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O Direito Civil do ponto de vista formal e sistemático

Critérios de distinção entre o Direito Público e o Direito Privado

Inicialmente, é necessário distinguir direito público do direito privado. Somos confrontados com diversas doutrinas que
estabelecem critérios destinados a esta distinção.

Teorias Objetivas
- Teoria dos Interesses - as normas de direito público tutelam interesses públicos/da coletividade e as normas de direito
privado tutelam interesses privados.
Não pode ser aceite porque:
1) Encontramos normas de direito privado que tutelam interesses públicos (a norma de direito privado que impõe a necessidade
de um documento escrito e autenticado, para a troca de um imóvel, tutela também interesses públicos).
2) Encontramos normas de direito público que tutelam interesses privados (a norma de direito penal que impune o homicídio
tutela interesses públicos, mas também tutela interesses particulares porque o que está em causa é a vida de cada um).

- Teoria do Interesse Predominante/Prevalecente - as normas de direito público tutelam, em primeira linha,


predominantemente, interesses públicos e as normas de direito privado tutelam, em primeira linha, predominantemente,
interesses privados.
Não pode ser aceite porque:
1) Através da interpretação da norma, podemos aceder aos interesses por ela tutelados, mas é difícil determinar uma hierarquia
de importância entre os interesses.
2) Há normas de direito privado que, em primeiro lugar, parecem tutelar direito público (caso conseguíssemos fazer essa
hierarquia), como, p.e., as normas imperativas e as normas respeitantes às fundações (as finalidades das fundações têm de ser
necessariamente de interesse público).

Chegamos à conclusão que estes 2 critérios objetivos, que estudam o objeto da norma, não eram suficientes, então surgem os
critérios subjetivos que estudam não só o objeto da norma, como também o sujeito que a norma afeta.

Teorias Subjetivas
- Teoria da Posição Relativa dos Sujeitos - as normas de direito público regulam relações de supra-infra-ordenação (os
sujeitos não estão no mesmo patamar de igualdade) e as normas de direito privado regulam relações de paridade/igualdade (os
sujeitos já se encontram no mesmo patamar).
Não pode ser aceite porque:
1) Há normas de direito público que regulam relações em que os sujeitos estão numa relação de igualdade (como as normas de
DIP, onde os Estados estão numa relação de paridade; como as normas de autarquias locais).
2) Há normas de direito privado que regulam relações entre sujeitos que estão numa relação de supra-infra-ordenação (como no
direito do trabalho, onde a entidade patronal se coloca numa posição superior em relação ao trabalhador; como no direito da
família, onde os filhos têm o dever de obediência aos pais).

- Critério da Identidade dos Sujeitos - as normas de direito privado são as que disciplinam/regulam relações entre
particulares e as normas de direito público são as que regulam/disciplinam as relações entre particulares e o Estado ou outros
entes públicos, ou entre entes públicos entre si. Portanto, o direito público distinguir-se-ia do direito privado através da presença
do Estado.
Não pode ser aceite porque:
1) Há situações em que o Estado pode assumir a veste de um particular.
2) Há situações em que os particulares se relacionam entre eles através de normas de direito público (como as normas que
disciplinam os concursos de acesso à função pública, estas permitem que os particulares se relacionem entre si através de
normas de direto público).
Assim, a presença do Estado não é suficiente para dizer que estou ou não no âmbito de direito público ou privado. Se não
podemos atender à identidade dos sujeitos, atenderemos, então, à sua qualidade.
- Teoria da Qualidade dos Sujeitos - as normas de direito público disciplinam as relações entre particulares e o Estado ou
outros entes públicos, ou entre entes públicos entre si, desde que o Estado ou os outros entes públicos surjam no mínimo
revestidos de ius imperium (poder de império ou poder de autoridade pública) e as normas de direito privado regulam as
relações entre dois particulares ou entre particulares e o Estado ou entre particulares e outros entes públicos, desde que o Estado e
esses outros entes públicos surjam despidos de ius imperium. Portanto, para termos normas de direito público, já não basta a
presença do Estado, é necessário que este esteja dotado de um poder de imitir comandos vinculativos contra aqueles a quem se
dirigem (ius imperium) e a este poder de imitir comandos vinculativos corresponde o dever de obediência pelos seus
destinatários.

Este é o critério acolhido pelo nosso ordenamento jurídico, mas mesmo assim ainda transmite algumas imperfeições.
1) Há normas que se tornam difícil de perceber se integram o direto público (como as normas que regulam o funcionamento das
pessoas coletivas públicas) e não se explica o porquê de não integrarem o direito público (como as leis novas que disciplinam a
atribuição de subsídios).
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2) Não especifica o que é o ius imperium.

Vejamos a sua presença no nosso Código Civil:


• Art. 501.º - o Estado também pode causar danos às pessoas pelo que é civilmente responsável, tendo que indemnizar os
lesados. Se o Estado surgir como um mero particular e a lesão ocorrer no quadro de um ato de gestão privada, aplica-se o art.
501.º. Se for um ato de gestão pública (o agente que causou o dano estava a atuar como Estado), aplica-se as regras da Lei da
Responsabilidade Civil do Estado (Lei nº 67/2007). Se um médico atuar numa clínica e provocar um dano a um paciente, é
responsável de acordo com o art. 501.º; Se atuar no SNS, vai ser responsável nos termos da Lei nº 67/2007.
• Art. 1304.º - no âmbito dos direitos reais que incidem sobre as coisas, o Estado surge com uma dupla qualidade e em função
disso fica sujeito a regimes diferentes. Relativamente aos bens do Estado, temos bens pertencentes ao domínio público e outros
pertencentes ao domínio privado (o Estado surge como um particular), sendo que estes últimos têm o seu regime no CC.
• Arts. 2133.º e 2153.º - quanto ao direito sucessório e herdeiros segundo ordem estabelecida, numa relação sucessória, o Estado
é igual aos particulares (pode ser herdeiro e tem os mesmos direitos e deveres que qualquer outro particular).

Dificuldades na distinção entre direito público e direito privado:


A atividade administrativa modificou-se, ou seja, se o médico atuar na sua clínica e causar um dano, ele será o responsável e se
atuar numa clínica pública, o responsável é o Estado.
Surgem hoje outros ramos do direito que são tanto normas de direto público como de direito privado (como o direito do consumo
- tanto é composto por normas preferencialmente de direito privado, mas também de direito público).

Importância na distinção entre direito público e direito privado:


O regime jurídico aplicado será diferente consoante o ramo do direito envolvido.
A competência dos tribunais é diversa - se estivermos a lidar com um problema de direito público, temos os tribunais
administrativos e fiscais; se estivermos a lidar com um problema de direito privado, os tribunais competentes são os tribunais
comuns (cíveis).
Quanto à intencionalidade de cada um dos ramos do direito - no âmbito do direito privado prevalece uma ideia de liberdade e
uma ideia de justiça comutativa; no âmbito do direito público prevalece uma ideia de legalidade e uma ideia de justiça
distributiva.

Importância da intencionalidade do direito privado:


1) Para garantir a compreensão dos diversos regimes jurídicos
2) Para a autonomia do direito privado.

Esta autonomia pode ser posta em causa por correntes de constitucionalização do direito privado:
1) As normas de direito civil têm que se mostrar compatíveis com a Constituição, caso contrário são inconstitucionais.
2) A nossa CRP consagra, no art. 18.º, uma solução importante ao dizer que os DLG são diretamente invocáveis nas relações
entre privados.
3) Na interpretação que se faça de determinados conceitos gerais, temos que recorrer sempre aos princípios constitucionais (p.
e., no art. 280.º necessitamos dos princípios constitucionais para concretizar estes conceitos).

Apesar deste impacto do direito constitucional sobre o direito privado, a verdade é que o direito privado mantém a sua
intencionalidade - sabemos que a nossa CRP consagra o Princípio da Igualdade, mas o direito privado é totalmente discriminatório e
desigualitário, assente na ideia de liberdade, ou seja, a intencionalidade destes 2 ramos é completamente diferente. Assim, o direito
civil mantém as suas sanções próprias, sendo que a sanção típica do direito constitucional é a inconstitucionalidade das normas, a
sanção típica do direito civil é a responsabilidade civil e a invalidade dos atos (que se podem transformar na ilicitude dos atos).

O Direito Civil no contexto do Direito Privado

Dentro do direito privado, o direito civil surge como direito privado geral.
Inicialmente, todo o direito era civil, era o direito dos cidadãos no direito romano, e o direito público só surgiu com a
autonomização do Estado.
Com a complexificação de determinadas normas, foram surgindo medidas especiais de proteção, ou seja, foi necessário criar
regras especiais que se foram agregando, constituindo um corpo autónomo e coeso, acabando por conduzir ao aparecimento do
direito privado especial (como aconteceu com o direito comercial através do desenvolvimento da atividade mercantil, ou com o
direito do trabalho através da revolução industrial). O direito civil, enquanto direito privado geral, é, por isso, a matriz e génese dos
restantes ramos de direito privado especial.
O direito civil pode ser visto como o direito-mãe (os outros ramos do direito privado especial derivam do direito civil/direito
privado geral) e tem o papel de direito subsidiário porque, apesar dos ramos de direito privado especial serem autónomos, no que
não está explicitamente autonomizado, aplica-se o direito civil.

O Direito Civil do ponto de vista material

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Princípios Fundamentais de Direito Civil

O direito civil trata de relações entre particulares, no seu quotidiano e em todas as dimensões da vida. Atinge mais extensamente
e intensamente o homem porque vai disciplinar aspetos da sua vida antes do seu nascimento, durante toda a sua vida adulta, e até
mesmo alguns aspetos depois de morrer. O direito civil não é neutro do ponto de vista axiológico, convoca uma certa
intencionalidade, tendo como vetores essenciais a responsabilidade e a autonomia.
Importa aceder ao sentido e à intencionalidade do ramo através do estudo de alguns dos princípios fundamentais que o
estruturam.

Princípio do Personalismo Ético


Este princípio é a marca distintiva da disciplina jus-privatística. Caminhou-se de um direito civil material assente na Pessoa e na
ineliminável dignidade ética. No centro direito civil está o ser-pessoa.

INDIVÍDUO - Durante muito tempo o homem foi considerado um mero indivíduo. O iluminismo forjou o indivíduo que era
um “eu” solitário consigo mesmo, era o ser da consciência, egoísta, fechado sobre si mesmo e agia consoante queria desde que não
afetasse o outro. Assim, o outro era visto como uma barreira à satisfação das necessidades do indivíduo e um obstáculo à livre
fruição do mundo.

PESSOA - Percebeu-se que o homem não deveria ser apenas concebido como indivíduo, tinha que ser concebido sim como
pessoa. Não nos conseguimos desenvolver em isolamento e é através do outro que o “eu” se conhece por inteiramente digno (é na
dialética do “eu” e “tu” que cada um reconhecesse a sua dignidade humana - se o “tu” se degradar, através de comportamentos e
escolhas, o “eu” apenas se reconhece nessa degradação). A pessoa é necessariamente um ser de relação, mas a relação de respeito
entre o “eu” e o “tu” tem de ser transcendente, para que não haja a tal degradação dos seres humanos. Concluímos que o sujeito do
direito civil não é sozinho, mas sim a pessoa que, ao estabelecer a relação com o outro, pressupõe uma dimensão ético-axiológica. A
pessoa não é uma categoria ontológica ou antropológica, mas ético-axiológica.
Corolários do Personalismo Ético ao nível do Direito Civil:
1) Consequências no modo como compreendemos o direito subjetivo.
2) O direito civil vai reconhecer o ser humano como um ser de dignidade própria e originária (arts. 66.º/1 e 14.º CC; art. 12.º
CRP).
3) Determina o reconhecimento de direitos de personalidade.
4) Consequências ao nível de como compreendemos a liberdade (não é uma liberdade negativa, mas é pensável só no encontro
com o outro).
5) Consequências ao nível da compreensão da responsabilidade (a responsabilidade já não é um limite da liberdade).
6) O direito civil vai ter de conceber obrigatoriamente personalidade e capacidade jurídica a todos os homens, sem exceção.
7) Vai conduzir a uma compreensão do direito de propriedade não individualista (proscrevem-se as formas de egoísmo
individualista).
8) Vai permitir a afirmação da família como polo de integral desenvolvimento da pessoa.

Todos os restantes princípios que estudaremos serão também eles influenciados por esta ideia central de que partimos: a pessoa
(que não se confunde com o indivíduo) é uma entidade ético-axiológica.

Princípio da Autonomia Privada


A autonomia privada diz-nos que o sujeito é iminentemente livre no âmbito do direito privado. Todavia, a liberdade não foi
sempre entendida do mesmo modo.

No período iluminista liberal, a liberdade era uma mera liberdade negativa. Havia uma restrição à liberdade sempre que
houvesse uma imposição do exterior. O homem é livre se não encontrar obstáculos na realização das suas necessidades.

Surge, então, a liberdade positiva que se identifica com a autonomia. É a possibilidade que eu tenho por optar entre diversas
alternativas de ação, de fazer as minhas próprias escolhas.

A liberdade tutelada e protegida pelo direito civil não é só a liberdade negativa, nem esta liberdade positiva no sentido de
possibilidade de escolha, mas sim a liberdade que tem um conteúdo ético-axiológico. É a liberdade, não do indivíduo que vê o outro
como um obstáculo, mas a liberdade da pessoa, que só se realiza no encontro com o outro e que tenha como fundamento a
dignidade da pessoa humana.

Não configura um ato de liberdade cada um de nós amputar os seus braços por razões estéticas por ter visto uma estátua (uma
obra de arte) assim que queria imitar. Não é um ato de liberdade positiva porque esta escolha não tem como fundamento a dignidade
da pessoa humana, mas sim um simples querer arbitrário que acaba por destruir o próprio ser humano.

Consequências:
1) A autonomia assim concebida impede que o sujeito invoque a sua liberdade para levar a cabo atos que atentam
diretamente contra a sua liberdade (como na tentativa de invocar a liberdade para fundamentar um ato de suicídio ou para
legitimar a prostituição, entre outros).
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2) Ao ser livre, a pessoa, porque é um ser de relação, é simultaneamente responsável (pelo outro e perante o outro). A
responsabilidade não é só vista apenas como uma responsabilidade perante o outro, mas como um limite à minha própria
liberdade. A minha liberdade envolve, ela própria, a responsabilidade. Sou responsável pelo outro porque sempre que eu
exercito a minha liberdade, tenho que o fazer cumprindo uma série de deveres que me permitam agir com o outro, com o
respeito que ele merece.

A autonomia realiza-se através de 2 instrumentos: 1) pelo direito subjectivo e 2) pelo mundo dos negócios, preferencialmente,
os contratos (porque se baseia na vontade dos contraentes, e, portanto, na sua liberdade).

A autonomia e a liberdade, embora sejam pilares do direito civil, não conhecem a mesma amplitude em todos os domínios do
direito civil.

• Direitos de personalidade: são os direitos que temos sobre nós próprios e sobre os bens da nossa personalidade, sendo que há
alguma margem de liberdade, mas é possível limitá-los através do consentimento, mas há limites para os limites, ou seja, a
limitação dos direitos de personalidade fica condicionada pelos limites da ordem pública, pelos limites dos bons costumes e
pelos limites da salvaguarda da própria ideia de pessoa. Então, o sujeito pode fazer tudo aquilo que não contrarie o
fundamento último do reconhecimento dessa sua autonomia que é a sua própria dignidade como pessoa.

• Direito da família: há uma ampla margem de liberdade no sentido em que, por exemplo, qualquer um pode decidir se quer
casar, com quem quer casar e quando quer pôr fim ao casamento, mas essa liberdade acaba ali (se a pessoa decide que ser casar,
então casa-se, mas depois não pode deixar de cumprir os deveres subjacentes, como o dever de fidelidade), ou então, não pode
renunciar ao estudo de familiar (p. e., um pai não pode deixar de ser pai, porque é um vínculo para toda a vida que acarreta
responsabilidade).

• Direitos reais: são os direitos sobre as coisas (o direito de propriedade é um direito real) onde há uma grande margem de
liberdade, mas dentro de determinados limites, sendo que o legislador consagrou um princípio de tipicidade. Quer aos modos de
aquisição da propriedade, não pode haver outros direitos reais que não sejam aqueles que estão previstos pelo legislador. Quer
aos direitos reais que se pode constituir, só pode ser considerado direito real aquilo que o legislador consagrou como tal. Então,
não se pode criar direitos reais ad hoq e só posso adquirir esses direitos reais de acordo com as formas de aquisição previstas pelo
legislador.

• Direito sucessório: é o direito que regula o fenómeno sucessório (o que acontece aos bens da pessoa quando morre), aqui o
sujeito tem a liberdade de celebrar um testamento e a liberdade de transmissão sucessória (pode decidir a quem vai deixar os seus
bens), mas há um limite que decorre da chamada legítima (a legítima é a quota indisponível do património do sujeito), porque
obrigatoriamente uma parte do património do falecido tem que ser atribuída aos seus herdeiros legitimários (os que não podem ser
afastados da sucessão - os filhos e o cônjuge).

• Direito das obrigações: incide sobre os direitos de crédito (poder do sujeito exigir de outro a realização de uma prestação), aqui
a ideia de autonomia privada agiganta-se e vamos confrontar-nos com duas figuras: os contratos (o grosso dos negócios jurídicos
são integrados por, pelo menos, duas declarações de vontade de sentido oposto, mas convergente; exemplo - no contrato de
compra e venda, A quer vender e B quer comprar) e os negócios jurídicos unilaterais (negócios integrados por apenas uma
declaração negocial, ou então por várias que estão sempre no mesmo sentido de maneira a formar uma só parte ou um só lado;
exemplo - no testamento, só há uma declaração de vontade que é a do testador). Os negócios jurídicos unilaterais estão sujeitos
a um princípio de tipicidade (apenas podem ser celebrados os previstos pelo Legislador). Nos contratos temos uma ampla
margem de autonomia privada, ao ponto de podermos autonomizar um princípio - Princípio da Liberdade Contratual.

A Liberdade Contratual conhece 3 grandes dimensões:


- Liberdade de celebração ou não celebração do contrato - a ninguém pode ser imposta a celebração de um contrato e a
ninguém pode ser vedada a possibilidade de celebrar um contrato (ou seja, cada um é livre de celebrar ou não um contrato).

Mas, há situações em que há o dever de contratar:


• O contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel é obrigatório para todos aqueles que queiram circular com o seu
automóvel.
• A lei nº 23/1996 impõe, no âmbito dos serviços públicos essenciais, a obrigatoriedade de celebração de contrato.
• Quanto às empresas que funcionam em regime monopolista.
• No caso de certas profissões liberais, p. e., pode não haver a possibilidade de um médico recusar a celebração do contrato de
prestação de serviços médicos.

• Além disso, a validade de um contrato pode ficar dependente da intenção de um terceiro, como na venda a filhos ou netos
do art. 877.º - se A tem 2 filhos, B e C, não pode vender um apartamento a B, se não tiver a aprovação de C (isto não vale para
doações).

- Liberdade de escolha da contraparte - cada um é livre de escolher com quem contrata ou não contrata, é esta a marca de
água do direito civil que é profundamente discriminatório e desigualitário, na medida em que permite que se celebre um contra
com A, em detrimento de B, sem qualquer razão justificativa.

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Mas, há situações em que é proibido celebrar certos contratos com certas pessoas:
• São as hipóteses de indisponibilidades relativas presente no art. 953.º, aplicável às doações.
• Com a existência de direitos legais de preferência. P. e., A celebrou um contrato de arrendamento com B e, a certa altura, A
decidiu que quer vender esse apartamento que está arrendado - em regra, de acordo com o princípio da liberdade contratual, pode
decidir a quem quer vender -, mas B tem um direito legal de preferência, então A, no momento em que decide que quer vender,
tem que comunicar primeiro a B essa mesma intenção. Significa que B, de todos os possíveis compradores, está no primeiro lugar
da lista e, portanto, A só pode escolher a quem vender o apartamento se o B não disser que quer comprar o apartamento, ou seja,
se B não quiser preferir.
• Podemos ter ainda direitos convencionais de preferência, situações em que a preferência não é atribuída por lei, mas que
resulta de um contrato que a pessoa celebrou. P. e., posso celebrar um contrato com A, nos termos do qual, se um dia quiser
vender a minha casa, eu dou-lhe preferência. Não há aqui uma verdadeira limitação à liberdade contratual porque eu auto-
vinculei-me àquela preferência, não foi o legislador que o impôs, não tenho que justificar a minha escolha. Todavia, isso deixa de
ser assim quando há um pendor discriminatório que afete bens essenciais da personalidade (com base na religião, raça, etc.), aí
temos uma limitação ao princípio da liberdade contratual.

- Liberdade de conformação do conteúdo do contrato - de forma geral, eu posso criar o conteúdo do contrato que quiser (art.
405.º). De apodo com este princípio, os sujeitos podem celebrar contratos típicos (contratos previstos na lei), podem celebrar
contratos atípicos (que não estão na lei, mas que as partes modelaram de acordo com os seus interesses), podem combinar regras
de vários tipos contratuais, podem inserir dentro do contrato as cláusulas que entenderem. Então, podemos ter contratos típicos,
contratos atípicos e mistos.

Limites:
• Limites impostos por normas imperativas (não podem ser afastadas pelos destinatários a quem se dirigem);
• Limites impostos ao objeto do negócio jurídico (art. 280.º);
• Limites impostos pela boa-fé;
• Limites impostos pelos contratos de adesão.

Contratos de adesão
Regra geral, quando se celebra um contrato tem que haver uma proposta e uma aceitação. Entre estas aparece a negociação a
mediar, para que a conformação final do contrato resulte de um encontro de vontades entre os 2 sujeitos. Mas há situações em que
isto não é possível e é aí que surge os contratos de adesão. Estes contratos são uma realidade negocial cada vez mais frequente nos
nossos dias e que vem dar resposta às necessidades prementes/urgentes da vida quotidiana.

Os contratos de adesão são contratos nos quais as cláusulas contratuais são redigidas de forma prévia e unilateral, limitando-se o
outro sujeito a aderir ou rejeitar. Então, temos um sujeito - o predisponente - que vai elaborar as cláusulas de forma unilateral, prévia
e rígida (onde não há qualquer negociação), e há um outro sujeito - o aderente - que se limita a aderir/aceitar ou não.
Quanto se associa a estas 3 características (unilateralidade, rigidez e caracter prévio da elaboração das cláusulas) uma 4ª
característica - a generalidade -, diz-se que os contratos foram assinados com recurso a cláusulas contratuais gerais. A maioria dos
contratos celebrados agora têm estas cláusulas (contratos com as operadoras de comunicações, com fornecedores e prestadores de
energia elétrica, água, gás, etc.).

A minha liberdade passa apenas por aceitar ou não aceitar e isto comporta riscos:
- Risco de desconhecimento das cláusulas - como as cláusulas são elaboradas de forma prévia, rígida e unilateral, muitas
vezes são elaboradas em termos formais e em tamanho muito pequeno.
- Adesão a cláusulas injustas ou abusivas - esta liberdade da pessoa em aderir ou não aderir é muito reduzida porque a pessoa
pode, de facto, recusar o contrato caso perceba que as cláusulas são abusivas, mas como são áreas de contratação que abrangem
bens essenciais e são fornecidos por empresas que funcionam em regime monopolista (única empresa que fornece) ou
oligopolista (várias empresas fornecem, mas as cláusulas são idênticas), então esta liberdade, existente na teoria, é limitada.
- Riscos processuais - muitas vezes a pessoa, mesmo confrontada com cláusulas abusivas, pensa que vai ter dissabores e
despesas com custos judiciais, vai ter que contratar um advogado que a represente, sabendo que do lado outro lado encontra uma
pessoa coletiva com ótimas condições de litigaria, então a reação da maioria dos consumidores é a inação.
O legislador decidiu intervir, em face destes riscos, com o DL nº 446/85, que foi sucessivamente alterado, mas a sua estrutura
base é a mesma e estabelece 3 grandes níveis de controlo que vão dar resposta aos 3 grandes riscos:

- Controlo ao nível da formação do contrato - o Legislador estabeleceu 2 grandes deveres: o dever de comunicação e o
dever de informação (arts. 5.º, 6.º e 8.º do DL).
- Dever de comunicação: todas as cláusulas têm que ser comunicadas de forma prévia, de forma integral e de forma
adequada, a garantir o efetivo conhecimento por parte do aderente, se não forem comunicadas assim, consideram-se não
escritas e que não existem.
- Dever de informação: o predisponente tem o dever de informar, explicando o sentido e o alcance das diversas cláusulas. É
um dever duplo - dever de informação espontâneo (deve ser cumprido independentemente de qualquer solicitação por parte do
aderente; é importante que exista este dever porque às vezes as cláusulas são redigidas de modo tão técnico que o próprio
aderente pode não se aperceber do problema e pode não estar em condições de formular questões) e dever de informação
provocado (trata-se de um dever de esclarecimento provocado). Se este dever de informação for violado, as cláusulas dão-se
por não escritas.
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- Controlo ao nível do conteúdo do contrato - o Legislador previu longas listas de cláusulas abusivas, que podem ser
absolutamente proibidas (são sempre proibidas independentemente de qualquer circunstância) ou relativamente proibidas (são
cláusulas suspeitas - são proibidas, mas têm que ser analisadas de acordo com o quadro negocial padronizado). Estão nos arts.
18.º, 19.º, 21.º e 22.º do DL. Se for inserida no contrato uma destas cláusulas, essa será nula; e uma cláusula, que mesmo que não
esteja prevista nesta lista, pode vir a ser considerada nula se em concreto violar a boa fé.

- Controlo ao nível processual - o Legislador consagrou a chamada ação inibitória. Nos arts. 25.º e 26.º, temos uma reação/
controlo a priori, um controlo prévio. Mesmo antes da inserção de uma das condições gerais num contrato individual, é possível
solicitar ao tribunal que avalie o caráter abusivo de uma condição geral que, a ser atestado, passa a ser proibitiva, devendo ser
retirada das condições gerais de contratação do predisponente. Então, permite a certas entidades, como os tribunais, a agir antes
de existir o litígio, e antes sequer de se celebrar qualquer contrato com cláusulas contratuais gerais e pedir que elas sejam
declaradas proibidas e retiradas das condições gerais de contratação.

Assim, os contratos de adesão vão introduzir 2 tipos de limites à liberdade contratual:


- Limitações fácticas (quando celebro um contrato, não estou a modelar o seu conteúdo, limito-me a aderir, não tenho
liberdade quanto à conformação do conteúdo do contrato).
- Limitações normativas (porque o Legislador controla efetivamente o conteúdo do contrato e com mais rigor do que se fosse
negociado).

Princípio da Boa-fé
A boa-fé pode ser entendida num:
- Sentido subjectivo - traduz o estado de espírito/estado psicológico, daquele que acredita que está a atuar em conformidade
com o direito, ou seja, daquele que acredita que está a atuar sem levar direitos alheios.
• Perspetiva meramente psicológica (sem que se exija a ausência de culpa) - o sujeito acredita que está a atuar sem levar
direitos alheios, então está a atuar de boa fé, caso contrário estaria a atuar de má fé (art. 243.º/2/3).

• Perspetiva ético-psicológica - o sujeito acredita que está a atuar sem levar direitos alheios e acredita sem qualquer culpa,
portanto está de boa fé; se o sujeito acreditar que está a atuar sem levar direitos alheios, mas tiver culpa no desconhecimento,
então já estaria a atuar de má fé. Menezes Cordeiro defende que a boa-fé subjetiva deve ser sempre interpretada no sentido da
conceção ético-psicológica, ou seja, nunca relevaria o simples desconhecimento, exigindo-se antes o descontentamento sem
culpa. O art. 291.º/3 fala-nos da boa-fé no sentido subjetivo, numa acessão ético-psicológica, visto que exige que ele não
tenha culpa.

- Sentido objetivo - traduz o verdadeiro princípio da boa-fé. Aqui não falamos em má-fé, mas sim em contrariedade ao princípio
da boa-fé.
O princípio da boa-fé impõe que os contraentes sejam honestos, leais e corretos. Este princípio atua ao nível contratual, mas vai
um pouco além do mundo do contrato, ou seja, pode ser invocado no âmbito de qualquer relação de pessoas certas e determinadas e
não necessariamente a nível contratual.
Este princípio vai atuar na fase contratual (art. 762.º), mas também na fase pré-contratual quando ainda só há negociações (art.
227.º) e na fase pós-contratual (construção doutrinária). Mesmo depois de terminado o contrato, as partes continuam vinculadas a
estes deveres de honestidade, lealdade, sigilo, descrição, etc.
Este princípio estabelece, então, um padrão de comportamento que os contraentes devem obedecer.

Rui Alarcão considera que o Princípio da Boa-fé apresenta duas dimensões.


Dimensão positiva: significa que ele impõe determinados deveres. A relação obrigacional é composta por vários deveres.
- Temos os deveres principais de prestação: caracterizam o tipo contratual. Se for um contrato de compra e venda, os deveres
principais de prestação são a obrigação de A entregar a coisa e a obrigação de B pagar o preço. Estes deveres são o bastante para
caracterizar o tipo contratual, menos que não nos diga que é um contrato de compra e venda.
- Temos ainda os deveres acessórios de prestação: estão ao serviço integral de satisfação do credor. P. e., se realizar a compra de
um ar condicionado, o credor deverá explicar o seu funcionamento, garantindo serviços de transporte e montagem.
- Temos também os deveres de proteção/de conduta/laterais: visam garantir a incolumidade/integridade do restante património
do credor ou da pessoa do credor. P. e., no caso dos contratos de prestação de serviços, A obrigou-se a pintar as paredes de casa de
B em troca de determinado pagamento, este pode ir pintando sem ter qualquer cuidado, ou então pode ter cuidado em forrar os
móveis, proteger os sofás, etc., ou seja, não é honesto, correto e leal provocar danos enquanto realiza a sua atividade.

Dimensão negativa: significa que ele proíbe certos tipos de comportamentos.


- Proíbe que o credor torne a prestação do devedor mais onerosa;
- Proíbe o chamado venire contra factum proprium - proíbe que a pessoa vá contra o seu próprio comportamento, ou seja, não
pode adotar um comportamento de uma certa confiança e amanhã agir em contradição;
- Proíbe a invocação da exceção de não cumprimento do contrato, quando a falha no cumprimento seja diminuta (Exemplo: A
paga o bem em prestações e ainda não pagou 5 cêntimos de um total de 1000€, não seria leal não lhe entregar o bem só por faltar
aquela pequena quantia).

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Princípio da Con ança


Os autores têm vincado que a ideia de confiança é essencial no quadro do ordenamento jurídico e permite atribuir uma
tutela positiva e um tutela negativa à confiança.
Tutela negativa: passa pela consideração de hipóteses de responsabilidade assentes na confiança que é também uma das
hipóteses que os autores reconduzem a uma 3ª via de responsabilidade civil.
Tutela positiva: significa que o ordenamento jurídico vai atribuir relevância jurídica a determinadas situações que a
priori seriam ineficazes por falta de determinados pressupostos.

Pressupostos para termos responsabilidade pela confiança:


- É necessário uma situação de confiança (deve gerar-se uma expectativa digna de confiança)
- É necessário uma justificação objetiva para tal confiança (não basta que A confie, tem de haver fundamento bastante para ele
confiar)
- É necessário um investimento de confiança (não basta que confie interiormente, tem de exteriorizar essa confiança)
- É necessário que se possa imputar essa situação de confiança ao sujeito que lhe deu causa/origem
Verificados estes pressupostos, pode, em caso de violação da confiança, haver lugar a uma indemnização, ou seja, haver
uma tutela negativa da confiança.
A responsabilidade pela confiança está mais presente ao nível de mercados financeiros, relações empresariais, relações entre
pessoas coletivas, entre outros.

Princípio da Responsabilidade
Surge como um corolário/projeção do princípio do personalismo ético de que partimos porque no centro do direito civil está a
pessoa que é um ser autónomo e simultaneamente responsável - responsável pelo outro e, ao sê-lo, tem uma série de deveres para
cumprir em relação aos outros (cumpre deveres para salvaguarda do outro - deveres no tráfego), é responsável perante o outro,
pois se não cumprir esses deveres no tráfego, vai ter que compensá-lo de alguma maneira, então deparamo-nos com a
responsabilidade civil.

A responsabilidade civil surge como um instituto entendido como a proteção dogmática do princípio da responsabilidade que
fará emergir uma obrigação de indemnizar - terá de recolocar o lesado na situação em que estaria se não tivesse existido o evento
lesivo.
• O primeiro remédio indemnizatório é a chamada restituição natural (vai ter de reparar o computador).
• Em segundo lugar, quando a reparação não é possível ou suficiente para apagar todos os danos, ou quando a reparação pode ser
mais cara do que adquirir o computador, nesses casos recorre-se à indemnização por equivalente (vai pagar uma indemnização
em dinheiro).
Mas para haver a obrigação de indemnizar são necessários verificar-se vários pressupostos que são diferentes consoante a
modalidade de responsabilidade civil concretamente em causa.
Podemos ter situações em que os autores falam numa 3ª via de responsabilidade civil (responsabilidade pela confiança), visto
que não se enquadram nem na responsabilidade extra-contratual, nem na responsabilidade contratual.

RESPONSABILIDADE EXTRA-CONTRATUAL
Resulta da violação de direitos absolutos, com eficácia erga omnes.
- Os direitos absolutos são direitos que vinculam todos os membros de uma comunidade jurídica. P. e., o direito à vida ou
o direito de propriedade (quando digo que sou titular ao direito à vida, do lado ativo da relação jurídica estou eu e do lado
passivo estão todos os membros da comunidade, estou a dizer que tenho o poder de exigir a toda e qualquer pessoa que
respeite a minha vida - tem eficácia erga omnes, vinculam todos).

Pressupostos:
Ilicitude - o ato tem que ser ilícito e a ilicitude surge através de 3 vias: se violar direitos absolutos; se violar normas
legais de proteção de interesses alheios (protegem diretamente determinadas pessoas contra um determinado risco, como
as normas do código da estrada que visam proteger a boa fluidez do trânsito, p. e., as normas de limites de velocidade); se
ocorrer abuso do direito (subjetivo). A ilicitude pode ser excluída se intervir uma causa de justificação: ação direta (art.
336.º), legítima defesa (art. 337.º); estado de necessidade (art. 339.º); consentimento do ofendido (art. 340.º).

Culpa - é um juízo de censura ético-jurídico e, ao nível do direito civil, entende-se como um desvio do padrão de
comportamento, ou seja, o sujeito atuou de uma forma e devia ter agido de outra, por isso é que vai ser censurado ético-
juridicamente. O padrão de comportamento afere-se em abstrato (art. 487.º/2), de acordo com o bonus pater familias que
é o homem médio, medianamente prudente, medianamente razoável, medianamente diligente, portanto, iremos ver como
reage aquele homem médio naquelas circunstâncias concretas, se o nosso agente concreto se desviou desse padrão, então
constata-se a culpa.

Podemos distinguir 2 tipos de culpa:


- Dolo - o comportamento pode ser doloso/intencional. Podemos distinguir 3 tipos de dolo:
• Dolo direto - o agente quer efetivamente realizá-lo, quer efetivamente o resultado (quer matar e mata).
• Dolo necessário - o agente aceita o resultado como necessário, para alcançar o resultado desejado (quer assaltá-lo e
acaba por o matar para conseguir fazê-lo).

I.M.








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• Dolo eventual - o agente prevê o resultado lesivo e não confia na não produção do resultado, aceita-o como
eventual (guiar um automóvel em alta velocidade, e acaba por assumir o risco de poder matar alguém ao fazê-lo).

- Negligência - traduz-se num comportamento descuidado, ou seja, é um comportamento que violou certos deveres de
cuidado. Podemos distinguir 2 tipos de negligência:
• Negligência consciente - o agente prevê o resultado lesivo, mas confia na não produção desse resultado, porque ou
confia na sorte ou confia nas suas habilidades. P. e., A está a circular a 250 km/h, prevê a possibilidade de provocar um
acidente e matar alguém, mas, neste caso, A tem o raciocínio típico de todos que é achar que só acontece aos outros. Então
não falamos no dolo eventual, mas na negligência consciente, porque tem consciência que pode acontecer alguma coisa,
mas confia que não irá acontecer porque confiou nas suas habilidades de condutor.
• Negligência inconsciente - o agente nem sequer previu a possibilidade do resultado lesivo, mas naquelas
circunstâncias, o bonus pater familias teria previsto esse resultado lesivo, ou seja, não podia ser descuidado, então é
culpado.

A relevância da distinção entre dolo e negligência está no art. 494.º.


Em regra, não há responsabilidade sem culpa (art. 483.º - preceito geral que enuncia a responsabilidade extra-contratual;
no art. 483.º/2, a regra é que não há responsabilidade civil sem culpa, mas excepcionalmente poderá haver).

Distinção entre responsabilidade objectiva e responsabilidade subjetiva:


Responsabilidade objetiva - é a responsabilidade pelo risco, está sujeita ao princípio da tipicidade, ou seja, só existe
nas situações previstas pelo Legislador. A responsabilidade objetiva prescinde da culpa e da ilicitude, então aqui o sujeito
vai ser obrigado a indemnizar porque esse dano resultou de uma determinada atividade que levou a cabo e da qual retirou
um determinado benefício, apesar de envolver riscos acrescidos, então o Legislador não proíbe a atividade, mas diz que
aquele que dela retira o benefício, tem de arcar com os prejuízos que ela comporte (art. 499.º). P. e., A provoca um acidente,
mas apenas porque houve uma falha mecânica. Nesse caso não há culpa, mas vai ter de indemnizar B se se verificar os
pressupostos do art. 503.º.
Responsabilidade subjetiva - é esta a regra, é a responsabilidade por culpa.

Dano - é um pressuposto inultrapassável da responsabilidade. Não pode haver indemnização sem danos (indemnizar é
tornar indemne) e a indemnização deve cobrir os danos patrimoniais e os danos não patrimoniais.

Podemos distinguir 2 tipos de danos:


- Dano patrimonial - são avaliáveis em dinheiro, são danos quantificáveis.
- Dentro destes temos os danos emergentes, que emergem com a ação, são as despesas a suportar em função do
dano que sofreu.
- Caso se trate de perdas de rendimentos que poderiam ter sido obtidos, mas não foram em virtude do ato lesivo,
não falamos em danos emergentes, mas sim em lucros cessantes.

- Dano não patrimonial - não são suscetíveis de avaliação pecuniária, não são quantificáveis. Não conseguimos
quantificar a dor, não podemos mesurar pecuniariamente a dor.
- Durante muito tempo questionou-se se fazia ou não sentido indemnizar estes danos não patrimoniais.
- Alguns autores diziam claramente que não:
1) A indemnização visa apagar um dano e os danos não patrimoniais não são suscetíveis de ser apagados;
2) Indemnizar estes danos podia dar a entender que determinados bens/sentimentos seriam passíveis de
mercantilização.
- Esta posição foi superada porque os autores vieram dizer que, em contraponto, é verdade que estes danos não se
apagam, mas de alguma forma podemos compensar o lesado. Não era uma finalidade de indemnização, mas sim
de compensação/satisfação do lesado e essa ideia acabou por ser acolhida pelo nosso Legislador no art. 496.º, onde
consagra uma ampla cláusula de compensação dos danos não patrimoniais (é uma peculiaridade do nosso
ordenamento jurídico português).

Nexo de imputação - é necessário que haja algo a ligar o comportamento ilícito e culposo aos danos. Em muitas
situações é fácil de entender que eles estão ligados, mas também há situações em que é muito difícil de estabelecer. Foram
surgindo novas teorias para lidar com a problemática do nexo de casualidade.

- Teoria da Conditio Sine Qua Non - teve grande entusiasmo no séc. XIX e foi fortemente inspirada por Stuart Mill.
Diz-nos que é causa do dano todo e qualquer comportamento ou condição sem a qual o dano não existiria. Analisando o
processo causal, deve retirar-se de lá o comportamento danoso. Se o dano existisse de qualquer forma, não existia
conditio sine qua non; se o dano não se verificasse, haveria conditio sine qua non.

Esta teoria não pode ser aceite, porque:


- Enquadra mal com a intencionalidade jurídica. É uma teoria que parte de uma lógica determinística que se se
verificar A, a seguir verifica-se sempre B e verificado B, verifica-se sempre C. Esta lógica determinística já não é
aceite sequer no campo das ciências exatas, então não poderia ser aceite no mundo do direito.

I.M.








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- Leva-nos a alargar demasiado a responsabilidade, em certas situações (temos a proibição do regresso ao futuro,
caso contrário, podíamos responsabilizar o pai de A, por ser responsável pelo seu nascimento, que matou o B).
- Noutras situações, restringe-se demasiado a responsabilidade (p. e., A e B, cada um em simultâneo, disparam um
tiro contra C e este morreu; se se eliminar o comportamento de A, o resultado morte continua a haver porque B
disparou contra C; se se eliminar o comportamento de B, o resultado morte continua a haver porque A disparou; então,
numa situação como esta, a resposta tradicional de quem aplica este teoria, é que não deve haver responsabilidade
porque não se verifica a conditio sine qua non e isto é absurdo).

- Teoria da Causalidade Adequada - diz-nos que é causa do dano o comportamento que passe pelo teste de
probabilidade, ou seja, temos que questionar se é normal e provável que um determinado tipo de comportamento resulte
num determinado tipo de dano.

Os problemas desta teoria:


- Problema da Relata - a própria descrição que eu faça dos termos a relacionar tornará diferente a resposta que
obterei. É normal e provável que de um golpe desferido na face de um sujeito, resulte na sua morte? Em princípio não.
Mas se esse sujeito for um hemofílico em ultimo grau, então aí já aumenta exponencialmente a probabilidade de vir a
falecer. Os autores dizem que verdadeiramente a causalidade apelada é uma fórmula vazia, não é critério de coisa
alguma. Se eu descrever os eventos de forma muito abstrata, caio no erro do positivismo, porque não tenho em conta
as especificidades do caso concreto; mas se fizer uma descrição muito pormenorizada, caio num círculo vicioso,
porque já estou a dar resposta quando formulo a pergunta.
- Problema da perspetiva a considerar - posso considerar a perspetiva do observador ótimo ou experiente colocado
no momento do ajuizamento, ou posso ter em conta a perspetiva do próprio agente no momento em que atua. No
primeiro caso, o meu juízo probabilístico será um juízo probabilístico estatístico e não é aceitável do ponto de vista do
direito. Se adotar a segunda perspetiva, vou confundir a probabilidade com a previsibilidade, então vou confundir
causalidade com culpa.
- Problema da relação causa-efeito - ao partir da relação causa-efeito não consegue dar resposta a determinadas
situações em que, p. e., há a intermediação do comportamento da vítima. Porque se pressupomos que o ser humano
age de forma determinística, então perante um estímulo vai agir sempre da mesma forma, sob pena de eu não
conseguir estabelecer o tal cálculo probabilístico.
- Problema de partir da Teoria da Conditio Sine Qua Non - então ainda vai sofrer todos os defeitos dessa teoria.

- Teoria do Nexo de Imputação ou Teoria das Esferas de Risco (teoria da Dra. Mafalda Miranda Barbosa) -
substituímos a perspetiva causal por uma perspetiva imputacional. A responsabilidade deixa de ser entendida
exclusivamente do ponto de vista dogmático, para ser compreendida do ponto de vista ético-axiológico. Esta traduzir-se-á
na distinção entre 2 nexos de causalidade:
- Causalidade Fundamentadora da Responsabilidade - liga o comportamento do sujeito à violação do direito
absoluto ou do interesse protegido.
- Causalidade Preenchedora da Responsabilidade - liga a violação do direito ou do interesse aos danos
subsequentes.
Importa saber que a esfera de risco se relaciona com a ideia central do princípio da liberdade, todos têm liberdade, mas
essa liberdade está subjacente a uma ideia de responsabilidade. Então cada um de nós tem uma determinada esfera de
liberdade, ultrapassando essa liberdade entramos no campo da responsabilidade. Ou seja, cada um de nós tem a chamada
esfera de risco e quando se ultrapassa a esfera de risco, existe o nexo de causalidade.

A assunção de uma esfera de risco surge por 1 de 2 vias:


1) Ou o sujeito assumiu uma daquelas atividades perigosas/arriscadas que o Legislador consagrou ao nível da
responsabilidade objectiva/pelo risco (art. 499.º);
2) Ou porque na sua atuação concreta violou deveres objetivos de cuidado (deveres no tráfego). Violados esses
deveres, a esfera de responsabilidade pelo outro transforma-se numa esfera de responsabilidade perante o outro (o
“outro” merece respeito, então tenho de cumprir certos deveres de segurança para evitar que o outro saia lesado,
caso contrário, crio uma esfera de risco).

Em regra, o sujeito será responsável por todas as lesões que teriam sido evitadas pelo cumprimento do dever,
tendo, por isso, a obrigação de indemnizar.
Não haverá responsabilidade: 1) Se não tiver havido aumento do risco; 2) Se tiver havido diminuição do risco;
3) Nas hipóteses de força maior e de facto fortuito; 4) Nas hipóteses em que haja um comportamento lícito
alternativo (mesmo que o sujeito adotasse o comportamento devido pelo direito, aquela lesão ocorreria de igual
forma).

Temos ainda que confrontar esta esfera de risco de responsabilidade do lesado com outras esferas de risco de
responsabilidade.
• Primeiro, temos que confrontar com a esfera de risco geral da vida, para concluir que o sujeito não será
responsável se o seu comportamento apenas determinou a presença de um bem jurídico lesado no tempo e no espaço da
própria lesão.

I.M.




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Exemplo: B foi para o hospital por causa de um arranhão provocado por A, mas acabou por apanhar uma bactéria hospitalar - o
comportamento do primeiro lesante apenas determinou a presença de B no tempo e no espaço da lesão, não foi causa dela, então não
conseguimos importar a lesão final ao seu comportamento).

• Depois temos que confrontar com a esfera de risco de responsabilidade do lesado, onde vamos ponderar as
predisposições constitucionais do lesado (caso seja frágil e deva cumprir cernis deveres para consigo mesmo) e o seu
próprio comportamento (se é ou não livre).
Critérios para saber se o comportamento do lesado é ou não livre: critério da provocação; critério da autoridade;
critério de défice informacional.
Se for livre aplicamos o art. 570.º, e podemos chegar a várias conclusões dependendo do confronto entre o
comportamento do lesado o comportamento do lesante, pode ser atenuada ou eliminada a responsabilidade do
lesante.

• Ainda vamos ter de confrontar com a esfera de risco de um terceiro, sendo que temos de ver se o comportamento
do terceiro é ou não livre.
Se não for livre, o lesante vai ser responsável, porque o segundo sujeito vai funcionar apenas como instrumento
para a realização de um ato.
Se for livre, temos que ver até que ponto os deveres que o lesado violou tinham ou não como objetivo evitar o
comportamento desse terceiro.

• Temos ainda de confrontar graus de culpa, perigosidade, entre outros, e podemos chegar à conclusão que são os
dois responsáveis e, nesse caso, não solidariamente responsáveis.

RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
Resulta da violação de direitos relativos, de uma obrigação em sentido técnico.
- Os direitos relativos (de crédito) são direitos que vinculam apenas pessoas certas e determinadas. P. e., A emprestou
dinheiro a B, então A transforma-se em credor e B em devedor, então, o primeiro tem um direito de crédito em relação ao
segundo, tem o poder de exigir a devolução do dinheiro, mas só o pode fazer a B, daí ser um direito relativo.

Pressupostos da ilicitude:
Não cumprimento - quando a prestação à qual o sujeito se obrigou não foi realizada. Exemplo: A obrigou-se a pintar as
paredes de casa de B e não pintou.
Cumprimento defeituoso - quando a prestação é feita, mas com defeito. Exemplo: A pintou as paredes, mas pintou-as
mal.
Hipótese de mora - quando a prestação é feita, mas com atraso. Exemplo: A pintou as paredes, mas tinha de pintar até 10
outubro e só terminou no dia 30 outubro.
Violação positiva do contrato - quando a prestação é feita, mas se violou uma série de deveres de cuidado que eram
impostas pela boa-fé, essencialmente os deveres laterais. Exemplo: A pintou as paredes, mas quando o fazia não tapou os
móveis e encheu de tinta as cómodas, ainda deixou umas latas de tinta à entrada de casa e B tropeçou nas mesmas, saltando-
lhe tinta para os olhos, cegando-o.

A responsabilidade contratual envolve necessariamente a culpa, mas esta presume-se (art. 799.º). Sendo que na
responsabilidade extra-contratual é o lesado quem tem de provar a culpa.
Na responsabilidade contratual existe ainda danos e nexo de causalidade, mas sobre esses vale o que dissemos a propósito
da responsabilidade extra-contratual.

RESPONSABILIDADE PRÉ-CONTRATUAL
Está prevista no artigo 227.º e prescreve nos termos do artigo 498.º.
Hipóteses:
Rotura injustificada das negociações.
Hipóteses de celebração de um contrato inválido quando uma das partes deu causa a essa invalidade.
Hipótese de celebração de contratos válidos, mas prejudiciais quando tem havido violação de deveres de informação.

Em qualquer destas hipóteses tem que haver violação das regras impostas pela boa-fé, e tem que haver culpa.

Exemplo: A e B estão a negociar a compra e venda de um armazém, estiveram durante meses nessa negociação e falta
apenas outorgar a escritura pública. Na véspera de outorgar, B desistiu do negócio. O problema é que como A confiou que aquele
negócio ia ser celebrado, perdeu inúmeras oportunidades e hipóteses para realizar negócios nas mesmas condições, então gerou
danos.
Não está aqui em causa a violação de um direito absoluto, então não falamos em responsabilidade extra-contratual, mas
também não está aqui em causa a violação de um contrato de crédito, então não falamos em responsabilidade contratual, porque o
contrato não tinha ainda sido celebrado. Então, estamos no âmbito da responsabilidade pré-contratual.

I.M.








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Há autores que consideram que a responsabilidade pré-contratual se integra na responsabilidade extra-contratual e outros
entendem que ela se integra no âmbito da responsabilidade contratual.
Por fim, um terceiro grupo de autores entende que devemos falar de uma 3ª via de responsabilidade civil para a qual
seriam reconduzidas várias hipóteses, nomeadamente esta responsabilidade pré-contratual.

Fala-se nesta 3ª via de responsabilidade civil - responsabilidade pela confiança - porque uma nota importante sobre a
responsabilidade pré-contratual é o dano da confiança ou interesse contratual negativo que é o dano que se indemniza a este
nível.

A Relação Jurídica
Esta relação jurídica é um conceito central do direito civil. Há autores que negam esta importância, então falam de situação
jurídica como o professor Oliveira Ascensão e o professor Menezes Cordeiro.

Em sentido amplo: a relação jurídica é toda a relação da vida social disciplinada pelo Direito.
Em sentido estrito: a relação jurídica toda a relação da vida social disciplinada pelo Direito, através da atribuição a um sujeito
de direito subjetivo e a correspondente imposição a outro sujeito de um dever ou sujeição.

A estrutura externa da relação jurídica:


1) Os sujeitos (os sujeitos da relação jurídica podem ser pessoas singulares ou pessoas coletivas)
2) O objeto (a relação jurídica tem que incidir sobre algo)
3) O facto jurídico (a relação jurídica tem de surgir a partir de algo, ou seja, é o que a faz emergir)
4) A garantia (o direito tem de ser sempre acompanhado de uma nota de coercibilidade (possibilidade do uso da força), se não
há a tiver, não estou no âmbito de uma relação jurídica - a garantia é o conjunto dos mecanismos que o ordenamento jurídico me
disponibiliza para eu tornar efetivo o meu direito)

A estrutura interna da relação jurídica (engloba o direito subjetivo e o dever ou imposição):

Direito Subjetivo

O Direito Subjetivo1 começou por não existir, é uma criação tardia. Não existia até ao jusracionalismo. Até lá tutelavam-se as
pessoas porque estavam inseridas numa ordem natural, então a proteção dispensada às pessoas era objetiva.
Com o jusracionalismo iluminista, o sujeito autonomiza-se e afirma-se uma série de direitos naturais do próprio homem que
seriam exercitados em face do Estado para limitar os seus poderes em relação ao indivíduo.
Mais tarde, na Alemanha, fruto da conceptualização alemã, surge um autor, Savigny, que elabora, pela primeira vez, o conceito
de direito subjectivo na esfera privatística. Este direito subjectivo foi compreendido como um poder de vontade que radicava no
indivíduo, então o direito subjectivo isolava o indivíduo (ser isolado e solitário, individualista e egoísta que vê o outro como um
obstáculo à livre fruição do mundo) e definia uma esfera dentro da qual ninguém podia intervir (liberdade negativa).
O excesso de individualismo e liberalismo associado ao poder de vontade suscitou uma reação, então surgiu Ihering
(objetivismo moderado) que veio definir o direito subjetivo como um interesse juridicamente protegido. Esta ideia não pode ser
aceite porque:
1) Há interesses que são protegidos pelo ordenamento jurídico aos quais não corresponde qualquer direito subjectivo.
Falamos disto a propósito da responsabilidade civil, acerca das normas legais de proteção de interesses alheios
(determinadas normas protegem determinados interesses, mas não envolvem a atribuição/reconhecimento de um
determinado direito).
2) A definição de direito subjetivo a partir de um interesse podia conduzir a uma funcionalização do direito subjetivo,
ou seja, o direito subjetivo tinha que ser sempre exercido em nome e através da prossecução de um determinado
interesse.
Alguns autores foram mais longe e chegaram a negar a existência de um direito subjetivo.
Hoje, são muitos os autores que propõe compressões diversas do direito subjetivo. Todavia, devemos considerar a conceber o
direito subjectivo como um poder de vontade, mas a grande diferença entre afirmar isto hoje e afirmar isso na altura de Savigny é
que este poder de vontade é um poder da pessoa, e não do indivíduo, é exercido pela pessoa que é um ser de relação e em relação,
que estabelece com o outro uma relação de cuidado.
Hoje, vamos reconhecer limites aos direitos subjetivos e vamos perceber que o seu exercício é indissociável da
responsabilidade que já estudamos.

Noção de Direito Subjetivo - é o poder ou a faculdade de, em princípio livremente, exigir ou pretender de outrem um
determinado comportamento positivo (ação) ou negativo (omissão), OU DE, por um ato de livre vontade, só de per si ou integrado
por um ato de autoridade pública, desencadear determinados efeitos jurídicos que inevitavelmente se vão produzir na esfera jurídica
da contraparte.

A conjunção disjuntiva “OU” mostra-nos que falamos em 2 partes.


1ª parte: Direito Subjetivo em Sentido Estrito
Lado ativo - direito subjetivo em sentido estrito (poder de exigir ou pretender de alguém um determinado comportamento).

1 O Direito Objetivo é o próprio ordenamento jurídico. O Direito Subjectivo é o direito polarizado no sujeito.
I.M.




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Lado passivo - dever jurídico (o sujeito tem de adotar o comportamento que eu estou a exigir).

2ª parte: Direito Potestativo


Lado ativo - direito potestativo (poder de desencadear certos efeitos jurídicos que eventualmente se vão projetar na esfera
jurídica de alguém).
Lado passivo - sujeição (o sujeito limita-se a suportar os efeitos jurídicos que desencadeei).
O Direito Subjetivo confere-me um poder e consoante esse estarei perante um Direito Subjetivo em Sentido Estrito ou perante
um Direito Potestativo.
DIREITO SUBJETVO EM SENTIDO ESTRITO
Do ponto de vista estrutural, dentro dos direitos subjetivos em sentido estrito temos:
- Direitos de personalidade - incidem sobre a própria pessoa globalmente considerada (direitos gerais de personalidade) ou
sobre determinados bens da personalidade humana (direitos especiais de personalidade). P.e., o direito à vida, o direito à imagem,
o direito à liberdade.
- Direitos de crédito - é o direito a um prestação, ou seja, direito que um determinado sujeito tem a que um outro realize a
prestação acordada. P.e., realização de um facto, o pagamento em dinheiro.
- Direitos reais - são poderes diretos e imediatos sobre uma coisa, sujeitos ao princípio da tipicidade (o Legislador prevê todos
os direitos reais existentes - direito de propriedade, direito de usufruto, 1direito de uso e habitação, direito de superfície,
servidões prediais, direito real de habitação periódica).

Classificações:
- Direitos Absolutos - vinculam todos os membros da comunidade jurídica. São os direitos de personalidade e os direitos reais.
Lado ativo - direito real.
Lado passivo - obrigação passiva universal (passiva porque envolve uma obrigação; universal porque o direito
recai sobre todo e qualquer sujeito).

Lado ativo - direito de personalidade.


Lado passivo - obrigação passiva universal, mais especificamente, dever de respeito (não tenho só a obrigação
de me abster de todo e qualquer comportamento que ponha em causa o direito alheio, mas posso ter o dever de agir
positivamente para salvaguardar o direito alheio).
- Direitos Relativos - são os direitos de crédito.
Lado ativo - direitos de crédito.
Lado passivo - obrigação em sentido técnico (porque apenas vincula pessoas certas e determinadas e a
obrigação diz-se em sentido técnico).
- Direitos Plenos - os direitos de personalidade, direitos de crédito e direitos reais são direitos plenos.
- Direitos Menos Plenos - situações em que só tenho o poder de pretender.
Lado ativo - direito menos pleno.
Lado passivo - obrigação natural (art. 402.º) (não posso exigir judicialmente o cumprimento da obrigação, é um
dever de justiça, são garantias menos plenas).
Exemplo 1: nas dívidas prescritas depois de invocada a prescrição - a prescrição de uma dívida é o
impacto do decurso do tempo numa obrigação -, a obrigação civil transforma-se em obrigação natural. No art. 403.º,
temos a hipótese de invocar a prescrição e a transformação em obrigação natural.
Exemplo 2: nas dívidas resultantes de jogo e aposta, desde que seja um jogo de aposta lícitos e
não esteja ressalvado em legislação especial. No caso de contrato de jogo e aposta temos 3 hipóteses:
1) O contrato jogo e aposta ilícito, então o contrato é nulo nos termos do art. 280.º, logo, não
gera qualquer obrigação;
2) O contrato de jogo e aposta lícito e está previsto em legislação especial, então gera-se uma
obrigação civil que pode ser judicialmente exigível;
3) O contrato de jogo e aposta lícito, mas que não estão previstos em legislação especial, então
gera-se uma obrigação natural.

- Direitos Patrimoniais - suscetíveis de avaliação pecuniária.


- Direitos Não Patrimoniais - não suscetíveis de avaliação pecuniária.

- Direitos Dominiais - o titular do direito tem plena disponibilidade.


- Direitos Não Dominiais - o titular não pode dispor livremente do objeto do seu direito (p. e., não posso abdicar livremente dos
meus direitos de personalidade).

DIREITO POTESTATIVO
Os direitos potestativos podem ser de 3 tipos:
- Direito Potestativo Constitutivo - quando o efeito que o sujeito desencadeia é a constituição de uma relação jurídica.
Exemplo: direito a constituir uma servidão de passagem (art. 1550.º) - se tivermos um prédio encravado (sem
saída direta para a via pública), o CC reconhece o direito a constituir uma servidão de passagem, então trata-se de um direito
potestativo constitutivo porque basta estarem verificados aqueles pressupostos para que eu exerça o meu direito e constitua uma
relação jurídica.
Depois de exercer o direito a constituir uma servidão de passagem, este deixa de existir porque a servidão de
passagem já foi constituída. e passo a exercer o direito de servidão de passagem, mas este direito já não é potestativo, mas sim

I.M.








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direito subjectivo em sentido estrito (é um direito real), porque o meu poder passa a ser o de exigir a passagem (não podem violar o
meu direito de servidão de passagem, caso contrário respondem judicialmente).
Ou seja, o direito potestativo não pode ser violado porque do lado passivo tenho uma sujeição, mas posso violar um
direito subjectivo em sentido estrito (tenho a possibilidade fáctica de o fazer), com a consequência de responder judicialmente por
isso, logo, o direito de servidão de passagem não pode ser um direito potestativo.

- Direito Potestativo Modificativo - quando o efeito é a modificação de uma relação jurídica.


Exemplo: direito à separação judicial de pessoas e bens (art. 1794.º) - é um direito potestativo modificativo
porque a relação matrimonial modifica-se, mas não acaba (o casamento continua a existir, mantendo todos os seus efeitos).

- Direito Potestativo Extintivo - quando o efeito é a extinção de uma relação jurídica.


Exemplo: direito à resolução de um contrato ou o direito ao divórcio - ao exercer o direito ao divórcio extingue-
se a relação matrimonial e o cônjuge limita-se a ver na sua esfera jurídica extinta uma relação jurídica.

DIREITOS FUNCIONAIS/DEVERES FUNCIONAIS/PODERES-DEVERES


Os direitos funcionais são, p. e., o poder que os pais têm relativamente aos filhos - responsabilidades parentais -, antigamente
designado como poder parental.

Diferença entre direito funcional e direitos subjetivos em sentido estrito:


- Os direitos subjetivos em sentido estrito são de exercício livre (exerço ou não, consoante queira). Os direitos funcionais não
são de exercício livre (um pai não pode abdicar do exercício das suas responsabilidades parentais).
- Os direitos subjetivos em sentido estrito são exercidos no interesse do próprio titular. Os direitos funcionais são exercidos no
interesse de terceiros (o pai exerce as suas responsabilidade parentais no interesse do próprio filho e não no seu).

Alguns autores ontem que os direitos funcionais não são verdadeiros direitos subjetivos em sentido estrito, devido a estas duas
diferenças, então seria uma categoria à parte.
Todavia, vamos continuar a entender que, apesar destas diferenças, o direito funcional se integra dentro da categoria mais ampla
do direito subjectivo em sentido estrito.

Lado ativo - direitos funcionais.


Lado passivo - deveres e sujeições. P.e., o filho tem o dever de obediência em relação aos pais, mas também
está sujeito a várias decisões que os pais tomem em relação à sua educação.

Outras posições jurídicas

Expectativa Jurídica - situação ativa (lado ativo da relação jurídica) e juridicamente tutelada. Não se confunde com uma
mera expectativa de facto, porque essa não é juridicamente tutelada!
O que distingue a expectativa jurídica do direito subjectivo? Esta corresponde a uma fase de um processo complexo de
formação de um direito, este ainda não existe, existe apenas uma expectativa jurídica.

Ónus Jurídico - encargo que o sujeito tem que suportar para obter ou manter uma determinada vantagem (para efectivar o seu
direito). Este ónus não se confunde com o dever, porque o dever obriga e ónus apenas faz recair sobre si um encargo, não se vê
obrigado. Se não cumprir o dever, sou sancionada; Se recair sobre mim um ónus e não o satisfizer, não sou sancionado, só não
obtendo ou mantenho uma vantagem. P.e., o ónus da prova - A danificou o automóvel de B, então tem que lhe pagar uma
indemnização, mas esse só se efetiva se B provar em tribunal uma série de requisitos, então falamos do ónus da prova.

- As chamadas faculd des jurídicas secundárias identificam os poderes integrados no conteúdo do direito subjectivo (poderes
dentro desse direito), para assim se distinguirem das faculdades jurídicas primárias (algumas hipóteses do art. 147.º/2), que não
são direitos subjetivos autênticos, mas simples manifestações da capacidade jurídica do sujeito (p. e., poder de casar, poder de
comprar e vender, poder de testar). As faculdades jurídicas secundarias postulam já uma relação jurídica.

Limites dos Direitos Subjetivos

Na época de Savigny, o direito subjectivo não tinha limites, era um poder absoluto do indivíduo, mas com a superação do
pensamento individualista liberal, percebemos que o direito subjectivo é um poder que não radica no indivíduo, mas sim na pessoa e
devem ser encontrados limites.

Abuso do Direito
Está previsto no art. 334.º - “é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular excede manifestamente os limites impostos
pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim económico ou social desse direito”.
No período inicial do direito subjectivo, porque era concebido como um poder absoluto (podia fazer tudo o que queria de forma
absoluta e ilimitada), era muito difícil conceptualizar o seu abuso. As primeiras tentativas de conceptualização diziam que são
situações em que o direito está ausente (em que o direito afinal não existe):
1ª fase: seriam hipóteses em que existia a inequívoca intenção de prejudicar terceiros. Ou seja, o abuso do direito era
uma figura de exercício de um direito sem que houvesse qualquer interesse pessoal nisso, apenas e só para prejudicar um
terceiro (p. e., A constrói de um muro, não porque precisa enquanto proprietário, mas para prejudicar um vizinho).
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2ª fase: era necessário remeter o direito para outros ordenamentos, então o direito seria indicado por uma ordem
moral.
3ª fase: é a fase em que estamos agora, mudamos a compressão acerca do direito subjectivo (deixa de ser concebido
como uma pura forma, tem também ele um conteúdo ético-axiológico porque surge no quadro do ordenamento jurídico
integrado por normas e princípios jurídicos), então, o abuso do direito manifesta-se quando o sujeito exerce o direito
que formalmente invoca em contradição com os princípios normativos do sistema. Nas situações em que se verifica
uma contrariedade entre o exercício do direito e o fundamento ético-axiológico do reconhecimento desse direito, então,
mais do que falar num abuso, consideramos que o direito está ausente.

Os tribunais portugueses têm convocado a figura do abuso do direito para fazer face a situações como a relatada no Acórdão do
STJ de 26-3-1980. Trata-se aí de sancionar a atuação de um proprietário que procede à demolição de um edifício sem as necessárias
precauções, provocando danos no prédio vizinho. Entendeu aquele Tribunal que o dito proprietário teria incorrido em abuso do
direito. Não cremos que neste caso concreto tivesse sido necessário recorrer ao abuso do direito para explicar a ilicitude civil
conducente à obrigação de indemnização. Na verdade, afetando-se o prédio viz nho, era detetável a violação de um direito absoluto,
o direito de pr priedade, pelo que, nos termos do art. 483.°, emergiria de im diato uma pretensão indemnizatória, desde que
preenchidos os outros requisitos da responsabilidade extracontratual.

Colisão de Direitos
Verifica-se quando o exercício de um direito que é tutelado por um sujeito se mostra incompatível com o exercício do
direito tutelado por outro sujeito.
P. e., A vive no 1º andar e está a ouvir uma aula de TGDC e B vive no 2º andar e está a ouvir música, A não consegue ouvir
corretamente a aula devido à música que B está a ouvir, então estamos perante uma efetiva colisão de direitos.
Para que haja colisão de direitos é necessário que os dois direitos existam validamente, por isso, se A exercer o seu direito
incorrendo em abuso do direito, não haverá conflito com o direito de B, então devemos distinguir colisões aparentes de colisões
reais.

Colisão Aparente - existe em 2 situações: 1) quando um direito pode limitar o outro; 2) quando não se verificam os
pressupostos formais e axiológicos de um dos direitos.
Exemplo: um grupo de trabalhadores manifestam-se contra as suas condições degradantes na empresa onde trabalham.
Em vez de levarem uns cartazes com palavras de ordem, resolveram pintar as paredes do edifício-sede da empresa. Verifica-
se uma colisão entre o direito à liberdade de manifestação e de expressão dos trabalhadores e o direito de propriedade dos
titulares da empresa. Mas é uma colisão aparente porque os trabalhadores poderiam ter exercido o seu direito de igual
forma, sem a necessidade de afetar o direito dos titulares da empresa.

Colisão Real - existe quando a colisão é real e aplicamos os critérios do art. 335.º que nos diz: se os direitos forem iguais ou
da mesma espécie, vamos restringir os 2 direitos, salvaguardando o seu núcleo essencial, para os tornar compatíveis (critério da
concordância prática); se os direitos forem desiguais ou de espécies diferentes, prevalece aquele que se deve considerar superior.
Mas como é que sabemos se os direitos são iguais ou não? E no caso de serem desiguais, como é que sabemos qual o
direito superior ao outro? Só conseguimos responder às questões em concreto e não em abstrato, de acordo com o índice de
indagação:
1) Âmbito e natureza dos bens protegidos;
2) Adequação e proporcionalidade dos bens que foram utilizados;
3) Consequências do exercício do direito;
4) Antiguidade do exercício do direito (p. e., existência de um bar que funcionava há mais de 30 anos e o ruído
impossibilita A de ter uma boa noite de sono; regra geral, o bem-estar de A prevalece à exploração económica do bar,
mas se A comprou o apartamento já sabendo da existência do bar, então vamos ter em conta a antiguidade do bar para
fazer prevalecer um direito sobre o outro).

Análise dinâmica da relação jurídica

Temos estado a analisar do ponto de vista estática a relação jurídica, considerando que A é titular de um qualquer direito e B é
titular de um qualquer dever.
Agora vamos analisar de um ponto de vista dinâmico. Vamos estudar, então, a constituição, a aquisição, a modificação e a
extinção de direitos.

Constituição de direitos - surgimento de um direito ex novo. O direito surge, pela primeira vez, no ordenamento jurídico. A
constituição envolve a aquisição, mas nem sempre esta relação existe, então os atores falam numa categoria de direitos sem sujeitos.
O inverso já não existe, nem sempre a aquisição de um direito envolve a constituição de um direito.

Aquisição de direitos - surgimento de um direito na esfera jurídica de um sujeito.


Dentro da aquisição de direitos podemos distinguir aquisição originária da aquisição derivada.

Aquisição Originária - a aquisição é originária quando depende única e exclusivamente do facto aquisitivo, então, não fica
dependente da existência de um direito prévio. P. e., a usucapião - aquisição da propriedade com base na posse durante um
determinado lapso de tempo e com determinadas características, não fica dependente de saber se existia um direito de
propriedade por outra pessoa.

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Aquisição Derivada - a aquisição é derivada quando depende não só do facto aquisitivo, mas também da existência,
extensão e conteúdo de um direito prévio. P. e., A vende um apartamento a B, B adquire o direito de propriedade sobre aquele
apartamento, então é aquisição derivada porque depende não só do contrato de compra e venda, mas também da existência,
extensão e conteúdo de um direito que pertencia anteriormente a A.

Aquisição Derivada Translativa - o direito que se adquire é o mesmo que existia na esfera jurídica de outro sujeito
(mera transferência do direito). P. e., A vende um apartamento a B, o direito que B adquire é exatamente o mesmo direito
que existia na esfera jurídica de A.

Aquisição Derivada Constitutiva - o direito que se adquire é à custa da limitação ou da compreensão de um direito
pré-existente. P. e., A é proprietário de um terreno e resolveu constituir a favor de B um direito de usufruto, esse direito é
um direito real limitado (o usufrutuário pode exercer diversos poderes sobre a coisa, pode fruir a coisa, mas o proprietário
de raiz continua a ser A). O direito de propriedade fica reduzido ao seu mínimo quando passa para B.

Aquisição Derivada Restitutiva - reverso da aquisição derivada constitutiva, ou seja, o titular do direito progenitor
volta a adquirir a plenitude dos seus poderes que estavam limitados. P. e., o usufruto foi constituído por um prazo de 20
anos, ao final desse tempo o usufruto extinguiu-se, sai da esfera jurídica de B e volta para a esfera jurídica de A que vai
readquirir os poderes, inerentes ao seu direito de propriedade, que estavam comprimidos. Verificamos a nota de
elasticidade dos direitos reais.
Princípio Nemo Plus Iuris
A importância de distinguir a aquisição originária da aquisição derivada é que a aquisição derivada fica submetida a um
princípio chamado Princípio Nemo Plus Iuris, que nos diz que ninguém pode transmitir mais direitos do que aqueles que tem,
nem direitos mais largos do que aqueles que tem.

Projeções do princípio:
Nulidade da venda de coisa alheia (art. 892.º) - a venda de coisa alheia é nula, porque não é possível vender uma coisa que
não é nossa.
Nulidade da doação de coisa alheia (art. 956.º).
Nulidade de todos os negócios onerosos de transmissão de coisa alheia (art. 939.º) - a permuta de bens alheios vai ser
considerada nula por força da aplicação das regras da compra e venda ao abrigo deste artigo.

Na definição de direito subjetivo, dizia-se que é “o poder ou faculdade de exigir ou pretender”.


Exigir não é bem o mesmo de pretender, porque exigir é mais forte que pretender. Quando falamos
em direitos, falamos no poder de exigir.

Exceções do princípio:
Situações em que a pessoa adquire a partir de alguém que não tem legitimidade para transmitir.

EFEITO CENTRAL DO REGISTO - PROTEÇÃO DE TERCEIROS PARA EFEITOS DE REGISTO

FORMA (provoca a nulidade) - O contrato de compra e venda de imóveis tem que ser celebrado por escritura pública ou
por escrito particular autenticado (art. 875.º).
Estes dizem respeito à forma do negócio e essa forma é imperativa (art. 219.º - princípio da liberdade de forma), pois, caso não
seja cumprida, o negócio é nulo.

REGISTO (não provoca a nulidade) - O registo diz respeito à publicidade do ato e não à forma.
O registo não é condição de validade do negócio, ao contrário da escritura pública. Então, se B não registar, o negócio continua
a ser válido.
Os bens sujeitos a registo são os imóveis e alguns bens móveis, como automóveis, aeronaves, embarcações, participações
sociais.

Quando A vende a B uma propriedade, por mero efeito do contrato (art. 408.º), a propriedade é transferida de A para B,
assim, B é proprietário mesmo que não registe.
Então, o registo não é condição de validade, nem condição de eficácia inter-partes.

O registo é apenas condição de eficácia em relação a terceiros (art. 5.º do Código de Registo Predial), os chamados terceiros
para efeitos de registo.
Terceiros para efeitos de registo: todos aqueles que do mesmo autor/transmitente adquirem direitos total ou parcialmente
incompatível ou conflituantes sobre o mesmo objeto.

Exemplo: A vende a B um apartamento e B não registou, mas B continua a ser o proprietário porque o registo não é condição de
validade e apenas diz respeito à publicidade do ato. A resolveu vender novamente aquele apartamento a C, mas está a fazer a venda
de uma coisa alheia, então o art. 892.º diz-nos que o negócio é nulo pelo Princípio do Nemo Plus Iuris. C acabou por registar a
aquisição do seu direito, então B e C são terceiros para efeitos de registo (adquiriram do mesmo autor direitos incompatíveis sobre a

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mesma coisa). Como o registo é condição de eficácia em relação a terceiros, C pode opor o seu direito a B. Assim, C vai ser
considerado o proprietário e chama-se o efeito central do registo.

O registo vai sanar a invalidade que resulte do facto daquela venda de coisa alheia.
Então, o registo introduz uma exceção ao Princípio do Nemo Plus Iuris porque permite que o terceiro adquira a partir de
quem não tinha legitimidade para transmitir.

O efeito central de registo também funciona para quando as aquisições são gratuitas e quando não esteja em causa a
aquisição de um direito de propriedade.
Aplica-se mesmo que C esteja de má-fé.
Só não protegemos C se existir uma situação de abuso do direito.

ART. 291.º - PROTEÇÃO DE TERCEIROS DE BOA-FÉ CONTRA A ARGUIÇÃO DE NULIDADE/ANULABILIDADE DO NEGÓCIO


JURÍDICO

Exemplo: A vende um automóvel a B, mas há uma qualquer causa que determina que o contrato é nulo. A nulidade significa a
não produção de efeitos, então B não vai adquirir o direito de propriedade e não o pode transmitir (projeções do princípio do Nemo
Plus Iuris - art. 892.º, 956.º e 939.º). Mas B acabou por transmitir esse direito a C. Vemos que existe uma invalidade consequencial.
O art. 291.º diz-nos que, verificados uns determinados requisitos, temos que proteger a confiança de C, porque este estava
de boa-fé quando adquiriu, achando que o adquiriu legitimamente.

Requisitos cumulativos:
• É necessário que haja uma cadeia de transmissões;
• É necessário que haja um negócio nulo ou anulável;
• É necessário que haja um terceiro (terceiro é todo aquele que, inserindo-se numa cadeia de transmissões, vê a sua posição
jurídica afetada pela invalidade que atinge o negócio anterior);
• É necessário que o terceiro esteja de boa-fé (boa-fé é o desconhecimento sem culpa);
• É necessário que esteja em causa um bem imóvel sujeito a registo;
• É necessário que o terceiro tenha recebido a título oneroso;
• É necessário que o terceiro tenha efetivamente registado a aquisição do seu direito (efeito lateral do registo), anterior ao
registo da ação de invalidade (A vendeu a B, B vendeu a C, mas se A tiver dito que o primeiro negócio é nulo, antes de C ter
registado, o requisito não se cumpre);
• É necessário que tenham decorridos 3 anos a contar da celebração do negócio inválido (os 3 anos são uma barreira, sendo que
decorridos esses, C não pode ser mais atacado na sua posição enquanto proprietário);

É uma exceção ao Princípio do Nemo Plus Iuris porque estamos a considerar que é proprietário alguém que adquire a partir de
quem não tinha legitimidade para transmitir.

ART. 243.º - PROTEÇÃO DE TERCEIROS DE BOA-FÉ CONTRA A ARGUIÇÃO DA NULIDADE DO NEGÓCIO SIMULADO
Dentro dos negócios jurídicos, temos os contratos. O contrato é um acordo e a se materializa-se através 2 declarações de vontade
convergentes. Há situações patológicas em que esta convergência se perde e ocorre uma divergência entre a vontade e a
declaração. Uma dessas divergências é a simulação.

A simulação traduz-se numa divergência intencional entre a vontade e a declaração (entre aquilo que se quer dizer e aquilo que
se diz), divergência intencional essa que resulta de um acordo entre o declarante e o declaratário e que tem como intenção enganar
terceiros.

Simulação absoluta - verdadeiramente não têm intenção de realizar o negócio jurídico, temos apenas um negócio simulado e
o valor do negócio simulado é sempre nulo (art. 240.º/2).

Simulação relativa - por detrás do negócio simulado existe um outro negócio que é o negócio real ou dissimulado (as partes
fingem celebrar um negócio, quando na verdade querem celebrar um outro negócio, de outra natureza, com outras condições, de
outro tipo) e o valor do negócio dissimulado depende do tratamento que ele receberia se não tivesse existido simulação (art.
241.º - o negócio pode ser válido ou inválido, consoante ele fosse válido ou inválido se não tivesse existido simulação).

Então o negócio real ou dissimulado 1) pode ser válido; 2) pode ser nulo; 3) pode ser anulável.
Qualquer negócio jurídico pode ser válido ou inválido o ponto de vista substancial e do ponto de vista formal. Então vou ter
que pensar “do ponto de vista substancial há alguma coisa que atinja esse negócio dissimulado?” e vou ter sempre em conta que
há negócios que têm uma exigência de forma (art. 875.º).

Art. 240.º/2 - "O negócio simulado é nulo”:


Uma compra e venda que foi celebrada por escritura pública e está a encobrir uma doação, trata-se de um negócio formal; Mas
para considerar a doação válida em termos formais:

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1) Posição mais exigente - não basta que o negócio real tenha sido celebrado pela forma legalmente exigida, é necessário que
haja uma contra-declaração revestida de forma legal (era necessário que as partes tivessem um escrito de reserva, que é um
segundo documento em que dizem que A está a doar e que B aceita a doação). Mas há uma exceção, mesmo os autores que
adotam nesta posição mais exigente entendem que não se deve exigir a contra-declaração quando em causa esteja a
chamada simulação de preço (A declarou vender a B um apartamento por €100.000, mas na realidade foi por €4000).
2) Posição menos exigente - bastaria haver a escritura pública de compra e venda e o negócio real aproveitar-se-ia da
forma do negócio simulado.

Exemplo: A vende a B, mas o negócio é simulado (então o seu valor é nulo) e com aquele contrato de compra e venda pretende
esconder uma doação (negócio real ou dissimulado). Se o negócio dissimulado também for nulo, então sendo os dois negócios nulo,
o efeito da transferência da propriedade pela compra e venda e doação não ocorre, e B não é o legítimo proprietário, então não pode
transmitir a propriedade a outrem, se B vender a C estamos perante uma invalidade consequencial.

O art. 243.º é uma proteção específica para um terceiro de boa fé. O simulador não pode invocar a nulidade de um negócio
simulado contra um terceiro de boa-fé.

Requisitos para proteger o terceiro:


É necessário que o terceiro esteja de boa-fé (desconhece a simulação)
É necessário que a nulidade seja invocada por um dos simuladores.
Mas devemos ter em atenção que no caso da nulidade qualquer pessoa pode invocar a nulidade do negócio, então, se não for o
simulador a fazê-lo, já não podemos aplicar o art. 243.º, ou seja, o terceiro não pode ser protegido pelo art. 243.º. Vamos, pois, tentar
protegê-lo por via do art. 291.º (que é muito mais exigente).

O problema dos preferentes:


Exemplo: A vende a B um apartamento por escritura pública pelo valor de 150.000€, mas esse é um negócio simulado que
pretendia esconder o verdadeiro negócio que era a compra por 200.000€, fizeram-no por motivos fiscais. O negócio simulado é
nulo, o negócio dissimulado vai ser considerado válido. Se o apartamento estivesse arrendado a C, então C tinha direito de
preferência na venda e na aquisição daquele imóvel - C, enquanto arrendatário, era preferente. Então, A tem que comunicar a C a
intenção de venda e as condições em que vai vender, mas C só vai preferir em relação ao negócio dissimulado porque é o que está
visível e desconhecia o negócio simulado. C compra o apartamento por um valor inferior a 200.000€. A percebe que está a perder
dinheiro e invoca a nulidade do negócio simulado. Mas C tinha alguns conhecimentos jurídicos e vem dizer que está protegido pelo
art. 243.º que diz que o simulador não pode invocar a nulidade de um negócio simulado em relação a um terceiro de boa-fé; mas os
preferentes não estão protegidos pelo art. 243.º.
A ratio do art. 243.º é evitar o prejuízo para aquele que está de boa-fé e só pode ser aplicado para apagar esse prejuízo. Não
pode ser aplicado quando em causa esteja a criação de um benefício para um terceiro, como neste caso do preferente C, e se
aplicarmos o art. 243.º aos preferentes, o que estamos a fazer é criar um benefício (porque C comprou um apartamento por um preço
inferior que B tinha comprado).
O Fisco e as Autarquias Locais (preferentes) podem utilizar o art. 243.º

Modificação de direitos - ocorre quando o direito, mantendo a sua identidade, vê os seus elementos alterar-se.
Modificação Objetiva de Direitos - altera-se o próprio objeto do direito (p. e., A obrigou-se a pintar as paredes de casa de
B, mas não o fez ou fê-lo imperfeitamente, então o dever de prestar transformou-se num dever de indemnização).
Modificação Subjetiva de Direitos - há uma alteração do sujeito, alteração na titularidade do direito.

Extinção de direitos - ocorre quando o direito desaparece e a extinção pode ser objectiva e subjetiva.
Extinção Objetiva de Direitos - situações em que o direito pura e simplesmente desaparece do ordenamento (para o seu
titular e para qualquer outro sujeito).
Extinção Subjetiva de Direitos - o direito extingue-se na esfera jurídica de um sujeito, embora permaneça a existir no
ordenamento.

Temos ainda situações especiais - a Caducidade (arts. 328.º ss.) e a Prescrição (art. 300.º ss. - prescrição aquisitiva é o mesmo
que usucapião). Não há um critério substancial para as distinguir.
Antes considerava-se que a Caducidade se aplicava quando estivesse em caso direitos potestativos e a Prescrição aplica-se
quanto a direitos de créditos. Esta é uma distinção tendencial.
O CC dá-nos uma distinção formal - Se o Legislador dita um prazo de prescrição da norma, aplicam-se as regras da prescrição;
Se ditar um prazo, mas não o qualifica, o prazo é o da caducidade.
Os Sujeitos da Relação Jurídica
Os sujeitos da relação jurídica são aqueles que têm personalidade jurídica: Pessoas Singulares e Pessoas Coletivas. Hoje em
dia, tem havido um amplo debate acerca da possibilidade de se encontrarem outros sujeitos de relações jurídicas: questiona-se
se os animais devem ser considerados sujeitos de direitos e se os entes dotados de inteligência artificial têm ou não personalidade
jurídica. Orlando de Carvalho fala ainda em Subjetividade Jurídica, retratando a possibilidade de ser sujeito do Direito.

Personalidade Jurídica - é a suscetibilidade para se ser titular de relações jurídicas, ou seja, para ser titular de direitos e de
deveres. É a susceptibilidade, em abstrato, de ser um centro autónomo de imputação jurídica.

A personalidade jurídica das pessoas singulares não é a mesma das pessoas coletivas porque:

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1) As pessoas coletivas (associações, fundações e sociedades) são uma criação do Direito. No caso das pessoas
coletivas, já não se fala de reconhecimento, mas sim em atribuição. O Legislador entendeu, com a criação das
pessoas coletivas, que determinados interesses humanos seriam mais bem conseguidos através de uma organização, à
qual pudessem ser atribuídos direitos e impostos deveres, do que impostos a cada um individualmente.
2) As pessoas singulares têm uma dignidade intrínseca que se impõe ao próprio Legislador e ao próprio Direito
(resultante do Princípio do Personalismo Ético).

Pessoas Singulares
O art. 66.º/1 diz-nos que a personalidade jurídica se adquire no nascimento completo e com vida, após o corte do cordão
umbilical - Critério do Cordão Umbilical (adquire personalidade jurídica mesmo as crianças que nascessem com uma patologia
que não permitisse a identificação de uma figura humana). O art. 66.º/2 dá-nos uma série de direitos que os nascidos são titulares,
quando alguém tem direitos significa que tem personalidade jurídica.

QUAL O ESTATUTO JURÍDICO DOS NASCITUROS?

Nascituros - são os que ainda não nasceram. Dividem-se entre nascituros - já - concebidos (o embrião, o feto) e os nascituros -
ainda - não concebidos (são meros projetos, uma mera ideia).

O ordenamento jurídico reconhece direitos aos nascituros: direitos de natureza patrimonial e direitos de natureza pessoal.
De natureza patrimonial - os nascituros (concebidos e não concebidos) podem receber bens em sucessão e, além disso, podem
receber doações. Os nascituros já concebidos podem receber bens por sucessão legal (caso não haja testamento ou este não seja
válido) ou por sucessão testamentária e contratual, ao contrário dos nascituros ainda não concebidos.
De natureza pessoal - os nascituros concebidos têm direitos de natureza pessoal que lhe sejam inatos, mas abrem-se as portas a
pretensões indemnizatórias em casos de atentado à vida ou à integridade física dos nascituros. Os direitos de natureza pessoal são
os direitos de personalidade: o nascituro tem direito à vida, à integridade física, à imagem, à honra, ao livre desenvolvimento da
personalidade.

O art. 66.º/2 diz que os direitos, que a lei reconhece aos nascituros, ficam sujeitos a uma condição suspensiva quanto ao seu
nascimento (a sua eficácia ficaria dependente do seu nascimento), então este artigo só se aplica aos direitos de natureza patrimonial,
porque se fosse também aplicável aos direitos de natureza pessoal cairíamos numa antinomia normativa (numa contradição ao
direito civil). Alguns autores defendem que só se aplicam a direitos de natureza patrimonial, porque há uma série de direitos de
natureza pessoal que têm de ser protegidos durante a fase que o nascituro ainda não nasceu.

Como é que compatibilizamos isto com o facto de existir um aborto legal?


Perante o direito civil, o aborto é ilícito porque se se protege a integridade física do nascituro, não se descortina qualquer motivo
para deixar sem tutela a sua vida.
No direito penal, direito de ultima ratio, para haver hipótese de incriminação tem que se cumprir 2 requisitos: 1) dignidade do
bem jurídico; 2) é necessário que se cumpra o critério de eficácia ou eficiência legal. Isto levou à discriminalização do aborto.
Quando o direito penal diz que o aborto não é incriminável - não atribui direito ao aborto, apenas retrai o direito penal.
Quanto aos defensores da não ilicitude do aborto, estaríamos a falar, essencialmente, na liberdade de escolha da mãe de não
auxiliar o filho.
A partir do momento em que justificadamente reconhecemos a impossibilidade de negar a um ser humano - ainda que nascituro -
a qualidade de pessoa e em que justificamos as exceções à punibilidade do aborto do ponto de vista da eficácia da lei penal, abrindo
as portas à possibilidade de proteção do embrião ao nível do direito civil.

O nascituro tem ou não tem personalidade jurídica?


A personalidade jurídica é, então, a suscetibilidade de ser titular de direitos e de deveres. Se dizemos que os nascituros têm
personalidade jurídica parece que entramos em contradição, então vejamos as respostas diversas:
Primeira Posição - Os nascituros não têm personalidade jurídica.
Verifica-se um fenómeno de retroação da personalidade. Os direitos dos nascituros seriam reconhecidos, mas verdadeiramente
tudo se passava como se no momento do nascimento a personalidade jurídica retroadisse.
Não podemos aceitar esta posição porque:
1) Contraria o princípio maior de onde partimos (princípio do personalismo ético, onde temos que reconhecer a dignidade a
toda e a qualquer pessoa independentemente de tudo).
2) Esta teoria não explica o reconhecimento de diretos de natureza pessoal ao nascituro porque sabemos que nesse caso o art.
66.º/2 não se aplica aos direitos de natureza pessoal, então não faz sentido falar nesta retroação.

Segunda Posição - Direitos sem sujeitos.


Aqui, os direitos existiriam, mas ficariam submetidos a uma condição suspensiva e só mais tarde é que entravam na titularidade
de um determinado sujeito.
Não pode ser aceite porque:
1) Estaríamos a contrariar mais uma vez o sentido do personalismo ético.
Não quer dizer que a categoria dos direitos sem sujeitos não possa ser aproveitada para outras situações, p. e., para um título de
crédito - bilhete de lotaria perde-se, mas o direito existe, apesar de ainda não ter entrado na esfera do sujeito, então pode-se falar em
direitos sem sujeitos.

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Terceira Posição - Os nascituros têm personalidade jurídica parcial.


Devemos entender que o princípio fundamental que alicerça o nosso direito civil - Personalismo Ético - impõe ao ordenamento
jurídico o reconhecimento da personalidade jurídica a todo e qualquer humano. Então, os nascituros, nessa medida, têm
efetivamente personalidade jurídica.
Esta personalidade jurídica vai-se depois verter naquilo que Orlando de Carvalho classificava como Subjetividade Jurídica
(possibilidade de ser sujeito de direito - só se justifica quando a integridade do nascituro está a ser posta em causa) que será aquela
que está contemplada no art. 66.º.
Em relação aos nascituros, devemos pensar que são sujeitos de direitos, ou seja, têm personalidade jurídica de acordo com a
Subjetividade Jurídica, sempre que as especiais circunstâncias em que se encontrem determinem que não faz sentido a
consideração daquele momento temporal que é o nascimento. Ou seja, o momento fundamental do nascimento deixa de ser
relevante sempre que as circunstâncias determinem a necessidade de tutela mesmo antes desse nascer.
Quanto aos nascituros não concebidos, não têm personalidade jurídica porque não passam de um mero projeto a vir a ser, não
existem enquanto seres humanos.

Quando termina a personalidade jurídica?


A personalidade jurídica cessa nos termos do art. 68.º. Com a morte extingue-se as relações jurídicas de natureza pessoal e as
relações jurídicas de natureza patrimonial e serão transmitidas aos herdeiros através do fenómeno sucessório.
Mesmo depois da morte é possível tutelar alguns bens da personalidade de acordo com o art. 71.º, mas isto não implica qualquer
desvio à regra da personalidade jurídica cessar com a morte.
O critério da morte é o critério da morte cerebral, ou seja, a pessoa está morta quando o seu tronco cerebral deixa de ter qualquer
atividade.

Mas há situações em que não é possível determinar se a pessoa efetivamente morreu ou não morreu, em que não é possível um
profissional da área atestar o obtido, designadamente nas situações em que não existe cadáver.
Estas hipóteses em que alguém desaparece em circunstancias tais que não podemos duvidar que a pessoa morreu, não se podem
confundir com outros desaparecimentos ligeiros - o desaparecimento não pode deixar margens para dúvidas.

Quando não se encontra o cadáver e a pessoa desaparecer em situações tais que não nos permite duvidar da morte, então
presume-se que a pessoa morreu (art. 68.º/3) - Presunção da Morte.

O art. 68.º/2 consagra a Presunção de Comoriência. Nas hipóteses em que não é indiferente saber quem morreu em primeiro
lugar, vamos aplicar a presunção de comoriência que nos diz que vamos presumir que eles morreram ao mesmo tempo.
Exemplo: A é casado com B e têm um filho, C que está casado com D. A é proprietário de um apartamento e de um
estabelecimento comercial. A e C estavam embarcados num navio que naufragou, desapareceram e foram dados como
mortos, mas não sabemos quem morreu primeiro.
1ª hipótese: A morreu primeiro, então os seus herdeiros são B e C. C morre a seguir, então parte do que recebeu de A vai
pertencer a B e a D.
2ª hipótese: C morreu primeiro, não tem bens. A seguir morre A e o seu herdeiro é B.

Quando temos o desaparecimento sem notícias, falamos no Problema da Ausência. Na linguagem corrente, a ausência traduz-se
na não presença. Na linguagem jurídica, a ausência é a não presença acompanhada da ausência de notícias (não sabemos do seu
paradeiro).

Quanto aos mecanismos para administrar os seus bens, falamos no Instituto da Curadoria Provisória (arts. 89.º ss.).
Para que seja nomeado Curador Provisório:
1) É preciso que se verifique uma situação de ausência;
2) É necessário que o ausente não tenha representante legal, nem tenha procurador/representante voluntário (o representante
legal atua em nosso nome, mas posso ainda nomear um representante voluntário que é alguém a que confiro poderes para atuar
em meu nome).

Pode requerer a Curadoria Provisória:


1) Ministério Público;
2) Qualquer interessado

O Curador Provisório pode ser qualquer pessoa prevista no art. 92.º. Este tem que prestar contas da sua atuação, tem que
prestar uma caução. A Curadoria Provisória termina numa das situações previstas no art. 98.º.

Neste período de ausência, a presunção mais forte é a do regresso do ausente. Todo este regime está desenhado com base na
ideia em que o ausente vai regressar.
Todavia, o tempo passa e a esperança que o ausente regresse pode esmorecer-se e há um determinado momento em que a
presunção de que o ausente vai regressar equilibra-se com a presunção do não regresso do ausente.

Inicia-se a Curadoria Definitiva (art. 99.º ss.) e termina nos termos do art. 112.º.
Os pressupostos para haver Curadoria Definitiva:
1) Uma situação de ausência;
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2) O decurso de um determinado período de tempo (2 anos se não houver representante legal ou voluntário; 5 anos se houver
representante legal ou voluntário).

Quem poder requerer a Curadoria Definitiva (art. 100.º):


1) Os cônjuges;
2) Os herdeiros do ausente;
3) Todos aqueles que tiverem direitos sobre os bens do ausente, cujos direitos estejam dependentes da morte dele.

Com a Curadoria Definitiva, os bens do ausente são entregues aos herdeiros, mas são entregues a título de curadoria e não
a título de direito de propriedade, porque, apesar da presunção do regresso ser agora mais fraca, ela mantém-se, então os
herdeiros ainda não considerados proprietários, então o tribunal pode exigir o pagamento de caução aos curadores definitivos (art.
107.º). Então os curadores definitivos não podem praticar todo e qualquer ato (art. 94.º/3), e isto aplica-se também aos curadores
provisórios.
Com a passagem do tempo, a presunção que ainda existia do regresso do ausente, desvaneceu-se e agora há a presunção que o
ausente não regresse e pode até já ter morrido, então vai ser possível assumir a Declaração de Morte Presumida (arts. 114.º ss.).
Requisitos para que haja Declaração de Morte Presumida:
1) Uma situação de ausência;
2) É necessário que tenha decorrido um certo lapso de tempo e este lapso, em regra, é de 10 anos, mas podemos ter prazos
especiais:
- Prazo de 5 anos se, entretanto, o ausente tiver completado 80 anos;
Exceção: O ausente tinha 74 anos, se esperássemos 5 anos, este não fazia 80 anos, mas se esperássemos
10 anos trataríamos de forma dispare a situação dos 80 anos, era uma solução inequitativa. Então, tínhamos
de esperar até aos 80 anos, esperávamos 6 anos.
- Quando o ausente é menor nunca pode haver declaração de morte presumida antes dos 23 anos (art. 114.º/2 - não pode
haver declaração de morte presumida se ainda não tiverem passado 5 anos desde o dia em que o ausente faria 18 anos).

Para haver declaração de morte presumida, não é preciso que tenha havido curadoria provisória ou definitiva, e vice-versa.

Havendo declaração de morte presumida, tudo se passa como se a pessoa tivesse efetivamente morrido. Tem os mesmos
efeitos que a morte, mas com 1 exceção - o casamento não se dissolve, mantém-se.
Se o casamento for civil, o cônjuge do ausente pode contrair novo casamento, considerando-se o primeiro matrimonio
dissolvido à data da declaração de morte presumida. Se o casamento for pela igreja, não será assim tão simples.
Se a pessoa casar novamente e o ausente voltar, consideramos que o casamento com o ausente se extinguiu à data da declaração
de morte presumida por divórcio (art. 116.º).

Em termos patrimoniais, e para todos os outros efeitos, a declaração de morte presumida equipara-se à morte e os bens do
ausente são entregues aos herdeiros a título de herança.

O que acontece aos bens do ausente que regressa?


O art. 119.º diz-nos que os bens têm que ser devolvidos ao ausente no estado em que se encontravam.
Exemplo: A tem uma conta bancária, um estabelecimento e um apartamento. À data do seu regresso, o saldo da conta
bancária é zero, já não se pode restituir esse valor porque já foi gasto, mas, se já se tivesse vendido o apartamento, o
dinheiro resultante da venda deveria ser transferido para A. Ou, se com o dinheiro da venda, os herdeiros adquiriram outro
apartamento (tinha que estar escrito que o dinheiro resultante da compra do apartamento resultou da venda do apartamento
de A), então esse segundo apartamento é devolvido a A, sob o efeito de sub-rogação (coloca-se algo no lugar do bem
original).

Apesar de não se poder confundir a Declaração de Morte Presumida com a Presunção de Morte do art. 68.º/3. No quadro do art.
114.º, a morte presumida é declarada depois de decorrido um espaço de tempo. Pelo contrário, no quadro do art. 68.º/3, não ficamos
dependentes de qualquer prazo para haver presunção de morte, visto que a morte pode ser logo presumida, desde que verificados os
requisitos aí previstos. No entanto, nas hipóteses de engano de presunção de morte na aplicação do art. 68.º/3, aplica-se por analogia
a solução do art. 119.º.

Direitos de Personalidade

A personalidade jurídica, de acordo com o conteúdo ético-axiológico do direito civil, tem que deixar de ser compreendida em
termos materialmente formais, mas em termos materialmente densificados e isso pressupõe o reconhecimento de um conteúdo
mínimo da personalidade jurídica dado pelo conjunto de direitos que necessária e obrigatoriamente têm que ser reconhecidos a
qualquer pessoa. O conteúdo mínimo da personalidade jurídica é nos dado pelos direitos de personalidade.

Os direitos de personalidade são direitos que têm como objeto a própria personalidade humana.
Podem ter como objeto a pessoa humana globalmente considerada nas suas múltiplas refrações, múltiplas dimensões, nos seus
muitos bens e estamos perante o direito Direito Geral de Personalidade.
Ou então podem ter como objeto determinados bens da personalidade, então falamos de Direitos Especiais de Personalidade.
Qualquer bem da personalidade que possa ser destacado pode ser entendido como objeto de Direitos Especiais de Personalidade.

Do ponto de vista histórico:


I.M.

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Os direitos de personalidade começaram por não existir, à semelhança do direito subjectivo.
Até ao período jusracionalista iluminista, a tutela da pessoa era feita em termos objetivos. A pessoa era protegida porque se
inseria numa ordem.
Só com a autonomização do sujeito é que surge um referencial que permitia a subjetivação jurídica e a afirmação dos direitos de
personalidade.
Com a construção do Estado é que os direitos de personalidade ganham importância: primeiro, são pensados como direitos do
indivíduo (ele podia fazer o que quisesse – invocasse esses direitos para «desculpar» certos atos); hoje, não são direitos dos
indivíduos, mas direitos da pessoa e têm um fundamento ético-axiológico (dignidade da pessoa humana).
Então, a evolução histórica dos direitos de personalidade acompanha a evolução histórica do direito subjectivo.

Há alguns autores que ainda hoje negam a autonomia dos direitos de personalidade enquanto verdadeiros direitos subjetivos:
• Argumento de índole mais lógica-conceptual: dizem que não faz sentido termos um direito em que o sujeito e objeto
coincidem. Concebemos o direito subjectivo como um poder de vontade, então se concebermos os direitos de personalidade
como verdadeiros direitos subjetivos, estamos a correr o risco de transformar o homem no escravo de si mesmo. Isto porque,
se exerço os meus direitos de personalidade de acordo com o meu poder de vontade, invocando-se o direito de liberdade,
posso invocar formalmente qualquer desejo transformando-me em escravo de mim mesmo. P. e., a pessoa vê uma estátua da
antiguidade clássica e decide amputar os seus braços por achar esteticamente bonito, transformando-se em escravo de si
mesmo, invocando o direito de autodeterminação do próprio corpo.
Mas esta posição não afasta a possibilidade de concebermos os direitos de personalidade porque o direito subjetivo não é um
direito polarizado no indivíduo, mas sim na pessoa (categoria ético-axiológica), então só posso invocar estes direitos de
personalidade se essa invocação não contrariar o fundamento-último de reconhecimento desses direitos que é a dignidade da pessoa.

Temos que relembrar que do lado ativo da relação jurídica temos o direito de personalidade e do lado passivo temos um dever de
respeito (porque há situações em que quem está do lado passivo pode não ter de apenas omitir qualquer comportamento que ponha
em causa a personalidade alheia, como também de adotar determinados comportamentos positivos no sentido de salvaguardar o
direito de outrem).

Características dos Direitos de Personalidade:


- Gerais (são titulados por todas as pessoas, são universais);
- Inatos (surgem com o próprio surgimento da pessoa - os próprios nascituros são titulares de direitos de personalidade.
Exceções: os direitos de personalidade que não são inatos - direito ao nome (depende do registo do nome no registo civil); direito
moral de autor (depende que a pessoa elabora uma obra literária, artística, etc.));
- Absolutos (beneficiam de uma proteção erga omnes, vinculam todos os membros da comunidade jurídica);
- Extra-patrimoniais (são pessoais, não suscetíveis de avaliação patrimonial, i. é., determinados direitos não podem ser alvo de
algum aproveitamento patrimonial, como o direito à imagem alvo de exploração económica);
- Inalienáveis (o seu titular não os pode renunciar, não pode abdicar deles porque nesse caso estaria a abdicar da sua dignidade);
- Tendencialmente indisponíveis (direitos não dominiais, porque o titular não tem plena disposição desse direito, não pode
dispor deles, mas há situações em que os pode limitar voluntariamente através do consentimento do ofendido - arts. 81.º e 340.º).

Notas sobre o Consentimento:


O consentimento é uma forma de excluir a ilicitude do ato.
O comportamento do sujeito que lesa o direito de personalidade alheia é ilícito porque é violador de direitos absolutos e o
consentimento serve para excluir essa ilicitude.
Temos 3 tipos de consentimento: consentimento vinculante, consentimento autorizante e consentimento tolerante.
• Consentimento Vinculante - o titular do direito confere um poder jurídico de agressão, confere um direito a um terceiro
para que o seu direito de personalidade seja limitado. P. e., A cedeu a sua imagem à agência de modelos X.
• Consentimento Autorizante - o titular do direito confere um poder fáctico de agressão, já não é jurídico. A pessoa pode
retirar esse consentimento a qualquer momento (art. 81.º), mas tem que indemnizar pelos prejuízos causados às legitimas
expectativas. P. e., consentimento prestado ao médico para extrair um órgão com vista à transplantação.
• Consentimento Tolerante - o titular do direito não confere um poder jurídico de agressão, nem um poder fáctico de
agressão, mas traduz-se numa mera causa de exclusão de ilicitude e é no fundo o consentimento a que se refere o art. 340.º.

O próprio consentimento tem limites!


O art. 340.º diz-nos que o consentimento não pode ser contrário a uma proibição legal ou aos bons costumes.
O art. 81.º diz-nos que o consentimento não pode ser contrário aos princípios de ordem pública.
No caso dos direitos de personalidade, o consentimento será inválido quando ponha em causa a dignidade da pessoa que está na
base do reconhecimento do próprio direito.

O consentimento 1) tem que ser livre e voluntário, 2) tem que corresponder a um ato de vontade do sujeito, então pode ser
revogado a todo o tempo.
Mas deve cumprir determinados requisitos:
1) Não pode haver qualquer coação;
2) Tem que ser um consentimento específico, ou seja, em determinados domínios, que são caracterizados por uma especial
complexidade técnica, o consentimento pode ter que ser acompanhado por deveres de esclarecimento preciso: consentimento
informado tanto no domínio médico, como no domínio da proteção de dados.

I.M.

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Exemplo: no domínio médico isto é essencial - a falta de consentimento, quanto à autodeterminação sobre o
próprio corpo, torna o ato médico ilícito; mas há uma exceção caso a intervenção seja necessária para salvar a vida
de alguém.

O consentimento não tem que ser expresso ou explícito: em alguns domínios, p. e., no domínio médico, basta ser de facto; no
geral, pode ser tácito (prestado através de atos concludentes, dos quais se pode extrair com grande margem de certeza a vontade do
sujeito).
O art. 340.º/3 fala-nos num consentimento presumido, como o médico que intervenciona A quando chega às urgências
inanimado, sendo que salvá-lo seria de acordo com a sua vontade presumida.

No art. 71.º fala-se em tutela de direitos de personalidade de pessoas já falecidas. Mas este artigo é objeto de profunda
discussão doutrinal, então temos 3 perspectivas quanto a este artigo.
1ª Perspetiva: os autores afirmam que se trata de uma exceção à regra jurídica segundo a qual a personalidade jurídica cessa
com a morte. Não podemos aceitar esta posição porque nada indica a continuidade da personalidade jurídica, visto que todas as
relações pessoais e patrimoniais se extinguiram no momento da morte e foram transferidas para outras esferas jurídicas por via
sucessória.

2ª Perspetiva: não são os direitos de personalidade que são protegidos, mas protege-se apenas alguns dos direitos dos familiares
sobrevivos. Não é uma posição a aceitar porque se em causa estivesse diretamente os direitos da pessoa sobreviva não era preciso
uma disposição legal a consagrá-los e não fazia sentido a regra da legitimidade prevista no art. 71.º/2.

3ª Perspetiva: o que está em causa é a tutela de alguns bens da personalidade do falecido, bens esses que acabam por irradiar os
seus efeitos para além da própria morte, sendo que a proteção dispensada a esses bens é exercida pelos familiares sobrevivos, então
não se fala de todo e qualquer direito de personalidade, mas de determinados bens da personalidade cuja eficácia se perpétua para
além da morte (como o direito à imagem, direitos de autor, direito à honra). Esta é a posição aceite. Esta tutela post mortem pode
gerar alguns conflitos, como a investigação histórica ou a tutela da história pessoal de um determinado sujeito. Sendo que para ser
solucionado, temos que recorrer a um elemento essencial - o tempo. Quanto mais tempo passar, menor é a proteção dispensada
aos bens da personalidade da pessoa falecida. Os direitos de autor mantêm-se durante 70 anos, este é um marco temporal
importante, mas não é rígido quando se fala em conflito de direitos, ou quando estes entrem em colisão. Também temos a tutela do
cadáver ou dos restos mortais do falecido, e temos inclusivamente diversa jurisprudência desta matéria.
Os direitos de personalidade não são taxativos:
Não vou conseguir abarcar todos os direitos de personalidade existentes porque estão sujeitos a um Princípio de Numerus
Apertus que, por contradição aos Numerus Clausus, não há um regime tipificado de direitos de personalidade. Podemos ter
tantos direitos de personalidade quantas sejam as manifestações possíveis da personalidade humana.
Também não existe um número taxativo de direitos especiais porque resultam da autonomia de esferas da personalidade. O
elenco de direitos especiais de personalidade é infindável.
O direito geral de personalidade também abarca todos os bens da personalidade de forma não taxativa, de forma não típica, então
só fazemos referência a alguns dos bens da personalidade, a alguns dos direitos especiais de personalidade, não a todos.

Distinção entre Direito Geral de Personalidade e Direitos Especiais de Personalidade:


O Direito Geral de Personalidade está no art. 70.º e tem como objeto a personalidade humana globalmente considerada nas suas
múltiplas dimensões, ou seja, tutela a personalidade globalmente considerada.
O Direito Especial de Personalidade é um direito que tutela determinados bens específicos da personalidade humana.

Se temos um direito geral de personalidade que já protege todas as dimensões da personalidade humana, então porque temos
afinal os direitos especiais de personalidade?
O direito geral de personalidade protege a personalidade humana globalmente considerada.
Os direitos especiais de personalidade tutelam determinadas dimensões da personalidade humana.
- Ou porque pela sua importância axiológica foram autonomizadas pelo ordenamento.
- Ou porque são fruto de uma especial conflitualidade também são objeto de um tratamento especial.
Portanto, os direitos especiais de personalidade podem ter 1) origem legal (ser autonomizados pelo Legislador); 2) origem
jurisprudencial (a partir da resolução concreta de casos concretos pela jurisprudência); 3) origem doutrinal (na densificação que a
doutrina vai fazendo e na tentativa de apresentação de critérios de solução de vários problemas de quid iuris).

Este direito geral de personalidade relaciona-se com o direito especial de personalidade como qualquer regime geral se relaciona
com um regime especial (lei especial derroga lei geral) e sempre que um determinado aspeto não esteja especificamente previsto no
regime especial, podemos recorrer ao regime geral.

Objeto de Direito Geral de Personalidade:


O direito geral de personalidade tutela o homem globalmente considerado (o homem geral, não um arquétipo). É a tutela física
concreta do sujeito e não de um ideal.
Ao tutelar-se o homem histórico-concretamente situado, devemos ter em conta as suas diversas particularidades, por isso,
reconhece-lhe um direito à diferença. Este direito tem que ser entendido em termos prudentes, ou seja, não podemos invocá-lo para
sustentar comportamentos atentatórios à dignidade do sujeito. Temos que ter em conta as especificidades, as particularidades, as
idiossincrasias do sujeito em concreto, mas não podemos ir ao ponto de legitimar comportamentos atentatórios da sua personalidade

I.M.

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porque o direito de personalidade nunca pode ser exercido em contradição ao fundamento último do reconhecimento desse
direito pelo ordenamento jurídico.
A tutela que se dispensa à personalidade humana postula a diferença entre homens e mulheres. É uma diferença no plano
ontológico, biológico e social e não poderá ser uma diferença do ponto de vista axiológico, então postula-se uma ideia de absoluta
igualdade da qual não podemos prescindir.
Se estamos a ter em conta o homem histórico-situado e não o arquétipo de homem, temos de ter em conta que o ser humano é um
ser evolutivo e dinâmico. O homem que existe no momento em que nasce não é exatamente igual às características do homem na
vida adulta e até mesmo na velhice e na decadência do próprio corpo.
Alguns autores sustentam que a tutela que o direito geral de personalidade dispensa deve atender aos vários ciclos evolutivos da
personalidade humana. Então, Capelo de Sousa distingue várias fases:
1) Fase da pessoa ainda não nascida - tutela dos nascituros.
2) Período da pessoa que já nasceu - aqui temos que ter em conta a particularidade dos menores (os pais têm um poder-dever
em relação aos filhos e estes vão ter um dever-obediência em relação aos pais, mas para que os pais possam exercer esse poder,
têm que saber em concreto aspetos particulares da vida dos filhos; então, o DGP inclui a tutela da privacidade, mas no caso dos
menores esta pode ser limitada; isto não significa que se elimine essa esfera de privacidade à medida que o menor vá ganhando
autonomia, então os pais têm que cada vez mais ir respeitando essa privacidade).
3) Fase da vida adulta - vai suscitar novos problemas, do ponto de vista dos direitos de personalidade, que nas anteriores fases
não foram suscitados, p. e., o casamento pode restringir alguns direitos de personalidade.
4) Fase do envelhecimento - a esperança média de vida tem aumentado, e ao mesmo tempo vão padecer de novos problemas
que antigamente não existiam porque as pessoas não viviam tantos anos, então pode haver uma necessidade de tutela de direitos
de personalidade que anos passados não existiam.
5) Fase depois da morte da pessoa - a pessoa corporeamente já não existe, mas há determinados bens da personalidade que se
mantêm e o art. 71.º dispensa essa tutela a alguns bens da personalidade.

Além desta análise dinâmica, temos que fazer uma análise estática do objeto do direito geral de personalidade. Capelo de Sousa
faz a seguinte sistematização:
Duas dimensões são protegidas, o Complexo Unitário Bio-Psico-Somático e a Dimensão Eu-Mundo.
Complexo Unitário Bio-Psico-Somático - a pessoa é como um complexo, então é integrado por vários bens que forma
uma unidade. Em primeiro lugar, vai-se proteger a vida. Em segundo, o corpo e os seus elementos; Em terceiro, o espírito
e os seus sistemas; Em quarto, a capacidade criadora do homem e as suas próprias criações.
Dimensão Eu-Mundo - o ser humano não vive no isolamento, é um ser relacional, então vamos também tutelar
determinadas dimensões da personalidade que só são problematizáveis na relação do eu com os outros. Aqui tutela-se, em
primeiro lugar, a identidade (dentro da identidade encontramos a proteção da imagem, da voz, dos gestos, da escrita, do
nome, do pseudónimo, da história pessoal, da identidade política, da identidade psicológica, da identidade sexual, da
identidade genética, etc.). Em segundo, a liberdade. Em terceiro, a igualdade. Em quarto, a existência e a segurança. Em
quinto, a honra. Em sexto, a privacidade. Em sétimo, o desenvolvimento da personalidade.

Vamos tentar conformar a proteção dispensada a alguns bens que se integram na tutela do DGP e como se conforma a tutela
dispensada a alguns DEP (sendo que às vezes há coincidência entre DEP e entre bens tutelados pelo DGP).

Direito à Vida
É o direito máximo, sustentado por todos os outros, é o bem da personalidade que alicerça todos os outros direitos.
Tutelam-se todas as vidas sem distinção e, como o direito pressupõe sempre a ética, não é possível distingir vidas ou dizer que
uma vida é mais importante que outra, do ponto de vista ético-jurídico.
Tutela-se a vida do nascituro e aborto será sempre um ato ilícito no direito civil.
Protege-se as vidas em declínio e o suicídio é um ato ilícito que poderá gerar responsabilidade civil, pode dar origem a um
indemnização no art. 495.º.
Isto coloca-nos um problema suscitado pela legislação penal ou por aquilo que podemos imaginar que venha a ser a nova
regulamentação da eutanásia, i. é., a liberalização do comportamento deixando de haver a previsão em determinadas circunstâncias
da incriminação penal do auxílio ao suicídio e da morte em pedido. Ainda que se liberalize o direito à eutanásia do ponto de vista
penal, no direito civil continuará a ser ilícito porque o consentimento subjacente a essa prática não é válido (ultrapassa os limites do
art. 81.º).
Também são consideradas ilícitas as hipóteses de auto-colocação em risco, como a roleta russa ilícita porque cria um perigo
desnecessário para a vida.

Direito à Integridade Física


Tutela-se o corpo, as partes componentes do corpo, as relações fisiológicas entre os diversos órgãos, as estruturas anatómicas, as
partes destacáveis do corpo (próteses).
Vai-se proteger a saude, visto que pode haver afetação da integridade de alguém sem sequer existir contacto com a pessoa.
Tutela-se ainda a auto-determinação sobre o próprio corpo que envolve o poder que cada um tem de decidir o que fazer com o
seu corpo (vertente positiva) e de impedir que um terceiro interfira sem autorização com ele (vertente negativa).
A sua vertente positiva: conhecerá limites já reconhecidos aos direitos de personalidade, ou seja, limite que passa pela necessária
consideração do fundamento último do reconhecimento desse direito de personalidade. Não se pode legitimar um comportamento
atentatório da personalidade.
A sua vertente negativa: coloca-se problemas como, p. e., na atuação médica. O médico que atua sobre o corpo de um paciente
para diagnosticar uma doença, para curar ou etc., não atenta contra a integridade física do sujeito, mas o médico não pode inferir no
corpo do paciente sem a sua autorização, daí a necessidade do consentimento informado, sob pena de auto-atentar contra o paciente,

I.M.

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então o consentimento é imprescindível para que o ato do médico não seja ilícito. Mas haverá outra situações em que não terá
consentimento, então deve-se presumi-lo (art. 340.º), pode atuar ao abrigo de uma outra causa de exclusão da ilicitude se em causa
estiver a salvaguarda da vida do paciente.

Direito à Integridade Psíquica


Protege-se o sistema cognitivo e o sistema volitivo (a capacidade de pensar e de conhecer bem a vontade), então vão ser
considerados ilícitos todos os comportamentos que afetem esses sistemas do sujeito, como a sujeição de um determinado sujeito a
drogas alucinógenas.
Em bom rigor, não há uma fronteira nítida entre a integridade física e a integridade psíquica. Por vezes, as lesões atingem as duas
componentes. P. e., Neste caso foi legitimado, por via da jurisprudência, o direito ao sono e o direito ao descanso. O vizinho que faz
barulho a noite inteira e não permite que a pessoa descanse. Este comportamento põe em casa a integridade psíquica da pessoa (sem
descansar, fica com as capacidades cognitivas afetadas), mas também a sua própria integridade física (sente cansaço). Então, não é
simples estabelecer uma linha divisória clara entre onde está a integridade física e a integridade psíquica.

Direito à Integridade Moral


Tutelam-se todos os sentimentos, mas com prudência também. Só vamos tutelar os sentimentos que correspondam a conceções
eticamente valiosas, p. e., não vamos tutelar sentimentos de ódio racial.
Podem estar aqui em causa os sentimentos de afeição, sentimento de piedade pelos mortos, sentimento religioso e aqui colocam-
se alguns problemas:
- A propósito do sentimento de piedade pelos mortos: já foi objeto de diversos acórdãos do STJ, situações cuja resolução
passava pela consideração deste sentimento e pela sua tutela e ainda o sentimento religioso.
- Há conflitos entre a liberdade de expressão, nomeadamente, o direito à sátira e o direito à tutela do sentimento
religioso. O problema é que a sátira envolve um exagero, mas deve conter-se dentro de alguns limites e estes passam pela
proibição do achincalhamento, ou proibição da ofensa gratuita, pelo reconhecimento do ius iocandi (a sátira só é legítima
quando o objetivo é despertar o riso), pelo reconhecimento e respeito por direitos alheios.

Direito à Identidade
Tutelam-se o direito à identidade sexual, direito ao nome, direito ao pseudónimo, direito a não ser associado a qualquer ideologia
política ou religião que a pessoa não comungue ou professe e direito à identidade genética, bem como à integridade genética
(proibição da clonagem).
Aqui prestamos especial atenção a um direito especial de personalidade, o direito à imagem (art. 79.º). É o poder que cada um
de nós tem de controlar os sinais visuais exteriores de identificação da pessoa. Não envolve só o direito ao retrato, é mais amplo que
esse, porque pode acontecer que uma determinada pessoa possa ser identificada a partir de um qualquer sinal visual exterior que não
envolva o seu retrato/cara (p. e., uma modelo famosa que tenha um sinal característico na mão e o utilize para sua própria
publicidade).
Este direito à imagem implica que o retrato não possa ser exposto, reproduzido ou lançado no comércio.
A captação da imagem deve ser considerada ilícita, sendo que o simples gesto de tirar uma fotografia mesmo que não
pretenda lançar no comércio é um ato ilícito. Fundamentação:
1) O Legislador não fala da captação da imagem no art. 79.º, mas de acordo com a aplicação da tutela geral, sendo que
não há tutela especial, a ilicitude resultaria da aplicação do art. 70.º.
2) A captação da imagem aumenta o risco de exposição da imagem, e se o que está em causa é o poder que cada um
tem de controlar os sinos visuais da sua própria identificação, então as pessoas não têm que ficar reféns do risco
acrescido que decorre daquela captação, parece que a própria captação se poderia encontrar no âmbito de relevância do
art. 79.º.
É possível excluir esta ilicitude, através do consentimento.

Mas o art. 79.º/2 prevê situações em que esse consentimento nem sequer é necessário - a captação de imagem não é ilícita:
1) A reprodução de imagem vem enquadrada em lugares públicos ou em factos de interesse público que haja decorrido
publicamente;
2) Exigências de polícia ou de justiça (a divulgação da imagem pode ser necessária para a prossecução das finalidades
de polícia ou de justiça; se não for necessário, a imagem deve ser tratada a não permitir a identificação da pessoa - é
necessário haver a adequação meio-fim, mesmo quanto às finalidades cientificas, didáticas ou culturais);
3) A notoriedade ou cargo que a pessoa desempenhe (quanto ao julgamento sobre a denúncia da Princesa Carolina do
Mónaco resultou 2 critérios: 1º critério - Critério do Isolamento: é possível a captação da imagem de uma figura
pública conhecida pela sua notoriedade, exceto nas situações em que a pessoa está num local em que pelas suas
características se comporta de um modo diverso daquele que se comporta no domínio geral; 2º critério - Critério do
Interesse Público: é possível a captação da imagem da figura pública, desde que essa captação seja feita nas
circunstancias que justificam essa notoriedade, não noutras, p. e., a captação da imagem de um cantor sempre que esteja
no contexto de música. O 2º critério está mais ligado à intencionalidade do art. 79.º e é muito mais restrito do que o 1º
critério, mas suscita dificuldades nos casos de figuras públicas com uma dimensão pública tão ampla onde é difícil
perceber qual a sua esfera de vida privada.

A violação do direito à imagem pode provocar a violação do direito à privacidade, direito à honra, mas também pode envolver a
violação do direito à verdade pessoal e direito à identidade e este problema coloca-se a propósito do mundo digital e da famosa
manipulação de imagem no mundo digital (as famosas fake news que uma vez divulgadas põem em causa a honra e a história
pessoal da pessoa).

I.M.

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Direito à Privacidade
É um bem da personalidade que diz diretamente respeito à dignidade da pessoa humana e não pode deixar, nessa medida, de ser
reconhecido e tutelado pelo ordenamento jurídico. Diz respeito à personalidade humana e à sua dignidade porque o ser humano
necessita de um espaço protegido de qualquer intromissão para que aí se sinta à vontade para desenvolver integralmente o seu eu e
todas as suas dimensões enquanto pessoa.
Esta privacidade aqui considerada não se confunde com a Privacy americana. Porque o que tutelamos no nosso ordenamento
jurídico é uma dimensão informacional, tutelamos o poder que cada um tem de controlar os dados da sua vida privada; Na common
law, para além desta dimensão informacional, tutela-se uma dimensão decisional, ou seja, considera-se que a pessoa como ser tem
direito a ser deixado só e há determinadas decisões que apenas dizem respeito ao sujeito e relativamente às quais não pode haver
intromissão, nem de privados, nem do Estado. Esta dimensão decisional não pode ser reconhecida entre nós porque radica de uma
compreensão do homem como um ser solitário que nós rejeitamos e, de acordo com a nossa compreensão, ninguém pode ter acesso
a dados da vida pessoal/privada de um sujeito sem a sua permissão.
Haverá violação deste direito à privacidade sempre que haja divulgação de factos da vida privada alheia, mas não é preciso que
haja divulgação, sendo que a própria tomada de conhecimento não autorizada desses factos em si mesmo já é um atentado contra
esta dimensão da personalidade humana. Então, ao nível da privacidade, tutelamos este poder de controlo das informações relativas
à nossa vida privada.
A panóplia de elementos que se tutelam ao nível da privacidade é tão ampla que alguma doutrina entende que se deve entender 3
esferas de privacidade:
1) Esfera Pessoal - todos aqueles elementos que, dizendo ou fazendo parte da vida pessoal do sujeito, não dizem respeito ao
público em geral, mas que facilmente podem ser captados por alguém que tenha o mínimo de contacto com a esfera de vida em
questão. P. e., os animais de estimação, o automóvel que conduzimos.
2) Esfera Privada - já é mais densa e profunda do que a primeira esfera, dizendo respeito aos gestos e preferências do sujeito,
às suas orientações e projetos de vida. P. e., gostos, preferências.
3) Esfera de Segredo - é ainda mais densa que a segunda esfera e fazem parte desta todos aqueles factos que sejam secretos
pela sua própria natureza. São segredos pela sua própria natureza ou então por determinação da pessoa. P. e., dados clínicos do
sujeito, diários íntimos, segredos de confissão.

A importância de fazer esta análise tripartida é conseguirmos perceber que à medida que caminhamos mais profundamente nestas
esferas de privacidade, tanto maior será a proteção que o ordenamento jurídico dispensa a este direito, ao ponto de haver decisões
jurisprudenciais em Portugal que recusam a consideração de um diário intimo como matéria de prova de um crime, exatamente por
se considerar um elemento pertencente à esfera de segredo, então seria uma prova ilícita a sua consideração.

Também são consideradas ilícitas as perseguições, então estamos a configurar o tal direito a ser deixado só (right to be alone),
mas este direito a estar só não pode ultrapassar esta consideração precisa da ilicitude das perseguições.
Também se pode alicerçar ao direito de privacidade o chamado direito ao esquecimento que tem hoje em dia uma importância
extrema quanto à proteção de dados pessoais. Este direito envolve que a pessoa seja esquecida, que se apague quaisquer dados dessa
pessoa; a pessoa tem o direito a exigir que seja definitivamente tudo apagado, expressa no regulamento geral de proteção de dados.

Há determinados sujeitos relativamente aos quais esta esfera de privacidade sofre algumas limitações:
- Quanto aos menores, face ao dever de obediência aos pais.
- Quanto às pessoas notoriamente conhecidas/famosas, relativamente a estas não são raros os conflitos que se verificam entre o
seu direito à privacidade e o direito à informação. As figuras públicas têm a sua privacidade limitada por vontade própria, na
maioria das vezes (procuram uma exposição mediática em nome da sua autopromoção), mas isto não quer dizer que as figuras
públicas vejam a sua esfera de privacidade eliminada: a esfera de segredo mantém-se intocável, a esfera privada e a esfera
pessoal conservam-se, embora possam estar limitadas e o critério para essa limitação é o Critério do Interesse Público, ou seja,
vamos considerar que apenas é lícita a divulgação de factos da vida privada destas figuras públicas quando tal cumpra uma
finalidade de interesse público que não se confunde com o interesse do público.

Direito à Honra
É o direito à imagem exterior que os outros têm do sujeito. Aqui encontramos duas vertentes:
A vertente pessoal: o respeito pela própria pessoa enquanto tal.
A vertente social: a consideração que a pessoa goza no ambiente em que se insere.

A propósito da honra, os autores têm questionado diversas conceções possíveis de honra:


• A conceção fáctica de honra aponta para a alteração de certos elementos de facto e, no fundo, acaba por nos trazer algumas
dificuldades porque se fossemos aferir a lesão da honra em termos fácticos, isso significaria que uma pessoa dotada de uma
sensibilidade exacerbada poderia sentir constantemente a divulgação de um facto como atentado à sua honra, por outro lado, se
estivéssemos perante uma pessoa ou dotada de uma sensibilidade ou de um sistema emocional muito forte, ou cuja inserção social
fosse particularmente negativa, não conseguíamos descortinar qualquer atentado à honra.
• A conceção normativa de honra mostra-nos que a pessoa, só pelo facto de ser pessoa, merece respeito e a partir desta
conceção podemos distinguir esferas invariáveis de honra e esferas variáveis de honra.
Esferas invariáveis de honra - a honra pessoal que se identifica com uma ideia de dignidade da pessoa humana (porque é
pessoa tem a sua honra que se identifica com a noção de dignidade de pessoa humana); a honra familiar onde o respeito não é
devido à pessoa polarizada em si mesmo, mas à família a que pertence.
Esferas variáveis de honra - a honra profissional que se relaciona com o crédito, i. é., se é boa pagadora ou má pagadora e,
nessa perspetiva, a honra identifica-se com a reputação e, portanto, estas esferas variáveis de honra podem ser lesadas com a
divulgação de determinados factos desonrosos, mas poderá ser lícita e aí tem que cumprir 2 requisitos: 1) é necessário que a

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informação divulgada seja verdadeira ou verosímil; 2) é necessário haver um interesse público, uma finalidade para haver aquela
divulgação.

Direito ao Livre Desenvolvimento da Personalidade


É o poder que cada um tem de que não seja privado das condições de pleno desenvolvimento das suas potencialidades como
pessoa. As potencialidades como pessoa são as aspirações da pessoa, o projeto vocacional da pessoa, a própria construção da
personalidade do sujeito.
Haverá lesão do direito sempre que as condições externas de desenvolvimento de potencialidades do ser humano sejam postas
em causa.
Devemos ser cautelosos com estes direitos porque têm sido invocados diversas vezes para sustentar/legitimar comportamentos
que são atentatórios à ideia de dignidade da pessoa e os direitos de personalidade só podem ser invocados em obediência ao
fundamento último do reconhecimento desses direitos, que é a própria dignidade da pessoa humana.

Como é que o titular dos direitos de personalidade pode reagir a comportamentos atentatórios que ponham esses mesmos
direitos?
1) Responsabilidade civil (não basta que haja violação de um direito personalidade, tem que haver o preenchimento de todos
os outros requisitos).
2) Podemos lançar mão das providências a que faz referência o art. 70.º/2, para atenuar os efeitos de uma lesão já consumada
ou então para prevenir essa consumação. Podemos estar a falar de um desmentir, um pedido de desculpas, recolha de livros,
revistas ou jornais publicados como material desonroso ou atentatório da privacidade, etc.

Capacidade Jurídica

A capacidade jurídica desdobra-se em capacidade de gozo e em capacidade de exercício.

Capacidade de Gozo - suscetibilidade para, em concreto, se ser titular de um círculo mais ou menos amplo de direitos ou
obrigações. A regra, quanto às pessoas singulares, é a da plenitude da sua capacidade de gozo, ou seja, podem ser titulares de
quaisquer direitos e de quaisquer deveres.
Mas há 3 exceções: art. 1601.º (os menores de 16 anos não têm capacidade de gozo de casar, têm incapacidade nupcial);
art. 1850.º (incapacidade para perfilhar - perfilhar é um ato voluntário onde o pai declara que é pai daquela criança ou
adulto); art. 2189.º (incapacidade para testar/fazer testamento). As incapacidades de gozo significam que o sujeito não é
titular da faculdade de casar/perfilhar/testar, estas incapacidade são insupríveis (não há forma de as afastar).

Capacidade de Exercício - suscetibilidade para pôr em movimento a esfera jurídica, exercendo/adquirindo direitos,
assumindo/cumprindo obrigações, por ato próprio e exclusivo ou através de um representante voluntário. Em regra, adquire-se
aos 18 anos e significa que os menores de 18 são incapazes de exercício de direitos. Em determinadas situações pode ser limitada
a capacidade de exercício do sujeito maior por referência a certos direitos e é o que acontece sempre que haja uma situação de
acompanhamento de maiores.

Regime da Menoridade
É menor quem ainda não completou 18 anos de idade (art. 122.º).
A maioridade atinge-se às 24h seguintes ao dia em que a pessoa faz 18 anos, ou seja, à meia noite do dia seguinte.
A menoridade termina quando a pessoa atinge os 18 anos (24h após), mas também com a emancipação. A emancipação traduz-se
na equiparação do menor ao maior e, segundo o ordenamento jurídico português, apenas ocorre através do casamento (art. 132.º).
Relativamente ao casamento, temos que considerar várias datas e vários períodos etários:
- Até aos 16, a pessoa não pode casar (incapacidade nupcial).
- No período intermédio entre os 16 e os 18 anos, a pessoa pode casar: 1) com autorização dos seus representantes legais, então
emancipa-se e adquire plena capacidade de exercício de direitos; 2) sem autorização dos representantes legais, o casamento é
válido mas irregular, a sanção para esta irregularidade é que o menor não se emancipa em relação aos bens que levou para o
casamento ou que posteriormente tenha adquirido a título gratuito.

Enquanto não houver capacidade de exercício, o menor pode ser titular de direitos, mas não pode exercê-los autonomamente.

O suprimento da incapacidade de exercício dos menores está no art. 124.º e, em regra, é feito por via da representação
legal. Há um determinado sujeito ou determinados sujeitos que vão agir em nome do menor, então há um sujeito que atua e os
efeitos jurídicos dessa atuação produzem-se na esfera jurídica do menor.
Em regra, o os representantes legais são os pais, mas quando isso não é possível, quem representa o menor é o tutor. O
representante legal vai exercer os direitos que o Direito é titular em nome do menor, mas os pais têm algumas limitações no art.
1889.º (se praticarem esses atos em nome do filho, serão considerados anuláveis pelo art. 1893.º); os tutores têm algumas limitações
nos arts. 1937.º e 1938.º e as suas sanções estão nos arts. 1939.º e 1940.º.

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Quando é que se fala em atos nulos e em atos anuláveis?
Falamos em invalidades, primeiramente, e isso significa que posso ter 2 tipos de invalidades: a nulidade e a anulabilidade. A
nulidade é mais grave que a anulabilidade.
Diferenças entre nulidade e anulabilidade:

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- Nos atos nulos, a nulidade pode ser invocada a qualquer tempo. Nos atos anuláveis não, a anulabilidade tem um prazo para
ser arguida e 1) o Legislador diz-nos qual é o prazo; 2) o Legislador nada nos diz e o prazo é o prazo-regra do art. 287.º (1 ano a
contar da cessação do vício).
- A nulidade pode ser invocada por qualquer interessado. No caso da anulabilidade, só poder ser invocada pela pessoas no
interesse das qual foi estabelecida.
- A nulidade é de conhecimento oficioso, ou seja, significa que o juiz recebe a peça processual, não é invocada a nulidade, mas
pode conhecê-la independentemente de ter sido invocada. No caso da anulabilidade, não pode ser conhecida oficiosamente.
- A nulidade não pode ser sanada. A anulabilidade poder ser sanada/resolvida através de 2 meios: 1) pelo decurso do tempo -
acabou o prazo, já não se pode fazer nada; 2) por confirmação - é o ato daquele, que poderia vir invocar a anulabilidade, que
confirma/reitera a celebração daquele negócio).
- A anulabilidade poder ser arguida sem dependência de prazo se o negócio não estiver cumprido. P. e., A fica com a obrigação
de entregar a coisa e B fica com a obrigação de pagar o preço. A anulabilidade pode ser invocada se uma das partes ainda não
tiver realizado a prestação a que se obrigou - art. 287.º/2. São as hipóteses onde o negócio ainda não está cumprido, então tenho o
momento de celebração do contrato e o momento do cumprimento do contrato, que até podem coincidir.
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Apesar do menor ser incapaz de exercício de direitos, há atos para os quais o menor tem excepcionalmente capacidade: art.
127.º.
Requisitos para o ato praticado pelo menor ser considerado válido:
- É necessário que o menor tenha mais de 16 anos (não só no momento da celebração do negócio, como também no momento
em que adquiriu o bem).
- O objeto do negócio tem que ser um bem adquirido pelo trabalho do menor. Trabalho deve ser entendido em sentido amplo,
não equivale ao exercício de uma atividade profissional, mas corresponde ao dispêndio, por mínimo que seja, de esforço físico e/
ou intelectual. Então, tem-se considerado que um menor num concurso de tv, o bem foi adquirido pelo seu trabalho, e não numa
atividade profissional.
- Tem que ser negócios jurídicos próprios da vida corrente do menor e que impliquem despesas de pequena importância,
devendo estar ao alcance da sua capacidade natural.

A intencionalidade do art. 127.º é permitir que não haja um corte abrupto entre a menoridade e a maioridade. O Legislador tem
noção de que o menor não é sempre o mesmo (o menor de 17 anos que até pode já viver sozinho não se equipara a uma criança de 4
ou 5 anos).
Há uma progressiva e gradual maturação do menor e isso permite que alguns negócios sejam realizados validamente pelo menor
sempre tendo em conta as suas particularidades.

Quanto aos diretos de natureza pessoal, o legislador nada nos diz. Todavia, vamos considerar que o art. 127.º/1/b vai legitimar a
prática de atos de natureza pessoal pelo próprio menor.

Se o menor praticar um ato que não pode praticar, rege o art. 125.º Este vem considerar que os atos do menor são anuláveis.

Quem é que pode arguir a anulabilidade dos atos do menor?


1) O representante legal no prazo de 1 ano a contar do conhecimento, mas nunca depois do menor atingir a maioridade;
2) O próprio menor pode arguir a anulabilidade no prazo de 1, a partir da maioridade ou da emancipação;
3) A requerimento de qualquer herdeiro do menor dentro do prazo de 1 a contar da morte do menor, desde que essa morte tenha
ocorrido antes de terminar o prazo que o menor tinha para arguir a anulabilidade.
Quem tem legitimidade para arguir a anulabilidade, pode confirmar o ato.

Há situações em que o menor perde a possibilidade de invocar a anulabilidade do negócio (art. 126.º):
O dolo do menor traduz-se na utilização de artimanhas, artifícios, de mentiras, com vista a fazer a contraparte acreditar que ele é
maior ou emancipado.
A consequência da utilização do dolo do menor é a impossibilidade de invocação da anulabilidade do negócio.
Quanto aos sujeitos que têm legitimidade para arguir a anulabilidade do menor:
- Os herdeiros também perdem essa legitimidade (porque vão ocupar a posição que era tida pelo próprio menor);
- Quanto aos representantes legais, há divergência na doutrina: há autores que defendem que estes mantêm a legitimidade para
arguir a anulabilidade porque o art. 126.º só se refere à ilegitimidade do menor; há outros autores que entendem que também os
representantes perdem a legitimidade.

- Nós defendemos a solução enquanto a solução mais justa, também os representantes legais não podem arguir a
anulabilidade do ato de um menor.
Argumentos:
1) O regime da menoridade e a incapacidade de exercício decorrente da menoridade existem para proteção do menor contra a
sua imaturidade, contra a sua irreflexão, contra a falta de ponderação na atuação do prazo negocial, etc. O ordenamento
jurídico parece considerar que se o menor tem a esperteza suficiente para encontrar estas artimanhas no sentido de enganar a
contraparte, então isso significa que ele não necessitará da proteção que o ordenamento jurídico lhe confere.
2) É fundamental tutelarmos a confiança da contraparte que foi enganada e acreditou seriamente e fundadamente que aquele
negócio era válido, visto que achava que estava a contratar com um maior.

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Regime do Acompanhamento de Maiores


Chegando aos 18 anos, a pessoa adquire a capacidade de exercício de direitos. A regra é a da capacidade!
Todavia, há pessoas que, por algumas das suas características acabam por não ter possibilidade de atuar no tráfego negocial sem
estarem sujeitas a uma grande vulnerabilidade. P. e., uma pessoa portadora de uma deficiência mental profunda necessita de uma
proteção em virtude das suas próprias características e não do ponto de vista etário. O nosso ordenamento jurídico desde sempre foi
sensível à necessidade de tutela que algumas pessoas necessitavam no âmbito do trafego negocial.

INTERDIÇÃO E INABILITAÇÃO
Esta situação era solucionada, até 2018, através de 2 institutos: Instituto da Interdição e Instituto da Inabilitação.
Quem é que podia ser interdito?
- Os portadores de anomalias psíquicas
- Os surdos-mudos
- Os cegos
Tínhamos um interdito quando a gravidade das patologias fosse tal que eles se mostrassem incapacitados, impossibilitados de
reger quer a sua pessoa, quer os seus bens.
O interdito era equiparado ao menor, então a sua incapacidade era suprida através de um tutor.

Quem é que podia ser inabilitado?


- Os portadores de anomalias psíquicas
- Os surdos-mudos
- Os cegos
- Aqueles que dependessem do consumo de estupefacientes, de bebidas alcoólicas e os pródigos (os que sofrem de habitual
prodigalidade que é a propensão desmesurada, quase patológica, para gastar)

Há fundamentos específicos para a inabilitação e outros comuns à interdição.


As situações de inabilitação eram consideradas menos graves.
O inabilitado mostrava-se impossibilitado de reger os seus bens, mas este não ia ver totalmente excluída a sua capacidade de
exercício, apenas limitada.

O inabilitado continuava a ter capacidade para a prática de:


- Atos de natureza pessoal
- Celebrar negócios mortis causa (p. e., o testamento, os negócios só produzem efeitos depois da morte do testador)
- Celebrar negócios de mera administração
Não tinham capacidade de exercício para a prática de atos de disposição!
Os atos de mera administração são negócios que não envolvem uma alteração do capital, nem do rendimento, então são
negócios que não potenciam grandes ganhos/lucros, mas também não envolvem o risco de grandes perdas.
Os atos de disposição são negócios que envolvem uma alteração do património e do capital, então podem envolver potencial
grandes ganhos, mas são também suscetíveis de gerar grandes perdas.

A incapacidade era suprida pela Assistência! O inabilitado já não tinha um tutor como o interdito, mas sim um curador a
assistir.
A assistência significa que o inabilitado praticava o ato, mas para praticar o ato necessitava do consentimento do seu curador.
Em tudo o resto, aplicar-se-ia o regime da interdição e o regime da menoridade.
Críticas aos regimes da interdição e da inabilitação:
1) Diziam que eram demasiado rígidos nos fundamentos, nas consequências e deixavam de fora muitas situações merecedoras
de tutela, tornando demasiado gravosa a posição de inabilitados e interditos noutras situações.
2) Imponham uma restrição desmedida à capacidade de exercício. Esta segunda crítica já não é tão procedida porque essa
restrição era feita em nome da proteção do sujeito.
3) Entendeu-se que não estariam em consonância com convenções internacionais às quais o ordenamento jurídico deveria
respeitar.

Estas críticas geraram um movimento que acabou na alteração do regime!


A Lei nº 49/2018, de 14 de agosto veio revogar o Regime da Interdição e o Regime da Inabilitação e veio consagrar em
alternativa o Regime do Acompanhamento de Maiores (arts. 138.º ss.) onde vamos tentar elevar ao máximo a capacidade de
exercício do sujeito.

Para que seja decretada uma medida de acompanhamento é necessária a verificação de 2 pressupostos (art. 138.º), aos quais
se junta depois um 3º pressuposto.
- 1º Pressuposto: Impossibilidade de exercer plena, pessoal e conscientemente direitos, ou de cumprir plena, pessoal e
conscientemente deveres.
• O sujeito tem que mostrar a sua incapacidade para formar/dominar a sua vontade. Tem que se mostrar diminuído nas
suas capacidades intelectuais.
• Os regimes da interdição e da inabilitação exigiam a habitualidade das situações, mas o regime do acompanhamento de
maiores não exige a habitualidade/durabilidade, mas sim uma certa constância.

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• Então, fica sujeito a um Princípio de Necessidade, só é decretado o regime quando não seja possível alcançar as mesmas
finalidades através dos deveres gerais de auxilio e cooperação.

- 2º Pressuposto: A impossibilidade anterior tem que resultar de reações de saúde, deficiência ou do comportamento do sujeito
(art. 138.º).
• Nas razões de saúde: integram-se todas as patologias de ordem física/psíquica/mental. Então, temos uma mais-valia
devido à flexibilidade em relação ao regime da interdição e da inabilitação porque não ficamos presos ao conceito de
anomalia psíquica, bastando.nos uma anomalia do foro físico, psíquico, mental, etc.
• Nas razões de deficiência: incluímos qualquer deficiência física, as habituais situações de surdez-mudez ou cegueira.
Alguns autores dizem que tal não faz sentido, nos nossos dias, pois os cegos podem ter uma vida normalíssima, sendo que
têm condições hoje em dia que levaram a isso. No entanto, o facto de a grande maioria ser assim, não significa que não
possa haver um caso em que essa integração/autonomização não tenha ocorrido, então teremos este regime importante para
a salvaguarda dos interesses desse sujeito.
• Em virtude do comportamento do próprio sujeito: temos o consumo excessivo de bebidas alcoólicas, de
estupefacientes, a habitual prodigalidade, etc. Mas podemos ir mais longe, considerando todo e qualquer tipo de
comportamento aditivo (p. e., vício dos casinos) que possa justificar uma medida de acompanhamento.

- 3º Pressuposto: A medida de acompanhamento há-de ser sempre uma medida de ultima ratio/último recurso - Cumprimento
do Princípio da Necessidade e do Princípio da Subsidiariedade (art. 140.º/2).
• As medidas de acompanhamento são muito variáveis. O juiz vai moldar a medida de acompanhamento, em função das
necessidades/especificidades do maior. Mas temos uma regra: a medida de acompanhamento decretada tem que se limitar
ao necessário (não basta ser decretada como ultima ratio).
• O acompanhamento cessa quando cessarem as causas que o justificarem.

A maior flexibilidade na adoção de uma medida de acompanhamento depois vai ser compensada por uma menor rigidez do
regime.
A ideia principal do regime é potencial a autonomia e a capacidade do sujeito ao máximo.

O juiz pode decretar, de acordo com o art. 145.º/2, que o acompanhante pode:
- Passar a exercer as responsabilidades parentais
- Ser o representante geral do acompanhado ou representá-lo apenas para algumas categorias de atos
- Administrar total ou parcialmente os seus bens
- Ter que dar uma autorização prévia para a prática de determinados atos/determinadas categorias de atos
- Praticar intervenções de outro tipo que seja devidamente explicitadas pelo juiz
Em última instância, podemos ter uma conformação da medida de acompanhamento muito próxima àquela que tínhamos para o
interdito. No meio termo, teremos hipóteses de assistência.

O importante é que o maior acompanhado vai manter sempre a capacidade para celebração de negócios da vida corrente.
- Os negócios da vida corrente estão muito próximos dos negócios do art. 127.º/1/b e são, no fundo, negócios que fazem parte
do ordinário da vida;
- O maior acompanhado mantém esta capacidade de exercício, mas ela pode ser excluída pelo juiz na conformação concreta da
medida de acompanhamento.

O maior acompanhado mantém também a capacidade para o exercício de direitos pessoais (art. 147.º/1/2).
- Este elenco não esgota todos os direitos pessoais, porque há uma profusão de direitos de personalidade que também são
direitos de natureza pessoal e muitos deles não estão aqui contemplados.
- A previsão desta capacidade de exercício dos maiores acompanhados corresponde também ao alargamento da sua capacidade
de gozo em algumas situações (p. e., os interditos por anomalia psíquica não podiam casar/perfilhar e a regra agora é que
podem).
- A capacidade para o exercício destes direitos pessoais também pode ser limitada ou excluída pelo juiz.
Quando o maior acompanhado tem um representante legal ou um assistente:
- O representante legal vai substituir o maior acompanhado.
- O assistente vai dar autorização a determinados atos.
O art. 145.º/3 foi enxertado no Código Civil quando a questão se debatia no AR e tem suscitado profundas críticas.
A Dra. Mafalda considera que os deputados, além de não terem uma grande visão global do ordenamento jurídico globalmente
considerado, quiseram considerar este artigo para proteger o maior acompanhado, mas acabaram por suscitar dificuldades e repetir
soluções a que já se podia chegar por via do próprio código.

Quando lemos “os atos de disposição de bens imóveis carecem de autorização judicial e prévia”, questionamo-nos: Os atos de
disposição de bens imóveis de quem?
- Não podem ser atos de disposição do maior acompanhado porque não fazia qualquer sentido, porque ou o maior acompanhado
necessita de representação legal/assistência, ou tem plena capacidade e não precisa de qualquer autorização judicial prévia
específica.

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- São atos de disposição de bens imóveis do representante legal do maior acompanhado, no fundo, para evitar que o
acompanhante pratique atos que possam ser prejudiciais para o acompanhado. A intenção é boa, mas o problema é que o art.
145.º/4 diz “A representação geral segue o regime da tutela” e a mesma solução estaria na aplicação dos art. 1889.º e 1938.º.
- São atos de disposição de bens imóveis nas hipóteses de assistência, mas também aqui não faz muito sentido porque o artigo
visa um controlo da atuação do acompanhante e esse controlo, no caso de assistência, já ocorre por via da própria vontade do
acompanhado (o acompanhante só autoriza ou não). Temo um outro controlo possível da ação do acompanhante que resulta do
art. 150.º - "O acompanhante deve abster-se de agir em conflito de interesses com o acompanhado”, mas já tem as suas
consequências no art. 261.º (hipótese do negócio consigo mesmo).
- Não se percebe porque fala de atos de disposição de bens imóveis e não noutros atos. Hoje em dia há determinados atos
que envolvem muito mais riscos e que podem envolver montante muito mais elevados do que os atos de disposição de bens
imóveis, p. e., nos valores imobiliários, ações, etc.

É possível que o acompanhado não respeite aquelas que são as determinações do juiz na sentença e pratique determinados
atos para os quais não tem capacidade. Esses negócios são anuláveis.

Vamos ter diferentes regimes para diferentes momentos:


- Atos posteriores ao registo do acompanhamento (o juiz decretou a medida de acompanhamento e houve registo da mesma)
- art. 154.º/1/a e remissão para o art. 287.º
• Os atos são anuláveis.
- Momento que vai desde o anúncio do processo até ao registo do acompanhamento - Pendência da ação - art. 154.º/1/b
• São anuláveis, mas é necessário que se verifiquem 2 requisitos:
1) É necessário que seja efetivamente decretada a medida de acompanhamento.
2) É necessário que os atos se mostrem prejudicais ao acompanhado. Esta prejudicialidade deve ser aferida no
momento da prática do ato e não no momento em que queremos saber se é válido ou não (as valorizações e
desvalorizações posteriores ao negócio não são relevantes).

- Atos anteriores ao anúncio de processo de acompanhamento - art. 154.º/3 e remissão para art. 257.º
• São anuláveis, desde que verificados determinados requisitos:
1) É necessário que no momento da prática do ato, o sujeito estivesse privado das suas capacidades cognitivas ou das
suas capacidades volitivas (ou não conseguia entender o alcance do ato, ou não conseguia dominar a sua vontade no
entendimento).
2) É necessário que essa incapacidade, que se tem de verificar no momento em que celebrou o ato, seja conhecida da
contraparte, ou então tem que ser notória (é notória quando o homem médio, de comum diligência, teria podido notar).

Quem é pode arguir a anulabilidade dos atos?


Nos atos posteriores ao registo e nos atos praticados na pendência da ação:
Pode arguir o maior, depois de ser levantada a medida de acompanhamento.
Tem ainda legitimidade os representantes legais ou os assistentes, no prazo de 1 ano a contar do conhecimento.

Até Quando?
1) Não se pode começar a contar antes de haver registo da sentença (art. 154.º/2).
2) Relativamente aos atos praticados na pendência da ação, o prazo é de 1 ano a contar do conhecimento.
Acompanhantes - se conhecer depois da sentença, conta-se 1 ano; se tiver conhecido antes, conta-se a partir do registo
da sentença.
Herdeiros - têm o prazo de 1 ano a contar da morte. Mas se a medida de acompanhamento já tivesse sido levantada no
momento da morte, então eles apenas dispõem do prazo que o próprio maior acompanhado, que entretanto morreu, teria.
3) Nos atos praticados antes do anúncio da ação, quem tem legitimidade é o maior, no prazo de 1 ano a contar desde o momento
que recupera o entendimento.
Se o prazo já tiver acabado antes de ser decretado o acompanhamento, já não é possível arguir a anulabilidade.
Se não se tiver esgotado, então o acompanhante terá o prazo de 1 ano a contar do conhecimento.

Legitimidade

A legitimidade tem a ver com a relação entre o sujeito e o conteúdo de um determinado ato ou entre um sujeito e um concreto
bem. Pode também referir-se à relação de uma pessoa com outra(s) pessoa(s).

Uma pessoa terá legitimidade quando possa praticar determinados atos. Caso não tenha legitimidade para tal, verificar-se-á uma
situação de ilegitimidade (p. e., aquele que vende uma coisa alheia não tem legitimidade para proceder a essa venda). As sanções
para a ilegitimidade são muito variadas/diversas:
- No exemplo anterior da venda de coisa alheia, sabemos que a sanção é a nulidade,
- Podemos apontar a questão de ilegitimidade nas hipóteses referentes ao negócio consigo mesmo (a propósito do regime dos
maiores acompanhados) e a sanção será a anulabilidade;
- Noutras situações, a sanção será a ineficácia (p. e., se alguém atua em meu nome sem ter a minha autorização, sem ter poderes
de representação - representação sem poderes -, nesse caso o negócio não produzirá efeitos em relação a mim, será ineficaz).

Ao contrário da incapacidade, a ilegitimidade visa tutelar terceiros.

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Só tendo em conta a necessidade de proteção do próprio incapaz é que as incapacidades podem ser apelidadas de algo valioso (não
visam estigmatizar o sujeito, mas sim protegê-lo contra a sua própria debilidade). No caso das ilegitimidades, o que se pretende é
proteger terceiros.
ILEGITIMIDADES CONJUGAIS
Não se confundem com as incapacidades nupciais!
- As incapacidades nupciais surgem como uma exceção ao princípio da plenitude da capacidade de gozo das pessoas
singulares, sendo que, em linguagem corrente corresponde à incapacidade para casar (incapacidade dos menores de 16 anos,
podendo também ser aplicada enquanto medida de acompanhamento a um maior acompanhado se o juiz assim o decretar, mas a
regra é a do exercício dos direitos pessoais).
- As ilegitimidades conjugais são impostas para proteção do outro cônjuges e para proteção da família (art. 1682.º CC). Em
virtude de uma pessoa ser casada, ela pode perder o poder de dispor livremente de determinados bens, necessitando do
consentimento do outro cônjuge para o fazer. O art. 1682.º deve ser conjugado com o art. 1678.º (que nos diz quais são os
cônjuges que têm a administração de que bens), para saber quando é preciso ou não o consentimento do outro conjugues.

A regra é que cada um administra os seus bens próprios.


Relativamente aos bens comuns, a administração é conjunta.
O art. 1678.º/2 estabelece algumas situações excecionais: um cônjuge pode ter a administração de bens comuns ou de bens do
outro cônjuge nas situações previstas.

Para saber quando é que os bens são comuns ou não, então temos que saber qual o regime de bens que vigora entre o casal!

Regimes de bens que vigoram entre o casal:


• Se nada for acordado o regime que vigora, ou seja, o regime supletivo, é o Regime da Comunhão de Adquiridos (arts. 1721.º
ss.). São bens próprios de cada um dos cônjuges os bens que cada um leve p/ o casamento e os bens que adquiram depois da
celebração do casamento a título gratuito ou através de sucessão).
• Porém, os cônjuges podem celebrar uma Convenção ante-nupcial e aí podem optar por outros 2 regimes:
- O Regime da Comunhão Geral de Bens (arts. 1732.º ss.). A regra é que todos os bens são comuns, quer os que tinham
quando se casaram, quer os que vão no futuro adquirir, mas há bens incomunicáveis que são os que estão no art. 1733.º ss.;
- O Regime da Separação de Bens (art. 1735.º ss.), onde cada um concessa o domínio e a permissão dos bens que
tenha no momento em que se casa e dos bens que posteriormente venha a adquirir.

Precisamos de saber se os bens são próprios ou comuns, para saber quem pode alienar ou não aqueles bens, ou se necessita ou
não do consentimento do outro cônjuge.

Se os bens forem bens imóveis, aplica-se o art. 1682.º-A. Este veio exigir o consentimento de ambos os cônjuges para a
alienação, oneração, arrendamento de bens imóveis, próprios ou comuns, e ainda para a alienação, oneração ou alocação de
estabelecimento comercial próprio ou comum. Só não é necessário o consentimento de ambos se entre eles vigorar o regime da
separação de bens.

Será sempre necessário o consentimento de ambos se o objeto for a casa de morada de família (art. 1682.º-B),
independentemente do regime de bens que vigore no casal. Se isto não for cumprido, a sanção será a do art. 1687.º, os negócios
são anuláveis.

Quem é pode arguir esta anulabilidade?


- Cônjuge que não deu o consentimento (porque a ilegitimidade é imposta para proteção do outro cônjuge e da família; e já
sabemos que a regra da anulabilidade é que só tem possibilidade de arguir aquele no interesse do qual foi estabelecida)
- Herdeiros.
- O prazo é de 6 meses a contar do conhecimento, mas nunca depois de decorridos 3 anos.
Art. 1682.º: alienação e oneração de bens móveis.
Art. 1682.º-A: alienação e oneração de bens imóveis e de estabelecimento comercial.
Art. 1682.º-B: disposição do direito ao arrendamento.

Pessoas Coletivas
As pessoas coletivas são organizações constituídas por um conjunto/coletividade de pessoas, ou por uma massa de bens, que
estão adstritos à prossecução de determinados interesses comuns ou coletivos, aos quais o ordenamento jurídico atribui
personalidade jurídica.

Estes outros sujeitos da relação jurídica não se confundem com as pessoas singulares.
• A personalidade jurídica das pessoas singulares é uma exigência que é comunicada ao próprio ordenamento jurídico, o
ordenamento jurídico não pode deixar de reconhecer essa personalidade jurídica, em nome da ineliminável dignidade ético-
axiológica da pessoa.
• As pessoas coletivas não surgem como uma exigência axiológica, a sua personalidade já não é reconhecida, mas atribuída
pelo ordenamento, já não se impõe ao ordenamento jurídico.

Porque é que o ordenamento jurídico atribui então essa personalidade jurídica às pessoas coletivas?

I.M.

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Porque reconhece que há determinados interesses humanos que se prosseguem melhor se as pessoas estiverem
congregadas, se as pessoas atuarem de forma coletiva.

A questão da natureza das pessoas coletivas é muito complexa do ponto de vista dogmático e tem obtido respostas diferentes ao
longo dos tempos:
Savigny - para este, as pessoas coletivas eram uma pura ficção (visão ficcional);
Otto von Gierke - considerava que as pessoas coletivas tinham uma existência ôntica, considerava-as como um autêntico
organismo (defensor das teorias organicistas).

Há muitas razões para nos afastarmos destas visões!


Vamos considerar que, de facto, as pessoas coletivas são uma criação do direito, mas que surge justificada pela existência de um
determinado substrato e, por isso mesmo, o estudo das pessoas coletivas há-de passar pela análise dos 2 elementos que integram as
pessoas coletivas e permitem a sua constituição.

Os 2 grandes elementos que integram as pessoas coletivas:


Substrato - o elemento de facto.
Reconhecimento - o elemento de direito que permitirá que aquele substrato seja elevado à categoria de sujeito para o direito.

Substrato:
- Elemento pessoal, está presente num determinado tipo de pessoa coletiva - as cooperações. Estas caracterizam-se por ter
como elemento relevante o elemento pessoal, ou seja, o que marca a sua essência é o facto de ser integrada por uma coletividade
de pessoas que são as associações (os associados) e as sociedades (os sócios).

- Elemento patrimonial, traduz a massa de bens que são adstritos à prossecução de determinadas personalidades e é o
elemento marcante no caso das fundações. Isto não significa que nas fundações não haja pessoas, não significa que a vontade do
fundador não seja importante, mas o que as marca é o elemento patrimonial.

- Elemento teleológico, as pessoas coletivas têm um determinado fim e esse fim vai ser extremamente importante: é esse fim
que justifica a necessidade de se criar a pessoa coletiva. Mas também é relevantíssimo porque é através da consideração do fim
que podemos determinar qual a amplitude da capacidade de gozo das pessoas coletivas (as pessoas coletivas não têm a
mesma capacidade de gozo das pessoas particulares; é uma capacidade de gozo funcionalizada, orientada pelo fim).

O fim das pessoas coletivas tem que obedecer a determinados requisitos:


1) Requisitos presentes no art. 280.º (requisitos de validade do objeto do contrato jurídico);
2) O fim tem que ser comum ou coletivo:
• No caso das sociedades isso é imposto pelo art. 994.º que proíbe o chamado pacto leonino, i. é., proíbe que haja um
qualquer acordo nos termos do qual alguns sócios deixam de participar nos lucros ou perdas da sociedade. Isto mostra que,
no caso das sociedades, a finalidade que vamos estudar tem que ser comum a todos os sócios).
• No caso das fundações resulta da articulação entre o art. 157.º e o art. 188.º. De acordo com o próprio regime das
fundações, têm que ter necessariamente uma finalidade de utilidade social, o fim é um fim coletivo.
• No caso das associações não temos um artigo do qual resulte o caráter comum ou coletivo do fim da pessoa coletiva,
mas essa exigência resulta da própria natureza da associação, a finalidade tem que ser comum a todos os associados.

- Elemento intencional, traduz-se na intenção de criar um ente jurídico autónomo, esta intenção tem que estar necessariamente
presente.
• Como é que sabemos que esta intenção existe?
Sabemos porque na base da criação das pessoas coletivas está um negócio jurídico:
No caso das associações, temos um ato de constituição da associação;
No caso das fundações, temos um ato de instituição da fundação;
No caso das sociedades, temos um contrato de sociedade.

Há determinadas realidades que se aproximam das pessoas colectivas, mas que não têm personalidade jurídica porque
falha este elemento intencional!
• As comissões especiais (art. 199.º)
• As fundações de facto (quando um indivíduo pretende criar ou manter uma determinada obra de utilidade pública,
mas sem pretender constituir o vínculo jurídico correspondente)
• As fundações fiduciárias (quando um sujeito dispõe de parte do seu património a favor de uma pessoa coletiva já
existente, para a realização de um qualquer ato de beneficência)

- Elemento organizatório é fundamental. A pessoa coletiva quando é criada necessita de determinados órgãos, de uma
determinada estrutura, de uma determinada organização, de determinadas regras de funcionamento e ainda de uma determinada
sede para que possa ser constituída. Todos estes aspetos fazem parte deste elemento organizatório, e estão previstos nos Estatutos
da Pessoa Coletiva (a pessoa coletiva necessita de estatutos próprios).

Para termos uma pessoa coletiva é preciso que se verifique ainda o reconhecimento.

Reconhecimento:
I.M.

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O reconhecimento vai permitir elevar a categoria de sujeito de direito este substrato.
Há diversos tipos de reconhecimento:
• Reconhecimento Normativo se resultar diretamente da lei. Vigora para as associações e para as sociedades.
• Reconhecimento Individual ou Por Concessão, já não resulta diretamente da lei, mas de um ato administrativo que, caso a
caso, discricionariamente, vai atribuir ou não personalidade jurídica àquele substrato. Vigora para as fundações.

Dentro do Reconhecimento Normativo podemos ter 2 subtipos de reconhecimento:


- Reconhecimento Normativo Incondicionado que resulta da lei e basta a verificação dos elementos do substrato, ou seja, a
lei atribui personalidade jurídica a partir do momento que estejam reunidos todos os elementos do substrato. Este não vigora
no nosso ordenamento jurídico.
- Reconhecimento Normativo Condicionado que resulta também da lei, mas para além de se reunirem os elementos do
substrato, é necessário que se verifique ou que se cumpra algum requisito ou requisitos adicionais impostos por lei. Esta forma
de reconhecimento vigora entre nós para as associações e para as sociedades comerciais.

Como é que se formam as várias pessoas coletivas?

• Associações: temos um ato de constituição da associação. Esse ato tem que obedecer aos requisitos previstos no art. 167.º.
Exige-se obrigatoriamente a revisão de forma de escritura pública e a publicação (art. 168.º).
• Sociedades: temos um contrato de sociedade - o pacto social - e exige-se o registo (art. 5.º do Código das Sociedades
Comerciais). Só adquirem personalidade jurídica com o registo.
• Fundações: temos um ato de instituição da fundação. Este ato de instituição da fundação pode ser um ato inter vivos ou pode
ser um ato mortis causa.
Se for feito por um ato entre vivos tem que constar de escritura pública e o ato de instituição torna-se irrevogável a partir
do momento em que é requerido o reconhecimento.
Os herdeiros não podem revogar a instituição, embora estejam protegidos pelas regras próprias da sucessão legitimária.
A autoridade administrativa vai controlar, não só a legalidade, como no caso das associações e das sociedades, mas também
vai controlar o mérito (art. 188.º - pode haver recusa do reconhecimento).

Alguns autores hoje em dia questionam se não seria possível no plano do direito a constituir, no futuro, pensar-se na instituição
de fundações com finalidades privadas, e já não com finalidades de utilidade pública.

Que tipos de pessoas coletivas é que podemos ter?

As associações são pessoas coletivas de direito privado, têm uma utilidade pública e de fim desinteressado/fim ideal/
económico não lucrativo (a finalidade não é obter lucros para distribuir pelos associados).
As fundações são pessoas colectivas de direito privado, têm uma utilidade pública e de fim desinteressado.
As sociedades são pessoas coletivas de utilidade privada, de escopo/finalidade lucrativo e o objetivo é a obtenção de lucros
para serem distribuídos pelos sócios.
Só se reconhece personalidade jurídica às sociedades comerciais ou às sociedades civis sobre a forma comercial. As
sociedades civis que não tenham forma comercial, não têm personalidade jurídica.

Uma sociedade comercial é uma sociedade que tem como objeto a prática de atos de comércio. Além disso, têm que ter forma
comercial (previstas no Código das Sociedades Comerciais).
• Sociedades em nome coletivo, os sócios respondem pelas dívidas da sociedade. São sociedades de responsabilidade
ilimitada. Hoje em dia, cada vez se constituem menos, pois acarretam muitos riscos para os sócios.
• Sociedades por quotas, o capital social está dividido em quotas. Os sócios são responsáveis pela realização da sua quota
(têm que pagar à sociedade o valor da sua quota) e pela realização da quota dos outros sócios. perante a sociedade. Não
respondem perante os credores sociais pelas dívidas da sociedade.
• Sociedades anónimas, o capital está dividido em ações. Os sócios não são responsáveis nem perante a sociedade pela
entrada de outros sócios, nem perante os credores sociais pelas dívidas da sociedade.
• Sociedades em comandita temos 2 tipos de sócios: os sócios comanditários (respondem nos termos dos sócios das
sociedades anónimas) e os sócios comanditados (respondem nos termos dos sócios das sociedades em nome coletivo).

Capacidade de gozo das pessoas coletivas

A capacidade de gozo é a susceptibilidade para se ser, em concreto, titular de um círculo mais ou menos amplo de direitos e
de deveres, ou seja, quais os direitos que este sujeito pode ser titular em concreto.
• Quanto às pessoas singulares, temos o princípio da plenitude e, em regra, podem ser titulares de quaisquer direitos ou
deveres.
• No caso das pessoas coletivas, estas não serão titulares de todos os direitos e de todos os deveres.

Definem-se 2 grandes orientações:


1) Uns autores dizem que a capacidade de gozo das pessoas coletivas é genérica, mas sofre limitações;
2) Outros dizem que a capacidade de gozo é limitada, porque é funcionalizada.

Estas 2 posições que parecem inconciliáveis, acabam por convergir!


I.M.

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• Aqueles que defendem que a capacidade é genérica, acabam por admitir que ela tem limitações.
• Aqueles que dizem que ela está limitada, acabam por reconhecer que os critérios de restrição dessa capacidade são maleáveis
e, como tal, permitem chegar a conclusões muito próximas dos primeiros autores.

É preferível a posição que defende que a capacidade de gozo das pessoas coletivas é limitada.
Esta limitação da capacidade de gozo das pessoas coletivas percebe-se a priori, porque não é genérica, mas sim uma capacidade
funcionalizada, visto que as pessoas coletivas são uma criação do direito criadas para a prossecução de determinados fins que se
reconhece que poderão ser mais rapidamente alcançados através dessa energia de esforços.
O art. 160.º refere limites à capacidade de gozo das pessoas coletivas:
1) Limite que decorre da natureza das coisas:
Há determinados direitos que a lei retira da capacidade de gozo das pessoas coletivas, são inseparáveis da personalidade humana,
como o direito ao casamento ou à vida.
Mas há determinados direitos de personalidade que podem ser tutelados por pessoas coletivas, cuja proteção pode ser essencial
para a prossecução dos fins da pessoa coletiva, como, p. e., o direito à honra. Exemplo: um jornalista que faça uma reportagem e
ponha em causa o nome de uma Pessoa Coletiva X que se dedica ao tráfico humano; estamos perante uma ofensa à honra da pessoa
coletiva, não é só a honra de cada um dos membros, mas também a imagem externa da pessoa coletiva que tem de ser protegida,
sendo que esse jornalista, enquanto praticante da violação de um direito absoluto, pode ainda ser alvo da responsabilidade civil e
pode-lhe ser imputado o dever de pagar uma indemnização à entidade, não eram indemnizadas por danos não patrimoniais porque
não sofrem, não têm estrutura psicológica que façam emergir os danos não patrimoniais.

2) Limite que decorre das proibições legais:


As pessoas coletivas não são titulares dos direitos e das obrigações que estejam vedados por lei.
Há uma série de direitos que podem ser excluídos pelo próprio legislador.
A opinião da doutrina diverge: 1) uns entendem que a capacidade de gozo é funcionalizada e limitada, então entendem que as
proibições legais são um problema de incapacidade; 2) outros veem as proibições legais como um problema de ilegalidade.

3) Princípio da especialidade do fim:


Está consagrado no art. 160.º/1 e diz-nos que as pessoas coletivas só são titulares dos direitos e dos deveres que sejam
necessários ou, pelo menos, convenientes à prossecução do seu fim.
Este princípio, contudo, gera uma enorme controvérsia na doutrina: há autores que entendem que o princípio não faz hoje sentido
e não tem hoje aplicação prática (Menezes Cordeiro).

Os 2 grande argumentos de Menezes Cordeiro sobre o Princípio da Especialidade do Fim:


• Argumento histórico:
Explica o surgimento histórico do princípio e analisa o problema histórico do ponto de vista do direito continental e do ponto de
vista do direito anglo-saxónico.
No mundo anglo-saxónico, as pessoas coletivas seriam criadas historicamente por uma lei do Parlamento que definia
as competências e os poderes da pessoa coletiva concretamente em causa, então não podia praticar nenhum ato que fosse
para além dessas competências, os atos que fossem para além dessas competências seriam atos ultra vires.
No mundo continental, enfrentamos durante algum tempo o problema dos bens de mão morta (as pessoas
frequentemente deixavam bens à igreja). Seriam bens não produtivos, que não poderiam ser alienados e que tinham um
regime próprio.
Além disto, existiu uma tentativa de concentração do poder nas mãos dos monarcas e, portanto, começou a tentar limitar-se a
proliferação destes bens de mão morta.
Também se sabe que com a revolução francesa acaba por haver uma (quase) perseguição à própria igreja e uma tentativa de
cerceamento dos bens deixados à igreja e é aqui que aparece o princípio da especialidade do fim - para limitar o poder que as
pessoas coletivas poderiam ou não fazer.
O professor Menezes Cordeiro diz-nos que como estes problemas desapareceram, o princípio não faz sentido hoje em dia.

• Argumento dogmático:
Este princípio não tem verdadeiro alcance prático porque, em rigor, não haverá nenhum ato/categoria de atos que esteja
radicalmente excluída da capacidade de gozo das pessoas coletivas.
Nós sabemos que as sociedades comerciais têm como finalidade a obtenção de lucro para ser distribuído pelos sócios (as
sociedades caracterizam-se pelo seu escopo lucrativo), mas, apesar disso, vamos ver que há determinadas doações, que englobam
sempre empobrecimento, que podem ser realizadas por sociedades comerciais. Por isso, o princípio não teria verdadeiro alcance
prático.

Devemos considerar, contrariamente à posição de Menezes Cordeiro, que faz todo o sentido falar no Princípio da
Especialidade do Fim!
- As pessoas coletivas são criadas pelo direito. O direito atribui personalidade jurídica a um determinado substrato, em nome de
uma finalidade que integra esse substrato (o elemento teleológico é um dos elementos fundamentais, sob pena de não podermos
falar em pessoa coletiva).
- Se a pessoa coletiva é admitida no ordenamento jurídico, em nome da prossecução de uma determinada finalidade, então faz
sentido que aquela pessoa coletiva apenas possa exercer os direitos e cumprir os deveres que sejam necessários ou, pelo
menos, convenientes à prossecução do determinado fim.
Esta é a explicação da admissibilidade do princípio da especialidade do fim, à luz da intencionalidade das próprias pessoas
coletivas.

I.M.

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Este princípio tem que ser compreendido com maleabilidade, não podemos entendê-lo com rigidez.
• Se falamos em capacidade de gozo, estamos a falar de categorias de atos e não de atos em concreto.
É verdade que quase nenhuma categoria está a priori excluída da capacidade de gozo das pessoas coletivas, mas isso não
quer dizer que não haja certas categorias de atos que estejam vedados a certos tipos de pessoas coletivas. O exemplo mais
paradigmático é exatamente o caso dos negócios gratuitos, tendo em conta as sociedades comerciais: qualquer sociedade comercial
tem como finalidade a prossecução do lucro para ser distribuído pelos sócios. Em regra, estes negócios gratuitos são contrários ao
escopo lucrativo da sociedade comercial e isso mesmo resulta do art. 6.º do Código das Sociedades Comerciais.

• Simplesmente não podemos ser formalistas, i. é., apesar de termos de olhar para categorias de atos, quando nos é colocado o
problema de saber se a Pessoa Coletiva X pode ou não praticar este ato, temos que olhar para o ato especificamente/
concretamente praticado para ver se pertence ou não à categoria de atos a que abstratamente pertenceria.
Isto é, as sociedades comerciais não podem celebrar doações, mas devemos entender que, apesar de aparentemente haver um
empobrecimento com doações, a sociedade consegue projectar no mercado uma imagem de marca que vai provavelmente atrair
mais clientes e mais investidores, e, portanto, aumenta o seu volume de negócios.
O inverso também é verdade. Podemos ter um negócio que aparentemente possa ser integrado dentro de uma categoria de atos
onerosos e, por isso, não afetaria a finalidade e o escopo lucrativo da sociedade, mas, no entanto, pode vir-se a mostrar um negócio
que se deve excluir daquela categoria porque contraria o escopo lucrativo.

• Quando se diz que o princípio deve ser considerado de forma maleável, de forma não rígida, significa que nós deveremos
considerar como válidos não só os negócios que sejam necessários, mas também aqueles que se mostrem convenientes.
Então, só precisamos de considerar excluídos da capacidade de gozo das pessoas coletivas, aqueles negócios que abertamente
contrariam a finalidade da pessoa coletiva.

• Quando falamos no princípio da especialidade do fim, falamos no fim da pessoa coletiva e não do seu objeto.
No caso das sociedades é fácil distinguir o fim da pessoa coletiva do seu objeto: o fim das sociedades é a obtenção do lucro para
distribuir pelos sócios, e, quanto ao objeto, podemos ter sociedades que se dedicam ao comércio automóvel, outra à organização e
cursos variados, ou seja, podem ter objetos variados, mas o fim é sempre o mesmo.
No caso das associações, essa cisão vai ser clara, ou seja, a associação também pode ir além do seu objeto, mas não pode
contrariar o seu fim, i. é., em determinadas situações se houver contrariedade aberta em relação ao objeto, também haverá
contrariedade em relação ao seu fim.

• Se a pessoa coletiva praticar um ato que contraria abertamente o princípio da especialidade do fim, então esse ato deve
ser considerado nulo (por conjugação do art. 160.º com o art. 294.º), porque seria uma violação de norma imperativa.

Capacidade de exercício das pessoas coletivas

A capacidade de exercício das pessoas coletivas já não diz respeito à titularidade dos direitos, mas à possibilidade de exercer
esses atos a titulo próprio e exclusivo, ou através de um representante voluntário.
As pessoas coletivas, até pela sua natureza, precisam dos titulares e orgãos para poder agir em nome da pessoa coletiva.
Então os autores questionam “Será que as pessoas coletivas têm capacidade de exercício de direitos?”
2 posições:
- Uns autores respondem que não! Porque as pessoas coletivas necessitam de alguém a representá-las. Caso contrário, não seria
uma representação legal, mas sim orgânica/estatutária.
- Outros autores dizem que sim! Todavia, não negam esse carácter necessário dos titulares dos órgãos (de facto, a pessoa
coletiva para agir necessita desses sujeitos singulares), mas dizem que a relação que se estabelece entre os titulares dos órgãos e a
pessoa coletiva não é uma relação de representatividade, mas um relação de organicidade.

Devemos adotar a posição dos autores que defendem que as pessoas coletivas têm capacidade de exercício.
Estamos a falar de verdadeiros órgãos, então isso significa que, verdadeiramente, a pessoa coletiva embora necessitasse
desses titulares dos órgãos, teria capacidade de exercício de direitos. E acaba por ser corroborada por várias noções dispensadas
pelo código civil, designadamente em matéria de responsabilidade civil das pessoas coletivas.

Responsabilidade Civil das Pessoas Coletivas

A responsabilidade civil das pessoas coletivas está prevista no art. 165.º. Fazemos uma dupla remissão:
- Se a responsabilidade civil for extracontratual, vamos aplicar o art. 500.º.
- Se a responsabilidade civil for contratual, vamos aplicar o art. 800.º.

Responsabilidade Extracontratual das Pessoas Coletivas


Do art. 500.º resultam 2 pressupostos para se poder afirmar que a pessoa coletiva é responsável:

1) O titular do órgão/agente/funcionário da pessoa coletiva tem que ser civilmente responsável.


Todos os pressupostos da responsabilidade civil têm que se verificar por referência ao ato do titular do órgão.
O ato desse sujeito físico tem que ser ilícito, culposo, tem que haver dano e nexo de imputação.

2) O titular do órgão/agente/funcionário tem que praticar esse ato no exercício das suas funções.
I.M.

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Há aqui uma dificuldade de aplicação do art. 500.º.
O sujeito, ao atuar no exercício das suas funções, significa que atuou no quadro geral de competências que lhe foram conferidas,
agiu por causa das funções e não por mera ocasião dessas.

Tem-se entendido que a pessoa coletiva só deve ser responsável se o sujeito atuou intencionalmente, ou contra as instruções
que recebeu, para prosseguir interesses da pessoa coletiva e não para prosseguir interesses próprios.

Quando o sujeito prossegue interesses próprios, implica levar demasiado longe essa mesma responsabilidade. Há, porém,
uma exceção:
• Se o sujeito atuou intencionalmente, contra as instruções da pessoa coletiva, prosseguiu interesses próprios, mas beneficiou da
imagem de credibilidade que lhe foi comunicada pela pessoa coletiva, nessa hipótese entende-se que deve haver responsabilidade
da pessoa coletiva. Ou seja, quando o sujeito beneficiou da imagem de credibilidade que lhe foi comunicada pela pessoa
coletiva, entende-se que deve haver responsabilidade da pessoa coletiva.
Exemplo de escola: o caixa do banco que recebe um maço de notas para depositar na conta do cliente, mas, em vez de depositar,
fica com o dinheiro para si. Agiu intencionalmente, prosseguiu interesses seus e não da instituição bancária e isto é levar demasiado
longe a responsabilidade da pessoa coletiva, mas o funcionário beneficiou da imagem de credibilidade que lhe foi transmitida pela
pessoa colectiva. Se estes pressupostos todos estiverem preenchidos, é responsável a pessoa singular que agiu e a pessoa
colectiva.
Aqui, a responsabilidade entre a pessoa coletiva e a pessoa singular é uma responsabilidade solidária obrigacional.

Responsabilidade Solidária Obrigacional: Há uma exigência por parte do senhor x de indemnização pelos danos provocados pelo
titular do órgão. A pessoa coletiva paga essa mesma indemnização, em vez da pessoa singular. Quando a dívida que resta está paga,
o senhor x desaparece e o problema que resta é no âmbito da relação interna, no âmbito da relação entre a pessoa coletiva e o
titular do órgão.

Se a pessoa coletiva pagou e não teve culpa, nesse caso a pessoa coletiva tem direito de regresso.
Direito de Regresso: direito de exigir ao seu funcionário o reembolso de tudo aquilo que pagou (art. 497.º/2).

Responsabilidade Contratual das Pessoas Coletivas


Aplica-se aqui o art. 800.º.
A estrutura imputacional é completamente diferente da existente na responsabilidade extracontratual. Já não vamos
responsabilizar primeiro o titular do órgão para depois responsabilizar a pessoa colectiva, aqui vamos pensar que a pessoa
colectiva é devedora/deixa de cumprir/protagoniza o incumprimento, porque havendo não cumprimento presume-se a culpa
(art. 799.º). Responde a pessoa coletiva que é quem está vinculada pela obrigação!

Pressupostos para haver responsabilidade contratual para as pessoas coletivas:


1) É necessário que a pessoa coletiva esteja vinculada por uma obrigação;
2) É necessário que essa obrigação tenha tido origem no ato de alguém com legitimidade para a vincular (necessário que a
obrigação tenha resultado de um ato praticado por alguém com legitimidade para vincular a pessoa colectiva);
3) Tem que haver não cumprimento, presumindo-se a culpa;
4) Tem que haver danos e nexo de causalidade. O art. 800.º permite-nos considerar que o ato de não cumprimento da pessoa
singular deve ser visto como um ato da própria pessoa coletiva. Aqui não há responsabilidade solidária entre o funcionário e
a pessoa coletiva, só responde a pessoa coletiva.

Problema do Levantamento da Personalidade Jurídica das Pessoas Coletivas ou Problema da


Desconsideração da Personalidade Jurídica das Pessoas Coletivas

As pessoas coletivas são centros autónomos de imputação de relações jurídicas.


Então, determinadas relações jurídicas são imputadas às pessoas coletivas e não podem ser imputadas aos sujeitos físicos
que integram essas pessoas coletivas.

Pais de Vasconcelos explica que se o titular da relação jurídica for a pessoa coletiva, então não são os seus sócios/associados/
fundador(es) e vice-versa. Nisto se traduz a autonomia pessoal que caracteriza as pessoas coletivas.
Alguns autores podem falar ainda no princípio da separação, onde as esferas são distinguíveis. Quando lidamos com pessoas
coletivas, temos duas ideias: separação pessoal entre sócios e associados e separação patrimonial (uma coisa é o património do
associado, outra é o património da associação). A autonomia pessoal é acompanhada da autonomia patrimonial que pode ser
perfeita ou imperfeita.
No caso das sociedades comerciais, a limitação da responsabilidade pode ser maior ou menor consoante o tipo e pessoa coletiva
em causa.

Mas há determinadas situações em que se verifica um abuso da personalidade coletiva.


Verifica-se um abuso da personalidade coletiva quando se usa a personalidade coletiva para obter um resultado ilícito ou
para contornar uma proibição legal.
Exemplo: os pais não podem vender um determinado bem a um filho, sem o consentimento dos outros filhos. Imaginado que o A
quer vender ao filho B, mas necessita da autorização da filha C para que o negócio seja válido, se C não der essa autorização, vamos

I.M.

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imaginar que o B constituiu uma sociedade unipessoal por quotas (em que ele é o único sócio) e vamos imaginar que o A vende
aquele imóvel não ao B, mas à sociedade comercial.
A relação jurídica não é estabelecida com o filho, então aparentemente cai fora da alçada da norma, mas a personalidade
coletiva é aqui abusada para contornar uma proibição legal, então temos abuso da personalidade coletiva e perante uma situação
destas é possível desconsiderar essa personalidade coletiva, é possível levantá-la - Levantamento do Véu da Personalidade
Coletiva. Isso significa que vamos considerar que a relação se imputa ao sócio e não à sociedade.

Quando se pode recorrer à Desconsideração da Personalidade Jurídica das Pessoas Coletivas?


• Perspectiva Subjetivista - requisitos para se desconsiderar/levantar a personalidade coletiva: 1) exige que se verifique uma
situação de abuso verificada; 2) exige que se verifique a intencionalidade; 3) exige que se verifique a intenção de obter um fim
ilícito.
• Perspetiva Objetivista - é necessário que a separação pessoal e patrimonial inerente à pessoa coletiva se mostre em
contradição com a intencionalidade ou reconhecimento dessa personalidade. Bastava que se verificasse essa contradição entre a
mobilização da personalidade e o reconhecimento dessa.

I.M.

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