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Mal... o que é mal?

No mundo, há um número infinito de pessoas que desejam e


fazem mal umas às outras. São elas as culpadas pelas desgraças do mundo? Sim, mas
não são as únicas: aqueles que apenas assistem o mundo ruir também são culpados. Já
aqueles que lutam por melhoras... estes são esperança. O que é o mal? Tudo que surge
da fraqueza.

O encontro

Hoje o dia não tá tão ruim assim: o radiante sol queima suavemente o que toca em
perfeita sincronia com uivo agradável do vento que faz voar os cabelos. Os outros dizem
que o céu do Continente Lunar foi delicadamente pintado pelos deuses, mesmo a noite é
clara como o dia. Apesar da fama de Lunar, aqueles que assim como eu conhecem o que
há por debaixo dos panos de Lunar não são capazes de ver tal brilho.
- Já estamos chegando?
- S-sim, em dez minutos estaremos no Vilarejo do Sol. – Respondeu-me o fazendeiro
com nervosismo.
- Ok. Valeu pela ajuda para chegar no vilarejo, tio sem pé. – Agradeci em tom de
deboche.
- Meu nome é Daniel... e te ajudar com isso era o mínimo, senhor Kairon. Após
ajudar tanto a minha família e o nosso vilarejo...
- Não me agradeça, não fiz o que fiz por misericórdia ou pra ajudar vocês. E não me
chama de “senhor”, mal saí da adolescência. – Não consegui esconder meu
descontentamento com o comentário, embora não fosse uma surpresa: mesmo eu sendo
um elfo, cresci numa cidade de humanos, estes não são muito habituados com a longa
vida dos elfos. Não que eu saiba muito mais sobre também.
- C-certo. Mas por que confrontar aqueles criminosos por tantos anos então? Errr...
Senhor Kairon?
Antes que Seu Daniel pudesse terminar sua pergunta, eu já havia pulado da
carruagem com meus pertences silenciosamente. Ele deu meia-volta alguns segundos
depois e foi em direção ao nosso ponto de origem, provavelmente por ter entendido a
situação. Independentemente disso segui meu caminho a pé.
Logo em seguida, garanti que estivesse oculto: puxei o capuz do meu sobretudo,
coloquei minha máscara, cobrindo metade do meu rosto e me ocultei nas árvores que
acompanhavam a estrada.
Após caminhar por 20 minutos, finalmente cheguei nos portões do Vilarejo do Sol,
uma pequena vila de humanos comerciantes. Não vi muitos guardas entrada: contei
apenas 3, que vigiavam o portão de entrada.
- Boa tarde garoto. – disse um dos guardas, aparentemente entediado.
- Dia...
- O que veio fazer na cidade?
- Só passar a noite, amanhã cedo seguirei rumo à Sophia.
- Oh! Vai à capital nesta época do ano... vai assistir ao Torneio de Caça aos Goblins,
certo? Hohoho, parece que será realmente divertido!
- Não, eu vou participar.
- O quê?! – logo em seguida o guarda mudou sua postura e assumiu um tom de voz
preocupado – Esse torneio não é brincadeira, garoto! Não haverá clérigos para curar teus
ferimentos caso necessário como em outros torneios. E me perdoe a ousadia, mas você
me parece um novato em aventuras.
- É, eu sei.
Eu não podia negar as palavras dele: fiquei maior parte da minha vida sem fazer
nada, e há algumas décadas que eu atrapalho os planos de alguns vagabundos
incompetentes como um vigilante. Nunca viajei pelo mundo enfrentando dragões como
em histórias de grandes aventureiros.
- Lá vão ter os melhores aventureiros, que podem querer até te matar a depender
da conduta deles! Acho muito arriscado rapaz. – Concluiu o colega do guarda que
conversava comigo.
- Não pretendo morrer. Agora, pode abrir o portão pra mim?
O guarda, apesar de parecer irritado e não querendo terminar a conversa, percebeu
que o diálogo não mudaria nada: eu definitivamente vencerei o torneio, eu tenho que
vencer.
Sentindo-se sem opções, o guarda abriu o portão e não disse mais nada. Eu
finalmente consegui entrar no vilarejo.
Meu objetivo agora era encontrar um lugar que eu pudesse dormir despreocupado.
Caminhei pela cidade procurando um dormitório para mim, até que um grito ecoou pela
rua.
- Goblins!!! Roubaram a dona da loja, parem eles!
Logo após o pedido de ajuda, os pequenos e estranhos ladrões passam pela rua,
fugindo de quatro sujeitos. Estes eram completamente diferentes em raças e estilos,
além de terem equipamentos e armas de combatentes. Eu fiquei intrigado com o
acontecimento e comecei a segui-los.
Após alguns segundos correndo, os goblinoides perceberam que acabariam sendo
pegos caso continuassem correndo. Eles pararam e sacaram suas adagas enferrujadas.
Os quatro jovens, em reação à ameaça dos goblins, assumiram suas posições de
combate, revelando terem experiência em combate: o pequeno tiferino de pele
vermelha com seus longos cabelos negros, que aparentava ser o mais fraco fisicamente,
sacou sua adaga e a imbuiu com energia mágica. O gigantesco humano com traços
nobres e cabelo branco, vestindo uma cota de malha, puxa das suas costas uma espada
de duas mãos, quase tão grande quanto ele mesmo. O meio-elfo, ao contrário dos outros
aventureiros, sequer pegou sua lança, assumindo uma posição de combate com as mãos
nuas, sua postura, apesar de rígida, era fluida. Seu rabo de cavalo balança como um fogo
crepitante. Atrás de todos, está um rapaz estranho: apesar do corpo humanoide, tinha
traços físicos de um gato, algo que eu nunca tinha visto. Suas vestimentas eram, típicas
de um ladino, se assemelhavam muito à de um criminoso que dava trabalho na minha
terra natal, Mountburg. Por fim, o garoto-fera puxou das suas costas um arco curto.
Eu, vendo que começaria um combate, caminhei até a linha de frente do grupo, ao
lado do meio-elfo e do humano, e saquei minha rapieira.
- Orelhudo, daí você não vai conseguir dar um tiro decente! Pega um ângulo melhor,
pelos lados! – Sugeri para o garoto-gato.
Seguindo a minha sugestão, o felino correu para o lado, buscando uma melhor
posição para atirar. Ao mesmo tempo, os cinco goblins avançam finalmente. O pequeno
tiefling foi de encontro com um dos goblins e desferiu um golpe contra um deles, criando
uma grande ferida na sua barriga. Antes de morrer, o goblin perfura a coxa do rapaz com
traços demoníacos.
O brutamontes aparenta ter total controle da situação: dois goblins avançam no
guerreiro, mas, num balançar de espada, ele os corta ao meio.
- Que Bahamir guie vossas almas no pós-vida, pobres criaturas. – Ele diz enquanto
finaliza as criaturas com uma voz jovial e serena.
Sendo bem honesto, fiquei muito surpreso com a força do sujeito: aquela espada
devia pesar uns 3kg e ele balançava como se não fosse nada.
Repentinamente, minha admiração pelo espadachim foi interrompida pela investida
de dois dos goblins. Num pulo, um dos goblins tentou cortar o meu pescoço, mas
consegui reagir e me agachei. Enquanto o goblin ainda estava no ar, o lutador de mãos
nuas desferiu um chute contra a repugnante criatura. O chute deformou o tórax do
goblin, tal foi a força do golpe. A criatura foi lançada contra a parede de uma das casas ao
redor e caiu inconsciente. O outro goblin também veio na minha direção, mas apenas
aguardei pelo golpe imóvel. Quando o pequeno ladrão tentou me atacar, joguei-me para
o lado, permitindo que o arqueiro pudesse atirar no goblin. A flecha cortou o ar e atingiu
o pescoço do goblin. Finalmente, o último goblin cai.
- Demorou um pouco para atirar, mas foi ótimo, moleque-gato. – Disse tentando
provocar enquanto me levantava.
- Meu nome é Jack, e eu sou um tabaxi, não um gato!!! – Respondeu, sem esconder
a sua raiva.
- Tabaxi... nunca ouvi falar dessa raça. Enfim, o amigo de vocês não parece estar
bem, não. – Apontei para o tiefling sangrando.
- Deixem isso comigo, não se aproximem dele. – Disse o artista marcial com
urgência.
- Sabe algo sobre cuidados médicos, moço? - Pergunta Jack.
- Sei o que me ensinaram em meu monastério. - Respondeu enquanto fechava o
ferimento do pequeno rapaz com ervas e pedaços de pano.
Após ouvir que o rapaz estudou em um monastério, deduzi que se tratava de um
jovem monge. Enquanto pensava no que dizer para que conseguisse mais informações do
grupo de aventureiros, alguns guardas aparecem correndo, indo até onde estavam todos.
- Onde estão os goblinoides? – Perguntou o guarda mais velho.
- Chegaram atrasados. – Respondeu calmamente o enorme guerreiro olhando para
os cadáveres dos goblinoides.
- Nos perdoe pelo transtorno, vocês chegaram hoje no nosso vilarejo e algo do tipo
acontece... muito obrigado!
- Não foi nada, senhor.
- Bom, vocês devem estar famintos. Meu nome é Torkell, sou o responsável por esse
batalhão. Permitam-me lhes dar um banquete. Há uma taverna bem próxima, a melhor
daqui.
Todos nós concordamos com o banquete e fomos em direção à taverna. Enquanto
caminhava, olhei mais atentamente para o goblin nocauteado pelo monge. Em seu braço
estava tatuado um símbolo que eu conhecia bem, era o símbolo da Sinfonia Noturna, a
maior facção do mundo... quem me dera se fosse só isso. O mundo em volta de mim
escurece, a única coisa visível para mim agora era aquele goblin. Eu perdi o controle dos
meus próprios movimentos, então...
Descanso Curto
Quando estávamos indo rumo à taverna, o garoto que aparecera de repente
durante o combate contra os goblins, num surto de fúria, arremessou uma adaga no
rosto do goblin, fazendo-o morrer instantaneamente. A guarda e eu vimos a cena,
tentando entender a situação. O rapaz misterioso, tentando evitar perguntas, força uma
risada.
- Haha! Me perdoem, meus senhores, eu detesto goblins. – Disse enquanto caminha
para pegar de volta a adaga que arremessara.
- Todos nós odiamos rapaz, são a maior praga da região. – Torkell responde,
aparentando ter acreditado nas palavras dele.
- Preste mais atenção em volta na próxima vez, têm muitas crianças por aqui. –
alertei.
- Beleza então, senhor monge.
- Zarken.
- Ok, Zarken. – O rapaz enigmático faz uma pausa quando se esforça para tirar a
adaga do crânio do goblin. – Me perdoe por toda essa cena. Vamos logo para a taverna,
lá nós poderemos nos conhecer melhor.
- Sim, é verdade.
Após chegarmos na taverna, pudemos descansar e comer. A carne e o vinho
estavam ótimos.
- Certo, vou deixar vocês conversarem em paz. Se me der licença... – diz Torkell,
saindo do local.
Um silêncio desconfortável reinava na mesa e ninguém parecia querer puxar
conversa. De minha parte não era surpresa: após tanto tempo em isolamento, era no
mínimo difícil conversar... principalmente com estranhos.
- Certo, já que ninguém diz nada... meu nome é Kairon, vim de Mountburg. O resto
vocês vão descobrir com o tempo. – disse o jovem misterioso.
- Bem, meu nome é Darko, sou um... feiticeiro – diz o pequeno tiferino.
- Meu nome é Thel, paladino seguidor do deus Bahamir. – Disse o enorme, porém
jovem, rapaz.
- Então... tá, meu nome é Jack, sou de Mountburg também. Vim em busca de
missões para ganhar uma grana e seguir viagem.
Todos já haviam se apresentado, finalmente era a minha vez. Apesar da situação,
respirei fundo e me apresentei educadamente.
- Sou Zarken, monge do Monastério do Sol. Estou tentando ir até Sophia, para
participar do Torneio de Caça aos Goblins.
- Você também?! – Todos na mesa exclamaram ao mesmo tempo.
- S-sim, preciso do dinheiro do prêmio.
Parando para pensar, faz todo o sentido: cinco aventureiros numa cidade que fica
no caminho até a capital. Já deveria ter deduzido isso.
- Bom, são necessários cinco participantes por grupo. Se ainda não tiverem um,
deveríamos formar uma equipe. – Propõe Kairon, sorrindo.
Os outros três na mesa concordam com a proposta rapidamente. Eu por outro lado
me mantive em silêncio, achei melhor conseguir mais informações sobre o rapaz antes.
- Então... Kairon, certo? Antes de tudo, quero que me fale mais sobre você. Desde
que todos nós nos conhecemos na batalha contra os goblins você tem tentado assumir o
controle, sempre desviando as perguntas de você. Assim não vai dar certo.
- Não tem nada de muito interessante sobre mim, Zarken. – Responde de forma
passiva-agressiva.
- Vamos tentar. O que fazia antes de decidir ir à Sophia?
- Batia em vagabundo. Mas não quero falar sobre. O que VOCÊ fazia?
- Estava em exílio.
- Hohoho, parece que o Jack não é o único criminoso do grupo.
Após o comentário sobre Jack e Zarken serem criminosos, Thel fica bastante irritado,
levantando-se da mesa com um olhar ameaçador para os dois.
- Eu não cometi o crime pelo qual fui acusado, foi uma confusão. – Respondi, seguro.
Eu realmente não tinha feito nada de errado. Infelizmente, não tive muita sorte com
minhas “amizades” do passado.
- Palavras flutuando pelo vento não significam nada. Zona da Verdade.
Após recitar tais palavras, uma esfera mágica translúcida surge ao redor de Thel,
que continua seu discurso.
- A partir de agora, ninguém dentro desta área poderá mentir. Jack, você é algum
tipo de criminoso?
- Sim, eu realizo pequenos furtos. – Disse Jack como uma marionete sendo obrigada
a agir como o manipulador ordena.
- Hum. E você Zarken, é um criminoso?
- Não, fui acusado injustamente.
- Tudo bem. Jack, vou te entregar para a guarda imediatamente. – diz Thel,
friamente.
- Ei, ei, ei! Espera aí. Você não pode entregar alguém que faz parte do nosso grupo.
Criminoso ou não, ele é quem nós temos. – Diz Kairon levantando a voz.
- Não importa. Ele fez as escolhas dele, ele pagará por elas.
- Eu concordo com o Kairon, – interrompi – não sabemos se encontraremos outros
integrantes para o grupo. É preferível não arriscarmos ter um integrante a menos.
Thel pensa durante alguns segundos sobre a situação, até que aparentou ter
chegado à uma conclusão.
- Apenas até o torneio. Após isso, farei o que deve ser feito. – Concluiu Thel.
Enquanto terminava de falar, três guardas entraram na taverna. A taverna, que
antes estava bastante movimentada, fica em completo silêncio, como se estivessem
tentando prever o que aconteceria em seguida.
- Por que esse silêncio? Estamos aqui apenas para falar com alguns amigos. Vamos
lá, a bebida é na minha conta, taverneiro! - disse o guarda que aparenta ser o superior
dos três.
Todos na taverna começaram a comemorar e, lentamente, o movimento voltou a
ser o que era antes.
O mesmo guarda se aproximou
da mesa em que estávamos. Ele e
bastante jovem, tinha chifres
curvados para trás destacados por
longos cabelos azuis.
- Boa tarde, aventureiros. O que estão achando do vilarejo? Acabei de chegar e já
gostei daqui. - Diz o estranho guarda. - Oh, me desculpem, eu sequer me apresentei. Meu
nome é Qemuel.
Todos nós demos as devidas apresentações e esperamos que o guarda nos desse as
devidas explicações.
- É um prazer conhecer todos vocês! -Disse Qemuel, entusiasmado.
- É um prazer para nós também. Bem… eu não quero ser rude, mas há um motivo
em especial para vir falar conosco? – Questionei, prevendo que ele viera querendo algo.
- Ah, sim! Tenho sim. Bem, fui enviado pela guarda para falar com vocês. Vimos a
forma com que vocês lidaram com os goblins mais cedo. Vocês parecem ser incríveis,
então, nós da guarda, decidimos lhes confiar uma missão. Claro, só terão certeza ao
saber qual a missão, mas gostaria de saber da disposição de vocês. Nós Daremos uma
boa recompensa.,
- Acho que seria interessante, vamos precisar de dinheiro para seguir viagem. Todos
de acordo? - Perguntei.
Todos dizem "sim" sem nem pensar.
- Perfeito! Nesse caso, direi sobre. - De uma postura entusiasmada, Qemuel
repentinamente passou a expressar uma expressão séria. - Nas últimas duas semanas,
nós da guarda temos recebido vários pedidos de busca. Muitas pessoas estão
desaparecendo na floresta ao norte do Vilarejo. Acreditamos que o causador disso é a
densa névoa presente na floresta, fazendo com que as pessoas se percam na floresta.
- Estranho haver névoa na floresta nessa época do ano. Ainda mais uma densa da
forma que você diz. - Acrescentei.
- Muito bem observado. Definitivamente, isso não é algo natural. - Responde
Qemuel.
- Alguém a está conjurando. Bem que eu havia sentido energias estranhas naquela
área. - Disse Darko, enquanto todos olham surpresos por ouvi-lo dizendo algo.
- Bem, era uma teoria, de fato. Mas agora que você disse haver energias mágicas na
região, quase confirma isso. – Respondeu o jovem guarda.
- Espera, espera. Você disse que pessoas têm desaparecido desde duas semanas
atrás. Por que apenas hoje vocês estão enviando aventureiros? - Indagou Kairon.
- Nós já enviamos dois grupos de aventureiros iniciantes para a região… não temos
notícias deles há 2 dias.
Nosso recém-formado grupo se entreolha. Nenhum de nós conseguiu esconder a
surpresa e o medo.
- Minha resposta é a mesma: eu irei investigar. Espero poder contar com vocês
também. – Afirmei, tentando assumir a liderança.
- Se ficarmos com medo de uma floresta, como venceremos o Torneio de Caça
Goblin? Vamos, esse será nosso primeiro teste. - Diz Thel com sua voz imponente.
Kairon e Jack se levantaram da mesa com convicção, aceitando a missão. Darko
parecia relutante, mas acabou aceitando.
- Uhum, uhum. Neste caso, preparem-se todos. Amanhã, iremos investigar a
"Floresta de Névoa" logo após o nascer do sol. Nos encontraremos em frente a ela.
A Floresta de
Névoa

O céu ainda estava completamente escuro e eu já estava esperando os outros. Não


demorou muito para Thel e Darko chegarem também. Quando o primeiro brilho do Sol
surgiu no céu, Kairon apareceu. Jack por outro lado, não aparecia.
- Acham que pode ter acontecido alguma coisa? – Perguntei.
- Olha, se em uma hora ele não aparecer, eu começo a me importar. - Respondeu
Kairon de forma irônica.
Por sorte, não tivemos que esperar muito mais e, alguns minutos depois, Jack
finalmente chegou.
- Ooopa galera, cheguei! Foi mal pelo atraso, eu meio que…
- Perdeu a hora? - Disse Kairon, interrompendo Jack.
- O quê? Perdi a hora? hahaha, claro que não. - Responde Jack, nervoso.
- Você tá só com 4 anéis, você usa 5. Você se esqueceu de um por estar atrasado.
Além disso, seu rosto tá sujo com leite, tomou café da manhã com pressa. Sim, você
perdeu a hora.
- Errr… tá, eu perdi a hora! Mas todo mundo perde a hora em algum momento, né?!
- Deixa isso quieto. Qual o plano para explorar a floresta? - Perguntou Kairon se
direcionando a mim.
- Vamos adentrar com calma e sem nos separar e torcer pra nada dar errado. Se algo
acontecer, resolvemos na hora o que fazer. Não é como se tivéssemos muitas
informações para criar planos. Eu vou na frente, já que acredito ser o que mais tem
conhecimentos naturais.
Todos pareceram concordar comigo e enfim entramos na Floresta de Névoa.
Embora não seja algo que eu me orgulhe muito, parece que eu assumi a liderança do
grupo.
Um minuto se passa e nada, dois minutos e nada, dez minutos... apenas o absoluto
silêncio da floresta nem mesmo vida animal é ouvida no lugar. O único som que pode ser
ouvido no lugar é o que o grupo faz chamando por sobreviventes.
Se passam mais alguns minutos de caminhada sem rumo, até que finalmente
alguém parece ter respondido.
- Vocês ouviram isso gente? – Alertei.
Todos param de caminhar e prestam atenção em qualquer sinal que viesse da densa
floresta.
De fato, alguém está respondendo aos nossos chamados, mas mais parece um
gemido do que um grito. De qualquer forma resolvemos nos aproximar.
Quanto mais perto estávamos, mais gemidos e sons de passos surgiam. 3, 4, 5...
cada vez apareciam mais até que finalmente chegamos. No epicentro dos ruídos. Nada.
Os sons pararam de novo. Eu tenho certeza de que estamos no local certo, mas por
algum motivo, os sons sumiram.
O silêncio é novamente interrompido, mas dessa vez, por um urro de dor. Vinha do
meu lado. Era um grito do Jack
-Droga! Alguma coisa me arranhou. Mas o q... AHHH!
Eu rapidamente me virei na direção do Jack e forcei a visão para tentar enxergar o
que estava na minha frente... e consegui.
Se parecia com um ser humano, mas não respirava, não mostrava vida. Era como
uma carcaça vazia, um boneco controlado.
- Mas que merda! São mortos-vivos, cuidado! – Disse Kairon preocupado.
Logo após assumir uma posição de equilíbrio, dei um chute com toda a minha força
na cabeça daquela monstruosidade, que teve sua cabeça ejetada do corpo.
- Preparem-se, virão mais!
Dito e feito: vários zumbis e esqueletos surgiram ao nosso redor. Tivemos tempo
apenas para formar um círculo, em que cada um cuidava de si mesmo e das costas do
companheiro.
Devo ter destruído uns 4 monstros daqueles, pude ouvir que os outros também
estavam se esforçando para sobreviver. Mas algo parecia estranho, era como se tivesse
algo faltando.
Após lutar por alguns segundos, finalmente essas criaturas pararam de aparecer,
nos dando tempo para respirar.
- Todos bem?! – Perguntei preocupado.
Todos respondiam concordando com a afirmação, mas...
- Gente...
- O que foi Jack? Se machucou?
- Não é isso. – Jack diz isso e aponta para o lado.
Eu e os outros forçamos nossas visões para enxergar o que ele mostrava.
Choque, eis a palavra que descreve o que sentimos. No chão, estava o corpo de
Darko, já frio com uma mordida na cabeça que expunha seu cérebro afogado em sangue
e detritos do solo da floresta.
- Mas que porra...! Merda! – Exclamou Kairon expressando seu descontentamento.
Thel Vadam se aproximou do cadáver do colega e calmamente iniciou suas orações.
- Que Bahamir guie tua alma no outro mundo...
Enquanto Thel orava pela alma do nosso companheiro, tentei me recompor, não
sabíamos quando algo poderia acontecer. Mesmo com aquela cena marcada na mente,
comecei a olhar o espaço em volta, que agora era mais fácil de ser observado (a névoa
por algum motivo ficou um pouco menos densa).
E lá perto eu encontrei algo que não deveria estar lá: um altar. Sobre ele, havia uma
adaga, um livro com escrituras que eu não entendia bem e um anel vermelho. Parece que
não dá tempo de sofrer pela perda do nosso companheiro.
Preparo

Após a morte do Darko, fugimos dali o mais rápido possível, só o Zarken que, antes
de recuar comigo e com o resto do grupo, pegou algumas coisas estranhas em cima de
um altar estranho. Qual é, até o Kairon e o Thel me acompanharam. monges são muito
corajosos... ou idiotas!
Não sei se foi a adrenalina ou o fato de agora Kairon e Zarken já conhecerem o
caminho, mas chegamos bem rápido até a entrada da floresta. Todos nós podíamos
finalmente ficar aliviados.
- Vocês viram aquilo? Cara, era gente morta! – Disse, sem esconder meu espanto
- Muito bem observado, gênio. – Respondeu Thel, frio como sempre.
Zarken, percebendo o atrito entre mim e Thel, interrompe nos apresentando um
próximo passo.
- Sem brigas gente. Olha, vamos voltar para a taverna e lá pensamos no que fazer.
Eu achei algumas coisas interessantes lá. Sei que a morte de um colega nos deixa
irracionais, mas temos que ter calma, pelo bem do grupo.
- O bobão tem razão. Temos que pensar num plano, num contra-ataque.
Após o comentário, todos nós ficamos em silêncio. Fazer o quê? Eles estavam
certíssimos.
Voltamos até a taverna sem proferir uma palavra sequer. Imagino que todos
estivessem refletindo sobre que acabara de acontecer. Agora, o céu já estava
escurecendo. Sentamo-nos e fizemos nossos pedidos.
- Uhum uhum, não vou enrolar. Deem uma olhada no que achei.
Ele pôs sobre a mesa o que havia achado sobre o altar. Havia uma adaga negra
muito bem ornamentada, tão polida que era possível ver meu próprio rosto através dela.
Também nos mostrou um livro. Abrindo-o, haviam várias letras e símbolos que eu não
entendia, além de desenhos macabros de cadáveres e sacrifícios. Por fim, ele nos
mostrou um belíssimo anel vermelho. Meus tempos como caçador de tesouros me
diziam que havia algo de especial nestes objetos.
- Beleza gente, deixem eu ficar com o anel. Eu tenho uma boa experiência com esse
tipo de coisa, me cheira a item mágico. O livro eu honestamente não consigo ler. A
adaga...
- A adaga fica comigo! – Exclamou Thel, me interrompendo. – Eu sinto uma presença
maligna na adaga. Por segurança, ela fica comigo.
- Tá...ok. O anel eu olho então.
Zarken observou o livro por alguns segundos, até que chegou a uma conclusão.
- Eu acho que, com tempo, consigo extrair algumas informações do livro.
- Você consegue ler?! – Perguntei surpreso.
- Tenho uma noção superficial. Aprendi uma coisa ou outra sobre arcano. Mas e
você Kairon, o que acha?
Kairon, durante toda a conversa, olhava fixamente para frente, perdido no próprio
mundo, refletindo profundamente.
- Ah, eu? Por mim tudo bem. Zarken, amanhã, quando tiver terminado de analisar o
livro, venha com ele até o centro do Vilarejo, vou te esperar lá. Espero o resto lá também.
- Certo, eu vou, mas por q-
- Perfeito! Nos vemos amanhã. – Disse, ainda reflexivo e indo até o taverneiro.
Kairon pagou pela comida e por
um quarto para a noite. Subiu e não
pudemos ouvir mais um respiro
que fosse vindo do quarto até o
dia seguinte.
- Estranho, mas vamos tentar
ignorar. Vocês dois, tentem
descobrir o que for possível destes
itens. – Finalizou a conversa Zarken.
Nós três pagamos pela
comida e subimos para nossos
assentamentos. Fiquei até tarde da
noite tentando descobrir o que
fazia o anel. Agora era certeza:
tratava-se de um item mágico.
O mal surge no topo

Eu passei a noite inteira tentando decifrar o livro, mal consegui dormir. Bem, pelo
menos vou poder dizer o que descobri aos outros.
Desci do meu quarto e todos, exceto Kairon, estavam esperando. Concordamos em
esperar mais um pouco, mas nem sinal dele. Era estranho: a mesma pessoa que chegou
exatamente no amanhecer no dia anterior hoje estava atrasada? Ele já devia ter ido até o
ponto de encontro que havia proposto no dia anterior.
- Ele já deve estar no centro do vilarejo. Querem ir até ele ou já dividimos as
informações aqui? – Disse aguardando atenciosamente a resposta.
- Ele não me parece alguém que faz as coisas sem um motivo. – Apontou Thel
Vadam.
- Vamos ver o que esse desgraçado tá fazendo. – Jack resmungou.
Saímos da taverna e fomos até o ponto de encontro. Lá estava Kairon sentado,
sereno, olhando para o céu.
- Espero que você tenha um bom motivo para nos fazer perder tempo, idiota! –
Gritou Jack. Sua voz ecoou pela rua inteira. Algumas pessoas olharam curiosas, mas logo
seguiram seu caminho.
- O que vocês descobriram sobre essas coisas? – Perguntou, ignorando Jack
completamente.
Thel Vadam deu um passo à frente e explicou.
- Não é possível dizer muita coisa sobre. Mas certamente a adaga é um objeto
cerimonial de um ritual maligno. Provavelmente necromante.
- E necromancia seria...?
- Uma escola de magia. Manipula a energia vital, a vida e a morte.
- Ah sim, acho que me lembro disso. Posso ficar com essa adaga? Ela me parece uma
ótima arma. – Kairon pergunta.
- Definitivamente não. Farei questão de destruir isso assim que possível.
- Chato. E você, Jack?
- Heh, com meus conhecimentos de caçador de tesouros, foi fácil. É um Anel de
Resistência Contra Fogo. O nome já meio que diz o que ele faz... Por que vocês não dizem
nada?
- Não é nada, só estou surpreso de você realmente ter conseguido alguma coisa.
Achei que você era um completo idiota. – Disse Kairon, genuinamente surpreso.
- Ei! Vai se...
- Zarken, sua vez. – Interrompeu.
- Eu tentei ler várias vezes, mas honestamente não consegui absorver muita coisa. O
que posso dizer é: a pessoa que usava este livro era um necromante, com toda a certeza.
O livro, em sua maior parte, ensina como realizar um ritual para reviver uma pessoa
definitivamente, não uma carcaça vazia como os mortos-vivos que vimos. O dono deve
ter bastante dinheiro, o livro me parece valioso.
- Oh. Gostei da linha de raciocínio. – Disse Kairon com um sorriso orgulhoso.
- Sua vez, nos explique o que fazemos aqui. – Respondi.
- Simples: ontem, percebi também que era um livro caro. Caro demais para
pertencer a qualquer pessoa ou para ficar exposto numa biblioteca, embora não tivesse
outro lugar que fizesse sentido este livro estar guardado num vilarejo pequeno como
este. Então, passei pelo vilarejo perguntando onde havia uma biblioteca na região. Não
demorei muito pra descobrir a localização, não é tão longe daqui. Por fim, Thel, nas
bibliotecas têm lugares “secretos”?
- Olha, normalmente bibliotecas guardam até os livros que não devem ser lidos.
- Ótimo. Nesse caso, devemos ter sucesso.
- Sucesso com o que exatamente? – Perguntei, curioso.
- Ora, se descobrirmos quem tirou o livro de lá...
- Estaremos bem próximos de descobrir quem é o necromante. – Completei – Você
é perspicaz, Kairon.
- Posso dizer o mesmo de vocês. Agora vamos.
Fomos até a biblioteca, papeando sobre coisas diversas. Finalmente, parecíamos
colegas, e não inimigos amarrados uns aos outros.
Chegando na entrada dela, um guarda enorme abriu o portão para nós, pedindo
apenas para que deixássemos nossas armas do lado de fora, por segurança.
- Você tá brincando? O que nós podemos fazer? Usar páginas de livros como refém?
Você só pode estar...
- Chega Kairon, entregue suas armas pro guarda logo. – Interrompi, chamando a
atenção dele.
- Aff, tá,
toma. – Disse,
entregando tudo que era perigoso. Era quase inacreditável a quantidade de coisas que
ele carregava, vários equipamentos de utilidades, adagas e sua rapieira. – Vamos.
Entramos na biblioteca e lá encontramos um bibliotecário, administrando a entrada
enquanto comia um tipo de biscoito. Kairon começou a contrair os músculos do rosto e
fez um gigantesco sorriso forçado, porém bastante verossímil.
- Bom dia meu caro! – Disse de forma carismática.
- Oh, bom dia! Como posso ajudar? – Respondeu o bibliotecário, cuspindo alguns
farelos de biscoito.
- Poderia sim, queremos ter acesso aos livros... pouco acessados dessa biblioteca.
- Oh, temos alguns livros bastante esquecidos nos fundos, lá têm vários livros de
receitas e...
- Não é disso que estou falando. Me refiro aos livros “especiais”.
Instantaneamente, a postura amigável do bibliotecário transformou-se, como se
estivesse tentando esconder a nossa conversa.
- Por favor senhor, fale mais baixo. E não, vocês não podem ter acesso. Se não
quiserem mais nada, por favor, se retirem.
- Ora, mas que falta de educação! Você tá vendo isso Senhor Vadam?
Aparentemente o respeito por sua família foi para o lixo!
- Espera, o senhor disse Vadam? Minha nossa, me perdoem pelo desrespeito! Eu
posso guiar vocês. O que buscam?
Kairon olhou para Thel, como se esperasse que ele continuasse o discurso, mas este
parecia bastante desconfortável. De qualquer forma, o paladino se recompõe e continua
o plano de Kairon.
- Sem problemas, entendo a preocupação para guardar estes livros. Perdoarei...
Desta vez. – Disse o guerreiro divino, falando da forma mais esnobe e arrogante que
conseguia.
- Muito obrigado senhor.
- Enfim! – Kairon interrompeu Thel, como se quisesse guiar a conversa para um
caminho favorável para o plano. – O meu Senhor busca alguns livros raros. Estamos
dispostos a pagar uma boa quantia. Para isso, queremos ver seus livros mais raros.
- Me perdoe a ousadia, mas o Senhor Vadam permite que seu servo o interrompa
dessa forma.
- Ele aparentemente não sabe bons modos. Se ajoelhe e peça perdão, Kairon. –
Ordena Jack, sem esconder a malícia por trás do comentário.
- Você tá zoando comigo Jack?! – Sussurrou Kairon.
- O que está esperando, Kairon.
Kairon sequer tentou esconder sua raiva, mas, sem escolhas, obedeceu a ordem.
- Bem, agora vamos seguir. Atrás do senhor, Senhor Vadam. – Disse, interrompendo
aquela piada idiota.
Aproximei-me de Kairon, atrás do bibliotecário e de Thel e lhe perguntei o que
planejava, sussurrando.
- Vamos entrar na sala secreta, fingiremos que buscamos algo, perguntamos do livro
do necromante e vamos embora. – Explicou, ainda irritado.
- Certo, acho um bom plano. Conto com você.
O bibliotecário foi até um canto remoto da biblioteca e puxou uma alavanca
escondida atrás de uma pilha de livros. Puxando-a, abriu-se uma porta para a parte
posterior da biblioteca, inacessível de outra forma.
Caminhamos um pouco e olhamos alguns livros que ele nos mostrava.
- Você tem ótimos livros aqui, de fato. Vocês têm alguns livros de magias aqui
também? – Indagou Thel, ainda com sua postura estranhamente esnobe.
- Claro! Não temos muitos, mas temos alguns ótimos, sim.
- Que ótimo. Sabe, me pergunto se mais alguém tem interesse nesse tipo de livro...
- E há, de fato. Uma família também nobre já passou por aqui buscando itens do
tipo.
- Posso saber que família seria? Adoraria conversar com eles.
- Me desculpe senhor Vadam, mas não tenho permissão para divulgar esse tipo de
informação. O único que pode ter acesso aos registros de proprietário do livro, data de
devolução e coisas do tipo sou eu.
Após o comentário do bibliotecário, como se tivesse sido iluminado, Kairon começa
a agir novamente.
Necromante
- Senhor Vadam, este livro é ótimo, não? Por que não levamos? – Kairon sugeriu,
apontando para um livro antigo sobre táticas de combate.
- Mas por que... – Antes mesmo de completar sua frase, Thel pareceu ter entendido
que se tratava de um plano, e continuou. – Ah sim, claro. Era isso mesmo que
buscávamos. Podemos levar.
- Oh, sim. Claro que pode. Venha até minha mesa, por favor.
Logo em seguida, Kairon veio até mim e me explicou o que pensara.
- Zarken, já sabemos agora que uma família nobre compra livros mágicos aqui, eles
conseguiriam comprar um livro caro tranquilamente, se encaixa! Agora preciso que você
procure um lugar que o livro encaixe ou coisa assim. Se confirmarmos que o livro veio
daqui, é quase certeza de que o responsável foi essa família nobre.
- Perfeito, farei isso.
Após terminar nossa rápida conversa, Kairon foi até o lado de Thel e sussurrou algo
no seu ouvido. Logo em seguida, o nobre guerreiro começou a grunhir de dor, como se
estivesse passando mal. O bibliotecário foi desesperado socorrer Thel Vadam. No meio
de todo esse movimento, Kairon gesticulou para mim sem que o bibliotecário visse. “Vai
lá!”, foi o que entendi que ele queria dizer. Na mesma hora, comecei a analisar a sala,
enquanto eles levavam Thel para o lado de fora respirar.
Olhei para todos os lados, comecei a procurar por qualquer lugar que fosse possível
encaixar o livro, um lugar com desenhos de necromancia... qualquer coisa. Alguns
segundos procurando, encontrei uma região da sala cheia de artefatos antigos: vasos,
espadas cerimoniais e outros objetos que eu não conhecia. Entre estes itens, estava um
altar com o símbolo do Ouroboros, o principal símbolo do livro. O altar tinha um espaço
com o tamanho perfeito para encaixar o livro. Agora era certeza: o livro havia sido tirado
de lá.

- Conseguiram enrolar o bibliotecário? – Perguntou Zarken.


- Sim, o Thel “melhorou”, ele disse que mudou de ideia sobre a compra do livro e ele
aceitou tranquilamente. – Respondi, orgulhoso pelo meu plano ter dado certo. – Mas e
sobre a minha teoria...?
- Estava correta, encontrei o altar original do livro.
- Isso é ótimo. Agora temos que descobrir que família era a que frequentava a
biblioteca.
- E aí, alguma ideia do que podemos fazer?
- Conversar, de preferência com gente de moral duvidosa.
- De preferência?! – Questionou Zarken, provavelmente achando que havia
entendido errado.
- Sim, pessoas assim são bem mais abertas a revelarem segredos, fora que me dou
bem com essa gente. Até porque, se não responderem, podemos denunciar a moral
duvidosa deles. Eles não têm muita escolha.
- É, acho que a resposta não poderia ser diferente, né? Mas enfim, por onde
começamos.
- Eu e o moleque-gato vamos procurar alguém que possamos interrogar. Vou
começar pela pessoa mais óbvia.
- Ok..., mas e eu e Thel?
- Vocês farão a missão mais importante: comprar roupas novas pra gente. Você já
sentiu nosso cheiro? Desde a nossa luta contra os mortos-vivos, estamos com cheiro de
defunto. Nem com a minha magia o cheiro sai completamente. Eu e o Jack damos nosso
dinheiro e vocês dividem. Mas o dinheiro fica com o Thel, ele eu sei que é certinho
demais pra roubar a gente.
- Sinto como se você tivesse ofendendo minhas capacidades e as do Thel, mas tudo
bem. Espera aí, você sabe usar magia?
- Só um truque simples que aprendi quando criança. Prestidigitação: posso
manipular a matéria em pequena escala para coisas bobas, como transmutar alguns
pequenos objetos específicos, mudar temperatura e gosto das coisas, ou, o principal, que
é me limpar.
- Que mau uso da magia..., mas enfim. Vão fazer o trabalho de vocês e faremos o
nosso.
- Certo, só vê se compra uma roupa escura pra mim, é meu estilo.
- Fechado.
Expliquei a situação para Jack rapidamente e fomos a taverna, a origem de todas as
fofocas de qualquer lugar. “Se quer descobrir algo, pergunte ao taverneiro.”
Chegando no estabelecimento, sentamo-nos em frente ao balcão do taverneiro e
iniciamos um longo bate-papo sobre vários assuntos inúteis, precisávamos da confiança
do taverneiro.
Depois de 34 minutos conversando e vários copos de bebida, o taverneiro
finalmente parecia aberto o suficiente para fazermos perguntas.
- Me desculpa pela mudança repentina de assunto, mas você sabe quais são as
famílias nobres da região? – Jack pergunta com ousadia.
Mesmo ele estando consideravelmente bêbado, fiquei preocupado com uma reação
negativa, mas apenas aceitei e observei.
- É uma pergunta estranhamente específica, mas tudo bem. Há poucas famílias
nobres atuando e vivendo nessa região, mas honestamente não me recordo o nome, eles
não são do tipo que ficam se mostrando, sabe?
- Entendi... mas você sabe de alguém que tenha essa informação. – Perguntou Jack,
já sem esperanças.
- Não sei apontar alguém em específico, mas se perguntarem para as pessoas na
taverna, com certeza alguém vai ter a resposta.
- Obrigado por ser inútil, taverneiro. – Disse sem ocultar minha raiva enquanto me
levantava.
- O que disse?! – Perguntou o taverneiro, ainda tonto pelo álcool.
- Nada, ele não disse nada. – Afirmou Jack me protegendo, enquanto corria atrás de
mim. – Não precisava falar assim com ele, Kairon.
- Amanhã ele nem vai se lembrar. Vamos pro plano B: encontrar alguém de moral
duvidosa.
- E como você vai achar alguém de moral duvidosa?
- Não vou achar, eu já achei. Tá vendo aquele cara ali no fundo da taverna? Ontem vi
ele vendendo... produtos ilegais.
- Ah, então você não estava viajando?
- De idiotas no grupo já basta você, eu por outro lado, penso.
- Não vou nem brigar com você mais. Só vai lá e conversa com o cara logo.
Fui até o indivíduo no fundo da taverna. Era um anão bem gordo e com uma barba
que arrastava no chão. Para garantir que ele era o que eu achava que era, fiz minha
pergunta usando o dialeto do ladrão, um tipo de código que toda pessoa desprezível
sabe falar. Traduzindo, o diálogo ficou algo como:
- Tô buscando umas informações, quero sua ajuda.
Ele de início ficou surpreso ao ouvir o dialeto do ladrão, mas logo me respondeu.
- Sobre o que?
- Sobre um necromante.
- Sabe o nome dele?
- Não, sei que é um nobre.
- Eu sei algumas coisas... mas custa caro. Ou você pode me fazer um favor.
- Um aldeão tem uma dívida comigo, preciso que o cobre e traga o dinheiro. Posso
te pagar e lhe dar a informação.
- Faço o favor. Qual o prazo?
- Uma semana.
- Humpf, trago o dinheiro em 6 horas ou menos.
- Gostei da confiança. Busque Diorgenes, um humano. Ele mora na casa 20, não
muito longe daqui.
- Certo. Até logo.
- Estarei esperando.
Me virei e fui até Jack, que estava assistindo à cena enquanto bebia.
- E aí, descobriu quem é o necromante? – Perguntou Jack ansioso.
- Ainda não. Temos que cobrar um tal de Diorgenes. Vamos, eu tenho o endereço.
- Pera aí, vamos ser agiotas?
- Cala a boca e vem logo. – Exclamei, já sem paciência com o moleque-gato.
Novamente, saímos da taverna e fomos até o endereço que me foi dado. No
caminho, expliquei como seria nossa abordagem a Jack, que pareceu ter entendido.
Chegando no lugar me surpreendi: não se tratava de uma casa, e sim de um
açougue. Esperamos o estabelecimento esvaziar e, enfim, entramos.
Assim que olhou para mim e para Jack, ele tomou um susto e segurou um facão,
tentando esconder o feito.
- Não muito boa tarde, Diorgenes. Sabe, o chefe não tá muito contente com o
dinheiro faltando. Seria pedir demais você pagá-lo? – Disse Jack, tomando a iniciativa.
- Eu não tenho ideia do que vocês estão falando, devem estar confundindo. Tem
certeza que não estão falando de outro Diorgenes? Tem um Diorgenes que mora a duas
ruas daqui. – Rebateu.
- Err... nós temos certeza de que é aqui Kairon? – Jack sussurrou no meu ouvido,
sem ser muito discreto.
Percebendo que Jack não ia ajudar muito, assumi o papel de “guarda mau”. Saquei
minha rapieira e apontei na face do açougueiro, poucos centímetros do olho.
- Chega de brincadeira. Você nos dá o dinheiro agora e nós vamos embora. Cada
segundo que eu e meu colega ficamos aqui, é uma provável pessoa morta. Estamos
perdendo nosso tempo precioso mediando uma briguinha de vagabundos porque um
deles não é homem o suficiente. Então, eu lhe peço: dá o dinheiro pra gente ir embora!
- Pelos deuses! – Diorgenes clamou enquanto agachava para pegar o dinheiro.
Debaixo da mesa, puxou uma bolsa de dinheiro.
-Foi um prazer negociar com o senhor. Boa tarde. – Falei de forma sarcástica
enquanto embainhava minha espada e me retirava do açougue. – Vamos Jack.
Fomos novamente em direção à taverna, olhando para os lados, garantindo que
ninguém havia visto nossa empreitada. Abri a bolsa de dinheiro e lá estavam 40 peças de
ouro. Definitivamente, pela quantia de dinheiro, carne não era a única coisa que
Diorgenes vendia.
Novamente abrimos a porta de madeira da taverna e entramos. Lá no fundo estava
o nosso informante. Caminhei até ele e ele logo falou comigo usando o dialeto do ladrão.
- Já? Não deve ter passado nem duas horas. Meus homens...
- Seus homens são imbecis.
- Enfim, conseguiu as 35 peças de ouro?
Nesse momento eu fiquei surpreso. “Diorgenes deu dinheiro a mais?”, pensei. Não
pensei muito, e tentei aproveitar a oportunidade.
- Sim, exatamente 35.
De imediato, o anão olhou para mim de cima a baixo, como se lesse a minha mente.
- Eu gosto de trabalhar com pessoas honestas. Tem certeza de que foram apenas
35?
Agora era certeza: era um tipo de teste para saber se eu era de confiança. Fui idiota,
devia ter pensado nisso.
- Eu admito: tem 40 aqui.
- Eu te pagaria 5 peças de ouro pelo trabalho, mas como mentiu, fica apenas com
uma pequena ajuda. Sobre o necromante, um de meus capangas ouviu falar sobre um
ritual na floresta há algum tempo. Ouviu isso na parte nobre da cidade, mais
especificamente neste endereço – Disse me entregando um papel com o endereço
escrito. -, mas o interessante é que o culpado não está mais vivo.
- Como assim não está vivo?
- O resto descubram vocês mesmos. Só direi isso.
- Não vou reclamar, obrigado.
- Nós nunca conversamos.
- Certo.
Reencontro
Já no fim do dia, eu e Zarken finalmente estávamos voltando para a taverna com as
novas roupas. Foi bem mais difícil do que imaginei honestamente.
Chegando em nosso destino, Jack e Kairon estavam jantando numa mesa ao canto.
Nos aproximamos e logo eles iniciaram uma conversa.
- Finalmente chegaram! Sentem aí, vocês devem estar com fome também. –
Convidou Jack com um sorriso simpático no rosto.
- Cadê a minha roupa? – Kairon questionou, sendo direto como sempre.
Evitando comentários desnecessariamente ofensivos lancei duas peças de roupa e a
surpresa que eu e Zarken compramos, que Kairon apanhou no ar.
- O que é isso...? Ei, ei! Vocês compraram uma armadura de couro pra mim? –
Kairon mal conseguia conter seu sorriso.
- Achamos apropriado comprar equipamentos novos. Compramos para você
também, Jack. – Afirmei.
- Sério?! Nossa, que lindo. Obrigado!
- Não agradeça.
- Pera, você não comprou “presentes” com nosso dinheiro, certo? – Perguntou
Kairon, desconfiado.
- Fui eu quem pagou, não se preocupe. Aqui está. – Disse entregando o dinheiro
restante aos dois.
- Bom, nesse caso... Obrigado.
- Disponha.
Zarken, tentando mudar de assunto, chamou pela atendente da taverna e pediu
comida para ele e para mim, assumindo a iniciativa da conversa.
- O que descobriram? – Perguntou olhando diretamente para Kairon.
- Menos do que imaginava, honestamente. Pulando toda a parte chata da história,
boatos surgiram na parte nobre da cidade, dizendo que um membro de uma família
nobre, família esta que o informante me passou o endereço, estaria praticando
necromancia. Detalhe importante: o culpado está morto.
- Como assim “o culpado está morto”?
- Sei tanto quanto você. Deveríamos ir até este endereço e tentar investigar mais a
fundo.
- Vamos invadir a casa de um nobre?
- Não precisamos. Até porque, essa será uma visita da nobre família Vadam. Não é,
Thel?
Todos à mesa olharam para mim, ao mesmo tempo aguardando a minha resposta e
disfarçando o sorriso.
- Se for ajudar na investigação, eu aceito. – Eu disse.
- Certo, por hoje descansem. Amanhã daremos um fim ao mistério do necromante.
Assim que terminamos de comer, nos despedimos e subimos para nossos quartos,
para descansarmos. Fiz minhas orações e dormi em seguida.
Família
No dia seguinte, acordamos e dessa vez ninguém se atrasou. Mal nos
cumprimentamos e fomos até o endereço que Kairon havia conseguido, estávamos todos
ansiosos com o que encontraríamos naquele dia.
Chegamos na local indicado. Thel e Kairon foram na frente e bateram à porta. Não
demorou muito para que fossem atendidos pelo mordomo da mansão.
- Boa tarde. Como posso ajuda-los? – Perguntou com sua cansada voz de idoso.
- Boa tarde, meu senhor. Sou Thel Vadam, primogênito da família Vadam, e estes
são meus companheiros. Eu gostaria de conversar com o representante da família que o
senhor serve.
- A pessoa que busca é Martin Freerarq, que não está aqui no momento.
- Não há mais ninguém que possa representar a família? Trata-se de um assunto
urgente.
- Eu posso verificar a disponibilidade da filha do Sr. Freerarq, Beatrizc Freerarq.
- Isso seria ótimo.
- Nesse caso, com licença. – Disse fechando a porta.
Eu e os outros esperamos pacientemente pelo retorno do mordomo, que não
retornava. Após cerca de 15 minutos, resolvi bater à porta. No momento em que a minha
mãe tocaria a porta, a mesma se abriu.
- A Srta. Beatrizc está no aguardo. Levarei vocês até a sala de reuniões.
Olhando por dentro, a mansão parecia ainda maior. A altura do teto equivalia a dois
andares e havia ouro por todos os lados. Perdi a conta do número de cômodos que a casa
comportava.
- Sentem-se, por favor. – Disse o velho mordomo nos levando a belíssimas
poltronas.
Na nossa frente, estava sentada em uma cadeira com o que parecia a escama de
uma besta uma mulher com vestes tão valiosas quanto jamais poderia comprar. À sua
direita, estava em pé uma paladina com uma armadura e escudo tão brilhantes quanto
seus olhos azuis.
- Me perdoem pela demora, meus cozinheiros estão terminando de preparar um
banquete para vocês. Esta é minha guarda-costas: Anastasia. Que querem de mim Vadam
e seus companheiros?

- Acredito que Zarken será mais apropriado para conversar sobre a situação a
senhorita. – Disse Thel olhando para mim.
Inspirei, expirei e falei da melhor forma que pude.
- Bem, você já deve estar sabendo dos boatos que têm surgido sobre sua família
envolvendo um membro que está praticando necromancia...
- E eles são idiotas. Se essa for a razão da visita dos senhores, temo dizer que é uma
perda de tempo.
Antes que ela pudesse continuar com suas mentiras, pus o livro de magia
necromante que encontramos sobre a mesa.
- Me explique isso então. Encontramos isso na floresta ao norte do vilarejo. Todas as
pistas apontam para vocês. – Disse, sendo o mais direto possível
- Ah – Falou Kairon com seu sorriso de deboche. -, antes que responda, lembre-se
que mentir sobre isso poderá levar a morte de ainda mais pessoas, crianças. Boa sorte
tentando esquecer a culpa, Trizc.
O comentário desrespeitoso de Kairon claramente irritou a Senhorita Beatrizc, mas
ela se conteve e continuou.
- Prefiro que me chame de Senhorita Freerarq, não lhe dei intimidade alguma. – Ela
parou para pensar e logo prosseguiu. – Lhes direi o que eu sei, mas apenas com uma
condição.
- Que seria...? – Perguntei.
- Caso o necromante se pareça com esta pessoa – Pôs uma pintura de uma garota
jovem sobre a mesa. – Tragam-na para mim, não a entregue para a Guarda e muito
menos a matem.
- E quem seria essa garota? – Questionou Kairon.
- Minha irmã. Há alguns meses ela estava estudando magias antigas de
necromancia, para trazer um certo alguém de volta à vida. Alertamos ela dos riscos, mas
ela não nos deu ouvidos. Continuamos repreendendo seus comportamentos, mas, há
pouco mais de duas semanas, ela desapareceu. Nosso pronunciamento público foi que
minha irmã estava morta, para evitar olhares curiosos, mas é quase certo que ela é a
responsável pelos desaparecimentos na floresta.
- E você consegue imaginar aonde ela está se escondendo?
- Ela costumava fazer pesquisas numa casa que nossa família construiu no centro da
floresta. Tenho quase certeza de que ela está abrigada lá.
- Tudo bem, mas sabe... Seria muito mais fácil simplesmente entregar ela para as
autoridades e conseguir uma boa recompensa. A não ser, claro, que você tenha uma
proposta melhor que nos convença a trazer a garota de volta viva. – Kairon novamente
mostrava seu sorriso malicioso.
Beatrizc pensou um pouco e logo respondeu Kairon.
- Quanto vocês desejam?
- 150 peças de ouro para cada.
- Certo, pagarei 300 peças de ouro para cada um.
- Fechado! – Kairon respondeu saltado da poltrona.
- Antes de continuarem sua aventura, vocês encontraram algo da minha irmã na
floresta...? – Perguntou, tentando esconder a tristeza.
- Nós achamos um tipo de adaga cerimonial e um Anel de Resistência Contra Fogo,
um objeto mágico.
- Bom, os achados podem ficar com vocês.
Anastasia, a guarda-costas de Beatrizc, começou a respirar profundamente, como
um cão farejando carne.
- Senhor Vadam, o senhor guardou um dos objetos de Jovem Freerarq, certo?
Permita-me ver. – Pediu a imponente guerreira.
Thel puxou da sua mochila a adaga que Zarken havia encontrado na floresta. De
imediato, Anastasia tomou-a do nosso companheiro.
- É exatamente isso: dela que vem este cheiro repugnante. Você também já deve
saber que esta arma está profanada. Eu assim que possível destruirei isto.
- Thel! Você vai deixar essa mulher que nem conhecemos ficar com a adaga? Eu
queria usar!
- Esta mulher é de confiança, eu sinto. Reconheço um seguidor fiel de Bahamir
quando vejo um. Confiarei na senhorita, Anastasia. – Respondeu Thel, fazendo um
cumprimento nobre para nossas duas anfitriãs. – Vamos, terminamos por aqui.
- Concordo. Obrigado por tudo, Srta. Beatrizc e Srta. Anastasia. Prometo que
traremos sua irmã de volta.
- Eu agradeço. Fred, leve-os até a porta.
A Necromante

Assim que saímos da residência dos Freerarq, fomos direto para a Floresta de
Nevoa, que agora não estava mais tão enevoada.
- A magia teria acabado? – Perguntei à Zarken
- Talvez. Mas isso pode significar que ela agora está fazendo outra coisa. É mais um
motivo de preocupação, Thel. Vamos! – Disse enquanto guiava todos do grupo.
Caminhamos pela direção que nos foi indicada. Kairon e Zarken conseguiam se
orientar bem.
- Devemos estar chegando. – Afirmou Kairon, colocando a mão sobre a
empunhadura da sua espada.
Dito e feito: em menos de 1 minuto já era possível ver a cabana em que a
necromante estaria. Foquei meu olfato nas presenças ali dentro. Senti 7 presenças
terríveis, uma delas era tão forte que me ardia os pulmões.
- Sinto um cheiro podre lá dentro. Esperem por pelo menos 7 inimigos no interior da
cabana.
- Quê? Você sentiu o cheiro dos nossos inimigos? Como diabos isso funciona? –
Kairon perguntou incrédulo.
- Deixa ele, não inventaria isso se não fosse capaz. – Retrucou Zarken.
- Vou me aproximar com cuidado para confirmar, por garantia. Não deixarei que
ninguém perceba minha presença. – Disse enquanto corria silenciosamente em direção
às janelas da cabana, antes que pudéssemos impedi-lo.
Olhou por todas as janelas sem ser percebido, de fato. Pouco tempo depois, voltou
para falar conosco.
- Só vi seis: três zumbis, dois esqueletos e outra criatura que não conheço. A
necromante estava na sala principal, mas não acho que o “cheiro podre” venha dela.
Você tem certeza de que não “cheirou” errado?
- Absoluta, Kairon. – Respondi, sem esconder meu incômodo. – Falta um,
provavelmente o responsável pelo odor mais forte.
- Certo, tomaremos ainda mais cuidado, nesse caso. – Zarken falou e começou a
alisar sua barba, pensando. – Agora, como deveríamos entrar na casa?
- Olha, acho que não temos muita escolha se não dar uma mão para Jack. Ele já foi
na frente e vai ser percebido. – Disse Kairon com uma voz estranhamente calma,
enquanto desembainhava sua rapieira e caminhava até a porta da frente. – Jack, seu
idiota.
Olhei para frente e vi que Jack de fato havia ido até a porta da frente enquanto
tentava ocultar sua presença. Mas, como se Kairon tivesse visto o futuro, as criaturas na
casa começaram a urrar e fazer sons estranhos. Talvez ele tivesse percebido algum erro
que Jack havia cometido ao tentar ocultar sua presença.
Quando me dei conta, Zarken havia desaparecido do meu lado e corrido até a porta.
Comecei a correr, mas antes que conseguisse alcança-los, abriram a porta e começaram a
lutar.
Cheguei e cada um já havia derrubado um zumbi, restando apenas os esqueletos e a
outra criatura.
- Eu e Jack derrubamos os esqueletos, ataquem o feioso! – Kairon gritou.
Zarken em uma fração de segundos, desferiu vários golpes com sua lança,
conseguindo cortar uma das pernas daquele monstro. Mas este continuou de pé e
mordeu o ombro do monge, devorando a carne dele. No mesmo momento, sua perna
voltou a crescer. Antes que sua perna voltasse, canalizei energia divina em minha arma e
desferi um golpe de cima para baixo.
- Destruição Divina!
O monstro, rejeitando a energia divina, foi partido ao meio e explodiu. Agora só
faltava Kairon e Jack finalizarem os esqueletos.
- Zarken, você está bem?
- Estou, sim. Seria uma vergonha se só isso me parasse. Ficará apenas uma cicatriz
incômoda.
- Impressionante. Agora vamos ajudar Kairon e... – Enquanto falava, senti algo
perfurando as minhas costas. Quando arranquei com as minhas mãos, percebi que era
uma flecha.
- Foi mal Thel, eu errei hihihi. – Jack ria de nervoso enquanto falava.
- Jack, seu idiota. – Não me contive em expressar minha raiva.
Extra: O Garoto Que Queria Ser Um
Herói
Enquanto essa situação constrangedora acontecia, Kairon finalizou os esqueletos.
- Vamos lá, mostre-me o sétimo, Thel. – Ele disse com sua ironia de praxe.
Sempre admirei o quanto o destino parece imutável. Minha família sempre se
dedicou aos negócios. A família Vadam há muito é conhecida por ser dona das grandes
minas de ouro de Goldvillage. Como primogênito, eu deveria assumir os negócios da
família na partida de meu pai e desde novo eu era preparado para isto. Mas meu coração
não era de um nobre, era de um nobre, e sim, de um humilde guerreiro.
Muita coisa
aconteceu, mas aqui
estou eu, viajando
pelo mundo buscando
espalhar a minha
justiça pelo mundo.
Não, essa não é a
história de mais um
nobre. Essa é a minha
história, é a história do
garoto que queria ser
um herói.
O Sétimo

Ao entrarmos na sala, vimos uma figura feminina encapuzada no fundo da sala,


cercada de símbolos mágicos e oferendas. Assim que percebeu nossa presença, tocou o
chão com a palma da mão e ativou uma runa que estava no chão. A sala inteira tremeu,
como se o mundo fosse se partir no meio. Uma mão esquelética gigante sai de dentro do
círculo mágico, seguida de outra mão. O esqueleto de um Minotauro sai do chão e puxa
das costas um machado gigante. Ele não desvia o olhar. Olha fixamente para nós. Era
claro como a luz do sol: aquilo nos atacaria e nos mataria se não fizéssemos nada.
- Cerquem ele! Jack, por favor, não erre o tiro agora! – Gritou Kairon com todas as
suas forças.
- Destruição Divina! – Proferi enquanto atacava com toda a minha força.
Quando tentei golpear o monstro, senti uma espécie de barreira mágica me
impedindo de acertar efetivamente, mas a explosão da Destruição Divina fez com que
parte da potência do meu ataque transpassasse a defesa arcana. Apesar disso, o
Minotauro resistiu ao ataque como se não fosse nada.
- Essa coisa tem uma espécie de barreira, como podemos quebra-la? – Perguntei
enquanto bloqueava os ataques do machado do Minotauro.
- Força só não resolve quando é pouca. Continua acertando, uma hora quebra! –
Respondeu-me Zarken. – Kairon, distraia ele um pouco, quero tentar algo.
- Certo! Ei coisa feia, vem me pegar! – Kairon exclamava enquanto fazia careta.
O Minotauro atacava de várias formas, dando patadas, chifradas e poderosos golpes
com machado. Por um momento, a criatura direcionou todos esses ataques ao Kairon,
que desviava com acrobacias e manobras. Num momento oportuno, desferiu um ataque
num ponto sensível do monstro, que foi protegido novamente pela barreira. No entanto,
dessa vez o golpe trincou a barreira. Num surto de ódio, o Minotauro atacou Kairon em
cheio, que sobreviveu apenas porque desviou da lâmina. De qualquer forma, o impacto
do cabo do machado foi suficiente para desmaiar Kairon, que foi arremessado até o
outro lado da sala.
Zarken agora balançava as mãos e pernas de forma agressiva, como uma dança
coreografada por um senhor de guerra.
- Kairon! Seu desgraçado...! – Gritou Jack, revoltado.
O garoto-gato atirou algumas flechas no ponto em que Kairon havia trincado a
barreira, fazendo-a parecer ainda mais sensível.
O Minotauro, irado, investiu com um ataque com chifre, que perfurou
superficialmente Jack. O Minotauro empurrou Jack até que atingisse a parede da sala,
quebrando-a por inteiro. Quando a fumaça abaixou, vi o corpo de Jack imóvel no chão,
coberto de sangue.
- A distração de Kairon e Jack não vai ser em vão. – Zarken movia lentamente suas
mãos, que começaram a brilhar. Como num truque de mágica, a mão do monge
incendiou-se. Quando enfim terminou seus movimentos, as chamas em suas mãos
assumiram a forma de uma cobra de fogo. – Presas da Serpente de Fogo!
Zarken deu uma sequência de golpes no ponto fraco da barreira mágica. Seu último
golpe cobriu a barreira em chamas, como o sopro de um dragão vermelho. Quando
parecia que a barreira finalmente se quebraria, o Minotauro chutou Zarken, que caiu no
chão inconsciente. Suas feridas somadas ultrapassaram o seu limite de resistência.
Aproveitei a abertura e ataquei novamente no ponto fraco, quebrando a barreira.
No mesmo movimento, atingi diretamente o esqueleto de Minotauro.
- Morra logo! Destruição Divina!
O monstro quase tombou: alguns ossos voaram pela sala, mas o Minotauro
continuava de pé.
Eu já estava com muitas feridas e cansaço acumulados, a cada movimento sentia
como se veneno circulasse pelos meus músculos. Eu só conseguiria dar mais um único
golpe efetivo contra o Minotauro.
A criatura balançou o machado mais uma vez e deixei que acertasse na minha
armadura. Mesmo assim, seu golpe era tão forte que atravessou minhas defesas e fez um
corte profundo na minha barriga.
Ignorei a dor e aproveitei que, com o machado no meu corpo, sua defesa estava
aberta. Usei toda minha força num último golpe, era minha última esperança.
- Destruição Divina! – Gritei enquanto fazia força como jamais fizera.
E enfim, pude ouvir o som dos ossos caindo no chão... cabeça arrancada.
Eu mal conseguia andar, mas ainda não havia acabado: a necromante ainda estava
na minha frente. Caminhei como podia até a mulher, que tremia de medo ajoelhada no
chão, implorando por misericórdia.
- Eu posso te dar qualquer coisa. Por favor, não me ma... – Interrompi ela com um
chute na boca, fazendo-a cair inconsciente.
O Gosto da Vitória

Eu acordei e a primeira coisa que vi foi Thel. A postura imponente que ele sempre
teve agora era tomada por um cansaço evidente. Minha cabeça ainda doía e tentava me
lembrar o que tinha acontecido.
- Ei Thel... a gente ganhou? – Perguntei com um pouco de falta de ar.
- Sim, nós ganhamos.
Na hora não consegui esconder minha alegria, gritei de alívio. Era como se tivesse
nascido de novo.
- Ha... queria ter energia para gritar e comemorar, mas vou deixar para depois. –
Ouvi alguém dizer. Reconheci pela voz que era Zarken.
- Por incrível que pareça, estou feliz que você não tá morto, Zarken... e Jack? Não
me diga que ele...
- Jack está vivo. – Interrompeu Thel – Ele de fato estava à beira da morte, mas curei
as feridas dele, mas deve ficar inconsciente por um tempo. Curei suas feridas e as de
Zarken também, embora apenas superficialmente. Usei quase toda minha cura em Jack.
- É claro que você também cura os outros, não é? Me diz o que você não faz.
Thel também se sentou e descansou por um tempo. Conversamos sobre o que
acabara de acontecer. Nosso grupo concluiu a primeira missão.
Uma hora se passou e tanto eu como Zarken conseguíamos nos mover.
- A gente deveria dar uma olhada no que tem aqui. Nós não podemos matar a
necromante, mas podemos pegar o que ela roubou pra

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