Você está na página 1de 186

“Transtorno de estresse pós-traumático em crianças e adolescentes.

O
impacto da violência e de outros eventos adversos sobre escolares de um
município do estado do Rio de Janeiro”

por

Liana Furtado Ximenes

Tese apresentada com vistas à obtenção do título de Doutor em Ciências


na área de Saúde Pública.

Orientadora principal: Prof.ª Dr.ª Simone Gonçalves de Assis


Segunda orientadora: Prof.ª Dr.ª Joviana Quintes Avanci

Rio de Janeiro, abril de 2011.

1
Esta tese, intitulada

“Transtorno de estresse pós-traumático em crianças e adolescentes. O


impacto da violência e de outros eventos adversos sobre escolares de um
município do estado do Rio de Janeiro”

apresentada por

Liana Furtado Ximenes

foi avaliada pela Banca Examinadora composta pelos seguintes membros:

Prof.ª Dr.ª Liliane Maria Pereira Vilete


Prof.ª Dr.ª Renata Pires Pesce

Prof. Dr. Evandro da Silva Freire Coutinho

Prof.ª Dr.ª Renata Pires Pesce


Prof.ª Dr.ª Simone Gonçalves de Assis – Orientadora principal

Tese defendida e aprovada em 27 de abril de 2011.

2
Catalogação na fonte
Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica
Biblioteca de Saúde Pública

X6 Ximenes, Liana Furtado


Transtorno de estresse pós-traumático em crianças e
adolescentes. O impacto da violência e de outros eventos adversos
sobre escolares de um município do estado do Rio de Janeiro. /
Liana Furtado Ximenes. -- 2011.
177 f. : tab. ; graf.
Orientador: Assis, Simone Gonçalves de
Avanci, Joviana Quintes
Tese (Doutorado) – Escola Nacional de Saúde Pública Sergio
Arouca, Rio de Janeiro, 2011.
1. Transtornos de Estresse Pós-Traumáticos. 2. Criança.
3. Adolescente. 4. Violência Doméstica. 5. Violência. 6.
Estudantes. I. Título.
CDD – 22.ed. – 362.74098153

3
Dedicatória

Dedico esta tese à minha filha Lara e aos meus pais Raimundo e Lucia pelo apoio,
carinho, compreensão e amor.

1
Agradecimentos

À minha orientadora Simone Gonçalves de Assis pelo apoio, motivação, orientação e


compreensão ao longo da minha trajetória no CLAVES.

À minha co-orientadora Joviana Quintes Avanci por me orientar sobre a temática do


impacto da violência na saúde mental de crianças e adolescentes e por sua amizade.

Aos professores que gentilmente aceitaram participar da banca como avaliadores desta
tese.

À Raquel de Vasconcelos Carvalhães de Oliveira e ao Thiago de Oliveira Pires pelo


trabalho estatístico apresentado nesta tese.

A toda equipe que realizou o trabalho de campo no município de São Gonçalo das
pesquisas apresentadas nesta tese.

A todos os participantes (pais, alunos, professores, diretores) das escolas públicas e


particulares que contribuíram para a realização das pesquisas apresentadas nesta tese.

À Luciene Patrícia Câmara e Rosemery Emerich Pereira de Souza pelo apoio técnico
fornecido nas diversas etapas das pesquisas que compõem esta tese.

À Dra. Maria Cecília de Souza Minayo e Dra. Edinilsa Ramos de Souza que foram
minhas orientadoras em outros momentos da minha vida acadêmica.

Ao apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES)


pela bolsa de doutorado oferecida durante o curso de Doutorado (até dezembro de
2009).

Ao CLAVES/ENSP/FIOCRUZ por me proporcionar condições para a realização desta


tese e por propiciar aperfeiçoamento técnico-científico durante todos estes anos.

Ao apoio e incentivo proporcionado pelos amigos da equipe do CLAVES.

À equipe do Hospital Federal Cardoso Fontes pelo apoio e incentivo.

À Milena Ximenes Brito, minha prima, pela revisão dos resumos em inglês (abstracts).

À minha família que sempre me apóia e incentiva.

2
RESUMO

A presente tese tem como objetivo investigar a associação entre Transtorno de Estresse
Pós-Traumático (TEPT) e exposição à violência familiar e comunitária em crianças e
adolescentes escolares de um município do Rio de Janeiro, onde as condições de vida da
população são muito adversas. Esta tese possui dados oriundos de duas pesquisas. A
primeira apresenta dados colhidos em 2005 e 2008, com o mesmo grupo de crianças da
rede pública de ensino de São Gonçalo/RJ, analisados transversalmente. O segundo
estudo contou com amostra de adolescentes das redes pública e particular de ensino do
mesmo município e foi desenvolvido em 2010. Para investigar TEPT foram utilizados:
escalas TEPT-CBCL, TEPT-YSR e UCLA PTSD RI. Os resultados desta tese são
apresentados em três artigos científicos. As prevalências do TEPT foram: 1) 6,5% em
amostra de crianças de 6 a 13 anos, em 2005; 2) 9,5% em amostra de crianças e
adolescentes de 9 a 16 anos, em 2008; e 3) 7,5% em amostra de adolescentes de 13 a 19
anos, em 2010. As crianças e adolescentes que foram expostos à violência familiar e
comunitária tiveram maiores chances de apresentação do TEPT. Percebeu-se que quanto
maior a exposição à violência, maiores chances de apresentação do transtorno.

PALAVRAS-CHAVE: Transtorno de Estresse Pós-Traumático; Crianças; Adolescentes;


Violência Familiar; Violência Comunitária.

3
ABSTRACTS

This thesis aims to investigate the association between Posttraumatic Stress Disorder
(PTSD) and exposure to domestic and community violence in children and adolescents
in schools in the city of Rio de Janeiro. This thesis gathers data from two studies. The
first study consists of two phases with students of public schools, in two cross-sectional
analysis: one conducted in 2005 with children and another held three years later with the
same group of individuals. The second study included another sample of adolescents
from public and private schools and was carried out in 2010. The measures chosen to
investigate PTSD were PTSD-CBCL, YSR-CBCL (Wolfe et al, 1989; Ruggiero and Mc
Leer, 2000) and UCLA PTSD RI (Steinberg et al. 2004). The results of this thesis are
presented in three papers. The prevalence of PTSD were: 1) 6.5% in the sample of
children from 6 to 13 years old in 2005, 2) 9.5% in the sample of children and
adolescents from 9 to 16 years old in 2008 and 3) 7,5% in the sample of adolescents
aged 13 to 19 years in 2010. Children and adolescents who were exposed to domestic
and community violence were more likely to develop PTSD. It was noticed that the
more exposure to violence, more the chances were of experiencing the disorder.

KEY-WORDS: Posttraumatic stress disorder; Children; Adolescents; Family Violence;


Community Violence.

4
SUMÁRIO
Número
CAPÍTULO 1 – INTRODUÇÃO 1

Objetivos 7

CAPÍTULO 2 – REFERENCIAL TEÓRICO 8

2.1. Transtorno de estresse pós-traumático 8


TEPT em crianças e adolescentes 15
Estudos recentes sobre traumas múltiplos e TEPT 24
Comorbidades entre TEPT e outros diagnósticos na infância e adolescência 26
Fatores preditores de TEPT em crianças e adolescentes 28
2.2 Eventos Traumáticos 32
Definição de evento traumático 35
Tipos de eventos traumáticos 38
Violências na infância e adolescência 40

CAPÍTULO 3 - MATERIAIS E MÉTODOS 51

3.1. Projeto “Estudo longitudinal com crianças da rede pública de ensino de São Gonçalo- 52
RJ”
2005 – Amostra 53
2008 – Amostra 55
2005 e 2008 – Instrumentos 56
Processamento e análise dos dados 67
3.2. Projeto “estresse pós-traumático em adolescentes: o impacto da violência e de outros 67
eventos adversos com escolares de um município do Estado do Rio de Janeiro"
Definição da amostra e tamanho amostral 67
Instrumentos 70
Aplicação do instrumento 77
Processamento e análise dos dados 78
3.3. Organização da tese em formato de artigos 79

CAPÍTULO 4 – RESULTADOS 81

Artigo 1 - Violências e Transtorno de Estresse Pós-Traumático na infância 82


Artigo 2 - Violência comunitária e Transtorno de Estresse Pós-traumático em crianças e 118
adolescentes.
Artigo 3 – Transtorno de estresse pós-traumático e violência familiar e comunitária em 134
adolescentes

CAPÍTULO 5 - CONSIDERAÇÕES FINAIS 154

Referências 163
ANEXOS 177
Aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa – ENSP 178
Folder distribuído aos participantes do Estudo 2 179

5
Listas de ilustrações, tabelas, quadros e figuras, com indicação das respectivas
páginas.
Página

Quadro 1: Critérios diagnósticos para TEPT: DSM-IV-TR 10


Quadro 2: Detalhamento das variáveis utilizadas nos artigos 1 e 2 da tese. 57
Quadro 3: Itens da escala de violência comunitária - CVO 61
Quadro 4: Escala de TEPT a partir da CBCL (Ruggiero e Mc Leer, 2000) 63
Quadro 5: Escala de TEPT a partir da YSR (Ruggiero e Mc Leer, 2000) 66
Tabela 1: Tamanho amostral calculado, obtido e analisado, segundo redes de 69
ensino e áreas programáticas (AP)
Quadro 6: Detalhamento das variáveis utilizadas no artigo 3 da tese. 71
Quadro 7: Escala UCLA PTSD Reaction Index – Versão para o adolescente 75

Artigo 1
Tabela 1: Distribuição da prevalência dos sintomas de TEPT segundo itens de 93
TEPT/CBCL
Tabela 2: Distribuição dos fatores relacionados à criança, eventos adversos, 95
adversidades na família e fatores familiares segundo ausência ou presença de
TEPT
Tabela 3: Razões de chances (OR) brutas e ajustadas pelo modelo logístico 100
para a ocorrência de TEPT

Artigo 2
Gráfico1 - Prevalência da Exposição à Violência Comunitária* em 399 125
Crianças e Adolescentes de Escolas Municipais de São Gonçalo – RJ
Tabela 1: Estimativa dos coeficientes, erro-padrão, razão de chances e 126
significância dos modelos.
Tabela 2 - Predição do efeito de interação de violência comunitária e sexo 127
sobre TEPT (N=399).
Figura 2 - Interação de Violência Comunitária (CVO) e Sexo nos Sintomas de 128
TEPT para Escolares da Rede Municipal de São Gonçalo, com Idade Menor
ou Igual a 10 anos e Maiores de 10 anos.

Artigo 3
Gráfico 1: Distribuição percentual de eventos adversos vivenciados pelos 142
adolescentes, segundo sexo (Escala UCLA-PTSD)
Tabela 1: Modelo logístico*univariado de exposição à violência e TEPT (OR 144
brutas).
Tabela 2: Modelo logístico múltiplo de TEPT associado à exposição à
violência familiar e comunitária de adolescentes escolares de São Gonçalo -
RJ

6
Capítulo 1

Introdução

A história da humanidade mostra que uma variedade de riscos e adversidades sempre


esteve presente ao longo de todo o ciclo vital. A fase da infância e adolescência é uma
das mais vulneráveis, tendo sido pouco estudada e valorizada na antigüidade, em função
do frágil valor social que possuía. O movimento em prol do bem-estar de crianças,
iniciado no século XIX, avançou substancialmente no século XX, quando essa fase da
vida passou a ter valorização especial para a sociedade, refletida no incremento nas
condições de vida oferecidas a este grupo etário e no aumento significativo dos registros
históricos existentes1. A despeito dos grandes avanços existentes, crianças e
adolescentes continuam expostas a adversidades brutais, dentro e fora de casa, com
elevado potencial de comprometimento de sua saúde e qualidade de vida.

Há circunstâncias de vida que são consideradas adversas ao desenvolvimento infanto-


juvenil, como a vitimização provocada por guerras, graves desastres ou catástrofes
naturais. Outros acontecimentos igualmente difíceis, que fazem parte do cotidiano de
milhares de crianças e adolescentes, são: abusos físico, psicológico e sexual;
negligência; doenças e mortes na família; conflitos e a separação dos pais; perda dos
cuidadores ou pessoas significativas; separações prolongadas da mãe/cuidador;
hospitalização da criança ou adolescente; ausência do pai; e convivência com pobreza2.
Dentre estes, o abuso sexual é um dos fatos associados a diversos prejuízos e
transtornos psiquiátricos3. Em especial, para os adolescentes, acrescentam-se as
transformações próprias da puberdade; dificuldades no relacionamento íntimo e
familiar; ser vítima das mais variadas formas de violências, incluindo violência urbana e
tráfico de drogas4.

Nas últimas décadas, tem sido comum a investigação dos efeitos sobre a saúde mental
de crianças e adolescentes de conviver com eventos de vida difíceis. As conseqüências
dessa intimidade têm potencial de perdurar até a idade adulta5. Atrelado a isso, é grande
a prevalência dos problemas de saúde mental na infância e adolescência, afetando cerca
de 20% desta população em todo mundo6.

1
Reconhecendo o poder de impacto dessas situações difíceis e da necessidade de mapear
os problemas que afetam a população infanto-juvenil, esta tese se debruça na temática
do Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT) em crianças e adolescentes. Este
problema de saúde é decorrente da vivência de um evento traumático, aspecto
determinante para o desenvolvimento da sintomatologia.

O TEPT afeta sobremaneira a qualidade de vida de crianças e adolescentes,


caracterizando-se por diversos sintomas como: esquiva persistente de estímulos
associados ao evento traumático; sintomas de excitabilidade tais como irritação,
dificuldade de se concentrar; e revivência do evento traumático, entre outros7. Este
transtorno pode levar a sofrimento psicológico intenso, podendo causar uma maior
utilização de serviços de saúde8,9. O TEPT não afeta somente as pessoas acometidas,
mas indiretamente também o setor saúde e de segurança10. Apesar da relevância do
problema, mundialmente, são escassas as políticas voltadas a essa área, especialmente
em fases iniciais da vida.

Dentre as diversas adversidades que atingem crianças e adolescentes, destaca-se a


violência, por seu elevado potencial de prejudicar o desenvolvimento infanto-juvenil. A
violência é definida pela Organização Mundial de Saúde11 como:

O uso intencional da força física ou do poder, real ou em ameaça, contra si


próprio, contra outra pessoa, ou contra um grupo ou uma comunidade, que resulte
ou tenha grande possibilidade de resultar em lesão, morte, dano psicológico,
deficiência de desenvolvimento ou privação (p.5).

A vivência estrutural é uma das formas mais danosas para a vida de crianças,
adolescentes e suas famílias, embora sendo pouco reconhecida como forma de
violência. Refere-se a uma ordem social, econômica e política que possibilita a
manutenção das desigualdades sociais, culturais, étnicas e de gênero, contribuindo para
produção de miséria, fome e outras formas de submissão e exploração de pessoas12. As
demais formas de violências abordadas a seguir, nutrem-se desta desigualdade estrutural
existente na sociedade brasileira.

A violência urbana é outra destacada adversidade que acomete crianças e adolescentes


ao longo de seu desenvolvimento, caracterizando-se por manifestações da violência
interpessoal que, além de terem lugar no ambiente urbano, têm conexão bastante forte
com a espacialidade urbana e/ou com problemas e estratégias de sobrevivência
presentes neste espaço social. A violência urbana vivenciada localmente é alimentada

2
por fatores que emergem e operam em diversas escalas, da local à internacional13. Nesta
tese, utilizaremos o conceito de violência comunitária, mais utilizado na área da saúde.
Esta forma de violência é definida como aquela que acontece nos bairros, nas escolas e
nas proximidades da moradia da criança e do adolescente ao longo de seu crescimento.

A violência familiar, quando vivenciada por uma criança ou adolescente, é outro tipo de
violência, também muito grave e prejudicial. Atinge muito precocemente e em local
supostamente seguro para uma criança ou adolescente. É definida pelo Ministério da
Saúde14 como:

Toda ação ou omissão que prejudique o bem-estar, a integridade física, psicológica


ou a liberdade e o direito ao pleno desenvolvimento de outro membro da família.
Pode ser cometida dentro ou fora de casa por algum membro da família, incluindo
pessoas que passam a assumir função parental, ainda que sem laços de
consangüinidade, e em relação de poder à outra (p.15)14.

Os diversos tipos de violência mencionados interagem entre si, podendo potencializar


uns aos outros12. À convivência com distintas violências acrescentam-se outros eventos
adversos, compondo um rico leque de possíveis fatores que podem desencadear TEPT
em crianças e adolescentes.

A relevância do estudo está respaldada na real possibilidade de prevenção do


transtorno à saúde, se a sociedade conseguir reduzir ou limitar a ocorrência de
adversidades ao longo do desenvolvimento infantil. A investigação de TEPT nas fases
iniciais do desenvolvimento possibilita identificar aspectos-chave para a prevenção do
problema. Estatísticas demonstram que na infância e adolescência a exposição à
violência é grande e, comumente, surge em conjunto com outras vulnerabilidades
psicossociais, deixando a criança e o adolescente mais vulnerável para lidar com
situações estressantes15. É, portanto, relevante entender o comportamento, os
sentimentos, o afeto e o humor de crianças e adolescentes que passam por situações
difíceis, visando recolher subsídios para prevenção e tratamento.

Outro aspecto a ser apontado é que há, ainda hoje, uma ausência de estudos com base
populacional sobre violência e Transtorno de estresse pós-traumático na infância e
adolescência em território nacional. Há também escassez de instrumentos de pesquisa
sobre TEPT adaptados à língua portuguesa, que sejam acessíveis a faixas etárias mais
novas e que pertençam a distintos níveis socioeconômicos.

3
Desde 2001, a prevenção aos acidentes e violências passou a ser encarada como
prioridade na agenda do Estado Nacional, desde o advento da Política Nacional de
Redução da Morbimortalidade por Acidentes e Violências16. Nesta política, a violência
contra a criança e o adolescente toma posição de destaque no enfrentamento da
violência. Recentemente, a implantação do Plano Nacional de Prevenção da Violência e
Promoção da Saúde está sendo realizada a partir dos propósitos e diretrizes da Política
Nacional, estruturando-se a Rede Nacional de Prevenção da Violência e Promoção da
Saúde e a Implantação e Implementação de Núcleos de Prevenção à Violência em
Estados e Municípios17.

Crianças, adolescentes e jovens constituem as principais vítimas da violência e são


alvos privilegiadamente vulneráveis de sofrerem TEPT. Ao mesmo tempo, contribuem
para perpetuar a violência interpessoal em cada região do mundo, o que representa,
além de perda de milhares de vidas, um custo significativo e uma demanda considerável
de trabalho no setor de saúde, constituindo um desafio e um importante problema de
saúde pública atual.

Também é grande a magnitude da violência familiar em território nacional. Assis et al.18


verificaram que 25,5% de crianças entre 6 e 13 anos do município de São Gonçalo/RJ
vivenciaram violência severa do seu pai e 58,2% da violência cometida pela mãe nos 12
meses anteriores à entrevista (esta forma de violência é caracterizada como atos com
elevado potencial de ferir, tais como: ser chutado, ser mordido, ser esmurrado, ser
espancado, ser ameaçado com arma ou faca, ou ainda efetivamente ter sido agredido
com estes instrumentos). Moura e Reichenheim19, investigando sobre a violência
familiar num ambulatório de pediatria público do Rio de Janeiro com 245
mães/responsáveis, identificaram 94,2% de agressão psicológica perpetrada pela mãe e
46% de agressões físicas menores contra a criança. Numa pesquisa com crianças de 6 a
12 anos de um município próximo ao Rio de Janeiro, 11.3% de suas mães/responsáveis
disseram que seus filhos já testemunharam alguém gravemente ferido; 11,4% já
presenciaram alguém roubando ou atirando em outras pessoas; e 12,1% já viram
pessoas sendo assassinadas ou mortas20. Estudo realizado por Cardia21 em 10 capitais
brasileiras mostra que 16% dos jovens já haviam sido ou tinham um parente próximo
ameaçado de morte e 12% tinham sofrido agressão física na comunidade em que
moram.

4
A violência não é tema exclusivo das vidas das crianças e adolescentes brasileiros.
Straus22 mostrou, através de um inquérito nacional de violência ocorrida em lares
americanos, que 63% dos respondentes usaram alguma forma de violência sobre suas
crianças. Bell e Jenkins23 verificaram que, entre adolescentes escolares de 10 a 19 anos
da cidade de Chicago (EUA), 75% já testemunharam roubo, esfaqueamento, tiros e/ou
morte.

No que se refere à prevalência de Transtorno de estresse pós-traumático em crianças e


adolescentes brasileiros, poucos estudos nacionais abordam o tema24,25. Há, portanto,
escassez de estudos epidemiológicos nesta área com público desta faixa etária, em
território nacional.

Visando preencher lacunas existentes e investigar temática de tamanha relevância, a


presente tese tem como objeto a exposição à violência (familiar e comunitária) como
fator de risco para o desenvolvimento de Transtorno de Estresse Pós-Traumático
(TEPT) em crianças e adolescentes.

A organização da tese está exposta da seguinte forma:

Introdução e objetivos, presente capítulo que direciona as principais questões a


serem abordadas ao longo da tese;

Quadro teórico, com a discriminação de TEPT na infância e adolescência,


adversidades encontradas nestas fases da vida, com destaque especial para as
distintas formas de violência;

Materiais e métodos, destacando as diferentes pesquisas que deram origem aos


artigos que compõem a tese e as opções metodológicas utilizadas;

Apresentação dos resultados, composta por três artigos consecutivos, cujos


objetivos estão apresentados mais adiante neste capítulo;

Considerações finais, momento em que está proposta uma discussão mais global
sobre as adversidades/violências e sua associação com TEPT na fase da infância
e da adolescência, apontando especificidades e diferenciações constatadas nos
diferentes públicos investigados, e buscando diálogo com outros autores que
investigam o tema.

5
Para o desenvolvimento da tese, optou-se por investigar escolares da rede pública e
particular de um município do Rio de Janeiro, onde as condições de vida da população
são muito adversas, São Gonçalo-RJ. Este município está localizado a apenas 20 Km da
cidade do Rio de Janeiro, possuindo uma população urbana de cerca de 1 milhão de
habitantes dos quais, em torno de um terço, são crianças e adolescentes. O município
teve um crescimento desordenado e intenso, entretanto, sua infra-estrutura não
acompanhou esse crescimento, que se deu basicamente à custa de população de baixo
poder aquisitivo. Dentre os bairros do município, aquele com maior renda per capita
alcança 3 salários mínimos. Em 2005, São Gonçalo tinha um PIB per capita baixo (R$
6.639), se comparado aos seus vizinhos Rio de Janeiro (R$ 19.524) e Niterói (R$
14.523). Carece de atividades culturais e esportivas, oferecendo poucas instituições
sociais de apoio aos moradores de baixa renda26. Possui taxa de analfabetismo para
pessoas acima de 15 anos, de área urbana ligeiramente superior (5,8%) a taxa do Rio de
Janeiro (4,4%)27. O município ocupa a 50ª posição no Estado do Rio de Janeiro no
Índice de Desenvolvimento Infantil, com apenas 0,2% das crianças entre 0 e 3 anos
matriculadas em creches e 27,5% daquelas entre 4 e 6 anos em pré-escola28.

As causas violentas constituem a terceira causa de morte, e cerca de 15% dos estudantes
adolescentes da rede pública e particular de São Gonçalo sofrem violência familiar
severa, convivendo cotidianamente com atos com elevado potencial de ferir, tais como:
ser chutado, ser mordido, ser esmurrado, ser espancado, ser ameaçado com arma ou
faca, ou efetivamente ter sido agredido com estes instrumentos29.

Embora o município apresente elevados índices de violência, este ainda oferece poucas
políticas de atendimento endereçadas às crianças e adolescentes que sofrem violência
em seus lares. A escassez e fragilidade de alguns serviços públicos são manifestações da
violência estrutural, que potencializam a ocorrência de várias outras formas de
vitimização.

6
1.1. OBJETIVOS

Objetivo Geral: Investigar a magnitude do Transtorno de Estresse Pós-Traumático


(TEPT) em crianças e adolescentes escolares de São Gonçalo/RJ e estudar sua
associação com a exposição à violência familiar e comunitária.

Objetivos Específicos

Artigo 1 – Violência e Transtorno de Estresse Pós-Traumático na infância

Estimar a magnitude dos sintomas de TEPT em crianças (6-13 anos) estudantes


de escolas públicas municipais de São Gonçalo, bem como construir um modelo
explicativo para o TEPT na infância.

Artigo 2 – Violência Comunitária e Transtorno de Estresse Pós-Traumático em


Crianças e Adolescentes

Investigar a associação entre a exposição da violência comunitária e sintomas de


TEPT controlando por gênero e por faixa etária de crianças e adolescentes (9-16
anos) de escolas públicas municipais de São Gonçalo.

Artigo 3 – Transtorno de estresse pós-traumático e violência familiar e


comunitária em adolescentes

Investigar a associação entre a exposição à violência familiar e comunitária e


ocorrência de TEPT em adolescentes escolares de escolas públicas e particulares
de São Gonçalo/Rio de Janeiro.

7
Capítulo 2

Referencial Teórico

Neste capítulo, apresenta-se uma síntese das principais questões teóricas de interesse
para a tese. O desenvolvimento do conhecimento sobre Transtorno de Estresse Pós-
Traumático (TEPT) em crianças e adolescentes é o principal tema abordado, apontando
as dificuldades existentes no diagnóstico do transtorno, dentre as quais se ressalta a
comorbidade com outros transtornos emocionais e comportamentais. Os fatores
predisponentes ao TEPT e o detalhamento dos eventos traumáticos que o possibilitam,
ganham destaque no correr do capítulo, finalizando com um olhar especial sobre a
temática da violência que atinge crianças e adolescentes – evento traumático principal
investigado na tese.

2.1. TRANSTORNO DE ESTRESSE PÓS-TRAUMÁTICO

O Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT) se caracteriza pela presença de


sintomas característicos após a exposição a um evento traumático do qual a pessoa foi
vítima, testemunha ou confrontada, causando-lhe medo intenso, impotência ou terror.
Esta definição encontrada no Manual Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos Mentais
- DSM-IV-TR7, importante referencial para a clínica psiquiátrica, detalha que o evento
traumático pode envolver morte, ferimentos, agressões ou ameaças à integridade física
de uma pessoa ou de outros indivíduos. O estressor é considerado como ameaçador à
vida. A descrição exata dos critérios diagnósticos de TEPT pode ser observada no
quadro 1.

Três grandes critérios são necessários para o diagnóstico de TEPT segundo a DSM-IV-
TR (APA, 2003)7:

revivência do evento traumático, que pode ocorrer em uma ou mais das


seguintes maneiras: lembranças aflitivas, intrusivas e recorrentes do evento;
sonhos com o evento; espécies de alucinações, ilusões, episódios de flashback em

8
que a pessoa age ou sente como se o episódio estivesse ocorrendo novamente.
Pode haver reatividade fisiológica e/ ou sofrimento psicológico intenso quando
exposto a indícios externos ou internos que lembrem o evento;

esquiva persistente de estímulos associados ao evento e entorpecimento da


responsividade geral, apresentando três ou mais das seguintes características:
esforços para evitar pensamentos, sentimentos e conversas associadas ao evento;
esforços no sentido de evitar locais, pessoas, ações e tudo que lembre o evento;
incapacidade de lembrar algum aspecto importante do trauma; pouco interesse em
participar de atividades consideradas por ele próprio significativas antes da
ocorrência do trauma; sensação de afastamento em relação a outras pessoas; faixa
de afeto restrita; e sentimentos de futuro abreviado, que se caracteriza por não ter
esperanças de construir um futuro como casar, ter filhos, ou algo que antes ele
planejava fazer em sua vida;

sintomas persistentes de excitabilidade aumentada, indicados por duas ou mais


das seguintes características: hipervigilância; dificuldade de manter o sono; surtos
de raiva e irritabilidade; dificuldades de manter a concentração.

Para caracterizar a existência do Transtorno de estresse pós-traumático, estes sintomas


devem causar sofrimento e prejuízo significativo em áreas importantes da vida da
pessoa e estar acontecendo há mais de um mês.

9
Quadro 1: Critérios diagnósticos para TEPT: DSM-IV-TRTM
A- Exposição a um evento traumático no qual os seguintes quesitos estiveram presentes:
(1) a pessoa vivenciou, testemunhou ou foi confrontada com um ou mais eventos que envolveram morte
ou grave ferimento, reais ou ameaçados, ou uma ameaça à integridade física, própria ou de outros.
(2) a resposta da pessoa envolveu intenso medo, impotência ou horror. Nota: em crianças, isto pode ser
expressado por um comportamento desorganizado ou agitado.
B- O evento traumático é persistentemente revivido em uma (ou mais) das seguintes maneiras.
(1) - recordações aflitivas, recorrentes e intrusivas do evento, incluindo imagens, pensamentos ou
percepções. Nota: em crianças pequenas, podem ocorrer jogos repetitivos, com expressão de temas ou
aspectos do trauma.
(2) – sonhos aflitivos e recorrentes com o evento. Nota: em crianças podem ocorrer sonhos
amedrontadores sem um conteúdo identificável.
(3) – agir ou sentir como se o evento traumático estivesse ocorrendo novamente (inclui um sentimento
de revivência da experiência, ilusões, alucinações e episódios de flashbacks dissociativos, inclusive
aqueles que ocorrem ao despertar ou quando intoxicado). Nota: em crianças pequenas pode ocorrer
reencenação específica do trauma.
(4) – sofrimento psicológico intenso quando da exposição a indícios internos ou externos que
simbolizam ou lembram algum aspecto do evento traumático.
(5) – reatividade fisiológica na exposição a indícios internos ou externos que simbolizam ou lembram
algum aspecto do evento traumático.
C. Esquiva persistente de estímulos associados com o trauma e entorpecimento da reatividade geral
(mão presente antes do trauma), indicados por três (ou mais) dos seguintes quesitos:
(1) – esforços no sentido de evitar pensamentos, sentimentos ou conversas associadas com o trauma.
(2) - esforços no sentido de evitar atividades, locais ou pessoas que ativem recordações do trauma.
(3) – incapacidade de recordar algum aspecto importante do trauma.
(4) - redução acentuada do interesse ou da participação em atividades significativas.
(5) – sensação de distanciamento ou afastamento em relação a outras pessoas.
(6) – faixa de afeto restrita (p.ex., incapacidade de ter sentimentos de carinho).
(7) – sentimento de um futuro abreviado (p.ex., não espera ter uma carreira profissional, casamento,
filhos ou um período normal de vida).
D. Sintomas persistentes de excitabilidade aumentada (não presentes antes do trauma), indicados por
dois (ou mais) dos seguintes quesitos:
(1) – dificuldade em conciliar ou manter o sono.
(2) – irritabilidade ou surtos de raiva.
(3) – dificuldade em concentrar-se.
(4) – hipervigilância.
(5) – resposta de sobressalto exagerada.
E. A duração da perturbação (sintomas dos critérios B, C e D) é superior a 1 mês.
F. A perturbação causa sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo no funcionamento social ou
ocupacional ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo.
Especificar se:
Agudo: se a duração dos sintomas é inferior a 3 meses.
Crônico: se a duração dos sintomas é superior a 3 meses.
Especificar se:
Com início tardio: se o início dos sintomas ocorre pelo menos 6 meses após o estressor.
Fonte: APA7

Dados sobre a epidemiologia do TEPT mostram prevalência durante a vida de


aproximadamente 8% da população adulta dos EUA. Não há informação para a
população em geral de outros países. Estudos em indivíduos em situação de risco
produzem achados variáveis, com as taxas mais altas (entre um terço e mais da metade
daqueles expostos) encontradas em sobreviventes de estupro, combatentes militares e
cativeiro, e confinamento ou genocídio com motivações políticas ou étnicas7.

10
O TEPT pode ocorrer em qualquer idade, inclusive na infância. Os sintomas de TEPT
costumam iniciar ao longo dos três primeiros meses após o trauma, embora possa haver
um lapso de meses ou mesmo anos antes do seu aparecimento7.

Estudos apontam maior risco para o TEPT entre pessoas do sexo feminino30,31, porém
mais estudos são necessários para se entender a relação entre o TEPT e o sexo de
crianças e adolescentes.

Existem evidências de que apenas o evento traumático não é suficiente para desencadear
TEPT. Muitos fatores de vulnerabilidade são importantes e devem ser levados em conta
para o desencadeamento deste transtorno, como: fatores de risco genético, histórico
familiar, experiências da infância, natureza da relação existente entre os pais, tipo de
personalidade, história prévia de traumas e de transtornos comportamentais/emocionais,
suporte social (pré e pós-trauma), outros eventos de vida existentes à época do trauma e
exposição a estressores subseqüentes que reativem os sintomas32,33. O histórico de
depressão entre parentes em primeiro grau também indica maior vulnerabilidade para o
surgimento do TEPT.

Outro preditor da gravidade do TEPT refere-se às reações peritraumáticas, que


englobam a dissociação, a imobilidade tônica e reações de pânico34. Alguns autores
discutem que os efeitos imediatos das reações peritraumáticas podem ser positivos, pois
podem proteger as pessoas de estados emocionais intensos no momento do trauma,
porém, a longo prazo, vivenciar tais reações está associado a maior risco de desenvolver
psicopatologia em geral e em especial, o TEPT35. Foi percebido que, também em
crianças, a dissociação peritraumática é preditor importante para os sintomas de TEPT,
a partir dos resultados de um estudo desenvolvido com crianças de 8 a 15 anos que
sofreram acidentes de trânsito, na França36.

A dissociação peritraumática refere-se à incapacidade de “integrar na consciência a


totalidade daquilo que está a acontecer, isto é, os elementos do acontecimento podem
não ser integrados na memória e na identidade pessoal”37. Alguns exemplos de
dissociação peritraumática: sentido alterado de tempo; sentir-se em “piloto automático”;
sensação de estar em “câmera lenta”; sentir-se como um espectador do evento;
desrealização; despersonalização; e imagem corporal alterada. Uma metanálise com 59
estudos demonstrou uma relação significativa positiva entre dissociação peritraumática

11
e o transtorno de estresse pós-traumático. Isto significa que pessoas que experienciaram
dissociação durante o evento ou pouco após o evento tiveram maior probabilidade de
apresentar este transtorno posteriormente em suas vidas35.

A imobilidade tônica peritraumática refere-se a sensações de imobilidade voluntária,


congelamento, paralisia e analgesia que ocorrem quando a pessoa está diante da
situação traumática37. Estudo avaliou a associação entre as reações peritraumáticas e o
tratamento farmacológico do TEPT e encontrou que estas reações eram mais freqüentes
entre aqueles com resposta ruim ao tratamento. Dentre as reações peritraumáticas, a
imobilidade tônica foi considerada o mais importante preditor de um resultado ruim a
este tipo de tratamento 38.

As reações de pânico peritraumáticas referem-se a ataques de pânico que ocorrem


próximos temporalmente a situações traumáticas. Em estudo realizado com adultos
nova-iorquinos, após os ataques terroristas de setembro de 2001, foi observado
associação entre a procura por serviços de saúde mental e as reações de pânico
peritraumáticas. Algumas características também foram importantes na busca destes
serviços como ser mais jovem, sofrer ataques de pânico peritraumáticos, apresentar
TEPT e depressão39.

Perry et al40 apontam uma série de comportamentos dissociativos em crianças. Elas


relatam estar “em um lugar diferente”, uma sensação de estar em um filme ou apenas
flutuando. Segundo os autores, quem observa estas crianças diria que ela esta agindo
roboticamente, sem reagir a estímulos, agindo como se não estivesse lá e olhando para o
espaço com um olhar vidrado. Os autores discutem que quando mais desamparado o
indivíduo se sente, mais ele utiliza respostas dissociativas ao evento ameaçador. E que
as pessoas do sexo feminino utilizam mais este tipo de respostas que as do sexo
masculino. E que esse comportamento dissociativo diante da ameaça pode ter sido
adaptativo para crianças e mulheres ao longo da história humana. Os autores relatam
que diante de guerras entre grupos/tribos/clãs, os vencedores costumavam matar os
homens e tomar crianças e mulheres.

Algumas linhas de pensamento tentam compreender a etiologia do TEPT, cada uma


delas contribuindo parcialmente para o entendimento das causas do transtorno.
Apresentam-se algumas delas a seguir.

12
O modelo explicativo ancorado na psicanálise se baseia no fato de que a experiência
originada pelo trauma psíquico rompe os mecanismos de defesa do ego e mobiliza uma
série de defesas psicológicas como repetição compulsiva, negação, dissociação,
projeção e identificação com o agressor.

Os teóricos voltados para a aprendizagem social consideram que os sinais cognitivos,


afetivos, fisiológicos e ambientais que acompanham um evento traumático passam a ser
estímulos condicionados que desencadeiam respostas condicionadas sob a forma de
sintomas de TEPT.

Ehlers e Clark41 discutem que o TEPT leva a um senso de ameaça recorrente devido às
diferenças de interpretações sobre o trauma e suas seqüelas, e às diferenças na natureza
da memória sobre o evento. Segundo os autores, os indivíduos com TEPT não
conseguem perceber o evento traumático como algo que passou e o interpretam como
ameaça presente. As interpretações sobre o evento traumático podem ser variadas,
podendo ser relacionadas a um exagero na probabilidade do evento ocorrer novamente;
considerar-se como alguém que atrai desastres; e considerar que algo que sentiu ou
como se comportou teve influência na ocorrência do evento traumático. Estas
interpretações podem reforçar os sintomas do TEPT e de certos estados emocionais
como medo, raiva, vergonha e tristeza.

Quanto à questão da natureza da memória do evento traumático, a invocação de


lembranças de forma intencional é fragmentada, pois o indivíduo pode apresentar
dificuldades de lembrar os eventos na ordenação correta ou pode se esquecer de
detalhes ou partes do evento. Além disso, o indivíduo pode ser invadido por lembranças
de partes do evento, onde ele sente como se o evento estivesse ocorrendo novamente,
incluindo reações físicas, motoras e emoções experienciadas no momento do evento. Os
autores consideram que esta dificuldade de se lembrar de certas partes do evento e esta
experiência involuntária de lembranças sobre o mesmo esteja relacionada à maneira
como o trauma é registrado na memória. As memórias traumáticas são
processadas/elaboradas de maneira errônea, não se integrando adequadamente ao
contexto de tempo e lugar das memórias autobiográficas41.

Estudos recentes sobre neurobiologia da resposta ao estresse têm contribuído para


entender as transformações ocorridas nas pessoas que sofrem traumas psicológicos

13
severos42. A maioria destes estudos foi desenvolvida com adultos. Estão envolvidos na
resposta ao estresse: amígdala e outras regiões do sistema límbico, bem como alguns
sistemas neuro-químicos: noradrenérgico, serotoninérgico, glutamérgico, gabaérgico,
dopaminérgico, opióide, adrenal-pituitário-hipotalâmico, tireóide-pituitário-
hipotalâmico, hormônio do crescimento-pituitário-hipotalâmico e sistema gonadal-
pituitário-hipotalâmico.

Alterações neuro-endócrinas se dariam em conseqüência ao estresse pela elevação dos


fatores de liberação da corticotrofina (CRF) e pelos baixos níveis de cortisol, fruto da
hipersensibilidade do eixo adrenal-pituitário-hipotalâmico. Dentre os neuro-
transmissores destacam-se: a) noradrenalina: função aumentada pelo estresse,
responsável pelos ataques de pânico, insônia, sobressaltos exagerados e hipervigilância;
b) serotonina: mediador de certos comportamentos de evitação; c) dopamina: o estresse
agudo libera a substância no córtex pré-frontal, facilitando ataques de pânico,
hipervigilância, sobressaltos exagerados e ansiedade generalizada; d) glutamato e
GABA: relacionados ao encadeamento da memória, afetada em casos de TEPT.

Também a neuroanatomia cerebral tem sido implicada na ocorrência de TEPT. Várias


regiões cerebrais estão implicadas: amígdala, hipocampo, giro cingulado anterior, área
de Broca e córtex visual. Crianças e adolescentes maltratados com TEPT demonstraram
menor volume cerebral e intracraniano que controles. Entretanto, não se observou
redução de hipocampo, como observado em adultos com TEPT43,44. O volume cerebral
vem demonstrando estar correlacionado robusta e positivamente à idade de
aparecimento de TEPT, e negativamente com a duração do abuso45.

Fatores genéticos são considerados relevantes na etiologia do TEPT. Yehuda et al.


(apud Silva)46 sugerem que estresses podem induzir mudanças na expressão do gene,
sendo possível fator de efeito intergeracional do TEPT, introduzindo uma base genética
para as diferenças individuais de reatividade ao estresse. Todavia, muitos fatores
complexificam esta relação, dentre eles, a elevada freqüência de comorbidades (tema
discutido mais adiante), os diferentes tipos de exposição ambiental, a heterogeneidade
dos genes e as diferenças metodológicas apresentadas pelos estudos sobre o tema,
dificultando análises mais rigorosas46,47.

14
TEPT em crianças e adolescentes

Como se verá ao longo deste tópico, os critérios do DSM-IV não são suficientemente
sensíveis ao TEPT em crianças, especialmente, no que se refere às mais jovens. Eth45,
reconhecendo a precariedade de conhecimentos que ainda hoje persiste na área, realizou
um esforço de recuperar historicamente o desenvolvimento do transtorno na infância e
juventude, que serve de base para a presente discussão.

O estudo do TEPT foi inicialmente reconhecido como um problema de saúde que


acometia adultos. Apenas posteriormente, as crianças e adolescentes foram também
reconhecidos como possíveis vítimas. Desde então, busca-se entender as diferenças (e
as similaridades) observadas nestes diferentes ciclos de vida, especialmente devido à
distinta forma como crianças processam os estímulos em função de seu estágio
desenvolvimental e grau de desenvolvimento cerebral, bem como pela relevância
fundamental dos fatores familiares, bem como genéticos e ambientais48.

Com a Segunda Guerra Mundial, o Holocausto e a bomba sobre Hiroshima, começaram


a ser estudadas as seqüelas psiquiátricas de trauma psíquico sobre a população. Alguns
relatos sobre os efeitos desses traumas em crianças deslocadas pela guerra, órfãs, feridas
ou encarceradas começaram a surgir na literatura especializada. Mas, a ampla faixa
etária e a diversidade de problemas, aliadas às várias orientações metodológicas dos
trabalhos falharam em criar um quadro clínico consistente. Além disso, a informação
coletada era secundária (pais ou outros adultos), que poderiam ter negado a gravidade
do sofrimento emocional da criança. Neste sentido, Anna Freud não encontrou “sinais
de choque traumático” em crianças nas enfermarias nos locais em guerra45.

Em 1953, foi realizada a primeira investigação rigorosa de trauma na infância, após um


tornado que atingiu a cidade de Vicksburg, no Mississipi/EUA. Uma semana após o
desastre, dois psiquiatras infantis entrevistaram crianças, pais e membros da
comunidade e aplicaram questionários. Encontraram associação significativa entre
distúrbios severos e terem estado na zona de impacto do tornado, constatando o
surgimento de “jogos de tornado” na brincadeira de algumas crianças49.

15
Em 1972, outro psiquiatra infantil encontrou observações clínicas de medos em crianças
que estavam em escola no Reino Unido envolvida por avalanche50. Neste mesmo ano,
após enchente em uma cidade norte-americana, outro pesquisador avaliou
psiquiatricamente 224 crianças, constatando vulnerabilidades nas crianças abaixo de 12
anos após o trauma51; um seguimento dessas crianças após 17 anos da ocorrência do
desastre, quando já eram adultas, mostrou TEPT em 7% no grupo que não tinha
sintomas logo após a enchente; e 32% entre os que desde aquela época já possuíam
TEPT52.

Em 1976, 26 crianças foram seqüestradas e mantidas presas em um carro por 16 horas,


em cidade norte-americana. Comparando este grupo de crianças com um grupo controle
da mesma cidade e idade, verificou-se que as crianças traumatizadas exibiam uma
constelação única de sinais e sintomas53.

Apesar desse relato histórico, o Transtorno de estresse pós-traumático só foi


reconhecido como um problema que acomete seres humanos em 1980, com a
publicação da DSM-III (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders III):

Exceto, é claro, que ela existia. Diferente da Aids, TEPT é uma aflição que flagela
a humanidade desde que nossos ancestrais pré-históricos eram atacados por
animais predadores, devastados por desastres naturais e se engajavam em guerras
tribais. Muitos autores têm se deliciado em encontrar descrições literárias
características de TEPT em vários trabalhos de ficção e não-ficção (p.xvii)45.

A introdução de TEPT no DSM-III, em 1980, nomeou essa nova desordem psiquiátrica.


Dois grupos políticos foram fundamentais para o surgimento do TEPT no cenário da
clínica psiquiátrica: veteranos da segunda guerra mundial e movimento de mulheres
vítimas de estupro. Inicialmente, a DSM-III definiu apenas três grupos de sintomas:
revivência do trauma (como recordações intrusivas e pesadelos com o evento); baixa
responsividade ou reduzido envolvimento com o mundo externo (desinteresse e afeto
restrito); e excitabilidade aumentada (hiper-reatividade e distúrbios do sono). A DSM-
III não continha nenhuma referência explícita sobre o TEPT em crianças45.

Um relevante marco para o estudo do TEPT na infância e adolescência foi o lançamento


do livro Post-Traumatic Stress Disorder in Children54. Boa parte dos nove capítulos
deste livro, foi apresentada no Simpósio realizado em 1984, no encontro anual da
Associação Psiquiátrica Americana em Los Angeles, Califórnia. Este livro ajudou a
fundamentar o tema do impacto psicológico dos eventos traumáticos nas vidas das

16
crianças, abordando TEPT em vítimas de conflitos armados, jovens infratores, em
vítimas de câncer e de abuso físico e sexual.

Um estudo inédito sobre o tema foi relatado nesta época por Pynoos et al.55 que
identificou sintomas do TEPT em crianças de escola norte-americana que tinha sofrido
um ataque de um atirador, disparando contra crianças no playground e resultando em
duas mortes e treze feridos. As crianças com sintomas moderados a severos de TEPT
estavam mais diretamente expostas ao tiroteio, apresentando reexperienciação do evento
e dificuldade de responder aos estímulos externos. Outros fatores identificados neste
grupo foram: aumento de sentimentos de medo e ansiedade após o evento; e dificuldade
de concentração na escola e distúrbios do sono. Deste modo, a avaliação das crianças
identificou sintomas do TEPT agudo nas mesmas.

Apenas em 1987, a DSM-III incluiu dois exemplos específicos sobre crianças entre os
critérios diagnósticos de TEPT: os sintomas de revivência do trauma que podem ser
satisfeitos em crianças pequenas se elas apresentarem jogos repetitivos, nos quais temas
ou aspectos dos traumas estão expressos; e a baixa responsividade e o interesse
marcadamente diminuído em atividades que pode ser compreendido em crianças, se
houver perda de habilidades desenvolvimentais anteriormente adquiridas45.

Em 1994, foi lançada a DSM-IV, com revisões dos critérios de estresse para os eventos
traumáticos que estão fora do âmbito da experiência humana habitual e devem ser
marcadamente aflitivos por envolverem morte real ou ameaçada, ou ainda uma grave
lesão desenvolvendo medo intenso, desesperança ou horror. Novos adendos sobre
crianças foram introduzidos: o trauma pode se manifestar por comportamento
desorganizado ou agitado; a revivência dos sintomas pode se dar na forma de sonhos
ameaçadores, sem conteúdo reconhecido (terror noturno), ou através de sintomas de agir
ou sentir como se o evento estivesse acontecendo novamente45.

As manifestações de TEPT em crianças mais novas têm peculiaridades que tornam o


diagnóstico ainda mais difícil do que o realizado em outras fases da vida. Este aspecto
polimorfo da clínica do TEPT na infância e adolescência, com critérios não muito
rígidos como os do DSM-IV, vem sendo ressaltado por vários autores56.

Crianças informam pouco sobre alguns sintomas da DSM-IV para TEPT, que exigem
necessidade de descrição verbal das experiências e dos estados internos. Scheeringa et

17
al.57 relatam que 8 dos 18 sintomas normatizados pelo DSM-IV para TEPT se situam
neste caso. Por essa razão, crianças nos primeiros anos de vida costumam apresentar
sintomas de: ansiedade generalizada (medo de separação, ansiedade com estranhos,
medo de monstros e animais); evitação de situações que podem ter ou não um link óbvio
com o trauma original; distúrbios de sono; preocupação com certas palavras ou
símbolos que podem ter ou não uma conexão aparente com o evento traumático.

Scheeringa, Zeanah e Cohen58, em revisão de estudos sobre o TEPT em crianças e


adolescentes, afirmam que o os critérios diagnósticos da DSM-IV para este transtorno
não levam em consideração as etapas de desenvolvimento infantil. Os autores discutem
que os critérios desta versão da DSM foram desenvolvidos a partir de estudos com
amostras de pessoas acima dos 15 anos de idade, e que as notas da DSM-IV
relacionadas à manifestação do transtorno em crianças não são suficientes para captar a
manifestação de estresse pós-traumático neste grupo etário. Os autores sugerem que a
quinta versão da DSM deve incluir critérios do TEPT específicos para crianças e
adolescentes mais novos.

Grande parte dos estudos epidemiológicos se refere a eventos traumáticos específicos


que atingem um grande número de crianças e adolescentes ao mesmo tempo, como
desastres, atentados terroristas. Há poucos estudos voltados para a população geral de
crianças e adolescentes.

Dyregrov e Yule59 discutem que grande parte dos estudos são realizados com
adolescentes mais velhos e adultos. Estes autores citam prevalência ao longo da vida de
6,3% em uma amostra comunitária norte-americana de adolescentes mais velhos.
Breslau et al.60, em estudo com amostra de 2181 pessoas entre 18-45 anos de idade,
verificaram a prevalência de exposição a eventos traumáticos de 2% em uma
comunidade em Detroit, Estados Unidos da América.

Copeland et al.61 apontam prevalência de 0,5% para o TEPT (critérios completos da


DSM-IV) em estudo com 1420 crianças, que moram em Carolina do Norte nos EUA,
em uma amostra de um grande estudo longitudinal. Crianças que tiveram maior
probabilidade de apresentar os sintomas foram as mais velhas, com uma história de
exposição anterior a eventos potencialmente traumáticos, transtornos de ansiedade e
adversidades familiares. Os autores reiteram que os critérios da DSM-IV são mais

18
voltados para a idade adulta, e por isso, podem não captar bem o sofrimento de grande
parte das crianças relacionado aos eventos traumáticos.

Em uma revisão da literatura realizada por Gabbay et al.62, são apresentados estudos em
que a prevalência ao longo da vida para adolescentes e adultos jovens varia de 2% a
9,2%. Nesta revisão, é apontada grande variabilidade entre as prevalências de TEPT
para crianças e adolescentes de populações de alto risco, variando de 3% a 100%. Os
autores discutem que esta grande variabilidade pode ser explicada pela natureza do
trauma; diferenças nos estudos como escalas utilizadas e amostragem da população; o
lapso de tempo entre a exposição e o desenvolvimento dos sintomas.

As prevalências relacionadas aos diversos tipos de eventos potencialmente traumáticos


serão apresentadas mais adiante, nesta tese, ao se discutir a relação destes eventos com
TEPT.

A especificidade do estudo de TEPT na infância decorre do fato de que para o


processamento dos eventos traumáticos, crianças necessitam usar algumas operações
mentais que muitas vezes ainda não estão desenvolvidas, como estimação da magnitude
do perigo; reação emocional, fisiológica; regulação e estimação do tipo e eficácia da
intervenção de proteção para avaliação do perigo e resposta a este evento. A avaliação
de estimar e responder ao perigo depende não apenas do desenvolvimento
neurobiológico da criança, mas também da história de vida e do fato de sentir segurança
em adultos para ajudar diante de situações de perigo63.

Terr56 relata a presença de quatro grupos de características mais comuns em crianças


com TEPT: memórias repetitivas do evento ou memórias parciais do evento;
comportamentos repetitivos (reencenações do evento, brincadeiras); medos específicos
relacionados ao evento (medo de coisas e situações relacionadas às experiências
traumáticas) e outros medos „banais‟ (medo do escuro, de estar sozinho, de animais, por
exemplo); mudanças de atitude relacionadas a pessoas e ao futuro (senso de futuro
limitado, percepção de extrema vulnerabilidade dos seres humanos, principalmente da
própria criança).

Como relatado anteriormente, a resposta das crianças ao evento traumático de medo


intenso e horror pode se dar através de um comportamento desorganizado ou agitado.

19
Além disso, elas podem apresentar expressão de alarme e medo, gritos de socorro, e
comportamento ineficaz33.

O estágio de desenvolvimento da criança deve ser levado em consideração para o


entendimento das conseqüências negativas do evento traumático. O estágio do
desenvolvimento influencia a avaliação sobre medo, atribuição do significado,
significados cognitivo e emocional do coping, tolerância das reações, expectativas de
recuperação.

A seguir, serão descritas características de como as crianças e adolescentes lidam com


os eventos traumáticos de acordo com a fase do desenvolvimento.

Crianças mais novas costumam apresentar mais dificuldades de reportar sintomas de


evitação aos estímulos associados ao trauma, não considerando relevante contar ou
tendo dificuldades em expressar o sofrimento em palavras. Também apresentam menos
entorpecimento emocional e mais comportamento agressivo, brincadeiras repetitivas
sobre o evento, desenhos e re-encenação do evento59.

As crianças de idade pré-escolar costumam manifestar os sintomas através de meios


não-verbais, que prejudicam o diagnóstico do TEPT, que exige a descrição verbal de
um estado subjetivo64. Os sintomas do transtorno podem se manifestar por
comportamentos internalizantes, pesadelos e sono agitado, regressão de habilidades
adquiridas de acordo com o nível de desenvolvimento e comportamento pegajoso/
agarrado da criança.

A criança mais nova não costuma apresentar o sentimento de reviver o passado. O


trauma pode ser revivido através da reencenação do evento traumático. Por exemplo,
uma criança que passou por um acidente de trânsito, reencenaria o acidente
repetitivamente com seus carros de brinquedo7. A brincadeira relacionada ao evento
traumático é compulsiva e repetitiva, e não alivia os sintomas de ansiedade da criança64.

Salmon e Bryant65 mostram pesquisas que indicam outros problemas que costumam
aparecer em crianças com TEPT: baixa auto-estima, depressão, ansiedade de separação,
ansiedade generalizada. Na revisão realizada por estes autores, constatou-se que as
manifestações do transtorno variam conforme a fase de desenvolvimento. As crianças
pré-escolares apresentam menos sintomas cognitivos, como, por exemplo, a re-

20
experienciação dos sintomas e menos comportamento evitativo. Estados relacionados ao
transtorno são difíceis de serem executados e avaliados em crianças muito pequenas.

Scheeringa, Zeanah e Cohen58 propõem critérios alternativos para o TEPT em crianças


menores de 6 anos de idade. Devido ao fato de crianças em idade pré-escolar nem
sempre conseguirem expressar como se sentiram durante a ocorrência do evento
traumático, os autores propõem a eliminação do critério A2 (a resposta da pessoa
envolveu intenso medo, impotência ou horror) da DSM-IV para esta faixa etária. A nota
da DSM-IV que alerta para o fato das crianças poderem expressar comportamento
desorganizado ou agitado é considerada insuficiente para os autores citados, não
contemplando a variedade de manifestações de crianças frente aos eventos traumáticos.
Neste estudo de revisão, salienta-se que as crianças manifestam outras reações além de
medo, desesperança e comportamento agitado, tais como choro, surpresa, raiva,
entorpecimento, quietude, entre outras manifestações.

Estes autores também propõem mudanças nos critérios de que as recordações sobre o
evento são aflitivas, recorrentes e intrusivas. Segundo eles, as crianças mais novas nem
sempre demonstram aflição ou angústia, mesmo quando apresentam pensamentos
intrusivos e preocupação com estímulos associados ao trauma. Crianças também
podem manifestar seu sofrimento com afastamento social. Os autores afirmam ainda
que crianças pequenas não costumam apresentar os seguintes critérios: incapacidade de
recordar algum aspecto importante do trauma (critério C3) e sentimento de futuro
abreviado (critério C7). Os autores sugerem modificar o critério de crises de
irritabilidade e surtos de raiva para temperamento extremo de birra, pois consideram ser
freqüente o fato de crianças pequenas apresentarem crises de irritabilidade e explosões
de raiva58.

As crianças em idade escolar também apresentam de forma comportamental sua


ansiedade relacionada ao evento traumático. O sofrimento da criança pode se expressar
através de regressões de comportamentos aprendidos; problemas no apego a figuras
significativas como comportamento pegajoso/agarrado; aumento de problemas
internalizantes e externalizantes de comportamento; prejuízo na performance
acadêmica, dentre outros64.

21
A reexperienciação do evento através das brincadeiras, nesta idade, é mais sofisticada
que na idade pré-escolar, pois a criança pode incluir a escrita, desenhos e encenação.
Além disso, a criança pode envolver temas específicos do trauma nestas brincadeiras.
Nesta idade, as crianças também costumam exibir, além dos sintomas de excitabilidade
aumentada, uma série de sintomas físicos como dores de cabeça e de barriga57.

As crianças podem reviver o evento através de sonhos amedrontadores sem um


conteúdo identificável, como por exemplo, sonhos com monstros e de salvamentos de si
próprio ou de outros7. Também podem apresentar medo de ir dormir ou de ficar sozinho
e outros distúrbios do sono64.

O sentimento de futuro abreviado pode se expressar na idéia que a própria criança tem
de que ela não chegará à idade adulta. É também possível que a criança tenha a crença
de que pode prever eventos futuros indesejáveis, característica esta denominada de
“presságio catastrófico”7. Terr56 descreve esta característica como a “formação de
presságios” (omen formation) nas crianças, ou seja, a crença que as crianças têm de que
certos sinais são avisos de que o evento traumático está se aproximando e que, se elas
estiverem alertas, serão capazes de predizer desastres futuros.

Scheeringa, Zeanah e Cohen58 apontam que após eventos traumáticos, muitas crianças
em idade escolar e adolescentes mais jovens dizem que o pior e o mais assustador que
aconteceu a eles não foi o evento traumático em si, mas as conseqüências do evento,
que exemplificam como a retirada de casa de pais abusadores, revelação de abusos, ver
os pais chorarem após um evento traumático. Estes autores propõem que dentre os
eventos que levam ao TEPT, devem estar incluídos a perda dos pais (inclusive a ida
para abrigos e lares substitutos), ferimentos ou morte dos pais. Também propõem a
eliminação ou alteração do critério A2 (resposta de medo, impotência ou horror), pois as
crianças costumam apresentar uma variedade de sentimentos no momento do evento
traumático, tais como confusão, tristeza, vergonha, culpa e sensação de estar paralisada.

Tanto em crianças pré-escolares quanto nas escolares, Scheeringa, Zeanah e Cohen58


indicam que deveria haver a redução da exigência do número de quesitos do Critério C
(esquiva persistente de estímulos associados com o trauma e entorpecimento da
reatividade geral) de três para um. Segundo os autores, muitos dos sintomas deste grupo
são fenômenos internalizados ou de difícil detecção para esta faixa etária.

22
A identificação de alguns sintomas como limitação do afeto e diminuição do interesse
em realizar atividades anteriormente habituais costuma ser feita através do relato dos
pais e professores, devido às dificuldades das crianças em relatar reações subjetivas7.
Deste modo, as crianças de idade pré-escolar avaliam o perigo confiando no referencial
das figuras parentais ou das pessoas com quem formaram vínculo. Assim, respondem às
situações que eliciam respostas de medo e confiam na ação de proteção propiciada por
seus cuidadores. Na idade escolar, as crianças melhoram a apreciação de situações de
perigo, adquirem habilidades de como se manterem seguras, adquirem senso de culpa e
percebem ineficácia quando há falha em alguma ação protetiva59.

Comparando a idade pré-escolar com a escolar, Vela e Massa66 referem que crianças em
idade pré-escolar tendem a apresentar regressão de hábitos higiênicos já adquiridos,
medos mais generalizados, agressividade e distraibilidade, enquanto que sintomas mais
comuns de crianças em idade escolar com TEPT são revivências, transtornos do sono,
pensamentos repetitivos e medos relacionados ao evento traumático.

Scheeringa, Zeanah e Cohen58, em revisão de estudos, apontam que os sintomas de


TEPT em crianças não costumam sumir espontaneamente, e que podem trazer
sofrimento significativo mesmo depois de períodos longos de tempo após o evento
traumático ter ocorrido.

Adolescentes seriam mais propensos a exibirem sintomas de TEPT similares aos de


adultos, podendo alcançar critérios da DSM-IV como re-experienciação, evitação,
embotamento e hiperexcitação/alerta. Adolescentes com TEPT crônico, que têm
vivenciado estressores prolongados e repetidos, podem também apresentar
características dissociativas, incluindo desrealização, despersonalização,
comportamento auto-destrutivo, abuso de substância, raiva intermitente ou explosão
agressiva64.

Os adolescentes com este transtorno podem apresentar problemas na alimentação,


sentimentos de culpa, hipersexualidade, abuso de substâncias, dentre outros
problemas66.

O TEPT, nesta faixa etária, pode alterar as concepções sobre sua identidade, futuro e
segurança. Os adolescentes também podem manifestar o sentimento de futuro

23
abreviado, que pode se caracterizar pela crença de que não irão estabelecer uma carreira
e não irão formar uma família, dentre outras expectativas comuns entre os jovens64.

A maioria das crianças e adolescentes sobreviverão ao trauma integrando-o em suas


experiências e se desenvolvendo normalmente33. Para algumas, no entanto, estes
eventos irão desencadear a sintomatologia do TEPT, prejudicando tanto sua vida
pessoal quanto seu desempenho escolar64. Uma revisão de 25 estudos indica três fatores
constantemente encontrados para predizer o desenvolvimento de sintomas de TEPT em
crianças e adolescentes: severidade da experiência traumática; estresse relacionado ao
trauma dos pais; e proximidade temporal do evento traumático67.

ESTUDOS RECENTES SOBRE TRAUMAS MÚLTIPLOS E TEPT

Recentemente surgiu na literatura científica o conceito de Trauma Complexo - ou TEPT


complexo68 e, no que se refere à faixa da infância e adolescência, o termo de transtorno
do desenvolvimento provocado por traumas - Developmental Trauma Disorder69,70.
Ambos os transtornos são fruto da observação dos problemas originados por eventos
crônicos que atingem as pessoas ao longo de suas vidas.

Busuttil68 discute a importância da criação da categoria diagnóstica do transtorno de


estresse pós-traumático complexo (Complex Posttraumatic Stress Disorder – CPTSD).
Segundo o autor este conceito é útil para entender a constelação de sintomas de pessoas
que passaram por múltiplas experiências traumáticas. Ainda segundo ele, os critérios
diagnósticos da DSM-IV para o TEPT não contemplam todo o sofrimento vivenciado
por pessoas que passaram por diversas formas de traumas. O autor apresenta um quadro
diagnóstico para o TEPT Complexo. Além dos sintomas do TEPT, inclui sintomas
somáticos, afetivos e dissociativos. A pessoa com este transtorno pode apresentar medo,
prejuízos cognitivos, mudanças de humor, dificuldades de relacionamento (apego versus
afastamento), senso de si fragmentado ou ruim, comportamento auto-destrutivo, entre
outros.

O sugerido “Developmental Trauma Disorder” inclui a exposição repetida a eventos


traumáticos e adversidades durante o período da infância e adolescência como, por
exemplo, abandono, ataques físicos e sexuais, ameaças, abuso emocional, testemunho

24
de violências, práticas coercitivas, dentre outros. Os autores também sugerem que este
transtorno levaria a um padrão repetitivo de desregulação desencadeada em resposta a
sinais de trauma e alterações persistentes nas atribuições e nas expectativas sobre si
mesmo, relacionamento e outros69,70.

Segundo Van der Kolk69, o diagnóstico de TEPT não engloba uma série de efeitos que
ocorrem em crianças após a vivência de um evento traumático como, por exemplo:
problemas nos padrões de apego; regressões comportamentais e mudanças rápidas dos
estados emocionais; comportamento agressivo contra si e contra outros; múltiplos
problemas somáticos como dor de cabeça, dor de barriga; auto-atribuições negativas;
perda de confiança nos cuidadores, entre outras manifestações. Por isso, a criação deste
novo diagnóstico contemplaria estas alterações.

Independentemente da criação de novos transtornos em futuras edições da DSM,


estudiosos mostram um efeito dose-resposta no TEPT e outras seqüelas emocionais
quando traumas múltiplos e seqüenciais são vivenciados por crianças, adolescentes e
adultos71,72,73.

Em um estudo desenvolvido com adultos que avaliou abuso sexual e físico desde a
infância dos respondentes, Scott71 percebeu que há correlação entre vivenciar
experiências traumáticas múltiplas ao longo da vida e severidade do transtorno de
estresse pós-traumático.

Sofrer violência física concomitante à violência sexual esteve associado a sintomas mais
severos do TEPT em estudo com 187 adolescentes de 12 a 17 anos que realizavam
tratamento para problemas de saúde mental internalizantes e externalizantes74.

Grande parte dos estudos aponta que quanto mais experiências de vitimização, maiores
os prejuízos à saúde mental de crianças e adolescentes. Porém, é necessário levar em
consideração que, para crianças mais novas, um único evento ou poucos eventos de
violência podem estar associados ao sofrimento intenso e ao desenvolvimento do
TEPT75.

25
COMORBIDADES E NT R E TEPT E OUTROS DIAGNÓSTICOS NA INFÂNCIA E

ADOLESCÊNCIA

Crianças e adolescentes traumatizados freqüentemente exibem sintomas de outros


transtornos além do TEPT, e crianças com outros transtornos podem ter TEPT como
diagnóstico comórbido. Esse imbricamento de problemas é um dos grandes desafios ao
diagnóstico de TEPT.

A relativa raridade de “TEPT puro” (termo freqüentemente usado que denota uma
síndrome não complicada pela presença de sintomas de outros transtornos
psiquiátricos), comparada à presença de mais complexas formas, sugere que o estresse
traumático pode precipitar um completo grupo de sintomas e condições32.

Por outro lado, alguns sintomas de TEPT podem se manifestar de outras formas em
crianças, dificultando o diagnóstico. Destacam-se: a) embotamento e evitação se
manifestando como inquietação, hipervigilância, pouca concentração e problemas
comportamentais; e b) sintomas de ansiedade em crianças muito jovens expressos como
hiperatividade, distraibilidade e impulsividade aumentada, que são marcos do transtorno
de atenção e hiperatividade (TDAH).

Os transtornos externalizantes (transtornos de conduta e transtorno opositivo desafiador)


são achados comuns de estudos com crianças com TEPT em amostras clínicas e
populacionais. Steiner et al.76 e Cohen et al.77 sugerem que TEPT pode resultar da perda
de controle de impulsos e controle diminuído da raiva e agressão, o que poderia explicar
a comorbidade. Outros autores citados na revisão consideram que sintomas
externalizantes podem ser uma resposta inicial aos estressores, e que eles poderiam ter
efeito adormecido na emergência dos sintomas do TEPT.

Breslau et al.78, em estudo com jovens adultos norte-americanos, perceberam que a


depressão maior pré-existente duplica o risco de exposição a eventos traumáticos e,
conseqüentemente, o risco de apresentar TEPT. O estudo também indicou um risco de
2,8 vezes maior de apresentarem depressão em pessoas expostas a eventos traumáticos e
que desenvolveram TEPT. Os autores sugerem que o TEPT e a depressão maior em
vítimas de trauma podem ser influenciados por vulnerabilidades comuns.

26
Em crianças com TEPT, a depressão também é comum. Muitos autores sugerem que
TEPT antecede e predispõe indivíduos a depressão maior, mais que o inverso.
Investigadores têm documentado comorbidade entre TEPT e abuso de substância em
crianças mais velhas, e entre TEPT e outros transtornos de ansiedade79. Um estudo com
adolescentes de 12 a 17 anos, nos EUA, encontrou alta comorbidade entre TEPT e
depressão maior. Este estudo apresentou os resultados de um modelo multivariado para
TEPT em comorbidade com depressão maior e revelou que ser do sexo feminino, ter
histórico familiar de uso de drogas, testemunhar violência e ataque físico aumentam o
risco de apresentar tal comorbidade80.

Trabalho norte-americano realizado com 117 crianças que sofreram severos maus-tratos
mostrou que aquelas com TEPT apresentavam comorbidades com transtorno de déficit
de atenção e hiperatividade, outros transtornos de ansiedade, transtornos psicóticos
breves ou não especificados, transtornos de humor e ideação suicida81.

Algumas pesquisas vêm investigando o papel mediador do TEPT entre a exposição à


violência e outros problemas de saúde mental. Mazza e Reynolds82 analisaram a relação
entre violência comunitária, TEPT, depressão e ideação suicida, com 94 adolescentes de
11 a 15 anos, de uma escola norte-americana, e concluíram que o TEPT é um mediador
da relação entre exposição à violência e depressão, e exposição à violência e ideação
suicida. Os autores discutem que os sintomas do TEPT como a revivência do evento
traumático, pensamentos intrusivos sobre o evento e a evitação de aspectos que
lembrem o trauma tendem a causar sentimentos de solidão e desesperança, podendo
levar à depressão e à ideação suicida.

Schields, Nadasen e Pierce83 buscaram investigar o papel do TEPT como mediador


entre a violência comunitária e outros desfechos de saúde mental em 247 crianças
escolares de 8 a 13 anos na Cidade do Cabo, África do Sul. Observaram que TEPT tem
um papel mediador nos efeitos da violência escolar sobre a depressão, tanto para ser
vítima de violência quanto para ser testemunha de atos violentos na escola. Para
violência na comunidade, o TEPT mediou a relação apenas entre ser testemunha deste
tipo de violência e depressão.

Ruchkin et al84 estudaram o papel do TEPT em mediar a relação entre violência


comunitária e psicopatologia em adolescentes escolares do sistema público de ensino do

27
nordeste dos Estados Unidos da América. Os sintomas do TEPT mediaram a relação
entre ser vítima e testemunha de violência comunitária e sintomas internalizantes, sendo
estes, efeitos similares entre meninos e meninas. Outro achado desta investigação foi
que TEPT media parcialmente a exposição à violência comunitária e a prática de
violência, em meninos (não em meninas). Os autores discutem possíveis razões para
esta mediação. Eles apontam estudos que mostram que os sintomas de TEPT podem
prejudicar o processamento da informação e, por isso, podem prejudicar o
reconhecimento de situações de risco. Outro motivo seria que o TEPT está associado ao
aumento de comportamentos de risco como o uso de substâncias.

Verificar a existência de comorbidades associadas ao TEPT é um aspecto importante na


avaliação da saúde mental de crianças e adolescentes. Em uma revisão da literatura
sobre tema é apontada que os estudos indicam que a presença de comorbidades pode
acentuar efeitos negativos no desenvolvimento infantil85.

FATORES PREDITORES DE TEPT EM CRIANÇAS E ADOLESCENTES

A seguir, serão descritos os principais fatores preditores de TEPT na infância e


adolescência59.

Proximidade física com o evento traumático. A severidade dos sintomas de TEPT


está associada ao grau de exposição ao evento traumático, temática detalhada mais
adiante. O estudo de Pynoos et al.55 é, até hoje, citado quando se aborda este assunto.
No estudo, as crianças que estavam no playground que foi atingido pelo atirador,
apresentaram mais sintomas do transtorno. As reações mais freqüentes para as crianças
que estavam na escola foram sintomas severos de TEPT (48,6%); para os grupos que
estavam na escola, fora do playground, foram sintomas moderados (50,0%); e na
maioria daqueles que não estava na escola não se detectou TEPT (55,8%). Quatorze
meses após o evento, crianças que estiveram no playground no momento do ataque
continuaram a apresentar altos escores de TEPT em relação aos outros grupos86.

Rojas e Pappagalo87 apontam como fator de risco para TEPT a exposição repetida pela
televisão e mídia sobre um evento traumático, como foi o exemplo da cobertura
jornalística sobre o atentado terrorista ao World Trade Center. Mesmo sem a

28
proximidade física do evento, crianças e adolescentes podem apresentar um risco maior
de desenvolver o transtorno devido à exposição massiva do evento na mídia.

Experiências traumáticas anteriores. Pesquisas mostram que experiências traumáticas


antes do evento traumático estudado aumentam o risco de desenvolver TEPT. Em um
estudo realizado com 1.803 jovens adultos, foi apontado que a maioria dos eventos
ocorridos anteriormente ao evento traumático esteve significativamente associada ao
TEPT88. Rojas e Pappagalo87, a partir de estudo de revisão sobre o tema, discutem que
uma história prévia de trauma pode ter um efeito “bola de neve” para o
desenvolvimento de novos sintomas de TEPT quando a vítima é exposta novamente a
outros eventos. Estudo longitudinal, iniciado na adolescência e retomado numa segunda
fase sete anos após, verificou que a exposição prévia a agressões aumenta o risco de
TEPT em um contato subseqüente com violência interpessoal, entre 1.725 participantes,
nos Estados Unidos da América73.

Gênero. Ainda não se sabe por que o gênero é um fator de risco para o TEPT, mas os
estudos mostram que este aspecto é importante no desenvolvimento de sintomas deste
transtorno. Tolin e Foa30, em estudo de metanálise com textos publicados em língua
inglesa, realizado com pacientes ou sobreviventes de traumas, apontam que meninas e
mulheres são mais propensas que homens a apresentar TEPT, mesmo elas sendo menos
propensas a experienciar eventos traumáticos. O estudo mostrou também que as
mulheres são mais propensas a vivenciar ataque sexual e abuso sexual infantil. Outros
eventos como acidentes, agressões físicas, testemunhar mortes, guerras ou combates são
mais comuns entre homens.

Há diversas hipóteses que explicam este risco elevado entre mulheres como tendência
destas a vivenciar eventos potencialmente mais traumáticos (por exemplo, estupros e
violência sexual); maior reatividade fisiológica nas mulheres; maior exposição a
estressores sócio-econômicos como pobreza e discriminação; e o fato de que os homens
culturalmente aprendem a suprimir mais as cognições relacionadas aos sentimentos de
medo e desesperança, considerados incoerentes com a imagem masculina de força e
poder25.

Imagens de agressividade relacionadas aos homens podem fazer com que a convivência
com o evento traumático se torne mais aceitável. As mulheres estão mais relacionadas

29
culturalmente à imagem de emoção e passividade, e por isso, podem vivenciar o evento
traumático de maneira diferenciada30.

Severidade do estressor. Alguns eventos estressores são bastante relacionados ao


TEPT na literatura, como por exemplo, o abuso sexual. Rojas e Pappagalo87 discutem
que, independente da cultura, o abuso sexual e físico pode contribuir para conseqüências
em longo prazo na saúde mental de crianças e adolescentes, como o desenvolvimento de
TEPT e outros transtornos psiquiátricos. Outros estressores como desastres naturais,
seqüestro, guerras, e outras violências também estão bastante associados. Nesta tese,
mais adiante, serão detalhados alguns eventos traumáticos importantes na literatura
científica e sua relação com TEPT.

Características psicológicas da criança. A avaliação subjetiva de ameaça relacionada


ao evento traumático pode estar relacionada a diversos fatores como personalidade e
temperamento da criança, além de outros fatores como estágio do desenvolvimento,
experiências prévias de eventos traumáticos, ambiente social e cultural, dentre outros87.

Proximidade emocional com a vítima do trauma. Inclui ter uma pessoa querida que
sofreu um trauma e/ou morreu. Scheeringa et al.89, em estudo com crianças que
passaram por diferentes tipos de trauma, apontam que testemunhar ameaças ao cuidador
foi um fator preditivo para o TEPT para crianças de todas as idades.

Van IJzendoorn et al.90, em metanálise com 4.418 participantes em diversos países


(dentre eles EUA, Israel, Austrália e Europa), avaliaram se havia “traumatização
secundária” com filhos de vítimas do holocausto, isto é, os autores buscavam conhecer
se os pais transmitiram aos seus filhos sintomas de traumatização relacionada ao evento
vivenciado no passado. Os autores trazem referências de que a traumatização secundária
pode ser transmitida de formas não-verbais às crianças pelas mães e cuidadores que
sofreram o evento traumático. Porém, neste estudo, a traumatização secundária só
ocorreu em amostras clínicas que sofriam de sintomas de estresse pós-traumáticos
relacionados a outros eventos, que não o holocausto.

Estudo realizado com 8.236 crianças e adolescentes estudantes de escolas públicas de


Nova Iorque, que tinham familiares que eram profissionais na área de primeiros
socorros (técnicos de emergências médicas, oficiais da polícia e bombeiros), buscou
identificar sintomas de TEPT devido à traumatização secundária nas crianças. Os

30
participantes tinham entre 8-21 anos e foram avaliados seis meses após o ataque
terrorista ao World Trade Center. Como resultado deste estudo, crianças e adolescentes
que tinham técnicos de emergências médicas na família apresentaram nível mais
elevado de TEPT provável (18,9%). A prevalência de TEPT entre crianças cujos
familiares eram oficiais de polícia (10,6%) foi similar a de crianças que não tinham
profissionais de primeiro socorros nas famílias (10,1%), enquanto que a prevalência de
crianças relacionadas aos bombeiros foi a menor de todas (5,6%). Os autores discutem
que os resultados podem estar relacionados a características sócio-demográficas da
profissão e das famílias dos técnicos de emergência médica, como status psicológico da
função, treinamento, apoio do grupo de trabalho, práticas de recrutamento, dentre
outras91.

Reações dos pais ao evento traumático. As reações dos pais ao evento traumático
estão relacionadas ao risco de desenvolvimento de TEPT para as crianças e os
adolescentes. Os pais podem apoiar, acalmar os filhos ou podem ser distantes, ansiosos
e ausentes com os mesmos. Os pais ou cuidadores, que ficam impactados com o evento
traumático, têm sua capacidade diminuída de fornecer um ambiente consistente,
previsível e de apoio à criança. Isso pode levar a uma perda de confiança da criança e a
um risco aumentado de TEPT92.

Dyregrov e Yule59 apontam que pais que evitam comentar o evento traumático e suas
conseqüências limitam a discussão sobre o tema, podendo prejudicar a elaboração do
evento pela criança. Os filhos, por sua vez, ao perceberem que deixam os pais tristes ao
tocar no assunto, evitam falar sobre o tema. Este contexto pode criar um ambiente de
silêncio, favorecendo aos pais a subestimação do sofrimento das crianças, retardando
por conseqüência, a procura por tratamento para a criança ou adolescente.

Problemas psiquiátricos da criança anteriores ao trauma. Rojas e Pappagalo87


indicam que há associação entre história psiquiátrica prévia e TEPT em crianças, jovens
e adultos. Quarantini et al.93, em revisão de literatura, abordam que os transtornos
afetivos prévios aumentam a possibilidade de desenvolver TEPT na população em geral,
e que, por outro lado, o fato de possuir sintomas de TEPT eleva os riscos de
desenvolver transtornos afetivos.

31
Problemas de saúde mental de mães e outros cuidadores. A história de problemas de
saúde mental nas mães e familiares também está relacionada ao desenvolvimento de
TEPT59. Birmes et al.87 percebeu em uma pesquisa com crianças após um desastre
industrial que ocorreu na França, que os sintomas de TEPT nas mães estavam
significativamente associados aos sintomas de TEPT nas crianças, pois 58,3% das
crianças com sintomas elevados de TEPT tinham mães que também apresentavam
elevados sintomas de TEPT. Outras características associadas ao transtorno foram viver
em famílias de três ou mais crianças e ser menina.

Problemas de coesão familiar. Birmes et al.94 apontam que alta coesão familiar foi
mais relatada por crianças sem sintomas ou com sintomas leves deste transtorno. Está
associada a sentimentos de apoio emocional e de fortes laços emocionais, que podem
servir como um efeito protetor para a criança. Wickrama e Kaspar95 perceberam entre
adolescentes expostos a um tsunami que melhor relação entre mãe e filho correspondeu
a baixos níveis de depressão e sintomas de TEPT nos adolescentes.

Falta de apoio social. Clapp e Beck96 indicam que a literatura científica aponta uma
associação inversa entre sintomas do transtorno de estresse pós-traumático e apoio
social. De acordo com estes autores, as hipóteses indicam que o apoio social ajuda aos
indivíduos a lidarem com o evento traumático, diminuindo o potencial de
desenvolvimento de sintomas relacionados ao evento traumático. Estes autores
realizaram pesquisa com 458 sobreviventes de acidentes com veículos e perceberam que
a severidade do TEPT estava associada a atitudes e expectativas negativas relacionadas
ao uso dos recursos sociais quando necessários que, por sua vez, estava relacionado aos
baixos níveis de apoio social.

2.2 EVENTOS TRAUMÁTICOS

O ser humano se defronta com circunstâncias adversas mesmo antes de nascer e delas se
defende ao longo de todos os anos de sua vida. A forma de reagir aos estresses é
conformada pelo ser humano desde o período intra-uterino e se desenvolve até sua
morte.

32
A história mostra que riscos e toda sorte de adversidades sempre estiveram presentes,
em qualquer tempo e cultura. No entanto, há eventos considerados mais adversos à
existência humana e que podem acarretar prejuízo tardio severo. Seus efeitos,
freqüentemente, não são detectados durante a infância ou a adolescência e sim no auge
da vida adulta ou na velhice. Dentre as circunstâncias consideradas mais lesivas para
crianças e adolescentes estão: sofrer graves desastres, acidentes e vivenciar guerras.
Outros eventos que podem impactar a vida de crianças e adolescentes são: conflitos e
separações entre os pais, sérios problemas médicos vividos pelos familiares e as
situações de violências vividas em casa, na escola e na comunidade2.

Nem toda adversidade é necessariamente um estresse para o indivíduo. Um evento é


considerado estressor quando acarreta mudança interna na pessoa, alterando o
componente de afeto e sobrecarregando ou excedendo seus recursos adaptativos
(neuroquímicos, psicológicos e sociais). A partir do momento em que a pessoa percebe
e interpreta o que sofreu, consciente ou inconscientemente o avalia como estressante ou
não. Isso dependerá não apenas da situação e de seus recursos adaptativos, mas também
da sua história pregressa e do estágio de desenvolvimento em que se encontra ao se
defrontar com os problemas97,98. Ao longo da tese, será utilizada a nomenclatura evento
traumático, porém é importante salientar que os eventos descritos são eventos
potencialmente traumáticos, pois a simples vivência do evento não significa
necessariamente a ocorrência do transtorno de estresse pós-traumático.

Pynoos, Steinberg e Piacentini33 apresentam interessante discussão na perspectiva da


psicologia do desenvolvimento sobre os eventos traumáticos, desenvolvendo um
modelo em que avaliam o efeito do estresse oriundo dos traumas na infância e a
interseção com problemas com a ansiedade. Neste modelo dão enfoque para distintos
aspectos temporais relacionados ao surgimento dos eventos traumáticos:

Proximais ao trauma: padrão de ocorrência, padrão de reatividade fisiológica e


psicológica aos estímulos associados ao trauma, estímulos associados ao trauma e
ao que ocorreu antes do evento. Também atuam nesta fase estresses secundários,
decorrentes do trauma, como mudanças: nas circunstâncias de vida da família, nos
recursos comunitários, na constelação familiar, na disponibilidade e utilização do
apoio social; pode ocorrer também a necessidade de assumir novas

33
responsabilidades, reabilitação médica e cirúrgica, mudança de papéis, aquisição
de novas habilidades sociais, perdas e adversidades recorrentes.

Proximais ao ciclo de desenvolvimento infantil: atenção, aprendizagem e


cognição seletiva; mecanismos de regulação emocional; auto-atribuições;
percepção da auto-eficácia; controle de impulsos; desenvolvimento moral;
habilidades de competência social; maturação biológica; adaptações as transições
familiares e interpessoais, dentre outros. Dá-se como exemplo desses aspectos o
fato de que a exposição à violência pode interferir na aquisição de habilidades
cognitivas de crianças mais novas e que distúrbios do sono podem levar a
dificuldades de aprendizagem. Nesta etapa costumam surgir alterações proximais
de psicopatologia infantil como transtorno de estresse pós-traumático, depressão,
fobias, ansiedade de separação, outros transtornos de ansiedade, transtornos do
sono, abuso de substâncias, dificuldades de lidar com as perdas, desordens
relacionadas ao apego, transtornos dissociativos e de somatização.

Distais ao trauma e ao desenvolvimento infantil: referem-se a problemas como


TEPT e outros transtornos psiquiátricos, problemas de saúde física; transtornos
crônicos do desenvolvimento, etc. Algumas características distais do
desenvolvimento que podem ser afetadas são: funcionamento interpessoal
acadêmico e ocupacional; capacidade de tomada de decisões; funcionamento
parental; personalidade emergente (medo, coragem; expectativas em relação aos
traumas e perdas; atribuições de si próprio, dos outros e das instituições sociais).
Os autores reconhecem que existem poucos estudos longitudinais para dar suporte
as conseqüências sobre a vida futura de crianças e adolescentes expostos à eventos
traumáticos muito precocemente.

Para que a criança ou adolescente evolua dos aspectos diretamente relacionados ao


trauma para aqueles que dependem do seu ciclo de desenvolvimento, ela depende de sua
capacidade de interpretação e de resposta ao perigo. Para tanto, precisa realizar algumas
operações: 1) estimar a natureza e magnitude dos perigos; 2) iniciar reação emocional e
fisiológica e sua regulação; 3) estimar tipo, grau e eficácia das intervenções de proteção
ao perigo. Estas operações são estruturadas de acordo com o desenvolvimento
neurobiológico da criança; histórias prévias de enfrentamento a situações adversas, e

34
disponibilidade e confiança em adultos como agentes que podem auxiliar em situações
perigosas. A capacidade de resiliência é outro aspecto também importante.

O ajustamento da criança/adolescente após o trauma ou o desenvolvimento da


psicopatologia associada ao evento traumático também depende de haver situações
traumáticas repetidas ou seqüenciais. Eventos traumáticos repetitivos podem levar a um
complexo impacto no desenvolvimento infantil e a incompletude de processos de
recuperação e adaptação/ ajustamento da criança. Também pode estar relacionado a
imagens negativas latentes, estratégias crônicas antecipatórias, conflitos, etc.

O modelo apresentado por Pynoos, Steinberg e Piacentini33 ressalta ainda a necessidade


de avaliar esses aspectos proximais e distais associados aos eventos traumáticos em
conjunto com a avaliação do desenvolvimento infanto-juvenil, com fatores intrínsecos
da criança, do meio familiar e social em que vive.

DEFINIÇÃO DE EVENTO TRAUMÁTICO

A definição de evento traumático tem variado nas diferentes versões do Manual


Estatístico e Diagnóstico dos Transtornos Mentais (DSM). Na terceira versão, DSM-
III, fez-se referência a um evento que poderia causar sintomas de angústia em quase
todas as pessoas. A revisão da terceira versão (DSM-III-R) adicionou que o evento
deveria estar fora dos níveis de experiência humana habitual, isto é, fora da
normalidade. Na DSM-IV esta conceituação mudou, levando em consideração a
resposta emocional da vítima. A definição é, então, dividida em duas partes: a primeira
descreve características do evento “ser ameaçador à integridade física, própria ou de
outros” (critério A1); a segunda parte relata que “a resposta da pessoa envolveu medo,
impotência ou terror” (critério A2). Desta forma, um maior número de eventos
estressores pode ser relacionado ao TEPT e, até mesmo, a morte não violenta de
familiar ou amigo próximo pode ser um evento associado ao transtorno. Também foi
possível associar a este transtorno doenças com risco à vida99.

Algumas outras classificações sobre os eventos traumáticos são descritas na literatura.


Hoven et al.100 propõe uma tipologia para os desastres. Segundo estes autores, os
eventos podem ser divididos em três categorias. Na categoria tipo I, os desastres são

35
geograficamente espalhados em diferentes áreas e regiões, trazendo ameaça à
integridade física das pessoas nas áreas atingidas. Um exemplo seriam os furacões, os
tornados, os terremotos, os tsunamis e as inundações. Na realidade nacional, as grandes
chuvas e deslizamentos que atingiram, em 2011, várias áreas da Região Serrana,
principalmente Nova Friburgo e Teresópolis, estão classificados como desastre tipo I,
segundo esta classificação, não estando circunscrito a um único lugar, atingindo várias
cidades.

Na categoria tipo II, estão os eventos com exposição a agentes nocivos, como doenças
infecciosas, ataques químicos, níveis de radiação perigosos após acidente nuclear, entre
outros. A categoria tipo III engloba a exposição intensa e circunscrita a uma área, e que
pode ter diferentes níveis de exposição entre as pessoas envolvidas. Neste caso, estariam
enquadradas as seguintes situações: tiroteios em escolas; explosões acidentais ou
intencionais; ataques terroristas; incêndios; deslizamentos de terra em áreas
circunscritas.

Existem muitas concepções sobre eventos de vida como estressores ou fatores de risco,
capazes de ferir a integridade da criança. Uma primeira linha de pensamento, mais
tradicional, afere a compreensão dos eventos adversos de vida como estressores
estáticos. A simples presença do fator de risco já preveria a ocorrência de conseqüências
indesejáveis. Uma segunda corrente considera que o potencial lesivo de uma situação
estressante estaria relacionado à quantidade de eventos enfrentados. Isso significaria
que o acúmulo de adversidades ao longo do tempo seria um fator fundamental para
provocar conseqüências no indivíduo, e que um único estressor pode não ter impacto
significante. Ao contrário, a combinação de duas ou mais adversidades elevaria a
possibilidade de conseqüências negativas para o desenvolvimento. Esse maior potencial
lesivo não se daria apenas pelo número de problemas, mas principalmente pelo impacto
e pela potencialização de um estressor sobre o outro101.

Terr56 classifica o evento em dois tipos. No tipo I, o evento é único, agudo e repentino,
como por exemplo, um acidente de trânsito. Enquanto que no tipo II, o estressor é
crônico, com experiências difíceis e ameaçadoras que se repetem na vida da criança. De
acordo com esta autora, os sintomas do TEPT em crianças e adolescentes também
apresentam variação segundo o tipo de estressor.

36
Grande parte dos estudos de TEPT é relacionada à vivência de um único evento
estressor, evento tipo I segundo a classificação de TEPT sugerida por Terr49. Na
literatura há discussão se múltiplas vitimizações poderiam dessensibilizar a pessoa em
relação aos eventos, ou seja, se a violência poderia ter seu impacto diminuído pela
exposição constante102.

Alguns estudos desenvolvidos sobre as múltiplas formas de vitimização apontam o


efeito de agravamento dos sintomas de TEPT conforme o aumento de eventos
traumáticos vivenciados. Macdonald et al.72 realizaram estudo com 1.868 adolescentes,
nos EUA, que sofreram pelo menos um evento potencialmente estressor, e confirmaram
a sua hipótese de que quanto maior a vitimização, maiores as chances de desenvolver
TEPT. Neste estudo, notou-se que as múltiplas formas de vitimização são comuns, pois
54,6% das meninas e 56,7% dos meninos relataram terem vivenciado mais de um
evento traumático. Esta discussão será retomada quando se abordar o tema da violência.

Mesmo que o evento seja único ou múltiplo ao longo do tempo, é importante observar o
momento em que acontece na vida da criança e do adolescente. Durante o continuum de
desenvolvimento, as conseqüências dos problemas são dependentes do estágio de
maturação do organismo. É o timing da experiência que prediz o seu impacto, pois as
experiências são sentidas diferentemente, dependendo do momento de vida e das
diferentes respostas vindas do meio em que se vive. Também importa o grau de
formação e funcionamento neural103,104, que seria afetado em situações de estresse105.

Nesse sentido, o período de desenvolvimento da criança/adolescente em que a


adversidade ocorre é uma questão que merece ser destacada. Nos primeiros meses de
vida, quando o sistema nervoso fabrica 20.000 neurônios por segundo, a plasticidade
das aprendizagens é imensa e muitos problemas e traços neurológicos são mais
facilmente revertidos do que o serão no futuro. Por outro lado, a cada etapa do
desenvolvimento, episódios similares terão efeitos diferentes: “só podemos ser tocados
pelos objetos aos quais nosso desenvolvimento e nossa história nos tornam sensíveis,
pois lhes atribuímos um significado particular”106.

A fase de desenvolvimento tem sido relacionada aos níveis individuais de tolerância ao


estresse. Algumas pessoas podem ser afetadas por eventos pouco significativos; outras,
por eventos de maior magnitude; algumas, quando a exposição ao evento é prolongada e

37
outras alcançam seu limite de tolerância apenas com o acúmulo de pequenos eventos
estressantes do dia-a-dia107. Portanto, não importa apenas saber se o processo envolvido
no acontecimento difere de acordo com a etapa de desenvolvimento e sim se as
experiências adversas alteram o curso do desenvolvimento infantil ou se influenciam a
maneira como a criança responde às dificuldades que enfrentará ao longo de sua vida.

Experiências precoces podem estar associadas a desordens futuras, já que podem alterar
a sensibilidade ou modificar a forma de lidar com os problemas. Podem também trazer
algum benefício se fortalecerem o indivíduo em sua capacidade de lidar com as
dificuldades.

TIPOS DE EVENTOS TRAUMÁTICOS

Os diversos estudos focam o TEPT associado a tipos específicos de eventos


traumáticos. A seguir, descrevem-se alguns tipos de eventos traumáticos mais
comumente citados na literatura deste transtorno.

Guerra ou combates militares, prisioneiro de guerra, tortura, ser refugiado ou


estar em campo de concentração. Em crianças, por exemplo, encontram-se estudos
sobre os conflitos na Faixa de Gaza108,109,110. Thabet e Vostanis111 encontraram 40% de
crianças de 7 a 12 anos com sintomas de TEPT seis meses após um conflito militar na
Faixa de Gaza. Após um ano da primeira coleta, a prevalência de TEPT entre as
mesmas crianças era de 10%. Existem também estudos com filhos de militares e as
possíveis conseqüências à saúde mental da família do combatente, onde sintomas de
TEPT podem acometer crianças devido à vitimização do pai112,113.

Ataques terroristas. Os ataques terroristas ocorridos nos Estados Unidos (EUA) em 11


de setembro de 2001 renderam uma série de estudos91,114,115. Em um deles, com
escolares, percebeu-se que as crianças cujos familiares pertenciam às equipes de
emergência tiveram alta prevalência de TEPT provável (18,9%). Além disso, estudos
sobre outros ataques terroristas também são freqüentes. Scrimin et al.116 avaliaram
sintomas de TEPT e estímulos associados ao trauma (trauma reminders) em 58 crianças
que foram expostas direta ou indiretamente a um ataque terrorista a uma escola em

38
Beslan, Rússia. Os resultados mostram que a proximidade física e o grau de exposição
ao evento estão associados com os sintomas de transtorno de estresse pós-traumático.

Desastres naturais ou causados pelo homem, como furacões, terremotos, tsunamis,


incêndios, enchentes e desabamentos. Os estudos encontrados são internacionais e
englobam uma série de desastres relacionados à realidade destes países. Um trabalho
sobre as conseqüências na saúde mental de crianças expostas ao tsunami ocorrido na
Tailândia, em 2004, apontou 13% de sintomas de TEPT em crianças desalojadas e 11%
em crianças não desalojadas seis meses após o evento117. Evans e Oehler-Stinnett118
apontaram o transtorno em 41% das crianças que foram expostas a um tornado nos
EUA.

A avaliação do TEPT com 215 crianças e adolescentes sobreviventes a dois terremotos


na Turquia detectou uma taxa de TEPT provável de 21,9%, sendo maior nas meninas
(21,9%) que nos meninos (14,1%) quatro anos depois destes eventos. O TEPT atingiu
19,3% entre as crianças de 8 a 13 anos e 23,9% entre os adolescentes de 14 a 18 anos92.

Acidentes automobilísticos e outros meios de transporte. Um estudo hospitalar


realizado no Reino Unido avaliou a presença de TEPT em crianças e adolescentes de 5 a
18 anos após acidentes de trânsito. Cerca de um terço das crianças preencheu os
critérios diagnósticos para o transtorno de estresse pós-traumático. E a presença deste
transtorno não foi relacionada ao tipo de acidente, gravidade das lesões e idade da
criança. O TEPT esteve associado ao sexo da criança (meninas com maior risco de
desenvolver o transtorno, às experiências anteriores de eventos traumáticos e à
avaliação subjetiva de ameaça à vida da criança119.

Outra pesquisa mais recente, desenvolvida em outro hospital do Reino Unido com 86
crianças entre 5-16 anos, encontrou prevalência do TEPT de 15% após três meses e de
18% após seis meses após acidente de trânsito. Neste estudo, 58% das crianças que
apresentaram TEPT após três meses continuaram apresentando o transtorno na
avaliação de seis meses depois do evento120.

Doenças graves que trazem risco à vida. Uma revisão de vinte estudos sobre o TEPT,
a maioria norte-americanos (exceção de um artigo do Japão e outro da Suíça), com
crianças sobreviventes de câncer, encontrou prevalência de sintomas de TEPT de 2 a
20% para as crianças e de 10 a 30% para os pais das crianças. A avaliação subjetiva da

39
ameaça à vida e as crenças sobre a doença foram preditores mais importantes que a
condição médica da criança121.

Violências. Inclui eventos como: abuso sexual; seqüestro ou ser tomado como refém;
sofrer tortura; assalto; ataque físico; violência na família; violência na escola e na
comunidade de forma geral.

Nesta área há grande foco nos estudos sobre abuso sexual, principalmente com adultos.
Na área da infância, Wolfe, Gentile e Wolfe122 conduziram um estudo com 71 crianças
canadenses de 5 a 16 anos, com histórico de abuso sexual. A partir de dados fornecidos
pelas mães, estas crianças foram classificadas com altos níveis de TEPT, bem como
problemas internalizantes e externalizantes. Danielson et al.123 realizam estudo com
adolescentes norte-americanos que sofreram abuso sexual e apontam que o transtorno
de estresse pós-traumático, a depressão, o comportamento delinqüente e abuso de
substâncias são consequências possíveis à saúde mental dos jovens que sofrem este tipo
de abuso. Neste estudo, percebeu-se que os adolescentes com TEPT apresentaram
depressão e comportamento delinqüente mais comumente do que aqueles sem história
de TEPT.

O estudo clássico de Pynoos et al.55, sobre o ataque de um atirador a uma escola


americana com 159 crianças, identificou que 38,4% das crianças apresentaram sintomas
moderados ou severos do TEPT; 22% apresentaram sintomas leves e 39,6% não
apresentaram sintomas do transtorno.

Pela relevância e enfoque de estudo do tema da violência familiar e comunitária


relacionada ao surgimento de TEPT na tese, apresenta-se, a seguir, este tópico de forma
mais detalhada.

VIOLÊNCIAS NA INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA

Na atualidade, a violência é um grave problema de saúde pública, sendo a principal


causa de morte de crianças e adolescentes brasileiros a partir dos 5 anos de idade124, o
que levou à intensificação de esforços dos estudiosos no sentido de conhecer melhor
este problema.

As definições para violência contra a criança e o adolescente variam de acordo com as


visões culturais e históricas sobre a criança e seus cuidados, com os direitos e o
40
cumprimento de regras sociais relacionados a ela e aos modelos explicativos usados
para a violência. Classicamente, a violência contra a criança e o adolescente é dividida
nos seguintes tipos: (1) a física (uso da força física de forma intencional, não-acidental,
com o objetivo de ferir, danificar ou destruir, deixando ou não marcas evidentes); (2) a
sexual (ato ou jogo sexual, relação hetero ou homossexual cujo agressor está em estágio
de desenvolvimento psicossexual mais adiantado que a criança ou adolescente. Objetiva
estimulá-la sexualmente ou utilizá-la para obter satisfação sexual, através da imposição
pela violência física, ameaças ou indução de sua vontade. Pode variar desde atos em que
não há contato sexual aos atos com contato sexual, sem ou com penetração; inclui a
prostituição e a pornografia); (3) a psicológica (forma de rejeição, depreciação,
discriminação, desrespeito, cobrança ou punição exageradas e punição da criança ou
adolescente para atender às necessidades psíquicas do adulto); (4) a negligência (ato de
omissão do responsável pela criança/adolescente em prover as necessidades básicas para
o seu desenvolvimento); (5) a Síndrome de Munchausen por procuração (situação na
qual a criança é trazida para cuidados médicos devido a sintomas e/ou sinais inventados
ou provocados pelos seus responsáveis)125.

Essas formas de violência podem alcançar a criança nos seus diversos âmbitos de
convivência, ou seja, no seu seio familiar, escolar, na vida comunitária e na sociedade
em geral. A principal característica da violência, tanto familiar quanto comunitária,
refere-se à cronicidade dos eventos, que os distinguem de outros tipos de eventos
relacionados ao TEPT e que geralmente são pontuais, recaindo na temática TEPT
complexo, já abordada anteriormente70.

A violência familiar é aquela que ocorre entre os membros da família, normalmente


dentro de casa, mas não se restringe somente a este espaço11. Baseia-se, também, no uso
e, muitas vezes no abuso, desde a primeira infância, de atitudes emocionais negativas.
Não raramente as relações são permeadas pela violência, pela falta de atenção e pela
ausência de contatos afetivos verdadeiros.

A violência familiar é um problema social de grave dimensão, atingindo principalmente


mulheres, crianças, idosos e pessoas com deficiência14. E pode se caracterizar por maus-
tratos psicológicos, físicos, sexuais, econômicos, podendo causar prejuízos à saúde.

41
A violência constitui-se como uma forma de comunicação na família. E “ocorre nas
relações hierárquicas e intergeracionais” (p.29), atingindo mais crianças do que
adolescentes. Isto ocorre devido à maior fragilidade deste grupo etário126.

As práticas educativas ainda incorporam castigos físicos, naturalizando a violência na


família. Desta forma, a violência é culturalmente aceita na socialização e educação das
crianças, ocorrendo em todas as classes sociais, apesar de já sofrer repúdio de parte da
sociedade127.

Em pesquisa realizada com escolares da rede pública de ensino de São Gonçalo-RJ,


notou-se que: 42,5% das crianças sofriam violência (por exemplo: empurrar, dar tapas
ou bofetadas) cujo agressor era o pai ou responsável masculino pela criança; 63,1%
sofrem agressão verbal do pai; e que 25,5% das crianças sofriam violência severa deste
pai, caracterizada por atos como esmurrar, chutar, bater ou tentar bater com objetos,
espancar, dentre outros. Foram mais elevados os índices de violência materna contra a
criança, dentre eles estão: agressão verbal (81,4%), violência (76,5%) e violência severa
(58,2%). Nesta pesquisa, foi encontrada também predominância de agressão verbal
praticada entre os pais (acima de 80%) e de violências físicas dos pais sobre as mães
(41,2% contra 36% das mães sobre os pais)18.

Em outra pesquisa realizada na rede escolar pública e privada do município de São


Gonçalo, com 1600 adolescentes, 27,7% deles informaram sofrer violência física severa
da mãe e 16,7% do pai128.

Analisando as figuras paterna e materna como agressores, percebem-se maiores


percentuais de violência física da mãe contra a criança, do que do pai contra a criança,
nestes, e em outros estudos nacionais. Isto pode ser explicado pelo fato dela estar mais
tempo próxima dos filhos e de, culturalmente, dedicar-se mais à sua educação129.

Um estudo realizado na Finlândia com adolescentes escolares encontrou 72% de


violência dos pais contra os filhos e 8% de violência severa. Os autores pontuam que a
violência, não severa, é mais perpetrada pelas mulheres daquele país do que pelos
homens, e que a violência severa é cometida, principalmente, pelos responsáveis do
sexo masculino130.

42
No México, estudo realizado com 936 estudantes de 12 a 16 anos de idade, encontrou
que mais da metade dos adolescentes sofreu violência familiar. Cerca de 58% dos
meninos sofreram a violência física cometida pelo pai, e 54,7% das meninas relataram
este mesmo tipo de violência. Em relação à violência cometida pela mãe, 61,6% dos
meninos e 65,9% das meninas relataram sofrer este tipo de violência. A violência sexual
foi apontada por 11,3% dos adolescentes 131.

Schenker e Cavalcanti132 relatam algumas características das famílias com dinâmica de


violência, tais como: problemas na comunicação entre seus membros; isolamento social
e fechamento dentro do núcleo familiar; e silêncio compartilhado da vítima e do
agressor (“pacto de silêncio”). Estas autoras descrevem ainda sobre o ciclo de
reprodução da violência, que pode atravessar muitas gerações.

Diversas formas de violência coexistem no lar. Por exemplo, a violência física contra a
criança e o adolescente, a que ocorre entre o casal e que a atinge o idoso. Outro aspecto
a ser ressaltado é que os papéis sociais de “agressor” e “vítima” não são estáticos,
podendo se intercambiar entre os membros da família. Por exemplo, a mãe pode ser
agredida pelo marido, mas ao mesmo tempo agredir os filhos ou ser conivente com a
violência contra os filhos132.

A família tem um papel importantíssimo na construção social da realidade para seus


membros. A violência no contexto familiar pode interferir na visão dos membros sobre
esta realidade social, levando também a problemas com a auto-estima132. Margolin e
Gordis15 pontuam que as crianças, cujos pais abusam física, emocional ou sexualmente,
deixam de ser fontes de proteção, podendo fazer com que estas crianças aprendam a
confiar apenas nelas mesmas, ou se aproximarem dos cuidadores de acordo com o
humor que eles estejam apresentando, ou ainda tentar desenvolver outras fontes de
apoio social.

Desta maneira, diversas podem ser as conseqüências à saúde mental de crianças


expostas à violência familiar. Revisões de literatura apontam problemas de
comportamento externalizantes e internalizantes, problemas de relacionamento,
prejuízos cognitivos e o transtorno de estresse pós-traumático associados à violência
que ocorre na família, seja a criança como testemunha de violência entre os pais, seja a
própria criança como vítima de violência perpretada por familiares15,70,133.

43
Estudos internacionais e nacionais apontam o TEPT como uma das possíveis
conseqüências da violência contra crianças de todas as faixas etárias no âmbito familiar.
Margolin e Vickerman70 discutem aspectos importantes para os estudos sobre violência
familiar e este transtorno.

As crianças e adolescentes que sofrem violência na família podem não acreditar no lar
como um local seguro, e apresentarem apego desorganizado porque os pais são fonte de
segurança e de perigo ao mesmo tempo. Além disso, as lembranças dos incidentes
podem estar mais presentes, pois o local em que geralmente ocorre a violência é a
própria casa destas crianças. Os autores também pontuam que como todos os outros
eventos traumáticos, somente uma parte das crianças que, são expostas a este tipo de
violência irá desenvolver TEPT70.

Levendosky et al.134 realizou estudo com crianças de idade pré-escolar, nos EUA, e
percebeu que as crianças que foram testemunhas de violência doméstica ou viviam em
famílias com este tipo de violência, mesmo sem testemunhar diretamente tais atos
sofriam de sintomas do TEPT. Porém, poucas delas atingiam os critérios diagnósticos
do TEPT, segundo a DSM-IV.

Um estudo foi desenvolvido com crianças de idade escolar e suas mães que estavam em
lares emergenciais para vítimas de violência doméstica. Participaram deste estudo 30
crianças de idade de 6 a 12 anos e suas mães, avaliando-se a presença de sintomas de
TEPT e problemas de comportamento. Neste estudo, a exposição à violência familiar foi
associada aos sintomas de TEPT em crianças, mas os problemas de comportamento não
se associaram à presença de violência135.

O impacto da violência na infância pode levar a conseqüências até mesmo para a vida
adulta. Em uma pesquisa com 1924 universitários em Taiwan foi avaliado se na infância
houve violência entre os pais; maus-tratos contra os filhos e ambas as formas de
violência conjuntamente. Procurou-se investigar se a vivência deste tipo de violência na
infância tem relação com TEPT e problemas de comportamento atuais. Como resultado
do estudo, percebeu-se que as pessoas que sofreram maus tratos e testemunharam
violência entre os pais, quando crianças, apresentam mais sintomas traumáticos e
problemas de comportamento do que aquelas que experienciaram apenas um tipo de
violência ou nenhuma violência136.

44
Estudo realizado nos EUA com 1196 adultos vítimas de violência na infância (duas
décadas atrás), verificou que tanto crianças que sofreram abuso físico e sexual quanto
aquelas que sofreram negligência apresentaram um risco maior para TEPT na vida
adulta137.

A violência comunitária é a mais comum violação aos direitos da criança, por negar-
lhes a liberdade, a dignidade, o respeito e a oportunidade de crescer e se desenvolver em
condições saudáveis. Está relacionada à violência urbana e social, sendo
comprovadamente mais presente nas localidades de menor poder aquisitivo onde faltam
recursos institucionais protetores da saúde, educação, habitação e segurança públicas.

A violência comunitária caracteriza-se pelo fato de ser praticada entre indivíduos


sem laços de parentesco, conhecidos ou desconhecidos. Exercida por pessoas em
atos de violência gratuitos, estupros, violência sexual e as cometidas em
instituições públicas ou privadas, tais como: escolas, serviços de saúde,
comunidades e condomínios, dentre outros (p. 29)126.

Manifesta-se através de atos agressivos nos locais em que as famílias residem,


colocando a criança e todos os familiares em risco e cerceados do direito de ir e vir a
qualquer hora do dia ou da noite, seja através de roubos, assaltos, furtos, assassinatos e
tráfico de drogas. Além dos efeitos concretos da convivência em áreas de elevado risco,
o medo originado pelo descontrole e insegurança tomam lugar de destaque na
sociedade, sendo tão limitador quanto os reais eventos ocorridos. Pode ocorrer sob três
distintas formas: vitimização pessoal, testemunhar e ouvir sobre a violência. Quanto
maior for a proximidade física da pessoa ao evento traumático, são esperados maiores
efeitos oriundos da exposição75,86.

Crianças e adolescentes expostos à violência na comunidade têm, muitas vezes, seus


direitos básicos violados, como o acesso à escola e aos cuidados necessários para o seu
desenvolvimento. Sofrem pela ameaça, exposição e testemunho de situações que as
deixam vulneráveis emocionalmente e, mais ainda, aprendem que situações de violência
fazem parte de sua vida, banalizando-as e podendo repeti-las em suas relações atuais e
futuras. Nesse contexto de exclusão e sendo alvo de ações violentas, a saúde fica
comprometida física e mentalmente125.

O ambiente vivido na comunidade sinaliza às pessoas que nela residem o seu lugar no
mundo e os limites dos „possíveis sociais‟ que podem almejar. Por ser um local onde se
vive, pode interferir na capacidade futura de inserção no mundo.

45
Revisão de estudos sobre o tema mostra que pesquisadores que investigam a temática da
violência urbana vivenciada por jovens, têm encontrado que mais de 70% deles já
testemunharam essa forma de violência no lugar em que vivem138. Violência
comunitária não tem sido definida clara ou consistentemente, havendo distinção das
definições entre estudos, dificultando comparações. No presente estudo, está definida
como a violência vivenciada ou testemunhada pela criança no ambiente comunitário
incluindo ruas, escola e outros ambientes proximais em que transita139. Inclui situações
como ser vítima/testemunha de ações de tráfico de drogas, uso de armas, ver pessoas
mortas, tiroteios, assassinatos, roubos, dentre outros.

Assis et al133 apresentam revisão sobre o fenômeno no país, indicando prevalências de


violência comunitária contra crianças e adolescentes, variando de 13,5% a 67,4%, com
estudos desenvolvidos nas seguintes cidades brasileiras como São Gonçalo (RJ),
Manaus (AM), Porto Alegre (RS), Rio de Janeiro (RJ) e Brasília (DF).

As crianças e adolescentes que vivem em comunidades violentas podem se sentir


continuamente em risco de vitimização, pois podem ser acometidos por roubos, brigas,
tiroteios e atividades de gangues. A violência comunitária atinge a todos, mesmo que
indiretamente, pois as pessoas são testemunhas ou ouvem falar sobre os eventos
violentos75. Crianças que vivem em comunidades violentas costumam apresentar
múltiplas formas de exposição a atos violentos ao longo de suas vidas e, desta maneira,
elas podem perder a confiança nas instituições sociais que deveriam protegê-las e apoiá-
las140.

Schields, Nadasen e Pierce83, em estudo com 247 crianças da Cidade do Cabo, na África
do Sul, encontraram alta exposição à violência comunitária. As crianças relataram terem
testemunhado mais freqüentemente às seguintes formas de violência comunitária: ver
alguém apanhar (92,4%); ver alguém ser chutado, empurrado (91,1%); ver alguém ser
morto (40,2%). E os tipos de vitimização por violência na vizinhança mais comuns
foram: ser chutado ou empurrado (88,0%); apanhar (65,9%); e entrar em brigas
(51,8%). As crianças mais velhas foram mais expostas à violência, bem como os
meninos relataram apresentarem maior probabilidade de serem vítimas ou testemunhas
de atos violentos na comunidade.

46
Vários estudos apontam que a exposição à violência comunitária aumenta com a idade,
isto é, em geral, adolescentes foram mais expostos à violência na localidade do que
crianças em idade escolar75. Isso pode levar a piores prejuízos a saúde mental dos
adolescentes pelo efeito cumulativo da exposição à violência88,140, ou fazer com que eles
desenvolvam formas de lidar com esta violência, ou que simplesmente se tornem
dessenssibilizados à violência75. As crianças, quanto mais jovens, podem também
aprender a “se desligarem” da realidade difícil em que vivem140. Stein et al.141, em
revisão de literatura com 43 artigos publicados em língua inglesa revelam que os
estudos apontam altas taxas de violência comunitária em crianças mais velhas, mas que
estes achados são inconsistentes devido a muitos artigos não apontarem diferenças
significativas quanto à idade.

Diversos autores apontam maior exposição à violência na comunidade em crianças e


adolescentes do sexo masculino141,142. Stein et al141 resume que os estudos indicam
maior vitimização das crianças de sexo masculino, com exceção de eventos
relacionados à violência sexual. Alguns estudos refletem que não se encontram
diferenças de sexo na exposição à violência comunitária140,143.

Foster et al.143 encontraram níveis similares de exposição à violência comunitária entre


meninos e meninas nos EUA, mas os tipos de violência dos quais eles foram
testemunhas ou vítimas variaram de forma significativa entre os sexos, por exemplo:
15% das meninas relataram ser vítima de ataque sexual contra 5% dos meninos; 19%
das meninas relataram ter testemunhado uma tentativa de suicídio, enquanto apenas 6%
dos meninos tiveram esta experiência.

Breslau et al.60, em pesquisa com jovens adultos sobre exposição à violência na


comunidade, aponta que as mulheres relataram mais exposição a estupros e outras
violências sexuais, enquanto que os homens relataram mais serem vítimas de assaltos,
serem ameaçados com armas, e serem espancados.

A exposição à violência nos diversos espaços da comunidade pode gerar diversas


conseqüências à saúde mental de crianças e adolescentes. Estudos apontam maior
associação da violência comunitária ao comportamento agressivo e TEPT15,75,141,144.

Um trabalho de metanálise sobre as conseqüências à saúde mental da exposição à


violência comunitária envolvendo 116 estudos e 39.667 crianças e adolescentes,

47
encontrou associação mais forte entre violência comunitária e TEPT, seguido de
problemas externalizantes. Neste estudo, não houve diferenças quanto ao tipo de
exposição à violência comunitária (ser vítima, testemunha ou ouvir sobre o evento) e o
desfecho TEPT. Os autores discutem que ouvir e testemunhar a violência pode
contribuir para sentimentos de insegurança difusos, que levam a crer que ninguém está
seguro na comunidade. Estes sentimentos podem ser tão prejudiciais quanto a
vitimização direta75. Outra pesquisa desenvolvida com adolescentes norte-americanos
também não encontrou diferenças na relação entre ser vítima ou testemunha do evento e
os sintomas de TEPT140.

Fowler et al.75, em revisão de literatura, aponta que jovens que sofrem violência
comunitária sofrem aumento da excitabilidade nos momentos de repouso e diminuição
da excitabilidade durante a exposição à violência. Este aumento da excitabilidade pode
estar relacionado ao aumento da probabilidade dos jovens em apresentar sintomas do
TEPT.

Em pesquisa com adolescentes escolares, principalmente latinos e afro-americanos que


moram nos EUA, verificou-se que 15% deles apresentavam critérios diagnósticos para o
TEPT associados à violência comunitária. Segundo os autores, os adolescentes com
TEPT reportaram altos níveis de exposição à violência comunitária, notando-se que
quanto maior a exposição à violência comunitária, maiores os escores de TEPT. Outra
consideração importante do estudo foi que fatores como a proximidade com a vítima e a
proximidade física com o evento, estão relacionados ao transtorno140.

Pesquisa com estudantes afro-americanos de 7 a 18 anos encontrou alta prevalência de


TEPT (27,1%) entre os jovens que sofreram violência na comunidade. Neste estudo, ser
vitimizado ou testemunhar violência comunitária associou-se aos sintomas de TEPT. Os
grupos que apresentaram maior gravidade dos sintomas foram meninas e jovens que não
vivem com o responsável masculino em casa145.

Uma característica importante na exposição à violência comunitária é a maneira com


que os pais lidam com essas adversidades. A maneira de cuidar dos pais pode afetar
negativamente os filhos, pois os primeiros podem apresentar sentimentos de
desesperança, insegurança e medo15,75.

48
A exposição à violência familiar ou comunitária pode desestimular os pais a facilitarem
a aquisição de autonomia pela criança; ou ainda propiciar o comportamento de
superproteção para com seus filhos146.

Conforme descrito nesta tese, os estudos afirmam que há maior risco para as meninas de
apresentarem TEPT quando expostas a eventos traumáticos. Foster et al.143, em estudo
com 146 crianças e adolescentes de 11 a 16 anos, encontraram que as meninas
apresentaram mais sintomas de transtorno de estresse pós-traumático, depressão e
ansiedade quando comparadas aos meninos após vivência de violência comunitária.
Breslau et al (1998)60, em estudo em uma comunidade com adultos de 18 a 45 anos,
percebeu que o risco condicional de apresentar TEPT após a exposição de um evento
traumático é 9,2%, sendo maior nas mulheres (13,0%) que nos homens (6,2%).

Na metanálise citada anteriormente75, a idade não influenciou na relação entre TEPT e


violência comunitária, apenas afetou a relação da violência com problemas
internalizantes e externalizantes. As crianças mais novas apresentaram mais sintomas
internalizantes e menos externalizantes diante deste tipo de violência quando
comparadas aos adolescentes. Os autores discutem que as crianças podem ser menos
hábeis para expressar seus sentimentos sobre violência (quando comparadas aos
adolescentes) e por isso menos capazes de desenvolver estratégias para lidar e procurar
suporte junto aos adultos. Eles discutem também que os pais das crianças podem falhar
em ajudar as crianças por considerarem que os filhos, por serem mais novos, não estão
sendo afetados pela violência da comunidade.

Dentro da violência comunitária, destaca-se o tema da violência que ocorre na escola.


Em pesquisa realizada no sul do Brasil com estudantes de colégios públicos, notou-se
que 99,7% dos adolescentes investigados foram expostos a alguma forma de violência
naquele espaço de socialização, sendo que 70,9% foram vítimas, 98,4% testemunhas e
99,2% conheceram alguma vítima de violência147.

Assis, Pesce e Avanci148 avaliaram que um em cada cinco adolescentes escolares da


rede pública e privada de São Gonçalo/RJ, foi humilhado na escola, e um em cada
quatro adolescentes teve objetos pessoais furtados na instituição de ensino. Os
adolescentes relataram também que tiveram objetos danificados propositalmente
(13,9%), e que tiveram dinheiro ou outros objetos roubados no espaço escolar (2,5%).

49
Ristum149 aponta que a violência escolar pode se expressar de diversas formas, como:
violência entre os pares; violência do aluno contra o professor e outros funcionários;
violência da escola e do professor contra o aluno; do aluno contra o patrimônio da
escola; e do sistema de ensino contra a escola e o professor. Pouco se sabe como estas
variadas formas de violência podem atingir a saúde mental das crianças e adolescentes.

Mathews et al.150 investigaram a associação entre violência comunitária e


funcionamento escolar, e encontraram efeito moderador dos sintomas do TEPT nesta
relação. Os autores explicam que os sintomas de estresse pós-traumático podem
contribuir para a diminuição da concentração e dificultar o processo de aprendizagem.
Também discutem que a tentativa de evitar fatos que lembrem a violência sofrida na
comunidade pode causar medo de ir à escola, evitar o próprio espaço escolar e resultar
em absenteísmo. O estudo contou com uma amostra de 47 crianças afro-americanas de
baixa renda e os resultados mostraram que a exposição à violência comunitária foi
inversamente relacionada à performance acadêmica da criança.

Como se pôde perceber ao longo do capítulo, as conseqüências da exposição à violência


familiar e comunitária para crianças e adolescentes são variadas e incluem prejuízos à
saúde física, dificuldades de relacionamento, prejuízo acadêmico e problemas
psicopatológicos, justificando a investigação realizada para a presente tese.

50
CAPÍTULO 3

Materiais e Métodos

A tese está composta por duas pesquisas realizadas no Centro Latino Americano de
Estudos de Violência e Saúde Jorge Careli – CLAVES, do qual faço parte desde a
graduação em psicologia, então bolsista de iniciação científica. Ambas foram realizadas
com escolares da rede de ensino de São Gonçalo/RJ.

A primeira investigação a ser apresentada é um estudo longitudinal iniciado em 2005


com 500 crianças escolares da rede pública de ensino de São Gonçalo/RJ. Compõem-se
de vários projetos realizados ao longo dos anos, dos quais vale a pena ressaltar três, por
sua relevância nos dados apresentados na tese: a) A violência familiar produzindo
reversos: problemas de comportamento em crianças escolares de São Gonçalo-RJ, com
coleta de dados em 2005 e 200618,151; b) A violência familiar produzindo reversos:
problemas de comportamento em crianças escolares de São Gonçalo-RJ. Estudando o
transtorno de estresse pós-traumático, realizado em 2005152; c) Violência comunitária e
problemas de saúde mental infantil. Proposta de análise epidemiológica e espacial em
escolares de São Gonçalo – RJ, realizado em 2008153. Todos esses projetos receberam
financiamento de CNPq ou da Faperj e foram aprovados pelo Comitê de Ética em
Pesquisa (CEP) da Escola Nacional de Saúde Pública/Fundação Oswaldo Cruzi.

A segunda pesquisa Estresse pós-traumático em adolescentes: O impacto da violência e


de outros eventos adversos com escolares de um município do estado do Rio de Janeiro
é um estudo realizado em 2010 com 889 adolescentes da rede pública e privada de
ensino deste municípioii.

i
Os dados referentes a financiamento e aprovação dos três projetos estão apresentados em ordem
respectiva: a) CNPQ - processo 504435/2004-3 e CEP – 0051.0.031.000-04 ; b) FAPERJ - processo E-26/
170.583/ 2005 e CEP- CAEE: 0120.0.031.000-05; c) FAPERJ - processo E-26/110.393/2007 e CAEE:
0024.0.031.000-07;

ii
Aprovação no CEP sob o número CAAE: 0057.0.031.000-09 e CNPq – processo 474332/2008.

51
Todas as pesquisas obtiveram autorização da Secretaria Estadual de Educação do
Estado do Rio de Janeiro e/ou da Secretaria Municipal de Educação de São Gonçalo. A
direção de todas as escolas envolvidas e os pais das crianças, participantes da pesquisa,
assinaram Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, conforme preconizado na
Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde, que normaliza as pesquisas com
seres humanos. Os informantes atuaram de forma voluntária, foram esclarecidos quanto
aos objetivos da pesquisa e da utilização e aplicação do instrumento de coleta, foram
assegurados de que poderiam sair do estudo a qualquer momento, bem como foram
informados quanto ao sigilo em relação às informações e à sua participação. Em casos
necessários, crianças e/ou familiares foram encaminhados à rede pública de saúde pelas
psicólogas responsáveis pelo trabalho de campo, assim como ao Ministério Público e
para um serviço especializado no atendimento a vítimas de violência. O projeto desta
tese de Doutorado também foi aprovado no Comitê de Ética com o CAAE número
02530.031.000-10 (documento em anexo).

A descrição dos dois projetos, realizada a seguir, será feita separadamente, evitando a
repetição de informações metodológicas que constarão nos artigos que compõem os
resultados da tese. Para tanto, dados mais globais da pesquisa serão apresentados na
presente seção de métodos, visando auxiliar o leitor a compreender o escopo a partir do
qual foram delineados os artigos apresentados na seção de resultados.

3.1. PROJETO “ESTUDO LONGITUDINAL COM CRIANÇAS DA REDE


PÚBLICA DE ENSINO DE SÃO GONÇALO-RJ”

Este estudo longitudinal foi composto por três etapas de coleta de dados, realizadas em
2005, 2006 e 2008. Nesta tese de doutorado, foram utilizados dados da primeira etapa
para a elaboração do primeiro artigo da seção de resultados “Violência e Transtorno de
Estresse Pós-Traumático na Infância” (publicado na Revista Ciência e Saúde Coletiva).
Informações da última etapa, 2008, subsidiaram a redação do artigo 2, “Violência
Comunitária e Transtorno de Estresse Pós-Traumático em Crianças e Adolescentes”.
Para facilitar a leitura, a apresentação a seguir, será feita de acordo com o ano de coleta
de dados: 2005 e 2008.

52
Antes, porém, é preciso ressaltar que o estudo longitudinal iniciou em 2005 com o
acompanhamento de 500 crianças escolares da rede pública de São Gonçalo-RJ.
Todavia, os dados das duas etapas utilizadas nesta tese, foram analisados como dados
transversais. Em cada artigo, buscou-se conhecer a prevalência de TEPT e de violência
(outros eventos adversos de vida são avaliados no artigo 1). Esse tipo de desenho
transversal permite fazer um estudo de associação entre diferentes constructos, não
sendo possível realizar inferências causais154.

Os dados da etapa de 2005 foram obtidos a partir do relato dos pais ou responsáveis,
principalmente a mãe. Na etapa de 2008, tanto a mãe quanto as crianças responderam a
versões específicas do questionário. Nos dois anos investigados, foram indagados
distintos instrumentos de aferição, descritos mais adiante neste capítulo.

2005 - AMOSTRA

Esta etapa da investigação teve como principal objetivo avaliar os problemas de saúde
mental e a vivência de violência familiar.

O plano amostral utilizado se baseou em cadastro de escolas, turmas e número médio de


alunos por turma, fornecido pela Secretaria de Educação do Município de São Gonçalo,
referente ao ano de 2005. O universo de alunos da 1ª série referido por essa Secretaria
para 2005 é de 6.589 alunosiii. Duas limitações foram levadas em conta ao se estimar o
plano amostral: a) ausência de listas de chamada por turma, impossibilitando o
conhecimento do número e nome de alunos em cada turma; b) necessidade de seleção
de pequenas amostras de alunos nas turmas, não só pela maior diversidade da amostra
total, mas também pela resistência por parte dos professores, que já têm uma pesada
carga horária de trabalho e pouco tempo para responder a instrumentos de avaliação,
especialmente, questionários individuais para cada um de seus alunos.

Realizou-se o sorteio aleatório de escolas e alunos participantes da pesquisa; o desenho


amostral empregado é do tipo Conglomerado Simples em três estágios de seleção, onde

iii
Ao longo da pesquisa a duração do ensino fundamental brasileiro aumentou, passando de oito para
nove anos, ao se agregar a fase de alfabetização. Desta forma, os alunos de 1ª série avaliados em 2005
passaram a ser considerados como matriculados no 2o ano do ensino fundamental no ano de 2005.

53
as unidades primárias (UPA) são as escolas, as unidades secundárias (USA) são as
turmas de 1ª série e as unidades terciárias (UTA) são os alunos.

A seleção aleatória das 25 escolas (primeiro estágio de seleção) é do tipo Proporcional


ao Tamanho (PPT), considerando-se o número de alunos de cada escola como variável
auxiliar a seleção das unidades. A segunda etapa de seleção utilizou a amostra aleatória
simples de duas turmas dentro de cada escola, já que não possuíamos o número de
alunos por cada turma. Para a terceira etapa, procedeu-se ao sorteio aleatório de 10
alunos por cada uma dessas turmas, totalizando 500 alunos amostrados. Em função da
ausência de listas nominais dos alunos por turma, considerou-se a ordenação segundo a
ordem de chamada, e o sorteio foi feito baseado na média de alunos por turma em cada
uma das escolas. Durante o trabalho de campo, em caso da inviabilidade de encontrar o
aluno sorteado, partia-se para o próximo da lista, de forma a totalizar 10 alunos por
turma. Houve substituição de crianças da lista original, especialmente devido a
problemas nos diários de classes, com muitas crianças que não mais estavam nas turmas
ou escolas selecionadas (inexistência da criança correspondente à numeração do diário,
comprovando a fragilidade dos registros oficiais). Também encontramos crianças
afastadas da escola por doenças e falta do responsável nos dias agendados (após 3
tentativas). Como critério de exclusão da pesquisa, adotou se a ausência dos
responsáveis à entrevista após três tentativas de agendamento. Em decorrência dessas
dificuldades, um total de 35% dos alunos da amostra original foi substituído.

Como cálculo preliminar para o tamanho da amostra e principalmente para obter a


dimensão dos custos e viabilidade operacionais, dimensionou-se a amostra de modo a
obter o maior número possível de alunos amostrados, utilizando-se proporção de 50%,
nível de confiança de 98%, e erro relativo de 5%.

Para a análise dos dados, foi realizada expansão da amostra com a finalidade de
possibilitar que a amostra de alunos de 1ª série do município de São Gonçalo represente
a população de mesmo segmento. Para tal, foram calculados os pesos de cada aluno,
selecionado para o estudo, segundo a alocação em cada uma das unidades de
amostragem (escola, turma e alunos). Assim, todas as informações dos alunos
apresentadas nos artigos 1 e 2 estão ponderadas de acordo com o peso amostral
calculado, considerando todas as etapas de seleção, permitindo a análise das estimativas
“expandidas” para toda a população de interesse155.

54
Os pesos foram calculados pelo inverso das probabilidades de inclusão dos elementos
na amostra ( i)iv.

2008 - AMOSTRA

Esta etapa teve como foco a investigação das relações existentes entre a violência
comunitária e a saúde mental das crianças. O trabalho de campo de acompanhamento
das crianças, realizado em 2008 obteve êxito, localizando e contando com a participação
de 447 responsáveis das 500 crianças que iniciaram o acompanhamento em 2005
(89,4%). Entretanto, somente 434 crianças das 500 crianças preencheram a versão do
questionário desenvolvido para crianças, correspondendo a 86,8% do total avaliado em
2005. Houve, portanto, 66 perdas de crianças em 2008, em relação às 500 crianças que
entraram no estudo em 2005 (algumas delas já haviam sido perdidas do estudo na etapa
2, em 2006).

Comparou-se o grupo de 66 crianças perdidas com as demais participantes da pesquisa


(dados dos responsáveis de 2005) para verificar diferenciações quanto a dados sócio-
econômicos, problemas de comportamento e violência física severa dos responsáveis
sobre a criança. Avaliando os dados expandidos para a população de escolares de SG,
não se notou diferença estatisticamente significativa (p<0,05) entre o perfil das crianças
perdidas no estudo e as que continuaram sendo acompanhadas em 2008 com relação a
sexo, cor da pele, religião, problemas internalizantes, retraimento, ansiedade, queixas
somáticas, externalizantes e violência severa da mãe ou violência severa do pai.

Houve dificuldade quanto à localização das crianças da primeira fase do estudo nas
outras etapas, pois elas estavam dispersas em 87 escolas no município de SG e em
outras da região metropolitana do Rio de Janeiro. Vale ressaltar que as entrevistas foram
feitas em diversos bairros do município do Rio de Janeiro, em Maricá, Tanguá, Itaboraí
e Magé. Sete entrevistas foram feitas por telefone com mães, especialmente por motivo

iv
n é o número de escolas sorteadas, Xi são as quantidades de alunos na escola i, X é o número total de
alunos no município de São Gonçalo (6589), mi é o número de turmas amostradas na escola i, Mi é total
de turmas nesta escola, ti é o número de alunos que foram selecionados por escola (fixado em 10) e Ti é o
número total de alunos na turma selecionada.

55
de mudança para outros estados do Brasil. A localização das crianças nas redes de
ensino municipal e estadual de SG demandou um longo período de busca em que
contamos com o apoio de pessoal administrativo da Secretaria Municipal de Educação
para efetuar a localização da criança.

Freqüentemente, a localização informada pela Secretaria de Educação não mais


coincidia com o fato de a criança estar na escola, devido a inúmeras transferências de
bairro de moradia e, conseqüentemente, de instituição escolar. Os motivos das
transferências eram diversos, tais como, escola mais próxima da residência, mudança de
residência, matrícula na rede privada, repetência ou troca de convívio com um dos
responsáveis pela criança.

Na prática, a informação sobre a localização das crianças que não continuavam


estudando na mesma escola originou-se da informação existente na própria instituição,
dos colegas de escola que ainda tinham algum contato com o antigo colega, do telefone
do responsável dado nos anos anteriores e em visitas domiciliares em 2005 e 2006.
Dentre todas as crianças cobertas pelo estudo em 2008, quatro não estavam estudando
em qualquer estabelecimento de ensino.

Outro fator que dificultou a realização do trabalho de campo foi a recusa da realização
da pesquisa em algumas escolas estaduais para as quais alguns alunos haviam sido
transferidos, e que desconheciam a pesquisa que, até então, só estava acontecendo em
escolas municipais.

2005 E 2008 – INSTRUMENTOS

Os questionários foram elaborados por equipe multiprofissional que teve como


experiência pregressa outras pesquisas realizadas no Claves. Foram elaborados e
testados em um estudo piloto, realizado em duas escolas do município selecionado, a
fim de refiná-los e propor a versão final.

O questionário de 2005 foi aplicado em forma de entrevista individual aos responsáveis


da criança, geralmente a mãe. Em 2008, os responsáveis e as próprias
crianças/adolescentes responderam aos instrumentos de pesquisa. O quadro 2 destaca as
variáveis incluídas no instrumento de coleta de dados que são analisadas nos artigos 1 e
56
2 da tese. Neste quadro apresenta-se o nome das variáveis, o entrevistado da questão e o
local da tese em que são descritas, visando não duplicar definições que tornariam a
leitura da tese mais densa.

Quadro 2: Detalhamento das variáveis utilizadas nos artigos 1 e 2 da tese.


Variáveis Entrevistado Descrição
Perfil socioeconômico e demográfico - sexo, idade, Responsáveis Artigos 1 e 2
cor da pele, estrutura familiar, renda familiar em reais,
estrato social da família aferido pelos bens de
consumo usufruídos, renda e escolaridade do
responsável.
Funcionamento intelectual da criança - Escalas Responsáveis Artigo 1 ; outros
Wechsler de Inteligência para Crianças156,157 detalhes a seguir
Funcionamento geral da família - Escala de Responsáveis Artigo 1
funcionamento geral da família158
Envolvimento parental - Escala de envolvimento Responsáveis Artigo 1
parental159.
Relacionamentos da criança - Relacionamento da Responsáveis Artigo 1
criança na família (pai, mãe e irmãos), com amigos e
professores
Uso de substâncias pelos responsáveis – Uso no Responsáveis Artigo 1
último ano de bebida alcoólica até se embriagar,
remédio para acalmar/ajudar a dormir; cigarro,
maconha, cocaína, crack.
Eventos adversos de vida – Adaptação de escala de Responsáveis Artigo 1; outros
eventos de vida de Pitzner e Drummond160 e Trombeta detalhes a seguir
e Guzzo2.
Violência Familiar - Escala Tática de Conflitos Responsáveis Artigo 1; outros
(Conflict Tactics Scale – CTS)22 detalhes a seguir
Violência na escola e comunidade - Self Reported Responsáveis Artigo 1; outros
Offenses161 detalhes a seguir
Coisas que vi e ouvi - Things I have seen and Criança/ Artigo 2; outros
heard142. adolescente detalhes a seguir
Transtorno de Estresse Pós-Traumático - Child Responsáveis Artigo 1; outros
Behavior Checklist122,162,163 detalhes a seguir
Transtorno de Estresse Pós-Traumático - Youth Criança/ Artigo 2; outros
Self-Report – YSR122,162,163 adolescente detalhes a seguir

Funcionamento intelectual da criança. Avaliou-se o funcionamento intelectual geral


através de testes de inteligência padronizados de administração individual, como as
Escalas Wechsler de Inteligência para Crianças (WISC-III)157. O teste Wisc-III foi
adaptado para amostras brasileiras por Figueiredo et al.164 com 801 escolares entre 6 e

57
16 anos de escolas públicas e particulares de Pelotas/RS. É composto por 13 subtestes
que compõem o QI total, considerado mais fidedigno e válido165. Está subdivido em
duas escalas, que permitem aferir:

QI verbal, composto pelos subtestes: informação, semelhanças, aritmética,


vocabulário, compreensão e dígitos (suplementar). Avalia a compreensão verbal e
proporciona informações sobre o processamento da linguagem, raciocínio,
atenção, aprendizagem verbal e memória. Enfatiza a inteligência auditiva e oral e
a percepção de diferenças sutis diante dos conceitos verbais.

QI de execução, composto pelos subtestes: completar figuras, código, arranjo de


figuras, cubos, armar objetos, procurar símbolos (suplementar) e labirintos
(suplementar). Avalia a organização perceptual e o processamento visual, a
capacidade de planejamento, aprendizagem não-verbal e habilidades para pensar e
manipular estímulos visuais com rapidez de velocidade. Enfatiza a habilidade
visomotora, exigindo rapidez no desempenho da tarefa.

A versão reduzida do teste foi aplicada com o objetivo de economizar o tempo de


aplicação, especialmente utilizados no âmbito de pesquisa. Kaufman166 sugere que os
testes reduzidos devam apresentar uma correlação mínima de 0,90 com os resultados de
uma aplicação completa. Dentre as várias propostas de redução do Wisc, a menor
estrutura encontrada tem sido a díade, vocabulário e cubos, apresentando maior
correlação com o QI verbal (0,87) e com o QI de execução (0,80). No Brasil, já existem
trabalhos utilizando esta forma de Wisc reduzido167.

Na primeira etapa da pesquisa (2005) foi aplicado o WISC completo (12 testes, com
exceção do teste suplementar “labirinto”) em 26 crianças e o WISC reduzido em 459,
com vistas a avaliar a correlação existente entre o subteste total e o reduzido. A
correlação observada, assim como as médias e desvios padrões constatados encontram-
se próximos ao descrito na literatura.

Para efetuar a aplicação do WISC III, foi realizado treinamento de cinco pesquisadoras
(psicólogas) com uma supervisora (também psicóloga) com excelência na aplicação
deste teste em população infantil de distintos estratos sociais. Cada pesquisadora foi
treinada para anotar a resposta literal da criança para cada um dos itens e/ou o tempo de
execução. Para avaliar melhor a aplicação do teste e aferir a concordância dos resultados

58
entre aplicadores, foi realizada a codificação do teste por dois profissionais. As dúvidas
nos escores atribuídos a um determinado item eram sanadas em reuniões periódicas. A
única codificadora deste instrumento era responsável por analisar todas as respostas e,
caso houvesse discordância nos escores atribuídos entre os aplicadores para uma dada
resposta, separava novamente as dúvidas para reunião com todo o grupo e, em último
caso, para a supervisora. Os resultados de cada item dos testes foram digitados e o
resultado destes foi obtido computacionalmente (escores brutos). Posteriormente, os
escores brutos foram convertidos em ponderados conforme a idade da criança (valores
padronizados pelo teste para amostras brasileiras).

Ser intelectualmente deficiente significa apenas um funcionamento intelectual baixo.


Não é sinônimo de deficiência mental168. Para se diagnosticar deficiência mental é
necessário o indício de funcionamento intelectual abaixo da média, tanto em seu
funcionamento intelectual, como em seu comportamento adaptativo em uma variedade
de contextos, o que não foi feito nesta pesquisa. Logo, desempenho baixo no WISC III é
parte necessária de qualquer diagnóstico de deficiência mental em crianças, mas não é
suficiente em si para estabelecer o diagnóstico. Por outro lado, um escore baixo em teste
de inteligência pode não significar funcionamento intelectual baixo. Escores baixos em
QI podem refletir a extrema diferença cultural ou lingüística em relação ao grupo de
padronização, suscetibilidade à distração ou ansiedade, recusa em cooperar com o
examinador e condições como o autismo e a surdez156. Pelo fato das crianças de São
Gonçalo pertencerem a uma população que vive em situação socioeconômica
desprovida de recursos materiais e de capital cultural, é importante ler com cautela os
resultados observados.

A avaliação do nível de inteligência das crianças é uma questão fundamental para a


pesquisa. Foram excluídas da análise dos artigos as crianças com nível de inteligência
intelectualmente deficiente (maiores detalhes sobre essas exclusões nos artigos 1 e 2),
por ser difícil avaliar problemas emocionais e comportamentais em crianças com nível
de inteligência tão comprometido.

Eventos adversos de vida. Duas escalas foram utilizadas na investigação dos eventos
de vida, baseados em Pitzner e Drummond160 e Trombeta e Guzzo2. Contemplam as
seguintes situações ocorridas na família: ocorrência de morte de pai, mãe ou irmão da
criança; na família acontecem/aconteceram problemas de álcool ou drogas; a criança já

59
ficou muito doente e teve que receber cuidados médicos; a criança ou alguém de sua
família já foi seqüestrada; a criança já soube que ela ou alguém de sua família estava
sob risco de vida; a criança já sofreu ou viu alguém de sua família passar por tratamento
médico muito doloroso e assustador; a criança já foi hospitalizada; a criança já
vivenciou acidentes graves de carro ou ônibus; a criança já recebeu alguma notícia
muito ruim e inesperada, do tipo morte, doença grave de alguém querido; a criança já
vivenciou algum desabamento (casa, escola, casa de parentes); a criança já vivenciou
alguma enchente grave (casa, escola, casa de parentes); a criança já vivenciou incêndios
graves (casa, escola, casa de parentes).

Na escola, foi aferido se alguém já tirou à força dinheiro ou alguma coisa da criança..
Na comunidade, perguntou-se se a criança já viu alguém ser gravemente ferido,
vive/viveu em situação de perigo e insegurança na vizinhança, se alguém já tirou à força
dinheiro ou alguma coisa da criança na comunidade, se teve sua casa assaltada ou
roubada ou se viu alguém roubando ou atirando em outras pessoas.

Em estudo realizado com adolescentes de um município do Rio de Janeiro que utilizou


esses itens de eventos de vida, verificamos ICC de 0,67. Quanto à validade de
constructo, essa escala se correlacionou diretamente à escala de sofrimento psíquico169
e, inversamente, ao constructo de auto-estima170.

Violência Familiar. A violência familiar foi investigada com a Escala Tática de


Conflitos (Conflict Tactics Scale – CTS)22, que avalia estratégias utilizadas entre
membros da família para resolução de conflitos, captando indiretamente a ocorrência de
violência familiar. Duas formas de violência aferidas pela CTS são estudadas no artigo
1:

Agressão verbal (ou simbólica): uso de meios simbólicos ou verbais para ferir
ou agredir a criança como: xingar ou insultar, ficar emburrado, chorar, fazer
coisas para irritar, destruir, bater ou chutar objetos;

Violência física severa: atos com alto potencial de ferir a criança: chutar, morder
ou dar murros, tentar bater com objetos, espancar, ameaçar ou usar arma ou faca.

Em um estudo realizado com 1.923 adolescentes escolares de São Gonçalo, bons dados
psicométricos foram verificados: alfa de Cronbach de 0,93 para a violência cometida

60
pelo pai e 0,83 pela mãe; ICC de 0,79 e 0,84 e kappa substancial e moderado,
respectivamente, para a escala de violência física total. Na validade de constructo, os
tipos de violência se correlacionaram entre si148.

Violência na escola e comunidade. Este tipo de violência foi avaliado através de


escalas utilizadas pela ONU em pesquisas sobre violações auto-assumidas (Self
Reported Offenses), e no Brasil foi empregada pelo Instituto Latino-Americano das
Nações Unidas para a Prevenção do Delito e Tratamento do Delinqüente -
ILANUD/ONU161. Estudo da validade de constructo na população de escolares de São
Gonçalo153 mostrou que ambas as escalas se correlacionaram entre si (coeficiente
phi=0,257; p<0,001). Para a violência na escola, o alfa de Cronbach obtido foi de 0,53
(IC 95% 0,45-0,59) e na comunidade 0,52 (IC 95% 0,42- 0,62).

Coisas que vi e ouvi. Violências na vida informada pela criança/adolescente. A fim


de avaliar a percepção da criança quanto à violência que vivenciou em casa, na escola,
na comunidade e em outros lugares por ela freqüentados ao longo de sua vida utilizou-
se a escala “Coisas que vi e ouvi - CVO” (Things I have seen and heard) desenvolvida
por Richters e Martinez142. A versão original desta escala e suas modificações foram
largamente utilizadas nos últimos anos171. A forma de analisar e computar os resultados
varia bastante, dependendo do interesse do pesquisador. A escala “Coisas que vi e ouvi”
é composta por 20 itens, existindo ainda seis itens adicionais que podem ou não ser
aplicados. Nesta tese, apenas os 12 itens de violência comunitária são utilizados e se
encontram destacados no quadro 3172. A forma como a escala foi analisada se encontra
descrita no artigo 2.

Quadro 3: Itens da escala de violência comunitária - CVO


Itens de violência comunitária informados pela criança/adolescente
Ouviu tiros sendo disparados
Viu gangues/ bandidos no seu bairro
Viu uma pessoa morta no seu bairro
Viu alguém ser preso
Viu alguém ser espancado
Viu tráfico de drogas
Viu alguém roubar a casa de outra pessoa ou loja
Viu alguém apontar uma faca para outra pessoa
Viu alguém ser baleado
Viu alguém puxar uma arma de fogo para outra pessoa
Teve a casa arrombada
Viu alguém ser esfaqueado

61
Transtorno de Estresse Pós-Traumático. Child Behavior Checklist (CBCL),
inventário que se destaca pela sua grande utilização no cenário de pesquisa (traduzido
para mais de 30 idiomas), pelo rigor metodológico com que foi elaborado, por seu valor
em pesquisa e utilidade na prática clínica. É composta por um conjunto de escalas
construídas por Thomas M. Achenbach, em 1991, para a investigação de competência
social e problemas de comportamento ocorridos nos últimos seis meses, a partir do
relato dos pais/responsáveis de crianças de 4 a 18 anos. Esse instrumento faz parte do
Achenbach System of Empirically Based Assessment (ASEBA), composto também por
instrumentos aplicados a professores (TRF) e às crianças/adolescentes (YSR), e criados
a partir de pesquisas desenvolvidas pelo autor desde a década de 60. A versão utilizada,
do ano de 2001, refere-se às crianças de 6 a 18 anos, que inclui a faixa etária
estudada162.

A CBCL é composta por 20 itens destinados a classificar a competência social e 118


itens para averiguar síndromes ou problemas de comportamento nos últimos seis meses.
A escala comportamental tem a finalidade de investigar síndromes internalizantes
(ansiedade/depressão, retraimento/depressão e queixas somáticas), externalizantes
(quebrar regras e comportamento agressivo), dentre outras (problemas de atenção, de
pensamento e sociais).

Para aferir TEPT, 20 itens da CBCL foram utilizados de acordo com outros trabalhos
internacionais122,123, apresentados no quadro 4. Como se pode observar, a escala
TEPT/CBCL incorpora itens que compõem várias outras escalas de síndromes:
ansiedade/depressão, retraimento/depressão, queixas somáticas, comportamento
agressivo, problemas sociais, com o pensamento e com a atenção. São itens que não
necessariamente fazem parte do diagnóstico de TEPT, porém, correntemente, costumam
ocorrer em conjunto com os sintomas de TEPT, como por exemplo, as queixas
somáticas.

A estratégia de utilizar a escala TEPT/CBCL foi definida uma vez que não existem
escalas internacionais, nem tampouco nacionais, estudadas em amostras de crianças
brasileiras. Além disso, o Centro Latino-Americano de Estudos de Violências e Saúde
Jorge Careli (CLAVES), responsável pela condução do trabalho cujos dados esta tese

62
utiliza, já vem estudando a CBCL em contextos similares, reconhecendo a sua
efetividade no rastreamento de problemas emocionais e comportamentais. A utilização
da TEPT/CBCL é pertinente, uma vez que, a CBCL já vem sendo estudada no contexto
nacional indicando boas propriedades psicométricas, além de ser estudada com fins
variados, inclusive, internacionalmente, na aferição dos sintomas de estresse pós-
traumático.

Quadro 4: Escala de TEPT a partir da CBCL163


Escala de TEPT Subescala a que pertence
Argumenta muito (apresenta argumentos para não fazer o que Comportamento agressivo
se espera que ele faça)
É distraído(a), não consegue prestar atenção por muito tempo Problemas com a atenção
Não consegue tirar certos pensamentos da cabeça (obsessões*) Problemas com o pensamento
Fica grudado(a) nos adultos, é muito dependente Problemas sociais
Tem medo de pensar ou fazer algo destrutivo (contra si e Ansiedade/depressão
contra outros)
Acha que os outros o (a) perseguem Problemas sociais
É nervoso (a) ou tenso (a) Ansiedade/depressão
Tem pesadelos Queixas somáticas
É medroso(a) ou ansioso(a) demais Ansiedade/depressão
Sente-se excessivamente culpado (a) Ansiedade/depressão
Apresenta problemas físicos por “nervoso” (sem causa
médica):
Dores de cabeça Queixas somáticas
Náuseas, enjôos Queixas somáticas
Dores de estômago ou de barriga Queixas somáticas
Vômitos Queixas somáticas
É reservado(a), fechado(a), não conta suas coisas para Retraimento/depressão
ninguém
É mal-humorado, irrita-se com facilidade Comportamento agressivo
Tem mudanças repentinas de humor ou de sentimentos Comportamento agressivo
(*)
Tem problemas com o sono Problemas com o pensamento
É infeliz, triste ou deprimido (a) Retraimento/depressão
É retraído(a), não se relaciona com os outros Retraimento/depressão
* Solicita-se que o responsável descreva o problema e que o entrevistador redija a resposta no
questionário. Os pesquisadores, durante o processamento, avaliam as respostas e apenas deixam
comportamentos compatíveis com o sintoma aferido.

Estudando a confiabilidade da TEPT-CBCL, Wolfe, Gentile e Wolfe122 encontraram


alfa de Cronbach de 0,89 na avaliação de uma amostra de crianças sexualmente
abusadas. Observaram também que os escores dessa escala proposta se correlacionaram
significativamente com outra escala que avalia esse tipo de transtorno (Children´s
Impact of Traumatic Events Scale – Revised).

63
Wolfe, Gentile e Wolfe122 testando a validade discriminante, constataram frágeis
resultados, uma vez que crianças com altos escores na TEPT-CBCL o tiveram também
nas outras subescalas da CBCL, como por exemplo, com os problemas internalizantes e
externalizantes, com os problemas sexuais, com a atenção, e na comparação do grupo de
crianças sexualmente abusadas e não abusadas. Os autores ressaltam que essa alta
correlação se deve, em parte, ao efeito dos escores da correlação para os 20 itens sobre o
CBCL-TEPT entre si. No entanto, no trabalho de Wolfe et al.122, escores da TEPT-
CBCL relacionaram-se ao status de TEPT encontrados na avaliação realizada através do
KSADS-Ev. Adicionalmente, as taxas para muitos itens diferenciaram
significativamente entre os indivíduos com e sem o diagnóstico de TEPT, o que
corrobora com boa validade concorrente. Por outro lado, foram relativamente fracas as
estimativas de especificidade e sensibilidade. Especificamente, embora o total dos
escores de TEPT tenha diferenciado para crianças abusadas sexualmente quando
comparadas com aquelas não abusadas, elas não diferenciaram em comparação àquelas
com problemas psiquiátricos não abusadas sexualmente. Os achados desse trabalho
precisam ser avaliados levando em consideração não terem abordado outros eventos
traumáticos que não o abuso sexual.

Dehon e colaboradores173 utilizaram uma versão similar ao da proposta no presente


relatório, composta por 15 itens, aplicada a 62 crianças de 1 a 6 anos de idade,
traumatizadas por acidentes, violência e doenças crônicas. A escala apresentou uma
correlação de 0,66 com os sintomas de TEPT relatados na entrevista clínica. No estudo
de sensibilidade e especificidade, esses autores concluíram que o ponto de corte mais

v
Na presente pesquisa, não foi utilizada a versão KSADS-E e, sim, a KSADS-PL (Schedule for
Affective Disorders and Schizophrenia for School Age Children – present and lifetime), protocolo clínico
com entrevista semi-estruturada com o responsável da criança e ela própria, visando identificar
diagnósticos de psicopatologia na faixa etária de 6 a 18 anos no presente e ao longo da vida. Subdivide-se
em 3 partes que objetivam captar diagnóstico psiquiátrico atual e de toda a vida da criança. A primeira
parte consiste em dados demográficos, história geral de saúde, desenvolvimento, histórico de abuso,
histórico psiquiátrico, background escolar e relações sociais (informações coletadas no questionário mais
geral da pesquisa). A segunda parte consiste numa lista de 82 sintomas-chave para os episódios em
diferentes áreas diagnósticas (transtornos depressivos, mania, psicose, transtorno de pânico, de ansiedade
de separação, de evitação/fobia social, evitação da infância, fobia social, agorafobia e fobia específica,
ansiedade excessiva/transtorno de ansiedade generalizada, obsessivo-compulsivo, enurese, encoprese,
anorexia nervosa, bulimia nervosa, déficit de atenção/hiperatividade, opositivo-desafiador, de conduta,
transtornos de tiques, uso de cigarro ou tabaco, abuso de álcool, abuso de outras substâncias e estresse
pós-traumático). A terceira parte consiste em 5 diagnósticos suplementares (a desordem afetiva, psicose,
ansiedade, comportamental, abuso de substância/outras desordens) que compreendem diagnósticos
confirmatórios, onde o escore foi positivo na parte 2. A pontuação leva em conta a gravidade e a
freqüência para todos os sintomas. A versão utilizada é a empregada em centros especializados de
referência do Rio de Janeiro, para fim de diagnóstico psiquiátrico clínico.

64
apropriado para esta escala era 9. Partindo desse referencial, identificou-se 75% de
todos os verdadeiros positivos (sensibilidade) e 84,4% de todos os verdadeiros
negativos (especificidade). Além disso, 63% das crianças, com escores maior ou igual a
9, foram diagnosticadas com TEPT (valor preditivo positivo), e 90% das crianças
abaixo desse valor não tinham TEPT (valor preditivo negativo). Os dados dessa amostra
demostram que apenas o uso desse instrumento para diagnosticar TEPT pode deixar de
fora casos verdadeiros e diagnosticar incorretamente não casos. Outro ponto a ser
debatido é que itens da TEPT-CBCL não são de diagnóstico para TEPT, mas possuem
validade face à sintomatologia de TEPT.

No artigo 1, são apresentadas informações psicométricas da escala na amostra


investigada na tese. A classificação de TEPT efetuada no presente estudo segue a
categorização proposta por Achenbach162 para as síndromes que compõem a escala:
clínico, limítrofe ou normal, baseadas nos escores T, que são obtidos por
transformações nos escores brutos de resposta. A sua utilização é útil para a comparação
dos desvios encontrados nas crianças através de diferentes instrumentosvi. Para as
escalas de síndromes, utiliza-se escore T >69 para clínicos, e entre 65 e 69 para
limítrofes. Este foi o ponto de corte utilizado na presente investigação. Ruggiero e
McLeer156 utilizaram ponto de corte de oito questões respondidas afirmativamente para
TEPT. Todavia, a análise dos dados para a tese mostrou não haver diferença importante
em relação ao escore T, que justificasse a escolha deste ponto de corte.

Transtorno de Estresse Pós-Traumático. Youth Self-Report - YSR. Para avaliar os


problemas de comportamento das crianças segundo sua própria visão, utilizou-se a
escala YSR, elaborada por Achenbach162 para ser aplicada e, crianças entre de 11-18
anos de idadevii. Essa escala foi criada de forma similar a CBCL (aplicada aos

vi
O escore T é uma estatística definida por 50 pontos mais 10 vezes o valor obtido do escore
bruto pela normal padronizada (com média zero e desvio-padrão 1). Desta forma, podem-se comparar os
resultados obtidos com aqueles da amostra “saudável” obtida por Achenbach, baseando-se nos percentis.
As regras para a construção dos pontos de corte que definem os grupos clínico, limítrofe e normal são
baseadas nos dados amostrais de duas populações de mesmo grupo etário: uma proveniente de centros de
saúde mental e outra de crianças consideradas de referência (não-clínicas) por Achenbach. A
diferenciação dos casos limítrofes tende a trazer crianças com escores altos demais para serem
consideradas normais, embora estas crianças não alcancem valores elevados o suficiente para serem
classificadas como clínicas. Essa escala é construída a partir da soma dos escores dos itens
correspondentes.
vii
Em conversa pessoal com o autor da escala houve indagação sobre a possibilidade de aplicar o
instrumento em crianças entre 9 (1,7% do total de crianças em 2008) e 10 anos (39,4%). O autor
respondeu que essa possibilidade tem sido realizada em alguns países, desde que aplicado por

65
responsáveis) e TRF (direcionada aos professores). As mesmas escalas de sintomas
comportamentais aferidas na CBCL e TRF existem na YSR, cuja análise é realizada da
mesma forma e com os mesmos escores T já sinalizados para a CBCL.

Da mesma forma que o TEPT foi analisado a partir da CBCL, procedeu-se a análise dos
mesmos 20 itens presentes na YSR (quadro 5). Os itens são similares e só tem pequenas
alterações nos pronomes de tratamento, pois na CBCL a pergunta é dirigida aos pais e
questiona sobre a criança, enquanto a YSR a questão é feita diretamente ao aluno. Os
pontos de corte utilizados são idênticos aos da análise da CBCL.

Quadro 5 – Escala de TEPT a partir da YSR163


Escala YSR para aferir TEPT Subescala a que
pertence
Argumenta muito (apresenta argumentos para não fazer o que se espera que Comportamento
você faça) agressivo
Tem dificuldade para se concentrar ou para prestar atenção Problemas com a
atenção
Não consegue tirar certos pensamentos da cabeça Problemas com o
pensamento
É dependente demais dos adultos Problemas sociais
Tem medo de pensar ou fazer algo destrutivo (contra si e contra outros) Ansiedade/depressão
Acha que os outros te perseguem Problemas sociais
É nervoso ou tenso Ansiedade/depressão
Tem pesadelos Queixas somáticas
É apreensivo, aflito ou ansioso demais Ansiedade/depressão
Sente-se excessivamente culpado Ansiedade/depressão
Na sua opinião, apresenta problemas físicos por “nervoso” (sem causa médica):
Dores de cabeça Queixas somáticas
Náuseas, enjôos Queixas somáticas
Dores de estômago ou de barriga Queixas somáticas
Vômitos Queixas somáticas
É reservado, fechado, não conta suas coisas para ninguém Retraimento/depressão
É mal humorado, irrita-se com facilidade Comportamento
agressivo
Seu humor e seus sentimentos mudam de repente Comportamento
agressivo
Tem problemas com o sono Problemas com o
pensamento
É infeliz, triste ou deprimido Retraimento/depressão
É retraído, não se relaciona com os outros Retraimento/depressão

Os resultados observados no primeiro e segundo artigos estão apresentados como


“sintomas de TEPT”, em função das escalas CBCL/TEPT e YSR/TEPT terem função

entrevistador (e não por auto preenchimento), visando suprir dificuldades de compreensão ainda
freqüentes nesta faixa etária.

66
maior de rastreamento de casos a partir de sintomas variados, e por não serem
específicas para a avaliação do transtorno.

PROCESSAMENTO E ANÁLISE DOS DADOS

Toda a informação obtida nas pesquisas anteriormente apresentadas foi armazenada em


máscara de entrada de dados construída no programa Epi-info 6.0, que sofreu crítica
rigorosa durante todo o processamento dos dados nas diferentes etapas de seguimento:
codificação, digitação, correção e análise. Na fase de análise, o banco foi convertido
para o software SPSS versão 8.0. Os dados da amostra foram expandidos para a
população escolar, sendo inicialmente analisados através de descrição da freqüência
absoluta e relativa e do cruzamento de variáveis, que possibilitaram um conhecimento
preliminar dos dados obtidos. Foram estimadas medidas de prevalência e empregados
modelos estatísticos, tais como regressão logística. Maiores detalhes metodológicos
sobre os modelos estão apresentados nos artigos 1 e 2.

3.2. PROJETO “ESTRESSE PÓS-TRAUMÁTICO EM ADOLESCENTES: O


IMPACTO DA VIOLÊNCIA E DE OUTROS EVENTOS ADVERSOS COM
ESCOLARES DE UM MUNICÍPIO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO"

DEFINIÇÃO DA AMOSTRA E TAMANHO AMOSTRAL

Participaram do estudo adolescentes estudantes do curso diurno do 9° ano das escolas


públicas (municipais e estaduais) e particulares do município de São Gonçalo, em 2010.

O plano amostral do projeto foi composto por 14 estratos, construídos em função da


natureza da instituição (pública e particular) e das 7 áreas de planejamento do
município. A estratificação buscou trazer representatividade socioeconômica (natureza
da instituição) e espacial (áreas de planejamento) nos dados analisados.

67
A amostra foi dimensionada para obter estimativas de proporção, com erro absoluto de
1,3%, nível de confiança de 95%, ao assumir proporção de 2,3%viii da ocorrência de
TEPT em crianças. No presente estudo, utilizou-se amostragem por conglomerados em
dois estágios: 1ª estágio - escolha das escolas, com probabilidade de seleção
proporcional à quantidade de alunos (PPT sistemática) de 9° ano em cada um dos 14
estratos. O tamanho amostral foi distribuído de forma proporcional ao tamanho do
estrato; 2ª estágio - turmas foram selecionadas aleatoriamente, dentro da escola, para a
aplicação do questionário em todos os alunos.

O plano amostral foi, assim, delineado com o objetivo de encontrar menor tamanho
amostral com maior precisão e poder de inferência para a população de alunos de 9º ano
de São Gonçalo. Entretanto, devido o tipo de amostragem não ser aleatória simples
(AAS), incluiu-se um efeito de desenho de 2, a fim de se manter o mesmo nível de
precisão de uma AASix.

A distribuição do número de alunos pelos estratos e escolas foi fornecida por cada uma
das Secretarias Municipal e Estadual de Educação para o ano de 2008 (último ano
disponível). Uma das dificuldades encontradas para a seleção da amostra foi a
inexistência do número de alunos por turma, somente sendo disponível o número de
alunos e de turmas por escola. Portanto, na seleção amostral, considerou-se a média de
alunos por turma, quando necessário.

Para a seleção amostral das escolas e turmas foi empregado o software R 2.11.1 e os
pacotes pps e sampling.

Todos os alunos presentes nas turmas e autorizados pelos pais participaram da pesquisa
(tabela 1), mas apenas estão analisados neste relatório os alunos entre 13 e 19 anos de

viii
Prevalência de TEPT ainda não publicada, fornecida por um dos autores da pesquisa “Violence and
post-traumatic stress disorder in São Paulo and Rio de Janeiro, Brazil” (Andreoli et al, 2009) para a
faixa etária de 14 a 19 anos.
ix
deff é o efeito do desenho, 1,96 é a abscissa da curva normal correspondente a um nível de significância
de 5% e teste bilateral, π é a proporção esperada de TEPT, N é o tamanho da população e e é o erro
absoluto (Luiz RR, Magnanini MMF. A lógica da determinação do tamanho da amostra em investigações
epidemiológicas. Cadernos Saúde Coletiva(Rio de Janeiro).2000; 8( 2): 9-28)

68
idade com ocorrência de eventos de vida adversos, isto é, se marcaram algum item na
parte I da Escala UCLA PTSD Reaction Index, conforme descrito mais adiante.
Participaram da amostra 43 escolas públicas e 30 particulares, contando, em geral, com
duas turmas por escola. Sete escolas particulares se recusaram a participar da pesquisa,
justificado pela falta de tempo no calendário escolar. Duas escolas particulares
selecionadas optaram por enviar aos pais uma circular da própria escola explicando o
objetivo da pesquisa, a fim de evitar possíveis problemas com os familiares. Já nas
escolas públicas não houve qualquer problema em relação à autorização da pesquisa na
escola, já que havia a autorização prévia da Secretaria Municipal e Estadual de
Educação.

Tabela 1: Tamanho amostral calculado, obtido e analisado, segundo redes de


ensino e áreas programáticas (AP)
Alunos matriculados
Amostra calculada1 Amostra alcançada Amostra analisada3
ÁP nas turmas de 20102
Público Privado Total Público Privado Total Público Privado Total Público Privado Total
AP 1 311 205 516 745 403 1148 163 172 335 147 93 240
AP 2 21 0 21 105 - 105 28 0 28 26 0 26
AP 3 328 182 510 666 443 1109 217 171 388 179 156 335
AP 4 143 19 162 361 59 420 114 17 131 89 12 101
AP 5 8 0 8 38 - 38 20 0 20 12 0 12
AP 6 119 36 155 292 128 420 76 59 135 60 48 108
AP 7 65 9 74 201 46 247 72 20 92 55 12 67
Total 995 451 1446 2408 1079 3487 690 439 1129 568 321 889
1-Amostra calculada a partir da população de estudantes do 9o ano do ensino fundamental no ano de
2008.
2- Devido a não devolução de consentimento por escrito dos responsáveis, muitas turmas/adolescentes
foram acrescentadas ao plano amostral original, visando alcançar o tamanho amostral previsto. Detalhes
apresentados mais adiante.
3- Critérios de exclusão: idade: <13, >19 e não informada; não ter vivenciado nenhum evento de vida
adverso indagado na Escala UCLA-PTSD.

Muitos foram os obstáculos existentes para o alcance da amostra estimada,


especialmente, em função da necessidade da autorização do termo de consentimento
pelos pais/responsáveis dos adolescentes para a participação na pesquisa. Contudo, é
importante frisar que o não envio do termo de consentimento (TC) pelos pais não
significava, na maioria das vezes, a não autorização dos responsáveis à pesquisa. O
maior motivo alegado por 89,4% dos adolescentes que não responderam aos
questionários, embora estivessem nas turmas selecionadas, foi o esquecimento do TC
assinado em casa, o desencontro com os responsáveis nos dias anteriores à aplicação do
questionário, o esquecimento dos alunos em apresentar o TC aos responsáveis e a coleta
de saliva dos adolescentes (objetivo de um projeto atrelado a esse, mas que não se refere

69
à tese aqui apresentada). No total das perdas, a não autorização foi formalmente
relatada por 120 pais/responsáveis que não aceitaram a participação dos filhos no estudo
(56 da rede pública e 64 da particular), o que corresponde a 10,6% das perdas
existentes. A aceitação dos adolescentes à pesquisa mostrou-se maior na rede particular
de ensino (40,7%) do que na rede pública - 28,7%.

Vale destacar o exaustivo trabalho para a obtenção da amostra selecionada. Além da


necessidade de grande detalhamento do estudo à direção da escola e aos adolescentes,
muitas escolas eram localizadas em lugares de difícil acesso, várias demoraram para
autorizar a pesquisa e, ainda, muitas não ofereciam estrutura e aspectos operacionais
ideais para a aplicação do questionário. Contudo, na maior parte das vezes, houve
ótima receptividade da pesquisa nas escolas, reconhecendo a relevância da pesquisa
para o município.

Devido ao número elevado de perdas (por recusa ou outros motivos) e devido ao


cadastro mais atual existente na Secretaria de Educação ser de dois anos anteriores (o
que faz com que o tamanho amostral seja às vezes maior que o do cadastro) ao ano em
que se realizou a coleta de dados, optou-se pela não-inclusão dos pesos amostrais na
análise dos dados do artigo 3. Essa estratégia tem por objetivo evitar correções ainda
mais errôneas nas estimativas pontuais (como por exemplo, percentuais) do que a sua
não-utilização. Por outro lado, a correção da variância pelo plano amostral (efeito dos
conglomerados) não foi realizada por conta da falta de tempo hábil para a sua
realização. Por fim, nos próximos meses, será utilizada a inclusão do plano amostral
(conglomeração e estratificação) para corrigir o efeito do plano amostral na variância e
nos p-valores dos testes estatísticos empregados (por exemplo, qui-quadrado) nesta tese
e artigos relacionados.

INSTRUMENTOS

O questionário autopreenchível e anônimo foi aplicado de forma coletiva e por turma,


durando em média 60 minutos. Os questionários foram aplicados por uma equipe de
pesquisadores treinados, com a presença de, pelo menos, um psicólogo por equipe. O
questionário foi pré-testado no município em 4 escolas da rede pública (51
questionários coletados) e 3 da rede privada (46 questionários preenchidos). Os alunos

70
destas escolas responderam ao questionário duas vezes consecutivas, num intervalo de
sete dias, visando testar sua confiabilidade.

O instrumento é composto por muitos temas e escalas. Nesta tese são analisados itens
referentes: ao perfil do adolescente (sexo, idade, cor da pele); à estrutura familiar; à
situação socioeconômica (classe social); ao uso de drogas, álcool e cigarro; à vivência
de violências e outros eventos traumáticos e sintomas de transtorno de estresse pós-
traumático (quadro 6).

Quadro 6: Detalhamento das variáveis utilizadas no artigo 3 da tese.


Variáveis Descrição
Perfil socioeconômico e demográfico - sexo, idade, cor da pele, Artigo 3
estrutura familiar, estrato social da família aferido pelos bens de
consumo usufruídosx.
Uso de substâncias pelos responsáveis – uso no último ano de Artigo 3
bebida alcoólica até se embriagar, remédio para acalmar/ajudar a
dormir; cigarro, maconha, cocaína, crack.
Violência Psicológica – Escala de Violência Psicológica160,174. Artigo 3; outros
detalhes a seguir
Violência na escola e comunidade - Self Reported Offenses161 Artigo 3; descrita
anteriormente no
estudo 1;
Violência Familiar - Escala Tática de Conflitos (Conflict Artigo 3; descrita
Tactics Scale – CTS)22 e itens que avaliam violência entre anteriormente no
irmãos e entre pais, violência sexual. estudo 1;
Transtorno de Estresse Pós-Traumático – UCLA PTSD Artigo 3; outros
Reaction Index – versão do adolescente175 detalhes a seguir

Escala violência psicológica: Desenvolvida por Pitzner e Drummond (1997)160, avalia


experiências vividas pelo jovem, em que uma pessoa significativa denegriu suas
qualidades, capacidades, desejos e emoções, além de cobrá-lo excessivamente. É
constituída por 18 itens com opções de respostas que variam do nunca até o sempre. As
opções de resposta de cada item são somadas, e construídos escores que são
categorizados como presença de violência psicológica caso seja maior do que 1 desvio-
padrão acima da média. Foi adaptada à realidade brasileira por Avanci et al174, onde foi
verificado alfa de Cronbach de 0,94, ICC de 0,82, e a análise fatorial apresentou
estrutura de fator com grau de explicação de 43,5% da variância. Quanto à validade de
constructo, encontrou-se correlação positiva com sofrimento psíquico (SRQ-20)169,

x
Critério Brasil. Disponível em: www.abep.org/novo/Utils/FileGenerate.ashx?id=46. (2010)

71
violência cometida pela mãe e entre pais (CTS)176. No presente estudo, o Kappa dos
itens desta escala variou entre 0,395 e 0,683. O alfa de Cronbach encontrado foi de
0,930.

Transtorno de Estresse Pós-Traumático

Foi utilizada a escala “The University of California at Los Angeles Post-Traumatic


Stress Disorder Reaction Index” (UCLA-PTSD Reaction Index)175, na versão para o
adolescente, de 13 a 18 anos. Tem como objetivo avaliar eventos traumáticos e presença
de sintomas do TEPT segundo os critérios diagnósticos da DSM-IV. Pode ser
administrada individual ou coletivamente. É dividida em três partes: (1) 14 itens que
compreendem o rastreamento de eventos de vida traumáticos e avaliam a exposição à
violência na comunidade, traumas médicos, abusos e desastres naturais. As opções de
respostas são dicotômicas (sim e não); (2) 13 itens que compreendem a avaliação
sistemática dos critérios da DSM-IV, que avaliam características subjetivas da
exposição ao trauma (critério A do TEPT na DSM-IV). Estes itens também possuem
opções de resposta “sim” e “não”; (3) 22 itens que fornecem uma avaliação da
freqüência dos sintomas de TEPT durante o último mês, possuindo opções de resposta
em escala Likert (nunca, poucas vezes, algumas vezes, muitas vezes, na maioria das
vezes), com escores de 0 a 4. Estes itens mapeiam a revivência do evento traumático, a
esquiva persistente e os sintomas persistentes de excitabilidade aumentada de acordo
com os critérios do DSM-IV para o TEPT (distribuídos entre os critérios B, C e D).

Caso tenha vivenciado algum evento, no final da parte I, é solicitado que o adolescente
responda sobre o evento que marcou. Se o adolescente vivenciou mais de um evento, ele
deve escolher o evento que mais o aborrece e responder ao restante da escala tendo
como referência este evento.

A escala pode ser avaliada de duas formas: pelos critérios da DSM-IV ou pelo critério
de severidade. A avaliação pelos critérios da DSM-IV para o TEPT é estabelecido caso
a criança preencha todos os critérios (A, B, C e D) ou um diagnóstico parcial ao
preencher o critério A e mais dois outros critérios (B+C ou B+D ou C+D).

A severidade do transtorno pode ser avaliada pela soma de 17 itens da parte III que
tratam da freqüência dos transtornos de TEPT. Embora a parte III tenha 22 itens,
somente 20 compõem sintomatologia do TEPT. Outros dois itens avaliam

72
características associadas como medo de recorrência e culpa relacionada ao trauma.
Deste modo, a escala com os sintomas contém 20 itens, mas somente 17 correspondem
a critérios da DSM-IV. Três dos sintomas têm duas formulações alternativas, com o
maior escore, sendo usado para calcular o escore total. O escore final corresponde à
soma dos 17 itens válidos; um ponto de corte de 38 ou mais para um incidente
traumático tem uma grande sensibilidade e especificidade para detectar TEPT175. Nesta
tese, foi adotado para a análise o critério de severidade, com o ponto de corte 38.

Numa amostra norte-americana, o instrumento apresentou alfa de Cronbach de 0,78


para o escore total e confiabilidade teste-reteste de 0,94 a 0,97 para as versões de pais,
adolescentes e crianças77.

Em nosso estudo, o alfa de Cronbach para os itens que compõem o escore de gravidade
(critérios B, C e D) foi de 0,886 para a amostra geral; o Kappa por itens variou entre
0,114 e 0,685. Para os itens do critério A, o Kappa variou entre 0,194 e 0,708
Verificando a validade de constructo, foram encontradas correlações significativas com
as escalas de depressão (rho de spearman =0,405; p<0,001) e de ansiedade (rho de
spearman =0,422; p<0,001).

A grande vantagem deste instrumento é a sua adequação à amostra estudada,


bem como o fato de avaliar tanto a história de eventos traumáticos quanto dos sintomas
do TEPT e, ainda estar baseado em critérios atuais da DSM. Numa amostra norte-
americana, o instrumento apresentou alfa de Cronbach de 0,78 para o escore total, bem
como confiabilidade teste-reteste variando de 0,94 a 0,97 entre as versões de pais,
adolescentes e crianças77.

A escala, apresentada no quadro 7, foi submetida ao processo de adaptação transcultural


em estudo, ainda não publicado, realizado no Centro Latino Americano de Violência e
Saúde Jorge Careli e está em fase de elaboração de resultados. De maneira geral, poucos
foram os itens que denotaram problemas psicométricos e de tradução para a língua
portuguesa. Todo o processo de adaptação transcultural contou com a participação de
experts do tema.

A escala foi submetida à equivalência semântica que se refere à tradução do instrumento


original, e objetiva alcançar efeitos similares em respondentes de culturas distintas177.
Os itens foram avaliados em quatro etapas: (a) duas traduções do instrumento original

73
em inglês para o português, realizadas de forma independente; (b) essas duas traduções
foram retraduzidas para o português por outros dois tradutores, também
independentemente; (c) avaliação formal por um quinto tradutor, conhecedor da cultura
americana e da área de Saúde Mental, a quem foi concebida a tarefa de avaliar a
equivalência entre o original e cada uma das retraduções, sob a perspectiva do
significado geral e referencial; (d) apreciação da equivalência semântica propriamente
dita178. Os tradutores e retradutores que participaram do processo foram profissionais de
nível superior, com graduação em letras e com especialização na língua inglesa.

Para a apreciação da terceira etapa, um formulário específico foi elaborado, onde


dispunha aleatoriamente a versão original e as retraduções. Através da comparação das
versões produzidas e da original, o avaliador apreciou duas categorias: o significado
referencial (corresponde à concordância em termos de tradução literal entre um item
original e o mesmo retraduzido, avaliado pela Visual Analogue Scale em que a
equivalência entre pares é julgada de 0 a 100%) e o significado geral (corresponde à
concordância mais ampla, em termos de articulação de idéias e impacto entre um item
original e sua retradução, avaliada através de quatro níveis de equivalência: inalterado,
pouco alterado, muito alterado ou completamente alterado). Essa avaliação foi feita de
forma “cega”, dificultando a identificação do item original e do que sofreu
tradução/retradução.

Os avaliadores consideraram a grande parte dos itens como inalterados, em seu sentido
geral. No sentido referencial, a maioria dos índices recebidos foi superior a 80% -
apenas 8 do total de 35 questões avaliadas obtiveram avaliação inferior. Considerando
pelo menos um avaliador, dezenove do total dos itens obtiveram concordância pouco ou
completamente alterada. Em geral, a avaliação qualitativa do significado geral segue o
mesmo padrão da apreciação quantitativa.

74
Quadro 7: Escala UCLA PTSD Reaction Index – Versão para o adolescente

Abaixo há uma lista de situações MUITO ASSUSTADORAS, PERIGOSAS OU


VIOLENTAS que, às vezes, acontecem com as pessoas. São situações em que
alguém foi seriamente ferido ou morto ou poderia ter sido. Algumas pessoas
passaram por essas experiências; algumas pessoas não passaram por elas. Por
favor, seja sincero ao responder se o fato violento listado aconteceu ou não com
você. PARA CADA PERGUNTA: escreva "Sim" se o fato assustador aconteceu
com você. Escreva "Não" se isso não aconteceu com você.

1. Estar em um desabamento que destruiu seriamente o local em que você estava.


2. Estar em outro tipo de desastre, como, por exemplo, em incêndios, tornados,
enchentes ou furacões.
3. Estar em um acidente grave, como, por exemplo, um acidente de carro muito
sério.
4. Estar em um lugar onde conflitos armados (tiroteios) estavam acontecendo ao seu
redor.
5. Apanhar, levar um soco ou um chute muito forte em casa (NÃO INCLUI brigas
banais entre irmãos e irmãs).
6. Ver um membro da família apanhar, levar um soco ou um chute muito forte em
casa (NÃO INCLUI brigas banais entre irmãos e irmãs).
7. Ser espancado, levar um tiro ou ser ameaçado de ser seriamente machucado
em sua cidade.
8. Ver alguém na sua cidade ser espancado, levar um tiro ou ser morto.
9. Ver um cadáver em sua cidade (não inclui funerais).
10. Um adulto ou alguém muito mais velho tocou suas partes sexuais íntimas contra
sua vontade.
11. Ter recebido a notícia da morte violenta ou o ferimento grave de um ente
querido.
12. Ter recebido um tratamento médico assustador e doloroso num hospital quando
você estava muito doente ou seriamente ferido.
13. Além das situações descritas acima, ALGUMA OUTRA SITUAÇÃO aconteceu
com você que tenha sido REALMENTE ASSUSTADORA, PERIGOSA OU
VIOLENTA?
1. Sim. Qual? ______________________________________________________
2. Não.

14A. Se você respondeu “SIM” a APENAS UM item da lista de questões 1 a 13,


escreva o número desse item (de 1 a 13): _______________. Agora vá para a
questão 14D.

14B. Se você respondeu "SIM" a MAIS DE UM item das questões de números 1 a 13,
escreva o número da situação que HOJE EM DIA INCOMODA MAIS
VOCÊ:_____

14C. Há quanto tempo essa situação ruim (sua resposta para questão 14B ou 14C)
aconteceu com você? _______________anos/meses (ESCREVA APENAS OS MESES SE
A SITUAÇÃO OCORREU HÁ MENOS DE 1 ANO)

75
14D. Por favor, escreva o que aconteceu na situação indicada na questão 14B ou 14C:
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________

PARA AS PRÓXIMAS QUESTÕES, por favor MARQUE SIM ou NÃO para


responder como VOCÊ SE SENTIU durante ou logo depois que a situação ruim
(mencionada na questão 14) aconteceu.

15. Você teve medo de morrer?


16. Você teve medo de ser gravemente ferido?
17. Você foi gravemente ferido?
18. Você teve medo que outra pessoa morresse?
19. Você teve medo de que outra pessoa fosse gravemente ferida?
20. Outra pessoa foi gravemente ferida?
21. Alguém morreu?
22. Você sentiu muito medo como se essa fosse uma das suas experiências mais
assustadoras?
23. Você sentiu como se não pudesse interromper o que estava acontecendo ou que
você precisava da ajuda de alguém?
24. Você sentiu que o que via era nojento ou asqueroso?
25. Você saiu correndo ou agiu como se estivesse muito perturbado?
26. Você se sentiu muito confuso?
27. Você sentiu como se o que estava acontecendo não fosse real, de alguma forma,
como se acontecesse num filme em vez de na vida real?

A seguir há uma lista de problemas que pessoas, às vezes, enfrentam depois que
situações muito ruins acontecem. Por favor, PENSE nas situações ruins que
aconteceram com você e que você mencionou na Questão 14. POR FAVOR,
CERTIFIQUE-SE DE QUE RESPONDEU A TODAS AS QUESTÕES.

DURANTE QUANTO TEMPO NO ÚLTIMO MÊS...


1) Eu tomo cuidado com perigos ou com situações que me causam medo.
2) Quando algo me lembra do que aconteceu, eu fico muito perturbado, com medo ou
triste.
3) Pensamentos perturbadores, imagens, ou sons do que aconteceu comigo vêm a
minha mente quando eu não quero que isso aconteça.
4) Eu me sinto irritado, com raiva ou furioso.
5) Eu tenho sonhos sobre o que aconteceu ou outros pesadelos.
6) Eu me sinto como se tivesse voltado ao tempo em que a situação ruim aconteceu,
vivendo-a novamente.
7) Eu tenho vontade de ficar comigo mesmo e de não estar com meus amigos.
8) Eu me sinto só e distante das pessoas.
9) Eu tento não falar, pensar ou ter sentimentos sobre o que aconteceu.
10) Eu tenho dificuldades em sentir felicidade ou amor.
11) Eu tenho dificuldades em sentir tristeza ou raiva.
12) Eu me sinto apreensivo ou facilmente assustado, como, por exemplo, quando escuto
um barulho alto ou quando algo me surpreende.
13) Eu tenho dificuldades para dormir ou acordo frequentemente durante a noite.

76
14) Eu acho que parte do que aconteceu foi minha culpa.
15) Eu tenho dificuldades em lembrar partes importantes do que aconteceu.
16) Eu tenho dificuldades em me concentrar e prestar atenção.
17) Eu tento ficar distante de pessoas, lugares ou situações que me façam lembrar o que
aconteceu.
18) Quando algo me lembra o que aconteceu, sinto fortes sensações no meu corpo,
como, por exemplo, meu coração acelera, sinto dor de cabeça ou dor de estômago.
19) Eu acho que não vou ter uma vida longa.
20) Eu tenho discussões e brigas corporais.
21) Eu me sinto pessimista ou negativo sobre meu futuro.
22) Tenho medo de que situações ruins aconteçam novamente.

Os resultados da escala UCLA/PTSD Reaction Index são apresentados como TEPT, tal
qual sugerido pelos autores para descrever os critérios de severidade179. De maneira
geral, percebe-se ampla variação na forma de expor os resultados dessa escala, tais
como TEPT provável e sintomas de TEPT117,180.

APLICAÇÃO DO INSTRUMENTO

A aplicação foi realizada em turma, na própria escola do adolescente. O questionário é


auto-preenchível e anônimo. Tendo em vista que o tema poderia trazer à tona vivências
traumáticas e sentimentos desagradáveis, foram tomados alguns cuidados em relação à
aplicação do questionário:

a) treinamento da equipe de pesquisadores quanto à abordagem com adolescentes que


viessem a se mostrar sensibilizados aos temas abordados no questionário;

b) aplicação do questionário por duplas de pesquisadores, sendo um deles psicólogo, de


forma que pudesse orientar e apoiar os adolescentes que, porventura, se mostrassem
mais sensibilizados no momento da pesquisa. Além disso, os adolescentes foram
informados que, caso desejassem, poderiam procurar o psicólogo da equipe para uma
conversa ao final da aplicação do questionário. Este, por sua vez, forneceria algum um
encaminhamento a profissional especializado da área de saúde mental ou da assistência
social. Quatro meninas procuraram as psicólogas-pesquisadoras após a aplicação do
instrumento, buscando conversar melhor sobre o assunto. Apenas uma foi orientada
para procurar atendimento especializado.

77
c) viabilização de contato telefônico institucional e endereço eletrônico para os pais e
para os adolescentes. Foi confeccionado e distribuído aos adolescentes um adesivo com
esses dados além de um folder explicativo aos pais/responsáveis (ver anexo);

d) solicitação de apoio na escola para os adolescentes que se mostrassem sensibilizados


com os temas pesquisados, mantendo o sigilo sobre o tema tratado com o adolescente,
caso ele o mencionasse para o pesquisador;

e) distribuição de material instrucional sobre o tema da resiliência às escolas


selecionadas, direcionado aos profissionais de educação, de forma que pudesse
sensibilizá-los e instrumentalizá-los quanto à abordagem do tema na escola.

Como comentado anteriormente, o trabalho de campo com as escolas foi exaustivo. O


processo de campo foi orientado a ser realizado da seguinte forma: visita às escolas para
solicitar a autorização da pesquisa, o que, muitas vezes, exigia muito tempo e
argumentação dos pesquisadores; ida dos pesquisadores às turmas selecionadas para
sensibilização dos adolescentes à pesquisa e à entrega do Termo de Consentimento (TC)
em branco ao responsável, enfatizando a relevância da participação dos alunos e a
necessidade de retorno do TC assinado pelo responsável; nova visita às escolas em dia
anterior a aplicação, a fim de verificar quantos TCs foram assinados pelos pais. Neste
momento, uma nova sensibilização com os alunos era realizada e, finalmente, a
aplicação dos questionários no dia agendado pela escola.

PROCESSAMENTO E ANÁLISE DOS DADOS

A inserção das informações objetivas dos questionários (múltipla escolha), no banco de


dados, foi feita através de digitalização através do programa Scandall 21, com o escaner
Marca FUJITFU, modelo FI6130. As questões abertas foram digitadas em planilha no
Microsoft Excel por digitador experiente. Posteriormente, os dados foram exportados e
consolidados no software Statistical Package for Social Sciences - SPSS versão 16.

Os dados quantitativos foram inicialmente analisados através de descrição das


frequências absoluta e relativa. Para verificar a associação entre as variáveis e a
severidade de TEPT (abaixo ou acima de 38 pontos), testes de associação em tabelas de
contingência (qui-quadrado e teste exato de Fisher) foram empregados, com um nível de
78
significância de 5%. Na descrição do impacto das variáveis na severidade de TEPT,
foram estimadas também razões de chance via modelos de regressão logística, com
intervalos de confiança de 95%.

Na avaliação da confiabilidade das escalas, utilizaram-se alpha de Cronbach para a


consistência interna dos itens (confiabilidade) e kappa simples e ponderado na
concordância teste-reteste de cada item. Além disso, na validade de constructo da escala
de TEPT foi empregada a correlação de Spearman.

3.3. ORGANIZAÇÃO DA TESE EM FORMATO DE ARTIGOS

A tese foi realizada em formato de artigos, descritos a seguir:

ARTIGO 1: VIOLÊNCIAS E TRANSTORNO DE ESTRESSE PÓS-TRAUMÁTICO NA

INFÂNCIA . Publicado na revista Ciência e Saúde Coletiva 14(2), 417-433, 2009.

OBJETIVO GERAL: estimar a magnitude dos sintomas de TEPT em crianças e a


construção de um modelo explicativo para o TEPT na infância.

RESUMO: O artigo apresenta a prevalência dos sintomas de transtorno de estresse pós-


traumático (TEPT) em crianças escolares (6-13 anos) do município de São Gonçalo, Rio
de Janeiro. Investiga também a associação entre TEPT, violência e outros eventos de
vida adversos. O processo de amostragem utilizado foi por conglomerados em três
estágios de seleção. Quinhentos pais de estudantes foram entrevistados sobre o
comportamento de seus filhos. Para avaliar os sintomas de TEPT, foi utilizado a Child
Behavior Checklist -Posttraumatic Stress Disorder Scale (CBCL). Também foi aplicada
a Escala Tática de Conflitos (CTS), que avalia violência familiar, e outros instrumentos
que investigam o perfil socioeconômico da criança, a relação familiar, as características
da criança e outros eventos de vida difíceis. Foi construído um modelo hierárquico de
variáveis associadas ao TEPT, a partir do nível de 5% de significância. A prevalência
dos sintomas de TEPT foi 6,5%. A análise estatística multivariada sugeriu um modelo
explicativo de TEPT caracterizado por dezenove variáveis, como algumas
características da criança, específicos eventos de vida adversos, violência familiar e
outros fatores familiares. Os resultados revelam a necessidade de se trabalhar com a
criança em momentos de sua vida especialmente difíceis, com a intenção de prevenir ou
minimizar o seu impacto no funcionamento mental e social.

79
ARTIGO 2: VIOLÊNCIA COMUNITÁRIA E TRANSTORNO DE ESTRESSE PÓS-
TRAUMÁTICO EM CRIANÇAS E ADOLESCENTES. Encaminhado para a revista:
“Psicologia: Reflexão e Crítica”.

OBJETIVO GERAL: Investigar a associação entre exposição à violência comunitária e o


transtorno de estresse pós-traumático ajustado por gênero e por faixa etária entre
crianças e adolescentes de escolas públicas de São Gonçalo-RJ.

RESUMO: O artigo tem como objetivo analisar a associação entre exposição à violência
comunitária e o transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) ajustado por gênero e
faixa etária entre crianças e adolescentes de escolas públicas de São Gonçalo/RJ. Foram
participantes deste estudo 399 crianças e adolescentes (idade média de 10,6 anos). Para
avaliar os sintomas de TEPT, foi utilizado a Youth Self-Report (YSR), de acordo com a
proposta dos autores Wolfe et al (1989) e Ruggiero e Mc Leer (2000) para a CBCL-
TEPT. A prevalência total de sintomas de TEPT nas crianças e adolescentes é de 9,5%,
com maior prevalência entre meninas (12,6% contra 6,5% entre meninos). No modelo
multivariado, destaca-se que as crianças menores de 10 anos têm duas vezes mais
chances de desenvolverem sintomas deste transtorno que as mais velhas e que quanto
maior a exposição à violência comunitária, maiores as chances de surgimento de
sintomas de TEPT.

ARTIGO 3: TRANSTORNO DE ESTRESSE PÓS-TRAUMÁTICO E VIOLÊNCIA FAMILIAR E

COMUNITÁRIA EM ADOLESCENTES

Artigo não encaminhado para revista científica.

OBJETIVO GERAL: Investigar a associação entre o transtorno de estresse pós-traumático e


violência familiar e comunitária em adolescentes de escolas públicas e particulares de
São Gonçalo-RJ.

RESUMO: Este artigo tem como objetivo analisar a associação entre exposição à
violência familiar, violência comunitária e o Transtorno de Estresse Pós-Traumático
(TEPT) entre adolescentes de escolas públicas e particulares de São Gonçalo/RJ.
Participaram da análise deste artigo 889 adolescentes com idade média de 14,52 anos.
Para avaliar os sintomas de TEPT, foi utilizada a escala UCLA PTSD Reaction Index
(versão para adolescentes). A prevalência total de sintomas de TEPT para os
adolescentes é de 7,5%, com maior prevalência entre meninas (9,1%) do que os
meninos (4,7%). No modelo multivariado, destaca-se que as famílias com a presença de
padrasto ou madrasta ou apenas um dos pais tem maiores chances de apresentar o
TEPT. Neste modelo, também percebeu-se que a exposição à violência na família e/ou
na comunidade eleva as chances de apresentar o transtorno entre os adolescentes. As
chances se tornam mais elevadas na exposição a ambas as formas de violência quando
comparadas com os adolescentes que não foram expostos à violência.

80
Capítulo 4

Resultados

81
Violência e Transtorno de Estresse Pós-Traumático na infância

(Publicado na Revista Ciência & Saúde Coletiva, 14(2): 417-433, 2009)

Liana Furtado Ximenes1

Raquel de Vasconcelos Carvalhães de Oliveira2

Simone Gonçalves de Assis1

I
Centro Latino-Americano de Estudos de Violência e Saúde Jorge Careli (CLAVES). ENSP.

Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).Av. Brasil 4036 sala 700 - Manguinhos, Rio de Janeiro,

E-mail liana@claves.fiocruz.br
2
Instituto de Pesquisa Clínica Evandro Chagas (IPEC). Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Rio de

Janeiro, RJ, Brasil

Abstract

This study presents the prevalence of symptoms of Posttraumatic Stress Disorder


(PTSD) in 500 schoolchildren (6-13 years old) in São Gonçalo,Rio de Janeiro. It also
investigates the association between PTSD, violence and other adverse events in the
lives of these children. The multi-stage cluster sampling strategy involved three
selection stages.
Parents were interviewed about their children‟s behavior. The instrument used to screen
symptoms of PTSD was the Child Behavior Checklist-Posttraumatic Stress Disorder
Scale (CBCL-PTSD). Conflict Tactics Scales (CTS) were applied to evaluate family
violence and other scales to investigate the socioeconomic profile, familiar relationship,
characteristics and adverse events in the lives of the children. Multivariate analysis was
performed using a hierarchical model with a significance level of 5%. The prevalence of
clinical symptoms of PTSD was of 6.5%.The multivariate analysis suggested an
explanation model of PTSD characterized by 18 variables, such as the child‟s
characteristics; specific life events; family violence; and other family factors. The
results reveal that it is necessary to work with the child in particularly difficult moments
of his/her life in order to prevent or minimize the impact of adverse events on their
mental and social functioning.
Key words: PTSD, Violence, Children, Life Events.

82
Resumo

O artigo apresenta a prevalência dos sintomas de Transtorno de Estresse Pós-


Traumático (TEPT) em crianças escolares (6-13 anos) do município de São
Gonçalo/Rio de Janeiro. Investiga também a associação entre TEPT, violência e outros
eventos de vida adversos. O processo de amostragem utilizado foi por conglomerados
em três estágios de seleção. Quinhentos pais dos estudantes foram entrevistados sobre o
comportamento de seus filhos. Para avaliar os sintomas de TEPT foi utilizado a CHILD
BEHAVIOR CHECKLIST -POSTTRAUMATIC STRESS DISORDER SCALE (CBCL) 19. Também foi
aplicada a Escala Tática de Conflitos (CTS), que avalia violência familiar, e outros
instrumentos que investigam o perfil sócio-econômico da criança, a relação familiar, as
características da criança e outros eventos de vida difíceis. Foi construído um modelo
hierárquico de variáveis associadas ao TEPT, a partir do critério de 5% de significância.
A prevalência dos sintomas de TEPT foi 6.5%. A análise estatística multivariada
sugeriu um modelo explicativo de TEPT caracterizado por 18 variáveis, como algumas
características da criança, específicos eventos de vida adversos, violência familiar e
outros fatores familiares. Os resultados revelam a necessidade de se trabalhar com a
criança em momentos de sua vida especialmente difíceis, com a intenção de prevenir ou
minimizar o seu impacto no funcionamento mental e social.

Palavras-chave: TEPT, violência, criança, eventos de vida adversos.

Introdução

Violências e acidentes atingem crianças e adolescentes brasileiros

cotidianamente, constituindo-se causas principais de morte deste período do

desenvolvimento humano. Nas grandes cidades do país, sete em cada dez mortes de

crianças e adolescentes, de 5 a 19 anos, são devidas as causas externas 1. Podem

desencadear ou potencializar problemas de saúde mental em crianças, prejudicando o

desenvolvimento infantil. Estudos internacionais mostram que crianças vítimas de

abuso físico freqüentemente sofrem com problemas de comportamento e sintomas

psiquiátricos2,3.

No Brasil, poucos estudos têm sido realizados sobre a associação entre violência

e problemas de comportamento na infância. Assis e colaboradores4, em estudo

desenvolvido em São Gonçalo/RJ sobre problemas de comportamento e violência

83
familiar, observaram associação entre vitimização por violência e ocorrência de

problemas de saúde mental em escolares.

O Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT) é um dos problemas de saúde

mental mais associado à vitimização por violência. Atinge crianças, adolescentes e

adultos após experiência pessoal, testemunho ou conhecimento de eventos que põem em

risco à vida ou integridade física, própria ou de outros5.

A Associação de Psiquiatria Americana (APA) caracteriza TEPT pelo

surgimento de sintomas após a exposição a um evento traumático que cause medo

intenso, impotência ou terror, envolvendo morte, ferimentos, agressões reais; ou

ameaças à integridade física da pessoa ou de outros. O estressor é considerado como

ameaçador à vida. Três grandes grupos de sintomas são apontados: (1) revivência do

evento traumático (lembranças aflitivas, intrusivas e recorrentes do evento; sonhos com

o evento, episódios de flashback em que a pessoa age ou sente como se o episódio

estivesse ocorrendo novamente, entre outros sintomas); (2) esquiva persistente de

estímulos associados ao evento (esforços para evitar pensamentos, sentimentos e

conversas associadas ao evento; esforços no sentido de evitar locais, pessoas, ações e

tudo que lembre o evento, sensação de afastamento em relação a outras pessoas; entre

outros sintomas); e (3) excitabilidade aumentada (hipervigilância; dificuldade de manter

o sono; surtos de raiva e irritabilidade; dificuldades de manter a concentração). Para

caracterizar TEPT os sintomas devem causar sofrimento e prejuízo significativo em

áreas importantes da vida e estar ocorrendo há mais de um mês5.

Além destes sintomas, a APA5 ressalta algumas outras manifestações deste

transtorno na infância. A resposta das crianças ao evento traumático de medo intenso e

horror pode se expressar através de comportamento desorganizado ou agitado. Podem

reviver o evento através de sonhos amedrontadores sem um conteúdo identificável,

84
como, por exemplo, sonhos com monstros e de salvamentos de si próprio ou de outros.

O sentimento de futuro abreviado pode se expressar na idéia que a própria criança tem

de que ela não chegará à idade adulta. O trauma pode ser revivido através da re-

encenação do evento traumático. As crianças também podem exibir outros sintomas

físicos como dores estomacais e de cabeça. Apesar das observações para o TEPT

infantil, vários estudos vêm questionando a adequação dos critérios do DSM-IV-TR5

para crianças 6,7.

Os estudos internacionais apontam para estimativas de incidência de TEPT

variadas para a fase adulta após eventos ameaçadores, com proporções de 26% até 90%,

sendo mais incidente em pessoas do sexo feminino. A prevalência ao longo da vida

deste transtorno é de 10%, estimativa definida a partir de dados de adolescentes e

adultos8,9. Pesquisas que investigam sintomas moderados e leves de TEPT em crianças e

adolescentes obtêm percentuais entre 30% a 50%. Quando se aplicam os critérios

completos da DSM-IV-TR5 para a mesma população estes percentuais declinam para

5% a 10%9. Há, no Brasil, ainda uma escassez de estudos de base populacional sobre

TEPT e violência em crianças.

No âmbito da família (especialmente quando se trata de crianças e adolescentes),

agressões físicas graves, abuso sexual, tortura, ameaças à vida da pessoa ou de alguém

próximo podem ser considerados como eventos ameaçadores, desencadeando o quadro

de TEPT. Na esfera da comunidade, presenciar ou vivenciar violências e acidentes

também podem desencadear o transtorno. Muitas crianças sobrevivem aos traumas,

integrando-os em suas experiências e se desenvolvendo normalmente10; outras

desencadeiam sintomatologia de TEPT, prejudicando a vida pessoal e o desempenho

escolar11.

85
O objetivo deste trabalho é o de estimar a magnitude dos sintomas de TEPT em

crianças, bem como construir um modelo explicativo para o TEPT na infância.

Métodos

O presente trabalho é decorrente de um estudo seccional sobre problemas de

comportamento e violência realizado em 2005, correspondente a primeira etapa de

acompanhamento de uma coorte de crianças escolares de um município do Rio de

Janeiro4.

DEFINIÇÃO DA AMOSTRA

O plano amostral baseia-se em um cadastro de escolas, turmas e número médio

de alunos por turma, fornecido pela Secretaria de Educação do Município de São

Gonçalo/Rio de Janeiro, referente ao ano de 2005 (universo de 6.589 alunos em 236

turmas de 1ª série). O desenho amostral empregado foi do tipo conglomerado em três

estágios de seleção (escolas; turmas de 1ª série e alunos).

A seleção aleatória foi proporcional ao tamanho (PPT), considerando-se o

número de alunos de cada escola como variável auxiliar a seleção das unidades. Foram

selecionadas 25 escolas de um total de 54 existentes. Utilizou-se amostra aleatória

simples de duas turmas no âmbito de cada escola. Procedeu-se, então, um sorteio

aleatório de 10 alunos para cada uma destas turmas, totalizando 500 alunos amostrados.

Como apenas era conhecido, por escola, o número total de alunos e de turmas de

primeira série, realizou-se um sorteio através desta média. Fixou-se a amostra em 500

alunos, proporção de ocorrência de problemas de comportamento de 50% e erro relativo

de 5%, com nível de confiança de 98%. Em função da ausência de listas nominais dos

alunos por turma, considerou-se a ordenação segundo a lista de freqüência.

86
Como critério de exclusão da pesquisa, adotou-se a ausência dos responsáveis à

entrevista após três tentativas de agendamento. Foram efetuadas substituições para a

próxima criança sorteada na lista de chamada devido, especialmente, ao fato dessas

listas conterem muitos erros, não havendo aluno no número sorteado. Agregando estes

dois aspectos, um total de 35% dos alunos da amostra original foram substituídos.

Estão excluídas da análise deste artigo: 15 crianças que não realizaram o teste

WISC III (Escala de Inteligência Wechsler para Crianças) em sua versão reduzida e 20

crianças com nível de inteligência intelectualmente deficiente, por ser difícil avaliar

problemas emocionais e comportamentais em crianças com nível de inteligência tão

comprometido. Os dados utilizados na modelagem referem-se a 287 crianças, pois além

dessas perdas mencionadas foram excluídas do artigo as crianças com dados faltantes

(missings) em alguma das variáveis estudadas na análise.

A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Escola Nacional

de Saúde Pública/Fiocruz, e os pais/responsáveis e a direção das escolas assinaram

termos de consentimento livre e esclarecido.

INSTRUMENTOS UTILIZADOS

Um questionário multidimensional foi respondido pelas responsáveis

(especialmente mães), com itens de diversos instrumentos, apontados a seguir:

- PERFIL DA CRIANÇA E DA FAMÍLIA: sexo, raça/cor de pele (informada pelo entrevistado,

com as opções de resposta branca, negra, parda, amarela/indígena).


12
- ESTRATO SOCIAL aferido através do Critério Brasil (classificação econômica da

Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa – ABEP), estima a capacidade de

consumo, a partir de indicadores como televisão a cores, banheiro, automóvel. Tem alta

87
correlação com a renda familiar. Nesta pesquisa, definiram-se dois estratos: alto/médio

padrão sócio-econômico (A+B) e popular (C+D+E).

- ESCALA TÁTICA DE CONFLITOS – CTS13,, adaptada por Hasselman & Reichenheim14,

afere diversos tipos de conflitos/violência: argumentação, violência física menor,

violência física severa, agressão verbal e violência muito severa. A escala foi aplicada

na íntegra, embora neste artigo sejam apresentadas apenas duas sub-escalas de violência

dos pais/responsáveis contra a criança: agressão verbal (exemplo: destruir, bater ou

chutar objetos) e violência severa (exemplo espancar). Também foi investigada a

violência entre os pais/responsáveis através destas mesmas sub-escalas. Tem como

opções de resposta: nunca, algumas e muitas vezes. Uma resposta positiva configura a

presença de cada forma de violência investigada. O estudo original apresentou

adequados índices de confiabilidade para esta escala4.

- VIOLÊNCIA NA ESCOLA E COMUNIDADE: indicadores empregados pelo Instituto Latino-

Americano das Nações Unidas para a Prevenção do Delito e Tratamento do Delinqüente

- ILANUD/ONU15 composto por oito itens, que avaliam se a criança já sofreu violência

nesses espaços sociais através de humilhação, ameaça, agressão, se já teve danificado

alguma coisa sua, se já conviveu com pessoas que carregam armas brancas ou de fogo,

se já foi furtado e/ou roubado. Pelo menos um item positivo na escola ou comunidade

caracteriza a presença de violência.

- ESCALA DE INTELIGÊNCIA WECHSLER PARA CRIANÇAS (WISC-III) é subdividida em duas

escalas: QI verbal que enfatiza a inteligência auditiva e oral e QI de execução, voltado

para a habilidade visual e motora16. Foi aplicada a versão reduzida, composta pelos sub-

testes vocabulário (QI verbal) e cubos (QI de execução). O WISC completo foi aplicado

em uma sub-amostra de 26 crianças. Constatou-se coeficiente de correlação de Pearson

88
entre a versão completa e a reduzida de: 0,85 QI total; 0,88 QI verbal; e 0,83 QI de

execução (todos significativos p<0,001).

- FUNCIONAMENTO GERAL DA FAMÍLIA: aferido por 12 perguntas, a exemplo de: é difícil

planejar atividades familiares porque se desentendem; em tempos de crise, podem

buscar ajuda uns nos outros; não conversam sobre a tristeza que sentem. Opções de

respostas variam de concordo totalmente a discordo totalmente17. O precário

funcionamento familiar foi definido pelas crianças cujos resultados estavam na faixa de

um desvio padrão abaixo da média.

- ENVOLVIMENTO PARENTAL: composto por seis itens que aferem a freqüência (sempre,

muitas vezes, poucas vezes e nunca) com que os responsáveis elogiam, conversam ou

brincam, dão atenção e riem com as crianças. Maiores escores significam a existência

de envolvimento do responsável com a criança18. O precário envolvimento parental foi

definido pelas crianças cujos resultados estavam na faixa de um desvio padrão abaixo

da média.

Tanto a escala de envolvimento quanto de funcionamento parental foram adaptadas

transculturalmente, quando foram verificados adequados resultados psicométricos4.

- RELACIONAMENTO FAMILIAR indagado pela questão: no último ano, como é o

relacionamento da criança com cada membro familiar - pai, mãe e irmãos.

- RELACIONAMENTO COM AMIGOS E PROFESSORES: idem a pergunta realizada para a

família. As opções de resposta para esses itens de relacionamento são: bom, regular e

ruim.

- USO DE DROGAS PELO PAI/MÃE NO ÚLTIMO ANO, categorizado como ausência ou presença

de pelo menos um dos seguintes comportamentos: consumo de bebida alcoólica até se

embriagar ou sentir-se bêbado (ficar de “porre”); usar maconha; cocaína, “crack”, ou

pasta de coca.

89
- TEPT/CHILD BEHAVIOR CHECKLIST (CBCL): aferido por 20 itens que compõem a

CBCL (quadro 1), de um total de 116 (aplicados às pais/responsáveis), definidos por

Wolfe et al19 e utilizada em estudos internacionais20,21,22. São itens que não

necessariamente fazem parte do diagnóstico clínico de TEPT, porém, habitualmente,

costumam ocorrer em conjunto com os sintomas de TEPT em crianças. Destina-se a

faixa etária de 6 a 18 anos23. Tem como opções de resposta falso; pouco verdadeiro;

muito verdadeiro, com escores variando de 0 a 2. A escala bruta é composta pela soma

dos escores dos 20 itens, sendo então padronizada através do escore T para a definição

de crianças não clínicas, limítrofes e clínicas. O objetivo do uso do escore T é

padronizar o escore bruto, a fim de facilitar a comparação com outras populações e

definir os pontos de corte, já que este varia em função da média e desvio-padrão da

população. O ponto de corte (escore T>65= limítrofe ou clínico) utilizado se baseia em

dados internacionais, já que ainda não há padronização do escore para a população

brasileira. A versão utilizada foi adaptada por Bordin et al.24

CONFIABILIDADE E VALIDADE DA TEPT/CBCL

A confiabilidade e validade da escala TEPT-CBCL na amostra completa de 500

crianças mostrou os seguintes resultados: a) confiabilidade: alfa de Cronbach (0,77); b)

validade de constructo: correlação significativa (p-valor<0,05) com: violência severa

cometida pelo pai (0.089) e pela mãe (0.193), violência na escola (0.279), mais precário

funcionamento geral da família (0.287) e pior relacionamento da criança com pai

(0.253), mãe (0.238) e irmãos (0.249)25.

Para aferir a validade de critério, realizou-se um estudo com uma amostra de 42

crianças de São Gonçalo que fazem parte do estudo, através da aplicação por psiquiatra

clínico da versão brasileira da escala Kids-Schedule for Affective Disorders and

90
Schizophrenia for School-Age Children: Present and Lifetime Version (KSADS-PL)26;

que avalia a existência de transtornos psiquiátricos em crianças. Encontrou-se

sensibilidade baixa (40%) entre a escala TEPT-CBCL e K-SADS-PL e especificidade

de 73%.

A escala TEPT-CBCL mostrou capacidade de discriminar pessoas segundo os

resultados da K-SADS-PL26 (p-valor=0.006): a) o escore médio da escala TEPT/CBCL

dentre as crianças aferidas como clínicas/limítrofes pela K-SADS-PL é de 13,4 (desvio

padrão de 2,8); b) o escore médio obtido na TEPT-CBCL dentre as crianças sem TEPT

pela K-SADS-PL é 11,8 (DP 4,6).

Todavia, as crianças positivas para TEPT/CBCL estão correlacionadas as demais

sub-escalas da CBCL (ansiedade/depressão, comportamento agressivo, problemas na

atenção), aproximando-se do relato de Ruggiero & McLeer20 que relativizam a validade

da escala TEPT/CBCL pela sua capacidade de detectar sintomas presentes em vários

transtornos emocionais e não apenas TEPT. Por outro lado, estes autores constaram

escores correlacionados significativamente com o número de sintomas endossados pela

escala K-SADS-PL.

ANÁLISE DOS DADOS

A análise dos resultados foi realizada através da descrição da freqüência absoluta

e relativa, e do cruzamento de variáveis. Foram obtidas medidas de prevalência, com

destaque para a associação entre violência e sintomas de TEPT. Foram calculados

intervalos de confiança a 95% através do software R 2.6.2, com o package epicalc.

Na verificação de associação entre as variáveis e o desfecho (problemas de

comportamento) foi empregado o teste de independência qui-quadrado de Pearson. No

caso de tabelas formadas pelo cruzamento de 2 linhas e 2 colunas, devido ao número de

91
graus de liberdade (gl=1), foi empregado um teste alternativo denominado exato de

Fisher. Devido à natureza não-paramétrica do teste, este teste também foi empregado

em tabelas com baixas contagens (freqüência menor do que 5).

A fim de descrever que fatores de risco/proteção estariam associados ao TEPT,

realizou-se modelagem multivariada, através de um modelo logístico binário, no

software SAS-8.0. A abordagem da modelagem é hierárquica, através da inserção das

36 variáveis escolhidas para o modelo pela relevância teórica27. A estatística do teste de

Wald tipo III (nível de significância de 5%) foi o critério definido para a seleção das

variáveis no modelo. No quadro 2 são apresentadas as variáveis que entraram no

modelo, seguindo quatro níveis de hierarquia (criança, eventos adversos, adversidades

na família, fatores relacionados à família), com a finalidade de diminuir a

multicolinearidade entre as variáveis, como abordado por Victora et al.27. Na

modelagem, os sinais de TEPT analisados agregam crianças clínicas e limítrofes. O

desfecho foi avaliado através de uma variável dicotômica, atribuindo escore 1 quando a

criança é classificada como clínica/limítrofe na escala TEPT-CBCL e, zero, em caso

contrário.

Das 36 variáveis testadas inicialmente, 29 foram introduzidas, seqüencialmente,

no modelo, segundo o seu bloco de pertencimento. A seguir foram testados quatro

modelos antes da consolidação do modelo mais parcimonioso, composto por 19

variáveis, agrupadas segundo o nível de pertencimento. O teste de Hosmer &

Lemeshow foi realizado no modelo final, não encontrando perda da qualidade de ajuste

(p >0.05). Os resultados foram expressos através das odds ratios (OR) e seus respectivos

intervalos de confiança.

Outra abordagem empregada na redução dos efeitos de confundimento foi de um

modelo composto por menos variáveis do que o realizado. Para isso se utilizaram os

92
resultados da modelagem univariada. Testou-se o modelo logístico de forma

hierárquica, desta vez incluindo somente as variáveis significativas nos modelos

univariados ou no modelo multivariado de 19 variáveis.

Resultados

A amostra foi bem distribuída quanto ao sexo, havendo uma discreta

preponderância de meninas (51,6%). Os estratos sócio-econômicos mais pobres (C-D-

E) foram predominantes (94,6% das crianças) e crianças com cor de pele parda tiveram

maior freqüência (54,9% das crianças), seguida pela cor de pele branca (33,3%).

As crianças que apresentaram sintomas compatíveis com TEPT representaram

10,8% do total de crianças, sendo que 6,5% apresentaram sintomas do transtorno em

nível clínico.

TABELA 1: Distribuição da prevalência dos sintomas de TEPT segundo itens de TEPT/CBCL


Prevalência
Itens da escala de TEPT/CBCL (N=465)
IC 95%
%

Argumenta muito (apresenta argumentos para não fazer o que se espera que ele faça) 65,2 60,6 -69,5
É distraído, não consegue prestar atenção por muito tempo 61,7 57,1 -66,2
É medroso ou ansioso demais 60,6 56.0 -65,1
É nervoso (a) ou tenso (a) 58,7 54,1 -63,2
Fica grudado nos adultos, é muito dependente 44,7 40,1 -49,4
É mal humorado, irrita-se com facilidade 43,0 38,5 -47.7
É reservado(a), fechado, não conta suas coisas para ninguém 39,6 35,1 -44,2
Tem mudanças repentinas de humor ou de sentimentos 31,8 27.6 -36,3
Tem pesadelos 29,9 25,8 -34,3
Tem medo de pensar ou fazer algo destrutivo (contra si e contra outros) 21,9 18,2 -26,0
É infeliz, triste ou deprimido (a) 18,7 15,3 -22,6
Tem dores de cabeça (problemas físicos por “nervoso” - sem causa médica) 17,4 14,1 -21.2
Acha que os outros o (a) perseguem 12,7 9,8 -16.1
Sente-se excessivamente culpado (a) 10,5 7.9 -13.7
Tem problemas com o sono 10,3 7,7 -13,5
É retraído, não se relaciona com os outros 10,3 7,7 -13,5
Não consegue tirar certos pensamentos da cabeça (Obsessões) 9,9 7,3 -13,0
7,0 -12.5
Tem dores de estômago/ barriga (problemas físicos por “nervoso” - sem causa médica) 9,4
Tem vômitos (problemas físicos por “nervoso” - sem causa médica) 3,4 2,0 -5,5
Tem náuseas, enjôos (problemas físicos por “nervoso” - sem causa médica) 3,2 1.8 -5,3

93
Na tabela 1 encontram-se os itens que compõem a TEPT-CBCL, a prevalência e

os respectivos intervalos de confiança (IC). Dentre os resultados destacam-se

prevalências altas de sintomas de ansiedade como: “é nervoso ou tenso” (58,7%); “é

medroso ou ansioso demais” (60,7%) e “tem pesadelos” (29,9%). Os itens “é mal

humorado, irrita-se com facilidade” (43,0%) e “tem mudanças repentinas de humor ou

de sentimentos” (31,9%) estão relacionados com o grupo de sintomas de excitabilidade

aumentada.

Na tabela 2 são apresentadas as variáveis que foram testadas no processo de

modelagem e suas respectivas prevalências classificadas de acordo com a presença

(limítrofe/clínica) ou ausência de TEPT. Os resultados de perfil sócio-demográfico

(raça, cor da pele, classe social) não apresentaram associação estatística significativa

com a sintomatologia.

94
TABELA 2: Distribuição dos fatores relacionados à criança, eventos adversos, adversidades na família e
fatores familiares segundo ausência ou presença de TEPT
TEPT CATEGORIZADO P-valor

Ausência Presença
Criança
Sexo Masculino (N=236 – 50,8%) 207 29 0,298
49,9% 58,0%
Feminino (N=229 – 208 21
50,1% 42,0%
49,2%)

Raça/cor da pele Branca (N=152 – 33,3%) 138 14 0,706


33,8% 28,6%
Negra (N=54 – 11,8%) 47 7
11,5% 14,3%
Parda (N=251 – 54,9%) 223 28
54,7% 57,1%
Classe Social- A+B (N=21 – 5,4%) 19 2 1,000
Agregada 5,5% 4,1%
C+D+E (N=368 – 94,6%) 324 44
94,5% 95,7%
QI Verbal Intelectualmente Deficiente 18 2 0,996
(N=20 – 4,3%) 4,3% 4,0%
Limítrofe (N=55 – 11,8%) 49 6
11,8% 12,0%
Média Inferior (N=96 – 86 10
20,6%) 20,7% 20,0%
Média (N=211 – 45,4%) 187 24
45,1% 45,3%
Média Superior (N=49 – 43 6
10,5%) 10,4% 11,3%
Superior (N=20 – 4,3%) 19 1
4,6% 1,9%
Muito Superior (N=14 – 13 1
3,0%) 3,1% 1,9%
QI Execução Intelectualmente Deficiente 6 0 0,547
(N=6 – 1,4%) 1,5% 0,0%
Limítrofe (N=71 – 16,2%) 66 5
16,9% 10,4%
Média Inferior (N=134 – 121 13
30,5%) 30,9% 27,1%
Média (N=188 – 42,8%) 164 24
41,9% 50,0%
Média Superior (N=24 - 19 5
5,5%) 4,9% 10,4%
Superior (N=13 – 3,0%) 12 1
3,1% 2,1%
Muito Superior (N=3 – 3 0
0,7%) 0,8% 0,0%
Eventos adversos
Alguém tirou à força Ausência (N=451 – 97,2%) 405 46 0,041

95
dinheiro ou alguma 97,8% 92,0%
coisa da < criança> Presença (N=13 – 2,8%) 9 4
na escola? 2,2% 8,0%
Alguém tirou à força Ausência (N=451 – 97,2%) 410 47 0,030
dinheiro ou alguma 99,0% 94,0%
coisa da < criança> Presença (N=13 – 2,8%) 4 3
na comunidade?
1,0% 6,0%
Seqüestro da criança Ausência (N=451 – 97,6%) 403 48 0,671
ou de familiar 97,6% 98,0%
Presença (N=11 – 2,4%) 10 1
2,4% 2,0%
Vivenciar Ausência (N=444 – 95,9%) 398 46 0,138
desabamento (casa, 96,4% 92,0%
escola, casa de Presença (N=19 – 4,1%) 15 4
parentes)
3,6% 8,0%
Vivenciar enchente Ausência (N=405 – 87,9%) 364 41 0,174
grave (casa, escola, 88,6% 82,0%
casa de parentes). Presença (N=56 -12,1%) 47 9
11,4% 18,0%
Vivenciar incêndios Ausência (N=450 – 97,4%) 402 48 0,628
graves (casa, escola, 97,6% 96,0%
casa de parentes) Presença (N=12 – 2,6%) 10 2
2,4% 4,0%
Ver alguém ser Ausência (N=411 – 89%) 371 40 0,051
gravemente ferido. 90,0% 80,0%
Presença (N=51 – 11%) 41 10
10,0% 20,0%
Viver situação de Ausência (N=395 – 85,1%) 356 39 0,142
perigo e insegurança 86,0% 78,0%
na vizinhança Presença (N=69 – 14,9%) 58 11
14,0% 22,0%
Ver alguém Ausência (N=416 – 89,7%) 375 41 0,081
roubando ou atirando 90,6% 82,0%
em outra pessoa Presença (N=48 – 10,3%) 39 9
9,4% 18,0%
Ter casa assaltada Ausência (N=454 – 97,8%) 404 50 0,610
ou roubada 97,6% 100,0%
Presença (N=10 – 2,2%) 10 0
2,4% 0,0%

Sofrer acidentes de Ausência (N=430 -92,7%) 384 46 0,776


carro ou de ônibus 92,8% 92,0%
Presença (N=34 – 7,3%) 30 4
7,2% 8,0%
Adversidades na família
Uso de substâncias Ausência (N=270 – 67%) 243 27 0,400
pelo pai ou mãe 67,7% 61,4%
Presença (N=133 – 33%) 116 17
32,3% 38,6%
Morte de pai, mãe ou Ausência (N=415 – 89,2%) 371 44 0,808
irmão da criança 89,4% 88,0%

96
Presença (N=50 – 10,8%) 44 6
10,6% 12,0%
Notícia muito ruim e Ausência (N=260 – 56%) 242 18 0,004
inesperada de morte, 58,5% 36,0%
doença grave de Presença (N=204 – 33%) 172 32
alguém querido
41,5% 64,0%
Agressão verbal do Ausência (N=154 – 36,9%) 142 12 0,188
pai sobre a criança 38,1% 27,3%
Presença (N=263 – 63,1%) 231 32
61,9% 72,7%
Agressão verbal da Ausência (N=85 – 18,6%) 83 2 0,003
mãe sobre a criança 20,4% 4,1%
Presença (N=371 – 81,4%) 324 47
79,6% 95,9%
Violência severa do Ausência (N=312 – 74,5%) 282 30 0,209
pai contra a criança 75,4% 66,7%
Presença (N=107 – 25,5%) 92 15
24,6% 33,3%
Violência severa da Ausência (N=190 – 41,8%) 184 6 0,000
mãe contra a criança 45,3% 12,2%
Presença (N=265 – 58,2%) 222 43
54,7% 87,8%
Agressão verbal do Ausência (N=68 – 16,8%) 62 6 0,672
pai sobre a mãe 17,2% 13,6%
Presença (N=336– 83,2%) 298 38
82,8% 86,4%
Violência severa da Ausência (N=313 – 78,6%) 281 32 0,330
mãe sobre o pai 79,4% 72,7%
Presença (N=85 – 21,4%) 73 12
20,6% 27,3%
Violência severa do Ausência (N=309 – 77,3%) 279 30 0,131
pai contra a mãe 78,4% 68,2%
Presença (N=91 – 22,8%) 77 14
21,6% 31,8%
Agressão/ violência Ausência (N=237 – 52,5%) 220 17 0,020
entre irmãos 54,5% 36,2%
Presença (N=214 – 47,5%) 184 30
45,5% 63,8%
Ficar muito doente e Ausência (N=245 – 52%) 226 19 0,035
receber cuidados 54,6% 38,0%
médicos Presença (N=219 – 47,2%) 188 31
45,4% 62,0%
Tratamento médico Ausência (N=352 – 76%) 320 32 0,052
dolorido e assustador 77,5% 64,0%
para criança ou Presença (N=111 – 24%) 93 18
familiar
22,5% 36,0%
Hospitalização da Ausência (N=276 – 59,7%) 251 25 0,169
criança 60,9% 50,0%
Presença (N=186 – 40,3%) 161 25
39,1% 50,0%
Criança ou familiar Ausência (N=379 – 81,7%) 346 33 0,006

97
sob risco de vida 83,6% 66,0%
Presença (N=85 – 18,3%) 68 17
16,4% 34,0%
Fatores relacionados à família
Estrutura Familiar Pai e Mãe (N=248 – 53,7%) 222 26 0,201
53,9% 52,0%
Pai e Madrasta ou Mãe e 72 11
Padrasto (N=83 – 18%) 17,5% 22,0%
Só com um dos pais (N=114 105 9
– 24,7%) 25,5% 18,0%
Sem pai e Sem Mãe (N=17 – 13 4
3,7%) 3,2% 8,0%
Funcionamento Ausência (N=66 – 15,8%) 47 19 0,000
familiar 12,7% 40,4%
Presença (N=351 – 84,2%) 323 28
87,3% 59,6%
Envolvimento Ausência (N=62 – 13,8%) 55 7 0,823
parental 13,7% 14,9%
Presença (N=387 – 86,2%) 347 40
86,3% 85,1%
Relacionamento Relacionamento familiar 13 6 0,001
Familiar Regular ou Ruim com todos 3,1% 12,0%
(N=19 – 4,1%)
Relacionamento familiar 141 24
Bom com pelo menos um 34,0% 48,0%
(N=165 – 35,6%)
Relacionamento familiar 259 20
Bom com todos (N=279 – 62,7% 40,0%
60,3%)
Apoio de pessoas Sim (N=349 -79,1%) 319 30 0,002
que se sente a 81,4% 61,2%
vontade Nao (N=92 – 20,9%) 73 19
18,6% 38,8%

Dentre as variáveis que apresentaram diferenças estatísticas significativas entre

os grupos de crianças classificadas com e sem sintomas (p<0,05 – teste exato de Fisher/

teste qui-quadrado) estão: alguém ter tirado à força dinheiro ou alguma outra coisa da

criança na escola e na comunidade; receber notícia muito ruim e inesperada de morte ou

de doença grave de alguém querido; agressão verbal e violência severa da mãe sobre a

criança; agressão/ violência entre os irmãos; ficar muito doente e receber cuidados

98
médicos; situação de risco à vida de criança ou familiar; funcionamento e

relacionamento familiar; e as mães relatarem apoio de pessoas.

Na tabela 3 podem ser observadas as razões de chance brutas e ajustadas no

modelo logístico empregado. Muitas variáveis são explicativas de sintomas de TEPT

nas crianças estudadas.

99
TABELA 3: Razões de chances (OR) brutas e ajustadas pelo modelo logístico para a ocorrência de TEPT
VARIÁVEIS EXPLICATIVAS Razões Intervalo de Razões Intervalo de
TEPT ajustadas confiança brutas(OR) confiança
(N=287) (ORa) (95%) (95%)
Criança
Cor Parda 1.15 0.84-1.57 1.23 1.02-1.48
Negra 4.79 3.21-7.14 1.46 1.12-1.90
Branca 1.00 - 1.00 -
QI execução Limítrofe 0.19 0.10-0.37 0.39 0.28-0.56
Média Inferior/ 0.59 0.37-0.95 0.74 0.57-0.95
Média
Média Superior/ 1.00 - 1.00 -
Muito Superior
Eventos adversos
Vive/viveu em situação de Presença 2.92 2.07-4.12 1.73 1.42-2.11
perigo na vizinhança Ausência 1.00 - 1.00 -
Viu alguém roubando ou Presença 1.94 1.34-2.81 2.13 1.71-2.64
atirando em outra pessoa Ausência 1.00 - 1.00 -
Alguém tirou à força algo/ Sim 3.13 1.77-5.52 3.91 2.81-5.46
dinheiro na escola Não 1.00 - 1.00 -
Alguém tirou à força algo/ Sim 57.54 25.80-128.30 6.55 4.31-9.94
dinheiro na comunidade Não 1.00 - 1.00 -
Adversidades na família
Agressão verbal da mãe Presença 5.07 2.16-11.93 5.99 4.05-8.86
Ausência 1.00 - 1.00 -
Violência severa do pai Presença 1.47 1.10-1.97 1.54 1.28-1.84
Ausência 1.00 - 1.00 -
Violência severa da mãe Presença 17.14 10.38-28.32 5.91 4.65-7.51
Ausência 1.00 - 1.00 -
Violência severa da mãe Presença 0.49 0.34-0.70 1.44 1.18-1.74
sobre o pai Ausência 1.00 - 1.00 -
Violência severa do pai Presença 2.50 1.77-3.52 1.69 1.40-2.04
sobre a mãe Ausência 1.00 - 1.00 -
Violência entre irmãos Presença 1.98 1.45-2.69 2.10 1.77-2.50
Ausência 1.00 - 1.00 -
Recebeu alguma notícia Presença 2.44 1.83-3.27 2.51 2.12-2.96
ruim ou inesperada como Ausência 1.00 - 1.00 -
morte de alguém querido
Uso de droga pelos pais Presença 1.91 1.43-2.54 1.32 1.10-1.57
Ausência 1.00 - 1.00 -
Fatores relacionados à família
Estrutura familiar Sem os pais 17.21 7.66-38.69 2.63 1.90-3.65
Só com um dos 0.94 0.63-1.38 0.73 0.59-0.90
pais
Um dos pais e 1.33 0.92-1.92 1.30 1.06-1.59
companheiro
Pai e mãe 1.00 - 1.00 -
Funcionamento da família Precário 3.67 2.60-5.20 4.66 3.89-5.58
Adequado 1.00 - 1.00 -
Envolvimento parental Precário 0.30 0.20-0.44 1.09 0.87-1.38
Adequado 1.00 - 1.00 -
Relacionamento familiar Regular ou Ruim 3.89 2.31-6.55 5.98 4.46-8.01
com todos
Bom com pelo 2.60 1.96-3.47 2.19 1.85-2.61
menos algum
Bom com todos 1.00 - 1.00 -
Apoio externo Não 2.16 1.64-2.83 2.76 2.33-3.28
Sim 1.00 - 1.00 -

100
Na tabela 3 vê-se que, no modelo ajustado, ser uma criança de cor de pele negra

aumenta em 4,79 vezes as chances de apresentação de sintomas de TEPT, comparadas

às crianças brancas.

No que se refere ao QI de execução, viu-se que crianças com escores mais

baixos têm menores chances de apresentar sinais de TEPT comparadas àquelas com

níveis médio superior ou superior, tanto nos dados brutos quanto nos ajustados.

Na dimensão de eventos adversos, nota-se que as crianças que passam por vários

eventos traumáticos apresentam mais elevadas chances de sinalizarem os sintomas de

TEPT, estando os maiores valores entre aquelas crianças que sofreu roubo na

comunidade (57,54 vezes), seguidas por sofrer roubo na escola (3.13 vezes), viver em

situação de risco na vizinhança (2,92) e ser testemunha de roubo ou ferimentos por

armas de fogo (1,94). Todos estes eventos estão associados ao maior aparecimento de

sintomatologia, quando comparados a crianças que nunca passaram por tais situações.

Na dimensão de adversidades ocorridas na família, todos os eventos têm altas

chances de predizer sintomas de TEPT. O evento com maior capacidade preditora é a

violência severa da mãe (17 vezes mais chances do que aquela que não vivencia essa

modalidade de violência). Logo em seguida, a presença de agressão verbal da mãe sobre

o filho (5,07 vezes) e a violência severa do pai sobre a mãe (2,50 vezes).

Outros tipos de eventos na família que mostraram aumentar a chance de

sintomas de TEPT são: recebimento da notícia da morte de alguém querido aumenta a

probabilidade (2,44 vezes), violência entre irmãos (1,98 vezes), uso de drogas por um

ou ambos os pais (1,91 mais chances) e violência severa do pai (1,47).

101
A violência severa da mãe sobre o pai mostra resultado oposto, quando se

analisam os dados ajustados por todas as variáveis. Na presença dessa forma de

violência há menos crianças com sintomas de TEPT (OR 0,49); dentre as que

presenciam a violência do pai sobre a mãe, nota-se mais sintomas de TEPT (OR 2,50).

Por último, na dimensão dos fatores relacionados à família, destaca-se a

estrutura familiar com a presença de apenas um dos pais como maior chance de

sintomas de TEPT, quando comparados aos que vivem com ambos os pais (17,21 vezes

mais sintomas).

Nota-se ainda que as crianças com relacionamento familiar regular ou ruim com

todos os familiares (3,89) e aquelas que têm bom relacionamento com apenas um desses

familiares (2,60) possuem mais chances de terem sinais de TEPT do que aquelas com

bom relacionamento familiar com todos os membros da família, tal como afirmado

pelos responsáveis.

No que se refere ao funcionamento familiar, crianças que vivem em situação

mais precária apresentam mais chances na apresentação de sintomas pós-traumáticos

(3,67 vezes) do que aquelas crianças com bom funcionamento familiar. Também a

ausência de apoio de amigos, vizinhos ou pessoas externas ao núcleo familiar mostra-se

mais comum entre crianças com sintomas de TEPT (2,16 vezes), se comparadas a

famílias com mais apoio externo.

O envolvimento parental mostra quadro discordante: aquelas crianças cujos pais

se envolvem menos em sua educação têm menos sintomas de TEPT do que as com pais

mais próximos e solícitos (OR 0,30).

102
Discussão

O artigo mostra a multiplicidade de fatores associados à presença de TEPT nas

crianças estudadas e sinaliza a importância de que os profissionais que lidam com essa

clientela compreendam mais sobre os eventos que podem facilitar com que as crianças

sofram estresse após vivenciar traumas.

A análise hierarquizada permitiu identificar as características que mais elevam a

chance da criança escolar apresentar sintomas de TEPT. O resultado relacionado à cor

da pele mostra a maior probabilidade de crianças negras desenvolverem o problema

quando comparadas às brancas. Esse resultado pode ser explicado pela presença da

discriminação que provavelmente essas crianças são submetidas. Yasui & Dishion28

relacionam a discriminação sofrida por certos grupos étnicos (negros, por exemplo) à

ocorrência de problemas de comportamento. Os autores mostram que hostilidade,

racismo, falta de acesso a recursos e de suporte social são fortemente associados à

presença de problemas de comportamento em crianças negras e de outros grupos étnicos

minoritários. Poucos estudos investigam a associação de TEPT com racismo. Loo,

Fairbank & Chemtob29 apontaram que a vivência de discriminação racial é um fator de

risco para o desenvolvimento do TEPT em ex-veteranos de guerra. Rojas &

Pappagallo30 alertam que os resultados de TEPT associados à raça devem ser vistos com

cautela, pois podem derivar da inserção sócio-econômica e não de questão racial ou

biológica.

Os níveis mais baixos do teste de QI de execução foram fatores protetores para o

desenvolvimento dos sintomas de TEPT. Esse achado contraria a literatura científica

internacional, que sinaliza associação negativa entre possuir elevado QI e

desenvolvimento do TEPT. Buckley, Blachard & Neill31 mostram que a hipótese

utilizada nestes estudos é que o nível de QI pode estar influenciando a avaliação

103
subjetiva de ameaça. Assim, indivíduos com baixo QI tenderiam a superestimar a

ameaça em situações traumáticas e aqueles com maiores escores de QI teriam melhor

habilidade cognitiva para lidar com o impacto emocional de experiências traumáticas.

Porém, os autores alertam que as pesquisas existentes da área foram realizadas apenas

com veteranos de guerra, e que são necessárias pesquisas com a população em geral. Há

escassez de pesquisas específicas sobre o tema envolvendo crianças. Vale ainda

salientar a limitação dos testes de QI, que, no atual estágio de desenvolvimento da

psicometria, são mais utilizados como estimativa atual de funcionamento intelectual. QI

não é um atributo fixo e imutável, variando de acordo com o ambiente e dos fatores

psicopatológicos que afetam as funções cognitivas. Outras variáveis podem também

influenciar o desempenho nas tarefas envolvidas, como compreensão das instruções,

motivação e empenho em dar determinada impressão. Neste sentido, a capacidade

intelectual aferida nos testes de inteligência é apenas um aspecto da inteligência e um

escore baixo em teste de inteligência pode não significar funcionamento intelectual

baixo4.

Todos os eventos de violência na escola e comunidade encontraram-se

fortemente associados ao desenvolvimento dos sintomas do transtorno no modelo

hierárquico, com destaque para o roubo nesses espaços sociais. Stein el al32 apontam

associação de ter presenciado violência na comunidade e a presença de problemas de

comportamento. Afirmam que esta associação é bidirecional, ou seja, problemas de

comportamento podem ser tanto preditores para a exposição a violência quanto

conseqüência desta exposição.

Scarpa, Haden & Hurley33 em pesquisa com jovens de 18 a 22 anos, referem

associação entre alta vitimização de violência comunitária e severidade de sintomas de

TEPT. Lloyd & Turner34 também assinalam que histórico de adversidades, mesmo que

104
os eventos não sejam objetivamente considerados traumáticos para o diagnóstico de

TEPT, pode aumentar o risco da doença. Para os autores, eventos como divórcio dos

pais e ser reprovado na escola, mesmo não considerados ameaçadores à integridade

física da pessoa, poderiam ser preditores distais do TEPT.

Crianças e adolescentes continuamente expostos a violência comunitária têm

alto risco de desenvolver uma série de problemas psicológicos, dentre eles o TEPT,

ansiedade, depressão, raiva e dissociação35.

Quanto aos eventos na família, a violência familiar mostrou forte associação

com o desfecho no presente estudo. Levendosky et al36 afirmam que crianças que vivem

em famílias com violência doméstica apresentam altos níveis de problemas sociais,

comportamentais e cognitivos, incluindo sintomas de TEPT.

No presente artigo agressão verbal da mãe aumentou, cerca de 5 vezes, a chance

de desenvolvimento da sintomalotogia. A agressão verbal da mãe é um indicador de

violência psicológica. Esta se caracteriza por atos de hostilizar, rejeitar; isolar;

aterrorizar; ameaçar, humilhar, chantagear, discriminar, explorar e ignorar a criança37.

Silva, Coelho e Capone38 alertam para os graves problemas de ordem emocional e física

que podem ser ocasionados pela vivência contínua de violência psicológica. Panuzio et

al39 apontam para uma série de estudos que afirmam que a agressão psicológica é um

dos mais robustos preditores para o TEPT, com mais impacto que a violência física

isolada.

Também a violência física severa da mãe mostrou associação com mais elevadas

chances de desenvolvimento de sintomatologia de TEPT. Bordin et al40 apontam para a

relação existente entre problemas de saúde mental e a punição física severa de crianças

da cidade de São Paulo (OR 9,1; IC 1,5 – 56,0). Mendlowicz e Figueira41 reafirmam que

TEPT é comum em crianças vítimas de maus-tratos e que os abusos sofridos na infância

105
podem ser mais prejudiciais que aqueles que ocorrem em outras fases da vida, por conta

das conseqüências do transtorno no desenvolvimento psicológico infantil.

Também Widom42 mostrou aumento significante do risco de desenvolver TEPT

em crianças norte-americanas que sofreram negligência, abuso físico e sexual com

chances 1,75 vezes maiores, quando comparadas as que não vivenciaram tais violências.

A autora ressalta que as crianças vitimizadas freqüentemente vêm de famílias com

problemas como: elevado consumo de álcool e drogas, prisão de um dos pais, separação

dos pais, morte de um dos pais, número grande de membros, baixo nível educacional e

experiências de violência sofridas na infância. Esses fatores agravariam ainda mais o

risco de desenvolver TEPT.

Presenciar violência do pai contra a mãe também elevou a chance de TEPT entre

os escolares no município estudado. Jones et al43, em revisão bibliográfica, apontam que

mulheres vítimas de violência doméstica costumam apresentar sintomas consistentes

com os principais indicadores de TEPT. O fato de vivenciar múltiplas experiências de

violência familiar, inclusive abuso na infância, aumenta a probabilidade de desenvolver

TEPT e outros transtornos psiquiátricos. Além disso, mulheres vítimas de violência

doméstica têm maior probabilidade de serem violentas com seus filhos. Já Jarvis,

Gordon e Novaco44 apontam como conseqüências comuns em crianças que

testemunham violência familiar os déficits no funcionamento psicológico e

sintomatologia de TEPT. Ser testemunha de violência entre os pais também está

associado a comportamento violento com parceiros e amigos em adolescentes45.

Eventos de vida traumáticos como a morte de alguém querido aumentou as

chances dos escolares apresentarem sintomas de TEPT. Na vida adulta, depois da morte

de uma pessoa significativa, é comum passar por uma fase de luto que normalmente

dura de 1 a 6 meses. Aos poucos, durante esse período o enlutado retorna às suas

106
atividades diárias. Em alguns casos, após a perda de um familiar, o luto pode se tornar

patológico, quando este período se estende demais e prejudica a vida do sujeito que o

vivencia. Schnider et al46 encontraram associação entre luto patológico e TEPT em

estudantes universitários, com associação foi mais forte entre os que apresentavam

estilos de coping baseados na evitação emocional (formas de lidar com as adversidades

evitando-as, como por exemplo através de negação de sua existência). Pouco ainda se

sabe sobre os efeitos de mortes próximas à criança e sintomas de TEPT.

No presente estudo, o uso de substâncias pelos pais elevou em 32% a chance de

a criança apresentar o problema estudado. O uso de álcool é freqüentemente associado

ao TEPT em caso de experiências traumáticas crônicas, como ocorre na violência

familiar. O uso de álcool e outras drogas costumam estar associados à violência

familiar. Mulheres que sofrem agressões de seus parceiros podem usar o álcool como

uma forma de lidar com esta situação traumática47.

A ausência de funcionamento geral da família e a presença de relacionamento

familiar regular ou ruim também elevaram as chances de aparecimento de sintomas de

TEPT. Scheeringa et al.6 sugerem que as relações familiares são centrais na expressão

da sintomatologia pós-traumática em crianças e adolescentes. Os autores apresentam

uma série de estudos que mostram que mesmo diante de catástrofes naturais, crianças

com problemas de relacionamento na família apresentam maior número de sintomas de

TEPT e outros transtornos psiquiátricos comparados à crianças com melhor

comunicação familiar.

As crianças cujas mães não tinham apoio externo apresentaram chances elevadas

de apresentarem sintomas do transtorno. Vranceanu et al48 sugerem que ter filhos

vítimas de maus-tratos interfere na habilidade da mãe de adquirir suporte social e se

associa a depressão e ao estresse pós-traumático maternos.

107
Destaca-se a importância de se desenvolverem medidas de apoio familiar e

social às crianças, possibilitando, assim mais recursos de proteção para as crianças e

seus pais.

A literatura tem apontado que o número de experiências traumáticas e sua

severidade mostram-se associados à gravidade dos sintomas do TEPT. Múltiplas

vitimizações (abuso físico e sexual, por exemplo) e a vivência concomitantemente de

violência em mais de um contexto (comunitário e doméstico no caso de crianças)

aumentam a probabilidade de desenvolvimento de TEPT43,49.

Alguns resultados relacionados a aspectos familiares e TEPT foram inesperados

e contraditórios com a literatura, merecendo análises mais detalhadas em estudos

futuros.

Considerando a elevada freqüência e a variedade de eventos traumáticos que

vivenciam os escolares estudados, ressalta-se a importância da atuação de profissionais

de saúde e educação no diagnóstico dos sintomas e no cuidado de crianças que possuem

o transtorno.

É grande a falta de conhecimento dos profissionais que lidam com crianças

sobre os problemas de saúde mental nesta fase da vida. Também são muito precárias as

possibilidades de encaminhamento para atendimento público. Neste sentido, a

sensibilização e a capacitação profissional para identificar problemas comportamentais,

lidar com essas dificuldades e fornecer apoio as crianças e familiares ainda se faz

necessária enquanto estratégia de política pública.

Para finalizar, destacam-se algumas limitações do artigo, centradas

principalmente na fragilidade dos critérios de sensibilidade e especificidade da escala

TEPT-CBCL (resultado similar ao divulgado pelo autor da escala19). A ausência de

indefinição de ponto de corte para amostra brasileiras da escala TEPT-CBCL é outro

108
fator. Dehon & Scheeringa21 aplicando o instrumento a crianças de 1 a 6 anos de idade

traumatizadas por acidentes, violência e doenças crônicas, propuseram outro ponto de

corte que elevou para 75% a sensibilidade e 84,4% a especificidade. Esses autores

ressaltam que os itens da TEPT-CBCL não são de diagnóstico para TEPT, mas possuem

validade de face com a sintomatologia de TEPT.

Vale destacar que a escala distingue o nível de sintomas entre pessoas que

passaram por situações de violência das que não passaram. Em nosso estudo, quase

todos os eventos de vida, inclusive as violências, encontram-se mais presentes no grupo

com sintomas de TEPT pela escala TEPT-CBCL19.

Outra limitação é a de que a escala mostra associação com outros problemas

emocionais e comportamentais e não apenas com TEPT. Esta situação é comum na área

da saúde mental infantil, em que a comorbidade dos transtornos é muito alta, em

especial com os transtornos ansiosos. A dificuldade do diagnóstico clínico em

psiquiatria, especialmente a infantil é outro fator que complexifica a utilização de

escalas e a avaliação clínica. A falta de instrumentais diagnósticos padronizados e

validados e a ainda a insuficiente formação em psiquiatria infantil em nosso meio e o

ainda escasso acesso a este profissional por grande parte da população tornam mais

difícil o diagnóstico. No Brasil, existe um psiquiatra da infância e adolescência para

cada 35 mil crianças e adolescentes brasileiros50. Por outro lado, Coutinho51 avaliando

adultos internados em hospitais psiquiátricos encontrou que a concordância desses

diagnósticos é frágil; para alguns diagnósticos, é pior que a encontrada ao acaso.

Outra questão crucial para o desenvolvimento de instrumentos e para o avanço

dos estudos sobre TEPT em crianças é adoção de critérios diferentes dos adultos para

esta fase de desenvolvimento. Estudiosos6,7 apontam para as especificidades do quadro

na infância. Crianças acometidas por sintomas de TEPT sofrem prejuízo significativo

109
em suas vidas, mas muitas vezes, segundo os critérios do DSM-IV-TR5 não podem ser

diagnosticadas com tal patologia. Isso reforça a necessidade de pesquisas e o

desenvolvimento de critérios diagnósticos específicos na infância.

Apresentadas as limitações da escala TEPT-CBCL e da área da psicometria em

saúde mental infantil e especialmente sobre TEPT, sugere-se maior investimento no

conhecimento sobre a doença (especialmente entre profissionais da atenção básica em

saúde e educadores), e em outros instrumentos (epidemiológicos e clínicos) que avaliem

o transtorno em crianças brasileiras52.

110
Referências

1. Souza ER, Mello Jorge MH. Impacto da violência na infância e adolescência

brasileiras: magnitude da morbimortalidade. In: LIMA, C. A. (Org.). Violência

faz mal à saúde. Brasília: Ministério da Saúde/Secretaria de Atenção à

Saúde/Departamento de Ações Programáticas Estratégicas, 2004. p.23-8.

(SérieB. Textos Básicos de Saúde).

2. Sternberg KJ, Lamb ME., Greenbaum C, Cicchetti D, Dawud S, Cortes RM,

Krispin O, Lorey F. (1993). Effects of domestic violence on children‟s behavior

problems and depression. Developmental Psychology, 29, 44–52.

3. Sternberg KJ, Lamb ME, Guterman E, Abbott CB. Effects of early and later

family violence on children's behavior problems and depression: A longitudinal,

multi-informant perspective. Child Abuse & Neglect, Volume 30, Issue 3, March

2006, Pages 283-306

4. Assis SG. et al. A violência familiar produzindo reversos. Problemas de

comportamento em crianças escolares de São Gonçalo – Rio de Janeiro.

Relatório final de Pesquisa, 2007.

5. Associação de Psiquiatria Americana. Manual diagnóstico e estatístico de

transtornos mentais: DSM-IV-TR™ C Dornelles, Artes Médicas: 2002.

6. Scheeringa MS, Wright MJ, HUNT HP, ZEANAH CH. Factors affecting the

Diagnosis and Prediction of PTDS Symptomatology in Children and

Adolescents. Am J. Psychiatry, 163:4, April 2006.

7. Tierney JA. Post-traumatic Stress Disorder in Children: Controversies and

unresolved issues. Journal of Child and Adolescent Psychiatry Nursing, Volume

13, Number 4, pp. 147-158. 2000.

111
8. Khamis V. Post-traumatic stress disorder among school age Palestinian

children. Child Abuse & Neglect, Volume 29, Issue 1, January 2005, Pages 81-

95

9. Dyregrov A, Yule W. A Review of PTSD in Children. Child and Adolescent

Mental Health. 2006, 11(4): 176-184.

10. Pynoos RS, Steinberg A, Piacentini AM. A developmental psychopathology

model of childhood traumatic stress and intersection with anxiety disorders.

Biological Psychiatry 46(11): 1542-1554, 1999.

11. Cook-Cottone C. Childhood posttraumatic stress disorder: diagnosis, treatment,

and school reintegration. School Psychology Review 33(1): 127-139, 2004.

12. Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa (ABEP). Critério Brasil

http://www.abep.org/codigosguias/ABEP_CCEB.pdf . 2003.

13. Straus MA. Measuring familiar conflict and violence: The Conflict Tactics (CT)

Scales. Journal of Marriage and the Family 41:75-88, 1979.

14. Hasselmann MH, Reichenheim ME. Adaptação transcultural da versão em

português da Conflict Tactics Scales Form R (CTS-1), usada para aferir

violência no casal: equivalência semântica e de mensuração. Cadernos de Saúde

Pública, 19(4): 1083-1093, 2003.

15. Kahn T. et al. 1999. O dia a dia nas escolas: violências auto-assumidas - Projeto

de Pesquisa. São Paulo: Instituto Latino Americando das Nações Unidas para a

Prevenção do Delito e Tratamento do Delinquente (ILANUD) e Instituto Sou da

Paz.

16. Wechsler D. WISC-III: Escala de Inteligência Wechsler para Crianças: Manual

- Adaptação e Padronização Brasileira. 3.ed. São Paulo: Casa do Psicólogo,

2002.

112
17. Racine Y, Boyle M. Family functioning and children´s behaviour problems. In:

Willms JD (editor) Vulnerable Children. The University of Alberta Press. 2002.

18. Cook C, Willms JD. Balancing Work and Family life. In: Willms JD (editor)

Vulnerable Children. The University of Alberta Press. 2002.

19. Wolfe VV, Gentile C, Wolfe DA. The Impact of Sexual Abuse on Children: A

PSTD formulation. Behavior Therapy 20: 215-228, 1989.

20. Ruggiero KJ, Mcleer SV. TEPT Scale of the Child Behavior Checklist:

Concurrent and Discriminant Validity with Non-clinic-Referred Sexually

Abused Children. Internation Society for Traumatic Stress Studies. Journal of

Traumatic Stress 13(2), 2000.

21. Dehon C, Scheeringa MS. Screening for preschool posttraumatic stress disorder

with the Child Behavior Checklist. J Pediatr Psychol;31(4):431-5, 2006 May.

22. Sim L, Friedrich WN, Davies WH, Trentham B, Lengua L, Pithers W. The Child

Behavior Checklist as an indicator of posttraumatic stress disorder and

dissociation in normative, psychiatric, and sexually abused children. J Trauma

Stress;18(6):697-705, 2005 Dec

23. Achenbach TM, Rescorla LA.. Manual for the ASEBA School-age forms &

profiles. Burlington, VT: University of Vermont, Research Center for Children,

Youth & Families. 2001.

24. Bordin IAS, Mari JJ, Caeiro MF. 1995. Validação da versão brasileira do Child

Behavior Checklist (CBCL) (Inventário de comportamentos da Infância e

Adolescência): dados preliminares. Revista ABP-APAL 17(2): 55-66.

25. ASSIS SG, XIMENES LF, OLIVEIRA RVC; AVANCI JQ, PESCE RP .

problemas de comportamento em crianças escolares. Estudando o Estresse Pós-

Traumático. 2007. (Relatório de pesquisa).

113
26. Brasil HHA. Desenvolvimento da versão brasileira da K-SADS-PL (Schedule

for Affective Disorders and Schizophrenia for School aged children present and

lifetime version) e estudo de suas propriedades psicométricas. Tese (Doutorado)

– Escola Paulista de Medicina, Universidade Federal de São Paulo, São Paulo.

2003.

27. Victora CG, Huttly SR, Fuchs SC, Olinto MTA. The role of conceptual

frameworks in epidemiological analysis: a hierarquical approach. Int J

Epidemiol 26: 224-226, 1997.

28. Yasui M, Dishion JT. The Ethnic Context of Child and Adolescent Problem

Behavior: Implications for Child and Family Interventions. Clinical Child and

Family Psychology, Vol. 10, No 2, June 2007, p. 137-179.

29. Loo CM, Fairbank JA, Chemtob CM. Adverse race-related events as a risk

factor for posttraumatic stress disorder in Asian American Vietnam veterans.

Journal of Nervous and Mental Disease. [Article]. 2005 Jul;193(7):455-63.

30. Rojas VM, Pappagallo M. Risk Factors for PTSD in Children and Adolescents.

In: SILVA RR (editor). Posttraumatic Stress Disorders in Children &

Adolescents [Handbook]. New York: Norton, 2004.

31. Buckley TC, Blanchard EB, Neill TW. Information procession and PTSD: A

review of the empirical literature. Clinical Psychology Review. Vol. 28, n.8,

pp1041-1065, 2000.

32. Stein BD, Jaycox LH, Kataoka S; Rhodes HJ. Prevalence of Child and

Adolescent Exposure to Community Violence. Clinical Child and family

Psychology Review, Vol. 6. N4, pp. 247-264, December, 2003.

114
33. Scarpa A, Haden SC, Hurley J. Community violence victimization and

symptoms of posttraumatic stress disorder. Journal of Interpersonal Violence.

Vol. 21, Number 4, April 2006, 446-469.

34. Lloyd DA, Turner J. Cumulative adversity and Posttraumatic Stress Disorder:

evidence form a diverse community sample of young adults. American Journal

of Orthopsychiatry. 2003, vol. 73, n.4 , 381-391.

35. Foster JD, Kupermine GP, Price AW. Gender differences in Posttraumatic

Stress and Related symptoms among Inner-city minority youth exposed to

Community Violence. Journal of Youth and Adolescence, vol. 33, N.1, February

2004, pp. 59-69.

36. Levendosky AA, Huteh AC, Semel MA, Shapiro DL. Trauma Symptoms in

Preschool-Age Children Exposed to Domestic Violence. Journal of Interpersonal

Violence, vol. 17, n. 2, February 2002, p. 150-164.

37. Garbarino J, Guttmann E, Seeley JW. The Psychologically battered child. San

Francisco: Jossey-Bass; 1986.

38. Silva LL, Coelho EBS, Caponi SNC. Violência silenciosa: violência psicológica

como condição da violência física doméstica. Interface (Botucatu) 2007, vol. 11,

no. 21

39. Panuzio J, Taft CT, Black DA, Koenen KC, Murfhy CM. Relationship abuse

and victim‟s posttraumatic stress disorder symptoms: associations with child

behavior problems. J Fam Violence 2007; 22:177-185.

40. Bordin IAS, Paula CS, Nascimento R, Duarte CS. Severe physical punishment

and mental health problems in an economically disadvantaged population of

children and adolescents. Rev Bras Psiquiatr, 2006; 28 (4): 290-296.

115
41. Figueira I, Mendlowicz M. Diagnóstico do Transtorno de Estresse Pós-

Traumático. Rev. bras. psiquiatr; 25(supl.1):12-16, jun. 2003. tab.

42. Widom CS. Posttraumatic Stress Disorder in Abused and Neglected Children

Grown Up. Am J Psychiatry1999; 156(8):1223:1229.

43. Jones L, Hughes M, Unterstaller U. Post-traumatic stress disorder (PTSD) in

victims of domestic violence. A review of the research. Trauma, Violence &

Abuse, vol. 2, n. 2, April 2001, 99-119.

44. Jarvis KL, Gordon EE, Novaco RW. Psychological distress of children and

mothers in domestic violence emergency shelters. Journal of Family Violence,

Vol. 20, No. 6, December 2005

45. Moretti MM, Obsuth I, Odgers CL, Reebye P. Exposure to Maternal vs. Paternal

violence, PTSD, and Agression in adolescent girls and boys. Aggress Behav

2006; 32:385-395.

46. Schnider KR, Elhai JD, Gray MJ. Coping style use predicts posttraumatic stress

and complicated grief symptom severity among college students reporting a

traumatic loss. Journal of Counseling Psychology 2007, Vol. 54, No. 3, 344–350

47. Kaysen D, Dillworth TM, Simpson T, Waldrop A, Larimer ME, Resick PA.

Domestic violence and alcohol use: Trauma-related symptoms and motives for

drinking. Addict Behav. Nov 9, 2006.

48. Vranceanu A, Hobfoll SE, Johnson RJ. Child multi-type maltreatment and

associated depression and PTSD symptoms: the role of social support and stress.

Child Abuse & Neglect: The International Journal, v31 n1 p71-84 Jan 2007

49. Scott ST. Multiple traumatic experiences and the development of Posttraumatic

Stress Disorder. Journal of Interpersonal Violence. V. 22, N,. 7, p. 932-938,

2007.

116
50. Pinzon VD. Cenário atual do atendimento psiquiátrico. In: FLEITLICH-BILY,

B. et al. A saúde mental do jovem brasileiro. São Paulo: EI - Edições

Inteligentes, 2004.

51. Coutinho ESF. Confiabilidade do diagnóstico psiquiátrico em hospitais do Rio

de Janeiro. Dissertação (Mestrado) – Escola Nacional de Saúde Pública,

Fundação Oswaldo Cruz. 1987.

52. Hawkins SS, Radcliffe J. Current measures of TEPT for children and

adolescents. Journal of Pediatric Psychology 31(4): 420-430, 2006.

117
Violência Comunitária e Transtorno de Estresse Pós-Traumático em Crianças e
Adolescentes

Community Violence and Posttraumatic Stress Disorder in Children and


Adolescents

Artigo e referências padronizados de acordo com as regras da Revista “Psicologia:


Reflexão e Crítica, periódico para qual foi submetido e onde se encontra em avaliação”

Liana Furtado Ximenes, Simone Gonçalves de Assis,

Thiago de Oliveira Pires e Joviana Quintes Avanci

118
Resumo
O presente estudo tem como objetivo investigar a associação entre exposição à violência
comunitária e o Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT) ajustado por gênero e
pela faixa etária entre crianças e adolescentes de escolas públicas de São Gonçalo/RJ.
Foram participantes deste estudo 399 crianças e adolescentes (idade média de 10,6
anos). A prevalência total de sintomas de TEPT nas crianças e adolescentes é de 9,5%,
com maior prevalência entre meninas (12,6% contra 6,5% entre meninos). No modelo
múltiplo, destaca-se que as crianças menores de 10 anos têm o dobro de chances de
desenvolverem sintomas deste transtorno quando comparadas com as mais velhas, e que
quanto maior a exposição à violência comunitária, maiores as chances de surgimento de
sintomas de TEPT.
Palavras-chave: transtorno de estresse pós-traumático; violência comunitária; crianças;
adolescentes.

Abstract
This study aims to investigate the association between exposure to community violence
and Posttraumatic Stress Disorder (PTSD) according to gender and age, among children
and adolescents of public schools in São Goncalo/RJ. 399 children and adolescents
(mean age 10.6 years) took part in this research. The prevalence of PTSD symptoms in
children and adolescents is 9.5%, with higher prevalence among girls (12.6% against
6.5% among boys). In the multivariate model, it is emphasized that the children who are
under 10 years old are twice as likely to develop symptoms of this disorder than older
ones. It also shows that the greater the exposure to community violence, the greater the
chances of emergence of PTSD symptoms.
Key-words: Posttraumatic stress disorder; community violence; children; adolescents.

Introdução
Crianças e adolescentes de grandes centros urbanos estão freqüentemente
expostos à violência comunitária. Revisões internacionais de literatura citam
prevalências variadas desta vitimização, podendo oscilar entre 3-96% em crianças e
adolescentes de vários países do mundo (Fowler, Tompsett, Braciszewski, Jacques-
Tiura & Baltes, 2009; Margolin & Gordis, 2000). A ampla variação pode ser explicada
pela utilização de diferentes instrumentos de aferição, pelas fontes variadas para avaliar

119
a vitimização (relato da criança/adolescente, dos pais ou professores e estatísticas
criminais, por exemplo) e ainda pela abordagem de diferentes tipos de vitimização
(direta e indireta).
A violência comunitária não tem sido definida clara ou consistentemente, o que
também dificulta comparações de resultados entre estudos. De forma geral, o seu foco
está na violência vivenciada ou testemunhada pela criança/adolescente no ambiente da
rua, da escola e de outros locais proximais em que transita (Sieger, Rojas-Vilches,
Mckinney & Renk, 2004). Inclui situações como ser vítima/testemunha de ações de
tráfico de drogas, uso de armas, ver pessoas mortas, tiroteios, assassinatos e roubos.
Pesquisas no Brasil apontam a gravidade deste problema. Um estudo realizado
em município do estado do Rio de Janeiro estima que 27,3% das crianças e adolescentes
são expostos à violência comunitária (Assis, Avanci, Pesce, Oliveira & Ximenes, 2007).
Outro realizado em dez capitais brasileiras demonstrou que 12% dos jovens sofreu
agressão física na comunidade, e que 16% foi ou teve um parente ameaçado de morte
(Cardia,1999).
A exposição à violência comunitária está associada a inúmeros prejuízos ao
desenvolvimento e à saúde mental de crianças e adolescentes, tais como: problemas de
comportamento externalizantes (comportamento agressivo e violação de regras);
depressão e outros problemas de comportamento internalizantes (Margolin & Gordis,
2000; Assis, Avanci & Oliveira, 2009); além do Transtorno de Estresse Pós-Traumático
(TEPT), tem se destacado dentre os problemas de saúde mental (Fowler et al., 2009;
Shields, Nadasen & Pierce, 2008), sobretudo pelo fato da violência ser um dos
determinantes de sua ocorrência.
O Transtorno de Estresse Pós-Traumático se caracteriza pelo aparecimento de
sintomas de ansiedade após a exposição a um evento traumático que foi vivenciado com
medo, horror. Tal exposição pode ter envolvido a experiência direta, ter testemunhado
ou ainda ter tomado conhecimento de um evento traumático ameaçador à integridade
pessoal. Os sintomas de TEPT incluem a revivência persistente do evento traumático; a
esquiva de estímulos associados ao trauma e de entorpercimento da reatividade geral; e
a excitabilidade aumentada (APA, 2002).
Gabbay, Oatis, Silva e Hirsch (2004) mostram prevalência de sintomas TEPT ao
longo da vida para crianças e adolescentes de 2% a 9% e discutem que taxas mais
elevadas são encontradas naqueles que vivenciaram experiências traumáticas
específicas, como violência, desastres e acidentes. Em uma revisão realizada por

120
Salzinger, Feldman, Stockhammer e Hood (2002), constata-se prevalência de TEPT
associada à violência comunitária, oscilando entre 29%-34,5% de adolescentes
escolares norte-americanos.
No Brasil, dados nacionais sobre este tema na população infanto-juvenil são
escassos. Ximenes, Assis e Oliveira (2009) verificaram que 10,8% das crianças
escolares investigadas apresentavam sintomas de TEPT, sendo que 6,5% denotavam
sintomas clínicos.
Especialistas discutem a respeito da gravidade e especificidades do TEPT em
faixas etárias mais novas, uma vez que na infância e adolescência seus sintomas
costumam não desaparecer sem tratamento (Scheeringa, 2008). Além disso, crianças e
adolescentes podem se sentir confusos, tristes ou “congelados” durante a exposição do
evento traumático. E ainda apresentarem culpa e vergonha. Assim, Scheeringa, Zeanah
e Cohen (2010) sugerem mudanças mais sensíveis nos critérios de TEPT na infância e
adolescência, o que poderia alterar prevalências de 1,7% para 10,0% para crianças de 2
a 10 anos.
Outrossim, a vulnerabilidade de TEPT é maior no sexo feminino (March,
Amaya-Jackson, Terry & Constanzo, 1997; Tolin & Foa, 2006). Depois da exposição a
um evento traumático, elas têm risco cinco vezes maior de desenvolverem sintomas do
transtorno que o sexo masculino (Abanilla, 2004; Foster, Kuperminc & Price, 2004).
Além do maior conhecimento de um tema pouco conhecido em território
nacional, a relevância deste estudo recai na fonte de informação – a própria
criança/adolescente –, uma vez que os estudos sobre violência comunitária e TEPT em
crianças e adolescentes costumam ser realizados a partir dos relatos de pais e
cuidadores, que podem, de alguma forma, subestimar a violência a qual seus filhos
estão expostos (Richters & Martinez, 1993). A investigação do fenômeno a partir do
relato de crianças e adolescentes propicia dados mais precisos e maiores informações
sobre a vivência dos eventos violentos ocorridos na localidade em que crescem, e seu
possível impacto emocional.
Partindo deste contexto, o presente estudo tem como objetivo investigar a
associação entre a exposição da violência comunitária e sintomas de TEPT, ajustado por
gênero e pela faixa etária de crianças e adolescentes, de escolas públicas municipais de
São Gonçalo, cidade integrante da região metropolitana do estado do Rio de Janeiro.

121
Método

Este artigo apresenta dados seccionais da terceira etapa de um estudo


longitudinal desenvolvido com 500 crianças selecionadas em 2005 através de um
desenho amostral do tipo conglomerado nos seguintes estágios de seleção: no primeiro
estágio, 25 escolas foram amostradas através da seleção do tipo proporcional ao
tamanho, considerando o número de alunos de cada escola como variável auxiliar à
seleção; no segundo estágio, utilizou-se amostra aleatória simples de duas turmas de 1ª
série do ensino fundamental dentro de cada escola sorteada; finalmente, foram
sorteados, aleatoriamente, 10 alunos para cada uma das duas turmas amostradas nas 25
escolas. Os outros dois momentos da pesquisa aconteceram em 2006 e 2008, e os dados
analisados no presente artigo correspondem a este último ano, com informações
provenientes dos responsáveis e das crianças/adolescentes.
Em 2008, 66 crianças/adolescentes não participaram do estudo e outras 20 foram
excluídas da análise por terem nível de inteligência intelectualmente deficiente (WISC,
Wechsler, 2002), dificultando a avaliação de problemas emocionais e comportamentais
como TEPT. Outros dois participantes não foram aqui analisados devido ao
preenchimento incompleto das escalas que aferem TEPT e violência comunitária, bem
como 13 crianças/adolescentes que apresentaram pontos extremos (outliers) na escala
de violência comunitária. São, portanto, 399 crianças/adolescentes aqui analisados, o
que corresponde a um total de 5325, ao considerar a amostra expandida para a rede
pública municipal de ensino. Todos os sujeitos investigados passaram por algum evento
potencialmente traumático, tais como: problemas médicos sérios na família; morte de
pai, mãe ou irmão da criança; doença grave da criança e/ou hospitalização; enchentes,
desabamentos, incêndios; violência na escola e/ou comunidade; violência familiar
(agressão verbal, violência física).

Instrumentos

Foram obtidas informações sobre o sexo e a idade (< ou ≥ de 10 anos). Os pais


ou responsáveis foram questionados sobre a escolaridade do responsável feminino, a

122
estrutura familiar (quem vive com a criança/adolescente) e a renda per capita. Estes
dados foram obtidos através de entrevista com pais/responsáveis das
crianças/adolescentes amostrados.
A percepção da criança/adolescente sobre exposição da violência em casa, na
escola, na comunidade e em outros lugares por ela freqüentados foi aferida através da
escala “Coisas que vi e ouvi” (CVO - “Things I have seen and heard”) (Richters &
Martinez, 1990). Compõe-se de 20 itens com cinco opções de respostas que variam do
nunca a muitas vezes (pontuação de 0 a 4). Neste artigo, apenas 12 itens referentes à
violência comunitária são utilizados, assim como o realizado por Malik (2008). Para a
obtenção do escore, foram somadas as frequências dos itens, multiplicadas pela razão
entre 12 (total de itens) e o total de itens válidos respondidos. O escore se refere tanto à
variedade de eventos que a criança/adolescente vivencia, como à freqüência dos
mesmos. Verificou-se confiabilidade adequada desta escala com Cronbach de 0,763.
A avaliação dos sintomas de TEPT foi realizada através da escala Youth Self-
Report – YSR (Achenbach, 2001, Bordin, Mari & Caeiro, 1995), que é um instrumento
voltado para avaliação de problemas de comportamentos a ser preenchido pela própria
criança ou adolescente. Foram utilizados 20 itens da escala para aferir sintomas de
TEPT (Wolfe, Gentile & Wolfe, 1989; Ruggiero & Mc Leer, 2000), como por exemplo:
náuseas, enjôos por nervoso; dores de estômago/barriga por nervoso; problemas com o
sono; mudança repentina de humor, mal humor, irritar-se com facilidade e;
nervosismo/tensão. As opções de resposta da escala são: falso, pouco verdadeiro, muito
verdadeiro, com escores que variam de 0 a 2. A soma dos escores é padronizada através
do escore Txi para definição dos casos clínicos, limítrofes e não-clínicos (escore maior
que 65 corresponde aos casos limítrofes ou clínicos). Estudo nacional informa adequada
confiabilidade da CBCL/TEPT (versão da YSR respondida pelos pais/responsáveis)
com Cronbach de 0,77, porém, encontrou sensibilidade baixa (40%) entre a escala
CBCL/TEPT e K-SADS-PL (Brasil, 2003) e especificidade de 73% (Ximenes et al,
2009).
As informações a respeito dos sintomas de TEPT e da violência na comunidade
foram obtidas através de entrevista com a própria criança/adolescente, facilitando a
compreensão das questões por aquelas mais novas e por quem apresenta maiores
limitações para compreensão/leitura de texto.
xi
Escore T é igual a 50+10*escore z da normal padrão)

123
Análise dos Dados

Como análise exploratória utilizou-se freqüências das variáveis TEPT, sexo e


idade e média e desvio-padrão da variável CVO. No caso da prevalência de TEPT, esta
foi estratificada por sexo e idade. Além disso, buscou-se verificar a associação do
escore da escala CVO no âmbito da comunidade. O nível de significância considerado
foi de 5%, utilizando o teste F ajustado, fazendo a incorporação do plano amostral na
análise. O pacote estatístico utilizado foi o SPSS versão 15.
Para isso, foram ajustados modelos de regressão logística, simples e múltiplo, e
avaliados os termos de interação (nível de significância de 5%). Nos ajustes do modelo
de regressão logística também foram incorporados os pesos e o plano amostral para a
correção tanto das estimativas pontuais quanto de variância e seus resultados expressos
em termos de razões de chance brutas (modelo simples) e ajustadas (modelo múltiplo),
com seus respectivos intervalos de confiança de 95%. O pacote estatístico utilizado foi o
R versão 2.11.1, pacote survey.

Resultados

A idade das 399 crianças e adolescentes estudados varia de 9 a 16 anos (média


de 10,6 anos e DP=1,0). Do total, 50,4% são do sexo masculino; 25,3% têm a cor da
pele branca; e 69,5% preta ou parda. Quanto à escolaridade dos pais/responsáveis,
44,2% das mães e 46,3% dos pais têm ensino fundamental completo ou superior; e 13%
das mães e 6% dos pais estão desempregados. Somente 7,2% das famílias tem renda per
capita por mês superior a 1 salário mínimo em 2008 (R$ 415,00), enquanto 61,9%
reportaram renda de menos de ½ salário mínimo mensal por pessoa. Em termos de
configuração familiar, 50,9% das crianças/adolescentes vivem com ambos os pais, 28%
com somente um deles, 15,5% com um dos pais e madrasta/padrasto, e 5,6% com
outros parentes.

Exposição à Violência Comunitária

124
No gráfico 1, observam-se os tipos de violências investigados e freqüência de
vitimização relatada pelas crianças e adolescentes. Constata-se a alta exposição à
violência comunitária entre os participantes: 86,2% vivenciaram pelo menos uma de
suas formas. Destas, 21,3% sofreram apenas um tipo de violência, 34,3% sofreram de 2
a 3 tipos, e 30,6% de 4 a 9 tipos. Os mais citados, em especial, foram: a convivência
com tiros ouvidos na comunidade, a proximidade com bandidos, a observação do corpo
de pessoas mortas e o fato de testemunharem pessoas sendo presas e espancadas no
local em que moram.

Gráfico1 - Prevalência da Exposição à Violência Comunitária* em 399 Crianças e


Adolescentes de Escolas Municipais de São Gonçalo – RJ

*12 itens da escala de Coisas que vi e Ouvi (a ocorrência de pelo menos uma vez do
evento)

Quando se avalia a exposição à violência de acordo com a faixa etária, percebe-


se que os mais velhos presenciam mais tráfico de drogas (29,7% daquelas com dez ou
mais anos e 13,5% das crianças mais novas; p<0,001) e viram mais pessoas mortas na
comunidade (44,3% e 26,8%, respectivamente; p=0,002).
Quanto à exposição à violência comunitária segundo o sexo do entrevistado,
apenas uma questão se mostra distinta: ver alguém ser preso, mais comum entre
meninos (31,4% versus 22,2% entre meninas; p=0,014).

125
Na análise da CVO, constata-se que o escore oscilou entre 0 e 22 pontos e a
média foi de 5,9 (DP=5,4) pontos, o que indica que as crianças e os adolescentes
convivem com uma variedade de tipos de violência na comunidade em que vivem e/ou
são vítimas de uma freqüência significativa de alguns desses eventos no seu dia a dia.

Prevalência de TEPT e a Associação com a Violência Comunitária

A prevalência total de sintomas de TEPT nas crianças e adolescentes foi de


9,5%, com maior prevalência entre meninas (12,6% contra 6,5% entre meninos). Cerca
de 11% das crianças mais novas e 7,4% das mais velhas apresentaram sintomas do
transtorno.
Na tabela 1 são apresentados os efeitos dos modelos. Destaca-se a diferença que
se encontra com a variável violência comunitária que passou a ser não significativa no
modelo múltiplo, devido à existência de interação significativa entre sexo e violência
comunitária. A idade embora tenha entrado só para efeito de ajuste da associação TEPT
e violência, também se apresenta significativa no modelo ajustado.

Tabela 1: Estimativa dos coeficientes, erro-padrão, razão de chances e


significância dos modelos.
Modelo múltiplo
Modelos simples Modelo múltiplo
com interação
1
OR3 1
OR3 1
OR3
Variável 2 P-valor 2 P-valor 2 P-valor
(EP ) exp( ) (EP ) exp( ) (EP ) exp( )
Sexo feminino 0,737 (0,391) 2,09 0,073 0,743 (0,396) 2,10 0,075 -0,285 (0,434) 0,75 0,653
Idade <=10 0,444 (0,361) 1,56 0,231 0,697 (0,329) 2,01 0,046 0,719 (0,343) 2,05 0,049
Violência
0,093 (0,028) 1,10 0,003 0,110 (0,026) 1,12 <0,001 0,022 (0,042) 1,02 0,598
comunitária
Sexo*Violência -4
- - - - - 0,131 (0,052) 0,022
comunitária
1
Coeficiente estimado; 2Erro-padrão; 3Odds Ratio (Razão de chances); 4OR não deve ser calculada pelo
exp( ) do termo de interação (Hosmer e Lemeshow, 2000)

Os resultados apresentados no modelo múltiplo auxiliam o entendimento dos


efeitos de violência comunitária sobre os sintomas de TEPT. Embora os efeitos
principais de violência comunitária e sexo não apresentem significância estatística no
modelo ajustado, encontra-se efeito significativo na interação sexo e violência
comunitária (p=0,022). Embora o efeito principal de idade tenha entrado só para ajuste

126
da associação entre violência e TEPT, destaca-se que as crianças menores de 10 anos
têm o dobro de chances de desenvolverem sintomas deste transtorno quando
comparadas com as mais velhas.
Na tabela 2, investiga-se mais detalhadamente o termo de interação observada na
tabela 1, através de predições realizadas em cinco diferentes escores de violência
comunitária, considerando sexo masculino e idade maior de dez anos como categorias
de referência. Ser do sexo feminino aumenta a chance de se ter sintomas de TEPT,
comparado com o sexo masculino, à medida que a convivência com a violência
comunitária é mais elevada (escala com valores de 10 ou mais). A chance de uma
menina vir a ter sintomas de TEPT com um escore de 10 é de cerca de 2,8 vezes a de
um menino com a mesma pontuação. Quando esse escore é de 20, a chance da menina é
ainda maior, aproximadamente 10 vezes a de um menino sob similar exposição à
violência.

Tabela 2 - Predição do efeito de interação de violência comunitária e sexo sobre TEPT


(N=399).
Escore violência comunitária* OR IC95%
0 0,75 0,22 - 2,57
5 1,45 0,61 - 3,47
10 2,80 1,33 - 5,86
15 5,39 2,12 - 13,71
20 10,40 2,79 – 38,75
*Escores selecionados da variável contínua – Coisas que vi e ouvi (CVO)
Nota 1: Valores estatisticamente significativos aparecem em negrito
Nota 2: logit(y)=CVO+sexofeminino+idade<=10anos+ CVO*sexofeminino

Para ilustrar os efeitos da interação apresentados na tabela 2, apresenta-se a


figura 1 que evidencia a presença de violência comunitária, ajustado por sexo e pela
idade. Percebe-se que o efeito do sexo feminino sobre a chance de ter sintomas de TEPT
aumenta substancialmente com o escore da escala de violência comunitária, tanto para
os mais velhos quanto para os mais novos. Para meninos o aumento é mais discreto.

127
Figura 2 - Interação de Violência Comunitária (CVO) e Sexo nos Sintomas de TEPT
para Escolares da Rede Municipal de São Gonçalo, com Idade Menor ou Igual a 10 anos
e Maiores de 10 anos.

Nota: logit(y)=CVO+sexofeminino+idade<=10anos+ CVO*sexofeminino

Discussão

Os resultados mostram que crianças e adolescentes de São Gonçalo estão


expostos a elevados níveis de violência comunitária (cerca de 86% dos entrevistados
vivenciaram, pelo menos, um episódio de violência em sua localidade). Em estudo de
revisão sobre o tema, Stein et al (2003) apresentam percentuais similares na população
infanto-juvenil dos Estados Unidos: 82% reportam a vitimização de violência física na
comunidade e 99% o testemunho da violência aqui estudada.
Já em relação à indistinção verificada da exposição da violência comunitária
entre os sexos, resultados distintos são observados na literatura. Alguns estudos
apontam que não há diferenças na exposição à violência comunitária entre meninos e
meninas (Aisenberg, Ayon & Orozco-Figueroa, 2008; Foster et al., 2004), enquanto
outros observam exposição maior em crianças e adolescentes do sexo masculino
(Richters & Martinez, 1993).

128
No presente estudo, constata-se efeito significativo na interação sexo e violência
comunitária, evidenciando que quanto maior a exposição à violência comunitária (maior
o escore da escala CVO) maior a chance de se apresentar o Transtorno de Estresse Pós-
Traumático em meninas, comparadas com os meninos, no modelo ajustado. Abanilla
(2004), em revisão da literatura, também mostra que, em níveis maiores de exposição a
eventos traumáticos, meninas apresentam maior risco de desenvolver TEPT do que
meninos expostos aos mesmos níveis de trauma; em baixos níveis de exposição, ambos
os sexos apresentam as mesmas taxas do transtorno.
Diversos estudos apontam associação entre ser exposto à violência comunitária e
apresentar problemas de saúde mental, principalmente comportamento agressivo e
TEPT (Fowler et al., 2009; Margolin e Gordis, 2000; Lynch, 2003; Stein et al., 2003).
Uma pesquisa realizada nos EUA apontou que 15% dos adolescentes escolares que
vivenciaram violência comunitária, apresentaram critérios diagnósticos para o TEPT.
Neste estudo, percebeu-se que quanto maior a exposição à violência, maiores os escores
para o TEPT (Aisenberg et al., 2008). Outro estudo encontrou prevalência de 27,1% de
TEPT entre estudantes afro-americanos de 7 a 18 anos de idade que sofreram violência
na comunidade (Fitzpatrick e Boldizar, 1993).
A prevalência de 9,5% de crianças e adolescentes com sintomas de TEPT é
ligeiramente mais elevada que a encontrada em etapa anterior ao estudo longitudinal
(6,5% no ano de 2005). Contudo, cabe ressaltar que na primeira etapa da pesquisa, os
informantes foram as mães/responsáveis, enquanto que aqui a fonte da informação são
as próprias crianças/adolescentes. Além disso, a aferição dos sintomas três anos depois
é fator que modifica a ocorrência do problema. Tais dados merecem aprofundamento
através de análises longitudinais e comparativas entre informantes.
A diferença verificada entre os sexos pode ser explicada pelo fato das meninas
tenderem a vivenciar tipos específicos de eventos traumáticos, que podem ser mais
patogênicos, como o abuso sexual perpetrado por pessoas da comunidade (Tolin & Foa,
2006). Porém, os eventos traumáticos vivenciados por meninos e meninas explicam,
apenas em parte, esta diferença. Distinções metodológicas entre os estudos exercem
papel de peso na constatação desta diferença como, por exemplo, o uso de amostras de
conveniência com maior presença de mulheres. Especula-se, ainda, se as diferenças
poderiam estar ligadas às expectativas sociais relacionadas ao ser homem e ao ser
mulher. Os homens (adultos, adolescentes e crianças) estão mais ligados à imagem de
agressividade, o que pode fazê-los considerar mais aceitável o evento traumático. Já as

129
mulheres, independente de sua faixa etária, por estarem culturalmente associadas à
imagem de passividade e emoção, podem incorporar mais sintomas de ansiedade e/ou
depressão de forma socialmente mais aceitável.
A constatação de maior prevalência de TEPT entre as crianças mais novas pode
ser explicada pela sua maior dificuldade em expressar seus pensamentos e sentimentos
sobre a violência comunitária e outros eventos traumáticos, por serem menos capazes de
desenvolver estratégias cognitivas para lidarem com situações difíceis e menor
habilidade em buscarem suporte com adultos (Fowler et al., 2009). Também se discute
que os pais/responsáveis podem subestimar a exposição dos filhos mais novos à
violência comunitária e, por conseqüência, acabam não agindo de forma a auxiliá-los a
lidar com o que sentem frente a estas situações. Uma outra explicação é que crianças
mais velhas ou adolescentes, por terem vivenciado mais violência comunitária, podem
ter se dessensibilizado ao longo do tempo ou ter desenvolvido maiores habilidades para
lidar com o problema.
Além de todo o sofrimento à saúde mental dos escolares associado à violência
comunitária, este tipo de violência também pode afetar o senso de segurança destas
crianças e adolescentes. Pois, pode interferir na visão da criança que ele ela está em
risco contínuo de vitimização (Fowler et al., 2009). Margolin e Gordis (2000) discutem
que crianças e adolescentes são mais vulneráveis a este tipo de vitimização, pois estão
em processo de desenvolvimento. A violência pode afetar, então, sua saúde mental, bem
como comprometer este processo de desenvolvimento, levando a problemas de
socialização, concentração na escola, dentre outros.
Como principal limitação deste estudo, está o fato de não se utilizar uma escala
própria para aferir TEPT. Assim, os resultados devem ser tomados como indicativos da
presença de sintomas de TEPT em crianças e adolescentes no cenário nacional, porém, a
adaptação de escalas de screening para o português a serem aplicadas em estudos
populacionais sobre TEPT é aspecto relevante para o avanço da pesquisa sobre o tema
no país.
Ademais, em futuros estudos, torna-se necessário especificar o grau de
exposição à violência comunitária e a quantidade de tempo a que a criança/adolescente
está exposta a este tipo de violência. É também importante avaliar se a
criança/adolescente é vítima, testemunha ou apenas teve conhecimento do evento
traumático. O grau de exposição ao evento traumático e à cronicidade dos eventos são
indicativos importantes a serem aprofundados em pesquisas na área.

130
Referências

Abanilla, P.K. (2004) Gender differences in childhood PTSD. In R.R. Silva (Ed),
Posttraumatic stress disorders in children & adolescents [Handbook] (pp 163-176).
New York, NY: Norton & Company.

Achenbach, T.M. & Rescorla, L.A. (2001) Manual for the ASEBA School-Age Forms &
Profiles, Burlington, VT: University of Vermont, Research Center for Children, Youth,
& Families.

Aisenberg, E., Ayon, C. & Orozco-Figueroa, A. (2008). The role of young adolescents'
perception in understanding the severity of exposure to community violence and PTSD.
Journal of Interpersonal Violence, 23(11), 1555-78.

American Psychiatric Association (2002), DSM-IV-TR - Manual Diagnóstico e


Estatístico de Transtornos Mentais (4ª ed. Revisada). Porto Alegre, RS: Artmed.

Assis S.G., Avanci J.Q., Pesce R.P., Oliveira R.V.C. & Ximenes, L.F. (2007) A
violência familiar produzindo reversos: problemas de comportamento em crianças
escolares [relatório de pesquisa]. Rio de Janeiro: Claves/Fiocruz.

Assis, S.G., Avanci, J.Q. & Oliveira, R.V.C. (2009). Desigualdades socioeconômicas e
saúde mental infantil. Rev. Saúde Pública, 43, suppl.1, 92-100.

Bordin, I.A.S., Mari, J.J., & Caeiro, M.F. (1995). Validação da versão brasileira do
Child Behavior Checklist (CBCL) (Inventário de comportamentos da Infância e
Adolescência): dados preliminares. Revista ABP-APAL, 17(2), 55-66.

Brasil, H.H.A. (2003). Desenvolvimento da versão brasileira da KSADS- PL (Schedule


for Affective Disorders and Schizophrenia for School aged children present and lifetime
version) e estudo de suas propriedades psicométricas [tese]. São Paulo, SP: Escola
Paulista de Medicina, Universidade Federal de São Paulo.

Cardia, N. (1999). Pesquisa sobre atitudes, normas culturais e valores em relação a


violência em 10 capitais brasileiras. Brasília, DF: Ministério da Justiça.

131
Foster, J.D., Kuperminc, G.P. & Price, A.W. (2004). Gender Differences in
Posttraumatic Stress and Related Symptoms Among Inner-City Minority Youth
Exposed to Community Violence. Journal of Youth and Adolescence, 33(1), 59-69.

Fowler, P.J. Tompsett, C. J., Braciszewski, J. M., Jacques-Tiura, A. J. & Baltes, B. B.


(2009) Community violence: a meta-analysis on the effect of exposure and mental
health outcomes of children and adolescents. Development and Psychopathology, 21(1),
227-59.

Gabbay, V., Oatis, M.D., Silva R.R. & Hirsch, G.S. (2004). Epidemiological aspects of
PTSD in children and adolescents. In R.R. Silva (Ed), Posttraumatic stress disorders in
children & adolescents [Handbook] (pp 1-17). New York, NY: Norton & Company.

Hosmer, D.W., Lemeshow S. Applied Logistic Regression. New York: John Wiley &
Sons. 2000

Lynch, M. Consequences of children´s exposure to community violence (2003). Clinical


Child and Family Psychology Review. 6(4), 265-274.

Malik, N. M. (2008). Exposure to domestic and community violence in a nonrisk


sample: associations with child functioning. Journal of Interpersonal Violence, 23(4),
490-504.

March, J., Amaya-Jackson, L., Terry, R. & Constanzo P. (1997). Postraumatic


symptomatology in children and adolescents after an industrial fire. J Am Acad Adolesc
Psychiatry. 36:1080-1088.

Margolin, G. & Gordis, E.B. (2000) The effects of family and community violence on
children. Annual Review of Psychology, 51, 445–479.

Richters, J.E. & Martinez, P. (1990). Things I Have Seen and Heard: A Structured
Interview for Assessing Young Children's Violence Exposure. Washington, DC:
National Institute of Mental Health.

Richters, J.E. & Martinez, P. (1993). The NIMH community violence project: I.
Children as victims of and witnesses to violence. Psychiatry, 56(1), 7-21.

132
Ruggiero, K.J. & Mcleer S.V. (2000). PTSD scale of the Child Behavior Checklist:
Concurrent and discriminant validity with non-clinic-referred sexually abused children.
Journal of Traumatic Stress, 13(2), 287-299.

Salzinger, S., Feldman R.S., Stockhammer, T. & Hood J. (2002) An ecological


framework for understanding risk for exposure to community violence and the effects of
exposure on children and adolescents. Aggression and Violent Behavior, 7, 423–451.

Scheeringa, M.S. (2008). Developmental considerations for diagnosing PTSD and acute
stress disorder in preschool and school-age children. American Journal of Psychiatry,
165(10), 1237-9.

Scheeringa, M.S., Zeanah, C.H. & Cohen, J.A. (2010). PTSD in children and
adolescents: toward an empirically based algorithm. Depress and Anxiety, 0, 1–13.

Shields, N., Nadasen, K. & Pierce, L. (2008). The effects of community violence on
children in Cape Town, South Africa. Child Abuse & Neglect, 32 (5), 589-601.

Sieger, K., Rojas-Vilches, A, Mckinney, C. & Renk, K. (2004). The Effects and
Treatment of Community Violence in Children and Adolescents: What Should Be
Done? Trauma, Violence & Abuse, 5(3): 243-259.

Stein, B.D., Jaycox L.H., Kataoka S., Rhodes H.J. & Vestal, K.D. (2003). Prevalence of
Child and Adolescent Exposure to Community Violence. Clinical Child and Family
Psychology Review, 6, (4), 247-264.

Tolin, D.F. & Foa, E. (2006). Sex Differences in Trauma and Posttraumatic Stress
Disorder: A Quantitative Review of 25 Years of Research. Psychological Bulletin, 132
(6), 959–992.

Wechsler, D. (2002). WISC-III: Escala de Inteligência Wechsler para Crianças:


Manual- Adaptação e Padronização Brasileira. 3. ed. São Paulo: Casa do Psicólogo.

Wolfe, V.V., Gentile C., & Wolfe D.A. (1989). The Impact of Sexual Abuse on
Children: A PSTD formulation. Behavior Therapy, 20, 215-228.

Ximenes, L. F., Assis, S. G. & Oliveira, R.V.C. (2009). Violência e Transtorno de


Estresse Pós-Traumático na infância. Ciência & Saúde Coletiva, 14, 417 - 434.

133
Transtorno de estresse pós-traumático e violência familiar e comunitária em
adolescentes

Liana Furtado Ximenes, Simone Gonçalves de Assis, Thiago de Oliveira Pires, Joviana
Quintes Avanci, Raquel de Vasconcelos Carvalhães de Oliveira.

Resumo
Este artigo tem como objetivo analisar a associação entre exposição à violência familiar,
violência comunitária e o Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT) entre
adolescentes de escolas públicas e particulares de São Gonçalo/RJ. Participaram da
análise deste artigo 889 adolescentes com idade média de 14,5 anos. Para avaliar os
sintomas de TEPT, foi utilizada a escala UCLA PTSD Reaction Index (versão para
adolescentes) (Steinberg et al., 2004). A prevalência total de sintomas de TEPT para os
adolescentes é de 7,5%, com maior prevalência entre meninas (9,1%) do que os
meninos (4,7%). No modelo multivariado, destaca-se que as famílias com a presença de
padrasto ou madrasta ou apenas um dos pais tem maiores chances de apresentar o
TEPT. Neste modelo, também se percebeu que a exposição à violência na família e/ou
na comunidade eleva as chances de apresentar o transtorno entre os adolescentes. As
chances se tornam mais elevadas na exposição em ambas às formas de violência quando
comparadas com os adolescentes que não foram expostos a ela.
Palavras-chave: Transtorno de estresse pós-traumático; violência familiar; violência
comunitária; adolescentes.

Abstract
This study aims to investigate the association between exposure to community violence
and posttraumatic stress disorder (PTSD) according to gender and age, among children
and adolescents of public schools in São Goncalo/RJ. 399 children and adolescents
(mean age 10.6 years) took part in the research which is under analysis. The prevalence
of PTSD symptoms in children and adolescents is 9.5%, with higher prevalence among
girls (12.6% against 6.5% among boys). In the multivariate model, it is emphasized that
the children who are under 10 years old are twice as likely to develop symptoms of this
disorder than older ones. It also shows that the greater the exposure to community
violence, the greater the chances of emergence of PTSD symptoms.

134
Key words: Posttraumatic Stress Disorder; Family Violence; Community Violence;
Adolescents.

Introdução
Os efeitos da exposição à violência sobre a saúde de crianças e adolescentes são
variados, podendo ter conseqüências físicas (por exemplo, ferimentos e lesões) e
prejuízos ao desenvolvimento e à saúde mental. Neste último caso, destaca-se a baixa
auto-estima e os problemas de apego (attachment), o Transtorno de Estresse Pós-
Traumático (TEPT) e outros transtornos de ansiedade, depressão e agressividade1,2,3.
Estudos mostram que crianças e adolescentes são continuamente expostos a diversas
formas de violência, especialmente nos grandes centros urbanos4,5. Malik6 aponta
pesquisas em que a exposição de crianças norte-americanas à violência familiar pode
variar de 4% a 20%, enquanto que a convivência com a violência comunitária varia de
30% a 70%.
No Brasil, a gravidade das conseqüências da exposição à violência e aos acidentes se
reflete nas estatísticas de mortalidade, em que a principal causa de óbitos entre crianças
e adolescentes de 5 a 19 anos decorre das “causas externas”, que agregam as violências
e os acidentes. De cada dez mortes de crianças e adolescentes, sete são devido a essas
causas7.
Estudos com crianças e adolescentes realizados no Brasil mostram que a exposição à
violência é elevada nesta faixa etária. Zavaschi et al.8 perceberam alta prevalência de
exposição à violência (99,7%) entre os adolescentes escolares de Porto Alegre, sendo
que 70,9% foram vítimas diretas de violência, 98,4% testemunharam algum evento
violento e 99,2% conheciam alguma vítima de violência. Em média, os estudantes
reportaram viver 19,8 incidentes de violência em suas vidas.
A violência familiar também está presente na vida de muitas crianças e adolescentes.
Sobre isso, um estudo com estudantes universitários de Taiwan mostrou que 17,3%
destes jovens sofreram maus-tratos físicos e 30,5% foram expostos à violência entre os
pais quando tinham menos de 18 anos9. No Brasil, Assis et al.10 reportam que 25,5% das
crianças de um município do Rio de Janeiro sofreram violência severa do
pai/responsável masculino e 58,2% da mãe/responsável feminino, sendo a violência
severa caracterizada como jogar objetos, empurrar, dar murros, chutar, bater ou tentar
bater com objetos, espancar, ameaçar ou usar armas brancas ou de fogo.

135
Em relação à violência comunitária, estudo de revisão aponta que mais de 70% dos
jovens investigados relataram testemunhar violência na comunidade11. Em outro estudo
foi notado que 98% das crianças afro-americanas testemunharam algum tipo de
violência comunitária, 36% já tinham sido vítimas desta forma de violência e todas elas
já ouviram falar de algum tipo de violência na comunidade em que vivem12. Estudo com
adolescentes de um município do Rio de Janeiro indica que metade deles já viu alguém
ser ferido gravemente; 12,7% tiveram suas casas arrombadas ou roubadas; e um em
cada três já enfrentou situação de perigo e insegurança na vizinhança13.
Um prejuízo de saúde mental muito associado à exposição à violência em todas as
faixas etárias é o Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT)1,14-16. Este transtorno
se caracteriza por uma gama de sintomas após a exposição a um evento estressor.
Durante o evento, há ameaças à integridade física da criança ou de alguma pessoa
significativa para ela. Desta forma, a criança pode ser vítima, testemunha ou tomar
conhecimento do evento. Os sintomas podem ser de revivência aflitiva do evento
traumático; evitação de estímulos associados ao trauma e entorpecimento da reatividade
geral; e sintomas de excitabilidade aumentada17.
Muitos casos de transtorno de estresse pós-traumático em crianças e adolescentes não
são captados, pois não alcançam o número de critérios diagnósticos presumidos pela
DSM-IV18-20. Sabe-se que existem especificidades do TEPT na infância e adolescência,
como outras manifestações de sofrimento após o trauma, que não são contemplados
nestes critérios18-21.
As prevalências do TEPT são variadas na literatura, oscilando entre 0,4% e 90% entre
crianças e adolescentes expostos a diversas situações traumáticas22. Essa grande
diversidade se deve ao fato da variação metodológica e da especificidade de estudo do
trauma, como por exemplo, desastres naturais, guerras, ataques terroristas, entre outros.
Também interfere na variação das estimativas, as diferenças metodológicas na avaliação
de TEPT existente entre os estudos22.
O TEPT se mostrou associado à violência familiar em 84 crianças oriundas de lares para
mulheres agredidas nos EUA. Neste estudo, mais da metade das crianças que
testemunharam agressão as suas mães alcançavam os critérios diagnósticos do TEPT.
Este transtorno foi associado a variáveis relacionadas à natureza da agressão, tais como
freqüência que testemunhou a agressão, duração, múltiplas separações, variados
modelos de dominação e abuso de figuras masculinas. Também foram relevantes as
variáveis associadas à interpretação da criança sobre o evento (culpa e vergonha), a

136
visão da criança sobre o mundo (sentimento agudo de perigo) e a vulnerabilidade
pessoal23.
Outro estudo com 62 crianças pré-escolares demonstrou que aquelas que testemunharam
violência ou que vivem em lares violentos mesmo sem ser diretamente expostas
apresentavam sintomas de TEPT. Os sintomas deste transtorno foram associados ao
aumento da severidade dos tipos de violência (ameaças, violência moderada, violência
severa, violência sexual)24.
Margolin e Vickerman16 indicam estudos em que 13% a 50% de jovens expostos a
violência interparental possuem o estresse pós-traumático. Estas autoras discutem que a
violência nos lares pode levar a criança a identificar sua casa como um local não seguro
e prejudicar a visão de que os pais constituem fontes de suporte e proteção.
Inúmeros estudos também associam o TEPT à violência comunitária15,25-26. Essa forma
de violência pode afetar a sensação de segurança dos jovens, pois eles podem se sentir
em risco contínuo de vitimização, levando ao medo pela própria segurança, das pessoas
da família e de outros vínculos significativos que vivem na mesma região15.
Grande associação entre vivenciar violência na comunidade e apresentar TEPT foi
encontrada em metanálise de investigações realizadas com crianças. Tanto ser vítima
de violência comunitária, quanto testemunhar e ouvir falar sobre o evento traumático se
mostraram associados ao transtorno15. Em pesquisa com 137 escolares de Los
Angeles/EUA (idade média de 12,4 anos – DP-0,79), foi encontrado que 15% destas
crianças alcançaram critérios diagnósticos para TEPT; dentre esses, quase todos
reportaram alto nível de exposição à violência comunitária. Neste estudo, 70% dos
jovens foram expostos a violência comunitária como vítimas ou testemunhas. Para
aqueles que apresentaram TEPT, não houve diferenças entre ser vítima e ser testemunha
da violência. Os autores sugerem que outros fatores como o relacionamento da criança
com a vítima e a proximidade física com o evento violento devem ser mais estudados e
podem estar mais relacionados ao TEPT27. Também Ceballo et al.25 constatou
associação entre exposição à violência comunitária, sintomas de TEPT e
comportamento agressivo, em estudo realizado com 104 pares de crianças e suas mães.
Alguns estudos vêm apoiando a idéia de que a exposição múltipla a eventos traumáticos
está relacionada ao aumento da severidade dos sintomas do TEPT e outros problemas de
saúde mental1,14. Adolescentes com história de abuso físico e sexual tiveram maior
probabilidade de depressão e ansiedade elevadas, bem como apresentar TEPT28. A
exposição a múltiplas experiências traumáticas foi positivamente correlacionada à

137
severidade de sintomas de TEPT em amostra clínica de adultos, comparada com
amostra não-clínica29. Mulheres expostas a múltiplos maus-tratos quando crianças
tiveram maior vulnerabilidade para desenvolver TEPT e depressão quando adultas30.
Em função da relevância do tema, o presente estudo tem como objetivo analisar a
associação entre a exposição à violência familiar e comunitária e o Transtorno de
Estresse Pós-Traumático em adolescentes escolares de São Gonçalo/Rio de Janeiro.

Método

Amostra

Os participantes do estudo foram 889 adolescentes, de 13 a 19 anos, estudantes do curso


diurno do 9° ano das escolas públicas (municipais e estaduais) e particulares do
município de São Gonçalo, no ano de 2010.

O plano amostral foi composto por 14 estratos, que foram elaborados de acordo com as
sete áreas de planejamento do município e de acordo com a natureza da instituição
(pública ou particular), buscando representatividade socioeconômica (natureza da
instituição) e espacial (áreas de planejamento) da amostra analisada.

Utilizou-se uma amostragem conglomerada multi-estágio, com seleção em duas etapas:


1ª) escolha das escolas, com probabilidade de seleção proporcional à quantidade de
alunos (PPT sistemática) de 9° ano em cada um dos 14 estratos; 2ª) turmas foram
selecionadas aleatoriamente, dentro da escola, para a aplicação do questionário em
todos os alunos. A distribuição do número de alunos pelos estratos e escolas foi
fornecida por cada uma das Secretarias de Educação de São Gonçalo para o ano de
2008. Trabalhou-se com a média de alunos por turma quando necessário, porque não
existiam listas de número de alunos por turma, apenas uma listagem geral de número de
turmas e número de alunos por escola. A amostra foi dimensionada para obter
estimativas de proporção, com nível de confiança de 95%, erro absoluto de 1,3% e
proporção de ocorrência de TEPT em adolescentes de 2,3% obtida em estudo31 anterior
realizado no paísxii e próximo a valores encontrados em estudos internacionais32-33.

xii
Dado fornecido pessoalmente por autores da pesquisa de Andreoli et al (2004)

138
Instrumentos

A aplicação do questionário foi feita nas turmas sorteadas apenas para aqueles
adolescentes que trouxeram termos de consentimento autorizados pelos responsáveis
para a participação na pesquisa. Do total de alunos matriculados, 40,7% dos alunos das
escolas particulares e 28,7% das públicas preencheram os questionários. O motivo das
perdas se deve ao esquecimento/falta de interesse por parte dos alunos ou desencontro
dos pais; apenas 10,6% de responsáveis negaram consentimento. O questionário era
autopreenchível e anômimo, sendo aplicado de forma coletiva em cada turma.

A seguir, a descrição das variáveis investigadas e seus instrumentos.

Perfil sócio-demográfico: sexo, idade, cor da pele auto-referida e estrutura familiar.


Para aferição do estrato social da família, utilizou-se o critério de classificação
econômica da Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa34 que tabula indicadores
como banheiro, automóvel, empregada mensalista, máquina de lavar roupas e grau de
instrução do chefe da família.

Violência na família. Foi utilizada a Escala Tática de Conflitos, desenvolvida por


Straus35 e validada para a população brasileira36 que permite avaliar a violência física
severa cometida pelo pai e mãe sobre o adolescente no ano anterior à pesquisa. Engloba
os seguintes atos: chutar, morder ou dar murros, espancar, ameaçar ou, efetivamente,
usar arma de fogo ou arma branca. Obteve-se α=0,685 para a violência praticada pela
mãe e α=0,733 para aquela cometida pelo pai. Também foram avaliados itens que
aferem violência entre irmãos e entre pais e violência sexual no contexto familiar.

Violência na escola e localidade. Foi empregada a Escala de Violência na Escola e na


Comunidade do Instituto Latino-Americano das Nações Unidas para a Prevenção do
Delito e Tratamento do Delinqüente - ILANUD/ONU37. Avaliou-se a vitimização do
adolescente na escola e localidade no último ano, através de: sofrer humilhação, ameaça
ou agressão, ter objetos danificados propositalmente por alguém, conviver com pessoas
portando armas brancas ou de fogo, ser furtado ou roubado. Maior número de eventos
indica maior vitimização.

Transtorno de Estresse Pós-Traumático. Utilizada a versão para adolescentes da


escala The University of California at Los Angeles Post-Traumatic Stress Disorder

139
Reaction Index (UCLA-PTSD Reaction Index38). Avalia eventos traumáticos (14 itens),
características subjetivas da exposição ao trauma (13 itens) e sintomas de TEPT (22
itens). Este último aspecto tem como opções de resposta escores de 0 (nenhuma) a 4 (na
maioria das vezes), e a forma de avaliação é pelo critério de severidade a partir da soma
de 17 itens selecionados pelo autor (alcançar pontuação de 38 ou mais configura TEPT),
comprovado pela sensibilidade e especificidade alcançada segundo Steinberg et al38.
Outra forma de categorização da escala é segundo a presença dos critérios da DSM,
utilizados neste artigo para avaliação psicométrica; foi encontrado α=0,886 para os itens
que compõem o escore de gravidade (critérios B, C e D). Foram encontradas
correlações significativas com as escalas de depressão (rho de spearman=0,405;
p<0,001) e ansiedade (rho de spearman =0,422; p<0,001). A escala foi adaptada
transculturalmente para o presente estudo com bons resultados psicométricos, em estudo
não publicado39.

Processamento de dados e análise dos dados

Os dados foram analisados pela descrição das freqüências (absoluta e relativa) e


observada associação entre as variáveis estudadas e TEPT/critério de severidade (qui-
quadrado e teste exato de Fisher), com nível de significância de 5%. Na descrição do
impacto das variáveis na severidade de TEPT, foram estimadas razões de chance via
modelos de regressão logística, com intervalos de confiança de 95%. As variáveis
significativas nos modelos simples são consideradas ao nível de 5% para compor o
processo de seleção do modelo múltiplo. As variáveis foram incluídas na seleção do
modelo múltiplo de forma hierarquizada: nível distal – informações sobre variáveis
psicossociais da criança; e no nível proximal – violências. Na seleção das variáveis
dentro de cada bloco, adotou-se como critério a retirada seqüencial do modelo da
variável que apresentasse, comparativamente, o efeito menos significativo, até o ponto
que todos os efeitos presentes no bloco fossem significativos ao nível de 5%. Então,
procedeu-se a entrada das variáveis do segundo bloco mantendo a mesma lógica. Nesta
etapa foi criada uma variável que agregou a violência no espaço da família e da
localidade e substituiu as variáveis parciais descritas acima na fase de elaboração do
modelo, visando avaliar o efeito isolado/cumulativo dessas duas formas de violências
que tão fortemente impactam a vida de crianças e adolescentes. A nova variável criada
reflete a presença de pelo menos uma forma de violência familiar e/ou comunitária. O
modelo final está apresentado na tabela 2.

140
Resultados

Um nível significativo de exposição à violência foi encontrado neste estudo. A violência


comunitária foi vivenciada por 41,5% dos adolescentes sem diferenças significativas
por sexo. Quanto à violência familiar, a violência física severa praticada pelo pai e/ou
mãe sobre o adolescente no último ano foi relatada por 26,1% dos adolescentes, também
sem diferenças significativas entre os sexos. Contudo, vale a pena destacar que a
violência praticada pelo pai foi vivenciada por 9% dos adolescentes e a praticada pela
mãe foi sofrida por 20,6% dos adolescentes. Um grupo menor (16,9%) foi exposto a
violência familiar e comunitária, com iguais cenários para meninos e meninas.
Os eventos adversos mais freqüentes vivenciados pelos escolares foram: ver um cadáver
em sua cidade (61,2%), ter recebido a notícia de morte de alguém querido (50,9%), estar
em um lugar onde conflitos armados (tiroteios) aconteceram ao seu redor (43,8%), ver
alguém na cidade ser espancado, levar um tiro ou ser morto (42,8%). Entre 14% a 28%
dos adolescentes, foi relatada vivência em algum destes eventos: ver um membro da
família, apanhar, levar um soco ou um chute muito forte em casa (28,7%); apanhar,
levar um chute ou soco muito forte em casa (24,3%); passar por situação que tenha sido
assustadora, perigosa ou violenta (21,1%); receber tratamento médico assustador e
doloroso (17%); estar em um outro tipo de desastre como enchentes, tornados ou
furacões (16,5%); ser espancado, levar um tiro ou ser ameaçado de ser seriamente
machucado no seu bairro (15,1%); e estar em um acidente grave (14%). Eventos menos
freqüentes foram: adulto ou alguém mais velho tocar nas partes íntimas do adolescente
contra a sua vontade (10,5%) e vivenciar desabamento (7,3%).
No gráfico 1 são exibidos os percentuais de exposição aos diversos tipos de eventos
adversos aferidos pela escala UCLA-PTSD, segundo sexo. Alguns eventos
apresentaram diferenças significativas por sexo, com maior exposição entre meninos,
como: ver cadáver em sua cidade; receber tratamento médico assustador e doloroso; ser
espancado, levar um tiro ou ser ameaçado de ser seriamente machucado no seu bairro;
estar em um acidente grave. O único evento que é maior entre meninas é ter recebido
notícia de morte ou ferimento de alguém querido.

141
Gráfico 1: Distribuição percentual de eventos adversos vivenciados pelos
adolescentes, segundo sexo (Escala UCLA-PTSD)

*p<0,05; **p<0,01; ***p<0,001

O TEPT esteve presente em 7,5% dos adolescentes deste estudo, mais em meninas
(9,1%) do que entre os rapazes (4,7%; p= 0,021). Dentre os adolescentes que sofrem
violência familiar, encontrou-se prevalência de 13,2% e entre aqueles que não convivem
com essa forma de violência de 5,9% (p=0,003). A prevalência de TEPT entre os que
sofreram violência comunitária é de 12,5%, enquanto que na ausência desta exposição é
de 3,9% (p<0,001).

142
Na tabela 1 pode-se visualizar as variáveis iniciais que integraram o modelo que
investiga a relação entre exposição à violência familiar e comunitária e surgimento de
TEPT em adolescentes. Dentre os fatores psicossociais da criança, tanto sexo quanto
estrutura familiar mostram-se associados ao surgimento de TEPT. Meninas têm duas
vezes maior risco de TEPT que meninos e os adolescentes que vivem com mãe e
padrasto têm 3 vezes mais chance de apresentarem o transtorno. Todas as variáveis que
avaliaram violência familiar e comunitária mostraram-se associadas ao maior risco de
surgimento de TEPT.
A convivência com a violência familiar esteve associada à ocorrência de TEPT entre
adolescentes através das brigas entre pais e entre irmãos ao ponto de se machucarem,
como pode ser visualizado na tabela 1; também a violência física severa da mãe e do pai
sobre o adolescente mostrou-se associada ao maior surgimento do transtorno (1,9 vezes
e 2,6 vezes mais comuns, respectivamente; dados não apresentados). A violência na
localidade segue a mesma direção: adolescentes que vivenciam essa forma de violência
têm 3,1 vezes chance de apresentar TEPT, em relaçao aos que não vivenciam tal forma
de violência (dados não apresentados).
No que se refere a vitimização por violências apresentada na tabela 1, apenas a questão
que indaga sobre a possível forma de violência sexual não mostrou associação a
ocorrência do TEPT. Aqueles que sofreram dois ou mais episódios de violência na
escola tem 2,3 vezes a chance de TEPT.

143
Tabela 1: Modelo logístico*univariado de exposição à violência e TEPT (OR
brutas).
Wald
Bloco Variáveis OR IC95% (sig.)
Sexo Feminino 2,05 1,11 - 3,77 0,021
Masculino
Variáveis psicossociais da criança

Idade >14 1,44 0,87 - 2,39 0,159


<=14
Cor da pele Amarela/Indígena 0,35 0,05 - 2,69 0,503
Negra/Parda 1,12 0,66 - 1,92
Branca
Classe social C+D 1,22 0,59 - 2,52 0,592
A+B
Estrutura familiar Sem pai e sem mãe 3,06 1,30 - 7,24 0,003
Só com um dos pais 1,76 0,880 - 3,536
Pai e Madrasta/
Mãe e Padrasto 3,02 1,60 - 5,70
Pai e mãe
A relação com os pais envolveu uma experiência sexual Sim 0,81 0,11 - 6,25 0,840
Não
Pais brigaram entre si a ponto de se machucarem Muitas vezes 1,58 0,20- 12,63 0,009
Poucas vezes 2,80 1,45 - 5,40
Nunca
Irmãos brigaram e discutem entre si a ponto de se
machucarem Muitas vezes 2,67 1,27 - 5,63 0,032
Violências

Poucas vezes 1,19 0,60 - 2,35


Nunca
Violência na família e comunidade Família e comunidade 6,58 2,96- 14,65 0,000
Família ou
comunidade 3,67 1,71 - 7,86
Não
Violência na escola Duas ou mais 2,26 1,19 - 4,30 0,038
Uma 1,63 0,86 - 3,07
Nenhuma

*
O modelo apresentado não incorpora o plano amostral; para o encaminhamento para revista científica
serão incluídos o plano amostral e os pesos amostrais.

Observa-se que a variável agregada à violência familiar e à localidade mostra maior


chance de ocorrência de TEPT entre adolescentes: aqueles que convivem com uma
dessas formas de violência tem 3,7 vezes a chance de adoecerem, e os que vivenciam
ambas as formas de vitimização, 6,6 vezes a chance de apresentarem o transtorno,
quando comparados aos que não são expostos à violência na família e na comunidade.
Não foi encontrada interação entre as variáveis.

144
Após sucessivos modelos terem sido analisados, sempre ajustados por sexo e idade,
obteve-se o modelo final em que sexo e exposição à violência familiar e comunitária
surgem associados à ocorrência de TEPT (tabela 2). Os adolescentes do sexo feminino
apresentam 2,09 vezes a chance de apresentarem o transtorno, comparados com o do
sexo masculino.
A exposição à violência familiar ou localidade eleva em 3,75 vezes as chances de
apresentar o transtorno. Similar resultado foi observado entre os adolescentes que
vivenciaram ambas as formas de violência (familiar e comunitária). Neste caso, houve
elevação de quase seis vezes a chance de apresentar TEPT, quando comparados com os
adolescentes que não sofreram violência.
Tabela 2ii: Modelo logístico múltiplo de TEPT associado à exposição à violência
familiar e comunitária de adolescentes escolares de São Gonçalo - RJ
Wald
Variáveis OR IC95% (sig.)
Sexo Feminino 2,09 1,04-4,20 0,038
Masculino
Violência na família e localidade Família e localidade 6,80 3,04 -15,19 <0,001
Família ou localidade 3,75 1,75 - 8,08
Não

ii
O modelo apresentado não incorpora o plano amostral; para o encaminhamento para revista científica
serão incluídos o plano amostral e os pesos amostrais.

DISCUSSÃO
A exposição à violência física severa do pai e/ou da mãe (26,1%) sofrida pelos
adolescentes escolares foi um pouco superior, mas bem próxima às estimativas de 4 a
20% de exposição à violência familiar indicadas por Malik6 em realidade norte-
americana. Outro estudo desenvolvido no município de São Gonçalo com adolescentes
escolares encontrou níveis próximos de exposição à violência familiar, pois 30,5% dos
adolescentes sofreram violência severa praticada pela mãe e 16,2%, violência severa
praticada pelo pai13.
A violência comunitária foi vivenciada por 41,5% dos adolescentes escolares, indicando
o elevado grau de problemas existentes nessas localidades, com destaque para o contato
com pessoas espancadas e mortas, e com o conflito armado. A exposição à violência
comunitária foi um pouco inferior à descrita em estudo com adolescentes em idade
escolar que freqüentavam um acampamento de verão, nos EUA, destinado a jovens
considerados em risco devido às condições de seus lares, escolas e localidades. Neste

145
estudo, 93,2% dos adolescentes testemunharam algum tipo de violência na comunidade
e 62,7% foram diretamente vítimas de violência40. Em outra amostra de crianças
escolares em São Gonçalo/RJ foi constatado que 25,2% das crianças sofreram alguma
forma de violência na escola e 19,8% na localidade10.
Não foram encontradas diferenças em relação à exposição à violência familiar e
comunitária por sexo do adolescente. Em geral, os estudos apontam maior exposição
aos eventos violentos para os meninos, com exceção de eventos relacionados à violência
sexual.41-42. Assis et al.10 apontam que crianças escolares do sexo masculino, do mesmo
município, sofreram mais todas as formas de violência (agressão verbal, violência
menor e violência severa) praticadas pelo pai, enquanto que os meninos também
sofreram mais agressão verbal e violência severa praticada pela mãe. Porém, resultados
similares à presente pesquisa foram encontrados em um estudo realizado com
adolescentes afro-americanos, moradores de área pobre de metrópole americana. Ali,
verificou-se que não houve diferenças por sexo em ser testemunha ou vítima de
violência comunitária43. O mesmo ocorreu em estudo desenvolvido com adolescentes
escolares dos EUA27.
Nota-se que a maioria dos eventos onde há maior exposição aos meninos foram
relacionados às causas externas (acidentes e violências), com a exceção de receber
tratamento médico dolorido e assustador, em que não se pode identificar o tipo de
agravo à saúde.
A prevalência do TEPT foi de 7,5%, de acordo com o critério de severidade (ponto de
corte escore 38). As meninas (9,1%) apresentaram mais este transtorno que os meninos
(4,7%). Os estudos apontam maior prevalência do transtorno em meninas de todas as
faixas etárias41,44.
Vale ressaltar o fato da prevalência do TEPT ser maior na presença da violência familiar
e na localidade. A associação entre sofrer violência e apresentar este transtorno é
demonstrada por diversos estudos, principalmente, em estudos com violência
comunitária15,25,27, mas também em estudos sobre violência familiar16,45.
Assim como neste estudo, sofrer violência dos pais esteve associado ao TEPT em
amostra de crianças escolares do mesmo município da região metropolitana do Rio de
Janeiro. Nele, foi verificado que sofrer violência severa da mãe eleva em 17,14 vezes as
chances de se apresentar o transtorno, bem como sofrer violência severa do pai que
eleva em 1,47 vezes as chances de apresentar TEPT46. Muitos estudos internacionais

146
sobre violência familiar com crianças e adolescentes mostram grande associação entre
testemunhar violência interparental e apresentar o TEPT 16,24,47.
Observou-se que pertencer a famílias sem ambos os pais ou com pai/madrasta ou
mãe/padrasto elevou as chances de apresentar o TEPT, no modelo univariado. Assis,
Pesce e Avanci13 apontaram que os adolescentes que vivem apenas com a mãe ou que
vivem com a mãe e o padrasto estavam três vezes mais suscetíveis a vivenciar
adversidades na vida. No estudo citado, também se mostraram vulneráveis os
adolescentes que moram sem ambos os pais, que moram com mãe e padrasto, ou que
moram somente com o pai. As autoras discutem que viver em famílias com pai e mãe
pode estar associado a menor conflito familiar e maior estabilidade socioeconômica.
No modelo final deste estudo, constatou-se que adolescentes do sexo feminino têm
maiores de chances de apresentar o transtorno, comparados com o do sexo masculino.
Este dado é condizente com inúmeros estudos da área com adolescentes e adultos 41,43.
Maiores taxas de TEPT foram encontradas em adolescentes que vivenciaram violência
familiar associada à violência na localidade. Vivenciar múltiplas formas de vitimização
à violência e outros eventos traumáticos estão relacionados ao aumento na apresentação
ou severidade dos sintomas de TEPT em adultos29 e em crianças e adolescentes14,16.
No modelo também foi encontrado que a violência familiar e na localidade elevam a
chance de apresentar o transtorno e que a exposição a ambas as formas de violência
eleva ainda mais a possibilidade de desenvolver TEPT, quando comparado com crianças
sem exposição à violência. MacDonald et al.14 verificaram que quanto maior o número
de vitimizações (sexual, física e testemunhar violência) sofridas pelo adolescente,
maiores as chances deste apresentar TEPT e outras comorbidades.
Estudiosos discutem que a violência na comunidade pode ser um dos fatores que
potencializam a violência contra crianças nas famílias. Lynch e Cichentti48 propuseram
um modelo ecológico para explicar a exposição à violência comunitária e familiar. Eles
consideram que a violência comunitária pode estar associada a um aumento da violência
na família. Os autores ressaltam que se a violência ocorrer nos múltiplos níveis deste
modelo ecológico, que são: microssistema (violência familiar), mesossistema (violência
comunitária), exossistema (violência social e da mídia), maior o risco de problemas a
saúde da criança.
Outra pesquisa desenvolvida em São Gonçalo com adolescentes mostrou que aqueles
que sofriam de violência física severa, psicológica e sexual na família apresentaram

147
maiores chances de serem vítimas de violência na localidade (3,8 vezes mais) e 3 vezes
mais chances de serem vítimas de violência na escola2.
A violência na comunidade está relacionada à violência estrutural; costuma ser mais
freqüente nos locais onde a população apresenta piores condições sócioeconômicas e
onde há ação insuficiente do poder público no que se refere a saúde, educação,
segurança pública e condições dignas de habitação13. Entre junho de 2007 e julho de
2008, São Gonçalo apresentou altos níveis de violência urbana, dentre os quais se
destacam as 3021 lesões corporais, 8367 roubos e as 3356 ameaças registradas nas
delegacias civis e taxas que variam de 307 a 868 eventos por 100.000 mil habitantes49.
No presente estudo, o estrato social dos adolescentes não se mostrou associado a TEPT,
o que pode significar que viver em município com quadro de desigualdade social tão
evidente facilitaria o acúmulo de adversidades e a vivência de violências de forma mais
generalizada. Além disso, crianças que vivem em vizinhanças violentas podem
considerar o seu bairro ou sua cidade como não seguros e perder a confiança nas
instituições sociais que deveriam protegê-la) Isso poderia levar a uma maior sensação de
vulnerabilidade pessoal.
Os resultados deste trabalho apontam para a importância de se prevenir a exposição de
adolescentes à violência, visando interromper a ocorrência de seqüelas emocionais.
Também possibilita perceber que quanto maior a exposição à violência, maiores as
chances de apresentação de TEPT, e respalda ainda a necessidade se de colocar em foco
as ações variadas para ajudar adolescentes expostos a múltiplas formas de violências e
outros eventos adversos.
Referências

1. Margolin G, Gordis EB. The effects of family and community violence on


children. Annu Rev Psychol. 2000; 51:445–479.

2. Assis SG, Avanci JQ. Labirinto de espelhos: formação da auto-estima na


infância e na adolescência. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2004. 207 p.

3. Aisenberg E, Mennen FE. Children to exposed community violence: issues for


assessment and treatment. Child Adolesc Social Work J. 2000 Oct; 17(5): 341-
360.

148
4. Richters JE, Martinez P. Things I have seen and heard: a structured interview for
assessing young children's violence exposure. Washington, DC: National
Institute of Mental Health. 1990.

5. Assis SG, Avanci JQ, Pesce RP, Ximenes LF. Situação de crianças e
adolescentes brasileiros em relação à saúde mental e à violência. Cien Saude
Colet. 2009; 14(2): 349-361.

6. Malik NM. Exposure to domestic and community violence in a nonrisk sample:


associations with child functioning. J Interpers Violence. 2008; 23: 490-504.

7. Souza ER, Mello Jorge MHP. Impacto da violência na infância e adolescência


brasileiras: magnitude da morbimortalidade. In: Lima CA, coordenadora.
Violência faz mal à saúde. Brasília: Ministério da Saúde, 2006. P. 23-28.

8. Zavaschi ML, Benetti S, Polanczyk GV, Solés N, Sanchotene ML. Adolescents


exposed to physical violence in the community: a survey in Brazilian public
schools. Rev Panam Salud Publica/Pan Am J Public Health. 2002; 12(5): 327-
332.

9. Schen ACT. Long-term effects of interparental violence and child physical


maltreatment experiences on PTSD and behavior problems: A national survey of
Taiwanese college students. Child Abuse Negl. 2009; 33 : 148–160.

10. Assis SG, Avanci JQ, Pesce RP, Ximenes LF, Carvalhaes RVO, Santos CD,
Pires ML, Lyra GF, Câmara LP, Costa VA, Pires TO, Silva FB, Franco LG,
Marriel LC, Souza REP, Buarque N, Ferreira RM, Moreira QB. Problemas de
comportamento produzindo reversos. Um estudo com crianças escolares de São
Gonçalo/RJ. Relatório de pesquisa. 2007.

11. Phelps LF, Mccart MR, Davies WH. The impact of community violence on
children and parents. Trauma Violence Abuse. 2002; 3(3): 194-209.

12. Mathews T, Dempsey M, Overstreet S. Effects of exposure to community


violence on school functioning: The mediating role of posttraumatic stress
symptoms. Behav Res Ther. 2009; 47 : 586–591.

13. Assis SG, Pesce RP, Avanci JQ. Resiliência: enfatizando a proteção na
adolescência. Porto Alegre: Artmed; 2006. 144 p.

149
14. Macdonald A, Danielson CK, Resnick HS, Saunders BE, Kilpatrick DG. PTSD
and comorbid disorders in a representative sample of adolescents: the risk
associated with multiple exposures to potentially traumatic events. Child Abuse
Negl. 2010 Mar; 34:773–783.

15. Fowler PJ, Tompsett CJ, Braciszewski JM, Jacques-Tiura AJ, Baltes BB.
Community violence: a meta-analysis on the effect of exposure and mental
health outcomes of children and adolescents. Dev Psychopathol. 2009; 21(1):
227-59.

16. Margolin G, Vickerman KA. Post-traumatic stress in children and adolescents


exposed to family violence: I. Overview and Issues. Prof Psychol Res Pr. 2007
Dec; 38(6): 613–619.

17. Associação de Psiquiatria Americana (APA). Manual Diagnóstico e Estatístico


de Transtornos Mentais. 4. ed. - Revista (DSM-IV-TR). Porto Alegre: Artmed;
[2000] 2002.

18. Scheeringa MS, Zeanah CH, Cohen JA. PTSD in children and adolescents:
toward an empirically based algorithm. Depress Anxiety, 2010; 0: 1-13.

19. Tierney JA. Post-traumatic stress disorder in children: controversies and


unresolved issues. J Child Adolesc Psychiat Nurs. 2000; 13(4):147-158.

20. Pynoos RS, Steinberg AM, Layne CM, Briggs EC, Ostrowski SA, Fairbank JA.
DSM-V PTSD Diagnostic Criteria for Children and Adolescents: A
Developmental Perspective and Recommendations. J Trauma Stress. 2009 Oct;
22(5) p. 391–398.

21. Pynoos RS.; Steinberg A, Piacentini AM. A developmental psychopathology


model of childhood traumatic stress and intersection with anxiety disorders. Biol
Psychiatry. 1999; 46(11): 1542-1554.

22. Dyregrov A, Yule W. A review of PTSD in children. Child Adolesc Ment


Health. 2006; (4):176–184.

23. Lehmann P. The development of posttraumatic stress disorder (PTSD) in a


sample of child witnesses to mother assault. J Fam Violence. 1997; 12(3): 241-
257.

150
24. Levendosky AA, Huth-Bocks AC, Semel MA, Shapiro DL. Trauma symptons in
prescholl-age children exposed to domestic violence. J. Interpers. Violence.
2002 Feb; 17(2): 150-164.

25. Ceballo R, Dahl TA, Aretakis MT, Ramirez C. Inner-City children‟s exposure to
community violence: how much do parents know? J Marriage Fam. 2001 nov;
63 927–940.

26. Fitzpatrick KM, Boldizar JP. The prevalence and consequences of exposure to
violence among African-American youth. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry.
1993 Mar; 32(2):424-30.

27. Aisenberg E, Ayón C, Orozco-Figueroa A. The role of young adolescents‟


perception in understanding the severity of exposure to community violence and
PTSD. J Interpers Violence. 2008 Nov; 23(11):1555-1578.

28. Naar-King S, Silvern L, Ryan V, Sebring D. Type and severity of abuse as


predictors of psychiatric symptoms in adolescence. J Fam Violence. 2002 Jun;
17(2): 133-149.

29. Scott ST. Multiple traumatic experiences and the development of posttraumatic
stress disorder. J Interpers Violence. 2007 Jul; 22(7): 932-938.

30. Vranceanu A, Hobfoll SE, Johnson RJ. Child multitype maltreatment and
associated depression and PTSD symptoms: the role of social support and stress.
Child Abuse Negl. 2007; 31(1):71-84.

31. Andreoli SB, Ribeiro WS, Quintana MI, Guindalini C, Breen G, Blay SL,
Coutinho ESF, Harpham T, Jorge MR, Lara DR, Moriyama TS, Quarantini LC,
Gadelha A, Vilete LMP, Yeh MSL, Prince M, Figueira I, Bressan RA, Mello
MF, Dewey ME, Ferri CP, Mari JJ. Violence and post-traumatic stress disorder
in Sao Paulo and Rio de Janeiro, Brazil: the protocol for an epidemiological and
genetic survey. BMC Psychiatry 2009; 9(34), doi:10.1186/1471-244X-9-34.

32. Khamis V. Post-traumatic stress disorder among school age Palestinian children.
Child Abuse Negl. 2005 Jan; 29(1): 81-95.

33. Cuffe SP, Addy CL, Garrison CZ, Waller JL, Jackson KL, McKeown RE,
Chilappagari S. Prevalence of PTSD in a community sample of older
adolescents. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 1998; 37:147-154.

151
34. Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa. Critério Brasil. [site na
Internet]. 2010. Disponível em:
www.abep.org/novo/Utils/FileGenerate.ashx?id=46.

35. Straus MA. Measuring familiar conflict and violence: The Conflict Tactics (CT)
Scales. J Marriage Fam. 1979; 41:75-88.

36. Hasselmann MH. Violência familiar e desnutrição severa na infância: modelo


teórico e estudo de confiabilidade dos instrumentos. Dissertação de Mestrado,
Rio de Janeiro: Instituto de Medicina Social, Universidade do Estado do Rio de
Janeiro. 1996.

37. Kahn T, Bermergui C, Yamada E, Cardoso FC, Fernandes F, Zacchi JM,


Guimarães L, Hasselman ME. O dia a dia nas escolas (violências auto-
assumidas). São Paulo: Instituto Latino Americano das Nações Unidas para a
Prevenção do Delito e Tratamento do Delinqüente/ Instituto Sou da Paz; 1999.

38. Steinberg AM, Brymer MJ, Decker KB, Pynoos RS. The University of
California at Los Angeles Post-traumatic Stress disorder reaction index. Curr
Psychiatry Rep. 2004; 6(2):96-100.

39. Avanci JQ, Assis SG, Ximenes LF, Pires TO, Carvalhães RVO. Estresse pós-
traumático em adolescentes. O impacto da violência e de outros eventos
adversos com escolares de um município do Estado do Rio de Janeiro. Relatório
de Pesquisa. Rio de Janeiro: CLAVES, 2011.

40. Bender JA, Roberts MC. Exposure to violence, perceived peer relationships, and
corresponding psychological sequelae. J Child Fam Stud. 2009; 18: 350–355.

41. Tolin DF, Foa EB. Sex differences in trauma and posttraumatic stress disorder: a
quantitative review of 25 years of research. Psychol Bull. 2006; 132 (6): 959–
992.

42. Stein BD, Jaycox H, Kataoka S, Rhodes HJ, Vestal KD. Prevalence of child and
adolescent exposure to community violence. Clin Child Fam Psychol Rev. 2003
Dec; 6(4): 247-264.

43. Foster JD, Kuperminc GP, Price AW. Gender differences in posttraumatic stress
and related symptoms among inner-city minority youth exposed to community
violence. J Youth Adolesc. 2004; 33(1): 59-69.
152
44. Abanilla PK. Gender differences in childhood PTSD. In: Silva RR, editor.
Posttraumatic stress disorders in children & adolescents [Handbook]. New York,
NY: Norton & Company; 2004. p. 163-176.

45. Widom CS. Posttraumatic stress disorder in abused and neglected children
grown up. Am J Psychiatry. 1999 Aug; 156(8):1223-1229.

46. Ximenes LF, Assis SG, Oliveira RVC. Violência e transtorno de estresse pós-
traumático na infância. Cien Saude Colet. 2009; 14: 417- 434.

47. Moretti MM, Obsuth I, Odgers CL, Reebye P. Exposure to maternal vs. paternal
partner violence, PTSD, and aggression in adolescent girls and boys. Aggress
Behav, 2006; 32: 385–395.

48. Lynch M, Cicchetti D. An ecological-transactional analysis of children and


contexts: The longitudinal interplay among child maltreatment, community
violence, and children‟s symptomatology. Dev Psychopathol. 1998; 10: 235–
257.

49. Assis SG, Carvalhães RVO, Avanci JQ, Pesce RP, Ximenes LF, Silva CMPF,
Pinto LW, Lyra GFD, Pires TO, Constantino P, Camara LP, Souza REP, Silva
FB, Buarque N, Silva JCV, Capistrano MAA. Violência comunitária e
problemas de saúde mental infantil. Proposta de análise epidemiológica e
espacial em escolares de São Gonçalo/RJ. Relatório de pesquisa. Rio de Janeiro:
CLAVES/ ENSP/ FIOCRUZ; 2010.

153
Capítulo 5

Considerações finais

O Transtorno de Estresse Pós-Traumático se mostrou associado à exposição da


violência nos três artigos que compõem esta tese. Estes resultados são condizentes com
a literatura da área que mostra que a vivência de violência está relacionada ao
desenvolvimento do TEPT, ou de sintomas de TEPT em crianças e adolescentes15.

As prevalências do TEPT ao longo dos três artigos se apresentaram similares, mesmo


correspondendo a faixas etárias, informantes e instrumentos de aferição diferentes. A
prevalência de TEPT observado nas crianças das escolas municipais públicas de São
Gonçalo e avaliadas no primeiro artigo foi de 6,5%, tendo como referência a visão do
responsável sobre TEPT na criança; no segundo artigo, que apresenta o seguimento do
mesmo grupo de crianças/adolescentes dois anos após, (idade média 10,6 anos)
constatou prevalência de 9,5%, porém, as próprias crianças/adolescentes informaram
sobre os sintomas que vivenciavam; e no terceiro artigo, a prevalência informada pelos
adolescentes das redes pública e particular de ensino de São Gonçalo (idade média de
14,52 anos) foi de 7,5%. As prevalências de TEPT apresentadas nos estudos são muito
variadas e poucos foram realizados com crianças. Os resultados encontrados na tese são
similares à pesquisa realizada com amostra comunitária de adolescentes mais velhos nos
Estados Unidos na América - com 6,3%181 e em outra, no mesmo país, com 3.906
adolescentes de 12 a 17 anos - 3,7% em meninos e 6,3% em meninas80, que utilizaram
outros instrumentos para avaliar o TEPT.

Nos resultados apresentados, percebe-se maior presença do TEPT em meninas, com


exceção do primeiro artigo realizado com faixa etária mais nova (crianças escolares da
primeira série do ensino fundamental), que não mostrou diferenças estatisticamente
significativas relacionadas a esta variável. Grande parte dos estudos com a população
em geral aponta maior risco de TEPT para mulheres na adolescência e na vida adulta
30,143,182
. Um estudo com 697 adultos sobre vitimização de abusos e negligência na
infância encontrou risco duas vezes maior de apresentar TEPT nas mulheres182. Este
risco pode ser até cinco vezes superior para pessoas do sexo feminino de todas as

154
idades, segundo revisão realizada por Foster et al.143. Uma das hipóteses para maior
risco do TEPT no sexo feminino é que meninas e mulheres poderiam estar mais
expostas à violência sexual, evento que está muito associado ao TEPT. Outra hipótese
estaria relacionada a expectativas sociais de gênero, onde mulheres estariam ligadas a
imagens de emoção e passividade, enquanto nas pessoas do sexo masculino estariam
relacionados à idéia de agressividade. Por isso, os homens poderiam suprimir sintomas
e cognições relacionados ao trauma porque não condizem com a concepção do que é ser
homem. Outra hipótese levantada é que pessoas do sexo masculino tendem a exibir
outros tipos de sofrimento após a exposição ao evento traumático, estando mais
propensos a manifestar problemas externalizantes (e muitos sintomas do TEPT são
internalizantes)25,30.

A idade da criança/adolescente se mostrou relacionada ao TEPT apenas no artigo 2.


Crianças mais novas (menores de 10 anos) apresentaram maior probabilidade de
apresentar o TEPT que as mais velhas. Esse dado difere do resultado encontrado em
metanálise de 516 estudos onde não foram encontradas diferenças significativas por
idade para o TEPT75. Não foi possível verificar diferenças significativas relacionadas à
idade da criança e/ou adolescente nos artigos 1 e 3. O primeiro artigo foi realizado
apenas com crianças, já o terceiro, com amostra apenas de adolescentes. A presença de
idades muito próximas dificultou avaliar a questão da idade como preditor de TEPT. A
idade é um tópico na discussão da área de estudos do TEPT na infância, pois discute-se
que os critérios do TEPT não captam todo o sofrimento que a criança experimenta após
a exposição a um evento traumático. Scheeringa183 apresenta dados de estudos nos quais
a prevalência do TEPT seria bem maior se fossem utilizados critérios diagnósticos mais
apropriados para a faixa etária de crianças em idade pré-escolar e escolar, saltando da
prevalência de 1,7% para 10,0% em crianças que sofreram acidentes de trânsito, por
exemplo.

A cor da pele/etnia da criança/adolescente foi associada ao TEPT apenas no artigo 1.


Apesar da raça não ter apresentado diferenças estatísticas no cruzamento com o TEPT,
quando inserida no modelo final, crianças de cor parda ou negra apresentavam maiores
chances de apresentar o transtorno. Uma possível explicação estaria relacionada à
discriminação e às condições mais precárias de vida as quais este grupo estaria
submetido, pois esta variável pode estar relacionada às condições sócio-econômicas das
crianças87. Poucos estudos se dedicam ao tema, porém, um deles apontou a
155
discriminação racial entre veteranos de guerra como um fator associado à manifestação
do TEPT184.

A influência da família no surgimento de TEPT em crianças/adolescentes foi observada


no artigo 1, em que o precário funcionamento da família como um todo, o
relacionamento mais difícil com os pais e o uso de drogas pelo pai aumentam as
chances da criança apresentar o transtorno. Investigação realizada com adolescentes e
suas mães no Sri Lanka apontou que adolescentes com bom relacionamento familiar
apresentaram menores níveis de ansiedade e TEPT após exposição à tsunami. Além
disso, o aumento de conflitos familiares e problemas de saúde mental da mãe
contribuíram para o aparecimento de problemas mentais nos adolescentes95. Rojas e
Lee87, a partir de revisão, apontam que apego seguro a um cuidador pode ter um efeito
protetor para a criança, servindo como apoio em momentos de perda e trauma.

Outro aspecto familiar investigado é a estrutura familiar, que se mostrou associada ao


TEPT em crianças e adolescentes. No primeiro e terceiro artigos, percebeu-se que viver
sem os pais ou com um dos pais/padrasto-madrasta eleva as chances de TEPT em
crianças, se comparado àquelas que vivem com ambos os pais. A única diferença entre
os dois resultados é que no primeiro estudo, viver com apenas um dos pais apresentou
um efeito protetor para a apresentação do transtorno, e no terceiro, esta variável não
apresentou significância. Assis, Pesce e Avanci148 afirmam que adolescentes que moram
só com a mãe ou que moram com mãe e padrasto apresentaram maior exposição a
eventos traumáticos. A estrutura familiar composta por pai e mãe foi a que mais os
protegeu de sofrer eventos adversos. A maior exposição aos eventos traumáticos poderia
estar relacionada a níveis mais elevados de sofrimento psíquico e de TEPT.

A associação de TEPT à violência familiar foi enfatizada nos artigos 1 e 3. No estudo


desenvolvido com crianças (artigo 1), a agressão verbal da mãe, a violência severa do
pai, a violência severa da mãe, a violência severa do pai sobre a mãe e a violência entre
os irmãos elevaram as chances de apresentação de TEPT. No artigo realizado com
adolescentes (artigo 3), a violência na família elevou as chances de apresentação do
transtorno. A presença de TEPT em adolescentes que foram expostos à violência
familiar foi de 13,2%, enquanto que entre as crianças, sem este tipo de exposição, foi de
apenas 5,9%. No artigo 3, também foi possível observar que a exposição a alguns tipos
específicos de violência familiar se associou a ocorrência de TEPT, assim como

156
acontece com a violência na família e localidade, isoladas ou concomitantemente). A
violência familiar não foi estudada no segundo artigo. Estes dados condizem com a
literatura que aponta um risco elevado de apresentação de TEPT para crianças e
adolescentes expostos à violência familiar15,137. Osofsky146 aponta que as experiências
de abuso e maus tratos na infância podem levar a inúmeros problemas no
desenvolvimento cognitivo, físico, emocional e social. Entre eles, evidencia-se a
dificuldade de formar relacionamentos positivos ao longo da vida, problemas de saúde
mental como depressão e TEPT.

A exposição à violência comunitária foi enfatizada nos três artigos apresentados nesta
tese. Sofrer roubo na comunidade e na escola, ser testemunha de roubo e viver em
situação de risco e insegurança na comunidade aumentou as chances de apresentação do
transtorno em crianças escolares da primeira série do ensino fundamental, conforme
descrito no primeiro artigo. A presença de violência comunitária elevou em 11% as
chances de apresentação do transtorno em crianças e adolescentes, ajustado por outras
variáveis do modelo final, conforme dados do artigo 2. Com a amostra de adolescentes,
(artigo 3) percebeu-se que a violência na localidade também eleva as chances de
apresentar este transtorno. No artigo 3, a prevalência de TEPT na presença de violência
na localidade foi de 12,5% e para aqueles adolescentes que não foram expostos a este
tipo de violência, foi de apenas 3,9%. A violência comunitária se mostra associada ao
TEPT em diversos estudos internacionais75,140.

A vivência de mais de um trauma elevou as chances de apresentação do transtorno em


crianças e adolescentes. No artigo 3, a exposição à violência familiar em conjunto com a
da localidade eleva em 6,8 vezes a chance de apresentar o transtorno, comparado com
quem não foi exposto a estes tipos de violência e ajustado por outras variáveis. No
artigo 2, quanto maior o escore da escala de violência comunitária, maiores as chances
de apresentação do transtorno em meninas. Isso significa que em meninas, a maior
vitimização por violência comunitária as coloca em situação de maior vulnerabilidade
para apresentar sintomas deste transtorno. Alguns estudos mostram que vivenciar
múltiplas formas de evento traumático eleva as chances de apresentar problemas de
saúde mental, inclusive TEPT70,72.

Para melhor compreensão dos resultados desta tese, é importante ressaltar que o estudo
foi desenvolvido no município de São Gonçalo que apresenta inúmeras dificuldades

157
sócio-econômicas. A pobreza no município atinge 39,9% da população, segundo dados
do IBGE26. Este índice é considerado alto, quando comparado com o município do Rio
de Janeiro (23,9%) e com o município vizinho Niterói (12,5%). A cidade de São
Gonçalo também possui alto índice de homicídios entre adolescentes. Dentre os
municípios brasileiros com mais de duzentas mil pessoas, em 2007, o município ocupou
o oitavo lugar em relação ao Índice de Homicídios entre Adolescentes (IHA), que
estima o risco que adolescentes (12 a 18 anos) têm de perder a vida por mortes
violentas. O município apresentou o IHA de 6,2, que corresponde a 6,2 mortes de
adolescentes em um universo de mil pessoas que completando 12 anos, podem não
alcançar os 19 anos, porque possivelmente serão vítimas de homicídios185. A vivência
deste clima de insegurança sócio-econômica e o risco de sofrer violência do município
influencia a sensação de segurança no bairro e nos lares das crianças e adolescentes,
independentemente da classe social. Dentro de uma visão ecológica, Lynch e
Cichenetti186 pontuam que a violência na comunidade pode estar relacionada à violência
familiar. As condições negativas de se viver em uma comunidade violenta podem
acentuar conflitos entre algumas famílias.

Não foram encontradas diferenças na exposição à violência pelo sexo da criança e


adolescente. No primeiro estudo, essa diferença não foi abordada, porém, nos dois
últimos artigos não houve diferenças significativas para este tipo de exposição, tanto
para violência familiar quanto comunitária. Muitos estudos apontam maior exposição à
violência em homens, com exceção da violência sexual30, embora alguns estudos
mostrem ausência destas diferenças em estudos com adolescentes140,143. No entanto, no
último artigo, embora não haja diferenças significativas em relação ao sexo quando se
aborda a violência comunitária, alguns tipos de eventos traumáticos específicos
relacionados a violências e acidentes foram mais freqüentes em meninos, como por
exemplo, ver um cadáver na cidade, ser espancado, levar um tiro ou ser ameaçado. Um
único evento teve exposição mais significativa entre meninas.

O percentual de exposição à violência familiar foi apenas relatado no último artigo.


Cerca de 26% dos adolescentes foram expostos à violência física perpetrada pelos pais,
sendo que em 20,6% dos casos, a violência severa é praticada pela mãe, e em 9% pelo
pai. Malik172 indica estimativas de exposição à violência familiar de 4-20% em crianças
e adolescentes. Resultados do estudo longitudinal cujos dados foram utilizados nesta
tese mostram grande exposição de crianças e adolescentes escolares à violência familiar.
158
Nas etapas deste estudo longitudinal percebe-se que a violência física severa praticada
pela mãe foi de 58,2% em 2005, de 39,9% em 2006 e 37,9% em 2008. A violência
física severa praticada pelo pai corresponde a 25,5% em 2005, 10,9% em 2006 e 14,4%
em 200818,151,153. A violência na família pode estar associada a discórdias, a
rompimentos familiares, e a cuidados inadequados com a saúde. Crianças que vivem
com violência podem experienciar também um número de outras adversidades em suas
famílias como pobreza, desemprego, desnutrição, falta de acesso aos serviços básicos de
saúde, abuso de substâncias e problemas de saúde mental de outros familiares. O
acúmulo de adversidades pode influenciar na saúde mental de crianças, adolescentes e
adultos15.

A exposição à violência comunitária foi investigada nesta tese. No segundo artigo,


percebeu-se alto grau de exposição à violência na comunidade, pois 86,2% das crianças
e adolescentes relataram terem sido expostos a, pelo menos, um episódio de violência
comunitária. No artigo 3, cerca de 42% dos adolescentes relataram exposição a essa
forma de violência. Esse resultado é condizente com estudos que mostram percentuais
elevados de exposição à violência comunitária entre crianças e adolescentes9,15.

Algumas questões que perpassam os três artigos merecem ser apontadas:

(1) Diferenças metodológicas relacionadas às amostras investigadas. A amostra do


primeiro estudo, que originou dois artigos, foi composta de estudantes de
colégios públicos municipais de São Gonçalo. A amostra do último estudo é
mista, compreendendo alunos de escolas públicas e privadas do mesmo
município, o que permitiria avaliar melhor as diferenças entre estratos sociais.

(2) Variação nas faixas etárias. No estudo desenvolvido em 2005, a faixa etária
compreende alunos do primeiro ano do ensino fundamental (6 a 13 anos). O
estudo desenvolvido em 2008 é composto de crianças e adolescentes por 9 a 16
anos. E o último estudo, desenvolvido em 2010, foi composto por adolescentes
com idades variando entre 13 e 19 anos.

(3) Diferentes instrumentos para avaliar violência comunitária. O instrumento de


violência comunitária utilizado nos artigos 1 e 3 é um instrumento sintético

159
desenvolvido pelo Ilanud (no artigo 1 é informação do responsável e no artigo 3
do próprio adolescente). Já o instrumento utilizado no artigo 2 é mais complexo
e desenvolvido especialmente para aferir vivência de violência entre
adolescentes – “Coisas que vi e ouvi”. Isso limita a comparabilidade entre os
resultados dos três artigos.

(4) Diferentes instrumentos para avaliar TEPT. O primeiro artigo utilizou a


adaptação proposta por Wolfe et al.122 e Ruggiero e Mcleer163 de alguns itens da
CBCL para avaliar sintomas de TEPT. Neste momento, as mães ou responsáveis
pela criança respondiam ao questionário e forneciam informações sobre a
criança e a família. O segundo artigo utilizou os mesmos itens, só que
respondido diretamente pelo adolescente (YRS). As escalas CBCL/TEPT e
YRS/TEPT possuem diversas limitações: não foram construídas com o propósito
de avaliar a sintomatologia de TEPT e, sim, para avaliarem problemas de saúde
mental em geral; essas escalas utilizam ponto de corte padronizado para
população americana (está em fase de padronização com amostras nacionais, em
trabalho capitaneado na USP englobando as crianças de SG como um dos
trabalhos nacionais analisados). A escala TEPT/CBCL apresentou frágil
sensibilidade e especificidade e mostra importante associação de TEPT com
outros problemas de saúde mental (cenário comum de elevada comorbidade com
outros transtornos). É importante ressaltar que a escala TEPT/CBCL e a TEPT/
YRS não têm o propósito de serem escalas diagnósticas, e sim servir como
instrumentos de rastreamento do transtorno, quando não for possível utilizar
instrumentos de avaliação mais apropriados. O terceiro artigo utilizou
instrumento próprio para avaliar TEPT, destinado aos adolescentes (ainda em
fase de adaptação transcultural): UCLA PTSD Reaction Index, bastante utilizado
no contexto internacional. A comparabilidade com outros estudos deve levar em
conta a forma como os dados da escala foram analisados, o que introduz grande
variabilidade nos resultados. Esta escala pode ser analisada com a utilização da
classificação da DSM-IV para o TEPT, onde se o adolescente apresentar o
número mínimo de sintomas exigidos pela DSM-IV nas três áreas, é classificado
como TEPT provável. Quando utilizada desta forma, costuma produzir elevado
percentual do transtorno. Também é comumente analisada tal como realizado
nesta tese, em que se utilizou o ponto de corte de 38 (padrões internacionais)

160
para classificar a presença do transtorno. Tantas variações dificultam
sobremaneira a comparabilidade entre estudos.

(5) Cortes transversais. Os três artigos apresentam análise de dados transversais,


embora os artigos 1 e 2 correspondam a um estudo longitudinal. Esse fato
restringe as análises efetuadas a estudos de associação entre variáveis.

Finalizando essa discussão, destaca-se a relevância da tese ao abordar o tema do


transtorno de estresse pós-traumático associado a violências entre crianças e
adolescentes, temática ainda pouco abordada no contexto científico nacional. Muito
caminho a percorrer ainda se faz necessário para compreender de forma mais
aprofundada a questão. Neste sentido, é de bom grado o investimento na construção/
adaptação transcultural de instrumentos destinados à avaliação do TEPT em crianças de
idade escolar. São necessários, ainda, estudos mais aprofundados incluindo a
investigação da validade de critério destes novos instrumentos. Tanto a área da atenção
à saúde mental quanto pessoas na área de pesquisa científica se beneficiariam deste
instrumento.

Iluminar os efeitos sobre a saúde mental da exposição de crianças e adolescentes à


violência, tarefa almejada nesta tese, é passo fundamental para que se planeje a
prevenção e o tratamento do transtorno. O Brasil possui altas taxas de mortalidade
contra crianças e adolescentes. Entre estes, agressões e acidentes constituem a primeira
causa de morte na faixa etária de 5 a 19 anos124; a população infanto-juvenil é exposta à
violência diariamente nas suas comunidades e na mídia. A vivência de múltiplas formas
de violência e adversidades deve ser foco de atenção dos profissionais de saúde e
educação com o objetivo de prevenir a manifestação ou agravamento deste transtorno.
Não se pode prevenir que crianças e adolescentes passem por algumas espécies de
adversidade em suas vidas. Familiares próximos à criança podem morrer; a criança ou
outro familiar podem apresentar doenças sérias, por exemplo. Porém, sabe-se que a
atuação do poder público frente à violência pode trazer resultados favoráveis, como
campanhas preventivas, mudanças na legislação e maior atenção às comunidades
visando, por exemplo, a redução de taxas de criminalidade. Investir na prevenção de
violência contra crianças e adolescentes é possível e de suma importância para a
tentativa de diminuição de inúmeros problemas de saúde mental associados à violência,
em especial o TEPT.

161
O oferecimento de tratamento adequado para crianças e adolescentes com TEPT -
destacando-se o papel da equipe de saúde mental - é aspecto desafiante no cenário
nacional. Scheeringa, Zeanah e Cohen58 apontam que os sintomas de TEPT dificilmente
desaparecem espontaneamente em crianças; o tratamento da equipe de saúde mental é
considerado fundamental para diminuição/alívio do sofrimento infantil. Crianças e
adolescentes brasileiros contam com oferta insuficiente de serviços de saúde mental,
mesmo nos grandes centros urbanos brasileiros187. A cidade de São Gonçalo não foge
desta realidade. Estudos como os apresentados nesta tese são importantes para indicar a
magnitude de TEPT associado à violência, bem como mostrar, indiretamente, a
importância do atendimento e do oferecimento de serviços desta natureza, em especial,
dirigidos à população de crianças e adolescentes.

Novos estudos sobre TEPT na exposição à violência necessitam aprofundar a influência


de diversos fatores, como proximidade física com a violência, proximidade afetiva com
a vítima de violência, cronicidade e multiplicidade de eventos traumáticos, e o fato de
ser vítima, testemunha ou apenas ter conhecimento do evento traumático.

162
Referências

1. Rosen G. Uma história da saúde pública. São Paulo: Hucitec; 1994. 423 p. (Saúde em
Debate; 74).

2. Trombeta LH, Guzzo RSL. Enfrentando o cotidiano adverso: estudo sobre resiliência
em adolescentes. Campinas/SP: Alínea; 2002. 122 p.

3. Collishaw S, Pickles A, Messer J, Rutter M. Shearer C, Maughan B. Resilience to


adult psychopathology following childhood maltreatment: Evidence from a community
sample. Child Abuse Negl. 2007; 31:211–229.

4. Gore S, Eckenrode J. Context and process in research in risk, resilience and


depevelopment. In: Haggerty RJ, Sherrod LR, Garmezy N, Rutter M, organizers.
Stress, risk, and resilience in children and adolescents: processes, mechanisms, and
interventions. Cambridge: Cambridge University Press. 1996.p. 19-64.

5. Pesce RP, Assis SG, Santos NC, Oliveira RVC. Risco e Proteção: em busca de um
equilíbrio promotor de resiliência. Psic Teor e Pesq. 2004; 20(2): 135-143.

6. Bird HR. Epidemiology of childhood disorders in a cross-cultural context. J. Child.


Psychol. Psychiat. 1996; 37(1):35-49.

7. Associação de Psiquiatria Americana (APA). Manual Diagnóstico e Estatístico de


Transtornos Mentais. 4ª ed. Porto Alegre: Artmed; 2003.

8. Rosenberg HJ, Rosenberg SD, Wolford GL, Manganiello PD, Brunette MF, Boynton
RA. The relationship between trauma, PTSD, and medical utilization in three high risk
medical populations. Int. J. Psychiatry Med.2000; 30:247-59.

9. Stein MB, Mcquaid JR, Pedrelli P, Lenox R, McCahill ME. Posttraumatic stress
disorder in the primary care medical setting. Gen Hosp Psychiatry. 2000; 22:261-269.

10. Berger W, Mendlowicz MV, Souza WF, Figueira I. Equivalência semântica da


versão em português da Post-Traumatic Stress Disorder Checklist - Civilian Version
(PCL-C) para rastreamento do Transtorno de Estresse Pós-Traumático. Rev psiquiatr
Rio Gd Sul. 2004; 26(2): 167-175.

11. Krug EG, Dahlberg LL, Mercy JA, Zwi AB, Lozano R, editor. Relatório mundial
sobre violência e saúde. Genebra: Organização Mundial de Saúde; 2002. 351 p.

12. Assis SG, Minayo MCS, Souza ER, Njaine K, Deslandes SF. Violência como
problema de saúde. Rio de Janeiro: CLAVES, Médicos Sem Fronteiras; 2008.

13. Souza ML. O desafio metropolitano. A problemática sócio-espacial nas metrópoles


brasileiras. 2ª ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil; 2005. 368 p.

163
14. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Políticas de Saúde. Violência
intrafamiliar. Orientações para a prática em serviço. Cadernos de Atenção Básica Nº 8.
Série A – Normas e Manuais Técnicos; nº 131. Brasília/DF: Ministério da Saúde; 2002.

15. Margolin G, Gordis EB. The effects of family and community violence on children.
Annu Rev Psychol. 2000; 51:445–479.

16. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria MS/GM n.o 737, de 16 de maio de 2001.
Política Nacional de Redução da Morbimortalidade por Acidentes e Violências. Seção
1, 18 maio 2001. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2001. 64 p.

17. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 936, 18 de maio de 2004. Rede Nacional de
Prevenção da Violência e Promoção da Saúde e a Implantação e Implementação de
Núcleos de Prevenção à Violência em Estados e Municípios.

18. Assis SG, Avanci JQ, Pesce RP, Ximenes LF, Carvalhaes RVO, Santos CD, et al.
Problemas de comportamento produzindo reversos: um estudo com crianças escolares
de São Gonçalo/RJ. Relatório de pesquisa. Rio de Janeiro: CLAVES, FIOCRUZ; 2007.

19. Moura ATS, Reichenheim ME. Estamos realmente detectando violência nas
famílias de criança atendidas em nossos serviços de saúde? A experiência de um serviço
público do Rio de Janeiro. Cad Saude Publica. 2005; 21 (4):1124-1133.

20. Avanci JQ, Assis SG. Oliveira RVC. Sintomas depressivos na adolescência: estudo
sobre fatores psicosociais em amostra de escolares de um município do Rio de
Janeiro/Brasil. Cad Saude Publica. 2008; 24: 2334-2346

21. Cardia N. Atitudes, normas culturais e valores em relação à violência. Brasília:


Ministério da Justiça; 1999.

22. Straus MA. Measuring familiar conflict and violence: The Conflict Tactics (CT)
Scales. J Marriage Fam. 1979; 41:75-88.

23. Bell CC, Jenkins EJ. Community violence and children on the south side of
Chicago. Published simultaneously in Psychiatry: Interpersonal and Biological Process.
56, 46-54. In: Reiss J, Richter M, Hadke Y, Shcaff D, Editors. Children and Violence.
New York : Guilford Press; 1993.

24. Borges JL, Dellaglio DDD. Funções cognitivas e transtorno de estresse pós-
traumático (TEPT) em meninas vítimas de abuso sexual. Aletheia. 2009 jan./jun; 29:88-
102.

25. Andreoli SB, Ribeiro WS, Quintana MI, Guindalini C, Breen G, Blay SL, et al.
Violence and post-traumatic stress disorder in Sao Paulo and Rio de Janeiro, Brazil: the
protocol for an epidemiological and genetic survey. BMC Psychiatry 2009; 9(34),
doi:10.1186/1471-244X-9-34.

26. IBGE, Censo Demográfico 2000 e Pesquisa de Orçamentos Familiares . Mapa de


Pobreza e Desigualdade - Municípios Brasileiros 2003 - POF 2002/2003. Disponível
em: www.ibge.gov.br . (24 mar. 2011)

164
27. Brasil. Ministério da Educação, INEP. Mapa do analfabetismo no Brasil. Disponível
em: http://www.inep.gov.br/estatisticas/analfabetismo/default.htm. (15 abril. 11).

28. UNICEF. Situação da infância brasileira. Brasília: UNICEF; 2001.

29. Assis SG, Avanci JQ. Labirinto de espelhos: formação da auto-estima na infância e
na adolescência. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2004. 207 p.

30. Tolin DF, Foa EB. Sex differences in trauma and posttraumatic stress disorder: a
quantitative review of 25 years of research. Psychol Bull. 2006; 132 (6): 959–992.

31. Abanilla PK. Gender differences in childhood PTSD. In: Silva RR, editor.
Posttraumatic stress disorders in children & adolescents [Handbook]. New York, NY:
Norton & Company; 2004. p. 163-176.

32. Yehuda R, Macfarlane AC, Psychoter DF. Conflict between current knowledge
about posttraumatic stress disorder and its original conceptual basis. Am J Psychiatry.
1995; 152(12): 1705-1713.

33. Pynoos RS.; Steinberg A, Piacentini AM. A developmental psychopathology model


of childhood traumatic stress and intersection with anxiety disorders. Biol Psychiatry.
1999; 46(11): 1542-1554.

34. Rocha-Rego, Fiszman A, Portugal LC, Pereira MG, Oliveira L, Mendlowicz MV, et
al. Is tonic immobility the core sign among conventional peritraumatic signs and
symptoms listed for PTSD? J Affect Disorders. 2009; 115: 269–273.

35. Lensvelt-Mulders G, Hart OVD, Ochten JVM, Son MJMV, Steele K, Breeman L.
Relations among peritraumatic dissociation and posttraumatic stress: A meta-analysis.
Clin Psychol Rev. 2008; 28: 1138–1151.

36. Bui E, Brunet A, Allenou C, Camassel C, Raynaud JP, Claudet I, et al. Peritraumatic
reactions and posttraumatic stress symptoms in school-aged children victims of road
traffic accident. Gen Hosp Psychiatry. 2010; 32: 330–333.

37. Maia AC, Moreira SH, Fernandes E. Adaptação para a língua portuguesa do
questionário de Experiências Dissociativas Peritraumáticas (QEDP) numa amostra de
bombeiros. Rev Psiq Clín. 2009; 36 (1):1-9.

38. Lima AA, Fiszman A, Marques-Portella C, Mendlowicz MV, Coutinho ESF, Maia
DCB, et al. The impact of tonic immobility reaction on the prognosis of posttraumatic
stress disorder. J Psychiatr Res. 2010; 44: 224–228.

39. Boscarino JA, Adams RE, Figley CR. Mental health service use 1-year after the
World Trade Center disaster: implications for mental health care. Gen Hosp Psychiatry.
2004; 26: 346–358.

40. Perry BD, Pollard RA, Blakley TL, Baker WL, Vigilante D. Childhood trauma, the
neurobiology of adaptation, and “use-dependent” development of the brain: how
“states” become “traits”. IMHJ. 1995; 16(4): 271-291.

165
41. Ehlers A, Clark DM. A cognitive model of posttraumatic stress disorder. Behav Res
Ther. 2000; 38: 319-345.

42. Kowalik SC. Neurobiology of PTSD in children and adolescent. In: Eth S., editor.
TEPT in children and adolescents. Washington, DC: American Psychiatric Publishing;
2001. p. 82-122.

43. De Bellis MD, Baum AS, Birmaher B, Keshavan MS, Eccard CH, Boring AM,
Jenkins FJ, Ryan ND. A.E Bennett research award. Developmental traumatology, part I:
biological stress systems. Biol Psychiatry. 1999a. 45:1259-1270.

44. De Bellis MD, Keshavan MS, Clark DB, Casey BJ, Giedd JN, Boring AM, Frustaci
K, Ryan ND. A.E. Bennett research award. Developmental traumatology, part ii: brain
development. Biol Psychiatry. 1999b; 45: 1271-1284.

45. Eth S. PTSD in children and adolescents. Washington, DC: American Psychiatric
Publishing; 2001.

46. Silva RR. Posttraumatic stress disorders in children and adolescents: handbook.
New York: Norton & Company; 2004. 353 p.

47. Valdivia M. Transtorno por estrés postraumático em la niñez. Rev. chil. neuro-
psiquiatr 2002; 40(supl 2):76-85.

48. Rojas VM, Lee TN. Childhood vs. adult PTSD. In: ETH S, editor. TEPT in children
and adolescents. Washington, DC: American Psychiatric Publishing; 2001. p.237-256.

49. Bloch DA, Silber E, Perry SE. Some factors in the emotional reactions of children
to disaster. Am. J. Psychiatry; 1956; 113:416-422.

50. Lacey GN. Observations on Aberfan. J Psychosom Res. 1972; 16: 257-260.

51. Newman CJ. Children of disaster: Clinical observations at Buffalo Creek. Am J


Psychiatry. 1976; 133, 206-312.

52. Green BL, Grace MC, Vary MG, Kramer TL, Gleser GC, Leonard AC. Children of
disaster in the second decade: a 17 year decade: a 17 year follow-up of Buffalo Creek
Survivors. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 1994. 33:71-79.

53. Terr LC. Children of Chowchilla: a study of psychic trauma. Psychoanal Study
Child. 1979; 34:547-623.

54. Eth S, Pynoos R. Posttraumatic stress disorders in children. Washigton DC:


American Psychiatric Press; 1985. 195 p.

55. Pynoos RS, Frederick C, Nader K, Arroyo W, Steinberg A, Eth S, Nunez F,


Fairbanks L. Life Threat and posttraumatic stress in school-age children. Arch Gen
Psychiatry. 1987 Dec; 44: 1057-1063.

56. Terr LC. Childhood traumas: an outline and overview. Am J Psychiatry. 1991;
148(1): 10-20.

166
57. Scheeringa, M.S.; Zeanah, C.H.; Drell, M.J.; Larrieu, J.A. 1995. Two approaches to
the diagnosis of post-traumatic stress disorder in infancy and early childhood. J Am
Acad Child Adolesc Psychiatry. 1995; 34: 191–200.

58. Scheeringa MS, Zeanah CH, Cohen JA. PTSD in children and adolescents: toward
an empirically based algorithm. Depress Anxiety, 2010; 0: 1-13.

59. Dyregrov A, Yule W. A review of PTSD in children. Child Adolesc Ment Health.
2006; (4):176–184.

60. Breslau N, Kessler RC, Chilcoat HD, Schultz LR, Davis GC, Andreski P. Trauma
and posttraumatic stress disorder in the community. The 1996 Detroit area survey of
trauma. Arch Gen Psychiatry. 1998 jul; 55: 626-632.

61. Copeland WE, Keeler G, Angold A, Costello J. Traumatic events and posttraumatic
stress in childhood. Arch Gen Psychiatry. 2007 May; 64: 577-584.

62. Gabbay V, Oatis MD, Silva RR, Hirsch GS. Epidemiological aspects of PTSD in
children and adolescents. In: Silva RS, editor. Posttraumatic stress disorder in children
& adolescents. New York: Norton & Company; 2004.p. 38-59.

63. Rojas VM, Lee TN. Childhood vs adult PTSD. In: Silva RS, editor. Posttraumatic
stress disorder in children & adolescents. New York: Norton & Company; 2004. p.
237-256.

64. Cook-Cottone C. Childhood posttraumatic stress disorder: diagnosis, treatment, and


school reintegration. School Psych Ver. 2004; 33:127-139.

65. Salmon K, Bryant RA. Posttraumatic stress disorder in children. The influence of
developmental factors. Clin Psychol Rev. 2002; 22(2): 163-188.

66. Vela JM, Massa JLP. Evaluacion clinica y psicopatologica del sindrome de estress
postraumatico en la infancia y la adolescencia. In: Congreso Virtual de Psiquiatría, I. 1
de Febrero - 15 de Marzo. Disponível em:
http://www.psiquiatria.com/congreso/mesas/mesa46/conferencias/46_ci_a.htm. 2000.
(10 mar. 2009)

67. Foy DW, Madvig BT, Pynoos RS, Camilleri AI. Etiologic factors in the
development of posttraumatic stress disorder in children and adolescents. J Sch Psychol,
1996; 34(2): 133-145.

68. Busuttil W. Complex post-traumatic stress disorder: a useful diagnostic framework?


Psychiatry. 2009; 8(8): 310-314.

69. Van der Kolk, BA. Developmental trauma disorder. Psychiatr Ann. 2005 May;
35(5): 401-408

70. Margolin G, Vickerman KA. Post-traumatic stress in children and adolescents


exposed to family violence: I. Overview and Issues. Prof Psychol Res Pr. 2007 Dec;
38(6): 613–619.

167
71. Scott ST. Multiple traumatic experiences and the development of posttraumatic
stress disorder. J Interpers Violence. 2007 Jul; 22(7): 932-938.

72. Macdonald A, Danielson CK, Resnick HS, Saunders BE, Kilpatrick DG. PTSD and
comorbid disorders in a representative sample of adolescents: the risk associated with
multiple exposures to potentially traumatic events. Child Abuse Negl. 2010 Mar;
34:773–783.

73. Cougle JR, Resnick H, Kilpatrick DG. Does prior exposure to interpersonal
violence increase risk of PTSD following subsequent exposure? Behav Res Ther. 2009;
47: 1012–1017.

74. Naar-King S, Silvern L, Ryan V, Sebring D. Type and severity of abuse as


predictors of psychiatric symptoms in adolescence. J Fam Violence. 2002 Jun; 17(2):
133-149.

75. Fowler PJ, Tompsett CJ, Braciszewski JM, Jacques-Tiura AJ, Baltes BB.
Community violence: a meta-analysis on the effect of exposure and mental health
outcomes of children and adolescents. Dev Psychopathol. 2009; 21(1): 227-59.

76. Steiner H, Garcia IG, Matthews Z. Posttraumatic stress disorder in incarcerated


juvenile delinquents. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 1997; 36: 357-365.

77. Cohen JA, Mannarino AP, Knudsen K. Treating childhood traumatic grief: a pilot
study. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 2004; 43(10):1225-1233.

78. Breslau N, Davis GC, Peterson EL, Schultz LR. A second look at comorbidity in
victims of trauma: the posttraumatic stress disorder–major depression connection. Biol
Psychiatry. 2000; 48: 902–909.

79. Goenjian AK; Walling D; Steinberg AM; Roussos A; Goenjian HA; Pynoos RS.
Depression and PTSD symptoms among bereaved adolescents 6½ years after the 1988
spitak earthquake. J Affect Disord. 2009; 112: 81–84.

80. Kilpatrick DG, Ruggiero KJ, Acierno R, Saunders BE, Resnick HS, Best CL.
Violence and risk of PTSD, major depression, substance abuse/dependence, and
comorbidity: results from the national survey of adolescents. J Consult Clin Psychol.
2003; 71(4): 692–700.

81. Famularo R, Fenton T, Kinscherff R, Augustyn M. Psychiatric comorbidity in


childhood posttraumatic stress disorder. Child Abuse Negl. 1996 oct; 20(10): 953-961.

82. Mazza JJ, Reynolds WM. Exposure to violence in young inner-city adolescents:
relationships with suicidal ideation, depression, and PTSD symptomatology. J Abnorm
Child Psychol. Vol. 27, No. 3, 1999, pp. 203-213.

83. Schields N, Nadasen K, Pierce K. Posttraumatic stress symptoms as a mediating


factor on the effects of exposure to community violence among children in Cape Town,
South Africa. Violence Vict. 2009; 24: (6): 786-799.

168
84. Ruchkin V, Henrich CC, Jones SM, Vermeiren R, Schwab-Stone M. Violence
exposure and psychopathology in urban youth: the mediating role of posttraumatic
stress. J Abnorm Child Psychol. 2007; 35:578–593.

85. Borges JL, Zoltowski APC, Zucatti APN, Dell‟Aglio DD. Transtorno de estresse
pós-traumático (TEPT) na infância e na adolescência: prevalência, diagnóstico e
avaliação, Aval. psicol. 2010; 9 (1):87-98.

86. Nader K, Pynoos R, Fairbanks L, Frederick C. Children´s reactions one year after a
sniper attack at their school. Am J Psychiatry. 1990 Nov; 147(11):1526-1530.

87. Rojas VM, Pappagallo M. Risk factors for PTSD in children and adolescents. In:
Silva RS, editor. Posttraumatic stress disorder in children & adolescents. New York:
Norton & Company; 2004. p. 38-59.

88. Lloyd DA, Turner RJ. Cumulative adversity and posttraumatic stress disorder:
evidence from a diverse community sample of young adults. Am J Orthopsychiatry.
2003; 73(4): 381-391.

89. Scheeringa MS, Wright MJ, Hunt JP, Zeanah CH. Factors affecting the diagnosis
and prediction of PTSD symptomatology in children and adolescents. Am J Psychiatry.
2006; 163:644–651.

90. Van IJzendoorn MH, Bakermans-Kranenburg MJ, Sagi-Schwartz A. Are children


of holocaust survivors less well-adapted? A meta-analytic investigation of secondary
traumatization. J Trauma Stress. 2003 oct; 16 (5): 459–469.

91. Duarte CS, Hoven CW, Wu P, Bin F, Cotel S, Mandell DJ, Nagasawa M, Balaban
V, Wernikoff L, Markenson D. Posttraumatic stress in children with first responders in
their families. J Trauma Stress. 2006 apr; 19(2): 301–306.

92. Hizli FG, Taskintuna N, Isikli S, Kilic C, Zileli L. Predictors of posttraumatic stress
in children and adolescents. Child Youth Serv Rev. 2009; 31: 349–354.

93. Quarantini LC, Netto R, Andrade-Nascimento M, Galvão AA, Sampaio AS,


Miranda-Scippa A, Bressan RA, Koenen KC. Transtornos de humor e de ansiedade
comórbidos em vítimas de violência com transtorno do estresse pós-traumático. Rev
Bras Psiquiatr. 2009, 31(suppl 2): S66-S76.

94. Birmes P, Raynaud JP, Daubisse L, Brunet A, Arbus C, Klein R, Cailhol L, Allenou
A, Hazane F, Grandjean H, Schmitt L. Children‟s enduring PTSD symptoms are related
to their family‟s adaptability and cohesion. Community Ment Health J. 2009; 45:290–
299.

95. Wickrama KAS, Kaspar V. Family context of mental health risk in Tsunami-
exposed adolescents: findings from a pilot study in Sri Lanka. Soc Sci Med. 2007; 64:
713–723.

96. Clapp JD, Beck JG. Understanding the relationship between PTSD and social
support: the role of negative network orientation . Behav Res Ther. 2009 mar; 47(3):
237-244.

169
97. Tavares J. A resiliência na sociedade emergente. In: Tavares J, organizador.
Resiliência e educação. São Paulo: Cortez; 2001.

98. Garmezy N. Stressors of childhood. In: Garmezy N, Rutter M, editors. Stress,


coping and development in children. New York: Johns Hopkins University Press; 1988.
p. 43-105.

99. Breslau N, Kessler R. The stressor criterion in DSM-IV posttraumatic stress


disorder: an empirical investigation. Biol Psychiatry. 2001; 50:699–704.

100. Hoven CW, Duarte CD, Turner JB, Mandell DJ. Child mental health in the
aftermath of disaster: a review of PTSD studies. In Neria Y, Galea S, Norris FH,
editors. Mental health and disasters. New York: Cambridge University Press; 2009. p.
218-232.

101. Garmezy N. Children in poverty: resilience despite risk. Psychiatry. 1993; 56: 127-
136.

102. Mello MF, Fiks JP. Aspectos históricos e diretrizes para o diagnóstico. In: Mello
MF, Bressan RA, Andreoli SB, Mari JJ, coordenador. Transtorno de estresse pós-
traumático: diagnóstico e tratamento. Barueri: Manole; 2006. 224 p.

103. Rutter M. Psychosocial resilience and protective mechanisms. Am J


Orthopsychiatry. 1988; 57(3): 316-331.

104. Rutter M. Pathways from childhood to adult life. J Child Psychol Psychiatry. 1989;
30 (1): 23-51.

105. Lucarelli MDM, Lipp MEN. Validação do inventário de sintomas de stress infantil
– ISS. Psicol Reflex Crit. 1999; 12(1): 71-88.

106. Cyrulnik, B. Os Patinhos Feios. São Paulo: Martins Fontes; 2004. 216 p.

107. Savoia MG. Escalas de eventos vitais e de estratégias de enfrentamento (coping).


Rev de Psiquiatr Clin. 1999; 26(2): 57-67.

108. Thabet AA, Abu Tawahina A, El Sarraj E, Vostanis P. Exposure to war trauma and
PTSD among parents and children in the Gaza strip. Eur Child Adolesc Psychiatry.
2008; 17:191–199.

109. Qouta S, Punamäki RL, Sarraj EE. Prevalence and determinants of PTSD among
Palestinian children exposed to military violence. Eur Child Adolesc Psychiatry. 2003;
12:265–272.

110. Catani C, Schauer E, Elbert T, Missmahl I, Bette JP, Neuner F. War trauma, child
labor, and family violence: life adversities and ptsd in a sample of school children in
Kabul. J Trauma Stress. 2009 jun; 22(3):163–171.

111. Thabet AA, Vostanis P. Post traumatic stress disorder reactions in children of war:
a longitudinal study. Child Abuse Negl. 2000; 24(2): 291–298.

170
112. Galovski T, Lyons JA. Psychological sequelae of combat violence: a review of the
impact of PTSD on the veteran‟s family and possible interventions. Aggress Violent
Behav. 2004; 9: 477–501.

113. Solomon Z, Kotler M, Mikulincer M. Combat-related posttraumatic stress disorder


among second-generation Holocaust survivors: preliminary findings. Am J Psychiatry.
1988; 145:865-868.

114. Wu P, Duarte CS, Mandell DJ, Fan B, Liu X, Fuller CJ, Musa G, Cohen M, Cohen
P, Hoven CW. Exposure to the World Trade Center attack and the use of cigarettes and
alcohol among New York city public high-school students. Am J Public Health 2006;
96(5): 804-807.

115. Hoven CW, Duarte CS, Mandell DJ. Children‟s mental health after disasters: the
impact of the World Trade Center attack. Curr Psychiatry Rep. 2003; 5:101-107.

116. Scrimin S, Axia G, Capello F, Moscardino U, Steinberg AM, Pynoos RS. Trauma
reminders and PTSD symptoms in children three years after a terrorist attack in Beslan,
Soc Sci Med. 2011; doi:10.1016/j.socscimed.2010.11.030.

117. Thienkrua W, Cardozo BL, Chakkraband ML, Guadamuz TE, Pengjuntr W,


Tantipiwatanaskul P, Sakornsatian S, Ekassawin S, Panyayong B, Varangrat A, Tappero
JW, Schreiber M, van Griensven F; Thailand Post-Tsunami Mental Health Study
Group. 2006. Symptoms of posttraumatic stress disorder and depression among children
in tsunami-affected areas in southern Thailand. JAMA. 2006 Aug 2; 296(5):549-59.

118. Evans LG, Oehler-Stinnett J. Structure and prevalence of PTSD symptomology in


children who have experienced a severe tornado. Psychol Sch. 2006; 43(3): 283-295.

119. Stallard P, Velleman R, Baldwin S. Prospective study of post-traumatic stress


disorder in children involved in road traffic accidents. BMJ. 1998 Dec; 317:1619-1623.

120. Bryant B, Mayou R, Wiggs L, Ehlers A, Stores G. Psychological consequences of


road traffic accidents for children and their mothers. Psychol Med. 2004; 34: 335–346.

121. Taïeb O, Moro MR, Baubet T, Revah-Lévy A, Flament MF. Posttraumatic stress
symptoms after childhood cancer. Eur Child Adolesc Psychiatry. 2003; 12:255–264.

122. Wolfe VV, Gentile C, Wolfe DA. The impact of sexual abuse on children: a PSTD
formulation. Behav Ther. 1989; 20:215-228.

123. Danielson CK, Macdonald A, Amstadter AB, Hanson R, Arellano MA, Saunders
BE, Kilpatrick DG. Risky behaviors and depression in conjunction with--or in the
absence of--lifetime history of PTSD among sexually abused adolescents. Child
Maltreat. 2010 feb; 15 (1): 101-107.

124. Souza ER, Mello Jorge MHP. Impacto da violência na infância e adolescência
brasileiras: magnitude da morbimortalidade. In: Lima CA, coordenador. Violência faz
mal à saúde. Brasília: Ministério da Saúde; 2006. p. 23-28.

125. Sociedade Brasileira de Pediatria. Guia de Atuação frente a maus-tratos na


infância e na adolescência. Rio de Janeiro: Sociedade Brasileira de Pediatria; 2001.

171
126. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção a Saúde. Departamento de
Ações Programáticas Estratégicas. Linha de cuidado para atenção integral a saúde de
crianças, adolescentes e suas famílias em situação de violências. Orientações para
gestores e profissionais de saúde. Brasília: Ministério da Saúde; 2010.

127. Assis SG. Aspectos conceituais da violência na infância e adolescência. In: Lima
CA., coordenadora. Violência faz mal à saúde. Brasília: Ministério da Saúde; 2006. p.
39-45.

128. Assis SG, Avanci JQ, Santos NC, Malaquias JV, Oliveira RVC. Violência e
representação social na adolescência no Brasil. Rev Panam Salud Publica/Pan Am J
Public Health. 2004; 16(1):43-51.

129. Assis SG, Deslandes SF. Abuso físico em diferentes contextos da socialização
infanto-juvenil. In: Violência faz mal à saúde de crianças e adolescentes. Brasília :
Ministério da Saúde, 2004. p. 47-58.

130. Sariola H, Uutela A. The prevalence and context of family violence against
children in Finland . Child Abuse Negl. 1992 Nov-Dec; 16(6): 823-832.

131. Caballero MA, Ramos L, González C, Saltijeral MT. Family violence and risk of
substance use among Mexican adolescents. Child Abuse Negl. 2010 Aug; 34(8): 576-
584.

132. Schenker M, Cavalcanti FG. Famílias que se comunicam através de violências. In:
Njaine K, Assis SG, Constantino P, organizador. Impactos da Violência na Saúde. 2ª ed.
Rio de Janeiro: Fundação Oswaldo Cruz; 2009. p. 197-213.

133. Assis SG, Avanci JQ, Pesce RP, Ximenes LF. Situação de crianças e adolescentes
brasileiros em relação à saúde mental e à violência. Cien Saude Colet. 2009; 14(2): 349-
361.

134. Levendosky AA, Huth-Bocks AC, Semel MA, Shapiro DL. Trauma symptons in
prescholl-age children exposed to domestic violence. J. Interpers. Violence. 2002 Feb;
17(2): 150-164.

135. Jarvis KL, Gordon EE, Novaco RW. Psychological distress of children and
mothers in domestic violence emergency shelters. J Fam Violence. 2005 Dec;
20(6):389-402.

136. Schen ACT. Long-term effects of interparental violence and child physical
maltreatment experiences on PTSD and behavior problems: A national survey of
Taiwanese college students. Child Abuse Negl. 2009; 33 : 148–160.

137. Widom CS. Posttraumatic stress disorder in abused and neglected children grown
up. Am J Psychiatry. 1999 Aug; 156(8):1223-1229.

138. Phelps LF, Mccart MR, Davies WH. The impact of community violence on
children and parents. Trauma Violence Abuse. 2002; 3(3): 194-209.

172
139. Sieger K, Rojas-Vilches A, Mckinney C, Renk K. The effects and treatment of
community violence in children and adolescents: what should be done? Trauma
Violence Abuse. 2004. 5(3): 243-259.

140. Aisenberg E, Ayón C, Orozco-Figueroa A. The role of young adolescents‟


perception in understanding the severity of exposure to community violence and PTSD.
J Interpers Violence. 2008 Nov; 23(11):1555-1578.

141. Stein BD, Jaycox H, Kataoka S, Rhodes HJ, Vestal KD. Prevalence of child and
adolescent exposure to community violence. Clin Child Fam Psychol Rev. 2003 Dec;
6(4): 247-264.

142. Richters JE, Martinez P. Things I have seen and heard: a structured interview for
assessing young children's violence exposure. Washington, DC: National Institute of
Mental Health; 1990.

143. Foster JD, Kuperminc GP, Price AW. Gender differences in posttraumatic stress
and related symptoms among inner-city minority youth exposed to community violence.
J Youth Adolesc. 2004; 33(1): 59-69.

144. Lynch M. Consequences of children´s exposure to community violence. Clin Child


Fam Psychol Rev. 2003 Dec; 6(4):265-274.

145. Fitzpatrick KM, Boldizar JP. The prevalence and consequences of exposure to
violence among African-American youth. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 1993
Mar; 32(2):424-30.

146. Osofsky JD. Young children and trauma. Intervention and treatment. New York,
The Guilford Press; 2004. 348 p.

147. Zavaschi ML, Benetti S, Polanczyk GV, Solés N, Sanchotene ML. Adolescents
exposed to physical violence in the community: a survey in Brazilian public schools.
Rev Panam Salud Publica/Pan Am J Public Health. 2002; 12(5): 327-332.

148. Assis SG, Pesce RP, Avanci JQ. Resiliência: enfatizando a proteção na
adolescência. Porto Alegre: Artmed; 2006. 144 p.

149. Ristum M. Violência na escola, da escola e contra a escola. In: Assis SG,
Constantino P, Avanci JQ, organizador. Impactos da violência na escola: um diálogo
com professores. Rio de Janeiro: Ministério da Educação; 2010.

150. Mathews T, Dempsey M, Overstreet S. Effects of exposure to community violence


on school functioning: The mediating role of posttraumatic stress symptoms. Behav Res
Ther. 2009; 47 : 586–591.

151. Assis SG, Oliveira RVC, Pesce RP, Ximenes LF, Avanci JQ. Acompanhando
crianças escolares vulneráveis socialmente: uma investigação sobre o impacto de alguns
determinantes sociais nos problemas de comportamento infantil, São Gonçalo-RJ. Rio
de Janeiro: CLAVES, FIOCRUZ; 2009. Relatório de pesquisa.

152. Assis SG, Ximenes LF, Avanci JQ, Pesce RP, Oliveira RVC, Lyra GF, et al. A
violência familiar produzindo reversos. Problemas de comportamento em crianças

173
escolares de São Gonçalo-RJ. Estudando o estresse pós-traumático. Relatório de
pesquisa. Rio de Janeiro: CLAVES, FIOCRUZ; 2007.

153. Assis SG, Carvalhães RVO, Avanci JQ, Pesce RP, Ximenes LF, Silva CMPF, et al.
Violência comunitária e problemas de saúde mental infantil. Proposta de análise
epidemiológica e espacial em escolares de São Gonçalo/RJ. Rio de Janeiro: CLAVES,
FIOCRUZ; 2010. Relatório de pesquisa.

154. Klein CH, Blosh KV. Estudos Seccionais. In: Medronho RA, organizador.
Epidemiologia. São Paulo: Editora Atheneu; 2006. p. 125-150.

155. Carlini-Cotrim BHRS, Barbosa MTS. Pesquisas Epidemiológicas sobre o uso de


drogas entre estudantes: um manual de orientações gerais. São Paulo: Centro Brasileiro
sobre Drogas Psicotrópicas; 1993.

156. Wechsler D. Wechsler intelligence scale for children: Third Edition (WISC III).
San Antônio, TX: Psychological Corporation; 1991.

157. Wechsler D. WISC-III: escala de inteligência Wechsler para crianças: Manual -


adaptação e padronização brasileira. 3ª ed. São Paulo: Casa do Psicólogo; 2002.

158. Racine Y, Boyle M. Family functioning and children´s behaviour problems. In:
Willms JD, editor. Vulnerable children: findings from Canada's national longitudinal
study of children and youth. editor. Edmonton: The University of Alberta Press; 2002.
p. 199-210.

159. Cook C, Willms JD. Balancing Work and Family life. In: Willms JD, editor.
Vulnerable children: findings from Canada's national longitudinal study of children and
youth. ed. Edmonton. Alberta: The University of Alberta Press; 2002. p. 183-198.

160. Pitzner JK, Drummond PD. The reliability and validity of empirically scaled
measures of psychological/verbal control and physical/sexual abuse: relationship
between current negative mood and a history of abuse independent of other negative life
events. J Psychosom Res. 1997; 2:125-142.

161. Kahn T, Bermergui C, Yamada E, Cardoso FC, Fernandes F, Zacchi JM, et al. O
dia a dia nas escolas (violências auto-assumidas). São Paulo: Instituto Latino
Americano das Nações Unidas para a Prevenção do Delito e Tratamento do
Delinqüente, Instituto Sou da Paz; 1999.

162. Achenbach TM, Rescorla LA. Manual for the ASEBA School-age forms &
profiles. Burlington, VT: University of Vermont, Youth & Families; 2001.

163. Ruggiero KJ, Mcleer SV. PTSD scale of the Child Behavior Checklist: concurrent
and discriminant validity with non-clinic-referred sexually abused children. J Trauma
Stress. 2000; 13(2):287-299.

164. Figueiredo VLM, Mattos VLD, Pasquali L, Freire AP. Propriedades psicométricas
dos itens do teste WISC-III. Psicol. Estud. 2008 jul/set; 13(3): 585-592.

165. Cunha JA. Psicodiagnóstico-V. Porto Alegre: Artes Médicas; 2000. 678 p.

174
166. Kaufman AS. Intelligent testing with the WISC-R. New York: Wiley; 1979.

167. Tramontina S, Martins S, Michalowski MB, Ketzer CR, Eizirik M, Biederman J,


Rohde LA. Estimated mental retardation and school dropout in a sample of students
from state public schools in Porto Alegre, Brazil. Rev Bras Psiquiatr. 2002; 24(4): 177-
181.

168. Grossman FM. Interpreting WISC-R verbal-performance discrepancies: a note for


practitioners. Percept Mot Skills, 1983; 56(1): 96-98.

169. Mari JJ, Williams P. A validity study of a psyquiatric screening questionnaire


(SRQ-20) in primary care in the city of São Paulo. Br J Psychiatry.1986; 148: 23-6.

170. Avanci JQ, Assis SG, Santos NC, Oliveira RVC. Adaptação transcultural de escala
de auto-estima para adolescentes. Psicol Reflex Crit. 2007; 20(3):397-405.

171. Trickett PK; Durán L, Horn JL. Community violence as it affects child
development: issues of definition. Clin Child Fam Psychol Rev. 2003; 6(4): 223-236.

172. Malik NM. Exposure to domestic and community violence in a nonrisk sample:
associations with child functioning. J Interpers Violence. 2008; 23: 490-504.

173. Dehon C, Scheeringa MS. Screening for preschool posttraumatic stress disorder
with the Child Behavior Checklist. J Pediatr Psychol. 2006; 31(4):431-435.

174. Avanci JQ; Assis SG, Santos NC, Oliveira RVC. Escala de violência psicológica
contra adolescentes. Rev Saude Publica. 2005; 39(5):702-708.

175. Steinberg AM, Brymer MJ, Decker KB, Pynoos RS. The University of California
at Los Angeles Post-traumatic Stress disorder reaction index. Curr Psychiatry Rep.
2004; 6(2):96-100.

176. Hasselmann MH, Reichenheim ME. Adaptação transcultural da versão em


português da Conflict Tactics Scales Form R (CTS-1), usada para aferir violência no
casal: equivalência semântica e de mensuração. Cadernos de Saúde Pública. 2003;19(4):
1083-1093.

177. Herdman M, Fox- Rushby J, Badia X. A model of equivalence in the cultural


adaptation of HRQol Instruments: The universalist approach. Qual Life Res. 1998;
4:323-335.

178. Moraes CL. Aspectos metodológicos relacionados a um estudo sobre a violência


familiar durante a gestação como fator de propensão da prematuridade do recém-
nascido [tese de doutorado não-publicada].[Rio de Janeiro]: Curso de Pós-Graduação
em Ciências, Escola Nacional de Saúde Pública, Fundação Oswaldo Cruz; 2001.

179. Scrimin S, Axia G, Capello F, Moscardino U, Steinberg AM, Pynoos RS.


Posttraumatic reactions among injured children and their caregivers 3 months after the
terrorist attack in Beslan. Psychiatry Res. 2006; 141: 333– 336.

175
180. Steinbaum DP, Chemtob C, Boscarino JA, Laraque D. Use of a Psychosocial
Screen to Detect Children With Symptoms of Posttraumatic Stress Disorder: An
Exploratory Study. Ambul Pediatr. 2008 Jan-Fev; 8(1): 32-35.

181. Giaconia R, Reinherz H, Silverman A, Bilge P, Frost A, Cohen E. Traumas and


posttraumatic stress disorder in a community population of older adolescents. J Am
Acad Adolesc Psychiatry. 1995; 34: 1369-1380.

182. Koenen KC, Widom CS. A prospective study of sex differences in the lifetime risk
of posttraumatic stress disorder among abused and neglected children grown up. J
Trauma Stress. 2009 Dec; 22(6): 566–574.

183. Scheeringa MS. Developmental Considerations for diagnosing PTSD and acute
stress disorder in preschool and school-age children. Am J Psychiatry. 2008 Oct;
165(10): 1237-1239.

184. Loo CM, Fairbank JA, Chemtob CM. Adverse racerelated events as a risk factor
for posttraumatic stress disorder in Asian American Vietnam veterans. J Nerv Ment Dis.
2005; 193(7):455-463.

185. UNICEF. Homicídios na adolescência no Brasil: IHA 2005/2007 / Unicef ;


Secretaria de Direitos Humanos ; Observatório de Favelas ; Laboratório de Análise da
Violência ; Programa de Redução da Violência Letal. Brasília: Secretaria de Direitos
Humanos; 2010.

186. Lynch M, Cicchetti D. An ecological-transactional analysis of children and


contexts: The longitudinal interplay among child maltreatment, community violence,
and children‟s symptomatology. Dev Psychopathol. 1998; 10: 235–257.

187. Lauridsen-Ribeiro E, Tanaka OY. Problemas de saúde mental em crianças:


abordagem na atenção básica. São Paulo: Annablume; 2005. 140 p.

176
ANEXOS

177

Você também pode gostar