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Tese Doutorado Saúde Pública Liana Furtado Ximenes
Tese Doutorado Saúde Pública Liana Furtado Ximenes
O
impacto da violência e de outros eventos adversos sobre escolares de um
município do estado do Rio de Janeiro”
por
1
Esta tese, intitulada
apresentada por
2
Catalogação na fonte
Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica
Biblioteca de Saúde Pública
3
Dedicatória
Dedico esta tese à minha filha Lara e aos meus pais Raimundo e Lucia pelo apoio,
carinho, compreensão e amor.
1
Agradecimentos
Aos professores que gentilmente aceitaram participar da banca como avaliadores desta
tese.
A toda equipe que realizou o trabalho de campo no município de São Gonçalo das
pesquisas apresentadas nesta tese.
À Luciene Patrícia Câmara e Rosemery Emerich Pereira de Souza pelo apoio técnico
fornecido nas diversas etapas das pesquisas que compõem esta tese.
À Dra. Maria Cecília de Souza Minayo e Dra. Edinilsa Ramos de Souza que foram
minhas orientadoras em outros momentos da minha vida acadêmica.
À Milena Ximenes Brito, minha prima, pela revisão dos resumos em inglês (abstracts).
2
RESUMO
A presente tese tem como objetivo investigar a associação entre Transtorno de Estresse
Pós-Traumático (TEPT) e exposição à violência familiar e comunitária em crianças e
adolescentes escolares de um município do Rio de Janeiro, onde as condições de vida da
população são muito adversas. Esta tese possui dados oriundos de duas pesquisas. A
primeira apresenta dados colhidos em 2005 e 2008, com o mesmo grupo de crianças da
rede pública de ensino de São Gonçalo/RJ, analisados transversalmente. O segundo
estudo contou com amostra de adolescentes das redes pública e particular de ensino do
mesmo município e foi desenvolvido em 2010. Para investigar TEPT foram utilizados:
escalas TEPT-CBCL, TEPT-YSR e UCLA PTSD RI. Os resultados desta tese são
apresentados em três artigos científicos. As prevalências do TEPT foram: 1) 6,5% em
amostra de crianças de 6 a 13 anos, em 2005; 2) 9,5% em amostra de crianças e
adolescentes de 9 a 16 anos, em 2008; e 3) 7,5% em amostra de adolescentes de 13 a 19
anos, em 2010. As crianças e adolescentes que foram expostos à violência familiar e
comunitária tiveram maiores chances de apresentação do TEPT. Percebeu-se que quanto
maior a exposição à violência, maiores chances de apresentação do transtorno.
3
ABSTRACTS
This thesis aims to investigate the association between Posttraumatic Stress Disorder
(PTSD) and exposure to domestic and community violence in children and adolescents
in schools in the city of Rio de Janeiro. This thesis gathers data from two studies. The
first study consists of two phases with students of public schools, in two cross-sectional
analysis: one conducted in 2005 with children and another held three years later with the
same group of individuals. The second study included another sample of adolescents
from public and private schools and was carried out in 2010. The measures chosen to
investigate PTSD were PTSD-CBCL, YSR-CBCL (Wolfe et al, 1989; Ruggiero and Mc
Leer, 2000) and UCLA PTSD RI (Steinberg et al. 2004). The results of this thesis are
presented in three papers. The prevalence of PTSD were: 1) 6.5% in the sample of
children from 6 to 13 years old in 2005, 2) 9.5% in the sample of children and
adolescents from 9 to 16 years old in 2008 and 3) 7,5% in the sample of adolescents
aged 13 to 19 years in 2010. Children and adolescents who were exposed to domestic
and community violence were more likely to develop PTSD. It was noticed that the
more exposure to violence, more the chances were of experiencing the disorder.
4
SUMÁRIO
Número
CAPÍTULO 1 – INTRODUÇÃO 1
Objetivos 7
3.1. Projeto “Estudo longitudinal com crianças da rede pública de ensino de São Gonçalo- 52
RJ”
2005 – Amostra 53
2008 – Amostra 55
2005 e 2008 – Instrumentos 56
Processamento e análise dos dados 67
3.2. Projeto “estresse pós-traumático em adolescentes: o impacto da violência e de outros 67
eventos adversos com escolares de um município do Estado do Rio de Janeiro"
Definição da amostra e tamanho amostral 67
Instrumentos 70
Aplicação do instrumento 77
Processamento e análise dos dados 78
3.3. Organização da tese em formato de artigos 79
CAPÍTULO 4 – RESULTADOS 81
Referências 163
ANEXOS 177
Aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa – ENSP 178
Folder distribuído aos participantes do Estudo 2 179
5
Listas de ilustrações, tabelas, quadros e figuras, com indicação das respectivas
páginas.
Página
Artigo 1
Tabela 1: Distribuição da prevalência dos sintomas de TEPT segundo itens de 93
TEPT/CBCL
Tabela 2: Distribuição dos fatores relacionados à criança, eventos adversos, 95
adversidades na família e fatores familiares segundo ausência ou presença de
TEPT
Tabela 3: Razões de chances (OR) brutas e ajustadas pelo modelo logístico 100
para a ocorrência de TEPT
Artigo 2
Gráfico1 - Prevalência da Exposição à Violência Comunitária* em 399 125
Crianças e Adolescentes de Escolas Municipais de São Gonçalo – RJ
Tabela 1: Estimativa dos coeficientes, erro-padrão, razão de chances e 126
significância dos modelos.
Tabela 2 - Predição do efeito de interação de violência comunitária e sexo 127
sobre TEPT (N=399).
Figura 2 - Interação de Violência Comunitária (CVO) e Sexo nos Sintomas de 128
TEPT para Escolares da Rede Municipal de São Gonçalo, com Idade Menor
ou Igual a 10 anos e Maiores de 10 anos.
Artigo 3
Gráfico 1: Distribuição percentual de eventos adversos vivenciados pelos 142
adolescentes, segundo sexo (Escala UCLA-PTSD)
Tabela 1: Modelo logístico*univariado de exposição à violência e TEPT (OR 144
brutas).
Tabela 2: Modelo logístico múltiplo de TEPT associado à exposição à
violência familiar e comunitária de adolescentes escolares de São Gonçalo -
RJ
6
Capítulo 1
Introdução
Nas últimas décadas, tem sido comum a investigação dos efeitos sobre a saúde mental
de crianças e adolescentes de conviver com eventos de vida difíceis. As conseqüências
dessa intimidade têm potencial de perdurar até a idade adulta5. Atrelado a isso, é grande
a prevalência dos problemas de saúde mental na infância e adolescência, afetando cerca
de 20% desta população em todo mundo6.
1
Reconhecendo o poder de impacto dessas situações difíceis e da necessidade de mapear
os problemas que afetam a população infanto-juvenil, esta tese se debruça na temática
do Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT) em crianças e adolescentes. Este
problema de saúde é decorrente da vivência de um evento traumático, aspecto
determinante para o desenvolvimento da sintomatologia.
A vivência estrutural é uma das formas mais danosas para a vida de crianças,
adolescentes e suas famílias, embora sendo pouco reconhecida como forma de
violência. Refere-se a uma ordem social, econômica e política que possibilita a
manutenção das desigualdades sociais, culturais, étnicas e de gênero, contribuindo para
produção de miséria, fome e outras formas de submissão e exploração de pessoas12. As
demais formas de violências abordadas a seguir, nutrem-se desta desigualdade estrutural
existente na sociedade brasileira.
2
por fatores que emergem e operam em diversas escalas, da local à internacional13. Nesta
tese, utilizaremos o conceito de violência comunitária, mais utilizado na área da saúde.
Esta forma de violência é definida como aquela que acontece nos bairros, nas escolas e
nas proximidades da moradia da criança e do adolescente ao longo de seu crescimento.
A violência familiar, quando vivenciada por uma criança ou adolescente, é outro tipo de
violência, também muito grave e prejudicial. Atinge muito precocemente e em local
supostamente seguro para uma criança ou adolescente. É definida pelo Ministério da
Saúde14 como:
Outro aspecto a ser apontado é que há, ainda hoje, uma ausência de estudos com base
populacional sobre violência e Transtorno de estresse pós-traumático na infância e
adolescência em território nacional. Há também escassez de instrumentos de pesquisa
sobre TEPT adaptados à língua portuguesa, que sejam acessíveis a faixas etárias mais
novas e que pertençam a distintos níveis socioeconômicos.
3
Desde 2001, a prevenção aos acidentes e violências passou a ser encarada como
prioridade na agenda do Estado Nacional, desde o advento da Política Nacional de
Redução da Morbimortalidade por Acidentes e Violências16. Nesta política, a violência
contra a criança e o adolescente toma posição de destaque no enfrentamento da
violência. Recentemente, a implantação do Plano Nacional de Prevenção da Violência e
Promoção da Saúde está sendo realizada a partir dos propósitos e diretrizes da Política
Nacional, estruturando-se a Rede Nacional de Prevenção da Violência e Promoção da
Saúde e a Implantação e Implementação de Núcleos de Prevenção à Violência em
Estados e Municípios17.
4
A violência não é tema exclusivo das vidas das crianças e adolescentes brasileiros.
Straus22 mostrou, através de um inquérito nacional de violência ocorrida em lares
americanos, que 63% dos respondentes usaram alguma forma de violência sobre suas
crianças. Bell e Jenkins23 verificaram que, entre adolescentes escolares de 10 a 19 anos
da cidade de Chicago (EUA), 75% já testemunharam roubo, esfaqueamento, tiros e/ou
morte.
Considerações finais, momento em que está proposta uma discussão mais global
sobre as adversidades/violências e sua associação com TEPT na fase da infância
e da adolescência, apontando especificidades e diferenciações constatadas nos
diferentes públicos investigados, e buscando diálogo com outros autores que
investigam o tema.
5
Para o desenvolvimento da tese, optou-se por investigar escolares da rede pública e
particular de um município do Rio de Janeiro, onde as condições de vida da população
são muito adversas, São Gonçalo-RJ. Este município está localizado a apenas 20 Km da
cidade do Rio de Janeiro, possuindo uma população urbana de cerca de 1 milhão de
habitantes dos quais, em torno de um terço, são crianças e adolescentes. O município
teve um crescimento desordenado e intenso, entretanto, sua infra-estrutura não
acompanhou esse crescimento, que se deu basicamente à custa de população de baixo
poder aquisitivo. Dentre os bairros do município, aquele com maior renda per capita
alcança 3 salários mínimos. Em 2005, São Gonçalo tinha um PIB per capita baixo (R$
6.639), se comparado aos seus vizinhos Rio de Janeiro (R$ 19.524) e Niterói (R$
14.523). Carece de atividades culturais e esportivas, oferecendo poucas instituições
sociais de apoio aos moradores de baixa renda26. Possui taxa de analfabetismo para
pessoas acima de 15 anos, de área urbana ligeiramente superior (5,8%) a taxa do Rio de
Janeiro (4,4%)27. O município ocupa a 50ª posição no Estado do Rio de Janeiro no
Índice de Desenvolvimento Infantil, com apenas 0,2% das crianças entre 0 e 3 anos
matriculadas em creches e 27,5% daquelas entre 4 e 6 anos em pré-escola28.
As causas violentas constituem a terceira causa de morte, e cerca de 15% dos estudantes
adolescentes da rede pública e particular de São Gonçalo sofrem violência familiar
severa, convivendo cotidianamente com atos com elevado potencial de ferir, tais como:
ser chutado, ser mordido, ser esmurrado, ser espancado, ser ameaçado com arma ou
faca, ou efetivamente ter sido agredido com estes instrumentos29.
Embora o município apresente elevados índices de violência, este ainda oferece poucas
políticas de atendimento endereçadas às crianças e adolescentes que sofrem violência
em seus lares. A escassez e fragilidade de alguns serviços públicos são manifestações da
violência estrutural, que potencializam a ocorrência de várias outras formas de
vitimização.
6
1.1. OBJETIVOS
Objetivos Específicos
7
Capítulo 2
Referencial Teórico
Neste capítulo, apresenta-se uma síntese das principais questões teóricas de interesse
para a tese. O desenvolvimento do conhecimento sobre Transtorno de Estresse Pós-
Traumático (TEPT) em crianças e adolescentes é o principal tema abordado, apontando
as dificuldades existentes no diagnóstico do transtorno, dentre as quais se ressalta a
comorbidade com outros transtornos emocionais e comportamentais. Os fatores
predisponentes ao TEPT e o detalhamento dos eventos traumáticos que o possibilitam,
ganham destaque no correr do capítulo, finalizando com um olhar especial sobre a
temática da violência que atinge crianças e adolescentes – evento traumático principal
investigado na tese.
Três grandes critérios são necessários para o diagnóstico de TEPT segundo a DSM-IV-
TR (APA, 2003)7:
8
que a pessoa age ou sente como se o episódio estivesse ocorrendo novamente.
Pode haver reatividade fisiológica e/ ou sofrimento psicológico intenso quando
exposto a indícios externos ou internos que lembrem o evento;
9
Quadro 1: Critérios diagnósticos para TEPT: DSM-IV-TRTM
A- Exposição a um evento traumático no qual os seguintes quesitos estiveram presentes:
(1) a pessoa vivenciou, testemunhou ou foi confrontada com um ou mais eventos que envolveram morte
ou grave ferimento, reais ou ameaçados, ou uma ameaça à integridade física, própria ou de outros.
(2) a resposta da pessoa envolveu intenso medo, impotência ou horror. Nota: em crianças, isto pode ser
expressado por um comportamento desorganizado ou agitado.
B- O evento traumático é persistentemente revivido em uma (ou mais) das seguintes maneiras.
(1) - recordações aflitivas, recorrentes e intrusivas do evento, incluindo imagens, pensamentos ou
percepções. Nota: em crianças pequenas, podem ocorrer jogos repetitivos, com expressão de temas ou
aspectos do trauma.
(2) – sonhos aflitivos e recorrentes com o evento. Nota: em crianças podem ocorrer sonhos
amedrontadores sem um conteúdo identificável.
(3) – agir ou sentir como se o evento traumático estivesse ocorrendo novamente (inclui um sentimento
de revivência da experiência, ilusões, alucinações e episódios de flashbacks dissociativos, inclusive
aqueles que ocorrem ao despertar ou quando intoxicado). Nota: em crianças pequenas pode ocorrer
reencenação específica do trauma.
(4) – sofrimento psicológico intenso quando da exposição a indícios internos ou externos que
simbolizam ou lembram algum aspecto do evento traumático.
(5) – reatividade fisiológica na exposição a indícios internos ou externos que simbolizam ou lembram
algum aspecto do evento traumático.
C. Esquiva persistente de estímulos associados com o trauma e entorpecimento da reatividade geral
(mão presente antes do trauma), indicados por três (ou mais) dos seguintes quesitos:
(1) – esforços no sentido de evitar pensamentos, sentimentos ou conversas associadas com o trauma.
(2) - esforços no sentido de evitar atividades, locais ou pessoas que ativem recordações do trauma.
(3) – incapacidade de recordar algum aspecto importante do trauma.
(4) - redução acentuada do interesse ou da participação em atividades significativas.
(5) – sensação de distanciamento ou afastamento em relação a outras pessoas.
(6) – faixa de afeto restrita (p.ex., incapacidade de ter sentimentos de carinho).
(7) – sentimento de um futuro abreviado (p.ex., não espera ter uma carreira profissional, casamento,
filhos ou um período normal de vida).
D. Sintomas persistentes de excitabilidade aumentada (não presentes antes do trauma), indicados por
dois (ou mais) dos seguintes quesitos:
(1) – dificuldade em conciliar ou manter o sono.
(2) – irritabilidade ou surtos de raiva.
(3) – dificuldade em concentrar-se.
(4) – hipervigilância.
(5) – resposta de sobressalto exagerada.
E. A duração da perturbação (sintomas dos critérios B, C e D) é superior a 1 mês.
F. A perturbação causa sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo no funcionamento social ou
ocupacional ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo.
Especificar se:
Agudo: se a duração dos sintomas é inferior a 3 meses.
Crônico: se a duração dos sintomas é superior a 3 meses.
Especificar se:
Com início tardio: se o início dos sintomas ocorre pelo menos 6 meses após o estressor.
Fonte: APA7
10
O TEPT pode ocorrer em qualquer idade, inclusive na infância. Os sintomas de TEPT
costumam iniciar ao longo dos três primeiros meses após o trauma, embora possa haver
um lapso de meses ou mesmo anos antes do seu aparecimento7.
Estudos apontam maior risco para o TEPT entre pessoas do sexo feminino30,31, porém
mais estudos são necessários para se entender a relação entre o TEPT e o sexo de
crianças e adolescentes.
Existem evidências de que apenas o evento traumático não é suficiente para desencadear
TEPT. Muitos fatores de vulnerabilidade são importantes e devem ser levados em conta
para o desencadeamento deste transtorno, como: fatores de risco genético, histórico
familiar, experiências da infância, natureza da relação existente entre os pais, tipo de
personalidade, história prévia de traumas e de transtornos comportamentais/emocionais,
suporte social (pré e pós-trauma), outros eventos de vida existentes à época do trauma e
exposição a estressores subseqüentes que reativem os sintomas32,33. O histórico de
depressão entre parentes em primeiro grau também indica maior vulnerabilidade para o
surgimento do TEPT.
11
e o transtorno de estresse pós-traumático. Isto significa que pessoas que experienciaram
dissociação durante o evento ou pouco após o evento tiveram maior probabilidade de
apresentar este transtorno posteriormente em suas vidas35.
12
O modelo explicativo ancorado na psicanálise se baseia no fato de que a experiência
originada pelo trauma psíquico rompe os mecanismos de defesa do ego e mobiliza uma
série de defesas psicológicas como repetição compulsiva, negação, dissociação,
projeção e identificação com o agressor.
Ehlers e Clark41 discutem que o TEPT leva a um senso de ameaça recorrente devido às
diferenças de interpretações sobre o trauma e suas seqüelas, e às diferenças na natureza
da memória sobre o evento. Segundo os autores, os indivíduos com TEPT não
conseguem perceber o evento traumático como algo que passou e o interpretam como
ameaça presente. As interpretações sobre o evento traumático podem ser variadas,
podendo ser relacionadas a um exagero na probabilidade do evento ocorrer novamente;
considerar-se como alguém que atrai desastres; e considerar que algo que sentiu ou
como se comportou teve influência na ocorrência do evento traumático. Estas
interpretações podem reforçar os sintomas do TEPT e de certos estados emocionais
como medo, raiva, vergonha e tristeza.
13
severos42. A maioria destes estudos foi desenvolvida com adultos. Estão envolvidos na
resposta ao estresse: amígdala e outras regiões do sistema límbico, bem como alguns
sistemas neuro-químicos: noradrenérgico, serotoninérgico, glutamérgico, gabaérgico,
dopaminérgico, opióide, adrenal-pituitário-hipotalâmico, tireóide-pituitário-
hipotalâmico, hormônio do crescimento-pituitário-hipotalâmico e sistema gonadal-
pituitário-hipotalâmico.
14
TEPT em crianças e adolescentes
Como se verá ao longo deste tópico, os critérios do DSM-IV não são suficientemente
sensíveis ao TEPT em crianças, especialmente, no que se refere às mais jovens. Eth45,
reconhecendo a precariedade de conhecimentos que ainda hoje persiste na área, realizou
um esforço de recuperar historicamente o desenvolvimento do transtorno na infância e
juventude, que serve de base para a presente discussão.
15
Em 1972, outro psiquiatra infantil encontrou observações clínicas de medos em crianças
que estavam em escola no Reino Unido envolvida por avalanche50. Neste mesmo ano,
após enchente em uma cidade norte-americana, outro pesquisador avaliou
psiquiatricamente 224 crianças, constatando vulnerabilidades nas crianças abaixo de 12
anos após o trauma51; um seguimento dessas crianças após 17 anos da ocorrência do
desastre, quando já eram adultas, mostrou TEPT em 7% no grupo que não tinha
sintomas logo após a enchente; e 32% entre os que desde aquela época já possuíam
TEPT52.
Exceto, é claro, que ela existia. Diferente da Aids, TEPT é uma aflição que flagela
a humanidade desde que nossos ancestrais pré-históricos eram atacados por
animais predadores, devastados por desastres naturais e se engajavam em guerras
tribais. Muitos autores têm se deliciado em encontrar descrições literárias
características de TEPT em vários trabalhos de ficção e não-ficção (p.xvii)45.
16
crianças, abordando TEPT em vítimas de conflitos armados, jovens infratores, em
vítimas de câncer e de abuso físico e sexual.
Um estudo inédito sobre o tema foi relatado nesta época por Pynoos et al.55 que
identificou sintomas do TEPT em crianças de escola norte-americana que tinha sofrido
um ataque de um atirador, disparando contra crianças no playground e resultando em
duas mortes e treze feridos. As crianças com sintomas moderados a severos de TEPT
estavam mais diretamente expostas ao tiroteio, apresentando reexperienciação do evento
e dificuldade de responder aos estímulos externos. Outros fatores identificados neste
grupo foram: aumento de sentimentos de medo e ansiedade após o evento; e dificuldade
de concentração na escola e distúrbios do sono. Deste modo, a avaliação das crianças
identificou sintomas do TEPT agudo nas mesmas.
Apenas em 1987, a DSM-III incluiu dois exemplos específicos sobre crianças entre os
critérios diagnósticos de TEPT: os sintomas de revivência do trauma que podem ser
satisfeitos em crianças pequenas se elas apresentarem jogos repetitivos, nos quais temas
ou aspectos dos traumas estão expressos; e a baixa responsividade e o interesse
marcadamente diminuído em atividades que pode ser compreendido em crianças, se
houver perda de habilidades desenvolvimentais anteriormente adquiridas45.
Em 1994, foi lançada a DSM-IV, com revisões dos critérios de estresse para os eventos
traumáticos que estão fora do âmbito da experiência humana habitual e devem ser
marcadamente aflitivos por envolverem morte real ou ameaçada, ou ainda uma grave
lesão desenvolvendo medo intenso, desesperança ou horror. Novos adendos sobre
crianças foram introduzidos: o trauma pode se manifestar por comportamento
desorganizado ou agitado; a revivência dos sintomas pode se dar na forma de sonhos
ameaçadores, sem conteúdo reconhecido (terror noturno), ou através de sintomas de agir
ou sentir como se o evento estivesse acontecendo novamente45.
Crianças informam pouco sobre alguns sintomas da DSM-IV para TEPT, que exigem
necessidade de descrição verbal das experiências e dos estados internos. Scheeringa et
17
al.57 relatam que 8 dos 18 sintomas normatizados pelo DSM-IV para TEPT se situam
neste caso. Por essa razão, crianças nos primeiros anos de vida costumam apresentar
sintomas de: ansiedade generalizada (medo de separação, ansiedade com estranhos,
medo de monstros e animais); evitação de situações que podem ter ou não um link óbvio
com o trauma original; distúrbios de sono; preocupação com certas palavras ou
símbolos que podem ter ou não uma conexão aparente com o evento traumático.
Dyregrov e Yule59 discutem que grande parte dos estudos são realizados com
adolescentes mais velhos e adultos. Estes autores citam prevalência ao longo da vida de
6,3% em uma amostra comunitária norte-americana de adolescentes mais velhos.
Breslau et al.60, em estudo com amostra de 2181 pessoas entre 18-45 anos de idade,
verificaram a prevalência de exposição a eventos traumáticos de 2% em uma
comunidade em Detroit, Estados Unidos da América.
18
voltados para a idade adulta, e por isso, podem não captar bem o sofrimento de grande
parte das crianças relacionado aos eventos traumáticos.
Em uma revisão da literatura realizada por Gabbay et al.62, são apresentados estudos em
que a prevalência ao longo da vida para adolescentes e adultos jovens varia de 2% a
9,2%. Nesta revisão, é apontada grande variabilidade entre as prevalências de TEPT
para crianças e adolescentes de populações de alto risco, variando de 3% a 100%. Os
autores discutem que esta grande variabilidade pode ser explicada pela natureza do
trauma; diferenças nos estudos como escalas utilizadas e amostragem da população; o
lapso de tempo entre a exposição e o desenvolvimento dos sintomas.
19
Além disso, elas podem apresentar expressão de alarme e medo, gritos de socorro, e
comportamento ineficaz33.
Salmon e Bryant65 mostram pesquisas que indicam outros problemas que costumam
aparecer em crianças com TEPT: baixa auto-estima, depressão, ansiedade de separação,
ansiedade generalizada. Na revisão realizada por estes autores, constatou-se que as
manifestações do transtorno variam conforme a fase de desenvolvimento. As crianças
pré-escolares apresentam menos sintomas cognitivos, como, por exemplo, a re-
20
experienciação dos sintomas e menos comportamento evitativo. Estados relacionados ao
transtorno são difíceis de serem executados e avaliados em crianças muito pequenas.
Estes autores também propõem mudanças nos critérios de que as recordações sobre o
evento são aflitivas, recorrentes e intrusivas. Segundo eles, as crianças mais novas nem
sempre demonstram aflição ou angústia, mesmo quando apresentam pensamentos
intrusivos e preocupação com estímulos associados ao trauma. Crianças também
podem manifestar seu sofrimento com afastamento social. Os autores afirmam ainda
que crianças pequenas não costumam apresentar os seguintes critérios: incapacidade de
recordar algum aspecto importante do trauma (critério C3) e sentimento de futuro
abreviado (critério C7). Os autores sugerem modificar o critério de crises de
irritabilidade e surtos de raiva para temperamento extremo de birra, pois consideram ser
freqüente o fato de crianças pequenas apresentarem crises de irritabilidade e explosões
de raiva58.
21
A reexperienciação do evento através das brincadeiras, nesta idade, é mais sofisticada
que na idade pré-escolar, pois a criança pode incluir a escrita, desenhos e encenação.
Além disso, a criança pode envolver temas específicos do trauma nestas brincadeiras.
Nesta idade, as crianças também costumam exibir, além dos sintomas de excitabilidade
aumentada, uma série de sintomas físicos como dores de cabeça e de barriga57.
O sentimento de futuro abreviado pode se expressar na idéia que a própria criança tem
de que ela não chegará à idade adulta. É também possível que a criança tenha a crença
de que pode prever eventos futuros indesejáveis, característica esta denominada de
“presságio catastrófico”7. Terr56 descreve esta característica como a “formação de
presságios” (omen formation) nas crianças, ou seja, a crença que as crianças têm de que
certos sinais são avisos de que o evento traumático está se aproximando e que, se elas
estiverem alertas, serão capazes de predizer desastres futuros.
Scheeringa, Zeanah e Cohen58 apontam que após eventos traumáticos, muitas crianças
em idade escolar e adolescentes mais jovens dizem que o pior e o mais assustador que
aconteceu a eles não foi o evento traumático em si, mas as conseqüências do evento,
que exemplificam como a retirada de casa de pais abusadores, revelação de abusos, ver
os pais chorarem após um evento traumático. Estes autores propõem que dentre os
eventos que levam ao TEPT, devem estar incluídos a perda dos pais (inclusive a ida
para abrigos e lares substitutos), ferimentos ou morte dos pais. Também propõem a
eliminação ou alteração do critério A2 (resposta de medo, impotência ou horror), pois as
crianças costumam apresentar uma variedade de sentimentos no momento do evento
traumático, tais como confusão, tristeza, vergonha, culpa e sensação de estar paralisada.
22
A identificação de alguns sintomas como limitação do afeto e diminuição do interesse
em realizar atividades anteriormente habituais costuma ser feita através do relato dos
pais e professores, devido às dificuldades das crianças em relatar reações subjetivas7.
Deste modo, as crianças de idade pré-escolar avaliam o perigo confiando no referencial
das figuras parentais ou das pessoas com quem formaram vínculo. Assim, respondem às
situações que eliciam respostas de medo e confiam na ação de proteção propiciada por
seus cuidadores. Na idade escolar, as crianças melhoram a apreciação de situações de
perigo, adquirem habilidades de como se manterem seguras, adquirem senso de culpa e
percebem ineficácia quando há falha em alguma ação protetiva59.
Comparando a idade pré-escolar com a escolar, Vela e Massa66 referem que crianças em
idade pré-escolar tendem a apresentar regressão de hábitos higiênicos já adquiridos,
medos mais generalizados, agressividade e distraibilidade, enquanto que sintomas mais
comuns de crianças em idade escolar com TEPT são revivências, transtornos do sono,
pensamentos repetitivos e medos relacionados ao evento traumático.
O TEPT, nesta faixa etária, pode alterar as concepções sobre sua identidade, futuro e
segurança. Os adolescentes também podem manifestar o sentimento de futuro
23
abreviado, que pode se caracterizar pela crença de que não irão estabelecer uma carreira
e não irão formar uma família, dentre outras expectativas comuns entre os jovens64.
24
de violências, práticas coercitivas, dentre outros. Os autores também sugerem que este
transtorno levaria a um padrão repetitivo de desregulação desencadeada em resposta a
sinais de trauma e alterações persistentes nas atribuições e nas expectativas sobre si
mesmo, relacionamento e outros69,70.
Segundo Van der Kolk69, o diagnóstico de TEPT não engloba uma série de efeitos que
ocorrem em crianças após a vivência de um evento traumático como, por exemplo:
problemas nos padrões de apego; regressões comportamentais e mudanças rápidas dos
estados emocionais; comportamento agressivo contra si e contra outros; múltiplos
problemas somáticos como dor de cabeça, dor de barriga; auto-atribuições negativas;
perda de confiança nos cuidadores, entre outras manifestações. Por isso, a criação deste
novo diagnóstico contemplaria estas alterações.
Em um estudo desenvolvido com adultos que avaliou abuso sexual e físico desde a
infância dos respondentes, Scott71 percebeu que há correlação entre vivenciar
experiências traumáticas múltiplas ao longo da vida e severidade do transtorno de
estresse pós-traumático.
Sofrer violência física concomitante à violência sexual esteve associado a sintomas mais
severos do TEPT em estudo com 187 adolescentes de 12 a 17 anos que realizavam
tratamento para problemas de saúde mental internalizantes e externalizantes74.
Grande parte dos estudos aponta que quanto mais experiências de vitimização, maiores
os prejuízos à saúde mental de crianças e adolescentes. Porém, é necessário levar em
consideração que, para crianças mais novas, um único evento ou poucos eventos de
violência podem estar associados ao sofrimento intenso e ao desenvolvimento do
TEPT75.
25
COMORBIDADES E NT R E TEPT E OUTROS DIAGNÓSTICOS NA INFÂNCIA E
ADOLESCÊNCIA
A relativa raridade de “TEPT puro” (termo freqüentemente usado que denota uma
síndrome não complicada pela presença de sintomas de outros transtornos
psiquiátricos), comparada à presença de mais complexas formas, sugere que o estresse
traumático pode precipitar um completo grupo de sintomas e condições32.
Por outro lado, alguns sintomas de TEPT podem se manifestar de outras formas em
crianças, dificultando o diagnóstico. Destacam-se: a) embotamento e evitação se
manifestando como inquietação, hipervigilância, pouca concentração e problemas
comportamentais; e b) sintomas de ansiedade em crianças muito jovens expressos como
hiperatividade, distraibilidade e impulsividade aumentada, que são marcos do transtorno
de atenção e hiperatividade (TDAH).
26
Em crianças com TEPT, a depressão também é comum. Muitos autores sugerem que
TEPT antecede e predispõe indivíduos a depressão maior, mais que o inverso.
Investigadores têm documentado comorbidade entre TEPT e abuso de substância em
crianças mais velhas, e entre TEPT e outros transtornos de ansiedade79. Um estudo com
adolescentes de 12 a 17 anos, nos EUA, encontrou alta comorbidade entre TEPT e
depressão maior. Este estudo apresentou os resultados de um modelo multivariado para
TEPT em comorbidade com depressão maior e revelou que ser do sexo feminino, ter
histórico familiar de uso de drogas, testemunhar violência e ataque físico aumentam o
risco de apresentar tal comorbidade80.
Trabalho norte-americano realizado com 117 crianças que sofreram severos maus-tratos
mostrou que aquelas com TEPT apresentavam comorbidades com transtorno de déficit
de atenção e hiperatividade, outros transtornos de ansiedade, transtornos psicóticos
breves ou não especificados, transtornos de humor e ideação suicida81.
27
nordeste dos Estados Unidos da América. Os sintomas do TEPT mediaram a relação
entre ser vítima e testemunha de violência comunitária e sintomas internalizantes, sendo
estes, efeitos similares entre meninos e meninas. Outro achado desta investigação foi
que TEPT media parcialmente a exposição à violência comunitária e a prática de
violência, em meninos (não em meninas). Os autores discutem possíveis razões para
esta mediação. Eles apontam estudos que mostram que os sintomas de TEPT podem
prejudicar o processamento da informação e, por isso, podem prejudicar o
reconhecimento de situações de risco. Outro motivo seria que o TEPT está associado ao
aumento de comportamentos de risco como o uso de substâncias.
Rojas e Pappagalo87 apontam como fator de risco para TEPT a exposição repetida pela
televisão e mídia sobre um evento traumático, como foi o exemplo da cobertura
jornalística sobre o atentado terrorista ao World Trade Center. Mesmo sem a
28
proximidade física do evento, crianças e adolescentes podem apresentar um risco maior
de desenvolver o transtorno devido à exposição massiva do evento na mídia.
Gênero. Ainda não se sabe por que o gênero é um fator de risco para o TEPT, mas os
estudos mostram que este aspecto é importante no desenvolvimento de sintomas deste
transtorno. Tolin e Foa30, em estudo de metanálise com textos publicados em língua
inglesa, realizado com pacientes ou sobreviventes de traumas, apontam que meninas e
mulheres são mais propensas que homens a apresentar TEPT, mesmo elas sendo menos
propensas a experienciar eventos traumáticos. O estudo mostrou também que as
mulheres são mais propensas a vivenciar ataque sexual e abuso sexual infantil. Outros
eventos como acidentes, agressões físicas, testemunhar mortes, guerras ou combates são
mais comuns entre homens.
Há diversas hipóteses que explicam este risco elevado entre mulheres como tendência
destas a vivenciar eventos potencialmente mais traumáticos (por exemplo, estupros e
violência sexual); maior reatividade fisiológica nas mulheres; maior exposição a
estressores sócio-econômicos como pobreza e discriminação; e o fato de que os homens
culturalmente aprendem a suprimir mais as cognições relacionadas aos sentimentos de
medo e desesperança, considerados incoerentes com a imagem masculina de força e
poder25.
Imagens de agressividade relacionadas aos homens podem fazer com que a convivência
com o evento traumático se torne mais aceitável. As mulheres estão mais relacionadas
29
culturalmente à imagem de emoção e passividade, e por isso, podem vivenciar o evento
traumático de maneira diferenciada30.
Proximidade emocional com a vítima do trauma. Inclui ter uma pessoa querida que
sofreu um trauma e/ou morreu. Scheeringa et al.89, em estudo com crianças que
passaram por diferentes tipos de trauma, apontam que testemunhar ameaças ao cuidador
foi um fator preditivo para o TEPT para crianças de todas as idades.
30
participantes tinham entre 8-21 anos e foram avaliados seis meses após o ataque
terrorista ao World Trade Center. Como resultado deste estudo, crianças e adolescentes
que tinham técnicos de emergências médicas na família apresentaram nível mais
elevado de TEPT provável (18,9%). A prevalência de TEPT entre crianças cujos
familiares eram oficiais de polícia (10,6%) foi similar a de crianças que não tinham
profissionais de primeiro socorros nas famílias (10,1%), enquanto que a prevalência de
crianças relacionadas aos bombeiros foi a menor de todas (5,6%). Os autores discutem
que os resultados podem estar relacionados a características sócio-demográficas da
profissão e das famílias dos técnicos de emergência médica, como status psicológico da
função, treinamento, apoio do grupo de trabalho, práticas de recrutamento, dentre
outras91.
Reações dos pais ao evento traumático. As reações dos pais ao evento traumático
estão relacionadas ao risco de desenvolvimento de TEPT para as crianças e os
adolescentes. Os pais podem apoiar, acalmar os filhos ou podem ser distantes, ansiosos
e ausentes com os mesmos. Os pais ou cuidadores, que ficam impactados com o evento
traumático, têm sua capacidade diminuída de fornecer um ambiente consistente,
previsível e de apoio à criança. Isso pode levar a uma perda de confiança da criança e a
um risco aumentado de TEPT92.
Dyregrov e Yule59 apontam que pais que evitam comentar o evento traumático e suas
conseqüências limitam a discussão sobre o tema, podendo prejudicar a elaboração do
evento pela criança. Os filhos, por sua vez, ao perceberem que deixam os pais tristes ao
tocar no assunto, evitam falar sobre o tema. Este contexto pode criar um ambiente de
silêncio, favorecendo aos pais a subestimação do sofrimento das crianças, retardando
por conseqüência, a procura por tratamento para a criança ou adolescente.
31
Problemas de saúde mental de mães e outros cuidadores. A história de problemas de
saúde mental nas mães e familiares também está relacionada ao desenvolvimento de
TEPT59. Birmes et al.87 percebeu em uma pesquisa com crianças após um desastre
industrial que ocorreu na França, que os sintomas de TEPT nas mães estavam
significativamente associados aos sintomas de TEPT nas crianças, pois 58,3% das
crianças com sintomas elevados de TEPT tinham mães que também apresentavam
elevados sintomas de TEPT. Outras características associadas ao transtorno foram viver
em famílias de três ou mais crianças e ser menina.
Problemas de coesão familiar. Birmes et al.94 apontam que alta coesão familiar foi
mais relatada por crianças sem sintomas ou com sintomas leves deste transtorno. Está
associada a sentimentos de apoio emocional e de fortes laços emocionais, que podem
servir como um efeito protetor para a criança. Wickrama e Kaspar95 perceberam entre
adolescentes expostos a um tsunami que melhor relação entre mãe e filho correspondeu
a baixos níveis de depressão e sintomas de TEPT nos adolescentes.
Falta de apoio social. Clapp e Beck96 indicam que a literatura científica aponta uma
associação inversa entre sintomas do transtorno de estresse pós-traumático e apoio
social. De acordo com estes autores, as hipóteses indicam que o apoio social ajuda aos
indivíduos a lidarem com o evento traumático, diminuindo o potencial de
desenvolvimento de sintomas relacionados ao evento traumático. Estes autores
realizaram pesquisa com 458 sobreviventes de acidentes com veículos e perceberam que
a severidade do TEPT estava associada a atitudes e expectativas negativas relacionadas
ao uso dos recursos sociais quando necessários que, por sua vez, estava relacionado aos
baixos níveis de apoio social.
O ser humano se defronta com circunstâncias adversas mesmo antes de nascer e delas se
defende ao longo de todos os anos de sua vida. A forma de reagir aos estresses é
conformada pelo ser humano desde o período intra-uterino e se desenvolve até sua
morte.
32
A história mostra que riscos e toda sorte de adversidades sempre estiveram presentes,
em qualquer tempo e cultura. No entanto, há eventos considerados mais adversos à
existência humana e que podem acarretar prejuízo tardio severo. Seus efeitos,
freqüentemente, não são detectados durante a infância ou a adolescência e sim no auge
da vida adulta ou na velhice. Dentre as circunstâncias consideradas mais lesivas para
crianças e adolescentes estão: sofrer graves desastres, acidentes e vivenciar guerras.
Outros eventos que podem impactar a vida de crianças e adolescentes são: conflitos e
separações entre os pais, sérios problemas médicos vividos pelos familiares e as
situações de violências vividas em casa, na escola e na comunidade2.
33
responsabilidades, reabilitação médica e cirúrgica, mudança de papéis, aquisição
de novas habilidades sociais, perdas e adversidades recorrentes.
34
disponibilidade e confiança em adultos como agentes que podem auxiliar em situações
perigosas. A capacidade de resiliência é outro aspecto também importante.
35
geograficamente espalhados em diferentes áreas e regiões, trazendo ameaça à
integridade física das pessoas nas áreas atingidas. Um exemplo seriam os furacões, os
tornados, os terremotos, os tsunamis e as inundações. Na realidade nacional, as grandes
chuvas e deslizamentos que atingiram, em 2011, várias áreas da Região Serrana,
principalmente Nova Friburgo e Teresópolis, estão classificados como desastre tipo I,
segundo esta classificação, não estando circunscrito a um único lugar, atingindo várias
cidades.
Na categoria tipo II, estão os eventos com exposição a agentes nocivos, como doenças
infecciosas, ataques químicos, níveis de radiação perigosos após acidente nuclear, entre
outros. A categoria tipo III engloba a exposição intensa e circunscrita a uma área, e que
pode ter diferentes níveis de exposição entre as pessoas envolvidas. Neste caso, estariam
enquadradas as seguintes situações: tiroteios em escolas; explosões acidentais ou
intencionais; ataques terroristas; incêndios; deslizamentos de terra em áreas
circunscritas.
Existem muitas concepções sobre eventos de vida como estressores ou fatores de risco,
capazes de ferir a integridade da criança. Uma primeira linha de pensamento, mais
tradicional, afere a compreensão dos eventos adversos de vida como estressores
estáticos. A simples presença do fator de risco já preveria a ocorrência de conseqüências
indesejáveis. Uma segunda corrente considera que o potencial lesivo de uma situação
estressante estaria relacionado à quantidade de eventos enfrentados. Isso significaria
que o acúmulo de adversidades ao longo do tempo seria um fator fundamental para
provocar conseqüências no indivíduo, e que um único estressor pode não ter impacto
significante. Ao contrário, a combinação de duas ou mais adversidades elevaria a
possibilidade de conseqüências negativas para o desenvolvimento. Esse maior potencial
lesivo não se daria apenas pelo número de problemas, mas principalmente pelo impacto
e pela potencialização de um estressor sobre o outro101.
Terr56 classifica o evento em dois tipos. No tipo I, o evento é único, agudo e repentino,
como por exemplo, um acidente de trânsito. Enquanto que no tipo II, o estressor é
crônico, com experiências difíceis e ameaçadoras que se repetem na vida da criança. De
acordo com esta autora, os sintomas do TEPT em crianças e adolescentes também
apresentam variação segundo o tipo de estressor.
36
Grande parte dos estudos de TEPT é relacionada à vivência de um único evento
estressor, evento tipo I segundo a classificação de TEPT sugerida por Terr49. Na
literatura há discussão se múltiplas vitimizações poderiam dessensibilizar a pessoa em
relação aos eventos, ou seja, se a violência poderia ter seu impacto diminuído pela
exposição constante102.
Mesmo que o evento seja único ou múltiplo ao longo do tempo, é importante observar o
momento em que acontece na vida da criança e do adolescente. Durante o continuum de
desenvolvimento, as conseqüências dos problemas são dependentes do estágio de
maturação do organismo. É o timing da experiência que prediz o seu impacto, pois as
experiências são sentidas diferentemente, dependendo do momento de vida e das
diferentes respostas vindas do meio em que se vive. Também importa o grau de
formação e funcionamento neural103,104, que seria afetado em situações de estresse105.
37
outras alcançam seu limite de tolerância apenas com o acúmulo de pequenos eventos
estressantes do dia-a-dia107. Portanto, não importa apenas saber se o processo envolvido
no acontecimento difere de acordo com a etapa de desenvolvimento e sim se as
experiências adversas alteram o curso do desenvolvimento infantil ou se influenciam a
maneira como a criança responde às dificuldades que enfrentará ao longo de sua vida.
Experiências precoces podem estar associadas a desordens futuras, já que podem alterar
a sensibilidade ou modificar a forma de lidar com os problemas. Podem também trazer
algum benefício se fortalecerem o indivíduo em sua capacidade de lidar com as
dificuldades.
38
Beslan, Rússia. Os resultados mostram que a proximidade física e o grau de exposição
ao evento estão associados com os sintomas de transtorno de estresse pós-traumático.
Outra pesquisa mais recente, desenvolvida em outro hospital do Reino Unido com 86
crianças entre 5-16 anos, encontrou prevalência do TEPT de 15% após três meses e de
18% após seis meses após acidente de trânsito. Neste estudo, 58% das crianças que
apresentaram TEPT após três meses continuaram apresentando o transtorno na
avaliação de seis meses depois do evento120.
Doenças graves que trazem risco à vida. Uma revisão de vinte estudos sobre o TEPT,
a maioria norte-americanos (exceção de um artigo do Japão e outro da Suíça), com
crianças sobreviventes de câncer, encontrou prevalência de sintomas de TEPT de 2 a
20% para as crianças e de 10 a 30% para os pais das crianças. A avaliação subjetiva da
39
ameaça à vida e as crenças sobre a doença foram preditores mais importantes que a
condição médica da criança121.
Violências. Inclui eventos como: abuso sexual; seqüestro ou ser tomado como refém;
sofrer tortura; assalto; ataque físico; violência na família; violência na escola e na
comunidade de forma geral.
Nesta área há grande foco nos estudos sobre abuso sexual, principalmente com adultos.
Na área da infância, Wolfe, Gentile e Wolfe122 conduziram um estudo com 71 crianças
canadenses de 5 a 16 anos, com histórico de abuso sexual. A partir de dados fornecidos
pelas mães, estas crianças foram classificadas com altos níveis de TEPT, bem como
problemas internalizantes e externalizantes. Danielson et al.123 realizam estudo com
adolescentes norte-americanos que sofreram abuso sexual e apontam que o transtorno
de estresse pós-traumático, a depressão, o comportamento delinqüente e abuso de
substâncias são consequências possíveis à saúde mental dos jovens que sofrem este tipo
de abuso. Neste estudo, percebeu-se que os adolescentes com TEPT apresentaram
depressão e comportamento delinqüente mais comumente do que aqueles sem história
de TEPT.
Essas formas de violência podem alcançar a criança nos seus diversos âmbitos de
convivência, ou seja, no seu seio familiar, escolar, na vida comunitária e na sociedade
em geral. A principal característica da violência, tanto familiar quanto comunitária,
refere-se à cronicidade dos eventos, que os distinguem de outros tipos de eventos
relacionados ao TEPT e que geralmente são pontuais, recaindo na temática TEPT
complexo, já abordada anteriormente70.
41
A violência constitui-se como uma forma de comunicação na família. E “ocorre nas
relações hierárquicas e intergeracionais” (p.29), atingindo mais crianças do que
adolescentes. Isto ocorre devido à maior fragilidade deste grupo etário126.
42
No México, estudo realizado com 936 estudantes de 12 a 16 anos de idade, encontrou
que mais da metade dos adolescentes sofreu violência familiar. Cerca de 58% dos
meninos sofreram a violência física cometida pelo pai, e 54,7% das meninas relataram
este mesmo tipo de violência. Em relação à violência cometida pela mãe, 61,6% dos
meninos e 65,9% das meninas relataram sofrer este tipo de violência. A violência sexual
foi apontada por 11,3% dos adolescentes 131.
Diversas formas de violência coexistem no lar. Por exemplo, a violência física contra a
criança e o adolescente, a que ocorre entre o casal e que a atinge o idoso. Outro aspecto
a ser ressaltado é que os papéis sociais de “agressor” e “vítima” não são estáticos,
podendo se intercambiar entre os membros da família. Por exemplo, a mãe pode ser
agredida pelo marido, mas ao mesmo tempo agredir os filhos ou ser conivente com a
violência contra os filhos132.
43
Estudos internacionais e nacionais apontam o TEPT como uma das possíveis
conseqüências da violência contra crianças de todas as faixas etárias no âmbito familiar.
Margolin e Vickerman70 discutem aspectos importantes para os estudos sobre violência
familiar e este transtorno.
As crianças e adolescentes que sofrem violência na família podem não acreditar no lar
como um local seguro, e apresentarem apego desorganizado porque os pais são fonte de
segurança e de perigo ao mesmo tempo. Além disso, as lembranças dos incidentes
podem estar mais presentes, pois o local em que geralmente ocorre a violência é a
própria casa destas crianças. Os autores também pontuam que como todos os outros
eventos traumáticos, somente uma parte das crianças que, são expostas a este tipo de
violência irá desenvolver TEPT70.
Levendosky et al.134 realizou estudo com crianças de idade pré-escolar, nos EUA, e
percebeu que as crianças que foram testemunhas de violência doméstica ou viviam em
famílias com este tipo de violência, mesmo sem testemunhar diretamente tais atos
sofriam de sintomas do TEPT. Porém, poucas delas atingiam os critérios diagnósticos
do TEPT, segundo a DSM-IV.
Um estudo foi desenvolvido com crianças de idade escolar e suas mães que estavam em
lares emergenciais para vítimas de violência doméstica. Participaram deste estudo 30
crianças de idade de 6 a 12 anos e suas mães, avaliando-se a presença de sintomas de
TEPT e problemas de comportamento. Neste estudo, a exposição à violência familiar foi
associada aos sintomas de TEPT em crianças, mas os problemas de comportamento não
se associaram à presença de violência135.
O impacto da violência na infância pode levar a conseqüências até mesmo para a vida
adulta. Em uma pesquisa com 1924 universitários em Taiwan foi avaliado se na infância
houve violência entre os pais; maus-tratos contra os filhos e ambas as formas de
violência conjuntamente. Procurou-se investigar se a vivência deste tipo de violência na
infância tem relação com TEPT e problemas de comportamento atuais. Como resultado
do estudo, percebeu-se que as pessoas que sofreram maus tratos e testemunharam
violência entre os pais, quando crianças, apresentam mais sintomas traumáticos e
problemas de comportamento do que aquelas que experienciaram apenas um tipo de
violência ou nenhuma violência136.
44
Estudo realizado nos EUA com 1196 adultos vítimas de violência na infância (duas
décadas atrás), verificou que tanto crianças que sofreram abuso físico e sexual quanto
aquelas que sofreram negligência apresentaram um risco maior para TEPT na vida
adulta137.
A violência comunitária é a mais comum violação aos direitos da criança, por negar-
lhes a liberdade, a dignidade, o respeito e a oportunidade de crescer e se desenvolver em
condições saudáveis. Está relacionada à violência urbana e social, sendo
comprovadamente mais presente nas localidades de menor poder aquisitivo onde faltam
recursos institucionais protetores da saúde, educação, habitação e segurança públicas.
O ambiente vivido na comunidade sinaliza às pessoas que nela residem o seu lugar no
mundo e os limites dos „possíveis sociais‟ que podem almejar. Por ser um local onde se
vive, pode interferir na capacidade futura de inserção no mundo.
45
Revisão de estudos sobre o tema mostra que pesquisadores que investigam a temática da
violência urbana vivenciada por jovens, têm encontrado que mais de 70% deles já
testemunharam essa forma de violência no lugar em que vivem138. Violência
comunitária não tem sido definida clara ou consistentemente, havendo distinção das
definições entre estudos, dificultando comparações. No presente estudo, está definida
como a violência vivenciada ou testemunhada pela criança no ambiente comunitário
incluindo ruas, escola e outros ambientes proximais em que transita139. Inclui situações
como ser vítima/testemunha de ações de tráfico de drogas, uso de armas, ver pessoas
mortas, tiroteios, assassinatos, roubos, dentre outros.
Schields, Nadasen e Pierce83, em estudo com 247 crianças da Cidade do Cabo, na África
do Sul, encontraram alta exposição à violência comunitária. As crianças relataram terem
testemunhado mais freqüentemente às seguintes formas de violência comunitária: ver
alguém apanhar (92,4%); ver alguém ser chutado, empurrado (91,1%); ver alguém ser
morto (40,2%). E os tipos de vitimização por violência na vizinhança mais comuns
foram: ser chutado ou empurrado (88,0%); apanhar (65,9%); e entrar em brigas
(51,8%). As crianças mais velhas foram mais expostas à violência, bem como os
meninos relataram apresentarem maior probabilidade de serem vítimas ou testemunhas
de atos violentos na comunidade.
46
Vários estudos apontam que a exposição à violência comunitária aumenta com a idade,
isto é, em geral, adolescentes foram mais expostos à violência na localidade do que
crianças em idade escolar75. Isso pode levar a piores prejuízos a saúde mental dos
adolescentes pelo efeito cumulativo da exposição à violência88,140, ou fazer com que eles
desenvolvam formas de lidar com esta violência, ou que simplesmente se tornem
dessenssibilizados à violência75. As crianças, quanto mais jovens, podem também
aprender a “se desligarem” da realidade difícil em que vivem140. Stein et al.141, em
revisão de literatura com 43 artigos publicados em língua inglesa revelam que os
estudos apontam altas taxas de violência comunitária em crianças mais velhas, mas que
estes achados são inconsistentes devido a muitos artigos não apontarem diferenças
significativas quanto à idade.
47
encontrou associação mais forte entre violência comunitária e TEPT, seguido de
problemas externalizantes. Neste estudo, não houve diferenças quanto ao tipo de
exposição à violência comunitária (ser vítima, testemunha ou ouvir sobre o evento) e o
desfecho TEPT. Os autores discutem que ouvir e testemunhar a violência pode
contribuir para sentimentos de insegurança difusos, que levam a crer que ninguém está
seguro na comunidade. Estes sentimentos podem ser tão prejudiciais quanto a
vitimização direta75. Outra pesquisa desenvolvida com adolescentes norte-americanos
também não encontrou diferenças na relação entre ser vítima ou testemunha do evento e
os sintomas de TEPT140.
Fowler et al.75, em revisão de literatura, aponta que jovens que sofrem violência
comunitária sofrem aumento da excitabilidade nos momentos de repouso e diminuição
da excitabilidade durante a exposição à violência. Este aumento da excitabilidade pode
estar relacionado ao aumento da probabilidade dos jovens em apresentar sintomas do
TEPT.
48
A exposição à violência familiar ou comunitária pode desestimular os pais a facilitarem
a aquisição de autonomia pela criança; ou ainda propiciar o comportamento de
superproteção para com seus filhos146.
Conforme descrito nesta tese, os estudos afirmam que há maior risco para as meninas de
apresentarem TEPT quando expostas a eventos traumáticos. Foster et al.143, em estudo
com 146 crianças e adolescentes de 11 a 16 anos, encontraram que as meninas
apresentaram mais sintomas de transtorno de estresse pós-traumático, depressão e
ansiedade quando comparadas aos meninos após vivência de violência comunitária.
Breslau et al (1998)60, em estudo em uma comunidade com adultos de 18 a 45 anos,
percebeu que o risco condicional de apresentar TEPT após a exposição de um evento
traumático é 9,2%, sendo maior nas mulheres (13,0%) que nos homens (6,2%).
49
Ristum149 aponta que a violência escolar pode se expressar de diversas formas, como:
violência entre os pares; violência do aluno contra o professor e outros funcionários;
violência da escola e do professor contra o aluno; do aluno contra o patrimônio da
escola; e do sistema de ensino contra a escola e o professor. Pouco se sabe como estas
variadas formas de violência podem atingir a saúde mental das crianças e adolescentes.
50
CAPÍTULO 3
Materiais e Métodos
A tese está composta por duas pesquisas realizadas no Centro Latino Americano de
Estudos de Violência e Saúde Jorge Careli – CLAVES, do qual faço parte desde a
graduação em psicologia, então bolsista de iniciação científica. Ambas foram realizadas
com escolares da rede de ensino de São Gonçalo/RJ.
i
Os dados referentes a financiamento e aprovação dos três projetos estão apresentados em ordem
respectiva: a) CNPQ - processo 504435/2004-3 e CEP – 0051.0.031.000-04 ; b) FAPERJ - processo E-26/
170.583/ 2005 e CEP- CAEE: 0120.0.031.000-05; c) FAPERJ - processo E-26/110.393/2007 e CAEE:
0024.0.031.000-07;
ii
Aprovação no CEP sob o número CAAE: 0057.0.031.000-09 e CNPq – processo 474332/2008.
51
Todas as pesquisas obtiveram autorização da Secretaria Estadual de Educação do
Estado do Rio de Janeiro e/ou da Secretaria Municipal de Educação de São Gonçalo. A
direção de todas as escolas envolvidas e os pais das crianças, participantes da pesquisa,
assinaram Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, conforme preconizado na
Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde, que normaliza as pesquisas com
seres humanos. Os informantes atuaram de forma voluntária, foram esclarecidos quanto
aos objetivos da pesquisa e da utilização e aplicação do instrumento de coleta, foram
assegurados de que poderiam sair do estudo a qualquer momento, bem como foram
informados quanto ao sigilo em relação às informações e à sua participação. Em casos
necessários, crianças e/ou familiares foram encaminhados à rede pública de saúde pelas
psicólogas responsáveis pelo trabalho de campo, assim como ao Ministério Público e
para um serviço especializado no atendimento a vítimas de violência. O projeto desta
tese de Doutorado também foi aprovado no Comitê de Ética com o CAAE número
02530.031.000-10 (documento em anexo).
A descrição dos dois projetos, realizada a seguir, será feita separadamente, evitando a
repetição de informações metodológicas que constarão nos artigos que compõem os
resultados da tese. Para tanto, dados mais globais da pesquisa serão apresentados na
presente seção de métodos, visando auxiliar o leitor a compreender o escopo a partir do
qual foram delineados os artigos apresentados na seção de resultados.
Este estudo longitudinal foi composto por três etapas de coleta de dados, realizadas em
2005, 2006 e 2008. Nesta tese de doutorado, foram utilizados dados da primeira etapa
para a elaboração do primeiro artigo da seção de resultados “Violência e Transtorno de
Estresse Pós-Traumático na Infância” (publicado na Revista Ciência e Saúde Coletiva).
Informações da última etapa, 2008, subsidiaram a redação do artigo 2, “Violência
Comunitária e Transtorno de Estresse Pós-Traumático em Crianças e Adolescentes”.
Para facilitar a leitura, a apresentação a seguir, será feita de acordo com o ano de coleta
de dados: 2005 e 2008.
52
Antes, porém, é preciso ressaltar que o estudo longitudinal iniciou em 2005 com o
acompanhamento de 500 crianças escolares da rede pública de São Gonçalo-RJ.
Todavia, os dados das duas etapas utilizadas nesta tese, foram analisados como dados
transversais. Em cada artigo, buscou-se conhecer a prevalência de TEPT e de violência
(outros eventos adversos de vida são avaliados no artigo 1). Esse tipo de desenho
transversal permite fazer um estudo de associação entre diferentes constructos, não
sendo possível realizar inferências causais154.
Os dados da etapa de 2005 foram obtidos a partir do relato dos pais ou responsáveis,
principalmente a mãe. Na etapa de 2008, tanto a mãe quanto as crianças responderam a
versões específicas do questionário. Nos dois anos investigados, foram indagados
distintos instrumentos de aferição, descritos mais adiante neste capítulo.
2005 - AMOSTRA
Esta etapa da investigação teve como principal objetivo avaliar os problemas de saúde
mental e a vivência de violência familiar.
iii
Ao longo da pesquisa a duração do ensino fundamental brasileiro aumentou, passando de oito para
nove anos, ao se agregar a fase de alfabetização. Desta forma, os alunos de 1ª série avaliados em 2005
passaram a ser considerados como matriculados no 2o ano do ensino fundamental no ano de 2005.
53
as unidades primárias (UPA) são as escolas, as unidades secundárias (USA) são as
turmas de 1ª série e as unidades terciárias (UTA) são os alunos.
Para a análise dos dados, foi realizada expansão da amostra com a finalidade de
possibilitar que a amostra de alunos de 1ª série do município de São Gonçalo represente
a população de mesmo segmento. Para tal, foram calculados os pesos de cada aluno,
selecionado para o estudo, segundo a alocação em cada uma das unidades de
amostragem (escola, turma e alunos). Assim, todas as informações dos alunos
apresentadas nos artigos 1 e 2 estão ponderadas de acordo com o peso amostral
calculado, considerando todas as etapas de seleção, permitindo a análise das estimativas
“expandidas” para toda a população de interesse155.
54
Os pesos foram calculados pelo inverso das probabilidades de inclusão dos elementos
na amostra ( i)iv.
2008 - AMOSTRA
Esta etapa teve como foco a investigação das relações existentes entre a violência
comunitária e a saúde mental das crianças. O trabalho de campo de acompanhamento
das crianças, realizado em 2008 obteve êxito, localizando e contando com a participação
de 447 responsáveis das 500 crianças que iniciaram o acompanhamento em 2005
(89,4%). Entretanto, somente 434 crianças das 500 crianças preencheram a versão do
questionário desenvolvido para crianças, correspondendo a 86,8% do total avaliado em
2005. Houve, portanto, 66 perdas de crianças em 2008, em relação às 500 crianças que
entraram no estudo em 2005 (algumas delas já haviam sido perdidas do estudo na etapa
2, em 2006).
Houve dificuldade quanto à localização das crianças da primeira fase do estudo nas
outras etapas, pois elas estavam dispersas em 87 escolas no município de SG e em
outras da região metropolitana do Rio de Janeiro. Vale ressaltar que as entrevistas foram
feitas em diversos bairros do município do Rio de Janeiro, em Maricá, Tanguá, Itaboraí
e Magé. Sete entrevistas foram feitas por telefone com mães, especialmente por motivo
iv
n é o número de escolas sorteadas, Xi são as quantidades de alunos na escola i, X é o número total de
alunos no município de São Gonçalo (6589), mi é o número de turmas amostradas na escola i, Mi é total
de turmas nesta escola, ti é o número de alunos que foram selecionados por escola (fixado em 10) e Ti é o
número total de alunos na turma selecionada.
55
de mudança para outros estados do Brasil. A localização das crianças nas redes de
ensino municipal e estadual de SG demandou um longo período de busca em que
contamos com o apoio de pessoal administrativo da Secretaria Municipal de Educação
para efetuar a localização da criança.
Outro fator que dificultou a realização do trabalho de campo foi a recusa da realização
da pesquisa em algumas escolas estaduais para as quais alguns alunos haviam sido
transferidos, e que desconheciam a pesquisa que, até então, só estava acontecendo em
escolas municipais.
57
16 anos de escolas públicas e particulares de Pelotas/RS. É composto por 13 subtestes
que compõem o QI total, considerado mais fidedigno e válido165. Está subdivido em
duas escalas, que permitem aferir:
Na primeira etapa da pesquisa (2005) foi aplicado o WISC completo (12 testes, com
exceção do teste suplementar “labirinto”) em 26 crianças e o WISC reduzido em 459,
com vistas a avaliar a correlação existente entre o subteste total e o reduzido. A
correlação observada, assim como as médias e desvios padrões constatados encontram-
se próximos ao descrito na literatura.
Para efetuar a aplicação do WISC III, foi realizado treinamento de cinco pesquisadoras
(psicólogas) com uma supervisora (também psicóloga) com excelência na aplicação
deste teste em população infantil de distintos estratos sociais. Cada pesquisadora foi
treinada para anotar a resposta literal da criança para cada um dos itens e/ou o tempo de
execução. Para avaliar melhor a aplicação do teste e aferir a concordância dos resultados
58
entre aplicadores, foi realizada a codificação do teste por dois profissionais. As dúvidas
nos escores atribuídos a um determinado item eram sanadas em reuniões periódicas. A
única codificadora deste instrumento era responsável por analisar todas as respostas e,
caso houvesse discordância nos escores atribuídos entre os aplicadores para uma dada
resposta, separava novamente as dúvidas para reunião com todo o grupo e, em último
caso, para a supervisora. Os resultados de cada item dos testes foram digitados e o
resultado destes foi obtido computacionalmente (escores brutos). Posteriormente, os
escores brutos foram convertidos em ponderados conforme a idade da criança (valores
padronizados pelo teste para amostras brasileiras).
Eventos adversos de vida. Duas escalas foram utilizadas na investigação dos eventos
de vida, baseados em Pitzner e Drummond160 e Trombeta e Guzzo2. Contemplam as
seguintes situações ocorridas na família: ocorrência de morte de pai, mãe ou irmão da
criança; na família acontecem/aconteceram problemas de álcool ou drogas; a criança já
59
ficou muito doente e teve que receber cuidados médicos; a criança ou alguém de sua
família já foi seqüestrada; a criança já soube que ela ou alguém de sua família estava
sob risco de vida; a criança já sofreu ou viu alguém de sua família passar por tratamento
médico muito doloroso e assustador; a criança já foi hospitalizada; a criança já
vivenciou acidentes graves de carro ou ônibus; a criança já recebeu alguma notícia
muito ruim e inesperada, do tipo morte, doença grave de alguém querido; a criança já
vivenciou algum desabamento (casa, escola, casa de parentes); a criança já vivenciou
alguma enchente grave (casa, escola, casa de parentes); a criança já vivenciou incêndios
graves (casa, escola, casa de parentes).
Na escola, foi aferido se alguém já tirou à força dinheiro ou alguma coisa da criança..
Na comunidade, perguntou-se se a criança já viu alguém ser gravemente ferido,
vive/viveu em situação de perigo e insegurança na vizinhança, se alguém já tirou à força
dinheiro ou alguma coisa da criança na comunidade, se teve sua casa assaltada ou
roubada ou se viu alguém roubando ou atirando em outras pessoas.
Agressão verbal (ou simbólica): uso de meios simbólicos ou verbais para ferir
ou agredir a criança como: xingar ou insultar, ficar emburrado, chorar, fazer
coisas para irritar, destruir, bater ou chutar objetos;
Violência física severa: atos com alto potencial de ferir a criança: chutar, morder
ou dar murros, tentar bater com objetos, espancar, ameaçar ou usar arma ou faca.
Em um estudo realizado com 1.923 adolescentes escolares de São Gonçalo, bons dados
psicométricos foram verificados: alfa de Cronbach de 0,93 para a violência cometida
60
pelo pai e 0,83 pela mãe; ICC de 0,79 e 0,84 e kappa substancial e moderado,
respectivamente, para a escala de violência física total. Na validade de constructo, os
tipos de violência se correlacionaram entre si148.
61
Transtorno de Estresse Pós-Traumático. Child Behavior Checklist (CBCL),
inventário que se destaca pela sua grande utilização no cenário de pesquisa (traduzido
para mais de 30 idiomas), pelo rigor metodológico com que foi elaborado, por seu valor
em pesquisa e utilidade na prática clínica. É composta por um conjunto de escalas
construídas por Thomas M. Achenbach, em 1991, para a investigação de competência
social e problemas de comportamento ocorridos nos últimos seis meses, a partir do
relato dos pais/responsáveis de crianças de 4 a 18 anos. Esse instrumento faz parte do
Achenbach System of Empirically Based Assessment (ASEBA), composto também por
instrumentos aplicados a professores (TRF) e às crianças/adolescentes (YSR), e criados
a partir de pesquisas desenvolvidas pelo autor desde a década de 60. A versão utilizada,
do ano de 2001, refere-se às crianças de 6 a 18 anos, que inclui a faixa etária
estudada162.
Para aferir TEPT, 20 itens da CBCL foram utilizados de acordo com outros trabalhos
internacionais122,123, apresentados no quadro 4. Como se pode observar, a escala
TEPT/CBCL incorpora itens que compõem várias outras escalas de síndromes:
ansiedade/depressão, retraimento/depressão, queixas somáticas, comportamento
agressivo, problemas sociais, com o pensamento e com a atenção. São itens que não
necessariamente fazem parte do diagnóstico de TEPT, porém, correntemente, costumam
ocorrer em conjunto com os sintomas de TEPT, como por exemplo, as queixas
somáticas.
A estratégia de utilizar a escala TEPT/CBCL foi definida uma vez que não existem
escalas internacionais, nem tampouco nacionais, estudadas em amostras de crianças
brasileiras. Além disso, o Centro Latino-Americano de Estudos de Violências e Saúde
Jorge Careli (CLAVES), responsável pela condução do trabalho cujos dados esta tese
62
utiliza, já vem estudando a CBCL em contextos similares, reconhecendo a sua
efetividade no rastreamento de problemas emocionais e comportamentais. A utilização
da TEPT/CBCL é pertinente, uma vez que, a CBCL já vem sendo estudada no contexto
nacional indicando boas propriedades psicométricas, além de ser estudada com fins
variados, inclusive, internacionalmente, na aferição dos sintomas de estresse pós-
traumático.
63
Wolfe, Gentile e Wolfe122 testando a validade discriminante, constataram frágeis
resultados, uma vez que crianças com altos escores na TEPT-CBCL o tiveram também
nas outras subescalas da CBCL, como por exemplo, com os problemas internalizantes e
externalizantes, com os problemas sexuais, com a atenção, e na comparação do grupo de
crianças sexualmente abusadas e não abusadas. Os autores ressaltam que essa alta
correlação se deve, em parte, ao efeito dos escores da correlação para os 20 itens sobre o
CBCL-TEPT entre si. No entanto, no trabalho de Wolfe et al.122, escores da TEPT-
CBCL relacionaram-se ao status de TEPT encontrados na avaliação realizada através do
KSADS-Ev. Adicionalmente, as taxas para muitos itens diferenciaram
significativamente entre os indivíduos com e sem o diagnóstico de TEPT, o que
corrobora com boa validade concorrente. Por outro lado, foram relativamente fracas as
estimativas de especificidade e sensibilidade. Especificamente, embora o total dos
escores de TEPT tenha diferenciado para crianças abusadas sexualmente quando
comparadas com aquelas não abusadas, elas não diferenciaram em comparação àquelas
com problemas psiquiátricos não abusadas sexualmente. Os achados desse trabalho
precisam ser avaliados levando em consideração não terem abordado outros eventos
traumáticos que não o abuso sexual.
v
Na presente pesquisa, não foi utilizada a versão KSADS-E e, sim, a KSADS-PL (Schedule for
Affective Disorders and Schizophrenia for School Age Children – present and lifetime), protocolo clínico
com entrevista semi-estruturada com o responsável da criança e ela própria, visando identificar
diagnósticos de psicopatologia na faixa etária de 6 a 18 anos no presente e ao longo da vida. Subdivide-se
em 3 partes que objetivam captar diagnóstico psiquiátrico atual e de toda a vida da criança. A primeira
parte consiste em dados demográficos, história geral de saúde, desenvolvimento, histórico de abuso,
histórico psiquiátrico, background escolar e relações sociais (informações coletadas no questionário mais
geral da pesquisa). A segunda parte consiste numa lista de 82 sintomas-chave para os episódios em
diferentes áreas diagnósticas (transtornos depressivos, mania, psicose, transtorno de pânico, de ansiedade
de separação, de evitação/fobia social, evitação da infância, fobia social, agorafobia e fobia específica,
ansiedade excessiva/transtorno de ansiedade generalizada, obsessivo-compulsivo, enurese, encoprese,
anorexia nervosa, bulimia nervosa, déficit de atenção/hiperatividade, opositivo-desafiador, de conduta,
transtornos de tiques, uso de cigarro ou tabaco, abuso de álcool, abuso de outras substâncias e estresse
pós-traumático). A terceira parte consiste em 5 diagnósticos suplementares (a desordem afetiva, psicose,
ansiedade, comportamental, abuso de substância/outras desordens) que compreendem diagnósticos
confirmatórios, onde o escore foi positivo na parte 2. A pontuação leva em conta a gravidade e a
freqüência para todos os sintomas. A versão utilizada é a empregada em centros especializados de
referência do Rio de Janeiro, para fim de diagnóstico psiquiátrico clínico.
64
apropriado para esta escala era 9. Partindo desse referencial, identificou-se 75% de
todos os verdadeiros positivos (sensibilidade) e 84,4% de todos os verdadeiros
negativos (especificidade). Além disso, 63% das crianças, com escores maior ou igual a
9, foram diagnosticadas com TEPT (valor preditivo positivo), e 90% das crianças
abaixo desse valor não tinham TEPT (valor preditivo negativo). Os dados dessa amostra
demostram que apenas o uso desse instrumento para diagnosticar TEPT pode deixar de
fora casos verdadeiros e diagnosticar incorretamente não casos. Outro ponto a ser
debatido é que itens da TEPT-CBCL não são de diagnóstico para TEPT, mas possuem
validade face à sintomatologia de TEPT.
vi
O escore T é uma estatística definida por 50 pontos mais 10 vezes o valor obtido do escore
bruto pela normal padronizada (com média zero e desvio-padrão 1). Desta forma, podem-se comparar os
resultados obtidos com aqueles da amostra “saudável” obtida por Achenbach, baseando-se nos percentis.
As regras para a construção dos pontos de corte que definem os grupos clínico, limítrofe e normal são
baseadas nos dados amostrais de duas populações de mesmo grupo etário: uma proveniente de centros de
saúde mental e outra de crianças consideradas de referência (não-clínicas) por Achenbach. A
diferenciação dos casos limítrofes tende a trazer crianças com escores altos demais para serem
consideradas normais, embora estas crianças não alcancem valores elevados o suficiente para serem
classificadas como clínicas. Essa escala é construída a partir da soma dos escores dos itens
correspondentes.
vii
Em conversa pessoal com o autor da escala houve indagação sobre a possibilidade de aplicar o
instrumento em crianças entre 9 (1,7% do total de crianças em 2008) e 10 anos (39,4%). O autor
respondeu que essa possibilidade tem sido realizada em alguns países, desde que aplicado por
65
responsáveis) e TRF (direcionada aos professores). As mesmas escalas de sintomas
comportamentais aferidas na CBCL e TRF existem na YSR, cuja análise é realizada da
mesma forma e com os mesmos escores T já sinalizados para a CBCL.
Da mesma forma que o TEPT foi analisado a partir da CBCL, procedeu-se a análise dos
mesmos 20 itens presentes na YSR (quadro 5). Os itens são similares e só tem pequenas
alterações nos pronomes de tratamento, pois na CBCL a pergunta é dirigida aos pais e
questiona sobre a criança, enquanto a YSR a questão é feita diretamente ao aluno. Os
pontos de corte utilizados são idênticos aos da análise da CBCL.
entrevistador (e não por auto preenchimento), visando suprir dificuldades de compreensão ainda
freqüentes nesta faixa etária.
66
maior de rastreamento de casos a partir de sintomas variados, e por não serem
específicas para a avaliação do transtorno.
67
A amostra foi dimensionada para obter estimativas de proporção, com erro absoluto de
1,3%, nível de confiança de 95%, ao assumir proporção de 2,3%viii da ocorrência de
TEPT em crianças. No presente estudo, utilizou-se amostragem por conglomerados em
dois estágios: 1ª estágio - escolha das escolas, com probabilidade de seleção
proporcional à quantidade de alunos (PPT sistemática) de 9° ano em cada um dos 14
estratos. O tamanho amostral foi distribuído de forma proporcional ao tamanho do
estrato; 2ª estágio - turmas foram selecionadas aleatoriamente, dentro da escola, para a
aplicação do questionário em todos os alunos.
O plano amostral foi, assim, delineado com o objetivo de encontrar menor tamanho
amostral com maior precisão e poder de inferência para a população de alunos de 9º ano
de São Gonçalo. Entretanto, devido o tipo de amostragem não ser aleatória simples
(AAS), incluiu-se um efeito de desenho de 2, a fim de se manter o mesmo nível de
precisão de uma AASix.
A distribuição do número de alunos pelos estratos e escolas foi fornecida por cada uma
das Secretarias Municipal e Estadual de Educação para o ano de 2008 (último ano
disponível). Uma das dificuldades encontradas para a seleção da amostra foi a
inexistência do número de alunos por turma, somente sendo disponível o número de
alunos e de turmas por escola. Portanto, na seleção amostral, considerou-se a média de
alunos por turma, quando necessário.
Para a seleção amostral das escolas e turmas foi empregado o software R 2.11.1 e os
pacotes pps e sampling.
Todos os alunos presentes nas turmas e autorizados pelos pais participaram da pesquisa
(tabela 1), mas apenas estão analisados neste relatório os alunos entre 13 e 19 anos de
viii
Prevalência de TEPT ainda não publicada, fornecida por um dos autores da pesquisa “Violence and
post-traumatic stress disorder in São Paulo and Rio de Janeiro, Brazil” (Andreoli et al, 2009) para a
faixa etária de 14 a 19 anos.
ix
deff é o efeito do desenho, 1,96 é a abscissa da curva normal correspondente a um nível de significância
de 5% e teste bilateral, π é a proporção esperada de TEPT, N é o tamanho da população e e é o erro
absoluto (Luiz RR, Magnanini MMF. A lógica da determinação do tamanho da amostra em investigações
epidemiológicas. Cadernos Saúde Coletiva(Rio de Janeiro).2000; 8( 2): 9-28)
68
idade com ocorrência de eventos de vida adversos, isto é, se marcaram algum item na
parte I da Escala UCLA PTSD Reaction Index, conforme descrito mais adiante.
Participaram da amostra 43 escolas públicas e 30 particulares, contando, em geral, com
duas turmas por escola. Sete escolas particulares se recusaram a participar da pesquisa,
justificado pela falta de tempo no calendário escolar. Duas escolas particulares
selecionadas optaram por enviar aos pais uma circular da própria escola explicando o
objetivo da pesquisa, a fim de evitar possíveis problemas com os familiares. Já nas
escolas públicas não houve qualquer problema em relação à autorização da pesquisa na
escola, já que havia a autorização prévia da Secretaria Municipal e Estadual de
Educação.
69
à tese aqui apresentada). No total das perdas, a não autorização foi formalmente
relatada por 120 pais/responsáveis que não aceitaram a participação dos filhos no estudo
(56 da rede pública e 64 da particular), o que corresponde a 10,6% das perdas
existentes. A aceitação dos adolescentes à pesquisa mostrou-se maior na rede particular
de ensino (40,7%) do que na rede pública - 28,7%.
INSTRUMENTOS
70
destas escolas responderam ao questionário duas vezes consecutivas, num intervalo de
sete dias, visando testar sua confiabilidade.
O instrumento é composto por muitos temas e escalas. Nesta tese são analisados itens
referentes: ao perfil do adolescente (sexo, idade, cor da pele); à estrutura familiar; à
situação socioeconômica (classe social); ao uso de drogas, álcool e cigarro; à vivência
de violências e outros eventos traumáticos e sintomas de transtorno de estresse pós-
traumático (quadro 6).
x
Critério Brasil. Disponível em: www.abep.org/novo/Utils/FileGenerate.ashx?id=46. (2010)
71
violência cometida pela mãe e entre pais (CTS)176. No presente estudo, o Kappa dos
itens desta escala variou entre 0,395 e 0,683. O alfa de Cronbach encontrado foi de
0,930.
Caso tenha vivenciado algum evento, no final da parte I, é solicitado que o adolescente
responda sobre o evento que marcou. Se o adolescente vivenciou mais de um evento, ele
deve escolher o evento que mais o aborrece e responder ao restante da escala tendo
como referência este evento.
A escala pode ser avaliada de duas formas: pelos critérios da DSM-IV ou pelo critério
de severidade. A avaliação pelos critérios da DSM-IV para o TEPT é estabelecido caso
a criança preencha todos os critérios (A, B, C e D) ou um diagnóstico parcial ao
preencher o critério A e mais dois outros critérios (B+C ou B+D ou C+D).
A severidade do transtorno pode ser avaliada pela soma de 17 itens da parte III que
tratam da freqüência dos transtornos de TEPT. Embora a parte III tenha 22 itens,
somente 20 compõem sintomatologia do TEPT. Outros dois itens avaliam
72
características associadas como medo de recorrência e culpa relacionada ao trauma.
Deste modo, a escala com os sintomas contém 20 itens, mas somente 17 correspondem
a critérios da DSM-IV. Três dos sintomas têm duas formulações alternativas, com o
maior escore, sendo usado para calcular o escore total. O escore final corresponde à
soma dos 17 itens válidos; um ponto de corte de 38 ou mais para um incidente
traumático tem uma grande sensibilidade e especificidade para detectar TEPT175. Nesta
tese, foi adotado para a análise o critério de severidade, com o ponto de corte 38.
Em nosso estudo, o alfa de Cronbach para os itens que compõem o escore de gravidade
(critérios B, C e D) foi de 0,886 para a amostra geral; o Kappa por itens variou entre
0,114 e 0,685. Para os itens do critério A, o Kappa variou entre 0,194 e 0,708
Verificando a validade de constructo, foram encontradas correlações significativas com
as escalas de depressão (rho de spearman =0,405; p<0,001) e de ansiedade (rho de
spearman =0,422; p<0,001).
73
em inglês para o português, realizadas de forma independente; (b) essas duas traduções
foram retraduzidas para o português por outros dois tradutores, também
independentemente; (c) avaliação formal por um quinto tradutor, conhecedor da cultura
americana e da área de Saúde Mental, a quem foi concebida a tarefa de avaliar a
equivalência entre o original e cada uma das retraduções, sob a perspectiva do
significado geral e referencial; (d) apreciação da equivalência semântica propriamente
dita178. Os tradutores e retradutores que participaram do processo foram profissionais de
nível superior, com graduação em letras e com especialização na língua inglesa.
Os avaliadores consideraram a grande parte dos itens como inalterados, em seu sentido
geral. No sentido referencial, a maioria dos índices recebidos foi superior a 80% -
apenas 8 do total de 35 questões avaliadas obtiveram avaliação inferior. Considerando
pelo menos um avaliador, dezenove do total dos itens obtiveram concordância pouco ou
completamente alterada. Em geral, a avaliação qualitativa do significado geral segue o
mesmo padrão da apreciação quantitativa.
74
Quadro 7: Escala UCLA PTSD Reaction Index – Versão para o adolescente
14B. Se você respondeu "SIM" a MAIS DE UM item das questões de números 1 a 13,
escreva o número da situação que HOJE EM DIA INCOMODA MAIS
VOCÊ:_____
14C. Há quanto tempo essa situação ruim (sua resposta para questão 14B ou 14C)
aconteceu com você? _______________anos/meses (ESCREVA APENAS OS MESES SE
A SITUAÇÃO OCORREU HÁ MENOS DE 1 ANO)
75
14D. Por favor, escreva o que aconteceu na situação indicada na questão 14B ou 14C:
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
A seguir há uma lista de problemas que pessoas, às vezes, enfrentam depois que
situações muito ruins acontecem. Por favor, PENSE nas situações ruins que
aconteceram com você e que você mencionou na Questão 14. POR FAVOR,
CERTIFIQUE-SE DE QUE RESPONDEU A TODAS AS QUESTÕES.
76
14) Eu acho que parte do que aconteceu foi minha culpa.
15) Eu tenho dificuldades em lembrar partes importantes do que aconteceu.
16) Eu tenho dificuldades em me concentrar e prestar atenção.
17) Eu tento ficar distante de pessoas, lugares ou situações que me façam lembrar o que
aconteceu.
18) Quando algo me lembra o que aconteceu, sinto fortes sensações no meu corpo,
como, por exemplo, meu coração acelera, sinto dor de cabeça ou dor de estômago.
19) Eu acho que não vou ter uma vida longa.
20) Eu tenho discussões e brigas corporais.
21) Eu me sinto pessimista ou negativo sobre meu futuro.
22) Tenho medo de que situações ruins aconteçam novamente.
Os resultados da escala UCLA/PTSD Reaction Index são apresentados como TEPT, tal
qual sugerido pelos autores para descrever os critérios de severidade179. De maneira
geral, percebe-se ampla variação na forma de expor os resultados dessa escala, tais
como TEPT provável e sintomas de TEPT117,180.
APLICAÇÃO DO INSTRUMENTO
77
c) viabilização de contato telefônico institucional e endereço eletrônico para os pais e
para os adolescentes. Foi confeccionado e distribuído aos adolescentes um adesivo com
esses dados além de um folder explicativo aos pais/responsáveis (ver anexo);
79
ARTIGO 2: VIOLÊNCIA COMUNITÁRIA E TRANSTORNO DE ESTRESSE PÓS-
TRAUMÁTICO EM CRIANÇAS E ADOLESCENTES. Encaminhado para a revista:
“Psicologia: Reflexão e Crítica”.
RESUMO: O artigo tem como objetivo analisar a associação entre exposição à violência
comunitária e o transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) ajustado por gênero e
faixa etária entre crianças e adolescentes de escolas públicas de São Gonçalo/RJ. Foram
participantes deste estudo 399 crianças e adolescentes (idade média de 10,6 anos). Para
avaliar os sintomas de TEPT, foi utilizado a Youth Self-Report (YSR), de acordo com a
proposta dos autores Wolfe et al (1989) e Ruggiero e Mc Leer (2000) para a CBCL-
TEPT. A prevalência total de sintomas de TEPT nas crianças e adolescentes é de 9,5%,
com maior prevalência entre meninas (12,6% contra 6,5% entre meninos). No modelo
multivariado, destaca-se que as crianças menores de 10 anos têm duas vezes mais
chances de desenvolverem sintomas deste transtorno que as mais velhas e que quanto
maior a exposição à violência comunitária, maiores as chances de surgimento de
sintomas de TEPT.
COMUNITÁRIA EM ADOLESCENTES
RESUMO: Este artigo tem como objetivo analisar a associação entre exposição à
violência familiar, violência comunitária e o Transtorno de Estresse Pós-Traumático
(TEPT) entre adolescentes de escolas públicas e particulares de São Gonçalo/RJ.
Participaram da análise deste artigo 889 adolescentes com idade média de 14,52 anos.
Para avaliar os sintomas de TEPT, foi utilizada a escala UCLA PTSD Reaction Index
(versão para adolescentes). A prevalência total de sintomas de TEPT para os
adolescentes é de 7,5%, com maior prevalência entre meninas (9,1%) do que os
meninos (4,7%). No modelo multivariado, destaca-se que as famílias com a presença de
padrasto ou madrasta ou apenas um dos pais tem maiores chances de apresentar o
TEPT. Neste modelo, também percebeu-se que a exposição à violência na família e/ou
na comunidade eleva as chances de apresentar o transtorno entre os adolescentes. As
chances se tornam mais elevadas na exposição a ambas as formas de violência quando
comparadas com os adolescentes que não foram expostos à violência.
80
Capítulo 4
Resultados
81
Violência e Transtorno de Estresse Pós-Traumático na infância
I
Centro Latino-Americano de Estudos de Violência e Saúde Jorge Careli (CLAVES). ENSP.
Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).Av. Brasil 4036 sala 700 - Manguinhos, Rio de Janeiro,
E-mail liana@claves.fiocruz.br
2
Instituto de Pesquisa Clínica Evandro Chagas (IPEC). Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Rio de
Abstract
82
Resumo
Introdução
desenvolvimento humano. Nas grandes cidades do país, sete em cada dez mortes de
psiquiátricos2,3.
No Brasil, poucos estudos têm sido realizados sobre a associação entre violência
83
familiar, observaram associação entre vitimização por violência e ocorrência de
ameaçador à vida. Três grandes grupos de sintomas são apontados: (1) revivência do
tudo que lembre o evento, sensação de afastamento em relação a outras pessoas; entre
84
como, por exemplo, sonhos com monstros e de salvamentos de si próprio ou de outros.
O sentimento de futuro abreviado pode se expressar na idéia que a própria criança tem
de que ela não chegará à idade adulta. O trauma pode ser revivido através da re-
físicos como dores estomacais e de cabeça. Apesar das observações para o TEPT
variadas para a fase adulta após eventos ameaçadores, com proporções de 26% até 90%,
5% a 10%9. Há, no Brasil, ainda uma escassez de estudos de base populacional sobre
agressões físicas graves, abuso sexual, tortura, ameaças à vida da pessoa ou de alguém
escolar11.
85
O objetivo deste trabalho é o de estimar a magnitude dos sintomas de TEPT em
Métodos
Janeiro4.
DEFINIÇÃO DA AMOSTRA
número de alunos de cada escola como variável auxiliar a seleção das unidades. Foram
aleatório de 10 alunos para cada uma destas turmas, totalizando 500 alunos amostrados.
Como apenas era conhecido, por escola, o número total de alunos e de turmas de
primeira série, realizou-se um sorteio através desta média. Fixou-se a amostra em 500
de 5%, com nível de confiança de 98%. Em função da ausência de listas nominais dos
86
Como critério de exclusão da pesquisa, adotou-se a ausência dos responsáveis à
listas conterem muitos erros, não havendo aluno no número sorteado. Agregando estes
dois aspectos, um total de 35% dos alunos da amostra original foram substituídos.
Estão excluídas da análise deste artigo: 15 crianças que não realizaram o teste
WISC III (Escala de Inteligência Wechsler para Crianças) em sua versão reduzida e 20
crianças com nível de inteligência intelectualmente deficiente, por ser difícil avaliar
dessas perdas mencionadas foram excluídas do artigo as crianças com dados faltantes
INSTRUMENTOS UTILIZADOS
consumo, a partir de indicadores como televisão a cores, banheiro, automóvel. Tem alta
87
correlação com a renda familiar. Nesta pesquisa, definiram-se dois estratos: alto/médio
violência física severa, agressão verbal e violência muito severa. A escala foi aplicada
na íntegra, embora neste artigo sejam apresentadas apenas duas sub-escalas de violência
opções de resposta: nunca, algumas e muitas vezes. Uma resposta positiva configura a
- ILANUD/ONU15 composto por oito itens, que avaliam se a criança já sofreu violência
alguma coisa sua, se já conviveu com pessoas que carregam armas brancas ou de fogo,
se já foi furtado e/ou roubado. Pelo menos um item positivo na escola ou comunidade
para a habilidade visual e motora16. Foi aplicada a versão reduzida, composta pelos sub-
testes vocabulário (QI verbal) e cubos (QI de execução). O WISC completo foi aplicado
88
entre a versão completa e a reduzida de: 0,85 QI total; 0,88 QI verbal; e 0,83 QI de
buscar ajuda uns nos outros; não conversam sobre a tristeza que sentem. Opções de
funcionamento familiar foi definido pelas crianças cujos resultados estavam na faixa de
- ENVOLVIMENTO PARENTAL: composto por seis itens que aferem a freqüência (sempre,
muitas vezes, poucas vezes e nunca) com que os responsáveis elogiam, conversam ou
brincam, dão atenção e riem com as crianças. Maiores escores significam a existência
definido pelas crianças cujos resultados estavam na faixa de um desvio padrão abaixo
da média.
família. As opções de resposta para esses itens de relacionamento são: bom, regular e
ruim.
- USO DE DROGAS PELO PAI/MÃE NO ÚLTIMO ANO, categorizado como ausência ou presença
pasta de coca.
89
- TEPT/CHILD BEHAVIOR CHECKLIST (CBCL): aferido por 20 itens que compõem a
faixa etária de 6 a 18 anos23. Tem como opções de resposta falso; pouco verdadeiro;
muito verdadeiro, com escores variando de 0 a 2. A escala bruta é composta pela soma
dos escores dos 20 itens, sendo então padronizada através do escore T para a definição
cometida pelo pai (0.089) e pela mãe (0.193), violência na escola (0.279), mais precário
crianças de São Gonçalo que fazem parte do estudo, através da aplicação por psiquiatra
90
Schizophrenia for School-Age Children: Present and Lifetime Version (KSADS-PL)26;
de 73%.
padrão de 2,8); b) o escore médio obtido na TEPT-CBCL dentre as crianças sem TEPT
transtornos emocionais e não apenas TEPT. Por outro lado, estes autores constaram
escala K-SADS-PL.
91
graus de liberdade (gl=1), foi empregado um teste alternativo denominado exato de
Fisher. Devido à natureza não-paramétrica do teste, este teste também foi empregado
Wald tipo III (nível de significância de 5%) foi o critério definido para a seleção das
desfecho foi avaliado através de uma variável dicotômica, atribuindo escore 1 quando a
contrário.
Lemeshow foi realizado no modelo final, não encontrando perda da qualidade de ajuste
(p >0.05). Os resultados foram expressos através das odds ratios (OR) e seus respectivos
intervalos de confiança.
modelo composto por menos variáveis do que o realizado. Para isso se utilizaram os
92
resultados da modelagem univariada. Testou-se o modelo logístico de forma
Resultados
E) foram predominantes (94,6% das crianças) e crianças com cor de pele parda tiveram
maior freqüência (54,9% das crianças), seguida pela cor de pele branca (33,3%).
nível clínico.
Argumenta muito (apresenta argumentos para não fazer o que se espera que ele faça) 65,2 60,6 -69,5
É distraído, não consegue prestar atenção por muito tempo 61,7 57,1 -66,2
É medroso ou ansioso demais 60,6 56.0 -65,1
É nervoso (a) ou tenso (a) 58,7 54,1 -63,2
Fica grudado nos adultos, é muito dependente 44,7 40,1 -49,4
É mal humorado, irrita-se com facilidade 43,0 38,5 -47.7
É reservado(a), fechado, não conta suas coisas para ninguém 39,6 35,1 -44,2
Tem mudanças repentinas de humor ou de sentimentos 31,8 27.6 -36,3
Tem pesadelos 29,9 25,8 -34,3
Tem medo de pensar ou fazer algo destrutivo (contra si e contra outros) 21,9 18,2 -26,0
É infeliz, triste ou deprimido (a) 18,7 15,3 -22,6
Tem dores de cabeça (problemas físicos por “nervoso” - sem causa médica) 17,4 14,1 -21.2
Acha que os outros o (a) perseguem 12,7 9,8 -16.1
Sente-se excessivamente culpado (a) 10,5 7.9 -13.7
Tem problemas com o sono 10,3 7,7 -13,5
É retraído, não se relaciona com os outros 10,3 7,7 -13,5
Não consegue tirar certos pensamentos da cabeça (Obsessões) 9,9 7,3 -13,0
7,0 -12.5
Tem dores de estômago/ barriga (problemas físicos por “nervoso” - sem causa médica) 9,4
Tem vômitos (problemas físicos por “nervoso” - sem causa médica) 3,4 2,0 -5,5
Tem náuseas, enjôos (problemas físicos por “nervoso” - sem causa médica) 3,2 1.8 -5,3
93
Na tabela 1 encontram-se os itens que compõem a TEPT-CBCL, a prevalência e
aumentada.
(raça, cor da pele, classe social) não apresentaram associação estatística significativa
com a sintomatologia.
94
TABELA 2: Distribuição dos fatores relacionados à criança, eventos adversos, adversidades na família e
fatores familiares segundo ausência ou presença de TEPT
TEPT CATEGORIZADO P-valor
Ausência Presença
Criança
Sexo Masculino (N=236 – 50,8%) 207 29 0,298
49,9% 58,0%
Feminino (N=229 – 208 21
50,1% 42,0%
49,2%)
95
dinheiro ou alguma 97,8% 92,0%
coisa da < criança> Presença (N=13 – 2,8%) 9 4
na escola? 2,2% 8,0%
Alguém tirou à força Ausência (N=451 – 97,2%) 410 47 0,030
dinheiro ou alguma 99,0% 94,0%
coisa da < criança> Presença (N=13 – 2,8%) 4 3
na comunidade?
1,0% 6,0%
Seqüestro da criança Ausência (N=451 – 97,6%) 403 48 0,671
ou de familiar 97,6% 98,0%
Presença (N=11 – 2,4%) 10 1
2,4% 2,0%
Vivenciar Ausência (N=444 – 95,9%) 398 46 0,138
desabamento (casa, 96,4% 92,0%
escola, casa de Presença (N=19 – 4,1%) 15 4
parentes)
3,6% 8,0%
Vivenciar enchente Ausência (N=405 – 87,9%) 364 41 0,174
grave (casa, escola, 88,6% 82,0%
casa de parentes). Presença (N=56 -12,1%) 47 9
11,4% 18,0%
Vivenciar incêndios Ausência (N=450 – 97,4%) 402 48 0,628
graves (casa, escola, 97,6% 96,0%
casa de parentes) Presença (N=12 – 2,6%) 10 2
2,4% 4,0%
Ver alguém ser Ausência (N=411 – 89%) 371 40 0,051
gravemente ferido. 90,0% 80,0%
Presença (N=51 – 11%) 41 10
10,0% 20,0%
Viver situação de Ausência (N=395 – 85,1%) 356 39 0,142
perigo e insegurança 86,0% 78,0%
na vizinhança Presença (N=69 – 14,9%) 58 11
14,0% 22,0%
Ver alguém Ausência (N=416 – 89,7%) 375 41 0,081
roubando ou atirando 90,6% 82,0%
em outra pessoa Presença (N=48 – 10,3%) 39 9
9,4% 18,0%
Ter casa assaltada Ausência (N=454 – 97,8%) 404 50 0,610
ou roubada 97,6% 100,0%
Presença (N=10 – 2,2%) 10 0
2,4% 0,0%
96
Presença (N=50 – 10,8%) 44 6
10,6% 12,0%
Notícia muito ruim e Ausência (N=260 – 56%) 242 18 0,004
inesperada de morte, 58,5% 36,0%
doença grave de Presença (N=204 – 33%) 172 32
alguém querido
41,5% 64,0%
Agressão verbal do Ausência (N=154 – 36,9%) 142 12 0,188
pai sobre a criança 38,1% 27,3%
Presença (N=263 – 63,1%) 231 32
61,9% 72,7%
Agressão verbal da Ausência (N=85 – 18,6%) 83 2 0,003
mãe sobre a criança 20,4% 4,1%
Presença (N=371 – 81,4%) 324 47
79,6% 95,9%
Violência severa do Ausência (N=312 – 74,5%) 282 30 0,209
pai contra a criança 75,4% 66,7%
Presença (N=107 – 25,5%) 92 15
24,6% 33,3%
Violência severa da Ausência (N=190 – 41,8%) 184 6 0,000
mãe contra a criança 45,3% 12,2%
Presença (N=265 – 58,2%) 222 43
54,7% 87,8%
Agressão verbal do Ausência (N=68 – 16,8%) 62 6 0,672
pai sobre a mãe 17,2% 13,6%
Presença (N=336– 83,2%) 298 38
82,8% 86,4%
Violência severa da Ausência (N=313 – 78,6%) 281 32 0,330
mãe sobre o pai 79,4% 72,7%
Presença (N=85 – 21,4%) 73 12
20,6% 27,3%
Violência severa do Ausência (N=309 – 77,3%) 279 30 0,131
pai contra a mãe 78,4% 68,2%
Presença (N=91 – 22,8%) 77 14
21,6% 31,8%
Agressão/ violência Ausência (N=237 – 52,5%) 220 17 0,020
entre irmãos 54,5% 36,2%
Presença (N=214 – 47,5%) 184 30
45,5% 63,8%
Ficar muito doente e Ausência (N=245 – 52%) 226 19 0,035
receber cuidados 54,6% 38,0%
médicos Presença (N=219 – 47,2%) 188 31
45,4% 62,0%
Tratamento médico Ausência (N=352 – 76%) 320 32 0,052
dolorido e assustador 77,5% 64,0%
para criança ou Presença (N=111 – 24%) 93 18
familiar
22,5% 36,0%
Hospitalização da Ausência (N=276 – 59,7%) 251 25 0,169
criança 60,9% 50,0%
Presença (N=186 – 40,3%) 161 25
39,1% 50,0%
Criança ou familiar Ausência (N=379 – 81,7%) 346 33 0,006
97
sob risco de vida 83,6% 66,0%
Presença (N=85 – 18,3%) 68 17
16,4% 34,0%
Fatores relacionados à família
Estrutura Familiar Pai e Mãe (N=248 – 53,7%) 222 26 0,201
53,9% 52,0%
Pai e Madrasta ou Mãe e 72 11
Padrasto (N=83 – 18%) 17,5% 22,0%
Só com um dos pais (N=114 105 9
– 24,7%) 25,5% 18,0%
Sem pai e Sem Mãe (N=17 – 13 4
3,7%) 3,2% 8,0%
Funcionamento Ausência (N=66 – 15,8%) 47 19 0,000
familiar 12,7% 40,4%
Presença (N=351 – 84,2%) 323 28
87,3% 59,6%
Envolvimento Ausência (N=62 – 13,8%) 55 7 0,823
parental 13,7% 14,9%
Presença (N=387 – 86,2%) 347 40
86,3% 85,1%
Relacionamento Relacionamento familiar 13 6 0,001
Familiar Regular ou Ruim com todos 3,1% 12,0%
(N=19 – 4,1%)
Relacionamento familiar 141 24
Bom com pelo menos um 34,0% 48,0%
(N=165 – 35,6%)
Relacionamento familiar 259 20
Bom com todos (N=279 – 62,7% 40,0%
60,3%)
Apoio de pessoas Sim (N=349 -79,1%) 319 30 0,002
que se sente a 81,4% 61,2%
vontade Nao (N=92 – 20,9%) 73 19
18,6% 38,8%
os grupos de crianças classificadas com e sem sintomas (p<0,05 – teste exato de Fisher/
teste qui-quadrado) estão: alguém ter tirado à força dinheiro ou alguma outra coisa da
de doença grave de alguém querido; agressão verbal e violência severa da mãe sobre a
criança; agressão/ violência entre os irmãos; ficar muito doente e receber cuidados
98
médicos; situação de risco à vida de criança ou familiar; funcionamento e
99
TABELA 3: Razões de chances (OR) brutas e ajustadas pelo modelo logístico para a ocorrência de TEPT
VARIÁVEIS EXPLICATIVAS Razões Intervalo de Razões Intervalo de
TEPT ajustadas confiança brutas(OR) confiança
(N=287) (ORa) (95%) (95%)
Criança
Cor Parda 1.15 0.84-1.57 1.23 1.02-1.48
Negra 4.79 3.21-7.14 1.46 1.12-1.90
Branca 1.00 - 1.00 -
QI execução Limítrofe 0.19 0.10-0.37 0.39 0.28-0.56
Média Inferior/ 0.59 0.37-0.95 0.74 0.57-0.95
Média
Média Superior/ 1.00 - 1.00 -
Muito Superior
Eventos adversos
Vive/viveu em situação de Presença 2.92 2.07-4.12 1.73 1.42-2.11
perigo na vizinhança Ausência 1.00 - 1.00 -
Viu alguém roubando ou Presença 1.94 1.34-2.81 2.13 1.71-2.64
atirando em outra pessoa Ausência 1.00 - 1.00 -
Alguém tirou à força algo/ Sim 3.13 1.77-5.52 3.91 2.81-5.46
dinheiro na escola Não 1.00 - 1.00 -
Alguém tirou à força algo/ Sim 57.54 25.80-128.30 6.55 4.31-9.94
dinheiro na comunidade Não 1.00 - 1.00 -
Adversidades na família
Agressão verbal da mãe Presença 5.07 2.16-11.93 5.99 4.05-8.86
Ausência 1.00 - 1.00 -
Violência severa do pai Presença 1.47 1.10-1.97 1.54 1.28-1.84
Ausência 1.00 - 1.00 -
Violência severa da mãe Presença 17.14 10.38-28.32 5.91 4.65-7.51
Ausência 1.00 - 1.00 -
Violência severa da mãe Presença 0.49 0.34-0.70 1.44 1.18-1.74
sobre o pai Ausência 1.00 - 1.00 -
Violência severa do pai Presença 2.50 1.77-3.52 1.69 1.40-2.04
sobre a mãe Ausência 1.00 - 1.00 -
Violência entre irmãos Presença 1.98 1.45-2.69 2.10 1.77-2.50
Ausência 1.00 - 1.00 -
Recebeu alguma notícia Presença 2.44 1.83-3.27 2.51 2.12-2.96
ruim ou inesperada como Ausência 1.00 - 1.00 -
morte de alguém querido
Uso de droga pelos pais Presença 1.91 1.43-2.54 1.32 1.10-1.57
Ausência 1.00 - 1.00 -
Fatores relacionados à família
Estrutura familiar Sem os pais 17.21 7.66-38.69 2.63 1.90-3.65
Só com um dos 0.94 0.63-1.38 0.73 0.59-0.90
pais
Um dos pais e 1.33 0.92-1.92 1.30 1.06-1.59
companheiro
Pai e mãe 1.00 - 1.00 -
Funcionamento da família Precário 3.67 2.60-5.20 4.66 3.89-5.58
Adequado 1.00 - 1.00 -
Envolvimento parental Precário 0.30 0.20-0.44 1.09 0.87-1.38
Adequado 1.00 - 1.00 -
Relacionamento familiar Regular ou Ruim 3.89 2.31-6.55 5.98 4.46-8.01
com todos
Bom com pelo 2.60 1.96-3.47 2.19 1.85-2.61
menos algum
Bom com todos 1.00 - 1.00 -
Apoio externo Não 2.16 1.64-2.83 2.76 2.33-3.28
Sim 1.00 - 1.00 -
100
Na tabela 3 vê-se que, no modelo ajustado, ser uma criança de cor de pele negra
às crianças brancas.
baixos têm menores chances de apresentar sinais de TEPT comparadas àquelas com
níveis médio superior ou superior, tanto nos dados brutos quanto nos ajustados.
Na dimensão de eventos adversos, nota-se que as crianças que passam por vários
TEPT, estando os maiores valores entre aquelas crianças que sofreu roubo na
comunidade (57,54 vezes), seguidas por sofrer roubo na escola (3.13 vezes), viver em
armas de fogo (1,94). Todos estes eventos estão associados ao maior aparecimento de
sintomatologia, quando comparados a crianças que nunca passaram por tais situações.
violência severa da mãe (17 vezes mais chances do que aquela que não vivencia essa
o filho (5,07 vezes) e a violência severa do pai sobre a mãe (2,50 vezes).
probabilidade (2,44 vezes), violência entre irmãos (1,98 vezes), uso de drogas por um
101
A violência severa da mãe sobre o pai mostra resultado oposto, quando se
violência há menos crianças com sintomas de TEPT (OR 0,49); dentre as que
presenciam a violência do pai sobre a mãe, nota-se mais sintomas de TEPT (OR 2,50).
estrutura familiar com a presença de apenas um dos pais como maior chance de
sintomas de TEPT, quando comparados aos que vivem com ambos os pais (17,21 vezes
mais sintomas).
Nota-se ainda que as crianças com relacionamento familiar regular ou ruim com
todos os familiares (3,89) e aquelas que têm bom relacionamento com apenas um desses
familiares (2,60) possuem mais chances de terem sinais de TEPT do que aquelas com
bom relacionamento familiar com todos os membros da família, tal como afirmado
pelos responsáveis.
(3,67 vezes) do que aquelas crianças com bom funcionamento familiar. Também a
mais comum entre crianças com sintomas de TEPT (2,16 vezes), se comparadas a
se envolvem menos em sua educação têm menos sintomas de TEPT do que as com pais
102
Discussão
crianças estudadas e sinaliza a importância de que os profissionais que lidam com essa
clientela compreendam mais sobre os eventos que podem facilitar com que as crianças
quando comparadas às brancas. Esse resultado pode ser explicado pela presença da
discriminação que provavelmente essas crianças são submetidas. Yasui & Dishion28
relacionam a discriminação sofrida por certos grupos étnicos (negros, por exemplo) à
Pappagallo30 alertam que os resultados de TEPT associados à raça devem ser vistos com
biológica.
103
subjetiva de ameaça. Assim, indivíduos com baixo QI tenderiam a superestimar a
Porém, os autores alertam que as pesquisas existentes da área foram realizadas apenas
com veteranos de guerra, e que são necessárias pesquisas com a população em geral. Há
não é um atributo fixo e imutável, variando de acordo com o ambiente e dos fatores
baixo4.
hierárquico, com destaque para o roubo nesses espaços sociais. Stein el al32 apontam
TEPT. Lloyd & Turner34 também assinalam que histórico de adversidades, mesmo que
104
os eventos não sejam objetivamente considerados traumáticos para o diagnóstico de
TEPT, pode aumentar o risco da doença. Para os autores, eventos como divórcio dos
alto risco de desenvolver uma série de problemas psicológicos, dentre eles o TEPT,
com o desfecho no presente estudo. Levendosky et al36 afirmam que crianças que vivem
Silva, Coelho e Capone38 alertam para os graves problemas de ordem emocional e física
que podem ser ocasionados pela vivência contínua de violência psicológica. Panuzio et
al39 apontam para uma série de estudos que afirmam que a agressão psicológica é um
dos mais robustos preditores para o TEPT, com mais impacto que a violência física
isolada.
Também a violência física severa da mãe mostrou associação com mais elevadas
relação existente entre problemas de saúde mental e a punição física severa de crianças
da cidade de São Paulo (OR 9,1; IC 1,5 – 56,0). Mendlowicz e Figueira41 reafirmam que
105
podem ser mais prejudiciais que aqueles que ocorrem em outras fases da vida, por conta
chances 1,75 vezes maiores, quando comparadas as que não vivenciaram tais violências.
problemas como: elevado consumo de álcool e drogas, prisão de um dos pais, separação
dos pais, morte de um dos pais, número grande de membros, baixo nível educacional e
Presenciar violência do pai contra a mãe também elevou a chance de TEPT entre
doméstica têm maior probabilidade de serem violentas com seus filhos. Já Jarvis,
chances dos escolares apresentarem sintomas de TEPT. Na vida adulta, depois da morte
de uma pessoa significativa, é comum passar por uma fase de luto que normalmente
dura de 1 a 6 meses. Aos poucos, durante esse período o enlutado retorna às suas
106
atividades diárias. Em alguns casos, após a perda de um familiar, o luto pode se tornar
patológico, quando este período se estende demais e prejudica a vida do sujeito que o
estudantes universitários, com associação foi mais forte entre os que apresentavam
evitando-as, como por exemplo através de negação de sua existência). Pouco ainda se
familiar. Mulheres que sofrem agressões de seus parceiros podem usar o álcool como
TEPT. Scheeringa et al.6 sugerem que as relações familiares são centrais na expressão
uma série de estudos que mostram que mesmo diante de catástrofes naturais, crianças
comunicação familiar.
As crianças cujas mães não tinham apoio externo apresentaram chances elevadas
107
Destaca-se a importância de se desenvolverem medidas de apoio familiar e
seus pais.
futuros.
o transtorno.
sobre os problemas de saúde mental nesta fase da vida. Também são muito precárias as
lidar com essas dificuldades e fornecer apoio as crianças e familiares ainda se faz
108
fator. Dehon & Scheeringa21 aplicando o instrumento a crianças de 1 a 6 anos de idade
corte que elevou para 75% a sensibilidade e 84,4% a especificidade. Esses autores
ressaltam que os itens da TEPT-CBCL não são de diagnóstico para TEPT, mas possuem
Vale destacar que a escala distingue o nível de sintomas entre pessoas que
passaram por situações de violência das que não passaram. Em nosso estudo, quase
emocionais e comportamentais e não apenas com TEPT. Esta situação é comum na área
ainda escasso acesso a este profissional por grande parte da população tornam mais
cada 35 mil crianças e adolescentes brasileiros50. Por outro lado, Coutinho51 avaliando
dos estudos sobre TEPT em crianças é adoção de critérios diferentes dos adultos para
109
em suas vidas, mas muitas vezes, segundo os critérios do DSM-IV-TR5 não podem ser
110
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52. Hawkins SS, Radcliffe J. Current measures of TEPT for children and
117
Violência Comunitária e Transtorno de Estresse Pós-Traumático em Crianças e
Adolescentes
118
Resumo
O presente estudo tem como objetivo investigar a associação entre exposição à violência
comunitária e o Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT) ajustado por gênero e
pela faixa etária entre crianças e adolescentes de escolas públicas de São Gonçalo/RJ.
Foram participantes deste estudo 399 crianças e adolescentes (idade média de 10,6
anos). A prevalência total de sintomas de TEPT nas crianças e adolescentes é de 9,5%,
com maior prevalência entre meninas (12,6% contra 6,5% entre meninos). No modelo
múltiplo, destaca-se que as crianças menores de 10 anos têm o dobro de chances de
desenvolverem sintomas deste transtorno quando comparadas com as mais velhas, e que
quanto maior a exposição à violência comunitária, maiores as chances de surgimento de
sintomas de TEPT.
Palavras-chave: transtorno de estresse pós-traumático; violência comunitária; crianças;
adolescentes.
Abstract
This study aims to investigate the association between exposure to community violence
and Posttraumatic Stress Disorder (PTSD) according to gender and age, among children
and adolescents of public schools in São Goncalo/RJ. 399 children and adolescents
(mean age 10.6 years) took part in this research. The prevalence of PTSD symptoms in
children and adolescents is 9.5%, with higher prevalence among girls (12.6% against
6.5% among boys). In the multivariate model, it is emphasized that the children who are
under 10 years old are twice as likely to develop symptoms of this disorder than older
ones. It also shows that the greater the exposure to community violence, the greater the
chances of emergence of PTSD symptoms.
Key-words: Posttraumatic stress disorder; community violence; children; adolescents.
Introdução
Crianças e adolescentes de grandes centros urbanos estão freqüentemente
expostos à violência comunitária. Revisões internacionais de literatura citam
prevalências variadas desta vitimização, podendo oscilar entre 3-96% em crianças e
adolescentes de vários países do mundo (Fowler, Tompsett, Braciszewski, Jacques-
Tiura & Baltes, 2009; Margolin & Gordis, 2000). A ampla variação pode ser explicada
pela utilização de diferentes instrumentos de aferição, pelas fontes variadas para avaliar
119
a vitimização (relato da criança/adolescente, dos pais ou professores e estatísticas
criminais, por exemplo) e ainda pela abordagem de diferentes tipos de vitimização
(direta e indireta).
A violência comunitária não tem sido definida clara ou consistentemente, o que
também dificulta comparações de resultados entre estudos. De forma geral, o seu foco
está na violência vivenciada ou testemunhada pela criança/adolescente no ambiente da
rua, da escola e de outros locais proximais em que transita (Sieger, Rojas-Vilches,
Mckinney & Renk, 2004). Inclui situações como ser vítima/testemunha de ações de
tráfico de drogas, uso de armas, ver pessoas mortas, tiroteios, assassinatos e roubos.
Pesquisas no Brasil apontam a gravidade deste problema. Um estudo realizado
em município do estado do Rio de Janeiro estima que 27,3% das crianças e adolescentes
são expostos à violência comunitária (Assis, Avanci, Pesce, Oliveira & Ximenes, 2007).
Outro realizado em dez capitais brasileiras demonstrou que 12% dos jovens sofreu
agressão física na comunidade, e que 16% foi ou teve um parente ameaçado de morte
(Cardia,1999).
A exposição à violência comunitária está associada a inúmeros prejuízos ao
desenvolvimento e à saúde mental de crianças e adolescentes, tais como: problemas de
comportamento externalizantes (comportamento agressivo e violação de regras);
depressão e outros problemas de comportamento internalizantes (Margolin & Gordis,
2000; Assis, Avanci & Oliveira, 2009); além do Transtorno de Estresse Pós-Traumático
(TEPT), tem se destacado dentre os problemas de saúde mental (Fowler et al., 2009;
Shields, Nadasen & Pierce, 2008), sobretudo pelo fato da violência ser um dos
determinantes de sua ocorrência.
O Transtorno de Estresse Pós-Traumático se caracteriza pelo aparecimento de
sintomas de ansiedade após a exposição a um evento traumático que foi vivenciado com
medo, horror. Tal exposição pode ter envolvido a experiência direta, ter testemunhado
ou ainda ter tomado conhecimento de um evento traumático ameaçador à integridade
pessoal. Os sintomas de TEPT incluem a revivência persistente do evento traumático; a
esquiva de estímulos associados ao trauma e de entorpercimento da reatividade geral; e
a excitabilidade aumentada (APA, 2002).
Gabbay, Oatis, Silva e Hirsch (2004) mostram prevalência de sintomas TEPT ao
longo da vida para crianças e adolescentes de 2% a 9% e discutem que taxas mais
elevadas são encontradas naqueles que vivenciaram experiências traumáticas
específicas, como violência, desastres e acidentes. Em uma revisão realizada por
120
Salzinger, Feldman, Stockhammer e Hood (2002), constata-se prevalência de TEPT
associada à violência comunitária, oscilando entre 29%-34,5% de adolescentes
escolares norte-americanos.
No Brasil, dados nacionais sobre este tema na população infanto-juvenil são
escassos. Ximenes, Assis e Oliveira (2009) verificaram que 10,8% das crianças
escolares investigadas apresentavam sintomas de TEPT, sendo que 6,5% denotavam
sintomas clínicos.
Especialistas discutem a respeito da gravidade e especificidades do TEPT em
faixas etárias mais novas, uma vez que na infância e adolescência seus sintomas
costumam não desaparecer sem tratamento (Scheeringa, 2008). Além disso, crianças e
adolescentes podem se sentir confusos, tristes ou “congelados” durante a exposição do
evento traumático. E ainda apresentarem culpa e vergonha. Assim, Scheeringa, Zeanah
e Cohen (2010) sugerem mudanças mais sensíveis nos critérios de TEPT na infância e
adolescência, o que poderia alterar prevalências de 1,7% para 10,0% para crianças de 2
a 10 anos.
Outrossim, a vulnerabilidade de TEPT é maior no sexo feminino (March,
Amaya-Jackson, Terry & Constanzo, 1997; Tolin & Foa, 2006). Depois da exposição a
um evento traumático, elas têm risco cinco vezes maior de desenvolverem sintomas do
transtorno que o sexo masculino (Abanilla, 2004; Foster, Kuperminc & Price, 2004).
Além do maior conhecimento de um tema pouco conhecido em território
nacional, a relevância deste estudo recai na fonte de informação – a própria
criança/adolescente –, uma vez que os estudos sobre violência comunitária e TEPT em
crianças e adolescentes costumam ser realizados a partir dos relatos de pais e
cuidadores, que podem, de alguma forma, subestimar a violência a qual seus filhos
estão expostos (Richters & Martinez, 1993). A investigação do fenômeno a partir do
relato de crianças e adolescentes propicia dados mais precisos e maiores informações
sobre a vivência dos eventos violentos ocorridos na localidade em que crescem, e seu
possível impacto emocional.
Partindo deste contexto, o presente estudo tem como objetivo investigar a
associação entre a exposição da violência comunitária e sintomas de TEPT, ajustado por
gênero e pela faixa etária de crianças e adolescentes, de escolas públicas municipais de
São Gonçalo, cidade integrante da região metropolitana do estado do Rio de Janeiro.
121
Método
Instrumentos
122
estrutura familiar (quem vive com a criança/adolescente) e a renda per capita. Estes
dados foram obtidos através de entrevista com pais/responsáveis das
crianças/adolescentes amostrados.
A percepção da criança/adolescente sobre exposição da violência em casa, na
escola, na comunidade e em outros lugares por ela freqüentados foi aferida através da
escala “Coisas que vi e ouvi” (CVO - “Things I have seen and heard”) (Richters &
Martinez, 1990). Compõe-se de 20 itens com cinco opções de respostas que variam do
nunca a muitas vezes (pontuação de 0 a 4). Neste artigo, apenas 12 itens referentes à
violência comunitária são utilizados, assim como o realizado por Malik (2008). Para a
obtenção do escore, foram somadas as frequências dos itens, multiplicadas pela razão
entre 12 (total de itens) e o total de itens válidos respondidos. O escore se refere tanto à
variedade de eventos que a criança/adolescente vivencia, como à freqüência dos
mesmos. Verificou-se confiabilidade adequada desta escala com Cronbach de 0,763.
A avaliação dos sintomas de TEPT foi realizada através da escala Youth Self-
Report – YSR (Achenbach, 2001, Bordin, Mari & Caeiro, 1995), que é um instrumento
voltado para avaliação de problemas de comportamentos a ser preenchido pela própria
criança ou adolescente. Foram utilizados 20 itens da escala para aferir sintomas de
TEPT (Wolfe, Gentile & Wolfe, 1989; Ruggiero & Mc Leer, 2000), como por exemplo:
náuseas, enjôos por nervoso; dores de estômago/barriga por nervoso; problemas com o
sono; mudança repentina de humor, mal humor, irritar-se com facilidade e;
nervosismo/tensão. As opções de resposta da escala são: falso, pouco verdadeiro, muito
verdadeiro, com escores que variam de 0 a 2. A soma dos escores é padronizada através
do escore Txi para definição dos casos clínicos, limítrofes e não-clínicos (escore maior
que 65 corresponde aos casos limítrofes ou clínicos). Estudo nacional informa adequada
confiabilidade da CBCL/TEPT (versão da YSR respondida pelos pais/responsáveis)
com Cronbach de 0,77, porém, encontrou sensibilidade baixa (40%) entre a escala
CBCL/TEPT e K-SADS-PL (Brasil, 2003) e especificidade de 73% (Ximenes et al,
2009).
As informações a respeito dos sintomas de TEPT e da violência na comunidade
foram obtidas através de entrevista com a própria criança/adolescente, facilitando a
compreensão das questões por aquelas mais novas e por quem apresenta maiores
limitações para compreensão/leitura de texto.
xi
Escore T é igual a 50+10*escore z da normal padrão)
123
Análise dos Dados
Resultados
124
No gráfico 1, observam-se os tipos de violências investigados e freqüência de
vitimização relatada pelas crianças e adolescentes. Constata-se a alta exposição à
violência comunitária entre os participantes: 86,2% vivenciaram pelo menos uma de
suas formas. Destas, 21,3% sofreram apenas um tipo de violência, 34,3% sofreram de 2
a 3 tipos, e 30,6% de 4 a 9 tipos. Os mais citados, em especial, foram: a convivência
com tiros ouvidos na comunidade, a proximidade com bandidos, a observação do corpo
de pessoas mortas e o fato de testemunharem pessoas sendo presas e espancadas no
local em que moram.
*12 itens da escala de Coisas que vi e Ouvi (a ocorrência de pelo menos uma vez do
evento)
125
Na análise da CVO, constata-se que o escore oscilou entre 0 e 22 pontos e a
média foi de 5,9 (DP=5,4) pontos, o que indica que as crianças e os adolescentes
convivem com uma variedade de tipos de violência na comunidade em que vivem e/ou
são vítimas de uma freqüência significativa de alguns desses eventos no seu dia a dia.
126
da associação entre violência e TEPT, destaca-se que as crianças menores de 10 anos
têm o dobro de chances de desenvolverem sintomas deste transtorno quando
comparadas com as mais velhas.
Na tabela 2, investiga-se mais detalhadamente o termo de interação observada na
tabela 1, através de predições realizadas em cinco diferentes escores de violência
comunitária, considerando sexo masculino e idade maior de dez anos como categorias
de referência. Ser do sexo feminino aumenta a chance de se ter sintomas de TEPT,
comparado com o sexo masculino, à medida que a convivência com a violência
comunitária é mais elevada (escala com valores de 10 ou mais). A chance de uma
menina vir a ter sintomas de TEPT com um escore de 10 é de cerca de 2,8 vezes a de
um menino com a mesma pontuação. Quando esse escore é de 20, a chance da menina é
ainda maior, aproximadamente 10 vezes a de um menino sob similar exposição à
violência.
127
Figura 2 - Interação de Violência Comunitária (CVO) e Sexo nos Sintomas de TEPT
para Escolares da Rede Municipal de São Gonçalo, com Idade Menor ou Igual a 10 anos
e Maiores de 10 anos.
Discussão
128
No presente estudo, constata-se efeito significativo na interação sexo e violência
comunitária, evidenciando que quanto maior a exposição à violência comunitária (maior
o escore da escala CVO) maior a chance de se apresentar o Transtorno de Estresse Pós-
Traumático em meninas, comparadas com os meninos, no modelo ajustado. Abanilla
(2004), em revisão da literatura, também mostra que, em níveis maiores de exposição a
eventos traumáticos, meninas apresentam maior risco de desenvolver TEPT do que
meninos expostos aos mesmos níveis de trauma; em baixos níveis de exposição, ambos
os sexos apresentam as mesmas taxas do transtorno.
Diversos estudos apontam associação entre ser exposto à violência comunitária e
apresentar problemas de saúde mental, principalmente comportamento agressivo e
TEPT (Fowler et al., 2009; Margolin e Gordis, 2000; Lynch, 2003; Stein et al., 2003).
Uma pesquisa realizada nos EUA apontou que 15% dos adolescentes escolares que
vivenciaram violência comunitária, apresentaram critérios diagnósticos para o TEPT.
Neste estudo, percebeu-se que quanto maior a exposição à violência, maiores os escores
para o TEPT (Aisenberg et al., 2008). Outro estudo encontrou prevalência de 27,1% de
TEPT entre estudantes afro-americanos de 7 a 18 anos de idade que sofreram violência
na comunidade (Fitzpatrick e Boldizar, 1993).
A prevalência de 9,5% de crianças e adolescentes com sintomas de TEPT é
ligeiramente mais elevada que a encontrada em etapa anterior ao estudo longitudinal
(6,5% no ano de 2005). Contudo, cabe ressaltar que na primeira etapa da pesquisa, os
informantes foram as mães/responsáveis, enquanto que aqui a fonte da informação são
as próprias crianças/adolescentes. Além disso, a aferição dos sintomas três anos depois
é fator que modifica a ocorrência do problema. Tais dados merecem aprofundamento
através de análises longitudinais e comparativas entre informantes.
A diferença verificada entre os sexos pode ser explicada pelo fato das meninas
tenderem a vivenciar tipos específicos de eventos traumáticos, que podem ser mais
patogênicos, como o abuso sexual perpetrado por pessoas da comunidade (Tolin & Foa,
2006). Porém, os eventos traumáticos vivenciados por meninos e meninas explicam,
apenas em parte, esta diferença. Distinções metodológicas entre os estudos exercem
papel de peso na constatação desta diferença como, por exemplo, o uso de amostras de
conveniência com maior presença de mulheres. Especula-se, ainda, se as diferenças
poderiam estar ligadas às expectativas sociais relacionadas ao ser homem e ao ser
mulher. Os homens (adultos, adolescentes e crianças) estão mais ligados à imagem de
agressividade, o que pode fazê-los considerar mais aceitável o evento traumático. Já as
129
mulheres, independente de sua faixa etária, por estarem culturalmente associadas à
imagem de passividade e emoção, podem incorporar mais sintomas de ansiedade e/ou
depressão de forma socialmente mais aceitável.
A constatação de maior prevalência de TEPT entre as crianças mais novas pode
ser explicada pela sua maior dificuldade em expressar seus pensamentos e sentimentos
sobre a violência comunitária e outros eventos traumáticos, por serem menos capazes de
desenvolver estratégias cognitivas para lidarem com situações difíceis e menor
habilidade em buscarem suporte com adultos (Fowler et al., 2009). Também se discute
que os pais/responsáveis podem subestimar a exposição dos filhos mais novos à
violência comunitária e, por conseqüência, acabam não agindo de forma a auxiliá-los a
lidar com o que sentem frente a estas situações. Uma outra explicação é que crianças
mais velhas ou adolescentes, por terem vivenciado mais violência comunitária, podem
ter se dessensibilizado ao longo do tempo ou ter desenvolvido maiores habilidades para
lidar com o problema.
Além de todo o sofrimento à saúde mental dos escolares associado à violência
comunitária, este tipo de violência também pode afetar o senso de segurança destas
crianças e adolescentes. Pois, pode interferir na visão da criança que ele ela está em
risco contínuo de vitimização (Fowler et al., 2009). Margolin e Gordis (2000) discutem
que crianças e adolescentes são mais vulneráveis a este tipo de vitimização, pois estão
em processo de desenvolvimento. A violência pode afetar, então, sua saúde mental, bem
como comprometer este processo de desenvolvimento, levando a problemas de
socialização, concentração na escola, dentre outros.
Como principal limitação deste estudo, está o fato de não se utilizar uma escala
própria para aferir TEPT. Assim, os resultados devem ser tomados como indicativos da
presença de sintomas de TEPT em crianças e adolescentes no cenário nacional, porém, a
adaptação de escalas de screening para o português a serem aplicadas em estudos
populacionais sobre TEPT é aspecto relevante para o avanço da pesquisa sobre o tema
no país.
Ademais, em futuros estudos, torna-se necessário especificar o grau de
exposição à violência comunitária e a quantidade de tempo a que a criança/adolescente
está exposta a este tipo de violência. É também importante avaliar se a
criança/adolescente é vítima, testemunha ou apenas teve conhecimento do evento
traumático. O grau de exposição ao evento traumático e à cronicidade dos eventos são
indicativos importantes a serem aprofundados em pesquisas na área.
130
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133
Transtorno de estresse pós-traumático e violência familiar e comunitária em
adolescentes
Liana Furtado Ximenes, Simone Gonçalves de Assis, Thiago de Oliveira Pires, Joviana
Quintes Avanci, Raquel de Vasconcelos Carvalhães de Oliveira.
Resumo
Este artigo tem como objetivo analisar a associação entre exposição à violência familiar,
violência comunitária e o Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT) entre
adolescentes de escolas públicas e particulares de São Gonçalo/RJ. Participaram da
análise deste artigo 889 adolescentes com idade média de 14,5 anos. Para avaliar os
sintomas de TEPT, foi utilizada a escala UCLA PTSD Reaction Index (versão para
adolescentes) (Steinberg et al., 2004). A prevalência total de sintomas de TEPT para os
adolescentes é de 7,5%, com maior prevalência entre meninas (9,1%) do que os
meninos (4,7%). No modelo multivariado, destaca-se que as famílias com a presença de
padrasto ou madrasta ou apenas um dos pais tem maiores chances de apresentar o
TEPT. Neste modelo, também se percebeu que a exposição à violência na família e/ou
na comunidade eleva as chances de apresentar o transtorno entre os adolescentes. As
chances se tornam mais elevadas na exposição em ambas às formas de violência quando
comparadas com os adolescentes que não foram expostos a ela.
Palavras-chave: Transtorno de estresse pós-traumático; violência familiar; violência
comunitária; adolescentes.
Abstract
This study aims to investigate the association between exposure to community violence
and posttraumatic stress disorder (PTSD) according to gender and age, among children
and adolescents of public schools in São Goncalo/RJ. 399 children and adolescents
(mean age 10.6 years) took part in the research which is under analysis. The prevalence
of PTSD symptoms in children and adolescents is 9.5%, with higher prevalence among
girls (12.6% against 6.5% among boys). In the multivariate model, it is emphasized that
the children who are under 10 years old are twice as likely to develop symptoms of this
disorder than older ones. It also shows that the greater the exposure to community
violence, the greater the chances of emergence of PTSD symptoms.
134
Key words: Posttraumatic Stress Disorder; Family Violence; Community Violence;
Adolescents.
Introdução
Os efeitos da exposição à violência sobre a saúde de crianças e adolescentes são
variados, podendo ter conseqüências físicas (por exemplo, ferimentos e lesões) e
prejuízos ao desenvolvimento e à saúde mental. Neste último caso, destaca-se a baixa
auto-estima e os problemas de apego (attachment), o Transtorno de Estresse Pós-
Traumático (TEPT) e outros transtornos de ansiedade, depressão e agressividade1,2,3.
Estudos mostram que crianças e adolescentes são continuamente expostos a diversas
formas de violência, especialmente nos grandes centros urbanos4,5. Malik6 aponta
pesquisas em que a exposição de crianças norte-americanas à violência familiar pode
variar de 4% a 20%, enquanto que a convivência com a violência comunitária varia de
30% a 70%.
No Brasil, a gravidade das conseqüências da exposição à violência e aos acidentes se
reflete nas estatísticas de mortalidade, em que a principal causa de óbitos entre crianças
e adolescentes de 5 a 19 anos decorre das “causas externas”, que agregam as violências
e os acidentes. De cada dez mortes de crianças e adolescentes, sete são devido a essas
causas7.
Estudos com crianças e adolescentes realizados no Brasil mostram que a exposição à
violência é elevada nesta faixa etária. Zavaschi et al.8 perceberam alta prevalência de
exposição à violência (99,7%) entre os adolescentes escolares de Porto Alegre, sendo
que 70,9% foram vítimas diretas de violência, 98,4% testemunharam algum evento
violento e 99,2% conheciam alguma vítima de violência. Em média, os estudantes
reportaram viver 19,8 incidentes de violência em suas vidas.
A violência familiar também está presente na vida de muitas crianças e adolescentes.
Sobre isso, um estudo com estudantes universitários de Taiwan mostrou que 17,3%
destes jovens sofreram maus-tratos físicos e 30,5% foram expostos à violência entre os
pais quando tinham menos de 18 anos9. No Brasil, Assis et al.10 reportam que 25,5% das
crianças de um município do Rio de Janeiro sofreram violência severa do
pai/responsável masculino e 58,2% da mãe/responsável feminino, sendo a violência
severa caracterizada como jogar objetos, empurrar, dar murros, chutar, bater ou tentar
bater com objetos, espancar, ameaçar ou usar armas brancas ou de fogo.
135
Em relação à violência comunitária, estudo de revisão aponta que mais de 70% dos
jovens investigados relataram testemunhar violência na comunidade11. Em outro estudo
foi notado que 98% das crianças afro-americanas testemunharam algum tipo de
violência comunitária, 36% já tinham sido vítimas desta forma de violência e todas elas
já ouviram falar de algum tipo de violência na comunidade em que vivem12. Estudo com
adolescentes de um município do Rio de Janeiro indica que metade deles já viu alguém
ser ferido gravemente; 12,7% tiveram suas casas arrombadas ou roubadas; e um em
cada três já enfrentou situação de perigo e insegurança na vizinhança13.
Um prejuízo de saúde mental muito associado à exposição à violência em todas as
faixas etárias é o Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT)1,14-16. Este transtorno
se caracteriza por uma gama de sintomas após a exposição a um evento estressor.
Durante o evento, há ameaças à integridade física da criança ou de alguma pessoa
significativa para ela. Desta forma, a criança pode ser vítima, testemunha ou tomar
conhecimento do evento. Os sintomas podem ser de revivência aflitiva do evento
traumático; evitação de estímulos associados ao trauma e entorpecimento da reatividade
geral; e sintomas de excitabilidade aumentada17.
Muitos casos de transtorno de estresse pós-traumático em crianças e adolescentes não
são captados, pois não alcançam o número de critérios diagnósticos presumidos pela
DSM-IV18-20. Sabe-se que existem especificidades do TEPT na infância e adolescência,
como outras manifestações de sofrimento após o trauma, que não são contemplados
nestes critérios18-21.
As prevalências do TEPT são variadas na literatura, oscilando entre 0,4% e 90% entre
crianças e adolescentes expostos a diversas situações traumáticas22. Essa grande
diversidade se deve ao fato da variação metodológica e da especificidade de estudo do
trauma, como por exemplo, desastres naturais, guerras, ataques terroristas, entre outros.
Também interfere na variação das estimativas, as diferenças metodológicas na avaliação
de TEPT existente entre os estudos22.
O TEPT se mostrou associado à violência familiar em 84 crianças oriundas de lares para
mulheres agredidas nos EUA. Neste estudo, mais da metade das crianças que
testemunharam agressão as suas mães alcançavam os critérios diagnósticos do TEPT.
Este transtorno foi associado a variáveis relacionadas à natureza da agressão, tais como
freqüência que testemunhou a agressão, duração, múltiplas separações, variados
modelos de dominação e abuso de figuras masculinas. Também foram relevantes as
variáveis associadas à interpretação da criança sobre o evento (culpa e vergonha), a
136
visão da criança sobre o mundo (sentimento agudo de perigo) e a vulnerabilidade
pessoal23.
Outro estudo com 62 crianças pré-escolares demonstrou que aquelas que testemunharam
violência ou que vivem em lares violentos mesmo sem ser diretamente expostas
apresentavam sintomas de TEPT. Os sintomas deste transtorno foram associados ao
aumento da severidade dos tipos de violência (ameaças, violência moderada, violência
severa, violência sexual)24.
Margolin e Vickerman16 indicam estudos em que 13% a 50% de jovens expostos a
violência interparental possuem o estresse pós-traumático. Estas autoras discutem que a
violência nos lares pode levar a criança a identificar sua casa como um local não seguro
e prejudicar a visão de que os pais constituem fontes de suporte e proteção.
Inúmeros estudos também associam o TEPT à violência comunitária15,25-26. Essa forma
de violência pode afetar a sensação de segurança dos jovens, pois eles podem se sentir
em risco contínuo de vitimização, levando ao medo pela própria segurança, das pessoas
da família e de outros vínculos significativos que vivem na mesma região15.
Grande associação entre vivenciar violência na comunidade e apresentar TEPT foi
encontrada em metanálise de investigações realizadas com crianças. Tanto ser vítima
de violência comunitária, quanto testemunhar e ouvir falar sobre o evento traumático se
mostraram associados ao transtorno15. Em pesquisa com 137 escolares de Los
Angeles/EUA (idade média de 12,4 anos – DP-0,79), foi encontrado que 15% destas
crianças alcançaram critérios diagnósticos para TEPT; dentre esses, quase todos
reportaram alto nível de exposição à violência comunitária. Neste estudo, 70% dos
jovens foram expostos a violência comunitária como vítimas ou testemunhas. Para
aqueles que apresentaram TEPT, não houve diferenças entre ser vítima e ser testemunha
da violência. Os autores sugerem que outros fatores como o relacionamento da criança
com a vítima e a proximidade física com o evento violento devem ser mais estudados e
podem estar mais relacionados ao TEPT27. Também Ceballo et al.25 constatou
associação entre exposição à violência comunitária, sintomas de TEPT e
comportamento agressivo, em estudo realizado com 104 pares de crianças e suas mães.
Alguns estudos vêm apoiando a idéia de que a exposição múltipla a eventos traumáticos
está relacionada ao aumento da severidade dos sintomas do TEPT e outros problemas de
saúde mental1,14. Adolescentes com história de abuso físico e sexual tiveram maior
probabilidade de depressão e ansiedade elevadas, bem como apresentar TEPT28. A
exposição a múltiplas experiências traumáticas foi positivamente correlacionada à
137
severidade de sintomas de TEPT em amostra clínica de adultos, comparada com
amostra não-clínica29. Mulheres expostas a múltiplos maus-tratos quando crianças
tiveram maior vulnerabilidade para desenvolver TEPT e depressão quando adultas30.
Em função da relevância do tema, o presente estudo tem como objetivo analisar a
associação entre a exposição à violência familiar e comunitária e o Transtorno de
Estresse Pós-Traumático em adolescentes escolares de São Gonçalo/Rio de Janeiro.
Método
Amostra
O plano amostral foi composto por 14 estratos, que foram elaborados de acordo com as
sete áreas de planejamento do município e de acordo com a natureza da instituição
(pública ou particular), buscando representatividade socioeconômica (natureza da
instituição) e espacial (áreas de planejamento) da amostra analisada.
xii
Dado fornecido pessoalmente por autores da pesquisa de Andreoli et al (2004)
138
Instrumentos
A aplicação do questionário foi feita nas turmas sorteadas apenas para aqueles
adolescentes que trouxeram termos de consentimento autorizados pelos responsáveis
para a participação na pesquisa. Do total de alunos matriculados, 40,7% dos alunos das
escolas particulares e 28,7% das públicas preencheram os questionários. O motivo das
perdas se deve ao esquecimento/falta de interesse por parte dos alunos ou desencontro
dos pais; apenas 10,6% de responsáveis negaram consentimento. O questionário era
autopreenchível e anômimo, sendo aplicado de forma coletiva em cada turma.
139
Reaction Index (UCLA-PTSD Reaction Index38). Avalia eventos traumáticos (14 itens),
características subjetivas da exposição ao trauma (13 itens) e sintomas de TEPT (22
itens). Este último aspecto tem como opções de resposta escores de 0 (nenhuma) a 4 (na
maioria das vezes), e a forma de avaliação é pelo critério de severidade a partir da soma
de 17 itens selecionados pelo autor (alcançar pontuação de 38 ou mais configura TEPT),
comprovado pela sensibilidade e especificidade alcançada segundo Steinberg et al38.
Outra forma de categorização da escala é segundo a presença dos critérios da DSM,
utilizados neste artigo para avaliação psicométrica; foi encontrado α=0,886 para os itens
que compõem o escore de gravidade (critérios B, C e D). Foram encontradas
correlações significativas com as escalas de depressão (rho de spearman=0,405;
p<0,001) e ansiedade (rho de spearman =0,422; p<0,001). A escala foi adaptada
transculturalmente para o presente estudo com bons resultados psicométricos, em estudo
não publicado39.
140
Resultados
141
Gráfico 1: Distribuição percentual de eventos adversos vivenciados pelos
adolescentes, segundo sexo (Escala UCLA-PTSD)
O TEPT esteve presente em 7,5% dos adolescentes deste estudo, mais em meninas
(9,1%) do que entre os rapazes (4,7%; p= 0,021). Dentre os adolescentes que sofrem
violência familiar, encontrou-se prevalência de 13,2% e entre aqueles que não convivem
com essa forma de violência de 5,9% (p=0,003). A prevalência de TEPT entre os que
sofreram violência comunitária é de 12,5%, enquanto que na ausência desta exposição é
de 3,9% (p<0,001).
142
Na tabela 1 pode-se visualizar as variáveis iniciais que integraram o modelo que
investiga a relação entre exposição à violência familiar e comunitária e surgimento de
TEPT em adolescentes. Dentre os fatores psicossociais da criança, tanto sexo quanto
estrutura familiar mostram-se associados ao surgimento de TEPT. Meninas têm duas
vezes maior risco de TEPT que meninos e os adolescentes que vivem com mãe e
padrasto têm 3 vezes mais chance de apresentarem o transtorno. Todas as variáveis que
avaliaram violência familiar e comunitária mostraram-se associadas ao maior risco de
surgimento de TEPT.
A convivência com a violência familiar esteve associada à ocorrência de TEPT entre
adolescentes através das brigas entre pais e entre irmãos ao ponto de se machucarem,
como pode ser visualizado na tabela 1; também a violência física severa da mãe e do pai
sobre o adolescente mostrou-se associada ao maior surgimento do transtorno (1,9 vezes
e 2,6 vezes mais comuns, respectivamente; dados não apresentados). A violência na
localidade segue a mesma direção: adolescentes que vivenciam essa forma de violência
têm 3,1 vezes chance de apresentar TEPT, em relaçao aos que não vivenciam tal forma
de violência (dados não apresentados).
No que se refere a vitimização por violências apresentada na tabela 1, apenas a questão
que indaga sobre a possível forma de violência sexual não mostrou associação a
ocorrência do TEPT. Aqueles que sofreram dois ou mais episódios de violência na
escola tem 2,3 vezes a chance de TEPT.
143
Tabela 1: Modelo logístico*univariado de exposição à violência e TEPT (OR
brutas).
Wald
Bloco Variáveis OR IC95% (sig.)
Sexo Feminino 2,05 1,11 - 3,77 0,021
Masculino
Variáveis psicossociais da criança
*
O modelo apresentado não incorpora o plano amostral; para o encaminhamento para revista científica
serão incluídos o plano amostral e os pesos amostrais.
144
Após sucessivos modelos terem sido analisados, sempre ajustados por sexo e idade,
obteve-se o modelo final em que sexo e exposição à violência familiar e comunitária
surgem associados à ocorrência de TEPT (tabela 2). Os adolescentes do sexo feminino
apresentam 2,09 vezes a chance de apresentarem o transtorno, comparados com o do
sexo masculino.
A exposição à violência familiar ou localidade eleva em 3,75 vezes as chances de
apresentar o transtorno. Similar resultado foi observado entre os adolescentes que
vivenciaram ambas as formas de violência (familiar e comunitária). Neste caso, houve
elevação de quase seis vezes a chance de apresentar TEPT, quando comparados com os
adolescentes que não sofreram violência.
Tabela 2ii: Modelo logístico múltiplo de TEPT associado à exposição à violência
familiar e comunitária de adolescentes escolares de São Gonçalo - RJ
Wald
Variáveis OR IC95% (sig.)
Sexo Feminino 2,09 1,04-4,20 0,038
Masculino
Violência na família e localidade Família e localidade 6,80 3,04 -15,19 <0,001
Família ou localidade 3,75 1,75 - 8,08
Não
ii
O modelo apresentado não incorpora o plano amostral; para o encaminhamento para revista científica
serão incluídos o plano amostral e os pesos amostrais.
DISCUSSÃO
A exposição à violência física severa do pai e/ou da mãe (26,1%) sofrida pelos
adolescentes escolares foi um pouco superior, mas bem próxima às estimativas de 4 a
20% de exposição à violência familiar indicadas por Malik6 em realidade norte-
americana. Outro estudo desenvolvido no município de São Gonçalo com adolescentes
escolares encontrou níveis próximos de exposição à violência familiar, pois 30,5% dos
adolescentes sofreram violência severa praticada pela mãe e 16,2%, violência severa
praticada pelo pai13.
A violência comunitária foi vivenciada por 41,5% dos adolescentes escolares, indicando
o elevado grau de problemas existentes nessas localidades, com destaque para o contato
com pessoas espancadas e mortas, e com o conflito armado. A exposição à violência
comunitária foi um pouco inferior à descrita em estudo com adolescentes em idade
escolar que freqüentavam um acampamento de verão, nos EUA, destinado a jovens
considerados em risco devido às condições de seus lares, escolas e localidades. Neste
145
estudo, 93,2% dos adolescentes testemunharam algum tipo de violência na comunidade
e 62,7% foram diretamente vítimas de violência40. Em outra amostra de crianças
escolares em São Gonçalo/RJ foi constatado que 25,2% das crianças sofreram alguma
forma de violência na escola e 19,8% na localidade10.
Não foram encontradas diferenças em relação à exposição à violência familiar e
comunitária por sexo do adolescente. Em geral, os estudos apontam maior exposição
aos eventos violentos para os meninos, com exceção de eventos relacionados à violência
sexual.41-42. Assis et al.10 apontam que crianças escolares do sexo masculino, do mesmo
município, sofreram mais todas as formas de violência (agressão verbal, violência
menor e violência severa) praticadas pelo pai, enquanto que os meninos também
sofreram mais agressão verbal e violência severa praticada pela mãe. Porém, resultados
similares à presente pesquisa foram encontrados em um estudo realizado com
adolescentes afro-americanos, moradores de área pobre de metrópole americana. Ali,
verificou-se que não houve diferenças por sexo em ser testemunha ou vítima de
violência comunitária43. O mesmo ocorreu em estudo desenvolvido com adolescentes
escolares dos EUA27.
Nota-se que a maioria dos eventos onde há maior exposição aos meninos foram
relacionados às causas externas (acidentes e violências), com a exceção de receber
tratamento médico dolorido e assustador, em que não se pode identificar o tipo de
agravo à saúde.
A prevalência do TEPT foi de 7,5%, de acordo com o critério de severidade (ponto de
corte escore 38). As meninas (9,1%) apresentaram mais este transtorno que os meninos
(4,7%). Os estudos apontam maior prevalência do transtorno em meninas de todas as
faixas etárias41,44.
Vale ressaltar o fato da prevalência do TEPT ser maior na presença da violência familiar
e na localidade. A associação entre sofrer violência e apresentar este transtorno é
demonstrada por diversos estudos, principalmente, em estudos com violência
comunitária15,25,27, mas também em estudos sobre violência familiar16,45.
Assim como neste estudo, sofrer violência dos pais esteve associado ao TEPT em
amostra de crianças escolares do mesmo município da região metropolitana do Rio de
Janeiro. Nele, foi verificado que sofrer violência severa da mãe eleva em 17,14 vezes as
chances de se apresentar o transtorno, bem como sofrer violência severa do pai que
eleva em 1,47 vezes as chances de apresentar TEPT46. Muitos estudos internacionais
146
sobre violência familiar com crianças e adolescentes mostram grande associação entre
testemunhar violência interparental e apresentar o TEPT 16,24,47.
Observou-se que pertencer a famílias sem ambos os pais ou com pai/madrasta ou
mãe/padrasto elevou as chances de apresentar o TEPT, no modelo univariado. Assis,
Pesce e Avanci13 apontaram que os adolescentes que vivem apenas com a mãe ou que
vivem com a mãe e o padrasto estavam três vezes mais suscetíveis a vivenciar
adversidades na vida. No estudo citado, também se mostraram vulneráveis os
adolescentes que moram sem ambos os pais, que moram com mãe e padrasto, ou que
moram somente com o pai. As autoras discutem que viver em famílias com pai e mãe
pode estar associado a menor conflito familiar e maior estabilidade socioeconômica.
No modelo final deste estudo, constatou-se que adolescentes do sexo feminino têm
maiores de chances de apresentar o transtorno, comparados com o do sexo masculino.
Este dado é condizente com inúmeros estudos da área com adolescentes e adultos 41,43.
Maiores taxas de TEPT foram encontradas em adolescentes que vivenciaram violência
familiar associada à violência na localidade. Vivenciar múltiplas formas de vitimização
à violência e outros eventos traumáticos estão relacionados ao aumento na apresentação
ou severidade dos sintomas de TEPT em adultos29 e em crianças e adolescentes14,16.
No modelo também foi encontrado que a violência familiar e na localidade elevam a
chance de apresentar o transtorno e que a exposição a ambas as formas de violência
eleva ainda mais a possibilidade de desenvolver TEPT, quando comparado com crianças
sem exposição à violência. MacDonald et al.14 verificaram que quanto maior o número
de vitimizações (sexual, física e testemunhar violência) sofridas pelo adolescente,
maiores as chances deste apresentar TEPT e outras comorbidades.
Estudiosos discutem que a violência na comunidade pode ser um dos fatores que
potencializam a violência contra crianças nas famílias. Lynch e Cichentti48 propuseram
um modelo ecológico para explicar a exposição à violência comunitária e familiar. Eles
consideram que a violência comunitária pode estar associada a um aumento da violência
na família. Os autores ressaltam que se a violência ocorrer nos múltiplos níveis deste
modelo ecológico, que são: microssistema (violência familiar), mesossistema (violência
comunitária), exossistema (violência social e da mídia), maior o risco de problemas a
saúde da criança.
Outra pesquisa desenvolvida em São Gonçalo com adolescentes mostrou que aqueles
que sofriam de violência física severa, psicológica e sexual na família apresentaram
147
maiores chances de serem vítimas de violência na localidade (3,8 vezes mais) e 3 vezes
mais chances de serem vítimas de violência na escola2.
A violência na comunidade está relacionada à violência estrutural; costuma ser mais
freqüente nos locais onde a população apresenta piores condições sócioeconômicas e
onde há ação insuficiente do poder público no que se refere a saúde, educação,
segurança pública e condições dignas de habitação13. Entre junho de 2007 e julho de
2008, São Gonçalo apresentou altos níveis de violência urbana, dentre os quais se
destacam as 3021 lesões corporais, 8367 roubos e as 3356 ameaças registradas nas
delegacias civis e taxas que variam de 307 a 868 eventos por 100.000 mil habitantes49.
No presente estudo, o estrato social dos adolescentes não se mostrou associado a TEPT,
o que pode significar que viver em município com quadro de desigualdade social tão
evidente facilitaria o acúmulo de adversidades e a vivência de violências de forma mais
generalizada. Além disso, crianças que vivem em vizinhanças violentas podem
considerar o seu bairro ou sua cidade como não seguros e perder a confiança nas
instituições sociais que deveriam protegê-la) Isso poderia levar a uma maior sensação de
vulnerabilidade pessoal.
Os resultados deste trabalho apontam para a importância de se prevenir a exposição de
adolescentes à violência, visando interromper a ocorrência de seqüelas emocionais.
Também possibilita perceber que quanto maior a exposição à violência, maiores as
chances de apresentação de TEPT, e respalda ainda a necessidade se de colocar em foco
as ações variadas para ajudar adolescentes expostos a múltiplas formas de violências e
outros eventos adversos.
Referências
148
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153
Capítulo 5
Considerações finais
154
idades, segundo revisão realizada por Foster et al.143. Uma das hipóteses para maior
risco do TEPT no sexo feminino é que meninas e mulheres poderiam estar mais
expostas à violência sexual, evento que está muito associado ao TEPT. Outra hipótese
estaria relacionada a expectativas sociais de gênero, onde mulheres estariam ligadas a
imagens de emoção e passividade, enquanto nas pessoas do sexo masculino estariam
relacionados à idéia de agressividade. Por isso, os homens poderiam suprimir sintomas
e cognições relacionados ao trauma porque não condizem com a concepção do que é ser
homem. Outra hipótese levantada é que pessoas do sexo masculino tendem a exibir
outros tipos de sofrimento após a exposição ao evento traumático, estando mais
propensos a manifestar problemas externalizantes (e muitos sintomas do TEPT são
internalizantes)25,30.
156
acontece com a violência na família e localidade, isoladas ou concomitantemente). A
violência familiar não foi estudada no segundo artigo. Estes dados condizem com a
literatura que aponta um risco elevado de apresentação de TEPT para crianças e
adolescentes expostos à violência familiar15,137. Osofsky146 aponta que as experiências
de abuso e maus tratos na infância podem levar a inúmeros problemas no
desenvolvimento cognitivo, físico, emocional e social. Entre eles, evidencia-se a
dificuldade de formar relacionamentos positivos ao longo da vida, problemas de saúde
mental como depressão e TEPT.
A exposição à violência comunitária foi enfatizada nos três artigos apresentados nesta
tese. Sofrer roubo na comunidade e na escola, ser testemunha de roubo e viver em
situação de risco e insegurança na comunidade aumentou as chances de apresentação do
transtorno em crianças escolares da primeira série do ensino fundamental, conforme
descrito no primeiro artigo. A presença de violência comunitária elevou em 11% as
chances de apresentação do transtorno em crianças e adolescentes, ajustado por outras
variáveis do modelo final, conforme dados do artigo 2. Com a amostra de adolescentes,
(artigo 3) percebeu-se que a violência na localidade também eleva as chances de
apresentar este transtorno. No artigo 3, a prevalência de TEPT na presença de violência
na localidade foi de 12,5% e para aqueles adolescentes que não foram expostos a este
tipo de violência, foi de apenas 3,9%. A violência comunitária se mostra associada ao
TEPT em diversos estudos internacionais75,140.
Para melhor compreensão dos resultados desta tese, é importante ressaltar que o estudo
foi desenvolvido no município de São Gonçalo que apresenta inúmeras dificuldades
157
sócio-econômicas. A pobreza no município atinge 39,9% da população, segundo dados
do IBGE26. Este índice é considerado alto, quando comparado com o município do Rio
de Janeiro (23,9%) e com o município vizinho Niterói (12,5%). A cidade de São
Gonçalo também possui alto índice de homicídios entre adolescentes. Dentre os
municípios brasileiros com mais de duzentas mil pessoas, em 2007, o município ocupou
o oitavo lugar em relação ao Índice de Homicídios entre Adolescentes (IHA), que
estima o risco que adolescentes (12 a 18 anos) têm de perder a vida por mortes
violentas. O município apresentou o IHA de 6,2, que corresponde a 6,2 mortes de
adolescentes em um universo de mil pessoas que completando 12 anos, podem não
alcançar os 19 anos, porque possivelmente serão vítimas de homicídios185. A vivência
deste clima de insegurança sócio-econômica e o risco de sofrer violência do município
influencia a sensação de segurança no bairro e nos lares das crianças e adolescentes,
independentemente da classe social. Dentro de uma visão ecológica, Lynch e
Cichenetti186 pontuam que a violência na comunidade pode estar relacionada à violência
familiar. As condições negativas de se viver em uma comunidade violenta podem
acentuar conflitos entre algumas famílias.
(2) Variação nas faixas etárias. No estudo desenvolvido em 2005, a faixa etária
compreende alunos do primeiro ano do ensino fundamental (6 a 13 anos). O
estudo desenvolvido em 2008 é composto de crianças e adolescentes por 9 a 16
anos. E o último estudo, desenvolvido em 2010, foi composto por adolescentes
com idades variando entre 13 e 19 anos.
159
desenvolvido pelo Ilanud (no artigo 1 é informação do responsável e no artigo 3
do próprio adolescente). Já o instrumento utilizado no artigo 2 é mais complexo
e desenvolvido especialmente para aferir vivência de violência entre
adolescentes – “Coisas que vi e ouvi”. Isso limita a comparabilidade entre os
resultados dos três artigos.
160
para classificar a presença do transtorno. Tantas variações dificultam
sobremaneira a comparabilidade entre estudos.
161
O oferecimento de tratamento adequado para crianças e adolescentes com TEPT -
destacando-se o papel da equipe de saúde mental - é aspecto desafiante no cenário
nacional. Scheeringa, Zeanah e Cohen58 apontam que os sintomas de TEPT dificilmente
desaparecem espontaneamente em crianças; o tratamento da equipe de saúde mental é
considerado fundamental para diminuição/alívio do sofrimento infantil. Crianças e
adolescentes brasileiros contam com oferta insuficiente de serviços de saúde mental,
mesmo nos grandes centros urbanos brasileiros187. A cidade de São Gonçalo não foge
desta realidade. Estudos como os apresentados nesta tese são importantes para indicar a
magnitude de TEPT associado à violência, bem como mostrar, indiretamente, a
importância do atendimento e do oferecimento de serviços desta natureza, em especial,
dirigidos à população de crianças e adolescentes.
162
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ANEXOS
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