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Copyright © 2021 by Virgílio Afonso da Silva

Apoio da Pró-reitoria de Graduação da Universidade de São Paulo


Programa de Incentivo à Produção de Livros Didáticos para o Ensino de Graduação

1ª edição 2021
1ª reimpressão 2021
2ª reimpressão 2021
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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Silva, Virgílio Afonso da


Direito Constitucional Brasileiro / Virgílio Afonso da Silva. – 1.
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ed., 2. reimpr. – São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo,


2021. – (Acadêmica; 107)
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Bibliografia.
ISBN 978-65-5785-005-3
P0

1. Direito constitucional 2. Direito constitucional – Brasil I. Tí-


tulo II. Série.

20-46616 CDD-342 (81)


20

Índices para catálogo sistemático:


1. Brasil: Direito constitucional 342 (81)
Maria Alice Ferreira – Bibliotecária – CRB-8/7964
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Direitos reservados à

Edusp – Editora da Universidade de São Paulo


Rua da Praça do Relógio, 109-a, Cidade Universitária
05508-050 – São Paulo – sp – Brasil
Divisão Comercial: tel. (11) 3091-4008 / 3091-4150
www.edusp.com.br – e-mail: edusp@usp.br

Printed in Brazil 2021

Foi feito o depósito legal


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A meu pai,
José Afonso da Silva,
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mais importante intérprete da Constituição de 1988,


por ocasião de seu 95º aniversário
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Sumário*
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Lista de Tabelas e Figuras ........................................................................................... 11


Lista de Siglas e Abreviaturas ..................................................................................... 13
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Agradecimentos ........................................................................................................... 17
Apresentação ................................................................................................................ 21
4-

Introdução .................................................................................................................... 25

Parte i – Constituição

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1. O Que é e para que Serve uma Constituição .................................................... 31


2. A Criação da Constituição: Poder Constituinte ................................................. 45
3. Normas Constitucionais, Interpretação e Eficácia ............................................. 53
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4. As Constituições Brasileiras ................................................................................. 65


5. A Constituição de 1988 ........................................................................................ 77
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Parte ii – Direitos
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6. Direitos Fundamentais ......................................................................................... 99


7. Igualdade ............................................................................................................. 131
8. Vida ...................................................................................................................... 153
9. Liberdades ........................................................................................................... 165

* Um sumário detalhado, com todas as subdivisões dos capítulos, encontra-se no fim deste livro.
10 Direito Constitucional Brasileiro

10. Privacidade .......................................................................................................... 203


11. Propriedade ......................................................................................................... 219
12. Segurança ............................................................................................................ 233
13. Acesso à Justiça e Devido Processo Legal ......................................................... 247
14. Direitos Sociais .................................................................................................... 259
15. Nacionalidade e Idioma ..................................................................................... 285
16. Direitos Políticos ................................................................................................. 295
17. Internacionalização dos Direitos Fundamentais .............................................. 313
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18. Remédios Constitucionais .................................................................................. 323


19. Meio Ambiente ................................................................................................... 333
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20. Povos Indígenas e Quilombolas ........................................................................ 341


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Parte iii – Poderes


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21. Federalismo ......................................................................................................... 353


22. Democracia, Eleições e Partidos Políticos ........................................................ 393
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23. Poder Legislativo................................................................................................. 425


24. Poder Executivo .................................................................................................. 447
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25. Sistema de Governo: O Presidencialismo Brasileiro ....................................... 475


26. Poder Judiciário .................................................................................................. 487
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27. Funções Essenciais à Justiça ............................................................................... 513


28. Processo Legislativo ............................................................................................ 521
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29. Reforma Constitucional ..................................................................................... 543


30. Controle de Constitucionalidade ...................................................................... 565
4-

31. Poderes Emergenciais ........................................................................................ 617


Parte iv – Desafios
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32. Desafios ................................................................................................................ 629

Artigos Constitucionais Citados ................................................................................ 637


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Decisões Judiciais Citadas ......................................................................................... 649


Legislação Citada ....................................................................................................... 655
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Índice Remissivo ........................................................................................................ 667


Sumário Detalhado .................................................................................................... 693
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Sobre o Autor ............................................................................................................ 707


Lista de Tabelas e Figuras
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Tabela 7.1. Composição étnico-racial da população e


da Câmara dos Deputados.................................................................. 139
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Tabela 21.1. Processos de alteração de limites territoriais de estados ................. 378


Tabela 21.2. Processos de alteração de limites territoriais de municípios .......... 382
4-

Tabela 22.1. Cálculo do quociente partidário em eleição para


a Câmara dos Deputados .................................................................... 402
Tabela 22.2. Distribuição de restos em eleição para

a Câmara dos Deputados, i ................................................................ 402


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Tabela 22.3. Distribuição de restos em eleição para


a Câmara dos Deputados, ii ............................................................... 403
Tabela 22.4. Distribuição de restos em eleição para
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a Câmara dos Deputados, iii .............................................................. 403


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Figura 26.1. Organização do Poder Judiciário....................................................... 488


Figura 28.1. Etapas do processo legislativo ordinário ........................................... 523
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Lista de Siglas e Abreviaturas
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ac – Ato Complementar
aco – Ação Civil Originária
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adc – Ação Declaratória de Constitucionalidade


adct – Ato das Disposições Constitucionais Transitórias
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adi – Ação Direta de Inconstitucionalidade


ado – Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão
adpf – Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental

agr – Agravo Regimental


od

agu – Advocacia-Geral da União


ai – Ato Institucional
aime – Ação de Impugnação de Mandato Eletivo
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anc – Assembleia Nacional Constituinte (1987-1988)


Anvisa – Agência Nacional de Vigilância Sanitária
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ap – Ação Penal
are – Agravo em Recurso Extraordinário
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ccjc – Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania


Confea – Conselho Federal de Engenharia e Agronomia
cfm – Conselho Federal de Medicina
cid – Classificação Internacional de Doenças
clt – Consolidação das Leis do Trabalho
cmo – Comissão Mista de Planos, Orçamentos Públicos e Fiscalização
cnj – Conselho Nacional de Justiça
14 Direito Constitucional Brasileiro

cp – Código Penal
cpc – Código de Processo Civil
cpi – Comissão Parlamentar de Inquérito
cpt – Comissão de Finanças e Tributação
ec – Emenda Constitucional
ecr – Emenda Constitucional de Revisão
Enem – Exame Nacional do Ensino Médio
Ext – Extradição
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fefc – Fundo Especial de Financiamento de Campanha


hc – Habeas Corpus
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ibge – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística


icn – Identificação Civil Nacional
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if – Intervenção Federal
igpm – Inspetoria-Geral das Polícias Militares e dos Corpos de Bombeiros Militares
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inaf – Indicador de Alfabetismo Funcional


Incra – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
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indl – Inventário Nacional da Diversidade Linguística


Inq – Inquérito
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iptu – Imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana


itcmd – Imposto sobre transmissão causa mortis e doação
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lai – Lei de Acesso à Informação


lgbt – Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transgêneros
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lgpd – Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais


Libras – Língua Brasileira de Sinais
4-

mc – Medida Cautelar
mi – Mandado de Injunção

ms – Mandado de Segurança
msc – Mensagem do Poder Executivo ao Poder Legislativo
od

oab – Ordem dos Advogados do Brasil


oea – Organização dos Estados Americanos
oit – Organização Internacional do Trabalho
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onu – Organização das Nações Unidas


pec – Proposta de Emenda Constitucional
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Pet – Petição
pib – Produto Interno Bruto
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pmdb – Partido do Movimento Democrático Brasileiro


pp – Pedido de Providências (cnj)
prn – Partido da Reconstrução Nacional
psdb – Partido da Social Democracia Brasileira
psl – Partido Social Liberal
pt – Partido dos Trabalhadores
qo – Questão de Ordem
Lista de Siglas e Abreviaturas 15

Rcl – Reclamação
rcn – Resolução do Congresso Nacional
re – Recurso Extraordinário
resp – Recurso Especial (stj)
respe – Recurso Especial Eleitoral (tse)
rg – Repercussão Geral
rhc – Recurso ordinário em Habeas Corpus
ricd – Regimento Interno da Câmara dos Deputados
pa

risf – Regimento Interno do Senado Federal


ristf – Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal
ra

rms – Recurso ordinário em Mandado de Segurança


ro – Recurso Ordinário (tst)
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Sisan – Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional


sl – Suspensão de Liminar
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sms – Short Message Service (serviço de mensagens curtas em aparelhos


de telefonia celular)
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ss – Suspensão de Segurança
sta – Suspensão de Tutela Antecipada
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stf – Supremo Tribunal Federal


stj – Superior Tribunal de Justiça
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stm – Superior Tribunal Militar


sus – Sistema Único de Saúde
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tcu – Tribunal de Contas da União


tre – Tribunal Regional Eleitoral
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tse – Tribunal Superior Eleitoral


tst – Tribunal Superior do Trabalho

Uerj – Universidade do Estado do Rio de Janeiro


Unicamp – Universidade Estadual de Campinas
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usp – Universidade de São Paulo


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Federalismo
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Durante todo o Império (1822-1889), o Brasil foi um Estado unitário. A unidade


sempre foi uma preocupação central após a independência, dentre outras razões para
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evitar a fragmentação territorial que havia ocorrido nos territórios antes colonizados
pela Espanha. Embora ideias federalistas estivessem constantemente presentes na-
4-

quele momento, a oportunidade concreta para sua adoção surge apenas no último
quarto do século xix, com o fortalecimento do movimento republicano. Com a

proclamação da República em 1889, dois dos principais fundamentos da organização


estatal republicana no Brasil foram estabelecidos: federalismo e presidencialismo.
od

A despeito das inúmeras alterações em sua configuração desde então, ambos con-
tinuam a ser as principais instituições do Brasil contemporâneo. A Constituição de
1891 vedava emendas que tendessem a abolir a forma federativa de Estado (art. 90,
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§ 4º). A Constituição de 1988 manteve essa tradição (art. 60, § 4º, i)1.
Apesar de ter sido cláusula pétrea em quase todas as constituições brasileiras, a
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forma federativa de Estado talvez tenha sido a variável institucional que mais sofreu
os impactos das diversas turbulências políticas, institucionais e constitucionais do
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século xx no Brasil2. O federalismo brasileiro já foi dual, isto é, com competências


distribuídas de forma estanque entre os membros da federação, sem previsão de
cooperação entre eles; potencialmente cooperativo, ou seja, baseado em um arranjo
que pudesse, ao menos em tese, fomentar cooperação entre os entes da federação;

1. Sobre limites ao poder de emendas, ver o tópico 29.3.3.


2. Ver capítulo 4.
354 Direito Constitucional Brasileiro

descentralizado, isto é, com competências significativas para os estados e, em alguns


casos, também para os municípios; centralizado, ou seja, com concentração de com-
petências nas mãos da União; e também às vezes meramente nominal, isto é, com
alguma repartição de competências previstas pela constituição, a qual, no entanto,
era completamente erodida pela prática política.
O federalismo definido pela Constituição de 1988 é – ao menos potencialmente
– um exemplo de federalismo cooperativo. Pela primeira vez na história constitu-
cional brasileira, dezenas de competências (legislativas, político-administrativas e
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tributárias) são compartilhadas pelos integrantes da federação3. E essas competências


não são compartilhadas somente entre União e estados, como é usual em Estados
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federais; a Constituição de 1988 incluiu os municípios na repartição de competên-


cias federativas. Como será visto ao longo deste capítulo, no entanto, há uma certa
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tendência à centralização de poderes nas mãos da União, o que em grande medida


corrói o caráter cooperativo do federalismo brasileiro.
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21.1 FORMA DE ESTADO: CONCEITO E ARRANJOS POSSÍVEIS


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Quando se fala em forma de Estado, quer se fazer menção à maneira como o po-
der é organizado, compartilhado e exercido no território de um determinado país.
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Embora a contraposição entre centralização e descentralização seja a mais intuitiva


nesse âmbito, ela não é capaz de explicar as diferenças institucionais entre as diversas
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formas de Estado, sobretudo porque a diferença entre elas não se resume a uma
gradação entre a extrema centralização e a extrema descentralização. Em outras
4-

palavras, e já introduzindo as duas principais formas de Estado mais difundidas e


já mencionadas na introdução deste capítulo, a diferença entre um Estado unitário

e um Estado federal não é apenas o grau de centralização. Um Estado federal não


é um Estado unitário descentralizado; tampouco o Estado unitário é um Estado
od

federal centralizado.
É possível afirmar que todo Estado tem algum nível de descentralização. Ou
seja, não é possível supor que, em algum Estado, todas as decisões sejam tomadas
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por uma autoridade central, desde decisões sobre política econômica até decisões
sobre instalação de semáforo em determinado cruzamento viário. É intuitivo supor
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que, em qualquer Estado, há decisões que são tomadas de forma centralizada (sobre
política econômica, por exemplo), enquanto algumas decisões locais são tomadas
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por autoridades locais responsáveis (como a instalação de semáforos, por exemplo).


Isso é verdadeiro não importa a forma de Estado, ou seja, é assim em um Estado
federal, mas é assim também em um Estado unitário.

3. Embora houvesse alguma previsão de compartilhamento de competências já na Constituição de 1934 (art. 10),
um sistema amplo de competências concorrentes foi introduzido apenas pela Constituição de 1988.
Federalismo 355

Mais do que isso, não seria impossível imaginar um exemplo de Estado unitário
no qual autoridades locais ou regionais tenham mais competências (isto é, podem
decidir sobre mais coisas) do que as autoridades locais ou regionais de um hipotético
Estado federal. Ou seja, embora essa não seja a regra, um Estado unitário pode ser
tão descentralizado quanto um Estado federal.
Suponha o Estado unitário U e o Estado federal F. O Estado U é dividido em
departamentos, F é composto por estados membros. Os chefes dos departamentos
em U são eleitos por seus moradores e os governadores dos estados em F também
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são eleitos por seus habitantes. O mesmo vale para as assembleias departamentais de
U e as assembleias legislativas de F. Mais do que isso: essas assembleias têm poderes
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muito semelhantes, isto é, podem legislar sobre as mesmas matérias em U e em F.


Também as receitas dos departamentos em U e dos estados em F são equivalentes
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e provêm de impostos e taxas semelhantes. O que os distingue? Ou: por que U é


um Estado unitário e F é um Estado federal?
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Um conceito é central para entender a diferença: autonomia. Os estados em F


são autônomos; os departamentos em U, não. O que isso significa e qual é a fonte
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dessa autonomia? Ser autônomo, nesse contexto, significa poder tomar as decisões
que entender corretas e convenientes na sua área de competência e ter a garantia
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de que essa área de competência não será alterada. Nesse sentido, se os estados
em F podem legislar sobre os temas t1, t2 e t3, não há nada que o governo central
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de F possa fazer para impedir que os estados membros legislem sobre esses temas.
De forma similar, se os estados em F têm direito às receitas dos impostos i1, i2 e
20

i3, o governo central de F não pode alterar isso. E, por fim, se os governadores
e as assembleias legislativas dos estados membros de F são eleitos diretamente, o
4-

governo central não pode interferir nessa organização. Nada disso, contudo, vale
para os departamentos de U. O fato de que, no exemplo, esses departamentos têm

competências para legislar sobre alguns temas, recebem a receita de determinados


tributos e seus chefes e assembleias são eleitos diretamente não significa que essas
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competências legislativas, essas receitas e essa organização política não possam ser
alteradas posteriormente pelo poder central de U.
Neste momento já ficou claro que a fonte da autonomia dos estados em F é a
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constituição. Em um estado federal, a constituição é um pacto aceito por todos os


membros da federação, em igualdade de condições. Já os poderes, competências e
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receitas das divisões administrativas em um Estado unitário (as quais foram chamadas
de departamentos, mas podem ter outros nomes, como províncias, regiões, dentre
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outros) não são pactuados constitucionalmente, mas definidos em leis ou outros


atos do poder central. Constituições de Estados unitários, mesmo que dediquem
algum espaço às descentralizações de poder que possam existir, não definem re-
partições de poderes entre os diversos níveis. Essas constituições não são um pacto
entre unidades componentes de um Estado; elas possibilitam que o poder central,
na medida de sua conveniência, delegue atribuições a algumas esferas regionais ou
356 Direito Constitucional Brasileiro

locais de poder. Essas delegações, em geral, podem ser alteradas ou mesmo revo-
gadas a qualquer tempo.
Uma comparação entre as constituições brasileiras de 1824 e 1891 pode
ser ilustrativa. Como já mencionado, durante o Império o Brasil foi um Estado
unitário, tendo sido a federação criada com a proclamação da República. Mesmo
sendo um Estado unitário, o Brasil era dividido em províncias durante o Império.
A Constituição de 1824 tinha algumas disposições sobre essas províncias. As princi-
pais delas eram o art. 2º (“O seu território [do Império] é dividido em Províncias
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na forma em que atualmente se acha, as quais poderão ser subdivididas, como


pedir o bem do Estado”) e o art. 81, sobre os conselhos gerais das províncias
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(“Estes Conselhos terão por principal objeto propôr, discutir, e deliberar sobre
os negócios mais interessantes das suas Províncias; formando projetos peculiares,
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e acomodados às suas localidades, e urgências”). Não havia nenhuma matéria ou


grupo de matérias cuja regulação a Constituição de 1824 atribuísse explicitamente
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às províncias. O fato de as decisões dos conselhos gerais das províncias terem de


ser confirmadas (e, portanto, poderem ser rejeitadas) pelo governo central apenas
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deixa mais clara a estrutura unitária do Brasil durante o Império. Já a Constitui-


ção de 1891 previa os tributos que os estados poderiam criar e cobrar (art. 9º) e,
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se não definia de forma explícita as competências dos estados membros, o fazia


de forma indireta, afirmando, no art. 65, 2º, que era facultado aos estados “todo
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e qualquer poder ou direito, que lhes não for negado por cláusula expressa ou
implicitamente contida nas cláusulas expressas da Constituição”. O Senado, já
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existente no Império, foi transformado em Senado Federal, com representantes


dos estados, com representação paritária (art. 30). Além disso, a Constituição de
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1891 continha uma explícita cláusula de não intervenção da União nos estados
(art. 6º) e definia tanto a forma federal de Estado quanto a igualdade da repre-

sentação dos estados no Senado como cláusulas pétreas, isto é, protegidas contra
emendas (art. 90, § 4º)4.
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O fato de a autonomia dos estados membros em uma federação ser garantida


pelo texto constitucional não é, sozinho, suficiente para garantir o respeito a essa
autonomia. Embora constituições sejam mais difíceis de ser alteradas do que leis
ivu

ordinárias, nada impediria que o poder central em um Estado federal alterasse a


constituição para diminuir as competências dos estados e aumentar as suas. Por essa
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razão, constituições de Estados federais podem ter outros mecanismos constitucio-


nais para proteger essa autonomia. Dois deles já foram mencionados aqui: o mais
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comum é a existência de um Senado Federal, com representantes dos estados, cuja


participação no processo de emendas constitucionais deve ser garantida; o outro,
menos frequente, é a inclusão da forma federativa de Estado dentre as cláusulas
pétreas. Além desses dois, há uma terceira forma de proteção, ainda mais rígida,
que é condicionar emendas constitucionais à aprovação não apenas do legislativo

4. Sobre o conceito de cláusula pétrea, ver o tópico 29.3.3.


Federalismo 357

federal, mas também dos legislativos estaduais, como ocorre, por exemplo, nos
Estados Unidos e no México5. Por fim, em Estados federais costuma-se atribuir a
um órgão neutro – com frequência a uma suprema corte – a tarefa de resolver
conflitos federativos6.

21.2 POR QUE FEDERALISMO


pa

Existem várias razões que justificam ou explicam a criação de Estados federais. A


mais intuitiva dessas razões é justamente aquela que justificou a criação da primeira
ra

federação do mundo, os Estados Unidos da América: a associação de Estados inde-


pendentes para formar um novo Estado, para buscar o bem comum de todos, mas
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que respeite as diferenças e os interesses regionais de suas unidades constitutivas.


Processo semelhante ocorreu em muitos países, como a Suíça e a Austrália, por
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exemplo. Nesses casos, o surgimento de um novo Estado soberano, produto da


união de Estados menores, coincide com a criação da federação.
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Mas há experiências distintas, nas quais o Estado soberano já existe com forma
unitária e, em algum momento de sua história, transforma-se em um Estado federal,
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por meio de uma espécie de refundação, a qual, embora não modifique território
e soberania anteriormente existentes, constitui um novo pacto constitucional, em
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que estados membros entram como parte constitutiva tanto quanto a União. O caso
do Brasil, em 1889, é um exemplo nesse sentido. Mas há outros exemplos, como a
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Bélgica e a Argentina.
Independentemente do processo de criação, as razões para se adotar a forma
4-

federativa são numerosas. Elas podem envolver extensão territorial (todas as maiores
democracias do mundo adotam a forma federal); mas não necessariamente, porque

há países pequenos que também adotam a forma federativa, como a Bélgica, a Suí-
ça e a Bósnia Herzegóvina, por exemplo. Em geral, a adoção do federalismo está
od

ligada a alguma heterogeneidade na composição de um país. Essa heterogeneidade


pode ser social, econômica, regional, linguística, étnica, religiosa, dentre outras.
Federações como a Índia, a Suíça, a Bélgica, o Canadá e a Bósnia Herzegóvina são
ivu

bons exemplos de heterogeneidades étnicas, linguísticas e religiosas que em boa


parte explicam a adoção de um arranjo federal. As razões que levaram à adoção do
lga

federalismo no Brasil serão tratadas adiante.


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5. Ver Constituição dos Estados Unidos, art. v (que exige a aprovação das emendas por 3/4 das assembleias
estaduais) e Constituição do México, art. 135 (que exige a aprovação pela maioria das assembleias estaduais).
6. Não é coincidência, portanto, que no Brasil (e também em outros países) o Senado Federal tenha um papel
no processo de nomeação dos membros do Supremo Tribunal Federal. Se este é o árbitro da federação, é
natural que os estados tenham, ainda que indiretamente, alguma participação no processo de escolha de
seus membros.
358 Direito Constitucional Brasileiro

21.3 O TERRITÓRIO, A FEDERAÇÃO E SUAS UNIDADES COMPONENTES

O território brasileiro ocupa uma área de 8 515 767,049 km2, segundo o ibge7. Sobre
seu território, e também sobre o mar territorial8, o Brasil exerce plena soberania9.
O território brasileiro é integralmente ocupado por 26 estados membros e um Dis-
trito Federal. A Constituição de 1988 estabeleceu que os municípios também são
unidades componentes da federação. O Distrito Federal não pode ser dividido em
municípios (art. 32).
pa

Uma definição terminológica importante diz respeito às unidades componentes


da federação brasileira. Embora não haja nenhuma controvérsia sobre os termos,
ra

não é demais explicitá-los aqui. A Constituição menciona as unidades componentes


da federação logo em seu art. 1º, que tem a seguinte redação: “A República Fede-
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rativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do


Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito […]”. A federação
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brasileira, portanto, tem quatro tipos distintos de membros: a União, os estados,


os municípios e o Distrito Federal. Isso não significa que a federação tenha quatro
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níveis. Na verdade, são apenas três os níveis: União, estados e municípios10. Como
será visto adiante, o Distrito Federal tem um status especial11 e, em boa parte dos
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casos, tem tanto as competências típicas dos estados quanto aquelas dos municípios.
Além da União, estados, municípios e Distrito Federal, a Constituição men-
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ciona diversas vezes o termo territórios (às vezes também “territórios federais”) no
âmbito da federação. Os territórios, contudo, não são uma unidade componente da
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federação, porque pertencem à União, nos termos do art. 18, § 2º (“Os Territórios
Federais integram a União”). Os territórios federais serão analisados brevemente
4-

mais adiante12.

21.4 COMPETÊNCIAS
od

Nos debates sobre federalismo, competência é sem dúvida um dos termos mais rele-
vantes. Competência é, na verdade, um conceito central para o direito em geral,
ivu

e há variados debates sobre o conceito de competência na teoria do direito. Não


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7. ibge, disponível em: http://brasilemsintese.ibge.gov.br/territorio/dados-geograficos.html, acesso em: 20 jun. 2020.


8. Nos termos do art. 1º, da lei 8.617/1993, o mar territorial “compreende uma faixa de doze milhas marítimas
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de largura, medidas a partir da linha de baixa-mar do litoral continental e insular”. Ver também o decreto
legislativo 5/1987 e o decreto 1.530/1995, que aprovaram e promulgaram a Convenção das Nações Unidas
sobre o Direito do Mar.
9. O Brasil também exerce alguns direitos de soberania na zona econômica exclusiva, que “compreende uma
faixa que se estende das doze às duzentas milhas marítimas, contadas a partir das linhas de base que servem
para medir a largura do mar territorial” (lei 8.617/1993, art. 6º).
10. Embora tenha havido no passado alguma polêmica sobre a possibilidade de uma federação ter três níveis, já
que elas usualmente têm apenas dois, o fato é que a Constituição de 1988 decidiu incluir os municípios como
parte integrante da federação. Para mais detalhes, ver o tópico 21.10.
11. Ver o tópico 21.12.
12. Ver o tópico 21.13.
Federalismo 359

será necessário adentrar esse debate aqui. O termo “competência”, nos debates
jurídicos sobre federalismo, quer dizer pura e simplesmente ter o poder de tomar
certas decisões. É certo que “ter o poder de tomar certas decisões” pode significar,
no âmbito do federalismo, ao menos duas coisas razoavelmente distintas. Essa ex-
pressão pode significar: (a) ter a faculdade de agir em determinado âmbito (o que
inclui a faculdade de não agir, se entender conveniente); ou (b) ter o dever de agir
em determinado âmbito (o que, portanto, não inclui a possibilidade de não agir).
Em ambos os casos, contudo, o que mais importa para o debate conceitual é
pa

que uma decisão tomada por quem tenha a competência para agir em determinado
âmbito não pode ser considerada inconstitucional por razões de competência (em-
ra

bora possa ser considerada inconstitucional por outras razões). Na medida em que as
numerosas controvérsias – judiciais ou políticas – sobre federalismo têm como cerne,
us

em grande parte dos casos, analisar se quem tomou uma decisão poderia tomá-la, a
distinção entre ter a faculdade de agir e ter o dever de agir torna-se menos relevante.
oe

Como será visto adiante13, na repartição de poderes no âmbito de uma federa-


ção, três são os tipos de competência mais relevantes: as competências legislativas,
m

político-administrativas e tributárias.
FL

21.5 CENTRALIZAÇÃO, DESCENTRALIZAÇÃO E IDEAIS FEDERALISTAS


P0

ANTES DE 1889
20

Como mencionado no início deste capítulo, ideais federalistas não surgiram no Brasil
somente no final do século xix. Mesmo antes da independência já havia fortes mo-
4-

vimentos federalistas, ainda que nem sempre essa denominação fosse utilizada. Além
disso, a alocação de poderes no Brasil desde a chegada dos portugueses passou por

diversas ondas de centralização e descentralização. Mesmo que, como foi exposto


acima, o contraste entre centralização e descentralização não possa ser equiparado
od

à contraposição entre Estado unitário e Estado federal, as distintas maneiras de se


alocar poder no território brasileiro ao longo da história explicam parte das razões
para o surgimento posterior de ideais federalistas.
ivu

Inicialmente os portugueses adotaram um modelo altamente descentralizado


de ocupação do Brasil, por meio das capitanias hereditárias. Posteriormente, as ca-
lga

pitanias passaram a se subordinar (ao menos em tese) ao Governo Geral. Durante


a União Ibérica, o governo geral foi extinto e dois Estados foram criados, o Estado
r

do Brasil e o Estado do Maranhão. Em 1815, foi estabelecido o Reino Unido de


Portugal, Brasil e Algarves.
A despeito da existência de um poder central na metrópole portuguesa, a
descentralização de poder durante o período colonial, além da virtual ausência
de um elemento unificador em território brasileiro, propiciou a emergência de

13. Ver o tópico 21.6.


360 Direito Constitucional Brasileiro

distintas identidades regionais, bem como de elites locais com interesses particulares
e distintos. Essas identidades regionais ficaram especialmente salientes na época da
independência, algo que a historiografia oficial procurou negar por muito tempo,
com o intuito de sedimentar a ideia de que tanto o processo de independência
na forma como ocorreu quanto a criação de um Estado unitário expressavam a
vontade geral da nação14.
Mas a ideia de que a soberania pertencia às províncias, que poderiam (mas não
necessariamente deveriam) unir-se para formar um Estado maior, era mais difundida
pa

do que por muito tempo se procurou fazer crer. Talvez os exemplos mais emble-
máticos dessa forma de ver a relação entre poder central e poder das províncias
ra

sejam a Revolução Pernambucana de 1817 e a Confederação do Equador, de 1824.


Nesses e em outros casos, o uso de termos como federação, confederação, repú-
us

blica, e mesmo democracia, não seguia nenhum critério claramente identificável, e


essa confusão sempre foi estrategicamente utilizada pelos defensores de um Estado
oe

unitário, forte e centralizado para reprimir qualquer tentativa de avanço de ideais


federalistas no Brasil. Não era difícil associar federalismo a fragmentação territorial,
m

secessão, republicanismo, dentre outros rótulos. A fragmentação territorial das anti-


gas colônias espanholas na América e os conflitos e guerras a ela associados apenas
FL

reforçavam os argumentos a favor de um Estado monárquico e unitário.


Embora durante os debates constituintes de 1823 tenha havido propostas para
P0

adotar a forma federal, nenhuma delas teve qualquer chance de sucesso. A dissolu-
ção da assembleia constituinte por Dom Pedro i15, e a outorga de uma constituição
20

fortemente centralizadora, redigida sob sua supervisão pessoal, embora tenha dado
causa a reações, como foi o caso da já mencionada Confederação do Equador, aca-
4-

bou por derrotar os ideais federalistas no Brasil.


Ainda assim, em 1834, uma reforma constitucional durante o período regen-

cial – conhecida como Ato Adicional – acabou por incorporar ao sistema político
brasileiro algumas demandas associadas a ideias federalistas. O Ato Adicional extin-
od

guiu o Conselho de Estado, um órgão chave na centralização política do Império,


transformou os conselhos gerais em assembleias legislativas provinciais e estabeleceu
um sistema de repartição de receitas tributárias entre o poder central e as provín-
ivu

cias. Com isso, criou-se uma importante descentralização política, administrativa e


tributária no interior do Estado unitário brasileiro16.
lga

O período de vigência do Ato Adicional, que coincidiu em grande parte com


o período regencial, foi um período politicamente conturbado e marcado por nu-
r

merosas revoltas regionais no Brasil, como a Cabanagem, a Sabinada, a Balaiada, a


Guerra dos Farrapos, a Revolta dos Malês, dentre outras. Algumas dessas revoltas
tinham elementos federalistas, outras, secessionistas. Em 1840, o Ato Adicional foi

14. Ver o tópico 4.1.


15. Ver o tópico 4.1.
16. Ver Ato Adicional (lei 16/1834), especialmente arts. 1º, 9º, 10 e 11.
Federalismo 361

profundamente alterado por uma lei que, em tese, deveria apenas estabelecer cri-
térios para sua interpretação, mas que, na prática, tornou sem efeito várias de suas
medidas descentralizadoras, especialmente ao diminuir o poder das assembleias
legislativas provinciais. Em 1841, o Conselho de Estado foi recriado e o Código
de Processo Criminal, de 1832 – o qual havia introduzido importantes alterações
descentralizadoras no sistema de justiça ainda antes da descentralização política
e administrativa promovida pelo Ato Adicional –, foi reformado para conter a
descentralização nesse âmbito. Era o início do que ficou conhecido como Regresso,
pa

isto é, uma reação conservadora e centralizadora à experiência descentralizadora


dos anos 1830.
ra

O ano de 1870 marca um importante momento de reavivamento dos ideais


federalistas no Brasil. Neste ano, dois textos seminais foram publicados: o Manifesto
us

Republicano e o livro A Província, de Tavares Bastos. As acusações feitas pelo primeiro


contra a Monarquia eram em grande parte direcionadas mais contra a forma unitá-
oe

ria de Estado e menos contra o regime de governo. Em grande medida, era, mais
do que um manifesto republicano, um manifesto federalista. Já o livro de Tavares
m

Bastos é provavelmente o mais importante livro em defesa dos ideais federalistas


escrito no Brasil. Embora a adoção do federalismo tenha ocorrido apenas dezenove
FL

anos após a publicação desses textos, não há dúvida de que ambos foram centrais
para preparar o terreno para o federalismo no Brasil.
P0

Como já mencionado no capítulo 4, uma importante razão para a procla-


mação da República foi a incapacidade de o Império perceber que o movimento
20

federalista não poderia ser contido. Alguns importantes defensores do federalis-


mo eram monarquistas, que, em algum momento, trocaram de lado e passaram
4-

a defender a causa republicana por perceberem que o federalismo nunca seria


adotado pelo Império17.

Assim, embora o dia 15 de novembro de 1889 seja considerado o dia da pro-


clamação da República, é possível afirmar que, ao menos naquele momento, a ideia
od

que tinha maior apoio talvez fosse o federalismo, não a república.


ivu

21.6 REPARTIÇÃO DE COMPETÊNCIAS NA CONSTITUIÇÃO DE 1988


lga

A repartição de competências em um Estado federal pode basear-se em diversos


critérios. Constituições de países que adotam o federalismo usualmente adotam al-
r

guma combinação dos seguintes critérios: (a) enumeração explícita de competências


para um ente, ficando as competências não enumeradas (residuais) para os demais;
(b) enumeração explícita das competências de cada um dos entes componentes da

17. Ruy Barbosa talvez seja o exemplo paradigmático. Quando percebeu que o Império não abandonaria a cen-
tralização unitária, ele passou para o lado republicano. Como se sabe, após o fim do Império, Ruy Barbosa
tornou-se o mais importante jurista da Primeira República (1889-1930) e desempenhou papel central na
elaboração da Constituição de 1891.
362 Direito Constitucional Brasileiro

federação; (c) competências compartilhadas em algumas áreas, com alguma forma


de divisão de tarefas no âmbito dessas áreas; (d) competências compartilhadas em
algumas áreas, sem explícita divisão de tarefas.
Na história constitucional brasileira, o primeiro critério sempre esteve pre-
sente. Desde o já mencionado art. 65, 2º, da Constituição de 1891, que previa
ser facultado aos estados membros “todo e qualquer poder ou direito, que lhes
não for negado por cláusula expressa ou implicitamente contida nas cláusulas
expressas da Constituição”, até o art. 25, § 1º, da Constituição de 1988, segundo
pa

o qual são reservadas aos Estados “as competências que não lhes sejam vedadas
por esta Constituição”.
ra

O segundo critério (“enumeração explícita das competências de cada um dos


entes componentes da federação”) também tem sido adotado por todas as constitui-
us

ções brasileiras, no âmbito da distribuição de competências tributárias. Desde 1891,


as constituições brasileiras explicitamente elencam quais tributos podem ser criados
oe

e cobrados por cada ente da federação. Na Constituição de 1988, isso não ocorre
no título dedicado à organização do Estado (título iii), mas no título dedicado à
m

tributação e ao orçamento (título vi), sobretudo nos arts. 153 a 156.


Por fim, o terceiro e o quarto critérios, característicos de um federalismo mais
FL

cooperativo, têm sido adotados desde 1934 e tiveram seu papel fortalecido na Cons-
tituição de 1988. Como será visto adiante, a Constituição adota termos diferentes
P0

para se referir a esses dois critérios. Nos casos em que as competências são com-
partilhadas com alguma forma de divisão de tarefas, a Constituição adota o termo
20

competências concorrentes (art. 24); quando não há divisão de tarefas, ela adota o
termo competências comuns (art. 23).
4-

A repartição de competências no federalismo brasileiro é definida especialmente


no título iii, intitulado “Da organização do Estado”18. Esse título iii é dividido em

seis breves capítulos, que podem ser considerados o cerne do federalismo brasilei-
ro. Esses capítulos são: (i) Da organização político-administrativa (arts. 18 e 19);
od

(ii) Da União (arts. 20 a 24)19; (iii) Dos estados federados (arts. 25 a 28); (iv) Dos
municípios (arts. 29 a 31); (v) Do Distrito Federal e dos territórios (arts. 32 e 33);
(vi) Da intervenção (arts. 34 a 36).
ivu

Como será visto ao longo deste capítulo, esses artigos não são dedicados apenas
à repartição de competências. Eles também contêm normas sobre organização dos
lga

poderes em cada um dos entes da federação, sobre intervenção federal, e outras.


Ainda assim é possível afirmar que a repartição de competências é o coração do
r

título iii da Constituição e o aspecto que tende a suscitar mais controvérsias.


Com base nos quatro critérios definidos acima, os artigos que distribuem
competências aos entes da federação podem ser classificados da seguinte maneira.

18. Como foi mencionado, contudo, a repartição de competências tributárias é definida no título vi (Da tributação
e do orçamento).
19. Embora o capítulo ii do título iii seja intitulado “Da União”, dois de seus artigos (arts. 23 e 24) contêm regras
que valem também para os outros entes da federação.
Federalismo 363

Competências privativas são definidas pelos arts. 21 e 22 (União), art. 25, §§ 2º e


3º (estados), e art. 30, i (municípios). Já as competências residuais são estabelecidas
pelo art. 25, § 1º (para os estados). Competências comuns são definidas no art. 23
(União, estados, Distrito Federal e municípios). Por fim, as competências concorrentes
são definidas sobretudo no art. 24 (União, estados e Distrito Federal), mas também
indiretamente no art. 30, ii (municípios).
Além dessa classificação baseada nos participantes da repartição de compe-
tências – União, estados, Distrito Federal e municípios – e na maneira como essas
pa

competências são distribuídas – de forma privativa, residual, comum ou concorren-


te –, há uma classificação mais geral, que distingue os tipos de competência pela
ra

atividade. Com base nesse critério, três são os tipos principais de competências
distribuídas entre os entes da federação: competências legislativas, político-admi-
us

nistrativas e tributárias.
Com base nesse critério, os mesmos artigos já mencionados seriam classifi-
oe

cados da seguinte forma: os arts. 21 e 23 distribuem competências político-admi-


nistrativas, os arts. 22, 24, 25, § 1º, e 30, i, distribuem competências legislativas,
m

enquanto as competências tributárias são distribuídas no título vi da Constituição


(arts. 153 a 156).
FL

À primeira vista, não é tarefa difícil compreender toda a sistemática de repar-


tição de competências no federalismo brasileiro. Uma leitura rápida dos artigos
P0

mencionados acima parece revelar um cenário no qual é possível saber, com alto
grau de certeza, qual ente pode fazer o que em qual área. Mas essa primeira im-
20

pressão é enganosa. A interpretação do sistema de repartição de competências,


especialmente as legislativas, é uma das mais difíceis tarefas do direito constitucional
4-

brasileiro. As próximas subseções são dedicadas à exposição de um panorama geral


das competências antes mencionadas para que, mais adiante, as principais dificul-

dades interpretativas nesse âmbito sejam analisadas.


od

21.6.1 Competências Privativas


ivu

Competências privativas são aquelas atribuídas a apenas um ente, que a exerce


com exclusividade20. Embora possa ser afirmado que todos os entes da federação
lga

– União, estados, Distrito Federal e municípios – possuem alguma competência


privativa, a verdade é que a Constituição de 1988 aloca esse tipo de competência
r

de forma bastante desbalanceada. Enquanto os estados recebem apenas uma úni-


ca competência privativa explícita (art. 25, § 2º: “explorar […] os serviços locais
de gás canalizado”) e aos municípios é atribuída uma competência genérica para

20. A possibilidade de delegação de competências não interfere em seu caráter privativo. Assim, o fato de o art.
22, parágrafo único, prever que a União pode, por meio de lei complementar, autorizar os estados a legislar
sobre questões específicas das matérias relacionadas nos incisos do mesmo art. 22 não afeta o caráter privativo
das competências da União ali definidas.
364 Direito Constitucional Brasileiro

“legislar sobre assuntos de interesse local” (art. 30, i), a Constituição atribui à
União a competência para legislar sobre mais de cinquenta temas definidos nos 29
incisos do art. 22, como, por exemplo, a competência para legislar sobre direito
civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial
e do trabalho (art. 22, i); sobre águas, energia, informática, telecomunicações e
radiodifusão (art. 22, iv); sobre política de crédito, câmbio, seguros e transferência
de valores (art. 22, vii); sobre nacionalidade, cidadania e naturalização (art. 22,
xiii); sobre populações indígenas (art. 22, xiv); e sobre propaganda comercial
pa

(art. 22, xxix), além de outras.


Além disso, o art. 21 também atribui competências privativas à União. Estas,
ra

contudo, não são competências legislativas, mas competências político-administra-


tivas, como, por exemplo, manter relações com Estados estrangeiros e participar
us

de organizações internacionais (art. 21, i), declarar a guerra e celebrar a paz (art.
21, ii), emitir moeda (art. 21, vii), e outras que serão analisadas mais adiante.
oe

Por fim, no âmbito tributário a Constituição também aloca uma série de com-
petências privativas para cada ente da federação, definindo quais impostos podem
m

ser instituídos pela União (art. 153), pelos estados e pelo Distrito Federal (art. 155)
e pelos municípios (art. 156). Essa exclusividade na competência para instituir os
FL

tributos elencados nesses artigos não significa que a renda desses tributos pertença
exclusivamente aos entes que os tiverem instituído. A Constituição define um com-
P0

plexo sistema de repartição de receitas tributárias, por meio do qual parte do que
é arrecado por um ente (sobretudo a União) é transferido aos outros.
20
4-

21.6.2 Competências Residuais

Embora fosse o cerne do federalismo brasileiro em seu surgimento no fim do


século xix, a repartição de competências residuais foi perdendo importância ao


longo do tempo, sobretudo em razão do crescimento do número de competências
od

privativas, comuns e concorrentes. Quanto mais competências desses últimos tipos


são explicitamente definidas pela Constituição, menos competência residual existe.
ivu

Assim, embora a Constituição de 1988 também atribua aos estados as competências


que não forem explicitamente atribuídas a outros entes (art. 25, § 1º), o fato é
lga

que diante do que foi apresentado sobre a enorme lista de competências privativas
atribuídas à União, bem como em razão do que será visto abaixo, sobre a também
r

longa lista de competências comuns e concorrentes, quase nada sobra aos estados
como competência residual21.

21. No âmbito tributário, a competência residual pertence à União, nos termos do art. 154, i: “A União poderá
instituir […] mediante lei complementar, impostos não previstos no artigo anterior, desde que sejam não-cu-
mulativos e não tenham fato gerador ou base de cálculo próprios dos discriminados nesta Constituição”.
Federalismo 365

21.6.3 Competências Comuns

Competências comuns são aquelas atribuídas a todos os entes da federação (União,


estados, Distrito Federal e municípios) sem nenhuma qualificação adicional, ou
seja, sem uma clara definição do que cabe a cada um desses entes. Essas compe-
tências são definidas pelo art. 23 e não são competências legislativas, mas político-
-administrativas. A falta de uma divisão de tarefas entre os entes não é em muitos
casos um problema, especialmente para aquelas competências que não implicam
uma faculdade para fazer algo, mas um dever de fazê-lo. Alguns exemplos podem
pa

ilustrar essa afirmação. É competência comum a todos os entes “zelar pela guarda
ra

da Constituição, das leis e das instituições democráticas e conservar o patrimônio


público” (art. 23, i), “proteger os documentos, as obras e outros bens de valor
us

histórico, artístico e cultural, os monumentos, as paisagens naturais notáveis e


os sítios arqueológicos” (art. 23, iii), “preservar as florestas, a fauna e a flora”
oe

(art. 23, vii), “combater as causas da pobreza e os fatores de marginalização, pro-


movendo a integração social dos setores desfavorecidos” (art. 23, x). Conflitos de
m

competência – que são a principal consequência das dificuldades em interpretar


alguns dos artigos constitucionais no âmbito do federalismo – dificilmente surgi-
FL

rão associados a disposições como as que acabam de ser mencionadas. Todos os


entes devem se esforçar para realizar ao máximo aquilo que esses artigos preveem.
P0

Problemas que podem surgir no exercício de competências comuns são de outra


ordem. Não são decorrentes de conflitos, mas de omissões ou sobreposições ine-
20

ficientes. Para evitar esses problemas, é frequente que, embora em tese não haja
hierarquia no exercício das competências comuns, a União acabe assumindo um
4-

papel articulador. Sem essa articulação, o exercício de competências comuns por


tantos entes distintos dificilmente poderia ser cooperativo. Essa cooperação pode
ser fomentada por meio de políticas públicas coordenadas pela União, que, por

meio de incentivos, procura atrair a adesão de estados e sobretudo de municípios,


od

ou por meio de legislação. Nesse sentido, o parágrafo único do art. 23 prevê a pos-
sibilidade de que leis complementares fixem “normas para a cooperação entre a
União e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, tendo em vista o equilíbrio
ivu

do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional”. Até agora, contudo, ape-


nas uma lei complementar foi promulgada com esse objetivo, a lei complementar
lga

140/2011, cujo escopo é limitado a questões ambientais. Essa lei segue a tendência
de fortalecer os poderes da União para fomentar sua capacidade de articular a
r

cooperação entre os demais entes.

21.6.4 Competências Concorrentes

Como será analisado adiante, as competências concorrentes são aquelas que


costumam gerar maiores controvérsias no arranjo federal brasileiro. O art. 24 da
366 Direito Constitucional Brasileiro

Constituição prevê que compete à União, aos estados e ao Distrito Federal legislar
concorrentemente sobre as matérias constantes nos seus dezesseis incisos22. Dentre
essas matérias estão a legislação sobre direito tributário, financeiro, penitenciário,
econômico e urbanístico (art. 24, i), produção e consumo (art. 24, v), responsa-
bilidade por dano ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor
artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico (art. 24, viii), educação, cultura,
ensino, desporto, ciência, tecnologia, pesquisa, desenvolvimento e inovação (art.
24, ix), previdência social, proteção e defesa da saúde (art. 24, xii), dentre outras.
pa

Ao contrário do que ocorre com as competências comuns, no âmbito das quais


não há uma regra de divisão de tarefas, o art. 24 estabelece regras de divisão de
ra

tarefas no âmbito das competências concorrentes. Essas regras são definidas pelos
§§ 1º a 4º desse artigo, segundo os quais: (1) a competência da União limita-se a
us

estabelecer normas gerais; (2) aos estados compete suplementar as regras definidas
pela União; (3) caso a União não exerça sua competência e não exista lei federal
oe

sobre normas gerais, os estados podem exercer a competência legislativa plena,


para atender a suas peculiaridades; e (4) a superveniência de lei federal estabele-
m

cendo normas gerais suspende a eficácia da lei estadual, no que lhe for contrário.
Como será visto adiante, é justamente essa divisão de tarefas – sobretudo a dis-
FL

tinção entre o que são normas gerais e o que são normas suplementares – a maior
causa de controvérsias nesse âmbito.
P0
20

21.7 COMPETÊNCIAS LEGISLATIVAS: DIFICULDADES INTERPRETATIVAS


4-

As seções anteriores tinham como objetivo apresentar um panorama geral sobre


o sistema de repartição de competências definido no título iii da Constituição,

e sobretudo definir os conceitos de competências privativas, residuais, comuns e


concorrentes, que são o cerne do modelo brasileiro de repartição de competências
od

legislativas e políticas. Esta seção tem como objetivo analisar os principais desafios à
interpretação desse modelo. Há pelo menos três ordens de dificuldades que merecem
ser analisadas, ligadas (a) à definição dos limites das competências privativas; (b) à
ivu

relação entre normas gerais e suplementares no âmbito das competências concor-


rentes; e (c) à compreensão do significado da expressão interesse local no âmbito das
lga

competências atribuídas aos municípios.


r

22. Os municípios não são mencionados no art. 24. Contudo, com base no previsto no art. 30, ii, segundo o qual
compete aos municípios “suplementar a legislação federal e a estadual no que couber”, tem se entendido que
os municípios também podem legislar sobre as matérias previstas no art. 24. Na jurisprudência do stf, ver,
por exemplo, re 194704 (2017) e re 586224 (2015). Apesar de amplamente aceita, essa interpretação pode
gerar inúmeros problemas interpretativos. Como será visto ainda neste tópico, uma das maiores dificuldades
interpretativas no âmbito das competências concorrentes é a definição do que compete à União e aos estados.
Diante disso, a inclusão dos municípios como titulares dessas competências torna a controvérsia interpretativa
ainda mais intrincada.
Federalismo 367

Essas dificuldades podem ser agrupadas em duas categorias, aqui chamadas


de incerteza semântica e incerteza formal. Essas incertezas não têm importância
meramente acadêmica. Elas são a principal fonte das controvérsias sobre repartição
de competências federativas que chegam ao Supremo Tribunal Federal.

21.7.1 Incerteza Semântica

Incerteza semântica nada mais é do que a dificuldade em se definir o preciso


pa

significado de termos e expressões usados pela Constituição. Nesse sentido, não


é uma peculiaridade do debate sobre federalismo, mas uma dificuldade inerente
ra

à interpretação jurídica. No âmbito do federalismo, ela ocorre principalmente


na interpretação dos dispositivos constitucionais que estabelecem competências
us

privativas, como os arts. 22, 25, §  2º e 30, i. Por mais que alguns termos suscitem
oe

poucos problemas, como é o caso, por exemplo, de “desapropriação” (art. 22, ii),
“nacionalidade, cidadania e naturalização” (art. 22, xiii) ou “atividades nucleares
de qualquer natureza” (art. 22, xxvi), a maioria dos incisos utiliza termos cujos li-
m

mites semânticos nem sempre são claros. O que exatamente significa legislar sobre
“direito civil” (art. 22, i) ou sobre “propaganda comercial” (art. 22, xxix)? Exponho
FL

abaixo alguns exemplos simples para que a dimensão desse problema interpretativo
P0

fique mais clara.


Em diversos estados e municípios foram promulgadas leis que tinham como
objetivo a proibição de cobrança pelo uso de estacionamentos em centros comerciais
20

e estabelecimentos similares, especialmente nos casos em que o usuário tivesse rea-


4-

lizado compras acima de um determinado valor23. Algumas dessas leis foram objeto
de ação direta de inconstitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal. O
argumento mais recorrente foi aquele que alegava que esse tipo de lei regula ma-

téria de direito civil (direito de propriedade), algo que é de competência privativa


da União (art. 22, i). Embora a jurisprudência do tribunal seja pacífica no sentido
od

de que nem os estados, nem o Distrito Federal, nem os municípios podem legislar
sobre cobrança em estacionamentos, os argumentos que embasam os votos dos
ivu

ministros não são uniformes e podem dar uma ideia da dificuldade em interpretar
alguns termos. Ainda que boa parte dos ministros do stf costume aceitar que essas
lga

leis disciplinam matéria de direito civil, e que essa seria a razão de sua inconstitu-
cionalidade, há quem entenda que se trata de matéria de liberdade econômica24,
r

ou mesmo uma questão urbanística25. Percebe-se, portanto, que mesmo que o texto
constitucional, no exemplo usado, pareça ser claro ao atribuir à União a competência
para legislar sobre direito civil, não é sempre claro quais são os limites da própria
expressão direito civil. Como a definição acerca do que compete a qual ente é uma

23. Ver, apenas como exemplo, as leis estaduais 1.094/1996 (df); 15.233/2005 (go); 4.711/1992 (es).
24. Ver adi 3710 (2007), voto do ministro Carlos Ayres Britto.
25. Ver adi 3710 (2007), voto do ministro Sepúlveda Pertence.
368 Direito Constitucional Brasileiro

questão de interpretação de termos e de definição de sua extensão, a indefinição


interpretativa gera indefinição na repartição de competências.
Além da difícil tarefa de definir o preciso significado e os limites de termos
e expressões utilizados pela Constituição – algo que, como foi salientado, é ine-
rente à interpretação jurídica –, a dificuldade semântica esbarra em um obstáculo
adicional. Esse obstáculo será ilustrado por outro exemplo, que, para facilitar a
compreensão, também está associado ao direito de propriedade. Embora pro-
priedade seja um bem tradicionalmente objeto do direito civil26, isso não significa
pa

que sempre que se legislar sobre propriedade essa legislação será de competên-
cia da União. Em 2006, foi promulgada na cidade de São Paulo a lei municipal
ra

14.223/2006, que ficou conhecida como Lei Cidade Limpa. Ao definir a forma e os
limites dos anúncios indicativos das atividades exercidas em determinados estabe-
us

lecimentos, e ao proibir todo tipo de publicidade externa, incluindo em imóveis


privados, especialmente fachadas de prédios, a lei disciplina o uso que cada um
oe

pode fazer de sua propriedade. Assim, da mesma forma que ocorre no exemplo
da cobrança de estacionamento, uma lei como a Lei Cidade Limpa restringe sen-
m

sivelmente o uso que alguém pode fazer de sua propriedade27. No primeiro caso,
entende-se – muitas vezes sem grandes discussões – que a questão é de direito civil
FL

e, por isso, de competência da União. No segundo, entendeu-se que se tratava de


competência municipal, por se tratar de assunto de interesse local, nos termos do
P0

art. 30, i, da Constituição.


O que parece ser ignorado na maioria dos debates é o fato de que os critérios
20

utilizados para se definir a competência legislativa desse ou daquele ente da fede-


ração estão em planos diversos. As competências privativas da União são definidas
4-

com base em um critério puramente material: legislar sobre determinadas matérias


(aquelas previstas no art. 22) é competência da União. Já o critério de atribuição

das competências dos municípios é claramente baseado no interesse: compete aos


municípios legislar sobre assuntos de interesse local (art. 30, i). É fácil perceber que
od

esses critérios não são mutuamente excludentes. Mesmo que uma matéria seja clara
e inequivocamente parte do direito civil (competência da União), legislar sobre
ela pode, ao mesmo tempo, ser de interesse local (competência dos municípios).
ivu

O stf nunca se ocupou em desenvolver regras ou critérios para lidar com


esse tipo de problema. A bem da verdade, não é nem certo que o tribunal tenha
lga

consciência dessa questão.


r

26. Na verdade, nem mesmo essa premissa pode ser aceita sem ressalvas, já que a propriedade há muito tempo
não pode mais ser tratada como uma questão estritamente privada e, nesse sentido, exclusiva do direito civil.
O tratamento que a Constituição de 1988 dá à propriedade – seja urbana, seja rural – é aqui suficiente para
indicar que a dimensão pública da questão é no mínimo tão importante quanto a privada. Sobre essa questão,
ver capítulo 11. Para os fins da discussão aqui, a distinção entre função privada e função social da propriedade
pode ser momentaneamente deixada de lado.
27. Além de legislar, pelo menos de forma indireta, sobre propaganda comercial, o que também é competência
privativa da União (Constituição, art. 22, xxix).
Federalismo 369

21.7.2 Incerteza Formal

O segundo tipo de dificuldade ocorre não no âmbito das competências privativas,


mas das competências concorrentes, e está associada às previsões contidas nos §§ 1º
e 2º do art. 24, que têm a seguinte redação: “§ 1º. No âmbito da legislação concor-
rente, a competência da União limitar-se-á a estabelecer normas gerais” e “§ 2º. A
competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a competência
suplementar dos Estados”.
Definir o que é norma geral e o que é norma suplementar no âmbito da repar-
pa

tição de competências legislativas é uma das tarefas mais difíceis na interpretação


ra

constitucional no âmbito do federalismo. Uma breve pesquisa na literatura consti-


tucional demonstrará que, embora às vezes haja um esforço em definir parâmetros
us

que auxiliem nessa distinção, esse esforço não costuma ser suficiente para tornar a
questão mais concreta. O que em geral se faz é simplesmente substituir os termos
oe

“normas gerais” e “normas suplementares” por termos sinônimos, o que, por razões
óbvias, não resolve o problema.
m

Com essa constatação não pretendo sugerir algum tipo de fracasso da doutrina
em definir esses termos. Ao contrário, parto do pressuposto de que não há critério
FL

adicional que consiga ser mais claro do que o texto constitucional e, assim, resolver
a tensão entre a competência da União e a competência dos estados e Distrito Fede-
P0

ral no âmbito da legislação concorrente. A razão é simples. No que diz respeito ao


conteúdo possível e imaginável de normas jurídicas, não há uma dicotomia estanque
20

entre o geral e o específico. O que há é uma linha contínua entre dois extremos
hipotéticos: a generalidade absoluta e a especificidade absoluta. Tudo o que estiver
4-

entre os dois extremos dessa linha contínua será geral em relação a uma parte da
linha e específico em relação à outra parte.
Um exemplo simples do que aqui se quer dizer com linha contínua e da relati-

vidade da dicotomia geral vs específico pode ser elucidativo. A Constituição prevê


od

que compete concorrentemente à União, aos estados e ao Distrito Federal legislar


sobre a proteção ao patrimônio histórico e cultural (art. 24, vii). Independente-
mente de como essa legislação ocorre de fato, seria possível pensar em diversas
ivu

hipóteses de abrangência daquilo que será objeto de proteção. O exemplo, aqui,


é meramente hipotético. Suponha cinco propostas diferentes: uma primeira lei,
lga

cujo objetivo é traçar as diretrizes para a proteção do patrimônio arquitetônico


brasileiro; uma segunda lei, cujo objetivo é a proteção do patrimônio arquitetôni-
r

co barroco no Brasil; uma terceira lei, cujo objetivo é a proteção do patrimônio


arquitetônico barroco do século xviii; uma quarta lei, cujo objetivo é a proteção
das igrejas barrocas do século xviii; e uma quinta lei, cujo objetivo é a proteção das
igrejas barrocas do século xviii em Minas Gerais e na Bahia. Quais dessas leis de-
veriam ser feitas pela União e quais pelos estados?
Parece claro que a relação de generalidade e especificidade aqui é variável e
comparativa. A terceira proposta é claramente mais específica do que a primeira,
370 Direito Constitucional Brasileiro

mas poderia ser considerada geral se comparada com a quinta. O único critério que
parece plausível para responder à pergunta feita acima seria o critério geográfico:
a última lei, por dizer respeito ao patrimônio localizado apenas em dois estados,
deveria ser feita por esses estados. Todas as outras poderão ser feitas pela União.
Embora pareça plausível, esse critério não tem relação direta com a dicotomia
constitucional entre normas gerais e normas específicas ou suplementares. Se uma
lei federal disciplinar a proteção do patrimônio arquitetônico barroco no Brasil
inteiro (segunda lei do exemplo citado), e o fizer com tal nível de detalhamento
pa

que impeça que qualquer outro ente possa adaptar ou suplementar as regras tendo
em vista as suas peculiaridades regionais, essa lei deixará de ser geral (ao menos
ra

em algum dos sentidos do termo), ainda que pretenda disciplinar a questão em


todo o país.
us

Em face das considerações e dos exemplos acima, parece difícil encontrar um


critério que seja aplicável a toda e qualquer situação para se definir o que é geral
oe

e o que é específico ou suplementar. A solução, como muitas vezes ocorre em ca-


sos assim, é inverter o caminho para a solução do problema: ao invés de procurar
m

definições abstratas às quais todos os casos concretos possam ser supostamente


subsumidos, talvez seja mais promissor o percurso que se inicie com uma jurispru-
FL

dência caso a caso. Esta, se pode gerar alguma insegurança no início, pode ainda
assim gerar alguma segurança jurídica com o passar do tempo: quanto maior a
P0

rede de casos já decididos, maior é a chance de que casos futuros sejam similares a
casos pretéritos e também maior é a chance de desenvolver critérios com base na
20

experiência concreta.
Mas a jurisprudência do stf não tem servido para a criação dessa rede de
4-

precedentes. Em alguns casos o tribunal faz exatamente aquilo que a doutrina


em boa medida também faz, que é tentar definir o que é norma geral e o que é

norma específica ou suplementar a partir de sinônimos de contornos tão impreci-


sos quanto essas expressões. Em outras ocasiões, formula padrões de decisão que
od

ele mesmo não segue. Em vários casos, por fim, o que o stf acaba por fazer é
simplesmente analisar se uma lei estadual sobre determinada matéria no âmbito
das competências concorrentes é compatível com a lei federal que disciplina a
ivu

mesma matéria. Nesse sentido, o tribunal faz aquilo que reiteradamente diz que
não pode fazer – verificar a compatibilidade entre duas leis ordinárias (federal
lga

e estadual)28 – e não faz aquilo que sustenta ser seu dever, que é analisar se as
normas contidas na lei federal são de fato gerais e se as normas contidas na lei
r

estadual são suplementares.


Assim, sempre que a União decidir regulamentar uma determinada matéria
de competência concorrente, essa regulamentação será considerada geral, restan-
do aos estados e ao Distrito Federal exercitar suas competências nos espaços que
eventualmente ficarem sem regulamentação (se sobrar algum). O stf raramente

28. Ver, por exemplo, adi 252 (1997), adi 1540 (1997), adi 2344-qo (2000), adi 2876 (2009).
Federalismo 371

declara uma lei federal inconstitucional com base na alegação de que suas normas
não são gerais29.
Ao menos duas críticas podem ser feitas a essa forma de lidar com a questão:
(a) é possível afirmar que a União passa a ter um poder que nenhum outro ente
possui, o poder de definir sozinha os limites de sua própria competência; e (b) se a
União puder decidir sozinha o que é norma geral e o que não é, isso significa que
ela teria uma competência privativa para regular exaustivamente uma determinada
matéria se entender conveniente e oportuno. O problema é que isso mitiga o próprio
pa

conceito de competência concorrente. Ao que parece, contudo, os estudos jurídicos


sobre federalismo no Brasil ainda não dedicaram a devida atenção a essa tendência.
ra
us

21.8 COMPETÊNCIAS POLÍTICO-ADMINISTRATIVAS


oe

Os arts. 21 e 23 da Constituição elencam várias competências não legislativas. Essas


competências são atribuídas ou privativamente à União (art. 21) ou de forma co-
m

mum à União, aos estados, ao Distrito Federal e aos municípios (art. 23). Não há
uniformidade na denominação desse tipo de competências não legislativas. E há
FL

uma razão simples para isso: esses dois artigos contêm competências de naturezas
as mais variadas, como, por exemplo, “manter relações com Estados estrangei-
P0

ros e participar de organizações internacionais” (art. 21, i), “declarar a guerra e


celebrar a paz” (art. 21, ii), “assegurar a defesa nacional” (art. 21, iii), e “emitir
20

moeda” (art. 21, vii), mas também “cuidar da saúde e assistência pública, da pro-
teção e garantia das pessoas portadoras de deficiência” (art. 23, ii), “proteger o
4-

meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas” (art. 23, vi)
e “combater as causas da pobreza e os fatores de marginalização, promovendo a

integração social dos setores desfavorecidos” (art. 23, x). Não parece ser simples
subsumir essas e outras competências a uma única categoria específica. Mas parece
od

ser possível subsumi-las a uma categoria ampla, aqui denominada competências


político-administrativas. São competências políticas nos mais variados sentidos desse
termo, especialmente aqueles ligados ao poder político em sentido estrito, que pode
ivu

ser exemplificado pela competência para manter relações com Estados estrangei-
ros e participar de organizações internacionais (art. 21, i), bem como ao uso do
lga

termo político na expressão “políticas públicas”, que são instrumentos por meio
r

29. Em uma série de decisões sobre fabricação e uso de amianto e a proteção da saúde, o stf declarou a incons-
titucionalidade de alguns dispositivos da lei 9.055/1995 e confirmou a constitucionalidade de leis estaduais
e municipais que eram incompatíveis com aquela lei federal. Essas decisões, contudo, não se basearam em
considerações ligadas à repartição de competências, mas em razões substanciais. Assim, primeiro se declarou
a inconstitucionalidade da lei federal, por não proteger adequadamente a saúde, e, com isso, o conflito entre
os vários níveis de legislação foi eliminado. Ver adi 3356 (2017), adi 3357 (2017), adi 3937 (2017) e adpf
109 (2017). Ver também adi 3406 (2017), adi 3470 (2017) e adi 4066 (2017). Em 2020, contudo, o stf de-
monstrou que, em determinadas circunstâncias, pode se inclinar para um reconhecimento de competências
mais robustas para os estados, especialmente em situações de falta de coordenação no âmbito federal, como
ocorreu no contexto da pandemia da covid-19. Ver adpf 672 (2020).
372 Direito Constitucional Brasileiro

dos quais boa parte dessas competências são exercidas, sendo um exemplo claro a
competência para combater as causas da pobreza (art. 23, x). E são administrativas
sobretudo no sentido associado à prestação de serviços públicos (art. 21, x, xi e
xii, por exemplo) e à organização de órgãos dos poderes públicos (art. 21, xiii,
xiv e xv, por exemplo).
Embora normalmente haja uma ligação estreita entre o exercício do poder
político (em ambos os sentidos mencionados aqui) e a competência para legislar,
nem sempre as competências político-administrativas e legislativas são atribuídas
pa

ao mesmo ente. Assim, embora muitas vezes quem tem a competência para legislar
sobre determinada matéria também tem a competência para colocar em prática
ra

políticas públicas sobre a mesma matéria (e baseadas nessa mesma legislação),


ainda assim é possível, e frequente, que a legislação sobre determinada questão seja
us

federal e as políticas públicas que nela se baseiam sejam realizadas pelos estados
ou municípios. Muitas vezes essa é justamente a forma de regionalizar políticas
oe

públicas e, ao mesmo tempo, garantir alguma uniformidade em sua realização.


A relação entre União, estados e municípios no âmbito das políticas públicas
m

não é definida apenas pelo art. 23. Boa parte dessa articulação é, na verdade, defi-
nida em outras partes da Constituição (e, claro, também pela legislação ordinária).
FL

Várias normas sobre políticas públicas podem ser encontradas no título viii da
Constituição, sobre a ordem social, no qual, dentre outras coisas, são estabeleci-
P0

das diretrizes para políticas públicas sobre saúde (arts. 196 a 200), previdência
social (arts. 201 e 202), assistência social (arts. 203 e 204), educação (arts. 205 a
20

214), cultura (arts. 215 e 216), esportes (art. 217), ciência, tecnologia e inovação
(arts. 218 e 219), comunicação social (arts. 220 a 224), meio ambiente (art. 225),
4-

família, criança, adolescente, jovem e idoso (arts. 226 a 230), e povos indígenas
(arts. 231 e 232).

od

21.9 OS ESTADOS MEMBROS NA FEDERAÇÃO BRASILEIRA

A federação brasileira é composta por 26 estados e um distrito federal (além dos


ivu

municípios, que serão tratados adiante30). Ao contrário do que ocorre em alguns


outros países que adotam a forma federal, a Constituição brasileira não nomeia os
lga

estados que compõem a federação, com a exceção daqueles estados que tenham
sido criados pela própria Constituição de 1988, que são mencionados nos arts. 13 e
r

14 do adct. Tampouco há alguma norma infraconstitucional única que o faça. Os


limites territoriais dos estados brasileiros foram historicamente definidos em diversos
tipos de documentos e acordos bilaterais entre os próprios estados, muitas vezes
com a participação técnica do ibge. Muitos desses acordos sobre limites territoriais
são posteriormente confirmados em algum tipo de legislação de caráter nacional,

30. Ver o tópico 21.10.


Federalismo 373

como leis ordinárias e decretos-leis31 ou mesmo dispositivos constitucionais32. Após


1988, nos termos do art. 12, § 2º, do adct, os estados (e os municípios) deveriam,
no prazo de três anos, “promover, mediante acordo ou arbitramento, a demarcação
de suas linhas divisórias atualmente litigiosas”. Após esse prazo, a competência para
a demarcação dos limites passou a ser da União (art. 12, § 4º, adct). Até hoje há
controvérsias sobre limites territoriais entre alguns estados e numerosas controvérsias
envolvendo municípios33. Como a soberania brasileira estende-se também ao mar
territorial e, com certas limitações, também à zona econômica exclusiva e à plata-
pa

forma continental, há ainda controvérsias sobre a demarcação de divisas marítimas


entre estados costeiros34.
ra
us

21.9.1 Os Estados no Federalismo Brasileiro e o Dever de Simetria


oe

A promulgação da Constituição de 1988 fez com que muitos apontassem para um


reequilíbrio federativo e para um fortalecimento dos estados. Não há dúvidas de
que, se comparado com o papel dos estados na Constituição de 1969, estes saíram
m

fortalecidos em 1988. A Constituição de 1969 não garantia nenhuma competência


privativa aos estados e tampouco os incluía em qualquer distribuição de competên-
FL

cias comuns ou concorrentes, como o faz a Constituição de 1988.


P0

Contudo, a prática constitucional desde 1988 certamente arrefeceu os ânimos


daqueles que haviam visto nela a abertura de uma tendência a robustecer a descen-
tralização federativa. Como foi salientado anteriormente em mais de uma ocasião,
20

as longas listas de competências comuns e concorrentes têm sido interpretadas de


4-

forma a favorecer a União, não os estados. Além disso, a despeito da atribuição da


tradicional competência residual aos estados (art. 25, § 1º), esta perdeu muito de
sua importância em face da virtual inexistência de espaços não regulados.

Nem mesmo a capacidade de auto-organização dos estados membros foi pou-


pada da tendência centralizadora do federalismo brasileiro. Embora nesse âmbito
od

os estados não compitam com a União e, diante disso, uma diminuição de suas
competências não implique um direto aumento das competências de outros entes
ivu

(como acontece no caso das competências comuns ou concorrentes, no âmbito das


quais menos competência para um ente implica necessariamente mais competên-
lga

cia para outro), ainda assim a liberdade de auto-organização dos estados tem sido
tolhida pela prática constitucional das últimas décadas.
r

31. Ver, nesse sentido, o decreto-lei 9.578/1946, que aprovou a linha divisória entre os estados de Pernambuco
e Alagoas.
32. Ver, por exemplo, o art. 12, § 5º do adct: “Ficam reconhecidos e homologados os atuais limites do Estado do
Acre com os Estados do Amazonas e de Rondônia, conforme levantamentos cartográficos e geodésicos reali-
zados pela Comissão Tripartite integrada por representantes dos Estados e dos serviços técnico-especializados
do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística”.
33. Ver aco 347 (2014) e aco 652 (2014), sobre demarcação dos limites entre os estados da Bahia, de Goiás, do
Piauí e de Tocantins. Ver também aco 714 (2020), sobre a demarcação dos limites entre Mato Grosso e Pará.
34. Ver aco 444 (pendente) sobre demarcação das divisas marítimas entre Paraná e Santa Catarina.
374 Direito Constitucional Brasileiro

De acordo com o caput do art. 25, os estados “organizam-se e regem-se pelas


Constituições e leis que adotarem, observados os princípios desta Constituição”.
Embora a Constituição pudesse ter dado ainda mais autonomia aos estados para
que estes pudessem experimentar variações institucionais em nível estadual, não se
pode dizer que ela impõe limites excessivos à liberdade de auto-organização cons-
titucional dos estados. Mas a jurisprudência do stf o faz.
Os limites estabelecidos pela própria Constituição à liberdade de auto-organi-
zação dos estados são especialmente aqueles referentes ao número de deputadas e
pa

deputados estaduais nas assembleias legislativas (art. 27), à duração de seu mandato
e ao sistema eleitoral usado para elegê-los (art. 27, § 1º), bem como à duração dos
ra

mandatos dos governadores (art. 28). Além disso, nos termos do art. 34, vii, a-e,
os estados devem respeitar os seguintes princípios: (a) forma republicana, sistema
us

representativo e regime democrático; (b) direitos da pessoa humana; (c) autonomia


municipal; (d) prestação de contas da administração pública, direta e indireta; e
oe

(e) aplicação do mínimo exigido da receita resultante de impostos estaduais, com-


preendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do
m

ensino e nas ações e serviços públicos de saúde.


Além disso, a atribuição de algumas competências privativas à União também
FL

reduz indiretamente a autonomia político-administrativa dos estados. Talvez o exem-


plo mais claro disso seja a competência privativa da União para legislar sobre direito
P0

eleitoral (art. 22, i), o que poderia indicar que os estados não poderiam definir um
sistema eleitoral para suas assembleias legislativas que seja distinto daquele utilizado
20

para a Câmara dos Deputados. Mas não é claro que este seja um impedimento abso-
luto. O que o art. 27, § 1º, exige é apenas que o sistema eleitoral para as assembleias
4-

legislativas estaduais siga as regras da Constituição, e como a única regra da Consti-


tuição a esse respeito é aquela que prevê que o sistema eleitoral para a Câmara dos

Deputados será proporcional (art. 45), em tese as assembleias legislativas estaduais


poderiam adotar um sistema distinto daquele adotado no nível federal, desde que esse
od

sistema respeitasse a representação proporcional35. Para que isso ocorresse, contudo,


seria necessária uma lei complementar, nos termos do art. 22, parágrafo único36.
Mas a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal vai muito além daquilo que
ivu

a Constituição explicitamente restringe na liberdade organizacional dos estados.


A interpretação que o tribunal em geral faz do art. 25 levou-o a criar aquilo que
lga

se convencionou chamar de princípio da simetria37. Esse suposto dever de simetria é


uma decorrência de uma interpretação bastante extensiva que o stf faz do dever
r

das constituições estaduais de respeitar os princípios da Constituição federal, como

35. Sobre o tema, ver o tópico 22.2.


36. Ver, no entanto, a decisão na adi 1057-mc (1994) acerca da possibilidade de legislação eleitoral em nível
estadual.
37. Apesar do nome, o princípio da simetria criado pelo stf não tem qualquer relação com o uso dos termos
simetria e assimetria no debate geral sobre federalismo. Nesse debate, uma federação é considerada simétrica
se todos os estados tiverem as mesmas competências, e assimétrica caso haja algumas competências que alguns
estados possuam e outros, não.
Federalismo 375

exigido pelo art. 2538. O stf não oferece nenhuma definição clara do que seria o
dever de simetria, de forma que tem sempre a liberdade de escolher se as constitui-
ções devem ou não seguir determinados padrões adotados pela Constituição federal.
Desde 1988, o stf já declarou inconstitucionais diversos artigos de constituições
estaduais, os quais, segundo sua interpretação, não respeitavam o dever de simetria39.
Em decorrência disso, sobretudo as disposições que dizem respeito à organização dos
poderes legislativo e executivo nas constituições estaduais são praticamente idênticas
no país inteiro. Em muitos aspectos, constituições estaduais são meras cópias da
pa

Constituição federal. Embora desde 1988 os estados não tenham tentado se afastar
do modelo institucional definido pela Constituição federal40, ainda assim algumas
ra

constituições estaduais continham disposições que não seguiam o equivalente na


esfera federal. O stf de forma geral sempre tendeu a coibir esses supostos desvios.
us

Alguns poucos exemplos podem dar uma ideia de como o stf muitas vezes
decide nesse âmbito. O tribunal já decidiu pela inconstitucionalidade de artigos
oe

de constituições estaduais que previam um quórum de 4/5 para emendas constitu-


cionais (e não de 3/5, como ocorre em nível federal)41; também não permitiu que
m

constituições estaduais deixassem de atribuir ao governador a iniciativa legislativa


exclusiva naquelas matérias que, em âmbito federal, são de iniciativa exclusiva do
FL

presidente da República42; ou ainda de constituição estadual que não seguisse as


mesmas regras de substituição do presidente previstas na Constituição federal para
P0

os casos de viagem de governador43.


O suposto dever de simetria, na forma como desenvolvido pelo stf, tem vários
20

problemas em sua fundamentação, bem como efeitos inconvenientes e insustentáveis.


Em relação à fundamentação, além de se basear em dois artigos constitucionais (art.
4-

25 e art. 11 do adct) que, em si, não sustentam um dever de simetria amplo como
defendido pelo stf, o tribunal também não fornece nenhum parâmetro preciso para

que se possa identificar quando há um dever de as constituições estaduais seguirem


regras similares da Constituição federal, quando há simplesmente uma permissão,
od

diante da qual as constituições estaduais são livres para decidir, ou ainda quando há
uma proibição de reprodução de regras da Constituição federal nas constituições esta-
duais. Assim, não é possível identificar por que (1) haveria um dever inafastável de
ivu
lga

38. E também pelo art. 11 do adct.


39. Ver, por exemplo, adi 102 (2002), adi 452 (2002), adi 486 (1997), adi 678 (2002), adi 1304 (2004), adi 1391
(2002).
r

40. Algo que já ocorreu com mais frequência no passado, especialmente durante a Primeira República, durante a
qual alguns estados possuíam legislativos unicamerais, enquanto outros adotaram o bicameralismo; as consti-
tuições de alguns estados previam a possibilidade de veto parcial pelos governadores, enquanto a Constituição
de 1891, até a reforma de 1926, previa apenas o veto total, dentre outros exemplos.
41. Ver adi 486 (1997).
42. Ver adi 102 (2002). Ver também adi 1304 (2004) e adi 1391 (2002).
43. Ver adi 3647 (2007). Ver também adi 678 (2002). No caso das regras sobre viagens internacionais do chefe
do Poder Executivo, não há nem mesmo regra expressa na Constituição federal no sentido de que o vice-pre-
sidente deverá substituir o presidente. A despeito disso, o stf tem entendido que constituições estaduais não
podem permitir a ausência do governador do país, mesmo que por menos de quinze dias, sem autorização da
assembleia legislativa e sem a substituição pelo vice-governador.
376 Direito Constitucional Brasileiro

reproduzir as regras de substituição do presidente da República em casos de viagem


de governadores, como exige o stf; mas (2) não haveria um dever de reproduzir,
para os governos estaduais e prefeituras municipais, as regras aplicáveis aos casos de
vacância dos cargos de presidente e vice-presidente da República, como também de-
cidiu o stf algumas vezes44; e (3) seria vedado às constituições estaduais condicionar,
como ocorre no nível federal, a instauração de processo judicial por crime comum
contra governador à licença prévia do Poder Legislativo45. O tribunal pouco esclarece
as diferenças, e em geral limita-se, como ocorre também em relação a diversos outros
pa

temas, a retoricamente afirmar que, em um caso, há um dever de reproduzir as regras


federais nos estados, enquanto em outros casos ou esse dever não existe ou haveria até
ra

mesmo uma proibição de reprodução. Critérios mais concretos nunca são fornecidos.
Para além da fundamentação deficiente do stf, um suposto dever de simetria
us

esbarra em problemas práticos para os quais não se tem dado a devida atenção. O
mais relevante pode ser resumido por meio da seguinte pergunta: seria necessário
oe

emendar todas as 26 constituições estaduais e a lei orgânica do Distrito Federal (ou


mesmo todas as milhares de leis orgânicas municipais) sempre que a Constituição
m

federal é emendada em um determinado artigo que, segundo a interpretação do stf,


seria de reprodução obrigatória nos estados (e eventualmente também nos municí-
FL

pios)? Um único exemplo pode ilustrar essa situação. Ainda que em outro contexto,
o stf decidiu que “[o]s Estados-membros, na elaboração de seu processo legislativo,
P0

não podem afastar-se do modelo federal ao qual devem sujeitar-se obrigatoriamen-


te”46. Originalmente, a Constituição previa que o veto presidencial aos projetos de
20

lei aprovados pelo Congresso Nacional deveria ser apreciado em sessão conjunta
do Congresso, que decidiria em escrutínio secreto (art. 66, § 4º, redação original).
4-

A ec 76/2013 alterou esse parágrafo, suprimindo a previsão de voto secreto. Desde


então, a apreciação do veto presidencial é feita em votação nominal. Seria então

necessário emendar todas as constituições estaduais que seguiam o modelo federal


original, isto é, que previam votação secreta, para adequá-las à nova redação do art.
od

66, § 4º, definida pela ec 76/2013? Se se levar a sério o suposto dever de simetria
defendido pelo stf, muitas emendas à Constituição federal gerariam um dever geral
de alterar todas as constituições estaduais (e, eventualmente, todas as leis orgânicas
ivu

municipais). As consequências práticas dessa interpretação seriam enormes.


Por fim, e talvez mais importante, o dever de simetria nos moldes propostos
lga

pelo stf é inconveniente porque, ao limitar a autonomia política e institucional


dos estados, põe a perder uma das principais características do federalismo, que é a
r

possibilidade de experimentação institucional. A importância dessa experimentação


fica clara quando pensamos em reformas políticas e eleitorais no Brasil. Grandes
reformas são raras e seus impactos são difíceis de prever. O federalismo poderia,

44. Ver, por exemplo, adi 1057-mc (1994), adi 687 (1995) e adi 3549 (2007).
45. Ver adi 4777 (2018).
46. adi 102 (2002).
Federalismo 377

em muitos casos, ser usado como laboratório para testar efeitos de reformas. Em
outras palavras, antes de alterar regras eleitorais com efeitos (desconhecidos) no país
inteiro, seria prudente fazer um teste com efeitos localizados. De forma ainda mais
concreta: antes de adotar um sistema eleitoral misto ou lista fechada para eleição
de deputados ou, de modo ainda mais radical, substituir o presidencialismo pelo
parlamentarismo ou semipresidencialismo em nível nacional, seria prudente testar
mudanças como essas (ou outras) nos estados ou mesmo nos municípios. Contudo,
esse experimentalismo só pode vicejar quando se leva a sério o federalismo, e levar
pa

a sério o federalismo implica rejeitar um dever de homogeneidade nos moldes do


princípio da simetria desenvolvido pelo Supremo Tribunal Federal.
ra
us

21.9.2 Limites Territoriais e Criação de Novos Estados


oe

A Constituição prevê que os estados “podem incorporar-se entre si, subdividir-se ou


desmembrar-se para se anexarem a outros, ou formarem novos Estados ou Territó-
rios Federais, mediante aprovação da população diretamente interessada, através
m

de plebiscito, e do Congresso Nacional, por lei complementar” (art. 18, § 3º). Esse
dispositivo, embora simples, já gerou grandes disputas.
FL

As formas de criação de novos estados e de alteração territorial de estados exis-


P0

tentes mencionadas pelo art. 18, § 3º, podem ser classificadas em dois grandes tipos:
união e fracionamento de estados. Embora aparentemente opostos e incompatíveis
entre si, esses dois processos podem ser combinados na criação de novos estados.
20

Assim, quando a Constituição fala em incorporar-se entre si, ela faz referência a um
4-

processo puro de união entre dois ou mais estados limítrofes para formar um novo,
cujo território coincide com a soma dos territórios dos estados que se uniram. Já o
processo puro de fracionamento ocorre tanto quando a Constituição prevê que esta-

dos podem subdividir-se, que é o fracionamento de um estado para que dois ou mais
novos estados (ou territórios) sejam formados, com o consequente desaparecimento
od

do estado original, quanto quando ela prevê que podem desmembrar-se para formar
novo estado, o que implica o fracionamento de um estado com a manutenção do
ivu

estado original (nome, personalidade jurídica, capital, dentre outros) com território
reduzido, além da criação de um ou mais novos estados (ou territórios), com novos
lga

nomes, capitais, personalidades jurídicas, que ocuparão as partes desmembradas. Por


fim, uma forma combinada de fracionamento e união é a previsão de que estados
r

podem desmembrar-se para se anexarem a outros, quando então um estado perde parte
de seu território, que é anexada a outro estado. Esse caso, contudo, não implica a
criação de um novo estado, mas de alteração dos limites territoriais de dois estados
existentes. Do ponto de vista jurídico, nada de novo é criado nessa hipótese.
Embora não haja dúvidas sobre os processos mencionados, é possível argumen-
tar que eles não esgotam todas as possibilidades de formação de novos estados ou de
alteração territorial. Ao menos dois outros processos seriam possíveis. Em primeiro
378 Direito Constitucional Brasileiro

lugar, por meio da união entre duas (ou mais) partes de dois (ou mais) estados
limítrofes que tenham se desmembrado. O que diferencia essa hipótese daquela
mencionada no fim do parágrafo anterior é o surgimento de um novo estado, a
partir de duas ou mais partes desmembradas de outros estados.
Em segundo lugar, seria possível que um estado incorporasse o território (e
também o patrimônio, os bens, as rendas, os serviços e o pessoal) de outro estado e,
por meio dessa incorporação, o primeiro estado manteria sua personalidade jurídica
e o segundo estado deixaria de existir. Parece ser possível subsumir essa possibilidade
pa

à previsão de que estados podem incorporar-se entre si. Embora a literatura consti-
tucional tenda a ver no processo de “incorporar-se entre si” apenas aquilo que foi
ra

descrito anteriormente (isto é, o processo por meio do qual dois ou mais estados se
unem para formar um novo estado), não parece fazer sentido excluir a possibilidade
us

de incorporação analisada aqui (isto é, o processo por meio do qual um estado in-
corpora o território de outro, mantendo-se o primeiro e extinguindo-se o segundo).
oe

Tabela 21.1. Processos de alteração de limites territoriais de estados


m

Criação de Extinção de
Processo Descrição
novo estado? algum estado?
FL

[variante 1] dois ou mais estados


sim, sim,
limítrofes unem-se para formar um
P0

Incorporar-se apenas um mais de um


novo estado
entre si
[variante 2] estado existente incorpora
20

não sim
o território de outro
território de um estado é
4-

fracionado; dois ou mais estados sim, sim,


Subdividir-se
são criados no território do estado ao menos dois apenas um

original, que desaparece


Desmembrar-se
estado perde parte de seu território,
od

para se anexar não não


que é anexada a outro estado
a outro estado
[variante 1] parte do território de um
ivu

estado é desmembrada; estado original


sim,
permanece (com área menor); um não
um ou mais
lga

Desmembrar-se ou mais novos estados são criados e


para formar novo ocupam as partes desmembradas
r

estado [variante 2] dois (ou mais) estados têm


partes de seus territórios desmembradas; sim,
não
novo estado é criado por meio da união apenas um
desses dois (ou mais) territórios

Se deixarmos de lado os casos de criação de novos estados ou alterações de


limites territoriais que envolveram áreas de antigos territórios federais, a experiência
Federalismo 379

brasileira de criação de estados sempre ocorreu por meio de um único processo:


desmembramento. Foi assim com a criação do estado do Mato Grosso do Sul,
desmembrado do estado de Mato Grosso em 1977, e com a criação do estado de
Tocantins, desmembrado do estado de Goiás em 1988.
Dois são os aspectos mais polêmicos do art. 18, § 3º: a vinculação do Congres-
so Nacional ao resultado do plebiscito e o conceito de “população diretamente
interessada”.
Os resultados de plebiscitos realizados em razão do art. 18, § 3º, são vinculantes
pa

apenas em caso de rejeição da proposta de criação de novos estados ou de alteração


de limites territoriais. Ou seja: se a proposta for rejeitada, o Congresso Nacional não
ra

pode decidir ainda assim alterar os limites territoriais dos estados ou criar estados
novos. No entanto, caso uma proposta de criação de novo estado receba maioria
us

de votos favoráveis em plebiscito, o Congresso Nacional não está vinculado a essa


consulta e pode, portanto, decidir não criar o estado. A criação de um estado de-
oe

pende de lei complementar. Suponha-se, então, que, após o resultado favorável em


um plebiscito, a respectiva proposta de lei complementar seja submetida às casas do
m

Congresso Nacional. Em votação em plenário, contudo, a proposta é rejeitada. A


consequência, simples e trivial, é: sem a aprovação do Congresso Nacional não há lei
FL

complementar e sem lei complementar a criação de novo estado não pode ocorrer.
Seria possível indagar se há alguma consequência para a decisão do Congresso
P0

de não seguir o resultado do plebiscito. A consequência possível é política: o Con-


gresso Nacional tem o ônus político de desrespeitar a vontade popular expressa
20

nas urnas. Mas não parece haver forma de compelir o Congresso a aprovar uma lei
contra sua vontade. Não se trata, é importante ressaltar, de omissão legislativa. Na
4-

hipótese suscitada aqui, o Congresso Nacional tomou uma decisão, não se omitiu.
Quanto ao conceito de população diretamente interessada, devido a uma diferença

na redação dos §§ 3º e 4º do art. 18, houve, em especial nos primeiros anos após a
promulgação da Constituição de 1988, alguma controvérsia sobre o seu significado.
od

Isso porque a redação original do art. 18, § 4º, que regula a criação de novos muni-
cípios, empregava a expressão no plural (“populações diretamente interessadas”47),
enquanto o art. 18, § 3º, emprega a expressão no singular. Diante disso, havia quem
ivu

sustentasse que, para a criação de um novo estado por meio de desmembramento,


apenas a população da parte desmembrada deveria ser consultada.
lga

A lei 9.709/1998 regulou a matéria em seu art. 7º e definiu que população


diretamente interessada é “tanto a do território que se pretende desmembrar,
r

quanto a do que sofrerá desmembramento; em caso de fusão ou anexação, tanto a


população da área que se quer anexar quanto a da que receberá o acréscimo”. O
stf confirmou a constitucionalidade dessa interpretação em 201148.

47. A ec 15/1996 alterou a redação desse dispositivo, que agora fala em “populações dos Municípios envolvidos”.
48. Ver adi 2650 (2011).
380 Direito Constitucional Brasileiro

Embora tenha havido um tentativa de desmembramento do estado do Pará em


2011, a população votou contra a proposta. Assim, o número de estados brasileiros
e seus limites territoriais permanecem os mesmos desde 1988.

21.10 OS MUNICÍPIOS NA FEDERAÇÃO BRASILEIRA

Ao contrário do que sempre ocorreu nas constituições anteriores – e também do


pa

que ocorre nas constituições da maioria dos países que adotam a forma federal – a
Constituição de 1988 inclui os municípios dentre os entes componentes da federação.
ra

Isso ocorre tanto no art. 1º, que declara que a federação brasileira é “formada pela
união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal”, quanto no art.
us

18, que prevê que “[a] organização político-administrativa da República Federativa


do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios”.
oe

Já houve um debate conceitual mais intenso sobre a posição dos municípios


como entes componentes da federação. Apesar de a Constituição declará-los parte
m

da federação junto com os estados e o Distrito Federal, e apesar da autonomia


que os municípios têm, eles ainda assim não participam da federação da mesma
FL

forma que os estados. Estes, por exemplo, têm uma casa representativa no legis-
lativo federal, que é o Senado49. Além disso, a relação da União com os estados
P0

e municípios é diversa: ela pode intervir nos primeiros (art. 34), mas não nos
municípios. Mais do que isso, são os estados que podem intervir nos municípios
20

(art. 35), o que não faz sentido quando se defende que ambos ocupam a mesma
hierarquia federativa.
4-

A despeito dessa polêmica conceitual, o fato é que a Constituição garantiu aos


municípios um grau de autonomia que é claramente maior do que aquele que existiu

durante a vigência de outras constituições. Essa autonomia é garantida sobretudo


pelos seguintes fatores: (1) os municípios são regidos por uma constituição própria,
od

chamada de lei orgânica, aprovada pela sua Câmara Municipal (art. 29); (2) pre-
feitas, vice-prefeitos e membros das câmaras municipais (vereadoras e vereadores)
são eleitos diretamente (art. 29, i); (3) os municípios têm competência para legislar
ivu

sobre assuntos de interesse local e também para suplementar a legislação federal


e estadual (art. 30, i e ii), além de participar das competências políticas comuns
lga

(art. 23); (4) os municípios podem instituir e cobrar os impostos municipais men-
cionados no art. 156, e recebem transferências de receitas de impostos da União e
r

dos estados, nos termos dos arts. 158 e 15950.

49. Ainda que seja possível argumentar que, na prática, essa representação estadual não ocorra da forma prevista
pela Constituição. Sobre isso, ver o tópico 21.16.
50. Mais de 80% dos municípios brasileiros dependem fortemente das transferências da União e dos estados. Nesses
municípios, as transferências são responsáveis por mais de 75% do orçamento municipal. Tesouro Nacional,
disponível em: https://www.tesourotransparente.gov.br/temas/estados-e-municipios/transferencias-a-estados-
-e-municipios, acesso em: 20 jun. 2020.
Federalismo 381

Tanto prefeitos e vice-prefeitas quanto os membros das câmaras municipais (verea-


doras e vereadores) são eleitos para mandatos de quatro anos (art. 29, i). A despeito
da sua autonomia política e organizacional, o tamanho das câmaras municipais, bem
como os subsídios de vereadoras e vereadores, são definidos de forma detalhada pela
Constituição. Em relação ao número de vereadores e vereadoras, o art. 29, iv, define
24 tamanhos distintos para as câmaras municipais, de acordo com a população dos
municípios. Em sua redação original, o art. 29, iv, definia apenas que o tamanho
das câmaras seria proporcional à população e estabelecia três magnitudes: de 9 a 21,
pa

de 33 a 41, e de 42 a 55 vereadores. No entanto, como os municípios costumavam


adotar sempre o número mais elevado em cada uma das faixas, isso gerava grandes
ra

disparidades. Municípios com menos de 1 mil habitantes poderiam ter o mesmo


número de vereadores que municípios com 1 milhão de habitantes (21 vereadores).
us

Em 2004 o stf decidiu que o município de Mira Estrela não poderia decidir
livremente o tamanho de sua câmara municipal. O tribunal definiu então uma es-
oe

trita proporcionalidade entre o tamanho da câmara e a população do município51.


No mesmo ano, o tse editou a resolução 21.702/2004, estendendo os efeitos da
m

decisão do stf a todos os municípios. Em 2009, por fim, o Congresso Nacional


promulgou a ec 58/2009, que alterou o art. 29, iv, e criou os já mencionados 24
FL

tamanhos distintos para as câmaras municipais (art. 29, iv, a-x).


P0

21.10.1 Limites Territoriais e Criação de Novos Municípios


20

As formas de criação de novos municípios e de alteração dos limites territoriais de


4-

municípios existentes são semelhantes àquelas válidas para os estados. Mas a Cons-
tituição emprega termos distintos nos §§ 3º e 4º do art. 18, que, respectivamente,
disciplinam ambos os casos, o que tende a gerar confusões terminológicas. Como foi

visto acima, para o caso dos estados, o art. 18, § 3º, prevê que estes podem incorporar-
-se entre si, subdividir-se ou desmembrar-se para se anexarem a outros, ou formarem novos
od

estados; já o art. 18, § 4º, relativo aos municípios, prevê a possibilidade de criação,
incorporação, fusão e desmembramento de municípios. O primeiro termo do art. 18, §
ivu

4º, destoa dos demais, porque não descreve uma forma de criação ou alteração de
limites territoriais de municípios, apenas prevê que municípios podem, nos termos
lga

do mesmo art. 18, § 4º, ser criados. Os demais termos serão analisados a seguir.
A incorporação de municípios equivale a dois dos processos de criação ou altera-
r

ção de limites territoriais de estados vistos anteriormente. Essa incorporação pode


ser tanto o processo por meio do qual um município perde parte de seu território,
a qual é incorporada a outro, sem a criação de novo município, quanto o processo
por meio do qual um município existente incorpora outro município existente, com
a manutenção da pessoa jurídica do primeiro e extinção do segundo, cujos território,

51. Ver re 197917 (2004).


382 Direito Constitucional Brasileiro

patrimônio, bens, rendas, serviços e pessoal são em consequência transferidos para


o município incorporador.
A fusão de municípios equivale a uma das variantes daquilo que, para o caso dos
estados, a Constituição descreve como o processo de incorporar-se entre si. Trata-se,
portanto, da união de dois ou mais municípios para a formação de um novo município.
Por fim, o desmembramento de municípios equivale a apenas um dos processos
que a Constituição, para o caso dos estados, descreve por meio do uso do verbo des-
membrar-se. Trata-se do processo de desmembrar-se para formar novo ente, ou seja,
pa

o processo por meio do qual um município perde parte de seu território, que passa
a constituir novo município52. Da mesma forma que ocorreu na criação de estados, o
ra

processo de desmembramento sempre foi a principal forma de criação de municípios


no Brasil.
us

Tabela 21.2 Processos de alteração de limites territoriais de municípios


oe

Criação de novo Extinção de algum


Processo Descrição
município? município?
m

[variante 1] município existente


não sim
incorpora o território de outro
FL

Incorporação [variante 2] município perde parte


de seu território, que é anexada a não não
P0

outro município
dois ou mais municípios limítrofes
20

sim, sim,
Fusão unem-se para formar um novo
apenas um mais de um
município
4-

[variante 1] parte do território de


um município é desmembrada;

município original permanece sim,


não
(com área menor); um ou mais um ou mais
novos municípios são criados e
od

Desmembramento ocupam as partes desmembradas


[variante 2] território de um
ivu

município é fracionado; dois ou


sim, sim,
mais municípios são criados no
ao menos dois apenas um
lga

território do município original,


que desaparece
dois (ou mais) municípios
r

têm partes de seus territórios


Desmembramento sim,
desmembradas; novo município é não
+ fusão apenas um
criado por meio da união desses
dois (ou mais) territórios

52. Como foi visto acima, o outro processo (desmembrar-se para se anexar a outro estado) deve, no caso dos
municípios, ser subsumido à rubrica incorporação.
Federalismo 383

As regras para a criação de novos municípios são definidas pelo art. 18, § 4º,
e são similares às regras para a criação de novos estados. É necessária a aprovação
por parte das populações dos municípios interessados (por meio de plebiscito)
e a posterior promulgação de lei estadual. Contudo, o art. 18, § 4º, impõe duas
condições cuja satisfação não é exigida nos casos de criação de estados. A criação
de municípios somente pode ocorrer: (1) dentro do período determinado por lei
complementar federal; e (2) após divulgação de estudos de viabilidade municipal.
Essas duas condições não estavam presentes na redação original do art. 18,
pa

§ 4º, e foram introduzidas pela ec 15/1996, que tinha como um dos objetivos conter
a criação de novos municípios. Entre 1988 e 1996, mais de mil novos municípios
ra

foram criados no Brasil. E, embora a lei complementar federal, mencionada na


nova redação do art. 18, § 4º, ainda não tenha sido aprovada, municípios conti-
us

nuaram a ser criados, já que muitos estados procuraram sanar essa omissão por
meio de leis estaduais.
oe

O Supremo Tribunal Federal já decidiu muitos casos sobre criação de novos


municípios. Nesse âmbito, é possível afirmar que sua jurisprudência é pouco orto-
m

doxa. No que diz respeito aos municípios criados após 1996 – portanto, sem preen-
cher os requisitos definidos no art. 18, § 4º, já que a lei complementar federal nele
FL

prevista nunca foi editada –, o tribunal convalidou a sua criação, a despeito do não
preenchimento das condições estabelecidas pela Constituição53. O stf alegou que a
P0

impossibilidade de cumprir os requisitos constitucionais era devida a uma omissão


do Congresso Nacional54. O reconhecimento definitivo dos municípios criados após
20

1996 ocorreu com a promulgação da ec 57/2008, que adicionou um novo artigo


ao adct (art. 96), o qual prevê que ficam “convalidados os atos de criação, fusão,
4-

incorporação e desmembramento de Municípios, cuja lei tenha sido publicada até


31 de dezembro de 2006, atendidos os requisitos estabelecidos na legislação do

respectivo Estado à época de sua criação”. Desde então, nenhum outro município
foi criado no Brasil.
od

21.11 REGIÕES METROPOLITANAS, AGLOMERAÇÕES URBANAS


ivu

E MICRORREGIÕES
lga

De acordo com o art. 25, § 3º, os estados podem, mediante lei complementar, “insti-
tuir regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões, constituídas por
r

53. Ver, por exemplo, adi 2240 (2007), adi 3316 (2007), adi 3489 (2007) e adi 3689 (2007).
54. É importante ressaltar, contudo, que o Congresso Nacional aprovou projetos de leis complementares sobre
a questão em duas ocasiões (em 2013 e 2014), mas a presidente da República os vetou. Isso não exime a
responsabilidade do Congresso pela omissão, apenas deixa claro que essa responsabilidade deve ser atribuída
também à presidente da República. A responsabilidade do Congresso Nacional pela omissão não desaparece,
porque ele poderia ter derrubado o veto da presidente; para isso, como se tratava de lei complementar, seria
necessária exatamente a mesma maioria necessária para a aprovação da lei (maioria absoluta, arts. 66, § 4º, e
69). Apesar disso, o veto não foi derrubado.
384 Direito Constitucional Brasileiro

agrupamentos de municípios limítrofes, para integrar a organização, o planejamento


e a execução de funções públicas de interesse comum”.
A possibilidade de criar regiões metropolitanas já era prevista pela Constituição
de 1969 (art. 164), e várias delas foram criadas durante a sua vigência. A lei com-
plementar 14/1973, por exemplo, criou as regiões metropolitanas de São Paulo,
Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife, Salvador, Curitiba, Belém e Fortaleza. Desde
1988, contudo, a criação de regiões metropolitanas (e também de aglomerações
urbanas e microrregiões) deve ser feita por lei complementar estadual, não federal.
pa

Ainda assim, as regras gerais sobre criação e o funcionamento de regiões metro-


politanas, aglomerações urbanas e microrregiões são definidas por uma lei federal, o
ra

Estatuto da Metrópole (lei 13.089/2015). De acordo com essa lei, região metropo-
litana é a unidade regional instituída pelos estados, por meio de lei complementar,
us

constituída por agrupamento de municípios limítrofes “para integrar a organização,


o planejamento e a execução de funções públicas de interesse comum”; e aglome-
oe

ração urbana é a unidade territorial urbana constituída pelo agrupamento de dois


ou mais municípios limítrofes, “caracterizada por complementaridade funcional e
m

integração das dinâmicas geográficas, ambientais, políticas e socioeconômicas” (lei


13.089/2015, art. 2º, vii e i). A lei não define microrregiões, mas prevê que suas
FL

normas são a elas aplicáveis e que elas podem ser instituídas pelos estados com
fundamento em funções públicas de interesse comum com características predomi-
P0

nantemente urbanas (lei 13.089/2015, art. 2º, i, e art. 1º, § 1º, i).
A criação de regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões
20

pode gerar alguma tensão entre entes federativos. O art. 25, § 3º, prevê que somente
os estados têm competência para criá-las e, de acordo com o stf, isso pode ocorrer
4-

até mesmo sem a concordância dos municípios envolvidos55. Como a criação dessas
regiões, aglomerações e microrregiões implica o compartilhamento de políticas

com outros municípios, pode se dizer que a autonomia municipal é em alguma


medida limitada se um município é obrigado fazer parte de uma dessas regiões,
od

aglomerações e microrregiões.
ivu

21.12 O DISTRITO FEDERAL


lga

De 1763 a 1960, a capital do Brasil foi o Rio de Janeiro. Brasília foi concebida e
construída para ser a nova capital do país na segunda metade da década de 1950 e
r

oficialmente fundada em 21 de abril de 1960. Mas a ideia de transferir a capital do


litoral para o planalto Central é muito mais antiga e ganhou status constitucional
com a Constituição de 1891, cujo art. 3º previa que uma zona de 14 400 quilôme-
tros quadrados no planalto Central, a ser posteriormente demarcada, pertenceria
à União, para que nela se estabelecesse uma nova capital. Disposições semelhantes

55. Ver adi 1841 (2002) e adi 1842 (2013).


Federalismo 385

podem ser encontradas também nas constituições de 1934 e 194656. Mas a ideia se
concretizou apenas no governo do presidente Juscelino Kubitschek (1956-1961).
A Constituição de 1988, além de incluir os municípios como entes componen-
tes da federação, também alterou o status do Distrito Federal no arranjo federativo.
Embora o Distrito Federal, mesmo antes de 1988, já fosse mencionado como parte
da federação e tivesse representantes no Senado, bem como deputadas e deputados
eleitos em seu território, sua capacidade de autogoverno e auto-organização era
limitada. Isso significa que a organização do Distrito Federal era definida sobretu-
pa

do pela legislação federal e que seu governador era nomeado pelo presidente da
República57. Desde 1988, o Distrito Federal tem o mesmo poder de autogoverno
ra

que os estados. Isso inclui governador e assembleia legislativa – a qual, no Distrito


Federal, se chama Câmara Legislativa – eleitos diretamente.
us

Além disso, como o Distrito Federal não pode ser dividido em municípios (art.
32), a Constituição explicitamente prevê que a ele são atribuídas as competências
oe

legislativas reservadas tanto aos estados quanto aos municípios (art. 32, § 1º). Isso
significa, de um lado, que o Distrito Federal pode – como os estados – legislar sobre
m

os assuntos elencados nos incisos do art. 24; e, de outro lado, também pode – como
os municípios – legislar sobre assuntos de interesse local. As competências comuns
FL

definidas pelo art. 23 também são exercidas pelo Distrito Federal.


P0

21.13 TERRITÓRIOS FEDERAIS


20

A Constituição, em diversos artigos, faz menção aos “territórios federais” ou sim-


4-

plesmente a “territórios”. As constituições anteriores mencionavam os territórios


como entes constitutivos da federação, algo que eles de fato nunca foram. A

Constituição de 1988 alterou essa formulação e agora prevê que os territórios


federais integram a União, e sua criação, transformação em estado ou reintegra-
od

ção ao estado de origem serão reguladas em lei complementar (art. 18, § 2º). A
característica mais relevante dos territórios – a qual deriva do fato de pertencerem
à União – é o seu caráter não autônomo, já que são organizados por lei federal.
ivu

Os governadores dos territórios não são eleitos diretamente, mas nomeados pelo
presidente da República, após confirmação pelo Senado Federal (art. 33, § 3º,
lga

art. 52, iii, c, e art. 84, xiv).


A despeito dessas e outras disposições sobre os territórios federais na Cons-
r

tituição, desde 1988 não há territórios no Brasil. Na época da promulgação da


Constituição, havia ainda três deles: Amapá, Roraima e Fernando de Noronha.
A Constituição transformou os dois primeiros em estados58 e Fernando de Noronha

56. Em ambos os casos, no art. 4º das disposições transitórias.


57. Ver, por exemplo, as constituições de 1891 (art. 34, 30), de 1934 (arts. 5º, xvi; e 15), de 1946 (arts. 25 e 26),
de 1967 (arts. 8º, xvii, t; e 17, § 2º) e de 1969 (arts. 8º, xvii, t; e 17, § 2º).
58. Art. 14 do adct.
386 Direito Constitucional Brasileiro

foi incorporado ao estado de Pernambuco59. Outros estados brasileiros atuais já


foram territórios federais no passado. O primeiro desses territórios foi o Acre, o
qual anteriormente não fazia parte do território brasileiro, mas da Bolívia. Em
1903, ele foi anexado ao Brasil como território federal e, em 1962, transformado
em estado pela lei 4.070/1962. Em 1942 e 1943, o regime do Estado Novo criou,
por supostas razões de segurança nacional, seis novos territórios federais, a partir
de áreas desmembradas dos estados de Pernambuco, Pará, Amazonas, Mato Grosso,
Paraná e Santa Catarina60. Eram os territórios de Ponta Porã, Iguaçu, Rondônia (cujo
pa

nome ainda era Guaporé), Amapá, Roraima (cujo nome ainda era Rio Branco),
e o arquipélago de Fernando de Noronha. Os dois primeiros foram extintos pela
ra

Constituição de 1946 (art. 8º do adct) e suas áreas foram reintegradas aos estados
a que anteriormente pertenciam. Rondônia foi transformada em estado em 1981
us

pela lei complementar 41/1981. Como mencionado anteriormente, a Constituição


de 1988 transformou Amapá e Roraima em estados e incorporou o território de
oe

Fernando de Noronha ao estado de Pernambuco.


Assim, até 1988, a área ocupada pela soma das áreas de todos os estados e do
m

Distrito Federal era menor do que a área total do país. Como atualmente não há
territórios federais, os estados e o Distrito Federal ocupam toda a área do país e, por
FL

essa razão, a criação de um eventual novo território federal somente pode ocorrer
por meio do desmembramento de parte de um estado existente. O procedimento
P0

de criação de novos territórios é o mesmo daquele previsto para a criação de novos


estados (art. 18, § 3º) e já analisado anteriormente61.
20
4-

21.14 REGIÕES

A última seção do último capítulo do título iii da Constituição é intitulada “Das


Regiões” e contém um único artigo, o art. 43. Do ponto de vista da sua localização
od

no texto constitucional não se trata de disposição acerca do arranjo federal, pois


está inserida no capítulo sobre a administração pública (capítulo vii do título iii).
Ainda assim, a articulação governamental baseada em regiões – é especialmente
ivu

disso que o art. 43 trata – tem relação íntima com o federalismo, razão pela qual
o tema é tratado aqui.
lga

O Brasil é dividido em cinco regiões: Norte, Nordeste, Centro-Oeste, Sudeste


e Sul. Essas regiões não são definidas pela própria Constituição, tampouco pela
r

legislação federal, mas por atos normativos diversos que conferem força às decisões
do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (ibge)62. Ainda assim, vários artigos

59. Art. 15 do adct.


60. Ver decretos-leis 4.102/1942 e 5.812/1943.
61. Ver o tópico 21.9.2.
62. O primeiro desses atos normativos foi a Circular 1, de 31 de janeiro de 1942, da Presidência da República,
que dividiu o país em cinco regiões: Norte, Nordeste, Centro-Oeste, Leste e Sul. A divisão atual, por sua vez,
Federalismo 387

da Constituição, especialmente no adct, fazem menção a essas regiões e as tomam


como critério para tomada de decisões63. A Constituição tampouco define quais es-
tados pertencem a quais regiões, com a exceção de Tocantins, criado pela própria
Constituição e alocado à região Norte (adct, art. 13, § 1º).
O art. 43 prevê que, para efeitos administrativos, “a União poderá articular
sua ação em um mesmo complexo geoeconômico e social, visando a seu desenvol-
vimento e à redução das desigualdades regionais”. O § 1º do mesmo art. 43 prevê
que lei complementar disporá sobre (i) as condições para integração de regiões
pa

em desenvolvimento; e (ii) a composição dos organismos regionais que executarão


os planos regionais. O complexo geoeconômico e social mencionado pelo art. 43 não
ra

necessariamente coincide com as cinco regiões mencionadas. Três leis complemen-


tares foram aprovadas com base no art. 43: 124/2007, 125/2007, 129/2009. Elas
us

criaram, respectivamente, a Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia


(Sudam), a Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene), e a Su-
oe

perintendência do Desenvolvimento do Centro-Oeste (Sudeco), que são autarquias


federais cujo objetivo é “promover o desenvolvimento includente e sustentável de
m

sua área de atuação e a integração competitiva da base produtiva regional na eco-


nomia nacional e internacional”64. Como já foi mencionado, as áreas de atuação
FL

dessas autarquias, baseadas no conceito de “complexo geoeconômico e social”, não


necessariamente coincidem com as áreas das cinco regiões mencionadas acima. A
P0

Sudam, por exemplo, envolve estados da região Norte, Centro-Oeste e Nordeste.


A Sudene, embora envolva sobretudo estados do Nordeste, inclui em sua área de
20

atuação muitos municípios de Minas Gerais e alguns municípios do Espírito Santo.


Apenas a área de atuação da Sudeco coincide plenamente com os estados de uma
4-

região (Centro-Oeste)65.
Essas três superintendências já existiram no passado, ao lado de uma quarta,

cuja área de atuação abrangia a região Sul (Sudesul)66. A Sudeco e a Sudesul foram
extintas em 1990, e a Sudene e a Sudam, em 2001. A ideia por trás da criação (e
od

posterior recriação) dessas superintendências não é meramente administrativa, mas


desenvolvimentista. Ou seja, embora a seção sobre as regiões esteja inserida no capí-
tulo sobre a administração pública, sua criação não se baseia em considerações de
ivu

eficiência administrativa e seu objetivo é a promoção do desenvolvimento, por meio


de incentivos regionais, nos termos do art. 43, § 2º. A criação da Sudene, em 1959,
lga

foi um marco desse tipo de política de desenvolvimento regional e foi fortemente


r

baseia-se no decreto 67.647/1970, que dividiu o país também em cinco regiões, mas com outra configuração:
Norte, Nordeste, Centro-Oeste, Sudeste e Sul. A única alteração na divisão estabelecida em 1970 foi a decorrente
da criação do estado de Tocantins, pela Constituição de 1988, que o alocou à região Norte. Anteriormente, a
área hoje ocupada por Tocantins pertencia ao estado de Goiás e, portanto, à região Centro-Oeste.
63. As regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste são mencionadas com mais frequência, pelos arts. 157, i, c, e, no
adct, pelos arts. 34, § 10, i a iii, e 42. As regiões Sudeste e Sul, apenas no art. 97, § 2º, i e ii, do adct.
64. Ver art. 3º das leis complementares 124/2007, 125/2007 e 129/2009.
65. Ver art. 2º das leis complementares 124/2007, 125/2007 e 129/2009.
66. Ver leis 3.692/1959 (Sudene), 5.173/1966 (Sudam), 5.365/1967 (Sudeco), e decreto-lei 301/1967 (Sudesul).
388 Direito Constitucional Brasileiro

inspirada nas ideias de Celso Furtado, um dos principais economistas do Brasil, que
também foi seu primeiro diretor. Em uma federação com profundas desigualdades
regionais, a ideia de promover o desenvolvimento de determinadas regiões por meio
de uma ação regional articulada é sem dúvida pertinente. No entanto, os resultados
dessa ação articulada a partir da criação de superintendências é ainda hoje objeto
de controvérsias e resistências.
pa

21.15 INTERVENÇÃO FEDERAL


ra

As últimas disposições que fazem parte do cerne do arranjo federal brasileiro são
aquelas destinadas a disciplinar a intervenção federal nos estados (art. 34) e as inter-
us

venções estaduais nos municípios (art. 35). Como seria de se esperar em um Estado
federal, a regra geral definida por esses artigos é a da não intervenção67. Contudo,
oe

esses mesmos artigos definem uma série de situações que, excepcionalmente, podem
justificar essas intervenções.
m

No caso de intervenção federal nos estados, a União pode decidir intervir para:
FL

(i) manter a integridade nacional;


(ii) repelir invasão estrangeira ou de uma unidade da federação em outra;
P0

(iii) pôr termo a grave comprometimento da ordem pública;


(iv) garantir o livre exercício de qualquer dos poderes nas unidades da federação;
20

(v) reorganizar as finanças da unidade da federação que:


a. suspender o pagamento da dívida fundada por mais de dois anos consecu-
4-

tivos, salvo motivo de força maior, ou


b. deixar de entregar aos municípios receitas tributárias fixadas na Constitui-

ção, dentro dos prazos estabelecidos em lei;


(vi) prover a execução de lei federal, ordem ou decisão judicial;
od

(vii) assegurar a observância dos seguintes princípios constitucionais:


a. forma republicana, sistema representativo e regime democrático;
b. direitos da pessoa humana;
ivu

c. autonomia municipal;
d. prestação de contas da administração pública, direta e indireta;
lga

e. aplicação do mínimo exigido da receita resultante de impostos estaduais,


compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desen-
r

volvimento do ensino e nas ações e serviços públicos de saúde.

O art. 36 regula o procedimento de intervenção federal, mas não o faz de for-


ma clara e sistemática. O processo de intervenção pode envolver, dependendo da

67. Art. 34: “A União não intervirá nos Estados nem no Distrito Federal […]”; art. 35: “O Estado não intervirá em
seus Municípios […]”.
Federalismo 389

hipótese, pessoas e instituições diversas, atuando em papéis distintos (requerente,


autorizador, executor). Os principais participantes nesse âmbito são sem dúvida o
presidente da República (art. 84, x) e o Congresso Nacional (art. 49, iv). Em quase
todas as hipóteses de intervenção estabelecidas pelo art. 34 (transcritas acima), o
procedimento é o mesmo: o presidente da República decreta a intervenção68 e o
Congresso Nacional aprova ou rejeita a medida, por meio de decreto legislativo69.
As medidas que podem ser tomadas durante uma intervenção federal não são
definidas pela Constituição e dependerão da situação que a tenha justificado. Em
pa

qualquer caso, contudo, o presidente da República deve submeter o decreto de


intervenção “que especificará a amplitude, o prazo e as condições de execução e
ra

que, se couber, nomeará o interventor” ao Congresso Nacional no prazo de 24


horas (art. 36, § 1º).
us

Em alguns casos, contudo, a intervenção federal depende da iniciativa de ou-


tras autoridades. No caso do art. 34, iv, por exemplo, no qual a intervenção tem
oe

como objetivo “garantir o livre exercício de qualquer dos poderes nas unidades da
federação”, quem solicita a intervenção é o Poder Legislativo ou o Poder Executivo
m

cujo funcionamento esteja impedido em algum estado ou no Distrito Federal, ou,


se o poder impedido for o Poder Judiciário, a requisição será feita pelo Supremo
FL

Tribunal Federal (art. 36, i).


A Constituição emprega dois verbos distintos no art. 36, i: assembleias legis-
P0

lativas estaduais e governadores podem solicitar uma intervenção em seus estados,


enquanto o stf pode requisitar uma intervenção70. Essa distinção tem justificado a
20

interpretação segundo a qual, no primeiro caso, o presidente da República, a quem


a solicitação é dirigida, pode decidir não intervir, se entender que a intervenção
4-

é desnecessária, mas, no caso de requisição feita pelo Supremo Tribunal Federal,


o presidente não tem discricionariedade para decidir de outra forma. Segundo

essa interpretação, o papel do Congresso Nacional também mudaria, ou seja, no


primeiro caso pode decidir não aprovar a intervenção, mas não poderia fazê-lo no
od

segundo caso. Embora plausível, essa interpretação esbarra em uma dificuldade


prática. Se é verdade que o presidente da República não pode decidir não intervir
em um estado se o stf assim o requisitar, porque essa recusa configura crime de
ivu

responsabilidade71, o mesmo não vale para o Congresso Nacional. Da mesma forma


que já foi ressaltado para o caso da realização de plebiscito para a criação de novos
lga

estados, cujo resultado favorável estabelece um ônus político, mas não um dever
jurídico ao Congresso Nacional, já que, colocada a matéria em votação, ela sempre
r

68. Tanto o Conselho da República (art. 90, i) quanto o Conselho de Defesa Nacional (art. 91, § 1º, ii) devem
opinar sobre esse decreto. A Constituição não exige que o parecer de ambos seja anterior à decretação da
intervenção federal. Sobre isso, ver os tópicos 24.9.1 e 24.9.2.
69. Ver, por exemplo, o decreto legislativo 10/2018, que aprovou intervenção federal no Rio de Janeiro, e o decreto
legislativo 174/2018, que aprovou intervenção federal em Roraima.
70. O ristf também usa o verbo requisitar (art. 354).
71. Ver lei 1.079/1950, art. 12, 3, segundo o qual é crime contra o cumprimento das decisões judiciárias “deixar de
atender a requisição de intervenção federal do Supremo Tribunal Federal ou do Tribunal Superior Eleitoral”.
390 Direito Constitucional Brasileiro

poderá ser rejeitada, o mesmo parece ocorrer no caso de intervenção requisitada


pelo stf: se o Congresso Nacional deve votar a requisição, há sempre a possibilidade
de que ela seja rejeitada72.
Há ainda outros casos de intervenção nos quais o stf desempenha um papel
central: quando a razão para a intervenção for “desobediência a ordem ou decisão
judiciária” (art. 34, vi, e art. 36, ii); nos casos definidos no art. 34, vii, a a e, já
mencionados; ou quando a execução de lei federal esteja sendo impedida em um
estado (art. 34, vi, e art. 36, iii). No primeiro caso, além do stf, também podem
pa

requerer a intervenção o Superior Tribunal de Justiça e o Tribunal Superior Eleitoral;


nos dois últimos casos, o processo de intervenção tem início com representação do
ra

procurador-geral da República (art. 36, iii, e art. 129, iv).


De 1988 a 2018, nenhuma intervenção federal em estado havia ocorrido73.
us

Em 2018, no entanto, o presidente Michel Temer rompeu com a tradição de não


intervenção e decretou duas intervenções: em fevereiro de 2018, no estado do Rio
oe

de Janeiro, e, em dezembro do mesmo ano, no estado de Roraima. A intervenção


no estado do Rio de Janeiro foi certamente peculiar. O interventor, nomeado nos
m

termos do art. 36, § 1º, teve atuação restrita à área da segurança pública74. O go-
vernador do Rio de Janeiro continuou no exercício de suas funções, apenas sem
FL

poderes na área da segurança pública. Na intervenção em Roraima, um interventor


foi nomeado para substituir o governador no exercício de todas as suas atribuições75.
P0
20

21.16 O SENADO NO FEDERALISMO BRASILEIRO


4-

Como é usual em estados federais, o Poder Legislativo no Brasil é bicameral. A


estrutura e as competências do Poder Legislativo, especialmente o processo de

elaboração da lei, serão analisadas oportunamente76. Esta seção tem um objetivo


restrito, que é analisar o papel do Senado Federal no federalismo brasileiro.
od

No Brasil, cada estado e o Distrito Federal têm o mesmo número de senadores,


como é comum em estados federais77. São três senadores ou senadoras por estado
ivu

72. A única alternativa a essa conclusão é sustentar, como faziam alguns, que, no caso de intervenção federal
requisitada pelo stf, cabe ao presidente da República decretá-la, sem necessidade de aprovação do Congresso
lga

Nacional. Contudo, não há qualquer base constitucional para essa tese. Tampouco o stf a chancela. Ver if 114
(1991). Atualmente, o art. 11 da lei 12.562/2011 explicitamente dispõe que, se o pedido em uma representação
interventiva for julgado procedente, o presidente da República tem até quinze dias para dar cumprimento aos
r

§§ 1º e 3º do art. 36 da Constituição Federal; e a dispensa de apreciação do Congresso Nacional (art. 36, § 3º)
só ocorre se o decreto do presidente da República limitar-se a suspender a execução do ato impugnado, sem
declarar intervenção no estado membro envolvido.
73. Mas várias intervenções de estados em municípios já haviam ocorrido, sobretudo nos casos de não prestação
de contas (art. 35, ii) e não cumprimento de decisões judiciais (art. 35, iv).
74. Ver decreto 9.288/2018, art. 1º, § 1º; art. 2º; e art. 3º.
75. Ver decreto 9.602/2018, art. 3º.
76. Ver capítulos 23 e 28.
77. Embora haja exceções, como é o caso da Alemanha, Áustria, Canadá, Índia e Suíça, países nos quais a repre-
sentação estadual no senado (ou órgão equivalente) não é paritária. Em alguns deles, senadoras e senadores
nem ao menos são eleitos diretamente.
Federalismo 391

e pelo Distrito Federal, eleitos por maioria simples para um mandato de oito anos.
Assim, o Senado Federal é composto por 81 membros, que, ao menos em tese,
representam os 26 estados e o Distrito Federal.
Como senadoras e senadores são eleitos diretamente, eles são muitas vezes de
partidos distintos entre si e, além disso, de partido distinto daquele no poder no
estado que representam78. Por essa razão, em geral os senadores de um determina-
do estado não votam em bloco, mas votam seguindo sua linha partidária. E, como
o Senado tem – salvo algumas exceções – os mesmos poderes e competências que
pa

a Câmara dos Deputados, é difícil sustentar a tese, prevista pelos arts. 45 e 46 da


Constituição, segundo a qual a Câmara dos Deputados e o Senado Federal expressam
ra

formas diversas de representação, a primeira representando o povo e o segundo, os


estados. O único elemento distintivo, o qual, sem dúvida, está intimamente ligado
us

ao pacto federativo, é o fato de que, no Senado, independentemente das posições


individuais dos senadores e senadoras nas votações, os estados têm representação
oe

paritária. Assim, a despeito da tendência geral de votações por blocos partidários, e


não estaduais, há exceções a essa tendência e, nesses casos, a representação paritária
m

pode garantir que o Senado seja uma casa de representação estadual.


FL

21.17 SUGESTÕES BIBLIOGRÁFICAS


P0

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Paulo, Hucitec, 1998.


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Brasil – Articulações Jurídicas e Conflitos Institucionais”. In: Mendes, Gilmar Ferreira & Car-
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Saraiva, 2016, pp. 75-109.

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de Cultura Económica, 1993.
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78. Algo que não ocorre nos países nos quais senadores e senadoras são indicados pelos governos estaduais.
392 Direito Constitucional Brasileiro

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