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BORBOLETAS COMO BIOINDICADORAS DO ESTADO DE CONSERVAÇÃO DE

UMA ÁREA DE RESERVA LEGAL - PATROCÍNIO/MG

Poliana Felix Araujo

Sebastião Ferreira de Lima


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Pós Graduando da UFLA-Universidade federal de Lavras polianafa@yahoo.com.br Professor Dr. do UNICERP-Centro
Universitário do Cerrado - Patrocı́nio

INTRODUÇÃO MATERIAL E MÉTODOS

Os Lepidópteros pertencem a ordem dos insetos, com cerca Área de Estudo


de 146 mil espécies descritas (Heppner, 1991). A ordem
O trabalho foi realizado no municı́pio de Patrocı́nio - MG,
Lepidóptera compreende os insetos conhecidos por borbole-
com coordenadas de 180 56’ S e 470 00 W. A área de Reserva
tas e mariposas.
selecionada (180 57’S e 460 57’W) possui 950 m de altitude
Borboletas são muito utilizadas em estudos sobre con- e 28,16 ha, com fitofisionomias de cerrado sentido restrito,
servação de habitats degradados porque necessitam de plan- cerradão e mata mesófila.
tas e habitats especı́ficos para a sua sobrevivência, e por essa
razão são especialmente vulneráveis à degradação ambien- Amostragem
tal, respondendo rapidamente às mudanças na vegetação e O trabalho foi desenvolvido no perı́odo de outubro de 2007
no clima. Sua taxonomia é relativamente bem conhecida à outubro de 2008, totalizando 13 meses, com coletas se-
e as técnicas de coleta são simples. Sua presença pode in- manais. O horário de amostragem estendeu - se entre
dicar comunidades ricas em espécies, e sua ausência indicar 09h00min às 17h00min procurando acompanhar o horário
perturbação e fragmentação. No Brasil, os lepidópteros são de maior atividade das borboletas. Foi determinado um
objetos de muitos estudos cientı́ficos, sendo usados como transecto na área de estudo com 600 m de comprimento,
indicadores da qualidade ambiental. que era percorrido por aproximadamente seis horas em cada
Na abordagem conservacionista, especialmente em ambi- ocasião de amostragem.
ente de Cerrado, os trabalhos ainda são escassos e muitas Foram coletadas borboletas das duas guildas alimentares ex-
questões necessitam ser elucidadas. Na região de Pa- istentes: a base de néctar e a base de frutos. Para a captura
trocı́nio não existem pesquisas de borboletas como bioindi- das borboletas frugı́voras foram utilizadas armadilhas com
cadores e, o estudo a esse respeito constitui uma importante iscas atrativas de banana e garapa, enquanto as borboletas
fundamentação para o conhecimento, tanto das espécies que se alimentavam de néctar foram capturadas com rede
ocorrentes de modo geral, como daquelas especı́ficas para entomológica. Quatro armadilhas do tipo Van Someren -
as avaliações de conservação. Com essas informações, a Rydon, foram colocadas na vegetação a uma altura de 1,0
pesquisa regional avança no sentido de apresentar novas fer- a 2,0 m, ao longo do transecto, com distância de 200 m
ramentas para o conhecimento dos processos degradatórios uma da outra, permanecendo por 30 horas no campo. O
ocorrentes. mesmo transecto foi percorrido durante a permanência das
Assim este trabalho caracteriza - se como um marco no es- armadilhas com uma rede entomológica.
tudo de espécies de borboletas regionais e na sua alocação Foi realizado o levantamento quantitativo de espécies de
como organismos de interesse no processo conservacionista. borboletas presentes na área. O método de amostragem
segue Freitas et al., , (2003), sendo as borboletas obser-
vadas, registradas e identificadas visualmente. Espécies não
OBJETIVOS identificadas em campo foram levadas para posterior mon-
tagem e identificação.
Realizar o levantamento das espécies de borboletas, indi- Tomou - se sempre o cuidado de amostrar a ampla gama de
cando a presença de espécies raras, comuns e espécies in- grupos de borboletas da assembléia estudada. Para tanto,
dicadoras de ambiente conservado e perturbado, relatando eram inspecionados os mais variados substratos, desde o solo
seu uso para conservação. e vegetação rasteira, arbustos, até árvores altas e espaço

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aberto. Foram observados cuidadosamente recursos impor- comuns, apresentando uma única espécie Heliconius erato
tantes, como flores, frutos fermentados, pois estes concen- (Linnaeus, 1758) (FO = 100%).
tram muitas espécies de borboletas, facilitando o trabalho Foi encontrado um número relativamente alto de espécies
de registro e identificação das mesmas. Visou - se, assim, consideradas raras e indicadoras de ambientes conservados.
contemplar com a maior fidelidade possı́vel a representativi- No total de vinte espécies raras encontradas nas áreas de
dade das formas menores, menos conspı́cuas ou raras. estudo, seis foram comuns com o trabalho realizado por
Análise dos dados Brown Jr. & Freitas (2000): Methona themisto (N = 2),
Foram analisados os seguintes itens: número de indivı́duos Caligo illioneus (N = 5), Taygetis laches (N = 15), Pre-
registrados (N), número de espécies (S), freqüência relativa pona dexamenus (N = 1), Hamadryas februa (N = 18),
da espécie (fr) e abundância. Callicore pygas (N = 1). Uma das espécies encontrada é
Para a análise de abundância das espécies, foram consid- considerada como ameaçada de extinção: Agrias claudina
eradas “abundantes” aquelas que possuı́am as mais altas (Charaxinae, Nymphalidae), a borboleta mais procurada
freqüências absolutas e, como “dominantes”, as que ap- por colecionadores segundo Brown Jr. et al., , (1988),
resentaram freqüência relativa maior que 10% (fr >0,1). representada por dois indivı́duos no local de estudo.
Espécies representadas por um único indivı́duo foram referi- Em trabalho de monitoramento, realizado por Raimundo
das como “singletons”. et al., (2003), foram relatadas algumas espécies indicadoras
A freqüência de ocorrência (FO) de cada espécie na área de de ambientes tanto conservados quanto perturbados, sendo
estudo foi determinada com base na seguinte equação: FO que muitas das espécies relatadas pelos autores foram encon-
= N x 100/NT; onde N = número de meses que a espécie foi tradas no presente estudo, como: Parides neophilus , Mor-
registrada; NT = número total de meses trabalhados. Logo, pho menelaus, Hypothyris ninonia, e Mechanitis lysimnia,
a FO relaciona a proporção dos meses em que a espécie foi todos indicadoras de florestas virgens e de áreas conser-
detectada com o número total de meses empregados no tra- vadas.
balho. Já as espécies como: Methona themisto, Ascia monuste,
Dryas iulia e Heliconius erato, são comuns tanto em am-
bientes urbanos como em vegetação secundária, possuindo
RESULTADOS ampla distribuição em vários habitats com caracterı́sticas de
locais semi - abertos ou perturbados (Brown Jr., 1992; Mar-
No total de 572 horas - rede de amostragem, foram registra- chiori & Romanowski, 2006). Entre estas, Methona themisto
dos 752 indivı́duos na área de reserva legal, distribuı́das em é considerada a mais tolerante aos distúrbios do habitat pela
65 espécies de borboletas, pertencentes a 5 famı́lias, 14 sub- urbanização do que as outras espécies de Ithomiinae do sul
famı́lias e 24 tribos. e sudeste do Brasil (Ruszczyk, 1999). Dentre estas espécies,
As espécies mais comumente encontradas e mais abun- Ascia monuste e Dryas iulia foram encontradas na área de
dantes foram: o ninfalı́deo Yphthimoides renata (Cramer, estudo.
1782) com 95 indivı́duos, seguida do papilionı́deo Parides De acordo com Brown Jr. e Freitas (1999), muitas espécies
neophilus (Geyer, 1837) e o hesperı́deo Pyrgus orcus (Stoll, da famı́lia Papilionidae podem ser indicadoras de matas
1780) com 62 indivı́duos. Espécies consideradas “domi- bem conservadas e recursos hı́dricos abundantes, porém, al-
nantes” por apresentarem freqüência relativa maior que 10% gumas espécies são associadas a áreas abertas e até mesmo
ocorreu apenas com Yphthimoides renata (Cramer, 1782) urbanas. Foram registrados dois papilionı́deos na área
(fr = 12%). de reserva: Parides neophilus e Battus crassus, sendo a
Diferenças no local e na vegetação afetam a diversidade primeira relatada como espécie indicadora de ambientes
de espécies e sua abundância. Muitas espécies tidas como preservados, encontradas somente em áreas úmidas e matas
freqüentes em trabalho realizado por Brown Jr. & Freitas fechadas.
(2000), na região de Santa Tereza - ES, não apresentaram a Indivı́duos da famı́lia Pieridae são encontrados em ambi-
mesma correspondência neste estudo, entre elas: Archaeo- entes abertos, como pastagens, e bordas de mata, e em am-
prepona demophon (N = 4), Archaeoprepona amphimacus bientes degradados, devido a sua facilidade de adaptação
(N = 1), Dircenna dero (N = 2), Hypothyris ninonia (N = diante das modificações ambientais. Segundo Brown Jr.
2), Mechanitis lycimnia (N = 1), Melete lycimnia (N = 1), e Freitas (1999) e Owen (1971) a famı́lia Pieridae são
Phoebis statira (N = 1) e Zaretis itys (N = 1), especialmente abundantes em áreas abertas e possuem
Morpho menelaus foi uma das espécies mais abundantes muitos representantes comuns em áreas antrópicas. Algu-
neste estudo, sendo relatada como infreqüente por Brown mas dessas espécies ocorreram na área de reserva: Eurema
Jr. & Freitas (2000). Espécies infreqüentes encontradas albula, Eurema dina, Eurema nise, Eurema phiale e Melete
por estes autores, também coincidiram com as encontradas lycimnia, sendo que, quando visualizadas, sempre estavam
na área de reserva, sendo: Aeria olena (N = 2), Opsiphanes em clareiras no interior da mata, o que justifica sua presença
cassiae (N = 2), Biblis hyperia (N = 1), Hamadryas amphi- em área conservada.
nome (N = 7), Colobura dirce (N = 2), e Smirna blomfildia Brown Jr. & Freitas (2000) relataram que as espécies da
(N = 1). subfamı́lia Nymphalinae podem indicar perturbação (natu-
A partir da análise dos dados de freqüência de ocorrência ral ou antrópica) e as da subfamı́lia Satyrinae e Brassolini
foram obtidos os seguintes resultados: Espécies pouco co- são indicadoras fiéis de mudanças nos fatores ambientais lig-
muns representaram 85% do total das espécies encontradas, ados à poluição e perturbação, respondendo negativamente
sendo 12% espécies comuns e apenas 3% de espécies muito a esses tipos de alterações. Neste estudo foram encontradas

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oito espécies da subfamı́lia Nymphalinae, que são indicado- In.: Morellato, L.P.C. História Natural da Serra do Japi:
ras de ambientes perturbados, seis espécies da subfamı́lia ecologia e preservação de uma área florestal no Sudeste do
Satyrinae e 2 da subfamı́lia Brassolini, que são indicado- Brasil. Campinas: Unicamp. p.142 - 186. 1992.
ras de ambientes preservados, isto porque respondem rap- Brown Jr., K.S.; Freitas, A.V.L. Lepidóptera. In.:
idamente a qualquer tipo de perturbação no ambiente. A Brandão, C. R. F. E; Cancello, E. M. (eds.). São Paulo,
espécie mais abundante na área de reserva foi Yphthimoides FAPESP. In: Biodiversidade do Estado de São Paulo,
renata (n = 95), pertencente a famı́lia Satyrinae, indicativo Brasil: sı́ntese do conhecimento ao final do século XX v.5-
da boa conservação da área de estudo. Invertebrados terrestres, p.227 - 243. 1999.
Inventariamentos dessa natureza podem revelar carac- Brown Jr., K.S.; Freitas, A.V.L. Diversidade de
terı́sticas importantes de comunidades locais, tais como a Lepidóptera em Santa Tereza, Espı́rito Santo. Boletim do
utilização de recursos e a preferência de habitat, além de Museu de Biologia Mello Leitão, n.11/12, p.71 - 118, jun.
contribuir para o conhecimento da fauna regional. Este 2000.
trabalho apresentou a diversidade de lepidopterofauna da
Brown Jr., K. S.; Mielke, O. H. H.; Casagrande, M.
reserva, caracterizando a importância biológica dessa área
M. Espécies de Lepidóptera ameaçadas do Estado de Minas
para a região.
Gerais. In.: Machado, A.B.M.; Fonseca, G.A.B.; Machado,
Portanto, esse estudo mostra que as borboletas respon-
R. B.; Aguiar, L.M.S. e Lins, L. V. (eds.). Livro ver-
dem aos impactos causados em seu habitat através da
melho das espécies ameaçadas de extinção da fauna de Mi-
abundância de determinadas famı́lias, como os Pieridae em
nas Gerais. Belo Horizonte: Fundação Biodiversitas, p.512
áreas perturbadas ou como a subfamı́lia Satyrinae indi-
- 559. 1988.
cando ambientes com bom estado de conservação, sendo
Freitas, A. V. L.; Francini, R.B; Brown Jr. K.S.
úteis como indicadores biológicos de efeitos de perturbação
Insetos como indicadores ambientais. In.: Cullen Jr.,
em um dos biomas que vem sendo bastante agredido e
L.,. Valladares-Pádua, C. e Rudran, R. Métodos de es-
ameaçado pelo homem, o Cerrado.
tudos em biologia da conservação e manejo da vida sil-
vestre. Curitiba: Editora da UFPR/Fundação O Boticário
CONCLUSÃO de Proteção à natureza, p.125 - 151. 2003.
Heppner, J. B. Faunal regions and the diversity Lepi-
A fauna de Borboletas da área de reserva legal apresentou doptera. Tropical Lepidoptera, v.2 n.1, p.1 - 85. 1991.
- se bastante rica e composta por algumas espécies raras e Marchiori, M. O.; Romanowski, H. P. Borboletas
indicadoras de boas condições ambientais. (Lepidóptera: Papilionoidea e Hesperioidea) do Parque Es-
A área de reserva mostra o bom estado de conservação tadual do Espinilho e entorno, Rio Grande do Sul, Brasil.
da vegetação local e a importância destas áreas para Revista Brasileira de Zoologia, v.23, n.4, p.1029 - 1037.
preservação da fauna de borboletas do cerrado. 2006.
As borboletas apresentam grande potencial para discrimi- Raimundo, R. L. G.; Freitas, A. V. L.; Costa, R.
nar diferenças ambientais, sugerindo assim o aumento do N. S.; Oliveira, J. B. F.; Melo, A. B.; Brown Jr.
número de horas de amostragem para confirmação e am- K. S. Manual de monitoramento ambiental usando borbo-
pliação dos resultados encontrados, que já enfatizam a im- letas e libélulas. In.: Reserva Extrativista do Alto Jurá.
portância da conservação e preservação desses habitats re- Série Pesquisa e Monitoramento Participativo em Áreas de
manescentes de Patrocı́nio - MG e sua biodiversidade. Conservação Gerenciadas por populações Tradicionais, v.1.
Agradeço ao Dr. André Victor Lucci Freitas e Fernando Campinas:CERES/ Laboratório de Antropologia e Ambi-
Campos que com grande disponibilidade e atenção me re- ente, 2003.
ceberam e identificaram as espécies de borboletas.
Ruszczyk, A. Borboletas: indicadoras da qualidade am-
biental. In: Menegat, R. Atlas Ambiental de Porto. Porto
REFERÊNCIAS Alegre: Editora da Universidade, 1999. 256p.
Owen, D. F. Tropical Butterflies: The ecology and be-
Brown Jr., K. S. Borboletas da Serra do Japi: diversi- havior of butterflies in the tropics with special reference to
dade, habitats, recursos alimentares e variação temporal. African species. Oxford: Clarendon Press, 1971.

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