de
dez horas, com o sol alto no céu.
Durante a viagem, cantamos, paramos muitas vezes para tirar fotos,
para minha esposa esvaziar a bexiga. Tinha me esquecido de como as
grávidas são capazes de mijar mil vezes por dia. Nas paradas aproveitava
para gastar a energia de Nininha.
Eu amava viajar, conhecer novos lugares. Hannah vivia dizendo o
quanto eu era o melhor marido do mundo por não acelerar feito um louco e
por fazer todas as vontades dela.
Os momentos com minha família eram os mais ricos e importantes
da minha vida. Enfiar o pé no acelerador, só quando estava na viatura, a
trabalho, mas sempre com responsabilidade. Eu sabia o quanto um carro
equivalia a uma arma caso fosse mal-usado.
Enquanto minhas meninas falavam sem parar, eu me concentrava na
estrada e pensava no quanto eu era um filho da puta sortudo. Mesmo com
minha vida atribulada e marcada por sofrimento, eu voltei a amar. Antes de
perder a Laura eu achava impossível amar outra pessoa, mas Hannah
chegou em minha vida para me mostrar que sempre podemos recomeçar ou
até mesmo nos reinventar.
Como minha irmã sempre dizia: cada um escolhe como viver sua
dor e o quanto ela vai durar. Confesso que achava esta frase descabida, mas
com o tratamento de choque dado por minha irmã, percebi que ela sempre
teve razão.
Estava perdido em meus pensamentos que não percebi o silêncio
dentro do carro, quando olhei pelo retrovisor vi Lara dormindo serena em
sua cadeirinha, a cadela deitada ao seu lado e minha linda esposa grávida
cochilando com a cabeça encostada na janela do carro. Elas eram lindas.
Aquela era uma cena para a eternidade. Tentei acertar o pescoço da Hannah,
mas ela abriu os olhos sonolenta e me dando o sorriso mais lindo do mundo.
— Sou uma ótima companheira de viagem, não acha? — Sorri e
passei a mão em suas pernas. Ela me deu seu sorriso safado acordando meu
pau.
— Você sempre será a melhor, meu amor. Agora, essa cara de
safada, acordou o amigão aqui. — Ela verificou se Lara estava dormindo e
de forma descarada começou me masturbar. Puxei o ar com força para
conseguir curtir o momento e continuar prestando atenção na estrada.
— O que foi bonitão? Você está com cara de quem está sentindo dor.
— Enfiei minha mão no meio das pernas roliças da minha mulher fazendo a
arrepiar de um jeito que eu amava.
— A senhora irá ver mais tarde quem está sentindo dor. Estou em
desvantagem porque preciso dirigir, mas se continuar com essa mão boba,
não respondo por mim.
— Adoro correr perigo, bonitão. Estou louca para saber o que o
capitão pode fazer comigo à noite.
— Hannah, Hannah, não acorda um leão adormecido, porque ele
pode te devorar. — Ela deu uma gargalhada deliciosa, o melhor som para
meus ouvidos.
— Meu sonho ser devorada por este leão, bonitão. — Puxei seu
dedo para minha boca e o chupei de forma indecente.
— Este leão vai te chupar toda, senhora minha esposa descarada.
— Você despertou a tarada em mim, leão. — Saímos do nosso
momento sacanagem, porque uma cachorra muito estraga prazeres se
levantou e colocou seu focinho no meu ombro.
— Ah, pronto, agora tenho que te disputar com esta garota
ciumenta. — Fui obrigado a rir do bico que minha esposa fez, mas ela tinha
razão, a Nininha morria de ciúmes de mim. Até Lara reclamava dizendo
que bastava eu chegar para a cadela abandoná-la e ficar atrás de mim.
— Calma, amor, tem para todas. — Hannah deu um tapão no meu
braço e resmungou.
— Não brinca com o perigo, capitão Estevão, se alguma sirigaita se
aproximar de você eu arranco os olhos dela.
— Sirigaita, amor? Que coisa mais atrasada de se dizer. — Levei
outro tapa no ombro e quando olhei para minha esposa ela estava vermelha
como tomate. Não acreditava que ela estava levando a sério.
— Como dizia minha mãe, estas sirigaitas adoram homens casados,
mas comigo não, bebê.
— Para amor, eu só tenho olhos para você. Deixa de bobagem, você
é dona do meu coração e de todo meu corpo. — Ela cruzou os braços e
ficou emburrada olhando para janela, estranhei o comportamento dela, pois
nunca tinha sido assim. — O que te aborreceu, meu amor? Eu estava só
brincando com você.
Percebi que ela tentou disfarçar, mas acabei por ver uma lágrima
descendo em seu rosto. Meu Deus, os hormônios da gravidez deixavam as
mulheres malucas.
Fiz um carinho em seu rosto e aguardei o tempo dela. Aprendi na
polícia que sempre tinha o momento certo para falar, depois de alguns
minutos, ela virou o corpo em minha direção e jogou a bomba.
— Henrique, você é o homem mais lindo que já vi, não percebe,
mas eu vejo como as mulheres te cobiçam. Eu sou sem graça e estou
parecendo uma baleia grávida.
Ai, Jesus! Ela só podia estar doida. Eu precisava ter cautela, pois me
lembrava bem das inseguranças de Laura na gravidez.
— Meu amor, você é linda. Acho que preciso comprar um espelho
maior para nossa casa. — Ela fungou e com voz manhosa continuou seu
drama hormonal:
— Não preciso de espelho. Eu não sou cega. Laura era uma mulher
deslumbrante e a amiga de sua irmã, aquela vagabunda, era um mulherão. E
eu? Sou só uma baixinha sem graça.
Puta que pariu! Por que as mulheres desenterravam o passado? Eu
nunca mais tinha visto a amiga da minha irmã. De onde ela tinha tirado
aquilo? Situações como aquela pediam uma saída mais drástica.
Parei o carro no acostamento devagar para Lara não acordar. Virei
todo o meu corpo para minha esposa e a puxei para um abraço. Ela
começou a chorar de forma sofrida e eu respirei fundo.
Meu Deus, as mulheres e a montanha russa de hormônios sempre
foram complicadas na gravidez, então tudo piorava, era mais fácil lidar com
dez bandidos.
— Meu amor, olha para mim. — Ela demorou um pouco até me
olhar de forma tímida. — Não há neste mundo nenhuma mulher capaz de
me fazer feliz. Você consertou meu mundo, Hannah e eu te amo demais,
princesa. Adoro este seu jeito bravo, seu cabelão, suas curvas, seu sorriso e
até quando você ronca, eu te amo.
Ela arregalou os olhos e colocou as mãos na cintura.
— Eu não ronco, Henrique! Que mentira. — Eu fiquei rindo do
desespero dela, no fundo não entendia por que as mulheres ficavam
desesperadas quando alguém dizia que elas roncavam.
— Está bem, você não ronca, você ronrona como uma gatinha
manhosa. Agora deixa de bobeira e vem cá me dar aquele beijo que eu amo.
— Ela avançou para cima de mim e me beijou com sofreguidão.
Eu havia conseguido amansar a fera. Aproveitei nosso momento e
fiz algumas carícias mais ousadas na minha esposa para ela esquecer de vez
a insegurança com sua beleza.
Voltamos para a estrada e continuamos nossa viagem até a próxima
parada, pois eu precisava esticar as pernas e levar a Nininha para suas
necessidades antes dela fazer no carro mesmo.
Chegamos à fazenda por volta de dezenove horas. Minha filha
desceu correndo para os braços do avô. Não parecia que tinha ficado o dia
inteiro dentro de um carro. Como era bom ser uma criança amada e
protegida como minha filha, nada no mundo a preocupava.
Minha missão era proporcionar a ela tudo que me foi privado na
infância e adolescência. Prometi para mim mesmo que minha filha nunca
iria presenciar uma briga minha com ninguém. Eu sabia o quanto um lar
violento foi prejudicial na minha vida.
Capítulo 45

Meu peão apaixonado

Os dias na casa dos meus pais foram deliciosos. Nunca tinha visto
meu marido livre em meio a natureza. A visão dele de calça jeans desbotada
com a cintura baixa salientando o V que chegaria até as suas partes baixas,
botas e sem camisa suado lavando os cavalos, era uma afronta a qualquer
mulher. Henrique se enquadrava naquela paisagem rústica, com seu jeito
selvagem, másculo e para me deixar louca de tesão, estava com uma barba
que o deixava mais voraz.
Quando estava trabalhando se barbeava todos os dias, mas como
estávamos em pequenas férias, deixou a pele do rosto descansar. Puta que
pariu, ele estava irresistível e eu só pensava em sexo.
Meus hormônios à flor da pele só me faziam imaginar ele sem
roupa. Praticamos muita sacanagem naqueles dias! Lara não desgrudava do
meu pai um minuto, nos deixando livres para várias aventuras sexuais pela
fazenda. Estávamos insaciáveis.
A nossa primeira loucura foi no estábulo em meio aos cavalos. Tudo
aconteceu em um fim de tarde quando Henrique estava levando os animais
para o descanso noturno.
Eu o observava andando de um lado para o outro e o suor que descia
em suas costas me causava imagens bastante férteis. Saí do banco no qual
estava sentada embaixo de uma árvore e fui em direção aquele homem
delicioso.
A minha roupa era bastante favorável para meus planos, eu usava
um vestido de tecido leve, soltinho que descia até um pouco abaixo das
minhas coxas.
Quando cheguei no estábulo, ele estava de costas conversando com
seu animal preferido. Era um manga-larga machador de cor caramelo, um
verdadeiro atleta premiado do meu pai e que ganhou a atenção de Henrique
que passava algumas horas cavalgando.
A gravidez não me permitia sair pelos campos com ele, mas eu fazia
questão de incentivá-lo a ir sem mim. Parei atrás dele e passei minha unha
por suas costas descobertas, sua pele arrepiou e me incendiou. Abracei a
cintura do meu homem e falei em seu ouvido:
— Garanhão, eu estou louca para saber como é fazer amor tendo
estes cavalos como testemunhas. — Fui surpreendida por ele que se virou e
agarrou minha cintura me dando um beijo indecente e cheio de promessas.
— Linda, aqui não vou fazer amor com você, vou te foder com
força, como fazem os cavalos. Você aguenta? — Jesus, Maria, José, só de
ouvir aquela voz rouca com aquela proposta sacana, senti minha calcinha
molhar. Minha respiração falhou, precisei puxar o ar com mais força para
dentro dos meus pulmões.
— Eu quero com força, meu garanhão. Quero muito e com certeza
aguento. — Henrique me levou para um canto do estábulo que ficava entre
as baias, me virou de costas para ele e sussurrou.
— Segure, Hannah, eu estou faminto por você. — As mãos hábeis
do meu homem desceram por minha bunda, levantaram meu vestido e
começaram a acariciar meu sexo me enlouquecendo de prazer.
Eu mal conseguia respirar quando seus dedos começaram a
massagear meu buraco apertado e sem nenhum pudor rebolei em sua mão.
Meu marido estava duro como rocha e não podíamos demorar muito para
não correr risco de sermos pegos em flagrante. Estava sendo torturada com
algumas mordidas no meu ombro, dedo entrando e saindo de dentro de mim
e palavras devassas em meu ouvido.
— Rebola essa bunda gostosa, esfrega sua boceta em minha mão, eu
sei você gosta assim, duro, selvagem. — Eu tentava elaborar alguma frase,
mas só palavras desconexas saíam da minha boca.
Era demais respirar, falar, gemer e quase morrer de prazer ao mesmo
tempo. Quase gritei de êxtase quando senti um tapa na minha bunda, mas
fui calada por Henrique que enfiou o dedo em minha boca com meu sabor,
aquilo podia parecer sujo para alguns, mas para mim era o paraíso.
— Fica quietinha, não grita, vou te foder como nunca fiz antes. — E
seu pau entrou em mim de forma avassaladora, me preenchendo por inteiro
e me fazendo quase desfalecer de tanto prazer.
Chegamos ao orgasmo juntos, suados e com o coração quase saindo
pela boca. Ainda estávamos nos recompondo quando ouvimos meu pai
entrar com Lara no estábulo.
— Vamos ver se o papaizinho e a mamãe estão aqui tratando dos
cavalos. — Quase desmaiei quando ouvi a voz do meu pai, em total
desespero cochichei com meu marido:
— Ai, meu Deus! Henrique, meu pai vai saber o que fizemos. O que
a gente faz?
— Fica calma, meu amor, deixe comigo. — Henrique pegou um
esfregão que estava no chão e começou a passar no cavalo que estava ao
nosso lado.
Ele olhou para mim e fez sinal para eu me sentar em um caixote que
estava perto da baia.
— Filha, estou aqui atrás dando um trato nos cavalos do vovô. —O
cretino falou e ainda piscou para mim.
Eu ainda tentava regularizar minha respiração. Quando meu pai se
aproximou de nós dois, Hannah veio correndo e me abraçou.
— Mamãezinha, eu estava preocupada com você e meu irmãozinho.
—Fiz um carinho nos cabelos dela e a enchi de beijos porque estava
impossibilitada de falar. Fui salva por meu marido.
— Não estava preocupada com seu papaizinho não, mocinha? —
Ela me soltou e correu para os braços do pai que a carregou e colocou no
pescoço.
— Clarooooo que sim, meu amor. — Meu pai achou graça no jeito
dela falar.
— Esta menina não parece ser uma criança, conversa de tudo. O
vovô está aprendendo muito com ela, não é bebê? — Lara levantou o
dedinho em riste e falou séria com o avô.
— Vovozinho, eu não sou bebê, sou “grandona”, o bebezinho é o
meu irmão. — Meu pai sorriu para ela e se desculpou.
— Verdade, você já é uma mocinha, que cabeça a minha.
— Isto mesmo, vovozinho. Papaizinhoooo, você fez um machucado
no ombro? Ai meu Deusssss!!! Tá saindo sangue — disse apavorada com as
mãos no rosto como se todo o sangue do pai estivesse saindo pelo pequeno
arranhão.
Meu rosto queimou quando a vi mostrando um arranhando no
ombro do meu marido, fiquei morrendo de medo do meu pai desconfiar de
algo.
— Não foi nada, filha, o papaizinho se arranhou em um galho, mas
vamos entrar e tomar um banho antes do jantar. — E assim ela se distraiu e
nós saímos do estábulo direto para a casa grande da fazenda.
O susto que levamos naquele dia, não nos impediu de continuar
nossas aventuras sexuais, mas optamos por lugares mais afastados. Nas
terras do meu pai havia uma cachoeira maravilhosa.
Eu e Henrique pedimos aos meus pais para cuidar da Lara e da
Nininha, para fazermos um piquenique. Foi um dia de muitas guloseimas e
sexo. Transamos na água gelada, embaixo da árvore e por último dentro do
carro.
Aqueles estavam sendo dias para ficar marcados para sempre em
nossa coleção de boas recordações. Eu tinha um baú de madeira onde
guardava fotos e escritas dos melhores momentos de nossa vida.
Como dizia o velho ditado: tudo que é bom dura pouco. Voltamos
para nossa casa depois de sete dias de paz e tranquilidade. Mamãe e papai
nos deram mil recomendações e prometemos voltar mais vezes.
Lara estava encantada com tudo que viveu na fazenda. Ela e
Nininha pularam e brincaram tanto que voltaram desmaiadas quase toda
viagem. Eu voltei para casa com uma sensação ruim, era como se algo fosse
acontecer.
Assim que chegamos meu marido voltou a trabalhar e como tinha
ficado muitos dias fora, não estava conseguindo almoçar em casa. Minha
cunhada veio nos visitar para saber das novidades e aproveitei para mostrar
a ela as fotos que tiramos na viagem.
Thiago estava morrendo de saudades da prima e sumiram para o
quintal com a Nininha junto. Dodora não sabia o que fazer para mimar e
satisfazer os desejos da minha filha.
Durante nossa viagem, nossa secretária foi para a casa da filha, no
entanto, ela era tão amorosa e cuidadosa que voltou um dia antes de
chegarmos para deixar tudo arrumado em nossa casa. Priscila vivia
brincando com ela que iria roubá-la.
— Dodora, você tem certeza de que não tem uma irmã gêmea? Eu
preciso de alguém como você para me ajudar, não dou sorte como Hannah
deu contigo.
— Bondade, dona Priscilla, eu que sou afortunada pelos meus
patrões, eles são como filhos para mim. — Eu levantei e dei um abraço
apertado naquela fofa.
Dodora era uma mulher com seus sessenta anos, muito carinhosa e
habilidosa com crianças.
— Priscilla, tira este olhão de cima da minha querida, mas quem
sabe Dodora não conhece ninguém para te indicar?
— Prometo tentar encontrar alguém para você, dona Priscilla. Agora
preciso começar a preparar o jantar, porque daqui a pouco o patrão chega
cheio de fome. — Minha cunhada deu uma de suas risadas que eu amava.
— Meu irmão vai acabar engordando com sua comida deliciosa,
Dodora.
— Vai nada, o patrão trabalha muito, precisa se alimentar bem. Ela
foi para cozinha e Priscilla riu para mim.
— Esta daí bate em qualquer um que falar mal do meu irmão. — Eu
balancei a cabeça rindo, pois ela tinha razão.
Levei minha cunhada para o meu quarto, para mostrar as roupinhas
que eu e Lara compramos no shopping para o irmãozinho dela. Estávamos
cumprindo à risca o que a pediatra nos orientou em relação a Lara. Para ela
não sentir ciúmes do irmão fazíamos ela participar de tudo que dizia
respeito a Noah.
Minha cunhada foi embora com Thiago reclamando que queria ficar
mais. Combinamos de fazer um churrasco no fim de semana para as
crianças brincarem na piscina da tia.
Meu marido chegou do serviço me beijou e foi direto para o quarto.
Achei Henrique tenso quando perguntei se estava acontecendo algo, disse
não ser nada demais, mas eu o conhecia muito bem. Tinha alguma coisa
errada e eu ia descobrir o que era.
Eu daria a ele um ultimato e não aceitaria enrolação.
Capítulo 46

Medo de perder vocês

Os dias na casa dos meus sogros foram um bálsamo para minha


alma. Um lugar lindo, cheio de verde, ar puro e muita comida tradicional
dos mineiros. Acho que ganhei alguns quilos com a delícias feitas por
minha sogra. Não sabia o quanto um mingau de milho que eles chamam de
Papa de Milho poderia ser tão gostoso.
Ver a alegria da minha pequena sendo mimada pelos avôs e pelo tio
me deixou muito feliz. O cuidado deles com minha Lara proporcionou
muito tempo livre para que eu e Hannah namorássemos à vontade.
Sempre gostei de voltar para casa após minhas viagens, mas desta
vez não apreciei a volta. Enquanto Gustavo estivesse solto e invisível para a
polícia como o infeliz estava, eu não teria paz.
Minha irmã vinha insistindo para eu contar a minha esposa a origem
do meu desassossego, mas eu não queria preocupá-la com nada, ela estava
grávida e este não era momento para abalos.
Meu serviço acabou por se acumular em função dos dias de folga.
Não conseguia almoçar em casa com minhas meninas e estava me tornando
um louco obsessivo. Monitorava as duas por telefone de hora em hora.
Meditar e conversar com Deus se tornou constante em minha vida, eu
clamava pela segurança dos meus amores e pedia para ter uma luz sobre o
paradeiro do maldito.
Passei o dia inteiro agoniado com um aperto no peito. Quase larguei
tudo e fui atrás de Hannah quando ela me disse que estava no shopping com
Lara. Tentei me controlar, uma vez que as duas precisavam perder o medo
de sair.
Desde a situação ocorrida no interior da loja com minha pequena,
elas saíram poucas vezes sem minha companhia e eu não queria as duas
traumatizadas. Bastava eu e meus traumas.
Quando cheguei em casa, guardei o carro na garagem e fui até a
caixinha de correio, este era meu hábito. Meu coração parou ao ver um
envelope preto, sem remetente endereçado a mim. Não havia selo, muito
menos carimbo dos correios, alguém o tinha deixado ali. Sem entrar parei
no jardim e o abri. Faltou ar em meus pulmões quando vi as cinco fotos da
minha esposa e filha no shopping.
Estava claro que o infeliz as estava seguindo. As fotografias
mostravam as duas sorrindo pelos corredores das lojas vendo uma vitrine,
em uma loja de brinquedos, de roupas de bebê e, por fim, na praça de
alimentação.
Saí do meu estado de choque quando fui arrebatado por uma
pequena correndo e pulando em mim. Guardei o envelope em minha pasta e
a carreguei. Apertei tanto minha filha dentro do meu abraço que ela chegou
a reclamar.
— Ai, papaizinho, tá me apertando muito. Tá com saudades da
Lara?
— Desculpe filha, é sim, muita saudade da pequena sereia.
— Eu também tava com muita saudade do meu príncipe. — Meu
Deus, precisei me esforçar para não ser abatido pela emoção daquele
momento singular.
Lara era com certeza meu coração fora do peito, minha eterna salva-
vidas. Eu a amava demais. O sentimento não cabia em mim e o fato do
perigo estar rondando as duas estava me desequilibrando.
Entrei com a pequena no meu colo e encontrei minha linda esposa
com sua barriga de grávida sorrindo para mim. Eu a beijei e abracei ainda
com nossa filha no colo e ela como sempre me distraindo dos problemas.
— Papaizinho, olhaaaa, você está com seus amores todinhos dentro
desse abraço.
— Sim, filha. O papaizinho está com os três amores da vida dele,
você, a mamãe e o Noah. Eu sou o homem mais feliz do mundo. — Minha
princesa em sua inocência infantil abriu os bracinhos o máximo que
conseguia.
— Nosso amor é deste “tamanhão”. — Eu a beijei muitas vezes, ela
encolhia sentindo cosquinhas e dando seu sorrisinho angelical.
Meus olhos ficaram marejados e minha esperta esposa percebeu que
algo não estava bem, era questão de minutos para ela me interrogar. Antes
dela ter tempo anunciei que precisava urgente de um banho.
Deixei as duas na sala e subi a escada pulando de dois em dois
degraus para não dar tempo a Hannah de me seguir. Não era fácil para mim
deixar a emoção tomar conta do meu ser. Fui criado ouvindo que homem
não chora, mas eu precisava me permitir liberar minha frustração.
Chorei muito debaixo do chuveiro, soquei algumas vezes a parede
do banheiro deixando minha mão vermelha. Não quebrei nada porque com
certeza minha esposa viria ao meu encontro e teria que acabar contando o
que estava me atormentando. Bastou eu sair do banheiro para dar de cara
com Hannah me olhando.
— Capitão Estevão, pode desembuchar e me falar o que está
acontecendo com você? — Respirei fundo para ganhar tempo. Nada me
faria falar o real motivo das minhas noites mal dormidas e do meu mau
humor.
— Meu amor, são só problemas no serviço, nada demais. — Ela me
olhou fechando o olho esquerdo com expressão de dúvida.
Hannah tinha esta mania quando estava tentando descobrir se eu
estava omitindo algo, mas eu era treinado para não demonstrar nada.
— Tem certeza? Estou te achando mais preocupado que o normal.
Bastou chegar da viagem para você voltar a ter pesadelos e ficar
introspectivo. Amor, por favor, confia em mim, eu não sou uma boneca de
vidro. É o Gustavo, não é? — Meu coração disparou e eu cometi um erro
gravíssimo, revidei rápido demais.
— Está louca? Não tem nada a ver com seu ex-namorado drogado...
— Fui surpreendido por uma mulher em fúria como eu nunca tinha visto
antes.
— Pode parar por aí, Senhor Estevão. Eu não sou burra e pensei que
você tinha mais fé em mim. Não quero ouvir mais nada até você resolver
me falar a verdade — gritou e saiu vermelha batendo a porta do quarto.
Permaneci assustado com o rompante dela, mas o que eu ia fazer?
Como contar para ela? Para não enlouquecer e acalmar os ânimos, vesti um
short e camiseta, coloquei tênis e resolvi correr. Precisava esfriar a cabeça e
pensar com calma.
Desci as escadas e saí batendo a porta sem falar nada, fui imaturo,
mas era o que eu dava conta no momento. Corri em ritmo acelerado por
quase duas horas, forcei meu corpo além do normal e acabei parando na
casa da minha irmã. Quando ela abriu a porta, deu um sorriso fraternal e
chegou para o lado para eu passar.
Fui direto para a cozinha, tomei um copo de água gelada e me
sentei. Ela parou ao meu lado, com a mão em meu ombro e me deu tempo
de falar. Como permaneci calado, ela iniciou a conversa:
— Fala comigo, irmão. Qual é o problema desta vez? — Priscilla
me conhecia na palma da mão e eu tinha quase certeza de que ela sabia do
acontecido na minha casa, pois, podia apostar que Hannah havia ligado
antes.
— Boa noite para você também, irmã. — Tinha uma raiva quando
ela resolvia ficar me analisando como fazia com seus pacientes.
— Não enrola senhor capitão, eu te conheço muito bem. O que está
pegando desta vez? — Tomei mais um pouco de água, puxei o ar, passei a
mão nos fios de cabelo suado e resolvi contar tudo a ela.
— Quando cheguei em casa encontrei um envelope com cinco fotos
de Hannah e Lara passeando no shopping. Eu sei que é aquele desgraçado,
minha irmã. Não sei mais o que fazer, me ajuda Pri. Eu não consigo achar o
bandido. — Ela se sentou na cadeira ao meu lado, me fez olhar para ela e
segurou minha mão.
Priscila era do toque, minha irmã tinha o dom de me acalmar com
um simples gesto.
— Henrique, eu te amo muito, você é o melhor homem que
conheço, mas precisa aceitar ajuda. Conte para Hannah o que está
acontecendo, sua esposa é mais forte que parece. Acredite em mim. —
Respirei fundo. Estava cansado demais.
Não sabia mais o que fazer para proteger minha família. Eu era o
responsável pela proteção delas e sentia como se estivesse falhando.
— Ela brigou comigo. Disse que eu não tinha fé nela e saiu batendo
a porta do quarto dizendo que só voltaria a falar comigo se eu contasse o
que havia acontecido. Priscilla, eu me fecho assim, pareço ser tão duro,
porque não posso demonstrar fraqueza. As pessoas têm que ver o quanto
sou seguro, entende?
Ela balançou a cabeça de um lado para o outro, fechou os olhos e
bufou para mim. Aquilo era um sinal de que minha irmã estava tentando
manter a calma.
— Henrique, você escutou o que falou? Hannah não trocou alianças
com o Comandante do grupo de operações especiais, se casou com o
homem por trás da farda. Não se esqueça de que sua esposa te conheceu em
um momento em que você estava em extrema fragilidade. Não tem que ser
sempre seguro e forte, meu irmão. Volte para casa e converse com ela. —
Abracei minha irmã e chorei feito uma criança.
Eu estava no meu limite e sem nenhuma vergonha deixei as
lágrimas darem vazão a minha dor. Minha irmã alisava as minhas costas e
beijava minha cabeça, sem palavras, só toques reconfortantes para minha
alma machucada. Depois que eu me acalmei, olhei nos olhos dela e
agradeci.
— Desculpe, minha irmã, mas você como sempre é meu porto
seguro. Eu te amo demais e não preciso me esconder para você. — Ela
sorriu de forma materna, passou seus dedos por meu rosto limpando
algumas lágrimas que ainda insistiam em cair, beijou me e tocou meu
íntimo com suas palavras.
— Meu irmão, não precisa se desculpar, você é um ser humano que
sobreviveu a pior dor e de forma linda se reinventou. Não se esconda de sua
esposa, deixe ela te ver como você é. Não tem nenhum problema em
mostrar sua frustração por não encontrar o ex dela. Eu vou te ajudar, não se
esqueça que sou especialista em mentes doentias. — Eu a abracei de novo e
a agradeci.
— Obrigada, minha little cat. O que seria de mim sem você? Ela
deu um sorriso convencido e soltou uma de suas pérolas.
— Não seria nada, meu irmãozinho. Eu sou a melhor de todas as
irmãs do mundo. — Dei uma gargalhada e completei sua frase.
— Esqueceu de dizer que é a mais modesta também. — Ela riu, se
levantou me puxando da cadeira e me levou para a porta de sua casa.
— Agora mexa esta bunda linda, vai resolver a situação com sua
esposa, senhor capitão. — Ela me deu um tapinha na bunda e eu caí na
gargalhada, minha irmã era demais.
Beijei sua testa e saí correndo para minha casa. Priscilla tinha razão,
eu precisava conversar com minha esposa.
Capítulo 47

Chateada com você

Nada no mundo me irritava mais que me deixarem no escuro. Eu


odiava ser vista como uma boneca de porcelana que podia quebrar na
primeira queda. Henrique não ia mais me deixar sem saber o que estava
acontecendo.
Quando ele subiu para o quarto, eu fui atrás dele para fazê-lo falar o
que estava acontecendo, mas ele já havia entrado para o banho. Sentei-me
em nossa cama e esperei ele acabar.
Foi possível ouvi-lo resmungar dentro do banheiro, só não consegui
entender o que ele falava. Depois ouvi nitidamente sons como se ele
estivesse socando algo e eu tinha certeza de que era a pobre parede do
banheiro. Conhecia meu marido e algo estava o deixando louco.
Ele saiu do banho enrolado na toalha e meu corpo aqueceu com as
gotas de água em seu peito e cabelos molhados. Os agitadores hormônios da
gravidez me deixavam como uma gata no cio, mas respirei fundo para me
concentrar na minha missão.
Olhei para sua mão e vi que estava vermelha, aquilo me fez voltar a
raiva e não fiz rodeios, fui direto ao ponto que me incomodava. Quando ele
se atreveu a dizer que eu estava louca e não era nada, perdi a classe e gritei
toda minha raiva. Resolvi bancar a louca, como ele havia me chamado.
Henrique ficou assustado, pois eu nunca tinha agido assim. Minha
paciência acabou, não aguentava mais ficar no escuro sem saber o que
estava acontecendo.
Saí batendo a porta e fui direto para a cozinha tomar água com
açúcar. Meus nervos à flor da pele podiam fazer mal ao meu bebê. Ouvi a
porta da sala batendo e não acreditei que meu marido saiu sem me falar
nada.
Lágrimas de raiva desceram do meu rosto sem controle, sorte minha
que Dodora havia saído com Lara para comprar sorvete para a sobremesa.
Caso contrário, minha filha teria assistido nossa primeira briga mais séria.
Desisti de preparar a mesa para o jantar. Meu marido saiu sem seu
carro, imaginei que ele teria saído para correr. Henrique sempre buscava a
corrida como forma de esfriar a cabeça.
Quando minha filha chegou com Dodora, foi logo procurando pelo
pai. Falei que ele precisou sair para resolver uma situação no trabalho e que
nós iríamos jantar no balcão da cozinha.
Lara só aceitou bem porque eu disse que se ela comesse tudo, nós
íamos tomar o sorvete que elas compraram e depois eu ia ler uma história
bem legal para ela dormir.
— Da Pequena Sereia, mamãezinha?
— Sim, meu amor, pode ser esta.
— Eu gosto muitoooo dessa his-tó-ria. — Acabei rindo do jeito dela
falar em sílabas para não errar a palavra.
Era claro que seria aquela historinha, ela nunca cansava. Deixei a
pequena dormindo em seu quarto e fui para o meu. Estava com muita raiva
do Henrique. Estava há mais de duas horas fora de casa sem me mandar
nenhuma mensagem. Resolvi tomar uma ducha fria para acalmar meu corpo
que estava chamas de fúria por meu marido ter fugido sem deixar rastros.
Quando saí do banho vi meu celular que estava em cima da cama
piscando uma notificação. Juro por Deus, só abri a mensagem porque eu
estava preocupada com o imbecil do meu marido que eu amava feito louca.
Pri::Hannah, não se preocupe, meu irmão acabou de sair daqui.
Tenha paciência, Henrique está se sentindo perdido, ele não sabe lidar com
frustrações no trabalho, ainda mais quando envolve a família dele. Ele vai
conversar com você, tente ser receptiva. Um beijo da sua cunhada que te
ama.
Pensei em ligar para ela, mas fui surpreendida por meu marido
entrando no quarto com uma expressão abatida e com olhos vermelhos.
Meu coração falhou algumas batidas ao perceber que ele tinha chorado.
Era demais para mim saber que meu capitão estava sofrendo a ponto
de chorar. Eu ainda não havia vestido nada, estava só com um robe de cetim
rosa claro e ainda aberto na frente.
Eu queria brigar, espernear, mas fui derrubada pelo olhar perdido do
meu homem. Sem esperar ele falar nada corri para seus braços. Ele me
abraçou apertado, me beijou de forma sofrida e acabamos na cama fazendo
amor como se nossa vida dependesse daquilo.
Sem palavras. Só sensações, toques e respirações ofegantes.
Chegamos ao clímax com Henrique me olhando como se quisesse fundir
minha mente. Foi um momento de extrema libertação. Nossos corpos
unidos deixavam claro tudo o que estava em nosso coração.
Quando conseguimos recuperar nossa respiração, fiz um carinho no
cabelo do meu marido, beijei seus olhos, nariz, face e boca. Ele puxou o ar
com força e começou a falar como se estivesse em transe.
— Sabe Hannah, eu vivi muitas perdas até hoje. Perdi o melhor da
minha infância escondido em um buraco no quintal para não ser alvo da
mente violenta do meu pai. Depois Laura partiu no momento em que seria o
mais sublime de minha vida e quase abdiquei de ser pai, você sabe disto. —
Henrique respirou fundo, passou a mão no cabelo e eu segurei sua mão para
dar força a ele de continuar. — Lara e você entraram em minha vida quando
eu achei que tudo estava perdido. O meu mundo aos poucos foi voltando a
ter cor. Eu redescobri o amor nos seus braços e meus dias voltaram a ter
esperança e alegria. Tudo ia muito bem, até que seu ex-namorado resolveu
voltar a sua vida e acabar com meus dias de paz. Meu amor, eu não posso
perder mais nada, entende? — Eu o abracei apertado o protegendo de tanta
dor.
— Henrique, você não vai me perder. Eu te prometo, não vou deixar
nada acontecer com a gente, meu amor. Por que você está assim? Fala
comigo. Gustavo fugiu, não foi? — Ele fechou os olhos e fez uma
expressão de dor.
Eu esperei até que ele me olhou apavorado balançando a cabeça de
forma afirmativa.
— Fugiu há dois meses, Hannah. Eu não consigo achar aquele filho
da puta. Eu e meus homens já fizemos de tudo e não o encontramos.
Naquele dia da loja de bebê, era ele meu amor. O maldito estava disfarçado,
mas eu rastreei todas as câmeras e confirmei a identidade dele. — Meu
coração batia de forma descompensada, meu bebê inclusive começou a
mexer muito como se sentisse meu nervosismo. Permaneci em silêncio,
tentando demonstrar calma para ele continuar falando. — Ele andou sumido
por um tempo, mas hoje quando cheguei achei um envelope na caixa de
correio com cinco fotos suas e de Lara passeando no shopping. Este foi o
motivo do meu desespero, entendeu?
Cocei a testa, respirei, pensei e pedi a Deus em pensamento
sabedoria para falar a coisa certa.
— Henrique, você deveria ter me falado antes, meu amor, muita
coisa seria evitada. Precisa entender de uma vez por todas que eu sou sua
esposa, sua mulher para o que der e vier. Não sou frágil como pareço ser e
meu papel é te ajudar. — Ele me olhava de forma vidrada com olhos
marejados e aquilo cortou meu coração, mas eu precisava continuar e fazê-
lo entender que errou ao querer me proteger sem me falar o que o afligia. —
Nós somos casados e entre nós não pode haver nenhuma barreira, silêncio
ou mentira. Vamos enfrentar juntos, tudo. Eu te amo com todas as minhas
forças e não vou deixar ninguém interferir em nossa vida. Contrate os
seguranças e amanhã mesmo iremos juntar as peças deste quebra cabeça.
Você vai me mostrar as filmagens e nós vamos achar este infeliz ou não me
chamo Hannah.
Ele deu um sorriso triste que não chegou aos olhos, passou a mão
em meus cabelos e se declarou como eu adorava:
— Eu te amo demais, minha linda, desculpe por não ter percebido
antes a leoa que eu tinha ao meu lado. Vem cá beijar seu leão apaixonado.
— Henrique me puxou para seus braços e nos beijamos selando uma nova
fase em nossa vida.
Depois ele me pegou no colo e fomos para a banheira, precisávamos
lavar nosso corpo e alma. Eu tinha certeza de que tudo ia se acertar.
Capítulo 48

Salvo por um amigo

Você pensa que não pode mais ser surpreendido, aí vem a vida e te
mostra outra situação. Nossa briga me fez conhecer a fortaleza chamada
Hannah. Eu tinha certeza de que seria o medo e o desespero que tomariam
conta dela, no entanto, se demonstrou forte, com grande sabedoria e reagiu
muito diferente do que eu esperava. Ela tomou frente da situação pedindo
para não ser mais poupada. Contei tudo sem omitir nenhuma informação.
Depois descemos para a cozinha, fizemos um lanche leve entre
beijos e carícias. Dormimos por volta de meia-noite e pela primeira vez
desde que o infeliz havia fugido, eu consegui dormir sem pesadelos em um
sono reparador.
Acordei cedo para o trabalho e prometi a Hannah chegar às
dezessete horas com as filmagens das câmeras do shopping e dos meus
vizinhos. Durante o meu expediente de trabalho, lembrei-me de um amigo
de longa data que talvez pudesse me ajudar.
Resolvi ligar para o capitão Miguel Germano¹, ele era um oficial
muito competente acostumado a viver situações bem adversas. No terceiro
toque ele me atendeu com seu jeito amistoso de sempre.
— Meu Deus, quem é vivo sempre aparece, não é mesmo? Capitão
Henrique Estevão. A que devo a honra desta ligação, meu amigo? —
Miguel continuava o mesmo espirituoso e um tanto exagerado.
Uma vez que nos encontramos há menos de um ano em um encontro
das forças de segurança nacional.
— Fala irmão, como estão as coisas por aí com sua família? Fiquei
sabendo que sua esposa foi promovida a capitã, dê meus parabéns a
Amanda por mim.
— Foi sim, pode imaginar o que eu passo com esta mulher? Já era
terrível quando era tenente, imagina agora? Meu consolo é que estou tendo
o prazer de ver meu amigo Otávio² de quatro pela sua esposa que também
foi promovida a capitã. As duas juntas são terríveis. — Dei uma gargalhada,
porque realmente as esposas dos meus amigos eram fogo na roupa, mas eles
eram apaixonados e rendidos a elas.
As mulheres tinham jeito de anjo, mas eram as melhores PFEM³ que
eu já conheci na vida.
— Verdade, tinha me esquecido da capitã Alice. Mande meu abraço
ao Otávio.
— Pode deixar, mando sim e vamos combinar de nos encontrarmos.
É só você me falar quando podem vir e vamos para o sítio. Sua pequena vai
gostar de brincar com os meninos.
— Vamos ter que esperar um pouco. Não te contei a novidade, mas
serei pai de um garotão, o Noah.
— Oh, meu irmão, parabéns e dê meu abraço em Hannah. Então,
quando seu garotão nascer, deixe passar uns meses e venha aproveitar as
férias em Porto Alegre conosco. Vai ser um prazer receber vocês. Agora me
conta aí, o que posso te ajudar? Tenho certeza de que é um problema dos
bravos.
Não tinha muito como enrolar, afinal, Miguel me conhecia muito
bem para saber que algo estava acontecendo. Contei tudo ao meu amigo
sem deixar de fora nenhum detalhe. Ele sabia da existência de Gustavo e de
sua prisão, porque no nosso encontro eu havia contado a ele e ao Otávio.
Eu tinha certeza de que ele teria alguma ideia melhor que a minha.
Se tinha algo que anos de polícia me fez aprender, é que ao ter nossa família
envolvida em qualquer situação de perigo, os amigos conseguem pensar
estratégias melhores que a nossa, uma vez que estão vendo a situação de
fora.
— Henrique, eu penso que contratar segurança formal de terno e
ficar atrás de sua esposa o tempo todo não vai te ajudar a encontrar o
meliante, no entanto, se você colocar estes seguranças velados4 pode dar
certo.
— Porra cara, você é o melhor! Esses caras vão dar segurança a
minha família sem alertar o maldito que vive rondando minha casa.
— Eu sei que sou foda. — Ouvi a gargalhada do meu amigo e
acabei rindo também, sei que ele só está querendo me distrair um pouco,
pois o Miguel era o cara mais centrado que eu conhecia. — Você coloca uns
dois disfarçados de gari e sei que tem uma praça perto de sua casa, coloque
um zelador e comunique a Prefeitura que será uma operação de sigilo da
polícia. — Minhas esperanças foram alimentadas com a conversa com meu
amigo e ainda consegui agregar valor à ideia dele.
— Posso também colocar uma segurança velada como babá de Lara,
para acompanhar Hannah quando precisarem sair. Cara, você é mesmo foda
e eu serei eternamente grato.
— Deixa de besteira, cara, amigo são para estas horas. Qualquer
coisa conte comigo e vai me colocando a par da situação. — Nos
despedimos comigo prometendo de mantê-lo informado sobre nossos
avanços.
Quando desliguei o telefone respirei fundo, a conversa com Miguel
me deixou mais calmo e pronto para começar meus planos. Minha primeira
providência foi marcar uma reunião para aquele dia com o secretário de
Serviços Urbanos. Precisava informá-lo da operação sigilosa e solicitar a
ele uniformes usados pelos garis e zeladores dos parques municipais.
Logo depois, liguei para meu amigo delegado, precisava ver a
disponibilidade dele se reunir comigo à noite. Eduardo e eu estudamos
Direito juntos e desde a faculdade éramos inseparáveis.
Conversamos um pouco, contei a ele sobre as estratégias sugeridas
pelo Miguel e marcamos às vinte horas em minha casa. Com a confirmação
dele, saí da minha sala atrás do capitão Roberto, meu parceiro de uma vida.
Contei a ele tudo que tinha se passado e ele confirmou presença na nossa
reunião.
Naquele dia fui almoçar em casa, precisava contar todos os avanços
da manhã para minha esposa. Hannah ficou muito feliz e confiante, disse
que ia preparar um delicioso jantar para meus amigos.
Pedi a ela que preparasse Dodora para entender como aconteceria
toda operação, uma vez que teríamos uma segurança babá dentro de casa. A
nossa secretária do lar estava conosco há três anos e cuidava de tudo como
se fosse nossa mãe.
O mais engraçado aconteceu quando minha esposa me acompanhou
até ao carro na hora de retornar ao trabalho. Ela me mostrou sua
preocupação em relação a aparência da segurança que ficaria com ela.
— Está com ciúmes, meu amor? — Ela entortou a boca para o lado
esquerdo e revirou os olhos.
— Ciúmes não, meu querido, isto chama-se cuidar do patrimônio.
Pode dar um jeito de contratar uma mulher feia para ser minha segurança,
sei bem que o senhor é chegado em uma babá. — Fui obrigado a dar uma
risada, Hannah não existia.
Eu a puxei para meus braços e a calei com um beijo forte e duro
para ela perceber quem era a única dona do meu coração. Depois segurei
seu rosto e fiz com que me olhasse nos olhos.
— Você disse certo, meu amor, eu sou “chegado” em uma só babá:
você. — Voltei para o trabalho com a certeza de que tudo daria certo e nós
conseguiríamos acabar com meu tormento.
Capítulo 49

Insano

Estava adorando brincar de gato e rato com o capitão. Quando


deixei o envelope na caixa de correio da casa dele, fiz questão de ficar
escondido para observar a reação do policial todo poderoso. Queria mostrar
a ele como era fácil atingir as duas sem deixar rastros.
Precisava acabar com aquele sorrisinho arrogante no rosto dele, mas
antes iria torturá-lo, mostrar como era frustrante não ter controle sobre sua
vida. Vingança, este era o sentimento que me movia.
Paciência, principal virtude para o sucesso dos meus planos.
Sequestrar minha mulher e sumir com ela da vista do capitão era minha
missão de vida, mas eu não podia falhar, caso contrário, colocaria tudo a
perder.
Meu mestre me ensinou a seguir com o planejamento fazendo
pequenas alterações caso fosse necessário, ele sempre me dizia:
— Gustavo, um homem sábio é aquele que age com calma,
seguindo metas para alcançar seus objetivos. Vocês, jovens, são muito
ansiosos, por isto se dão mal. — Eu estava seguindo todos os ensinamentos,
não podia errar, pois ele costumava ser intransigente com meus erros.
Minha última falha foi inadmissível, precisei mudar meu disfarce e
dar um tempo nas minhas saídas para seguir os passos da Hannah. Porém,
eu não podia deixar esfriar o tormento do capitão, então coloquei em prática
a segunda parte do meu planejamento.
Saí de casa rumo ao ponto de ônibus que ficava próximo a minha
quitinete. Meu destino era afastado do centro e do bairro de rico do capitão.
Cantinho do Sul era um lugarzinho no meio do nada às margens da BR que
cortava nossa cidade.
Eu já sabia para onde ia. Meus parceiros do presídio me
informaram sobre um casebre disponível para aluguel. Pela descrição feita
pelos parças, o local era ideal para atingir meus propósitos, pois não havia
nenhuma construção por perto.
Assim que saí daquele inferno, providenciei a locação do pequeno
imóvel direto com o proprietário. Como orientado pelo Bola Sete, bastou
citar o nome dele e não houve dificuldades na transação.
Dentro do ônibus eu estava pensando como executar uma parte
importante do plano sem deixar qualquer pista. Para minha sorte, o único
lugar vago era ao lado de uma senhorinha. Ela foi conversando comigo
sobre minha aparência que lembrava a do filho falecido.
Claro que fui simpático e bom ouvinte, na verdade, aquela senhora
me fez recordar da minha mãe e o quanto ela me fazia falta. Infelizmente,
por motivos de força maior, eu precisei abandonar meus pais e sumir
deixando uma carta dizendo que iria estudar em Londres.
A idosa me disse onde desceria. O local ficava quatro pontos antes
do meu. Assim que chegamos na sua parada, ela se despediu me
convidando para um dia tomar um chá em sua casa.
Desceu do ônibus toda sorridente e eu fiquei acenando pela janela.
Para minha surpresa, ao olhar para o chão vi o celular dela caído perto do
meu pé, nossa, era tudo o que eu precisava. Quando você pensa que as
coisas estão saindo erradas, vem Deus e te mostra uma solução.
Desativei a internet, desliguei o aparelho e guardei em meu bolso.
Resolvi descer dois pontos antes do local indicado no endereço, precisava
comprar algumas coisas.
Na primeira loja que parei, adquiri alguns produtos femininos,
travesseiro e um lençol. Depois andei até uma loja de material de
construção, porque precisava de cordas, cadeado, um quilo de cimento, um
balde de areia, enxada e um gancho de ferro.
Os vendedores ofereceram para entregar no meu endereço, mas eu
não podia arriscar, agradeci dizendo da minha urgência no material. Estava
pesado, mas a dor, a exaustão, costumavam me impulsionar.
Carreguei tudo nos braços até chegar ao casebre e iniciei a
preparação do cenário ideal para o meu objetivo, eu tinha um item especial
para deixar naquele lugar.
Depois de um dia inteiro de trabalho, fiquei satisfeito com o
resultado da minha obra. Estava suado, cansado, com fome, mas louco para
passar à segunda fase.
No pequeno banheiro que ficava nos fundos do casebre, tentei me
refrescar e me limpar um pouco. Resolvi voltar para casa ainda naquela
noite. Antes de ir para o ponto de ônibus, passei em uma padaria e comprei
três pães e um pouco de mortadela, aquilo teria que servir como meu jantar.
Cheguei em minha quitinete por volta de dezenove horas, tomei um
banho e depois comi meu lanche repassando todo o plano em minha mente.
Estava chegando a hora de começar o jogo pesado com o capitão e eu sabia
que não seria fácil, pois o homem era bem treinado.
Eu tinha uma vantagem sobre ele, o meu mestre. Ele tinha muita
sabedoria, era habilidoso, ardiloso e não me deixava perder o foco. Capitão
Estevão Henrique ia se arrepender do dia em que cruzou meu caminho.
Dormi um sono agitado, cheio de sonhos e alguns pesadelos. Era
sempre assim quando estava ansioso. Eu odiava sonhar com cobras e elas
me perseguiram nos pesadelos daquela noite. Acordei de madrugada todo
suado, assustado, com sede e coração disparado.
A cena que vi no meu sonho foi aterrorizante. Eu estava preso em
uma corrente no casebre e meu mestre estava amarrado no encosto de uma
cadeira em minha frente. Havia uma cobra enorme que o atacou com seu
bote certeiro, arrancando a sua cabeça, deixando seu corpo inerte e banhado
em sangue.
Saí da cama um pouco desorientado e resolvi correr para ver se
dissipava a adrenalina que estava correndo em minhas veias após o
pesadelo. Corri por quase duas horas, mas nada me acalmava.
Cheguei em casa e me sentei no chão da sala com uma caixa onde
tinha fotos de Hannah com alguns recordes de jornal sobre o capitão.
Resolvi reestruturar meu painel na parece e quando minha obra de arte
ficou pronta, me masturbei vendo as fotos da mulher que me abandonou.
Foi um ato insano, cheio de raiva e brutalidade, quase machuquei
meu pau, mas me senti melhor e pronto para executar a segunda parte do
plano. Era tudo ou nada. Sem retorno.
Capítulo 50

Controlando a adrenalina

Henrique voltou para o trabalho animado com seu novo plano para
descobrir o paradeiro daquele maluco. Meu Deus, se eu suspeitasse da
loucura do Gustavo nunca teria me aproximado dele.
Voltei para dentro de casa com o coração disparado, era muita
adrenalina para uma grávida. Caminhei puxando o ar com calma, contando
mentalmente de um a seis e fiz o mesmo processo ao soltar o ar. Segundo
minha cunhada, as técnicas de respiração eram ótimos calmantes naturais.
Cheguei na sala e senti falta da minha pequena e da gigante Nininha.
Fui até a cozinha e Dodora me informou que ela havia adormecido assim
que o pai saiu e que a cadela estava na sua casinha dormindo.
Aproveitei o momento de paz para explicar a ela sobre a operação,
ela se mostrou muito preocupada com tudo que falei.
— Hannah, isto não é perigoso? Nossa, eu tenho tanto medo de que
algo aconteça com vocês. — Fui até ela e dei um abraço apertado, não só
para acalmá-la, mas para me tranquilizar também.
— Dodora, vai dar tudo certo, vamos seguir à risca as orientações
do Henrique e de seus amigos. Meu marido sabe o que está fazendo, ele é
um dos melhores no que faz. — Eu precisava repetir aquilo muitas vezes
para apaziguar a minha agitação interna.
Pedi a ela que providenciasse os ingredientes para fazer lasanha,
salada e carne assada, prato preferido do meu marido. Subi para meu
quarto, pois precisava descansar e me acalmar um pouco. Minha agitação
estava perturbando meu bebê que estava mexendo mais que o normal.
Enchi a banheira com água morna, coloquei a essência de camomila
que minha cunhada havia me dado e acionei a minha playlist favorita no
celular. Todas as músicas faziam parte da minha vida com Henrique.
A temperatura da água, o aroma e a melodia me fizeram relembrar
do meu começo com o amor da minha vida. Nunca me imaginei casada com
um capitão de polícia e muito menos passar por tal situação com um ex
maluco. Mesmo sabendo da competência do meu marido, o medo de que
algo pudesse acontecer com ele não me abandonava.
Quando o conheci, a tristeza profunda presente em seu olhar
acabava comigo, eu sentia necessidade de salvá-lo. Adorava vê-lo com
Lara, pois eram os únicos momentos em que ele sorria e eu enxergava luz
em seus olhos.
O nosso envolvimento foi acontecendo sem que ele percebesse, no
entanto, eu fui arrebatada por ele muito antes de conhecê-lo. A primeira vez
em que o vi foi em uma ocasião em que o marido de Priscilla receberia uma
homenagem no teatro da cidade.
Eles saíram todos juntos da casa da irmã. Henrique estava lindo
vestido em um terno junto de sua esposa grávida. Eles eram um casal de
uma beleza estonteante, impossível de passar despercebidos. Na época eu
era uma menina e fiquei embasbacada, mal consegui disfarçar minha
admiração por eles.
Lembro-me de Priscilla me falando quando estava saindo:
— Meu irmão é lindo, não é? Eu sei que ele tem este efeito sobre as
mulheres. — Deu uma piscadinha e saiu me deixando vermelha de
vergonha por ter sido pega no flagrante desejando o homem alheio.
Desde aquele dia, adorava stalkear o capitão pela internet. Era meu
passatempo favorito ler todas as muitas reportagens nas quais ele aparecia.
Quando conheci aquele pequenino bebê que havia perdido a mãe de forma
trágica, só pensava na tristeza do seu pai.
Nunca vou me esquecer de quando comecei a trabalhar na casa dele,
eu precisava me controlar a todo momento para não ficar babando o
observando. Algumas vezes ele dormia no sofá com Lara sobre seu peito e
eu velava o sono dos dois.
Um dos dias mais marcantes da minha vida foi quando ele descobriu
meus hematomas causados pelo meu ex. A fúria em seu olhar mostrava o
quanto ele ficou transtornado com a situação.
Nosso primeiro beijo foi algo como transcender, era como se eu
estivesse atravessado um portal e chegado ao paraíso. Daí em diante, meus
dias se transformaram em sensações, realizações e amor.
Depois de tudo que Henrique passou, eu me via na obrigação de ser
uma esposa forte, por ele e pela minha pequena Lara. Não podia demonstrar
meu pânico, porque meu capitão estava fazendo de tudo para não
enlouquecer, pois além do risco em relação a Gustavo, havia o medo que ele
tinha da hora do parto.
Saí do meu momento remember mais calma e confiante. Fui até o
quarto de Lara e ela estava dormindo feito um anjo, a escolinha a deixada
exausta de tanto que brincava com seus amiguinhos. Dei um beijo em sua
testa e me deitei ao seu lado. Aquele corpinho e seu cheirinho de criança
sempre me acalmaram. Não demorou para eu adormecer em paz abraçada a
ela.
Naquela noite deixei minha pequena com a tia para que meu marido
pudesse conversar com seus amigos policiais sem que nossa menina
prestasse atenção a tudo. Era incrível como as crianças captavam tudo que
os adultos diziam e Lara era a rainha da esperteza. Nininha também foi
junto, pois Thiago adorava brincar com ela.
O delegado e o capitão Roberto eram pessoas muito agradáveis,
nosso jantar aconteceu em um clima de recordações, pois os três
relembraram dos tempos em que estudavam Direito. Adorei a disposição
deles para o jantar, comeram feito um verdadeiro batalhão de polícia.
Apesar da empolgação com o garfo, os três apresentavam um corpo
de dar inveja a qualquer atleta e eu sabia do condicionamento físico deles,
pois meu marido tinha o hábito de correr e praticar luta junto de seus
amigos.
Quando terminamos, eu os convidei a sala para conversarmos sobre
a estratégia que seria usada na operação. Eles tinham tudo planejado e
traçado de forma impecável. O capitão Roberto explicou sobre a supervisão
que faria em relação aos seguranças velados e ainda trouxe duas novidades
para meu marido.
— Henrique, eu não te contei ainda, mas recebi autorização do
comando para utilizar três policiais junto aos seguranças, eles irão compor a
equipe de varrição de rua neste quarteirão. Eu vou acompanhar tudo de uma
central de monitoramento, as câmeras vão estar instaladas em seus bonés e
no botão da camisa.
Henrique respirou fundo e deu o sorriso que eu mais amava, aquele
que mexia com minhas entranhas.
— Porra, cara! Você é o melhor, não sei nem como agradecer.
— Não precisa agradecer, meu amigo, mas ainda não acabou.
— Como assim? O que mais tem para me contar?
— O pessoal da inteligência descobriu interferência nos rádios,
como se alguém estivesse captando nossas conversas. Todas as frequências
dos rádios estão sendo alteradas e um especialista foi chamado para tentar
descobrir o endereço de onde vinha o sinal.
— Nossa! Será que é ele?
— Estamos confiantes que sim. Vamos aguardar a investigação.
— Cara, as melhores notícias, obrigado.
— Você sabe nosso lema na polícia, mexeu com um mexeu com
todos. — Eduardo balançou a cabeça confirmando a fala do Roberto.
— Henrique, além disto, não se esqueça que capturaremos um
fugitivo. O dossiê sobre o homem está quase pronto. Demorei um pouco
porque precisei de algumas autorizações e descobri o quanto ele tem uma
mente doentia, um perigo para a sociedade. Meus homens estão à
disposição do capitão no que for necessário. — Os três continuaram a
planejar tudo e inclusive me dando orientações sobre como eu deveria agir.
— Hannah, é muito importante você agir com naturalidade, mas
precisa estar atenta a qualquer pessoa que possa ter semelhança com o
Gustavo. Tenha em mente que ele não está com a aparência na qual você o
conheceu, com certeza, usará um disfarce.
— Eduardo, eu o reconheceria até se estivesse vestido de mulher. O
jeito dele andar não vai mudar, pois ele sofreu um acidente de carro na
adolescência e isto o fez não ter muita firmeza na perna esquerda. Apesar
de ser algo sútil, ele anda mancando um pouco para o lado. Deixe comigo.
— Henrique estava com a sobrancelha unida em cima do nariz formando
umas rugas na testa. Meu marido era ciumento demais e odiava me ver
falando do meu ex.
— Eu sei que estamos no caminho certo, mas o fato de colocar
minha esposa nesta operação me deixa muito preocupado. — Ele estava
sentado ao meu lado no sofá, pegou minha mão e levou a sua boca e deu um
beijo.
Roberto e Eduardo o acalmaram repassando todos os passos da
operação. Soltei a mão do meu marido para ver meu celular, ele havia
vibrado anunciando uma mensagem.
— Henrique, vou esperar Priscilla que está chegando com nossa
pequena. Sua irmã disse que ela está chorando querendo o pai. Novidade,
não é? — Os amigos de Henrique deram uma risada da cara que ele fez para
mim. — Verdade, porque vocês não sabem o quanto Lara me troca pelo pai.
Eu os deixei conversando e acertando os últimos detalhes e fui para
a porta esperar. Não demorou um minuto e vejo a irmã do meu marido
chegando com uma pequena no colo e Thiago trazendo Nininha que andava
próximo ao seu corpo. Realmente o adestrador tinha feito um milagre, ela
virou um doce.
— Oh, meu amor, vem com a mamãe. Acho que isto é soninho, titia.
— Lara abriu os bracinhos e veio para meu colo. Ela estava bem pesada,
mas eu não abria mão de carregá-la de vez enquanto.
— Mamãe, eu quero meu papaizinho.
— Eu sei meu bem, vamos lá para seu papaizinho. — Minha
cunhada despediu e voltou para sua casa.
Fui até a sala com a Lara no colo e quando ela viu o pai literalmente
se jogou em seu colo. Henrique sorriu para mim e ela deitou a cabeça no
ombro do pai que continuou conversando com os amigos, enquanto ninava
a filha. Aquela cena sempre me comovia, acho que nunca vou me enjoar de
observá-los.
Os amigos conversaram mais uns minutos e se despediram
combinando começar a operação em dois dias. Henrique os acompanhou até
o portão com Lara adormecida em seus braços. Depois de despedir dos
amigos, entramos em nossa casa, eu fechei a porta e acionei o alarme.
Foi um dia intenso, mas nos deixou cheio de esperanças. Subimos
para o quarto de Lara. Henrique a colocou na cama e eu troquei a roupa
dela que dormia um sono profundo.
Meu marido foi para nosso quarto, enquanto eu terminava de
arrumar a pequena ouvi o chuveiro. Meu corpo se agitou só de imaginar
aquele exemplar de deus grego embaixo da água.
Apaguei a luz, acionei a babá eletrônica que ainda fazia questão de
usar e fui ao encontro do meu amor.
Capítulo 51

Descobrindo um cativeiro

Deixei minha esposa no quarto de Lara e fui para o chuveiro.


Precisava de um banho relaxante para conseguir desacelerar e dormir.
Estava ensaboando minha cabeça quando senti uma barriga de grávida linda
em minhas costas. Ela me abraçou e começou a massagear meu pau.
— Acho que o capitão trabalhou muito hoje e precisa de uma
ajudinha no banho.
— Este capitão precisa de tudo que sua linda esposa possa oferecer.
— Ouvi sua risadinha sem vergonha e ela começou alisar meu pescoço com
a língua me deixando louco de tesão.
Ela passou sua mão em toda a extensão do meu amigão me fazendo
gemer. Senti seus dentes em meu ombro e segurei na parede para conseguir
me concentrar. Hannah estava disposta a me enlouquecer, pois passou para
minha frente, agachou e começou a me chupar com vontade. Fechei os
olhos e soltei o ar com força jogando minha cabeça para trás.
Quando percebi que estava prestes a gozar em sua boca, eu a
levantei e a beijei com volúpia e desejo. Enquanto nossas línguas duelavam
em um frenesi, eu desci minha mão por sua barriga arredondada e cheguei
em seu sexo.
Ela gemeu em minha boca e eu continuei a massageá-la do jeito que
eu sabia que ela adorava. Continuei a masturbá-la, beijá-la, até que ela
explodiu em minhas mãos. Eu a virei de costas e a penetrei devagar,
entrando e saindo de forma lenta, porque adorava fazê-la pedir por mais.
— Henrique, mais forte, por favor.
— Tudo para você, meu amor. — E assim eu acelerei nas estocadas
fazendo minha mulher gemer e gozar mais uma vez para meu deleite.
Logo depois que a senti apertando meu pau em espasmos, era minha
vez de enlouquecer com a mulher que amo. Saímos do banho saciados e
dormimos abraçados.
Acordei de madrugada com uma pequena entrando no meio de nós
dois. Estávamos tentando mudar este hábito de Lara, mas às vezes eu
acabava me sucumbindo a seu corpinho junto ao meu.
Minha filha era meu ar e tê-la protegida em meus braços me dava
paz. Priscilla havia convencido Hannah de que a criança precisava dormir
em seu quarto para se tornar um adulto seguro, mas eu não quis dar
ouvidos. Minha filha, minhas regras.
Eu passei uma infância de abandono por causa do meu pai, só não
foi pior porque minha irmã sempre me deu carinho e segurança. Então, eu
estava disposto a amar meus filhos de forma incondicional e não ia ser uma
dormida na cama dos pais que faria minha pequena uma pessoa insegura.
Amava demais minha irmã, mas às vezes o lado psicólogo dela era
exagerado demais. A sorte do meu sobrinho era meu cunhado que não a
deixava surtar no exagero.
Acordei antes do previsto com meu celular vibrando, levantei-me
rápido da cama para não acordar minhas meninas. Saí com o aparelho para
atendê-lo fora do quarto, porque naquela hora boa coisa com certeza não
era.
— Bom dia capitão, desculpe te ligar cedo, mas recebemos a
denúncia de um possível cativeiro. A pessoa que ligou disse que viu um
homem entrando ontem com alguns materiais e saindo tarde da noite.
— Sargento, tem mais alguma informação?
— O denunciante disse que o casebre está abandonado e que
ninguém aparecia por lá há anos.
— Correto, Sargento, acione as viaturas daquele setor e me busque
em minha casa para irmos descobrir o que tem neste casebre.
— Sim, senhor, capitão. Dentro de quinze minutos estaremos em
sua porta. — Eu tinha a melhor equipe e sabia que o tempo para chegar em
minha residência seria exatamente aquele.
Voltei para meu quarto, peguei minha farda e deixei um bilhete para
Hannah. A gravidez havia deixado minha esposa com sono mais pesado que
o normal. Só deu tempo de tomar um café puro e sair junto aos meus
homens para o tal endereço.
O casebre ficava localizado em um bairro de periferia chamado
Cantinho do Sul quase na saída da cidade, as margens da BR-021. Quando
chegamos no local, as três viaturas do setor estavam em frente à construção
que parecia mesmo estar abandonada.
— Capitão, estamos aguardando o senhor conforme suas ordens.
Fizemos uma varredura nas imediações, não encontramos ninguém e o mais
estranho que a casa mais próxima do local fica há quase um quilometro e só
mora um casal de idosos.
— Vocês conversaram com eles?
— Sim, capitão e os dois afirmaram não ter visto ninguém e sendo
sincero com o Senhor, da casa deles, mal dá para avistar o local.
— Ok, vamos ver o que tem aí. — Não foi necessário arrombar a
porta, ela estava entreaberta.
Entramos com todo o cuidado executando o procedimento correto
para situações como aquela. Era importante manter a retaguarda, porque
poderia ser uma emboscada.
Ao adentrar no lugar, sentimos cheiro de mofo e poeira. A única luz
que entrava no local era da porta aberta. Acendi minha lanterna e o que vi
fez meu coração disparar. Não estava preparado para o cenário a minha
frente.
Além de correntes, havia um lençol e travesseiro novo no chão,
sobre uma cadeira amarrado estava o coelhinho Sansão da minha filha.
Aquele desgraçado estava brincando comigo sem nenhum receio.
Meu ímpeto foi retirar o brinquedo dali, mas sabia que não devia
tocar naquelas provas. Pedi ao policial que estava comigo para fotografar
tudo e liguei para Eduardo contando o que tínhamos descoberto. Ele alertou
para que ninguém tocasse em nada, pois mandaria os peritos para
averiguação.
Saímos daquela construção empoeirada e fizemos o cercamento
envolta do casebre com fita zebrada, aquele era um lugar restrito para
investigação policial. Não demorou trinta minutos para meu amigo chegar
com o perito e um investigador.
Meus policiais acompanharam o policial civil e o sargento que havia
recebido a denúncia detalhou tudo para Eduardo. Como a ligação foi feita
para o cento e noventa, ela havia sido gravada como todas as outras são.
Eduardo me disse que precisávamos mostrar a gravação para
Hannah para ver se ela reconhecia a voz. Aquilo não me agradou em nada,
pois minha mulher estava grávida e eu não queria assustá-la.
— Henrique, eu sei que sua esposa está gestante, mas nós
precisamos tentar identificar a voz do maldito.
— Porra, cara! Você ainda tem dúvidas que a ligação foi feita por
ele? Tenho certeza de que o desgraçado preparou tudo e fez a denúncia para
sambar na nossa cara.
— Eu também acho, Henrique, mas precisamos confirmar e saber se
ele está agindo sozinho ou se tem algum comparsa. É importante, meu
amigo. — Puta que pariu, aquilo estava me enlouquecendo.
Para aliviar minha tensão dei uns chutes na roda da viatura. Sabia
que para um homem preparado como eu, parecia fraqueza, mas, era minha
família e me sentia incapaz de protegê-la.
Deixamos os homens terminando seu trabalho e fomos para o
batalhão para ouvir a gravação. Quando chegamos na central pedi ao
sargento de plantão que resgatasse a ligação feita com a denúncia do
cativeiro.
Enquanto era providenciado o rastreio da chamada, nos dirigimos ao
refeitório para tomar um café forte. Encontramos com o capitão Roberto
que havia acabado de chegar e aproveitamos para revisar nossa operação.
Mesmo com toda minha ansiedade me corroendo, não podia
reclamar de esperar quarenta e oito horas para o início da execução de
nossos planos. Operações complexas exigiam tempo para iniciar, no
entanto, aquela iria começar rápido demais, graças a competência e
empenho do meu amigo. Recebemos o comunicado do sargento informando
êxito no rastreamento da denúncia, voltamos para a central e ouvimos a
gravação.
— Polícia Militar, boa noite, em que podemos ajudar?
— Quero denunciar uma situação estranha que presenciei, mas não
quero me identificar.
— O senhor pode fazer sua denúncia sem se identificar, pode
relatar o que viu?
— Eu moro perto de um casebre abandonado há anos, nunca tinha
visto ninguém por aqui, mas ontem vi um homem jovem entrando com
algumas ferramentas, permaneceu dentro do barracão o dia inteiro.
— Senhor, preciso que me passe algumas características do
sujeito. Ele era alto, baixo, gordo, magro, tinha alguma tatuagem
visível?
— Ele era alto, magro e não vi tatuagem porque estava longe.
Estava usando boné, mas parecia ser um homem jovem de uns trinta anos.
— Qual o endereço, senhor?
— O bairro é Cantinho do Sul, este casebre fica às margens da BR-
021, logo após o último ponto de ônibus. Vocês vão ver uma construção um
pouco mais afastada do bairro, uma casinha azul com duas janelas de ferro
e um cômodo atrás onde é o banheiro.
— O senhor notou se havia mais alguém ou se chegaram outras
pessoas durante a permanência dele?
— Não, ele ficou sozinho mesmo.
— O senhor nunca tinha visto este sujeito antes?
— Como eu disse, policial, esta casa estava fechada há anos,
abandonada mesmo. O dono não mora por aqui, não. Tem muito tempo que
ninguém mora nela.
— Entendo, Senhor, mas preciso de uma última informação. O
senhor conhece o proprietário deste imóvel?
— Não senhor, quando cheguei aqui já não morava mais ninguém,
mas as más línguas dizem que o dono está preso.
— O senhor não o conhece? Não sabe o nome dele?
— Não senhor policial, só sei disto. Vou desligar.
Logo depois não o ouvimos mais, somente o sinal de que a ligação
havia sido encerrada. Cada vez mais tinha certeza de que era o maldito.
Combinei com Eduardo e com o Roberto que buscaria Hannah assim que
ela deixasse Lara na escolinha.
O filho da puta não sabia com quem ele estava mexendo, eu o faria
apodrecer no presídio de segurança máxima, ou não me chamava Henrique
Estevão.
Capítulo 52

Comemorando o sucesso

Dormi o sono dos vitoriosos, certo de que o dia do poderoso policial


iria ser agitada. Coloquei meu celular para despertar por volta de quatro da
madrugada, pois queria fazer a denúncia naquele horário.
Fiz a ligação com um chip descartável, porque eu tinha certeza de
que a eficiente polícia ia tentar rastrear meu número, coitado deles, não
estavam lidando com um amador, eu era o foda.
Quando o policial começou a perguntar demais, me cansei e
desliguei o telefone na cara do babaca. Enlouquecer o capitão estava sendo
a cereja do bolo.
Tomei um banho rápido, vesti meu disfarce escolhido para o dia e
me dirigi para o batalhão. Queria assistir a movimentação da manhã. Algo
estava me preocupando, não estava conseguindo entrar na frequência da
polícia.
Estava no meu esconderijo de sempre, sentado atrás da banca de
jornal onde tinham alguns bancos e era hábito das pessoas ficarem por ali
folheando revistas ou lendo as notícias do dia. Eu estava vestido de mulher,
com uma peruca loira, vestido longo e óculos de sol.
Quando o mestre me deu a ideia de me disfarçar assim, achei que
ele estivesse louco, mas o jeito persuasivo dele não me deu outra opção. A
pior besteira da minha vida era discordar do meu líder, ele não permitia
questionamentos e me castigava toda vez que eu cometia a burrice de
enfrentá-lo.
Depois de me dar uns socos na barriga e me fazer pedir desculpas de
joelho, ele me fez treinar no saco de areia até minhas mãos sangrarem,
segundo ele, “eu precisava ser forjado na dor”.
— Gustavo, você precisa entender que eu sou seu mestre e se te
castigo, é porque na dor se aprende a ser forte. O homem forjado no
sofrimento, jamais perece.
— Sim, meu mestre, eu recebo, agradeço e sigo suas ordens, meu
senhor e meu deus. — No fundo eu sabia que o mestre só queria o meu
bem, me tornar forte.
Eu agradecia todos os dias por ter sido escolhido para ser o seu
pupilo, todos me diziam o quanto foi inusitado ele resolver ter um aluno.
Saí dos meus devaneios quando vi duas viaturas saindo em disparada do
batalhão, aquilo era meu elixir da vitalidade.
Esperei mais alguns minutos e resolvi fazer um lanche na padaria,
pois estava disposto permanecer sentado no meu posto de observação até
ver o capitão chegando.
Depois de duas horas, vi o todo poderoso chegando junto do
delegado na viatura da civil. Aquele seria minha próxima vítima, eu me
vingaria dele por ter sido o primeiro a me prender.
Permaneci por mais meia hora sentado no banco até decidir voltar
para casa. O mestre tinha me obrigado a treinar por um mês no saco de
areia, fazer abdominais e levantar peso, tudo isto para me preparar para o
grande final do meu plano.
Quando entrei em minha casa e me livrei daquele disfarce, olhei
minha imagem no espelho. Fiquei muito satisfeito com a nova forma do
meu corpo. Eu estava ficando a cada dia mais forte, a sequela do acidente
não era um problema para mim. Os exercícios estavam fazendo eu ter mais
firmeza na perna. Mesmo mancando um pouco, nada e ninguém seria capaz
de me derrubar.
Antes de começar a malhar, liguei meu computador, descarreguei as
fotos do meu celular e as imprimi. Depois me dirigi ao meu painel do
sucesso e coloquei a foto do cativeiro, da viatura saindo e do poderoso de
merda junto com o delegado babaca.
Atualizei as informações do meu plano e colei mais algumas fotos
de Hannah que eu havia feito na porta de sua casa me beijando. Sim, era eu
que ela deveria beijar e não o babaca, mas eu colei minha foto em cima da
imagem dele, melhorando muito a fotografia.
Sentei-me junto aos meus rádios e nada de funcionar, o jeito era
reclamar com o síndico do prédio, deveria ser interferência do monte de
antena no telhado.
Feliz com o avanço do meu painel, fui para o quarto onde
improvisei uma academia e comecei minha tarefa do dia conforme as
instruções do mestre. Precisava fazer tudo direito para não o decepcionar.
No fim do dia faria uma visita especial na casa da minha mãe. Às
vezes a saudade me matava, então eu me escondia atrás de uma grande
árvore que ficava em frente ao meu antigo lar e observava minha dona
Dulce.
Aquela vida não me pertencia mais, não gostava de me lembrar do
riquinho mimado no qual me tornei na juventude, mas sentia falta dos
abraços da minha mãe, do seu carinho materno.
O mestre não podia descobrir minhas escapadas, porque para ele
sentir saudades de alguém mostrava fraqueza. Eu ainda não tinha dado
conta de vencer esta necessidade na minha vida, mas tudo era um processo
e com certeza um dia aquela nostalgia passaria.
Prometi para mim mesmo que seria a última vez em que eu veria a
dona Dulce antes de mudar de país com minha Hannah. A gravidez da
minha mulher me fez adiar meus planos e este foi o motivo que me levou a
criar um planejamento mais elaborado para enlouquecer o capitão.
Não queria criar a criança daquele maldito assim que o bebê
nascesse, ela seria somente minha e dos nossos filhos.
Capítulo 53

Descobrindo a loucura

Algumas vezes somos surpreendidos em nossa vida de maneira tão


positiva, nos permitindo renovar a força para seguir nosso caminho sem
medo do futuro. Eu estava sentado em minha sala pensando em como
minha esposa era uma caixinha de surpresa. A reação dela ao ouvir a voz do
crápula, me deu a certeza de ter casado com a mulher certa.
Saímos do batalhão ainda pela manhã com destino a minha casa. Eu
havia telefonado para minha esposa dizendo a ela o acontecido e
informando sobre a gravação.
Ela demonstrou preocupação comigo quando contei sobre a
descoberta do cativeiro, minha esposa nunca entenderia que correr alguns
riscos fazia parte da profissão, mesmo com todo nosso treinamento.
Hannah estava linda com seu barrigão de sete meses. O trauma com
a morte precoce da Laura não me deixava perceber a fortaleza que ela tinha
em seu íntimo. Eu estava cheio de receios em mostrar o áudio para ela, mas
sofri por antecedência sem nenhuma necessidade.
Eduardo tentou me acalmar sem sucesso. Quando chegamos em
minha casa, fomos recebidos por Hannah e por uma mesa de café da manhã
com suco, leite, café e um delicioso bolo de milho.
Ela não aceitou recusa e nos forçou a comer, enquanto ouvia o áudio
da gravação. Minha esposa se portou feito um pitbull raivoso ao identificar
a voz do ex, seu lindo rosto se transformou em uma máscara de raiva e
ódio.
— Amor, é a voz do Gustavo, eu tenho certeza. Vamos começar
logo esta operação, quero este maldito preso — falou cheia de raiva, com
seu peito subindo e descendo com a respiração agitada.
— Calma, meu amor, por favor, vai fazer mal para nosso Noah.
— Pode parar Henrique, já te disse que não sou de vidro. Nosso
filho vai precisar se acostumar com a vida do pai. Estou ótima e ficarei
melhor ainda quando você o prender. — Eduardo deu uma risadinha de
canto de boca e eu sabia seu pensamento a respeito da minha fera raivosa.
— Tenho certeza de que você não é de vidro, amor. Vamos começar
a operação dentro de dois dias.
— Dois dias ainda? Ai, meu Deus. — Eduardo tinha acabado de
tomar um copo de suco e fez sinal para que eu o deixasse falar.
— Hannah, eu sei o quanto este desgraçado está atrapalhando a vida
de vocês, mas precisamos fazer tudo certo para o resultado satisfatório
acontecer o mais rápido possível e te garanto, esta foi a operação que ficou
pronta em tempo recorde, graças ao empenho do capitão Roberto. — Minha
esposa colocou sua mão em cima da mão do meu amigo e olhou em seus
olhos do jeito que só ela sabia fazer.
— Eduardo, me desculpe por minha indelicadeza, eu sou grata a
vocês por todo apoio. Não leve em consideração minha pressa, eu sei que
estão fazendo o melhor.
— Não precisa agradecer, Hannah, minha missão é voltar este
infeliz para onde nunca deveria ter saído. — Terminamos de comer
enquanto meu amigo explicava para ela como seria a central de
monitoramento.
Saímos da minha casa por volta de onze horas, pois precisávamos
voltar para o batalhão. Eduardo saiu na frente me deixando despedir de
Hannah. Abracei aquela pequena fera e a beijei emocionado com sua
valentia. A aparência frágil escondia a mulher forte e determinada pronta a
agir para proteger os seus.
— Cada dia te amo mais, minha pequena pitbull. — Ela me deu uma
mordida de leve no pescoço e sussurrou.
— Espere para ver meus dentes em seu corpo nesta noite, meu amor.
— Hannah, Hannah, não acorda meu leão adormecido, caso
contrário, vou ser obrigado a te levar para o quarto agora mesmo e deixar
meu amigo voltar sozinho. — Ela deu uma gargalhada e me empurrou para
a viatura.
Cada dia eu a amava mais e agradecia a Deus por ter me dado uma
segunda chance de ser feliz.
Quando chegamos ao batalhão, nos reunimos com todos os
participantes da operação. Fui apresentado a Ester, uma mulher de
aproximadamente trinta anos que estaria disfarçada como babá de Lara.
Ao conhecê-la, previ problemas com minha pitbull ciumenta, pois a
mulher era uma loira de belas curvas e olhos verdes. Segundo Roberto, ela e
o marido eram os melhores investigadores velados da polícia civil.
Enquanto ela ficaria dentro da minha casa, seu marido seria um dos
garis da minha rua. Ele não foi junto com a esposa por estar encerrando o
relatório de um caso no qual atuou.
Eduardo apresentou as estratégias táticas pensadas para aquela
operação e ouviu sugestões de todos envolvidos. Terminamos aquela
reunião com a sensação de que tudo se resolveria, pelo menos todos
estavam confiantes.
Voltei para minha sala com o dossiê que Eduardo me entregou na
saída da reunião. Ele conseguiu reunir informações importantes sobre o
tempo no qual o meliante permaneceu preso.
Estava envolvido na leitura e resolvi almoçar na minha própria sala.
Minha secretária havia pedido meu almoço, Aline era de uma terceirizada
que prestava serviços para a polícia militar com os profissionais
administrativos. Ela era uma senhora baixinha e tinha um jeito tímido. A
mulher parou na porta aguardando autorização para entrar.
— Entra, dona Aline, a senhora precisa de algo?
— Capitão, se o senhor me permite, quero te dar uma sugestão. —
Mesmo eu fazendo de tudo para deixá-la à vontade, acho que o fato de estar
no comando a deixava intimidada.
— Claro, Aline, toda sugestão é sempre bem-vinda e você já faz
parte desta companhia.
— Senhor capitão, eu estava pensando sobre este caso no qual vocês
estão envolvidos, da fuga do rapaz, e me veio à mente uma ideia. Pode
parecer maluca, mas eu sou mãe e as mães sempre conhecem seus filhos.
Por que o senhor não faz uma visita aos pais dele? — Olhei para ela
pensativo, aquela poderia ser uma boa ideia. Ela percebeu minha fisionomia
enquanto meus neurônios funcionavam e continuou com sua sugestão. —
Pense comigo capitão, de repente, a mãe dele possa clarear as coisas
falando sobre seu filho.
Caralho, como eu não havia pensado nisto antes? Aline estava
coberta de razão.
— Dona Aline, a senhora está certíssima. Obrigado por me atentar
para os pais do infeliz, hoje mesmo vou fazer uma visita a casa deles. —
Ela sorriu feliz por ter colaborado comigo. Antes dela sair fiz questão de
agradecê-la de novo. —Saiba que sua ideia foi ótima, não sabia que a
senhora tinha esta perspicácia, pode me dar sugestão mais vezes, não
precisa ficar com receio de falar comigo.
— Muito obrigada, capitão, o senhor é sempre muito gentil com
todos nós. Eu prometo perder este meu jeito tímido e colaborar mais com
minhas ideias. — Eu sorri para ela e reforcei minha fala anterior.
— Com certeza vou apreciar suas ideias, obrigado dona Aline. —
Ela balançou a cabeça de forma positiva e saiu feliz da minha sala.
Não perdi tempo, liguei para o sargento Neves e pedi a ele para
providenciar o endereço dos pais do Gustavo.
Cheguei ao bairro de classe média alta onde morava os pais do
desgraçado. Não foi difícil encontrar a casa que ficava no fim de uma rua
sem saída. Pensei em ir sem farda e inventar uma história qualquer para
justificar minha visita, mas acabei mudando de ideia.
Eu não tinha tempo a perder e era melhor contar logo a verdade para
os pais dele caso não soubesse o que o filho tinha feito. Parei a viatura em
frente o endereço e me dirigi até a porta, antes mesmo de tocar a campainha
fui recebido por uma senhora de aproximadamente sessenta anos.
— Boa tarde, policial. Em que posso ajudá-lo? — Seu jeito
espontâneo e solícito não foi diferente da maioria das vezes em que íamos a
casa de pessoas mais velhas, elas sempre gostavam de colaborar com a
polícia, claro, senão tivessem nada a temer.
Apresentei-me a ela e disse que precisava conversar sobre o seu
filho. Ela olhou para mim assustada.
— Aconteceu algo com meu filho? Ele está em Londres, estudando.
— Puta que pariu, aquela visita ia ser mais difícil do que imaginei.
— Não senhora, não aconteceu nada com ele, podemos conversar?
— Ela me deixou entrar ressabiada e me levou até sua sala.
— O senhor deseja alguma coisa? Água ou café?
— Somente uma água, senhora? — Eu sabia o nome dela, mas
preferi perguntá-la.
— Ai, meu Deus, acabei me esquecendo de me apresentar, sou
Dulce, mãe do Gustavo. — Ela sorriu e foi para dentro da casa retornando
com uma jarra de água e dois copos.
Sentou-se toda sorridente e eu me vi em uma situação complicada.
Não podia chegar e falar: seu filho é um bandido e fugitivo. E se a mulher
enfartasse na minha frente? Pensei rápido, pois precisava mudar toda
estratégia naquela visita inusitada.
— A senhora mora sozinha? Tem mais filhos?
— Eu moro com minha gata, a Bolinha. Ela está escondida por aí,
daqui a pouco aparece, pois é uma curiosa. Quanto a ter mais filhos,
infelizmente só tive o Gustavo. Eu e o pai dele nos separamos ainda quando
ele era adolescente, mas por qual motivo o senhor está atrás do meu
Gustavo? — Respirei fundo e mudei toda a minha versão inicial dos fatos.
— Recebemos uma denúncia que seu filho havia chegado bêbado
em sua casa e quebrado o portão do vizinho.
— O quê? Mais que gente à toa. Meu filho não mora no Brasil há
quase três anos, foi um trote de mau gosto. O senhor quer ver as fotos que
ele me manda por e-mail?
— Quero sim, se a senhora puder me mostrar, claro. — Enquanto
ela foi buscar as fotos, passei as duas mãos no cabelo, respirei fundo e
massageei minha fonte, pois estava começando a sentir sinal de enxaqueca.
Levantei minha cabeça quando dona Dulce voltou com uma caixa
em suas mãos. Fiquei assustado com as fotos enviadas de vários pontos
turísticos de Londres, elas eram perfeitas e somente alguém com o olhar
treinado como o meu poderia perceber se tratar de montagem ou
manipulação de imagem.
Alheia a tudo que estava acontecendo, a senhora foi me dizendo o
quanto orgulhava do filho, por estar na Europa estudando, mas algo me
chamou atenção em sua fala.
— A melhor decisão que tomei em minha vida, foi escolher meu
filho em vez do traste do meu marido.
— Por que a senhora precisou fazer uma escolha, dona Dulce? —
Ela tirou os óculos, coçou seus olhos, puxou o ar e começou a contar sua
história com muita emoção.
— Gustavo sempre foi uma criança excepcional, mas meu marido
nunca conseguiu enxergá-lo assim. Ele insistia em dizer que nosso filho
tinha uma mente doentia e perversa. Tudo porque o Gu era um garoto um
pouco brigão, mas nada demais para a idade. — Ela parou de falar e bebeu
um pouco de água. Fiquei calado esperando-a voltar a contar sua história.
— O senhor é pai, capitão?
— Sou sim, tenho uma filha de três anos, a Lara.
— Talvez o senhor me entenda, porque filhos são sempre nosso
maior tesouro, o senhor concorda? — Precisava mostrar o quanto ela estava
certa em defender o filho, para ela continuar sua história.
— Claro que concordo, não abro mão da minha filha por nada deste
mundo.
— Então, Gustavo tinha uma mente fértil e fazia traquinagens
próprias de crianças inteligentes, mas Alfredo não entendia. Todas as nossas
brigas eram por causa do nosso filho. A coisa piorou quando o Gu começou
a se isolar e fui chamada pela escola. A professora me disse que meu filho
estava sofrendo por achar que o pai não o amava e então eu decidi ter uma
conversa séria com meu marido. Nunca me esqueço das palavras duras
dele: “Acorda Dulce, este menino tem uma mente de psicopata, ele está
manipulando a todos e ninguém enxerga. Vamos levá-lo a um psiquiatra
enquanto ainda há tempo”. — Ela se calou, seus olhos ficaram marejados e
eu aproveitei para fazer uma pergunta muito importante.
— Por que seu marido dizia que seu filho precisava de um
psiquiatra?
— Gustavo tem o gênio forte como o meu. O pai sempre foi um
fraco e não entendia a necessidade do filho. Ele dizia isto porque Gustavo
não gostava de ouvir não. O garoto tinha um grande poder de argumentar e
atingir seus objetivos, o que eu sempre achei uma virtude, não um defeito.
Alfredo insistia que ele era manipulador, mentiroso e perverso. Ele dizia
isso porque, ele batia nas crianças e não se arrependia, ou então, por ser
esperto ao se livrar de ser responsabilizado por alguma arte boba de
crianças e adolescentes, ou ainda por omitir algumas coisas.
Meu Deus, ali estava uma mãe cega, que não conseguia avaliar a
gravidade em alimentar em uma criança comportamentos como aqueles.
— Com qual idade Gustavo estava quando seu marido saiu de casa?
— Gu tinha quinze anos. Ele saiu escondido usando o carro do pai.
Foi para uma festa junto aos seus amiguinhos e atropelou um senhor. Meu
marido precisou ir à delegacia e ficou descontrolado quando o delegado
contou que meu filho não assumiu sua culpa. Gastamos um bom dinheiro
com o hospital para salvar a vida do homem e Alfredo queria fazer meu
filho trabalhar na construtora para ressarcir a despesa. Claro que eu não
aceitei. O menino não tinha idade para ficar carregando peso nas obras.
Então meu marido saiu de casa, porque eu fiquei do lado do meu filho,
preferiu desistir de nós dois e logo depois estava casado com uma mulher
mais nova. Só me pergunto que rapaz nunca pegou o carro do pai
escondido?
Era muito difícil alguém me deixar sem fala, mas aquela mãe com
sua cegueira me deixou impactado. Não era possível que não percebia o mal
que fez ao filho sendo tão permissiva. Peguei a jarra e enchi meu copo,
precisava ingerir uma grande porção de água para ver se colocava meus
pensamentos em ordem.
— Como seu filho reagiu a separação? Deve ter sentido falta do pai.
— Que nada, o Gu deu graças a Deus que o pai se foi. O sonho dele
era ficar somente nós dois. Nossos problemas acabaram, eu continuava
trabalhando, ele estudando. Tudo mudou quando meu menino entrou na
universidade e uma piranha surgiu na vida dele, a tal Hannah. Com aquele
jeitinho ingênuo de moça do interior, quase arruinou meu filho. Ainda bem
que ele resolveu estudar em Londres, porque aquela mulherzinha ia destruí-
lo se ele continuasse no Brasil. — Senti meus pelos do braço se eriçar, ao
ouvir o nome da Hannah. Respirei fundo, fechei as mãos para me
concentrar e não colocar tudo a perder.
— O que esta mulher fez com seu filho? — Ela revirou os olhos e
ficou a fisionomia irritada.
— A tal de Hannah que fazia faculdade com ele, não soube valorizar
meu filho. Partiu o coração dele quando o deixou por um viúvo cheio do
dinheiro e bem mais velho que ela. Com certeza era uma destas mulheres
interesseiras que queria um velho rico. Estas golpistas hoje são chamadas
de Sugar Baby, eu vi uma reportagem no Fantástico.
Antes que eu pudesse perder a cabeça, resolvi me despedir da
mulher, não tinha mais nada para fazer ali. Consegui memorizar o e-mail
que estava em uma das fotos que ela me mostrou. Não conseguiria mais
nada a não ser ter um ataque de raiva ouvindo as barbaridades daquela mãe
iludida e cega.
Dulce foi até a porta e se despediu de forma gentil me dando um
abraço. Talvez se fosse em outra ocasião eu ficaria emocionado, mas
naquela hora só queria sumir dali o mais depressa possível.
Mal sabia eu que seria o último a vê-la com vida.
Capítulo 54

Adeus mamãe

Eu não consegui raciocinar quando vi o maldito capitão poderoso de


merda saindo da casa da minha mãe.
— Meu Deus, ele já roubou minha mulher e pelo sorriso de boba da
mamãe, também estava encantada com o homem que eu mais odiava no
mundo. Aquilo só podia ser um pesadelo. — A ira tomou conta de mim e eu
perdi o controle das minhas emoções.
Arranquei a peruca, quebrei os óculos escuros na minha mão
tamanha a minha raiva. Nada naquele momento me importou, inclusive, ser
visto sem meu disfarce. Não me preocupei em ser filmado por alguma
câmera de segurança, eu só queria vingança.
O mestre tentava me ensinar a domar meu mau gênio na hora da
raiva, mas aquela cena foi demais para mim. Nenhum treinamento foi capaz
de conter a explosão no meu interior. Senti algo como a amplitude de força
causada por um abalo sísmico. Minha estrutura desmoronou e eu avancei
para casa daquela traidora.
Atravessei a rua determinado a bater na porta da casa que foi minha
por tantos anos. Apesar do meu pai ter sido um total escroto, minha
mãezinha sempre me protegeu de suas garras.
Parei em frente à suntuosa entrada e toquei a campainha, não
demorou nada para Dulce aparecer a minha frente. Quando ela se deparou
comigo, deu um gritinho de felicidade e colocou a mão no coração.
— Gu, meu filho, você voltou para mim? — Antes de qualquer
resposta minha, ela se jogou em meus braços aos soluços.
Aquela manifestação de amor quase me fez acreditar em sua
inocência, mas eu estava cansado de ser traído pelas pessoas que eu mais
amava.
— Eu estou aqui, mamãe, vamos entrar? — Ela limpou as lágrimas
e segurou minha mão me puxando para dentro.
— Cadê sua bagagem, meu amor? Não me diga que não vai ficar
com sua mãe.
— Claro que vou, mãezinha. Minhas malas extraviaram, mas o
aeroporto está resolvendo este problema.
— Ai, meu Deus, Gu. E agora? Será que eles vão encontrar seus
pertences?
— Pode ficar tranquila, mamãe, eles já encontraram. Acharam em
outro voo, mas em breve estarão comigo. — Criar histórias não era difícil
para mim, afinal eu sempre as inventei.
O mais complicado foi manter o teatro, quando na verdade eu queria
pedir explicações sobre a cena que presenciei minutos antes. Minha mãe
estava eufórica em pé alisando meu rosto e não sabia como me agradar.
Aqueles toques só aumentaram meu descontrole.
— Você está com fome, meu filho? Nossa, como você está lindo,
forte, que saudades.
— Não, mamãe, não estou com fome, comi muito no avião. Eu
estou me exercitando muito, mas vamos nos sentar para a senhora me
contar todas as novidades. Começando pela viatura que estava saindo de
sua casa quando cheguei.
— Ah, você viu o policial saindo daqui?
— Vi sim, eu estava descendo do táxi.
— Nossa, como eu não te vi? Eu ainda esperei o carro dele sair. —
Pensei rápido, por estar cego de ódio, acabei me esquecendo daquele
detalhe, realmente minha mãe esperou o maldito sair com a viatura.
— Parei o táxi um pouco distante de nossa casa, queria te fazer uma
surpresa.
— E conseguiu meu lindo, me fez a melhor surpresa de todas. Bom,
acredita que esta gente invejosa fez uma denúncia de você estar perturbando
a ordem. Graças a Deus o policial era um bom homem, conversamos muito
e como ele se mostrou interessado, contei a ele sobre sua infância e as
maldades do seu pai. — Filho da puta! Então o capitão de merda estava
investigando minha vida e mamãe facilitou tudo para ele contando coisas
sobre mim.
— Qual o interesse do policial em mim? Como era mesmo o nome
dele, mamãe? — Eu precisava saber mais sobre a visita, entender onde o
merdinha queria chegar tirando informações da boca daquela traidora.
— Filho, acredita que ele é um capitão? Um rapaz tão jovem, com
um cargo de tanta responsabilidade. O nome dele era Capitão Henrique
Estevão, achei bonito este nome, ele tem uma filhinha. — Sentia minha pele
arrepiando e formigando observando como ela estava deslumbrada com
meu maior inimigo. A empolgação dela falando a fez esquecer da minha
pergunta.
— Mamãe, além de tudo isto que me disse, inclusive sabe até que
ele tem uma filha, não me respondeu o porquê de tanto interesse do policial
a meu respeito.
— O capitão não estava interessado em você, meu filho. Quando
mostrei suas fotos em Londres, a conversa acabou chegando em seu pai. Eu
fico sozinha demais nesta casa e o policial era bom de papo, acabamos
conversando sobre nossa vida.
— A senhora entregou alguma foto minha para ele?
— Claro que não, Gustavo, ele não me pediu nada. Como eu disse,
quando percebeu ter sido pego em um trote, apenas foi atencioso com uma
idosa solitária abandonada pelo seu filho.
— Eu não abandonei você, mamãe, estava estudando. — Ela
continuou sua ladainha reclamando sobre minha viagem.
— Abandonou sim. Eu tentei visitar você várias vezes e não me
deixou ir. Você foi desnaturado, meu filho, passou meses sem falar com sua
mãe. — Minha paciência havia esgotado e resolvi terminar logo com a
intromissão dela em minha vida.
Eu não precisava mais de nada daquela mulher e ainda corria o risco
de ter meus planos prejudicados. O mestre sempre me ensinou a exterminar
qualquer pessoa ou situação que pudesse prejudicar minha missão e naquele
momento, Dulce era prejudicial.
Saí do sofá e fui em direção a ela. Agachei em sua frente, beijei seu
rosto e a abracei. Aquele seria meu último abraço. Sem que ela percebesse,
mudei de posição, dei um gancho em seu pescoço e o quebrei sem maiores
dificuldades.
Foi rápido e sem dor. Coloquei ela deitada sobre o sofá, arrumei
seus braços em cima do seu corpo e me despedi dela dando outro beijo em
sua testa.
— Obrigado, mamãe, por tudo, mas era hora de descansar. Não
preciso de mais uma traidora em meu caminho. — Resolvi ir até o cofre da
minha casa. Para minha sorte, a senha ainda era a mesma: o dia do meu
aniversário.
Como imaginava, nada mudou naquela casa. Joias e dinheiro
estavam guardados como sempre. Mamãe era muito precavida, para não
dizer mão de vaca. Aproveitei ainda para ir em meu quarto pegar algumas
roupas, passei pela cozinha e comi um bom pedaço de bolo.
Depois de saciado, peguei a chave do carro da mamãe. Ela não ia
mais precisar dele, mas com certeza seria muito útil para meus planos.
Tomei o cuidado de cobrir minha mãe com um lençol, porque ela sentia
muito frio.
Estava saindo quando uma ideia maluca passou por minha cabeça.
Se eu deixasse aquela casa, ela passaria a ser do meu pai, porque eu não ia
ficar no Brasil com minha Hannah. Então, antes de sair, fui até a garagem
onde o carro estava, pois eu me lembrava de sempre ter querosene no
armário de ferramentas do meu pai.
Graças a Deus, tudo que eu precisava estava na garagem, além do
que eu procurava, ainda encontrei duas garrafas com álcool. Voltei para a
casa, peguei uma caixa de fósforo na cozinha da mamãe e subi para os
quartos.
Molhei as cortinas, as roupas e os colchões. Joguei fogo, fechei as
portas e saí deixando tudo para trás.
Era mais um capítulo encerrado da minha vida.
Capítulo 55

Um incêndio inesperado

Voltei para o batalhão com uma sensação ruim. Era fim de


expediente e eu podia ir direto para minha casa, mas tinha alguma peça
solta naquele quebra-cabeças.
Queria estudar as anotações sobre o caso do fugitivo. Revisei tudo,
fotos, anotações, datas e não obtive nenhum sucesso. Tracei um perímetro
de acordo com as poucas aparições do desgraçado, porque algo me dizia
que ele estava perto demais e eu iria descobrir.
Levantei a cabeça depois de muito tempo concentrado nos papéis,
mexi o pescoço para os lados, cocei meu ombro e espreguicei. Meu celular
estava piscando a chegada de uma mensagem.
Amor:: Meu capitão não vai voltar para casa? Chega de trabalhar
por hoje, meu amor. Eu e sua filha estamos precisando do seu carinho,
bonitão.
Capitão Estevão:: Meu Deus, Hannah, perdi a noção da hora, estava
quebrando a cabeça nas anotações sobre aquele maluco, alguma coisa está
errada e eu não estou vendo.
Amor:: Querido, deixe isso para outra hora, precisa descansar. Sua
esposa vai pensar em algo para te ajudar, mas quero você aqui para cumprir
minha promessa”.
Capitão Estevão:: “Estou ansioso para isto, gostosa. Daqui há quinze
minutos chego em casa.”
Amor:: Te amo, meu capitão.
Capitão Estevão:: Também te amo, minha grávida linda.”
Guardei o celular no bolso da minha camisa e desliguei meu
computador, Hannah tinha razão, eu precisava descansar. Quando eu estava
saindo do batalhão fui interceptado pelo sargento responsável pelo cento e
noventa.
— Capitão, Graças a Deus o senhor ainda está aqui, não vai
acreditar o que aconteceu.
— O que houve, sargento?
— Recebemos um pedido de bloqueio para auxiliar os bombeiros
em um princípio de incêndio, mas o que me chamou atenção, é que o fogo
está naquele endereço solicitado pelo senhor mais cedo. Parece que tem
vítimas, capitão. — Meu coração deu um baque no meu peito, era a casa da
mãe do Gustavo.
— Falaram mais alguma coisa, Sargento?
— Parece que uma vizinha viu alguém saindo da casa e logo depois
viu fumaça e contactou os bombeiros. As viaturas do setor e a polícia civil
já foram para o local.
— Sargento, peça ao policial de plantão para empenhar a viatura que
me atende, vamos para este endereço agora. Acabei de dar a ordem e fui
surpreendido pelo Cabo Almeida.
— Senhor, sua viatura está pronta e a disposição. Pode aguardar
aqui mesmo, vou no pátio e volto em dois minutos. — A cada dia eu me
sentia mais honrado dos meus homens, todos competentes e proativos.
Enquanto esperava a viatura chegar, minha cabeça funcionou a mil
por hora, minha intuição me dizia que algo mais grave havia acontecido. No
caminho passei uma mensagem para Hannah explicando que ia me atrasar,
pois eu precisava dar suporte aos bombeiros em um incêndio. Ela não
demorou a responder, me pedindo para ter cuidado.
Graças a Deus minha esposa entendia minha profissão e facilitava
minha vida ao não fazer escândalos ou duvidar da minha palavra. Saí dos
meus devaneios quando olhei para frente e vi a fumaça ao longe.
— É, capitão, pelo jeito o fogo fez um estrago, daqui estamos vendo
a fumaça.
— Verdade, Cabo. Vou pedir atualização para as viaturas do setor.
— Tirei o rádio que estava no meu cinto e aumentei o volume dele. —
QAP5, capitão Estevão aguardando informações sobre o incêndio.
— QSL6 capitão, o fogo destruiu todo o segundo andar da casa e
encontramos a proprietária sem vida deitada no sofá. Soldado Felipe QAP”
— QSL soldado, TKS7. — Puta que pariu, o corpo deve ser da dona
Dulce.
Respirei fundo, fechei os olhos e fiz uma prece silenciosa. As coisas
estavam saindo de controle e muito provavelmente minha visita pode ter
ocasionado o sinistro.
Quando chegamos próximo a casa, vimos vários curiosos, feito
urubus na carniça. Eles estavam sendo contidos pela polícia. Paramos a
viatura próxima das outras e tentei fugir dos repórteres em vão.
Eles falavam todos ao mesmo tempo, cheio de conjecturas sobre as
causas do incêndio e da morte da proprietária da casa. Só consegui acalmá-
los e seguir para junto aos bombeiros, após prometer uma coletiva assim
que terminássemos nosso trabalho.
Eduardo estava próximo ao capitão Nelson, do Bombeiro, quando
me viu veio em minha direção com uma expressão preocupada. Apertamos
as mãos e ele me levou para perto de um dos caminhões dos bombeiros.
— Capitão Estevão, o fogo destruiu todo o segundo andar, mas
graças ao comunicado da vizinha, os bombeiros conseguiram apagá-lo e o
primeiro andar foi preservado.
— Graças a Deus, Eduardo, mas o que aconteceu com a dona da
casa?
— Infelizmente não tenho boas notícias. Ela foi a óbito, mas
segundo a perícia inicial sua causa morte não tem nada a ver com o fogo.
— Como assim? Ela não morreu asfixiada?
— Não, meu amigo, a senhora está com o pescoço quebrado.
— Caralho, o que você está me dizendo, cara?
— Isto mesmo que ouviu e tem mais, no entanto, acho melhor você
ouvir da boca da vizinha. — Ele me mostrou uma senhora loira
conversando com alguns policiais civis.
Eu caminhei junto do meu amigo até ela e foi possível ouvir o fim
da conversa em que ela dizia ter visto o filho da dona Dulce saindo com seu
carro. Com o coração disparado me dirigi a ela.
— Capitão, esta é a senhora Fátima, ela que ligou para o bombeiro.
— Boa noite, senhora, eu sou o capitão Estevão, sei que contou os
fatos para o investigador, mas gostaria que me relatasse tudo o que viu nos
mínimos detalhes, é muito importante para mim. — Ela balançou a cabeça
concordando comigo e começou a narrar o que tinha visto.
— Eu sou vizinha da dona Dulce há trinta anos... Meu Deus, não
consigo imaginar minha amiga morta, isto é muito triste. — Esperei ela
respirar, para se acalmar e voltar a falar. — Eu conheço o filho dela e
estranhei quando o vi chegando sem malas, porque ele estava em Londres,
mas acabei deixando para lá. Voltei para dentro de casa porque estava
fazendo o jantar. Eu só vi o que aconteceu, porque meu marido esqueceu a
chave do portão e me chamou, quando cheguei aqui fora, vi Gustavo saindo
no carro da mãe. Pensei em ir até a casa dela para saber se o filho tinha
voltado, mas quando olhei para cima vi a fumaça em cima da casa. No
mesmo instante corri e liguei para os bombeiros, foi isto que aconteceu,
Senhor capitão.
— A senhora lembra de ter visto o Gustavo próximo da casa da mãe
alguma vez nestes dias?
— Não, como eu disse ao senhor, ele estava em Londres. Nunca
imaginei que minha amiga iria morrer em um incêndio em sua casa.
Eduardo olhou para mim e eu entendi que esta seria a versão contada por
eles.
— Vi uma câmera em cima do portão de entrada da sua casa, eu
preciso verificar as imagens.
— Meu marido já entregou para o delegado.
— Estevão, minha equipe já está de posse das imagens das câmeras
das casas que tinham videomonitoramento. — Balancei a cabeça, respirei
fundo e agradeci a vizinha da dona Dulce.
— Obrigado, dona Fátima, por colaborar com a polícia.
— Eu e meu marido estamos à disposição de vocês, capitão. — Dei
um leve aceno de cabeça e saí com Eduardo para dentro da casa na qual eu
tinha sido recebido a tarde.
No fundo, eu estava me martirizando pela morte daquela
senhorinha, com certeza, o louco do filho a matou por ter me visto com a
mãe.
Mesmo com anos de polícia, presenciar a morte de inocentes me
deixava com uma sensação de impotência. Era como se houvesse falhado
em algum momento com a segurança da pessoa.
Dona Dulce estava deitada no mesmo sofá no qual mais cedo me
contou sobre sua vida e aquilo estava mexendo comigo. Coloquei a luva
oferecida pelo legista que estava colhendo provas.
Ele levantou o lençol que cobria a mulher e a vivacidade dela havia
sido substituída pela rigidez pálida da morte. Pedi a Deus para acolher
aquela pobre alma. Um dos peritos que estavam descendo a escada nos
chamou atenção.
— Doutor Eduardo, precisa me acompanhar ao segundo andar, só
peço que evitem encostar em qualquer coisa. — Subimos a escada em
silêncio. O segundo pavimento estava destruído, mas bastou olhar para uma
parede e vi o que o bombeiro queria nos mostrar.
Era um cofre queimado, mas intacto com a porta aberta e vazio.
Aquele filho da puta deve ter roubado o que estava dentro. Eduardo e o
legista fotografaram o ambiente, eu andei pelos cômodos que deveriam
servir de quarto, mas era só um amontoado de madeira queimada. Havia
muita água e um cheiro forte característico dos incêndios em alvenaria e
móveis de madeira.
Depois de quase uma hora dentro daquele imóvel, eu, Eduardo e o
capitão Nelson saímos para a coletiva. Por orientação do delegado, íamos
informar que a idosa havia morrido por causa do incêndio. Conforme meu
amigo, íamos provocar o descontrole no filho quando ele soubesse que não
demos o mérito do crime a ele.
Depois de responder as perguntas dos repórteres e dissipar a
multidão que se formou, aguardamos a saída do veículo do Instituto Médico
Legal com o corpo para sairmos do local.
Aquilo era o mínimo que podíamos fazer, porque para mim era
inadmissível a falta de respeito com que as pessoas eram tratadas após a
morte, inclusive chamando o carro do IML de Rabecão8 ou papa9 defunto.
Se estávamos em um processo de humanização das forças de
segurança, precisaríamos começar com os mortos.
Os bombeiros ainda iam finalizar o relatório e cercar o local por se
tratar de cena de um crime. Eu e Eduardo saímos com destino ao batalhão
onde iríamos ver as imagens das câmeras coletadas nas casas próximas.
Durante o percurso eu estava em silêncio, imerso em meus
pensamentos e sendo corroído pela culpa. Meu amigo entendeu meu
sofrimento.
— Estevão, você não teve culpa. O cara está maluco e isso vai agir
em nosso favor. Pela minha experiência, não vamos demorar a colocar as
mãos neste infeliz. — Respirei fundo, encostei a cabeça no encosto do
banco do carro e fechei os olhos.
Eu estava me sentindo muito impotente e para mim, essa era a pior
sensação. Ainda na mesma posição respondi meu amigo:
— Eduardo, eu estou cansado. Quando chegar na delegacia,
conversaremos. Preciso de um tempo, meu amigo, para colocar meus
pensamentos em ordem.
Ele continuou dirigindo sem falar nada, apenas ligou o som do seu
carro e a música Bad do U2 tomou conta do carro. Meu amigo era fã
incondicional da banda irlandesa de rock e foi assim que ele me arrastou
para um show da banda no ano de dois mil e onze em São Paulo.
Éramos jovens e cheio de gás para cantar, pular, beber e ainda
terminar a noite em um quarto de motel com três garotas. Meu Deus!
Éramos muito loucos.
Aquela lembrança me fez dar um sorrisinho e meu amigo deu um
soco no meu ombro, porque ele sabia do que eu estava rindo.
Capítulo 56

Espera agoniante

Resolvi esperar meu marido chegar. Estava agoniada, porque ele me


disse sobre um incêndio, que precisava estar lá e depois me explicaria. Não
sabia o motivo, mas eu tinha certeza de que Gustavo estava envolvido.
Para ocupar meu tempo e tentar pensar de forma racional, comecei a
pesquisar na internet sobre psicopatas, para ver se eu tinha alguma ideia
para ajudar o Henrique.
Todas as ações do meu ex davam sinais da sua mente doentia.
Depois de analisar friamente nossa relação desde o início até os dias atuais,
ficava claro a insanidade dele. Talvez eu conseguisse ligar algum ponto, ou
alguma situação que por algum motivo estava passando despercebida por
nós.
As primeiras informações colhidas sobre psicopatia me remetiam as
atitudes do Gustavo. Ele era antissocial, não tinha empatia pelo sofrimento
de ninguém e era desprovido de remorso.
Lembrei-me das vezes em que ele se divertia com o sofrimento dos
outros, ou até mesmo por algo que ele tinha feito e não entendia a
necessidade de pedir desculpas, inclusive este foi o motivo de nossa
primeira briga.
O comportamento dele era quase sempre violento. Usava palavras
agressivas, desrespeitava leis e os bons costumes sociais. Depois de ler
muitas reportagens, percebi outra característica forte em meu ex, ele tinha
necessidade de dominar todos os ambientes nos quais estava. Nunca
aceitava comandos ou orientações, até mesmo dos professores.
Fiquei assustada ao descobrir que a sedução, o encantamento, a
facilidade de inventar histórias e a manipulação também eram atributos
fortes na personalidade de um psicopata. A mente deles pareciam um
verdadeiro labirinto, no qual o alvo deveria ser atingido e conquistado.
Era como se eu lesse uma descrição fidedigna do homem por qual
um dia eu dei o azar de me envolver. As leituras dos diversos artigos
universitários deixavam claro que eles não tinham medo, não se sentiam
ansiosos e com remorsos.
A psicopatia não se tratava de uma doença mental, mas um
transtorno de personalidade antissocial, sob a Classificação Internacional de
Doenças - 9, 301.7, o famoso CID usado por médicos, psicólogos ou outros
profissionais da saúde. Meu Deus, cheguei a sentir um frio na espinha, só
de pensar que o alvo do Gustavo era eu.
Eu me levantei da mesa e fui a cozinha para preparar alguns petiscos
para o Henrique. Tinha certeza de que ele não tinha comido nada desde o
almoço.
Aproveitei e me servi com um copo de suco de abacaxi para
refrescar minha mente depois de tudo que tinha lido. Estava na porta da
cozinha com o copo na mão e Nininha deitada ao meu pé, quando olhei para
a luzinha da câmera que ficava na porta.
Foi como se um portal daqueles filmes de fantasia se abrisse em
minha frente. Uma visão trouxe duas ideias perfeitas para minha mente.
Senti meu coração acelerar e meu bebê deu uns chutes mais fortes em
minha barriga.
— Eu sei, Noah, a mamãe é muito inteligente e nós vamos ajudar o
papaizinho, bebê — falei passando a mão em minha barriga.
Ouvi o barulho do carro do meu marido chegando e fui encontrá-lo.
Assim que saiu do carro, avancei sobre ele o enchendo de beijos. Meu
capitão sorriu de um jeito triste, como se o sorriso não chegasse aos olhos.
Henrique me segurou nos braços, passou a mão em meus cabelos e
depois deitou sua cabeça em meu ombro me abraçando. Nininha pulava na
perna dele pedindo atenção. Ele passou a mão na cabeça dela e sorriu.
— Chegar em casa e ser recebido assim, acolhe minha alma,
gravidinha. — Pelo tom da voz dele, percebi que alguma coisa muito séria
havia acontecido.
— Amor, vai lá em cima tomar um banho morno e volta para a
gente conversar. Enquanto você se banha, vou terminar de preparar a mesa.
— Você devia estar dormindo, Hannah. Está tarde e você precisa
descansar, está grávida.
— Ai, amor, eu estou ótima. O senhor que não está nada bem, vai
logo e não demora. — Ele balançou a cabeça, puxou o ar e subiu os degraus
como se carregasse o mundo nas costas.
Voltei para a cozinha e fiz uns sanduíches naturais, porque algo me
dizia que a noite ia ser longa. Não demorou muito, meu capitão voltou
vestido somente com o short do pijama, cabelos molhados e pés descalços.
Juro que se ele não estivesse chegado triste, eu o agarraria ali
mesmo na cozinha. Adorava vê-lo daquele jeito, todo a vontade. Segurei a
mão dele e o levei para a cadeira, comecei a servi-lo sem perguntar o que
ele queria.
— Seu projeto é me engordar, senhora Hannah?
— Não, meu projeto é alimentar o pai do meu filho, porque sei que
ele não comeu nada depois do almoço. Estou certa ou errada, capitão? Ele
só sorriu e começou a comer.
Permaneci olhando para ele porque não cansava de admirar sua
beleza. Depois que ele ingeriu o sanduíche e um copo de suco, não consegui
mais conter a curiosidade.
— Amor, o que aconteceu hoje? Pode me contar tudo, porque sei
que você não ficaria até tarde em um incêndio se não fosse algo grave. —
Ele engoliu em seco, respirou fundo e começou a me contar sua tarde.
Não esperava ouvir que ele tinha ido à casa da mãe do Gustavo.
Fiquei assustada quando ele depois de pensar muito, me disse sobre o
incêndio.
— Hannah, não queria preocupar você, mas cumpro minhas
promessas e eu prometi te contar tudo, mesmo com medo de te fazer mal.
— Eu puxei o ar e soltei de forma lenta.
Precisava desacelerar meu coração, as coisas estavam saindo de
controle, mas eu não podia perder a calma.
— Henrique, eu estou bem, só assustada com o nível da loucura
dele. Vocês viram todas as imagens?
— Sim. E desta vez, ele não fez nenhuma questão de usar disfarce.
Segundo o Eduardo, precisamos reforçar o cuidado, porque pelas atitudes
dele, está a cada dia mais descontrolado. — Minha pesquisa tinha sido
muito importante, porque comecei a entender melhor com quem estávamos
lidando.
— Amor, eu passei algumas horas pesquisando sobre psicopatia. É
incrível como é um assunto sério e muitas vezes usamos o termo de forma
tão leviana.
— Com certeza Hannah. Temos sim essa falha. Banalizamos coisas
sérias.
— Então, eu observei que algumas coisas que li se assemelhavam a
personalidade dele. Depois de ler muito e quebrar a cabeça, duas ideias
surgiram em minha mente excepcional. — Ele riu desconfiado e eu
continuei antes dele me interromper. — Você precisa prometer me ouvir até
o fim para depois dar sua opinião.
— Tenho até medo quando você fala assim, Hannah. — falou e me
olhou mordendo o canto da boca por dentro. Aquele era um sinal de que
estava nervoso e cansado. Ele fazia isto sem perceber. Depois balançou a
cabeça e sorriu para mim. — O que essa cabecinha linda está inventando?
Vamos lá, sou todo seu.
Sorri triunfante e comecei a contar meus planos.
Capítulo 57

Bad Girl

Estava cansado, louco por uma cama, mas seus olhinhos brilhantes
me fizeram embarcar na dela. Estava pronto para ouvir as ideias da minha
esposa. Hannah era inteligente e astuta, daria uma excelente investigadora
de polícia, mas seu sonho ainda era seu Café Literário. Ela adiou seus
planos porque ficou grávida e quis esperar nosso Noah nascer, para depois
começar seu empreendimento.
Minha linda esposa virou seu corpo todo em minha direção,
arregalou os olhos e gesticulando como fazia quando estava empolgada
começou a explicar.
— Amor, a primeira ideia começa com um questionamento. Você
traçou o perímetro por onde aquele que não quero falar o nome passou, não
é? — Meu Deus, a expertise de Hannah era contagiante e eu a amava cada
dia mais.
— Sim senhora, temos todos os lugares traçados por onde aquele
maldito esteve.
— Massssss, eu tenho certeza de que você esqueceu do batalhão,
não é?
— No batalhão? Por que, Hannah?
— Amorrr, ele deve observar a movimentação do batalhão o dia
inteiro. E agora vai minha ideia: você vai usar seu poder de policial fodão e
vai sair por todos os lugares traçados em seu perímetro para conseguir as
imagens das câmeras existentes. Eu quero vê-las com você, porque se ele
aparecer eu vou reconhecê-lo.
— Senhora minha esposa, quero te dizer que esta é uma ótima ideia
e eu vacilei não pensando nisto antes. — Ela deu um sorriso cheio de luz,
que me fazia seu refém.
— Por isto estou aqui, meu amor, para salvar você.
— É verdade, você me salvou de cinquenta maneiras diferentes e
continua me salvando a cada dia quando sorri para mim. — Hannah sorriu
porque brinquei com um de seus livros favoritos, o famoso Cinquenta tons
de cinza.
Ela se levantou da cadeira e se sentou no meu colo me beijando,
meu amigão reagiu na hora. Quando ela me soltou, estava corada.
— Acalma este rapaz aí, porque ainda tenho que contar a segunda
ideia maravilhosa que tive. — Eu a beijei como se minha respiração
dependesse daquele beijo, minhas mãos passearam pelo corpo dela e fomos
interrompidos pelo chute do meu jogador.
— Noah, meu filho, ajuda aí, divide a mamãe comigo. Vamos lá, o
papaizinho vai fazer você dormir. — Ela deu uma gargalhada e eu fiquei
alisando sua barriga para acalmar meu filho.
Era incrível como ele ficava quietinho quando eu fazia carinho na
barriga da mãe.
— Amor, a minha ideia vai precisar ser muito bem executada para
dar certo, é o seguinte: vamos protagonizar algumas cenas de brigas no
nosso jardim, em frente à casa da sua irmã e onde for possível. Tenho
certeza de que vai servir de isca para aquele maldito e aí os velados agem.
— Continuei alisando a barriga dela, enquanto assimilava sua ideia que
parecia maluca, mas podia dar certo.
— Hannah, não sei, fico preocupado em colocá-la em risco. Ele está
enlouquecido, meu amor.
— Ótimo, porque eu também sei ser louca. Henrique, pensa comigo,
esta é a única chance de terminarmos com este martírio, não quero
prolongar isto até depois do nascimento de Noah, quero ter paz, meu amor.
— Ela tinha razão, não dava mais para continuar vivendo daquele jeito. Eu
a beijei devagar, demonstrando a ela todo meu amor, depois falei em seu
ouvido:
— Eu tenho a melhor esposa do mundo. Ela tem uma mente
brilhante, eu a amo demais e ela é uma bad girl. — Ela sorriu convencida e
começou a me morder.
— Vamos para o quarto, porque esta bad girl tem uma promessa
para cumprir. — Eu a carreguei e subimos para nosso cantinho do paraíso.
O plano da minha esposa foi aprovado pelos meus amigos Roberto e
Eduardo. Demoramos quatro dias para juntar todas as imagens necessárias.
Não foi fácil como eu imaginava, eram muitas horas de filmagens. Algumas
câmeras tinham uma tecnologia mais antiga e foi necessário converter o
vídeo com as imagens, mas no fim tudo deu certo.
A polícia civil continuava investigando o incêndio criminoso da mãe
do louco. A novidade foi a aparição do pai dele, que nos contou o quanto o
filho sempre deu sinais de ser perverso, sem remorsos, sem limites e cheio
de razão em tudo.
O senhor José Ramos contou com tristeza sobre a devoção da ex-
esposa ao filho. Ele arcou com as despesas do enterro e se colocou à
disposição caso fosse necessário.
Começamos a maratona de assistir as imagens, era preciso muita
atenção nos mínimos detalhes. Minha esposa foi fundamental em
reconhecer o bandido em várias situações, mas a mais inusitada de todas foi
a descoberta dele disfarçado de mulher. O desgraçado ficava na banca em
frente ao batalhão, inclusive esteve lá no dia que descobrimos o falso
cativeiro.
Desde o dia do incêndio não tínhamos mais nenhum sinal do infeliz.
Era como se ele tivesse tomado chá de sumiço. Nossa operação estava
acontecendo. A babá segurança estava em nossa casa, mas nada acontecia.
Estava difícil manter tantos homens da polícia empenhados e
disfarçados. O comandante da nossa regional, era um homem muito bom e
estava mantendo nossas estratégias, mesmo sem êxito.
Hannah e eu começamos a encenar nossas brigas falsas, mas
precisávamos esperar Lara dormir ou estar na escolinha para ela não
presenciar nosso teatro. Minha filha era muito nova para entender o que
estava acontecendo.
Hannah morria de rir depois dos conflitos fakes, mas eu confesso
que ficava incomodado de gritar com ela, ainda mais carregando uma
barriga de oito meses.
Tentava não ficar ansioso à medida que o tempo ia passando, mas o
meu medo crescia na proporção da barriga dela.
A coisa saiu do controle no dia em que Lara estava brincando com
Nininha no jardim e o interfone tocou com um suposto carro de Pet Shop.
Fiquei louco quando Ester me contou como tinha acontecido.
Segundo ela, minha filha correu para atender, mas a Ester estava a
postos e o atendeu sem abrir o portão.
— O senhor deve ter errado o endereço, não pedimos nenhum
serviço.
— Estranho, porque recebi a ligação me dando este endereço e
dizendo que era para buscar a Nininha para banho.
— Senhor, eu já disse que não pedimos nenhum serviço, o senhor
pode se retirar, por favor. — Contou que naquela hora uma viatura virou em
nossa rua e ele saiu correu em fuga.
Ele foi seguido por várias ruas movimentadas da cidade, até que ele
conseguiu ultrapassar um sinal e a viatura precisou parar. Os policiais
conseguiram sair, mas já era tarde demais. O veículo havia sido abandonado
em uma esquina e o motorista desaparecido.
O carro foi levado para o pátio da polícia civil e descobrimos que a
placa havia sido adulterada. A pintura com o nome de um Pet Shop estava
com tinta fresca, mas o que me deixou enlouquecido de ódio fora as
inúmeras fotos de Hannah que estavam no porta-malas.
Tudo aconteceu no dia que somente os seguranças pagos estavam
disfarçados. Como aquela era uma operação demorada, não dava para
manter os policiais em todos os dias.
As filmagens mostravam um idoso, mas minha esposa reconheceu
Gustavo pelo jeito de andar. Naquele dia fiquei cego, chamei uma reunião
de urgência e perdi a linha. Alterei o tom de voz com os homens da empresa
de segurança envolvidos na operação.
— Eu não posso acreditar no que aconteceu. Vocês cometeram um
erro grave, relaxaram e ele chegou ao meu portão. Que inferno, qual o
problema de vocês? Não estamos lidando com um aprendiz e sim com um
maluco que enganou a todos. Revejam as táticas, prestem atenção em uma
mosca que pousar naquela rua. Não quero ninguém estranho perto da minha
casa, entenderam? Sumam da minha frente, na próxima, e eu espero que
não haja próxima, eu rompo meu contrato com a empresa de segurança e
vou garantir que ninguém mais contrate vocês.
Eles saíram da minha sala sem falar nada, eu não dei oportunidade.
Odiava incompetência e aquela foi inaceitável. A polícia fez barreira em
vários lugares, reforçou a entrada e saída do meu bairro, mas não havia
sinal do desgraçado.
Tudo parecia estar dando errado, eu estava a ponto de largar tudo e
mudar do país com minha família. Permaneci em minha sala me corroendo
por dentro, quando Capitão Roberto entrou feito um louco.
— Henrique, se levanta desta cadeira. Caralho, você não vai
imaginar. Descobrimos o endereço onde estavam captando a frequência de
nossos rádios. O comandante já conseguiu uma autorização judicial para
entrarmos e a polícia civil está a caminho do endereço. Vamos lá ver que
apartamento é este. — Saímos em quatro viaturas e quase doze homens.
Para nossa surpresa o local era próximo ao batalhão. Tocamos o
interfone sinalizado como do síndico e pedimos para abrir.
— Senhor, polícia. Temos uma ordem judicial para entrar no
apartamento trezentos e um.
— Polícia? Pois não senhor, vou abrir e esperá-los na porta do
apartamento, se precisar tenho a chave reserva. — Subimos as escadas com
alguns policiais em retaguarda.
Eu, Eduardo e Roberto forçamos a porta e nada. Batemos
anunciando ser a polícia, mas não ouvimos nenhum som. O síndico me
entregou a chave e abrimos a porta. Alguns policiais do Grupo de
Operações Táticas entraram na frente fazendo a varredura no apartamento.
Aguardamos a liberação deles.
— Não há ninguém no apartamento, senhor. — Assim que
entramos, nos deparamos com uma bancada cheia de rádios e
computadores.
Enquanto os peritos fotografavam tudo, fomos para um quarto que
me deixou sem ar. Havia uma cama e em frente a ela uma parede cheia de
fotos de Hannah. Algumas delas tinha a foto do Gustavo colada em cima da
minha imagem.
— Caralho, é o apartamento dele.
— Henrique, você precisa ver isto. — Eduardo me chamou no outro
quarto e assim que entrei me deparei com um armário cheio de uniformes.
Tinha dos Correios, da empresa de limpeza urbana, de auxiliar de
limpeza do shopping, até uma batina estava no cabide. Além disto, tinha
roupas femininas, perucas, vários bonés, muitos óculos e algumas máscaras
feitas sobre medidas.
Para piorar, ainda havia pendurado no teto um saco de bater, uma
esteira elétrica no canto e o mais sinistro, um manequim vestido com uma
capa preta com capuz.
Sobre seu ombro havia três azorragues, aqueles chicotes que eram
usados para açoitar condenados.
— Meu Deus, é muita loucura. Esse bandido é um perigo para toda
a sociedade, Eduardo. — Abrimos as gavetas de uma cômoda e
encontramos joias, dinheiro e vários documentos com diversas identidades
diferentes.
— Eu sei, Estevão. Nós vamos prender esse maldito.
Achamos diversas fotos do batalhão, dos policiais juntos comigo, da
minha irmã, meu sobrinho e da minha filha. Cheguei a ficar ofegante e
soquei a cômoda.
— Eduardo, este cara é um maníaco e quer minha família. Você tem
noção o que é isto?
— Calma, cara. Descobrimos o esconderijo do bandido e bem
embaixo dos nossos olhos. Vamos embora, deixe nossos homens terminar
por aqui.
Aceitei a sugestão do meu amigo. Eduardo me levou para casa, eu
precisava estar junto das minhas meninas.
Capítulo 58

Mudança de planos

Não contava com uma babá dos infernos cuidando da pequena peste.
Aquela desgraçada atrapalhou meu plano. Eu tinha certeza de que a
senhorinha me atenderia, mas veio uma mulher parecendo um pitbull no
portão e para piorar uma viatura surgiu do nada.
Quando você precisa tomar uma decisão na pressão, quase sempre
erra, mas eu não me sentia pressionado por ninguém. Não fugi da polícia
como os trouxas imaginaram, só quis me divertir um pouco as custas deles.
O carro da minha mãe era potente e podia competir com uma
viatura, mas eu ia renunciar a ele porque não gostava da cor. Era um
vermelho horrível.
Correr pelas ruas da cidade com os babacas me seguindo foi bem
divertido, ultrapassei um sinal que havia acabado de fechar e os despistei.
Deixei o carro estacionado, corri e entrei no primeiro ônibus. Claro, deixei
um presentinho no porta-malas para o poderoso capitão de merda.
Continuei sendo sombra, ninguém conseguia me ver. Eu era muito
mais esperto que todos aqueles Gambés juntos. Os últimos acontecimentos
modificaram meus pensamentos. Com muita alegria presenciei minha
mulher brigando com o marido.
Pelo jeito a lua de mel acabou e ela não o via mais como seu
príncipe encantado. Esta foi minha percepção ao presenciar algumas
discussões bem acaloradas dos dois.
Hannah costumava passear no shopping, mas sempre acompanhada
da pequena peste e da babá dos infernos. Porém, aprendi a usar a paciência
ao meu favor e continuava a vigiando, uma hora eu ia conseguir vê-la
sozinha.
Precisei mudar de planos motivado pelo pequeno incidente com a
casa da minha mãe e porque os malditos policiais descobriram meu
apartamento. Fui obrigado a procurar um hotel e ficar um pouco sumido.
Minha sorte era os cartões de crédito que estavam em minha carteira com
uma identidade falsa.
O Mestre tentou me castigar em função do meu vacilo permitindo
que os policiais chegassem até mim, mas eu acabei revidando. Estava
cansado da metodologia e dos ensinamentos dele, então o dispensei.
Percebi que ele não deu conta quando entendeu que a criatura se
desenvolveu mais que o criador. Eu não necessitava mais dele. Estava
obsoleto e não aceitava minhas decisões, no entanto, ele só se esqueceu de
que o plano era meu e não dele. Estava bem melhor sozinho tomando o
rumo da minha vida sem nenhuma intromissão.
Metas e planejamentos careciam de monitoramento e avaliação, pois
durante o percurso eram necessários alguns ajustes. Pensando em todas as
experiências vivenciadas, tomei outra decisão importante para mim e
Hannah.
Não esperaria mais nosso filho nascer, eu a queria junto de mim.
Passei por um processo de introspecção durante meu sumiço obrigatório e
cheguei à conclusão de que aquele bebê era meu por direito.
Capítulo 59

Decisão arriscada

Brigar com minha esposa grávida de nove meses me deixou


arrasado. Como eu pude ser tão irresponsável a ponto de gritar com ela? Eu
saí a deixando só, porque fiquei transtornado com a hipótese dela servir de
isca para aquele maníaco.
Desde que contei a ela sobre a descoberta do apartamento do louco,
que ela não me dava paz querendo ajudar e naquele dia ela perdeu o juízo
com a sua ideia. Peguei meu carro e fui para o batalhão, eu necessitava ficar
sozinho para esfriar minha cabeça.
Meia hora depois, ainda olhando para o jardim pela janela da minha
sala, decidi ligar para ela. Precisava me desculpar por ter sido um ogro.
Amava demais aquela mulher e não tinha vergonha de dar o primeiro passo.
Conversamos por uns dez minutos e desligamos depois de declarar nosso
amor.
Resolvi ir em busca do meu amigo capitão Roberto para contar a ele
o plano maluco da minha esposa. Minha esperança era de que ele pudesse
clarear minha ideia e talvez me ajudar. Quando cheguei na sala dele fui
recebido com susto pela minha aparência.
— Capitão Estevão? Hoje não era sua folga? O que está fazendo
aqui desfardado?
— Amigo, eu precisei fugir para cá depois de brigar com minha
esposa. Não estou em um bom dia, aliás, não estou em um bom ano. Desde
que descobrimos o apartamento daquele desgraçado e ele fugiu, meu
desespero só aumentou.
— Você brigando com a Hannah? Isto é novidade para mim. Está a
fim de falar da briga?
— Hannah está insistindo em um plano maluco de ser isca daquele
maníaco.
— Isca? Como assim? Explica isto melhor. — Respirei fundo, soltei
o ar devagar, depois comecei a contar para meu amigo em detalhes sobre a
ideia da minha esposa.
Falar em voz alta para outra pessoa o que ela estava pensando em
fazer, me fez raciocinar que talvez e somente talvez, Hannah podia estar
certa. O problema era o medo de que algo desse errado, eu nunca iria me
perdoar.
Roberto ouviu sem me interromper, quando terminei minha
narrativa, ele balançou a cabeça como se estivesse processando tudo e
depois deu seu veredito.
— Estevão, sinto muito, ela não está errada. Talvez seja a única
forma de acabar com este martírio. — Abri a boca para reclamar, mas meu
amigo não deixou. — Calma aí, me escuta primeiro. Eu te escutei até o fim.
Podemos colocar algumas escutas nela e em todos nós que estaremos
escondidos no shopping. Vamos usar disfarces como ele e se te deixa mais
seguro, você e eu ficaremos por conta dela. Se ela desconfiar de algo ela
fala como se estivesse cantando, ou atendendo o celular. Ouviremos pela
escuta que estará nela e Hannah se dirige ao estacionamento. Eduardo e
seus policiais ficam de prontidão no lugar onde ela deixar o carro para agir.
Meu coração estava disparado, apesar de saber que poderia dar
certo, sempre temos o risco, a questão era decidir se valia ou não arriscar.
— Não sei, nós sabemos como são estas coisas. Colocar civis em
operações complexas como esta não é recomendável, você sabe disto, não
é?
Ouvindo-o falar parecia fácil, mas intervenções assim nunca eram
tranquilas e ainda tinha o agravante de Hannah ser uma gestante que tinha
acabado de entrar nos nove meses.
— Meu amigo, não estamos falando de qualquer civil, é sobre a
esposa do Comandante de Cia Capitão Henrique Estevão, me entende?
Cara, não vejo uma alternativa no momento, estamos há dois meses com os
seguranças velados e não avançamos.
— Nisto você tem razão. Aqueles incompetentes perderam o
bandido na única vez em que tiveram uma chance de ter êxito.
— Vamos fazer assim, combinamos na segunda-feira quando o
shopping estará mais vazio. Você vai trabalhar como em um dia normal e
por volta das onze horas Hannah saí sozinha para o shopping. É claro que
estaremos a seguindo disfarçados e sem que ninguém perceba.
— Vou pensar. Valeu pelo apoio, vou embora curtir meu dia de folga
com minha esposa e amanhã voltaremos a conversar.
— Faz isto, cara, descansa. Eu vou dar uns telefonemas para
amadurecer melhor esta ideia e amanhã nos falamos. — Saí da sala do meu
amigo levando em consideração a possibilidade de realizar a operação.
Talvez eu estivesse errado em relutar tanto, mas era da minha esposa
que estávamos falando e o medo de perdê-la me paralisava.
Na volta para casa parei em uma floricultura, comprei uma orquídea
para minha linda e uma caixa de trufas, ela amava os doces. Precisávamos
conversar com calma e quem sabe chegar a um consenso.
Capítulo 60

Planos mudam

Depois de dias tensos, após o episódio com o falso Pet Shop e a


descoberta do apartamento do Gustavo, meu marido ficou paranoico. Eu
tentava acalmá-lo, mas ele parecia fora de controle.
Quando contei a ele o que eu estava planejando, Henrique ficou
descontrolado, sorte que nossa pequena estava na escolinha.
— Esquece, Hannah! Eu não vou colocar você e a minha filha em
risco.
— Nossa filha, Henrique, nossa filha, é bom que você não esqueça
disto. Quantas vezes vou ter que dizer que não sou uma boneca de
porcelana? Não aguento mais esta sua paranoia.
— Não é “paranoia”, é minha esposa que não sabe com quem está
lidando e acha que é policial. — Ele tirou o resto da paciência que eu tinha
e gritei com ele:
— Eu conheço o Gustavo muito bem, eu namorei com ele, não você.
E não acho que sou policial, Capitão Estevão, mas sou a única desta casa a
ter cabeça para pensar, porque o senhor está louco. — Meu marido ficou
vermelho bufando e me olhando.
As narinas dele dilatavam e seus olhos saíam faíscas, mas eu não me
intimidei e o encarei. Ele ficou respirando forte, deu um soco na parede e
saiu batendo a porta. Ainda gritei com ele da sacada do nosso quarto.
— Isto, foge, não aguenta pressão da sua esposa, não é capitão? —
Ele olhou para mim magoado, entrou no carro e saiu.
Depois daquela briga épica, me deitei na cama e chorei por horas.
Dodora não sabia o que fazer para me acalmar.
— Hannah, se acalme, por favor. Vai fazer mal para o Noah. Você
está no final da gravidez. Toma este chazinho, vai te fazer bem.
— Não quero chazinho, Dodora, eu não aguento mais este inferno
de vida por causa daquele maldito do Gustavo. Meu marido é um cabeça
dura, minha ideia vai dar certo, eu tenho certeza de que ele está por perto
sabendo de todos os meus passos.
— Minha filha, seu marido te ama, só está com medo de te perder.
— Ele precisa entender que não aguento mais esta loucura de
seguranças disfarçados, da Ester de babá armada dentro da minha casa,
câmeras, medo o tempo todo, quero acabar com isto e sei que posso ajudar.
— Descansa querida, vocês dois vão esfriar a cabeça e tudo vai dar
certo, você vai ver. Deus é bom o tempo todo, acredite Hannah.
— Tomara Dodora, tomara. Porque não sei qual é o objetivo de
Deus em nos fazer sofrer tanto. — Ela passou a mão sobre minha barriga e
falou cheia de carinho.
— Minha linda, os mistérios dos desígnios de Deus não cabem aos
homens, mas de uma coisa tenho certeza, Ele cuida de seus filhos, tenha fé.
— Ela beijou minha testa e saiu do meu quarto.
Liguei para minha cunhada e contei para ela o desastre que foi
minha conversa com Henrique. Priscilla ficou preocupada e queria ir para
minha casa, mas eu pedi para ficar com Lara junto com a babá fake e com a
Nininha.
Eu precisava de ficar sozinha com meu marido. Desliguei o telefone
e passou alguns minutos, Henrique me ligou. Pensei em não atender, mas
desisti porque era perigoso ele surtar achando que passei mal.
— Oi.
— Hannah, você está bem?
— Estou ótima. Feliz porque meu marido saiu e me deixou falando
sozinha. — O silêncio durou alguns segundos, ficamos ouvindo a
respiração um do outro até que ele falou.
— Desculpe, eu sei que não deveria ter saído, mas eu estava muito
nervoso e antes que eu te machucasse com palavras rudes, preferi sair.
— Henrique, me desculpe, eu também exagerei, mas você não quis
me ouvir. Podemos acertar algumas falhas no meu plano ou readequá-lo
como você achar melhor. Eu não quero mais esta vida de medo, amor.
— Eu vou pensar, te prometo. Agora se levanta desta cama e para de
chorar.
— Como você sabe que estou na cama chorando?
— Porque eu sou seu marido e te conheço. Eu amo você, Hannah, a
hipótese te de perder me enlouquece.
— Você não vai me perder, meu amor, eu te prometo. —
Desligamos a ligação depois de juras de amor.
Respirei fundo e liguei de novo para minha cunhada. Talvez se ela
pudesse viajar com Lara para casa dos meus pais, meu marido ficaria mais
tranquilo e aceitaria executar meu plano.
Depois de explicar tudo a Priscilla ela acabou aceitando minha
proposta, inclusive porque ela e o marido estavam precisando de uns dias de
férias. Combinamos todos os detalhes e pedi a ela para aguardar eu
convencer o irmão.
Logo após, tomei um banho revigorante, Noah era meu
companheiro de todas as horas. Eu passava o dia inteiro conversando com
ele e naquela hora a sensação era incrível. Quando eu passava sabonete na
barriga dizendo que estava se banhando com a mamãe, ele mexia de um
jeito diferente como se entendesse tudo o que eu dizia.
A médica sempre nos incentivava a manter estes diálogos e toda a
família levava a sério a recomendação mágica dela. Às vezes Lara brincava
com o irmão e ele mexia tanto que eu quase fazia xixi na calça, de tantos
pinotes que o bagunceiro dava na minha bexiga.
A gravidez me transformou em uma mulher forte, preparada para
enfrentar o mundo se preciso fosse. Acabei de me arrumar e ouvi o portão
da garagem abrindo. Meu marido estava de volta, desci determinada a
convencê-lo a aceitar minha ideia.
Quando cheguei à sala, ele estava entrando com uma orquídea e
uma caixa na mão. Como meu marido era lindo, meu Deus. Ele me olhou
envergonhado, veio em minha direção e me entregou a flor.
— Desculpa, meu amor. Eu fui um péssimo marido, mas prometo
tentar ser melhor. — Coloquei a orquídea e a caixa em cima do aparador e
voltei para abraçá-lo.
Dentro daqueles braços fortes eu me sentia realizada e protegida.
Olhei nos olhos dele e declarei meu amor:
— Meu capitão, eu te amo como você é. Até o seu jeito estressado e
mandão. — Ele levantou uma das sobrancelhas e eu caí na risada.
Acabamos no sofá entre beijos e carícias ousadas, só não fomos
praticar sexo de reconciliação porque precisávamos conversar. Henrique me
contou toda a conversa com seu amigo e eu disse a ele sobre Priscilla ter
aceitado viajar com Lara e sua família para a casa dos meus pais. Meu
marido escutou, raciocinou e acabou por considerar uma boa estratégia.
Capítulo 61

Momento arriscado

Henrique permaneceu alguns segundos me olhando e fazendo


carinho em meu rosto, até se pronunciar;
— Hannah, apesar de continuar achando um plano arriscado, vocês
conseguiram me convencer. Vou marcar uma reunião para amanhã à tarde
no batalhão e em seguida vamos conversar. Por agora, vamos abrir esta
caixa e adoçar nossa vida. — E assim chegamos a um consenso sobre como
iríamos agir. Eu precisava ter fé que Deus nos protegeria.
Henrique acordou bastante nervoso, afinal, dentro de algumas horas
eu estaria saindo para o shopping para executar nosso plano. Antes de sair
para o trabalho, ele repassou os detalhes comigo e me alertou pela milésima
vez.
— Meu amor, sei que estou sendo repetitivo, mas pelo amor de
Deus, não faça nada fora do combinado. Você é importante demais para
mim. — Revirei meus olhos porque não aguentava mais ouvir a mesma
coisa.
A expressão de desespero dele fez meu coração doer. Passei a mão
em seu rosto e o beijei com todo o meu amor. Eu sabia o quanto ele estava
sendo colocado a prova em função dos seus traumas, por isso, entendia seu
nervosismo. Depois de nos beijarmos como se não houvesse amanhã, eu o
olhei de forma profunda e fiz uma promessa.
— Henrique, eu te prometo que ainda hoje, eu e Noah estaremos
com você nesta casa, comemorando o sucesso de nossa operação. — Ele
agachou em frente à minha barriga e conversou com nosso filho.
— Noah, cuida da mamãe, não deixa ela dar uma de mulher
maravilha. Conto com você, campeão. — Eu amava aqueles momentos em
que ele era um pai fofo. Henrique tinha o dom da paternidade.
Era lindo ver como ele conseguia acalmar a Lara em momentos de
dor, raiva ou medo. Beijei o topo de sua cabeça e o puxei pelo ombro.
— Vai, bonitão, não pode atrasar. Daqui a pouco a Lia, a babá
segurança, irá colocar as escutas em mim e nós vamos testá-las com o ponto
que ficará em meu ouvido. Vou conversando com você pelo celular.
Ele me beijou mais uma vez e saiu. No fundo, eu estava pedindo a
Deus para não errar com minha intuição, algo me dizia que Gustavo
apareceria no shopping atrás de mim.
Eu estava me controlando para não deixar Henrique perceber minha
ansiedade, principalmente, porque eu havia amanhecido sentindo um
incomodo na minha pélvis.
Não comentei nada, porque deveria ser só o peso do bebê. Mesmo
diante dos riscos, eu estava convicta de ter tomado a melhor decisão.
Depois de um café da manhã reforçado, tomei um banho e coloquei a roupa
escolhida para esconder as escutas.
Eduardo foi fundamental nas orientações sobre a minha preparação,
ele era especialista em escutas, pontos eletrônicos, câmeras e todas as
tecnologias existentes para auxiliar nas investigações.
Coloquei calça preta legging, um camisão verde com botões, dois
deles com câmeras embutidas e finalizei com tênis. Minha bolsa também
estava equipada com dispositivos posicionados para captar as imagens do
ambiente atrás de mim.
Depois de pronta, desci para Lia, uma policial civil que me
prepararia para iniciarmos os testes. Quando mais aproximava a hora,
aumentava minha ansiedade. Eu sentia meu coração disparado e a sensação
de peso na pélvis só aumentava.
Não era hora do Noah nascer, aqueles sintomas deviam ser em
função do meu nervosismo. Para conseguir me acalmar, fiz alguns
exercícios respiratórios que aprendi na yoga, eles costumavam dar certo.
Eu e Lia fizemos vários testes e atendemos a todos os comandos do
Eduardo. O capitão Roberto e o Henrique conversaram comigo pela escuta,
era necessário testar todos os dispositivos antes da minha saída.
Durante a semana, fizemos várias medições, avaliamos os
equipamentos e provamos a eficácia de todos eles. Alguns foram
substituídos porque meu marido achou a qualidade do som ruim.
Enfim, tudo foi feito com total excelência. No horário acordado, dei
o sinal a todos os envolvidos e aguardei a autorização para entrar no carro e
sair. Era hora de começar a missão mais difícil da minha vida.
Dada a largada me dirigi para o maior shopping da cidade, era lá que
eu tinha costume de ir. Gustavo era muito inteligente, eu não podia correr o
risco de mudar minha rota e ele desconfiar de algo.
Conforme fui orientada não acelerei muito, até mesmo porque
minha barriga não ajudava. Na verdade, eu não deveria estar dirigindo, mas
era necessário.
Durante o percurso, Henrique conversava comigo pela escuta, ele
ficaria o tempo todo em contato. Nas imediações do shopping havia doze
carros descaracterizados com policiais velados. As viaturas estavam nas
vias paralelas e prontas para entrar em ação.
Quando cheguei, deixei o carro no estacionamento do subsolo, pois
ele tinha a saída direto para a via principal, o que facilitaria a polícia caso
houvesse uma fuga. Saí do carro e fui direto para o corredor das lojas que
ficavam no andar térreo. Estava combinado que eu entraria nas lojas de
roupas e móveis de bebê.
Recebi o comando do meu marido para entrar em uma loja e
comprar alguma coisa para dar veracidade ao nosso disfarce. Comprei um
cobertor cheio de desenhos de tartarugas marinhas, eu amava aqueles
bichinhos.
Depois andei por cerca de quase uma hora sem nenhuma novidade.
Eu observava todas as pessoas e algumas vezes fingia falar no celular para
conversar com Henrique pela escuta.
Fui obrigada a ir ao banheiro fazer xixi e fiquei muito constrangida
sabendo que todos estavam ouvindo o barulho da urina caindo no vaso.
Meu marido tentou me distrair, mas eu senti meu rosto queimar.
Vesti minha roupa com cuidado para não atrapalhar as escutas e fiz
alguns testes antes de voltar para meu passeio no corredor. Resolvi comprar
um sorvete na praça de alimentação, mesmo sobre protesto do meu marido.
Eu sentia uma força me impulsionar para lá, algo me dizia que Gustavo
estava perto.
O quiosque estava vazio naquela hora, enquanto a moça preparava
minha casquinha, comecei a observar um homem com uma barriga
esquisita, óculos fundo de garrafa e um boné.
Senti um baque no coração quando ele andou até um café próximo
ao quiosque, era ele, eu não tinha dúvida. A moça me entregou meu pedido,
eu respirei fundo e sem fazer nenhum movimento brusco, saí andando em
direção ao estacionamento.
Dei alguns passos e observei que ele não saiu atrás de mim, parecia
estar ganhando tempo no disfarce, eu não podia errar, então avisei na
escuta.
— Homem no quiosque de café, com uma barriga grande, camisa
azul, boné vermelho, calça jeans, é ele, Henrique.
Capítulo 62

O dia D

Como minha esposa podia pensar em tomar sorvete em uma hora


daquela? Meu Deus, Hannah só podia estar brincando comigo. Ficamos
todos muito atentos a qualquer movimento estranho na praça de
alimentação, mas nada parecia fora do lugar, até que ouvimos em alto e
bom som.
— Homem no quiosque de café, com uma barriga grande, camisa
azul, boné vermelho, calça jeans, é ele Henrique. — Meu coração parou
naquele momento.
Ouvi pela escuta o Roberto comunicando a todas as viaturas para se
dirigirem a saída do shopping, eu precisava me acalmar e continuar
assessorando a Hannah.
— Meu amor, continue andando de forma calma, não olhe para trás
para ele não desconfiar. A câmera de sua bolsa está nos dando toda a visão
e ele ainda está parado no café observando a movimentação. Siga minhas
orientações, ok?
— Ok, Henrique, estou te ouvindo e vou fazer tudo certo.
— Vai sim, meu amor, eu estou com você.
Observava no meu relógio a imagem da câmera da bolsa de Hannah.
Nós estávamos todos disfarçados no shopping, eu estava vestido com roupa
de bombeiro civil e seguindo Hannah pelo corredor paralelo.
Eduardo e alguns policiais civis estavam de segurança e os militares
com o uniforme do pessoal da limpeza. No estacionamento, tínhamos
muitos policiais entre os carros, posicionados de forma estratégica, nada
podia dar errado.
— Hannah, pare em frente a vitrine da loja Pequeninos e aguarde
meu sinal para você ir para o estacionamento. — Ela andou mais alguns
passos e parou em frente a vitrine tomando seu sorvete e atuando como uma
atriz.
Eu repetia de dez em dez segundos meu mantra: Senhor, proteja
minha esposa. Precisei controlar o medo e o nervosismo para não prejudicar
a operação. Estávamos chegando na parte mais delicada do plano,
precisávamos agir de forma cronometrada.
Quando ela estivesse próxima ao nosso carro, íamos fazer um
barulho para assustá-lo e eu ia puxar Hannah para o automóvel enquanto os
homens iam contê-lo.
Gustavo saiu do quiosque, olhou para todos os lados e começou a
andar em direção a minha esposa. Eu estava na mesma direção dela, no
corredor paralelo e comecei a me dirigir para o estacionamento. Quando ele
chegou aproximadamente quarenta metros dela, dei o comando.
— Hannah, comece a andar em direção ao nosso carro, não olhe
para trás em nenhuma hipótese. Amor, preciso que confie em mim e
mantenha a calma.
— Eu confio, capitão. — Ela começou a andar para o local
combinado e, para nossa sorte, ele manteve a velocidade dos passos.
Quando ela estava chegando no carro, eu já estava agachado e com a
porta do motorista e a de trás abertas. Daí em diante, tudo aconteceu rápido
demais.
Gustavo entrou no estacionamento, Eduardo fez o barulho e como
eu imaginava, ele se assustou. Eu me levantei depressa e abracei a Hannah a
colocando no banco de trás.
Os homens foram para cima dele, mas ele revidou atirando e
conseguiu correr para um carro que estava próximo ao nosso. Eu me joguei
no banco do motorista e gritei para que Hannah ficasse abaixada.
Quando ele passou por nós, atirou no vidro acertando a cadeira do
carona. Se eu não tivesse colocado minha esposa atrás, ele a teria acertado.
Todos os policiais saíram em perseguição a ele. Olhei para minha esposa e
ela estava muito pálida, parecendo estar em choque.
— Amor, você está bem? Fala comigo. — Ela puxou o ar com
dificuldade, olhou para mim com lágrimas no rosto.
— Henrique, ele atirou em você, meu amor.
— Calma, meu amor, ele não atirou em mim, eu estou bem. Fique
calma. Acabou. Desta vez ele não vai escapar. — Saí do carro e ajudei
minha esposa a se sentar. Dei um beijo em sua boca, meu coração estava
disparado e eu precisava senti-la naquele momento. — Meu amor, você é a
mulher mais linda e corajosa que conheci na vida, eu te amo.
Ela sorriu para mim, com olhos marejados e eu agradeci a Deus em
pensamento. Continuei abraçado a ela para minimizar o estresse do seu
corpo que tremia todo. Eduardo veio correndo em nossa direção assustado
por ter visto meu carro ser atingido.
— Henrique, ele atirou no seu carro, fiquei apavorado com vocês.
Está tudo bem? Como você está, Hannah? — Minha esposa ainda estava
ofegante, mas de forma pausada conseguiu falar com meu amigo.
— Eu estou bem, quando ouvi o tiro achei que ele houvesse
acertado meu marido. Vocês conseguiram capturá-lo?
— Ele entrou na via principal e todas as viaturas o seguiram em
perseguição. Não vai conseguir escapar. São doze viaturas, mais as que
estão nas barreiras. Eu permaneci para acompanhar o trabalho da perícia e
verificar o estrago feito pelos tiros, mas o Roberto saiu atrás dele. — A
segurança na resposta do meu amigo acalentou meu coração.
— Eduardo, ele acertou alguém? — Precisava saber se nossos
homens estavam bem.
— Um dos meus homens foi atingido com uma bala de raspão, mas
está bem. O capitão Roberto atirou no elemento, ele está ferido. Henrique
leve a Hannah para casa no meu carro, deixa que eu providencio o guincho
para o seu.
Aceitei a oferta dele, peguei as bolsas da Hannah no banco de trás e
nos dirigimos a caminhonete S10 cabine dupla do meu amigo. Dentro do
carro encontramos garrafas d’agua, um bálsamo para nós.
Antes de sairmos acomodei minha esposa na cadeira do carona e
retirei todos os equipamentos de escuta que estavam em seu corpo.
Deixamos Eduardo e os peritos realizando a perícia e saímos do
estacionamento.
Resolvi seguir pela rota fora das vias principais pegando o caminho
oposto da perseguição. Optei em fazer o caminho rural, por ser uma estrada
calma e segura. Depois de dez minutos de silêncio, olhei para o lado e
percebi Hannah se retorcendo com expressão de dor.
— Amor, o que está acontecendo? Você não está bem? — As
palavras dela me deixaram sem respirar.
— Henrique, acho que Noah quer nascer.
Capítulo 63

O inesperado

Tudo aconteceu como um trovão. Os policiais estavam todos


preparados e agiram de forma sincronizada, sem errar. Não consegui
vislumbrar como meu marido me colocou no carro junto com bolsa, sacola
de loja, tudo isto em fração de segundos. Só me lembro de ouvir tiros,
carros cantando pneus e ele gritando para eu me deitar.
Naquele momento só pensei em proteger meu bebê e meu marido.
Quando ouvi um tiro estilhaçando o vidro do nosso carro meu coração se
partiu com medo de ter acertado meu Henrique.
Eu estava com a cabeça baixa, muito desconfortável pelo tamanho
da minha barriga e não consegui coragem para verificar o que tinha
acontecido. Ouvia a voz dele, no entanto, parecia estar distante, como se eu
estivesse em outra dimensão.
Depois de muito esforço, dei conta de respirar e descobrir o que
tinha acontecido. Eduardo se aproximou de nós visivelmente preocupado
por ter visto o tiro que acertou o vidro dianteiro do veículo. Ele conversou
conosco e se certificou de que estávamos bem. Nos ofereceu a chave de sua
caminhonete, uma vez que nosso carro não tinha condições de trafegar.
Meu marido retirou minhas bolsas do nosso veículo e nos
acomodamos na enorme S10 do Eduardo. Ele se despediu e voltou para
perto dos peritos da polícia civil. Quando meu marido saiu com o carro do
estacionamento, respirei aliviada, só pensava em chegar na minha casa.
Olhei pela janela e vi que estávamos em direção a uma via
secundária fora da malha viária. Percebi que meu marido escolheu aquele
caminho por ser o oposto da perseguição.
Quando avistei a entrada da zona rural, senti uma dor estranha.
Tentei me manter calma sem fazer alarde. Respirei fundo, segurei o ar para
depois expeli-lo de forma lenta. A médica tinha me ensinado esta técnica
para o início das contrações.
Porém, bastou soltar o ar para a dor vir insuportável me rasgando
como uma faca. Apesar da minha tentativa de disfarçar, acabei retorcendo
meu corpo e meu marido percebeu.
— Amor, o que está acontecendo? Você não está bem?
— Henrique, acho que Noah quer nascer. — Pela expressão do meu
marido, percebi o quanto minha resposta o deixou em pânico.
Ele acelerou o carro, pois o percurso escolhido ficava há quase
quarenta minutos do hospital. Pegou seu celular que provavelmente estava
sem sinal, pois ele jogou o aparelho no compartimento próximo ao som do
carro.
— Amor, respira como a médica te ensinou, vamos chegar a tempo
no hospital. — Balancei a cabeça afirmando e respirando, mas pela
velocidade que a dor ia e voltava, a coisa não estava boa.
Menos de três minutos... Este foi o tempo para mais uma dor
avassaladora invadir meu corpo, seguida de um jato de água descendo por
minhas pernas.
A princípio cheguei a pensar em xixi, mas bastou prestar atenção
nos sinais do meu corpo para aumentar o meu pânico. Aquele aguaceiro era
resultado do rompimento da minha bolsa.
Meu marido dirigia com um olho na estrada e outro no retrovisor.
Eu estava fazendo um esforço sobrenatural para demonstrar calma, mas
estava falhando.
— Hannah, fala comigo, pelo amor de Deus. — Naquele momento
eu não tinha como falar, tamanha a minha dor. — Amor, por favor, fala
comigo.
— Henrique, para o carro.
— Como, Hannah? — A próxima dor veio intensa me
desorientando. Gritei e ainda xinguei meu marido.
— Para a porra deste carro, pelo amor de Deus, Henrique. — Ele
jogou a caminhonete no acostamento daquela estrada deserta e olhou para
mim em pânico.
— Tem certeza de que não dá tempo de chegar ao hospital?
— Henrique... — respirei fundo, para voltar a falar. — Eu não sei o
que eu faço, está doendo muito, me ajuda.
As lágrimas começaram a descer pelo meu rosto, sem nenhum
controle. Meu marido deu a volta pelo lado de fora do carro e abriu minha
porta.
— Amor, preciso te colocar no banco de trás. Vamos ter que nos
ajudar, entendeu? Pelo amor de Deus, Hannah, respira fundo e fica calma.
— Henrique, eu não estou calmmmmmmaaaaa, estou sentindo dor,
não me entende? — Meu marido passou as mãos pelos cabelos repetidas
vezes, limpou o suor de sua testa e abriu meu cinto de segurança.
— Amor, vou te colocar no banco de trás. Abraça meu pescoço,
deixa que eu conduzo você. — Só consegui balançar a cabeça, meu coração
estava acelerado e eu estava desesperada de tanta dor.
Minha tentativa de ficar calma foi para o espaço. Todos os
treinamentos feitos por mim e Henrique naquele momento não fizeram mais
sentido.
— Meu Deus, Henrique, ninguém nunca me disse que parto doía
tanto.
Capítulo 64

O maior medo e a maior emoção da minha vida.

Meu coração estava batendo muito acelerado. A situação na qual eu


me encontrava não era das melhores. A ideia de passar pela estrada rural
seria ótima se estivesse tudo normal, mas justo naquele dia meu filho
resolveu nascer, no meio do nada. Eu precisava manter a calma por mim e
por Hannah. Minha jovem esposa estava apavorada e sentindo muita dor.
A princípio eu me desesperei. Eu era treinado para ocasiões de
pressão e tensão, mas eu estava na condição de pai e marido, não de militar.
Porém, eu precisava respirar fundo, me manter calmo e tentar me lembrar
dos treinamentos para realização de partos fora do ambiente hospitalar.
Quando coloquei Hannah deitada no banco de trás do carro, o ar
quase me faltou no pulmão. Hannah chorava mostrando sinais de desespero
e medo. Não tinha outra opção, precisava passar segurança a ela e trazer
meu filho ao mundo.
Desde a minha formatura como policial, sempre mantinha um par de
luvas em meus bolsos, o bom militar sempre necessitava ser precavido. Nos
meus doze anos de servidor público, cheguei a fazer três partos em carros,
mas nunca estava sozinho, sempre com um parceiro.
Respirei fundo e comecei a agir. Empurrei o assento do carona todo
para frente para facilitar meu acesso a minha esposa. Ajeitei seu corpo no
banco de trás, deitei sua cabeça em cima da sua bolsa e expliquei a ela o
que ia fazer.
— Meu amor, preciso que confie em mim. Eu vou retirar sua calça e
sua calcinha para avaliar a situação.
— Você sabe fazer um parto? — O olhar dela para mim foi de
pavor.
— Claro que sei, amor. Sou policial, esqueceu? — Tentei soar de
forma leve para distraí-la, mas não fez efeito.
— Pelo amor de Deus, você não é médico!
— Não sou, mas pode ter certeza de que eu e você vamos trazer este
garotão ao mundo. — Calcei o par de luvas e verifiquei o estado da minha
esposa.
Havia muito sangue, mas eu não podia me dar ao luxo de ficar
impressionado até porque no meu trabalho o sangue costumava estar
presente. Usei algumas estratégias táticas para deixar minha mente em
branco, mesmo estando apavorado.
— Hannah, presta atenção no que vou dizer. Toda vez que a dor
vier, faça força. Eu estou com você, prometo que tudo dará certo. — A
única alternativa aceitável era esta, dar tudo certo, eu não podia pensar no
contrário.
Minha esposa gritou de dor e eu segurei suas pernas para que ela
não as fechasse involuntariamente, pois poderia machucar o bebê.
— Isto, meu amor, faz força, nosso filho quer nascer.
— Eu não vou conseguir... — Ela chorava, xingava, gritava e meu
desespero aumentava mais.
— Calma, nós vamos conseguir, força. Você é forte, Hannah. — E
mais uma vez a dor voltava com tudo e ela entrava em pânico, não
conseguindo fazer força.
— Eu não sou forteeeeeee... não vou conseguir... aiiiiii está doendo
muitoooo... — Eu precisava pensar em algo para acalmá-la, pedi sabedoria
a Deus e comecei a falar de forma espontânea.
— Hannah, eu preciso que você faça força, meu amor. A natureza é
sábia, só deixa nosso filho nascer. Olhe nos meus olhos e pelo nosso amor
se acalme. Eu só posso te ajudar, se você confiar em mim e fizer força. —
Ela fungou, me olhou com olhos vidrados e respirou em espasmos.
— Eu confio, Henrique... — A voz dela estava carregada de dor.
Hannah ainda chorava e o medo continuava estampado em sua
expressão, mas minha fala começou a fazer efeito e ela reagiu.
— Vamos, amor, na próxima dor vamos trazer este rapazinho para o
mundo. — Naquele instante um carro se aproximou e o motorista perguntou
se precisávamos de ajuda.
— Senhor, minha esposa está dando à luz. Meu celular está sem
sinal, por favor, tente chamar o SAMU para nos ajudar.
O homem ficou assustado, mas entendeu meu pedido e saiu com seu
carro em alta velocidade. Assim que o automóvel sumiu, Hannah começou
a gemer alto e gritou meu nome.
— Olhe para mim, somente em meus olhos. Faça força, meu amor.
Vamos lá, você consegue. — Naquela hora vi a cabecinha do meu filho
coroando e senti meus olhos úmidos. — Hannah, eu estou vendo nosso
filho, uma última força, amor, por mim.
Ela gritou fazendo muita força e Noah como um milagre chegou ao
mundo.
Como estava de luvas, limpei o rosto do meu filho usando as
próprias mãos. Ele chorou logo em seguida, um choro forte e bravo, o
melhor som do mundo. Beijei de leve sua cabecinha e encostei sua testinha
em meu rosto.
— Sou eu, bebê, o papaizinho, como eu te amo, Noah. — Ao ouvir
minha voz, ele parou de chorar e abriu o olhinho para minha direção.
Puta que pariu! Eu consegui... meu Deus, era mágico. Suguei o ar
com força para chegar ao meu peito e sem cortar o cordão umbilical,
coloquei meu menino em cima do peito da mãe. Hannah sorria, chorava e
dizia obrigada olhando para mim.
— Obrigada, meu amor, eu consegui graças a você. Eu te amo,
Henrique.
— Linda, você é minha guerreira e eu te amo demais. — A emoção
queria tomar conta de mim, mas eu ainda não podia me permitir.
Vi a sacola da loja do shopping no chão do carro, lembrei-me do
cobertor de bebê que Hannah havia comprado. Além do peito da mãe, Noah
precisava se manter aquecido. Coloquei a manta em cima dele, enquanto
Hannah direcionava seu seio para a boquinha ávida de nosso filho.
Retirei minha camisa e cobri as pernas da minha esposa. Olhei para
os lados e resolvi dirigir até o hospital. Porém, antes de sairmos escutei o
som de uma sirene. Respirei com força, olhei para o céu e agradeci a Deus
por Sua Bondade.
O motorista que havia oferecido ajuda, conseguiu pedir socorro e a
equipe da Unidade Avançada do SAMU nos socorreu. Colocaram Hannah e
nosso filho dentro da ambulância para realizar os primeiros atendimentos
necessários, inclusive cortaram o cordão umbilical do Noah e aqueceram os
dois com um cobertor térmico. Acionei o alarme do carro do Eduardo e
entrei na ambulância para acompanhá-los até o hospital.
Quando saímos, minha mulher segurou minha mão e sorriu para
mim. Naquele momento deixei a emoção fluir, deitei a cabeça sobre ela e
chorei. Eu não me preocupei com o enfermeiro sentado ao meu lado, as
lágrimas banhavam meu rosto e eu soluçava sem controle.
Era impossível ter vivido o trauma da morte da Laura no nascimento
de Lara e não ficar aterrorizado, no entanto, o nascimento de Noah por
minhas mãos, veio finalizar o meu luto e me proporcionar uma vida plena
de amor e alegrias.
A benção de trazer meu filho ao mundo foi um presente Divino para
um homem que viveu tantas batalhas. Naquelas lágrimas, eu lavava e
finalizava toda a dor e desamor vivido em minha vida
.
Epílogo

Chegamos ao hospital e Hannah foi encaminhada para o centro


obstétrico para os cuidados necessários. Eu a beijei e disse o quanto a
amava.
— Meu amor, você me fez o homem mais feliz do mundo. Obrigado
por confiar em mim.
— Amor, eu te amo tanto e sempre confiei em você, meu capitão. —
Ela sorriu e seguiu com a equipe médica.
Eu fui com as enfermeiras e Noah para os cuidados no berçário.
Bastou afastar nosso filho da mãe e ele chorou a plenos pulmões. As
profissionais sorriram satisfeitas.
— Calma, bebê, a mamãe já volta para você. Vamos com o papai
cuidar deste menininho lindo. Fala com ele, pai.
— Ei, campeão, o papaizinho está aqui rapaz e não vou te deixar
sozinho. — Na mesma hora ele parou de chorar e ficou procurando minha
voz. Aquele dia com certeza entraria para minha coleção de lembranças
memoráveis.
Ainda no hospital fiquei sabendo que nosso martírio havia
terminado. O tiro disparado pela arma de Roberto não possibilitou que o
louco fosse muito longe e acabou batendo o carro em um protetor central na
via principal.
Quando os policiais se aproximaram do carro ele estava morto caído
sobre o volante. Não vou mentir, nunca senti um alívio tão grande como
aquele. Ficamos no hospital por dois dias. Minha esposa não queria ficar
quarenta e horas em observação, mas sua médica achou mais seguro para
ela e Noah em função das condições do parto.
Eu liguei para minha irmã pedindo para trazer minha filha de volta,
precisava da minha família próxima a mim naquele momento.
Meu amigo Eduardo consertou meu carro e o levou ao hospital para
mim. Quando chegamos em casa, Priscilla estava nos aguardando com
Lara, Nininha e Dodora. Bastou eu desligar o carro na garagem para minha
pequena vir correndo em nossa direção.
— Papaizinho, meu irmãozinho chegou?
— Sim, meu amor, Noah é lindo como você. — Minha irmã retirou
Noah da sua cadeirinha e eu ajudei Hannah sair do carro. Lara a abraçou
devagar.
— Mamãezinha, eu chorei de saudades, não foi tia Pri?
— Foi, meu amor, mas agora você está junto do papai, da mamãe e
do Noah, não precisa chorar mais. — A cena mais linda do mundo foi
quando Hannah se sentou no sofá.
Priscilla entregou Noah a ela e Lara se sentou ao seu lado. Nininha
olhava tudo sentada perto delas. Minha linda esposa com sua delicadeza
envolveu toda família naquele momento de recepção do nosso filho em seu
lar.
— Noah, esta é sua irmã, a Lara. Aquelas são: a tia Priscilla, a
Dodora e a Nininha. — Naquela hora a cadela chegou perto da minha
esposa e deitou a cabeça em seu joelho.
Eu estava feito um maluco tirando fotos e minha irmã filmava tudo.
— Dona Hannah, como ele é lindo. Agora temos uma menina linda
e um menino lindo nesta casa. — Lara sorriu iluminando toda a sala. Minha
esposa passou a mão em sua cabecinha e a beijou.
— Quer carregar seu irmãozinho, Lara?
— Eu posso, mamãezinha? Ele é tão pititinho.
— Só pode junto da mamãe ou o papaizinho, entendeu? — Ela
balançou a cabecinha feliz e minha esposa colocou o pacotinho no colo
dela.
Ver minha filhinha beijar a cabecinha do irmão fizeram algumas
lágrimas descer pelo meu rosto, foi sem dúvidas, uma das cenas mais lindas
da minha vida.
No entanto, o mais emocionante ainda estava por vir.
— Olha papaizinho, a Lara tá tão feliz, que saiu aguinha do meu
olho. Igual a médica falou, não é? — Todos nós sorrimos e eu enchi minha
filha de beijos. Aquele era o dia mais perfeito da minha vida.

Dois anos depois

Estávamos todos na inauguração do Café Bistrô de Hannah. Um


lindo e charmoso lugar no segundo piso do shopping. O espaço estava
cheio, pois uma das atrações daquele dia era o lançamento do livro A Filha
Rejeitada do Milionário Grego da autora mineira Cláudia Castro.
Hannah não cabia em si de felicidade, afinal, aquela era a escritora
da qual ela sempre foi fã. Minha esposa lia tudo que ela escrevia e adorava,
porque a autora era especialista em escrever enredos com homens fardados
poderosos e quebrados como eu era antes de conhecê-la.
Eu estava com Noah e Lara junto a Hannah recebendo todos nossos
amigos e convidados. Meus filhos estavam lindos e chamavam atenção de
todo mundo com seus sorrisos encantadores.
Minha irmã e meu sobrinho estavam junto comigo, enquanto meu
cunhado curtia seu novo hobby, a fotografia. Ele era o responsável por
registrar todos os momentos da inauguração.
Saí do meu momento lembrança ao ouvir alguém resmungando:
— Papa, nenê que mimi — falou Noah esfregando seus olhinhos
com suas mãozinhas gorduchas.
— Papai vai te carregar pequeno campeão. — Minha pequena sereia
estava vivenciando seus primeiros momentos de ciúmes do irmão e logo se
manifestou:
— Papaizinho, eu também estou com muitooooooo sono e com uma
saudade enooooooorme do seu colinho. — Minha menininha marrenta fez
sua fala dramática de sempre.
Dei um beijo na testa dela e carreguei os dois. Eu e Hannah
estávamos nos desdobrando de atenção aos nossos filhos, para passarmos
pela fase ciumenta sem maiores conflitos.
Lara e Noah se aconchegaram em meus ombros e eu comecei a
niná-los. Minha irmã ainda tentou segurar um, mas eu não aceitei a ajuda.
— Obrigado, irmã, mas eu aguento os dois. Eles são meu tesouro
mais precioso e o papai aqui adora estar com os pequenos no colo. —
Priscilla sorriu, beijou minha testa e me deixou sozinho com meus filhos.
Esta foi a minha história. Quem acompanhou minha vida deste o
início, sabe o quanto eu precisei ser um sobrevivente. Fui salvo pelo amor
de todas as maneiras possíveis.
Mesmo com a minha infância sofrida, entendi depois de adulto o
quanto meu pai era doente. A bebida foi a ruína daquele homem. Aprendi a
amar com minha mãe e irmã. Elas foram as responsáveis por semear a
chama deste sentimento em meu coração.
Laura chegou para me mostrar mesmo que de forma rápida, o
quanto eu poderia amar uma mulher e ser um homem melhor. Mesmo em
sua morte, ela me deixou amparado por nossa filha, com certeza, meu bote
salva-vidas.
Logo depois, Hannah com seu jeito tímido de menina e com a
fortaleza de uma guerreira, me ensinou o significado da esperança e para
brindar com excelência, Noah veio ao mundo por minhas mãos.
Eu só podia agradecer a Deus por tudo, não tinha nada para
reclamar. Minha vida aconteceu como deveria ser. Sou um homem
realizado, com uma família linda e que me ama, não posso ter rancor no
coração.
Compreendi o quanto Gustavo era doente e percebi como não somos
preparados para lidar com questões que envolvem os mistérios da mente
humana.
Enfim, espero que minha história possa servir de inspiração para
pessoas que perderam seus entes queridos. Neste momento em que o mundo
vive uma pós pandemia, precisamos aprender a amar de verdade uns aos
outros e a expressar o nosso amor.
A morte pode parecer a princípio, o fim de tudo, mas aprendi que na
vida tudo tem recomeço. Acredite, todos podem recomeçar, basta ter
coragem e escolher ser feliz.
Um abraço do Capitão Henrique Estevão.
Fim
Termos utilizados pela autora:

1. Capitão Miguel Germano: personagem do livro Miguel: do


pensamento ao ato.
2. Otávio: personagem do livro Otávio: da dor ao amor. Otávio e
Miguel podem ser encontrados também no Box Sonhos, na Amazon
e no KindleUlimited.
3. PFEM: termo usado pela Polícia Militar para indicar Policial
feminina.
4. Velados: termo utilizado pela Polícia para policiais que trabalham à
paisana, geralmente na inteligência.
5. QAP significa: “estou na escuta”. Estas e mais trinta siglas
compõem o chamado código Q, criado em 1912 em uma convenção
internacional para facilitar a comunicação entre operadores de
rádios de diferentes línguas.
6. QSL significa: “entendido”.
7. TKS é uma maneira de dizer: “muito obrigado”.
8. Rabecão: nome popularmente utilizado de forma depreciativa para
o veículo do Instituto Médico Legal.
9. Papa Defunto: nome popularmente utilizado de forma depreciativa
para o veículo do Instituto Médico Legal.
Sobre a Autora

Cláudia Castro é conhecida como a autora de romances


imprevisíveis, que provocam emoções avassaladoras e suspiros
apaixonados em seus finais felizes emocionantes.
Os livros fizeram parte de sua vida desde criança, onde tudo se
transformava em letras, versos, rimas ou histórias. Atua como servidora
pública municipal há dezenove anos e se entregou a carreira literária em
2015.
Escreveu mais de vinte livros, ficando entre as dez autoras mais
lidas no ano de 2016 segundo a Revista Veja. Atualmente é autora da
Amazon e do Grupo Editorial Portal.
A autora gosta de escrever sobre superação, relações familiares e
temas relacionados ao seu cotidiano de trabalho onde atende vítimas de
violência. Suas leitoras a adoram seus romances hots.
Como boa mineira, ela adora caipirinha, não vive sem queijo, gosta
de chupar limão e 99% do tempo seu tempo é de bem com a vida, mas
aquele 1%...
Você encontra todas as obras da autora em:
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