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INDEX BOOKS GROUPS PERSONALIDADE Roberto Alves Banaco « Joana Singer Vermes « Denis Roberto Zamiguani Ricardo Correa Martone - Roberta Kovac Personalidade & um termo consagrado, que se encontra no eixo principal de interesses no campo da Psicologia, Qualquer teoria que se proponha a abordar 0 comporta- mento humano deve, de algum modo, dar conta de explicar © que fazemos, especialmente aquilo que fazemos-com certa regularidade. Mais ainda, essa teoria deve éxplicar as razdes pelas quais, em alguns momentos davvida, nos desviamos dessa regularidade. © conccito de personalidade tornoiise importante porque prometia essa explicacio: destrinchar os processos responsiveis pela construgio das caracteristicas pecu- liares a cada individuo, padrées dé'comportamento que © tornam tinico ¢ inconfuundivel em relacdo a todos os outros. Herdeira de uma'cultura chamada de dualista, a Psicologia considerava que os comportamentos (do corpo) deveriam ser explicados por uma instancia imaterial (que ja fora chamada de espitito, alma e, mais modernamente, por “mente”), A personalidade seria a mancira pela qual essas instancias imateriais se relacionavam com o mundo, exigindo teorias descritivas de sua formagao, ¢ explicativas de seu funcionamento. Manuais basicos, bem como obras de autores consa- grados das teorias psicodinamicas (como Freud, Jung € ‘Adler), dedicam-se, em grande parte, & teorizacéo sobre a constituicéo, o desenvolvimento e os chamados desvios da personalidade. As primeiras hipdteses para esse processo sugeriam que a personalidade teria sua formago durante 0s primeiros anos de vida do individuo e que, uma vez constituida, sofreria poucas modificagées. Decorria dessa premissa a hipétese de que os problem: psicolégicos teriam sua origem nos primeciros anos de vid ‘em gefal explicados pela vivéncia de uma experiéncia fort aversiva, chamada “trauma”. Quando houvesse algu falha no processo de constituigao da personalidade d alguém, dela adviriam os chamados disttirbios psicop tolégicos, ou doengas “da mente”, e, consequentement 1s problemas de comportamento (esses desvios da perso nalidade sero discutidos no préximo capitulo, “Psicop. tologia’). ‘Assim, a Psicologia passou a buscar maneiras de trataro desvios de personalidade e os disttrbios psicopatol6gicos. Para alguns tedricos, esa seria uma das caracteristicas def nidoras da prépria Psicologia enquanto ciéncia. Sendo a Anélise do Comportamento uma das abo dagens do campo da Psicologia, também foi instada abordar esses temas, mas encontrou, logo de saida em. histéria, dificuldades em concebé-los. Uma dessas dil culdades resultava do fato de que, para alguns cientista (dentre eles, os chamados “behavioristas”, que fundariam Andlise do Comportamento), a Psicologia deveria se modi ficar, de modo a atender 4s exigncias das Ciencias Natw rais, Seu objeto de estudo, portanto, deveria ser passivel de observagio e mensurago, mesmo por meios indiretos. fungio disso, para que construtos, tais como a person: dade, pudessem ser assumidos como seu objeto de estudo, deveriam ser redefinidos. A solugo para o problema foi abordar 0 proprio comportamento como 0 objeco de estudo, e no como sintoma de uma entidade imaterial, INDEX BOOKS GROUPS ‘Ainda coma preocupagio de que a Psicologia se rornasse a Ciéncia Natural, a Anilise do Comportamento jotou o método experimental para o estudo dos fend- ienos psicolégicos, ¢ isso trouxe todas as decorréncias e igéncias para a metodologia especifica dessa abordagem. igo, em vezde um modelo causal, foi adotado um modelo \cional para a explicagio dos fendmenos comportamen- is, dentre cles 0 que € concebido como personalidade. A iferenca entre os dois é que, enquanto 0 modelo causal yume que um evento (A) causa o evento (B), em um, jodelo funcional, entende-se que A e B se influenciam utuamente. Desse ponto de vista, transformagées em evento exercem fungGes especificas na relagi0 com 0 ro evento, o que muda com notivel diferenca a maneira encarar 0s problemas de comportamento. Este capi- lo tratara da concepgio analitico-comportamental do je comumente se chama personalidade, na Psicologia. prdximo capitulo enfocaré o conceito de psicopatologia Andlise do Comportamento. A PERSPECTIVA TRADICIONAL DO CONCEITO DE PERSONALIDADE A palavra “personalidade” tem origem no latim, ¢ designa persona, a mascara utilizada pelos atores gregos que tinha a fungao de caracterizar 0 personagem ¢ ampli- ficar a voz do ator. O termo carrega a suposigio de-que personalidade €0 modo como os individuos se apresentam para 0 mundo, mas nao exatamente como a pessoa ¢ em sua “esséncia”. Na Psicologia, a proposiéo do conceito de personali- dade tem seu inicio no século 19, a partir dos primeiros escritos de Charcot Janet, interessados no estudo das chamadas “personalidades anormais’. Entretanto, éa Freud que devemos os principais crédicos relativos & combinagéo de teorias da personalidade com a pritica psicoterapéutica (Lundin, 1969/1974). Conforme Atkinson, Atkinson, Smith, Bem, Nolen- Heoksema (1953/2000), autores de um manual bisico de Psicologia: “A personalidade pode ser definida como os padroes distintivos e caracteristicos de pensamento, emogio € comportamento que definem o estilo pessoal de interagio de uma pessoa com o ambiente fisico e social” (p. 457). Tal definigio, a principio, parece bastante razoivel: de fato, podemos observar certa regularidade quando obser- vamos 0 comportamento das pessoas ao longo do tempo ¢ em diferentes situagées. Essas regularidades podem carac- INDEX BOOKS GROUPS Personalidade 145 terizar certo “estilo pessoal”, que bem poderia receber um rétulo ou adjetivo. O problema maior ¢ quando tal termo (0 rétulo ou o adjetivo) que aponta apenas uma descrigio de padrées acaba sendo adotado como causa el ou explicagio para 0 comportamento do individuo. Essa maneira explicativa € circular: ela parte de uma descrigo de padrées, a partir da regularidade nomeia o padrio € utiliza essa propria nomeacio como explicagao para esses mesmos padrécs a partir dos quais ela foi derivada, E essa intexpretagio do termo personalidade a que predomina no senso comum e, em parté, na Psicologia —um conjunto de caracteristicas individuais que determi- nariam o modo de agit de um sujeitoy Frequentemente ‘ouvimos frases como: “isso faz parte da personalidade de Fulano” ou “nio é da pefsonalidade de Cicrano agir desse modo”, Trata-se de uma concepgio na qual a personalidade seria uma “bagagem” portada e apresentada pelo individuo a0 longo da vida: O8 chamados “testes de personalidade”, centio, teriam a fungao de desvendar a “verdadeira nacu- reza” de-cada pessoa. Dois aspectos sobre essa perspectiva do termo deve ser salientados, Em primeiro lugar, nessa proposta, é atribuido 4 personalidade um status de objeto (no sentido de uma ‘oisa que o individuo portaria: “fulano tem uma persona- lidade forte”, por exemplo, assim como ele tem um brago ou uma marca de nascenga). Essa caracteristica portada ¢ amplamente importante porque determinaria as relagbes do individuo com o mundo (como em uma relagao causal: a personalidade (A] determinaria o comportamento (Bl). Dessa maneira, a personalidade é concebida como algo a priori definidor de um “jeito de sex”. Assim, a personali- dade nao seria aquilo que observamos em si, mas algo que estaria por trés do que se vé, sugerindo uma concepgio internalista. O segundo elemento a ser destacado refere- se ao dualismo embutido nessa proposta: o pensamento, a emogio ¢ o comportamento (um grupo de padrées de comportamento individuais) afetariam os “estilos pessoais” (outro grupo de agdes relacionadas com a interagio do sujeito com 0 mundo) “Talver, aideia de personalidade mais amplamente conhe- ida e emblematica seja aquela associada ao sistema freu- diano. Em O mal estar da civilizagao, obra escrita tardia- mente na vida de Freud e, desse modo, reflexo da conso- lidagio de sua proposta para o entendimento do compor- camento humano, o autor descreve claramente aspectos da personalidade que determinam a conduta humana mani- festa. Id, ego ¢ superego, instancias psiquicas que formam a personalidade, desempenham, cada uma seu modo, papel INDEX BOOKS GROUPS INDEX BOOKS GROUPS 146 Temas Clésscos da Psicologia soba Orica da Andlise do Comportamento especifico na vida mental. Impulsionando a interagio entre essas instancias esto duas grandes forcas antagonicas cons- tituintes do ser humano: a pulsio de vida e a pulsio de morte. Claro esté que o modelo freudiano de personalidade transmite a ideia de determinagio psiquica (ou mental). Assim, a génese da personalidade e, por consequéncia, de suas patologias encontra-se em uma complexa relacio de inseancias e forcas psiquicas que, a principio, foram criadas, para explicar 0 comportamento humano normal e patol6- gico, Nao se trata, no caso de Freud, de negara influéncia do ambiente na explicagio do comportamento, Entretanto, Freud relega ao ambiente um papel secundirio a0 enfatizar que a personalidade humana € 0 recepticulo e o grande Arbitzo do embate existente entre as forcas psiquicas cons- tituintes do sujeito e as vicissitudes do ambiente que foram introjetadas nessa mesma personalidade. Essa breve explanagio serve basicamente pata que possamos elucidar com mais cuidado a ideia de perso- nalidade para o Behaviorismo Radical, que ¢ divergente das premissas apresentadas por explicagdes internalistas, quando nao incompativel com elas. Entretanto, a Anilise do Comportamento apresenta uma proposta de enten- dimento do comportamento humano que nao se furta a explicar sua complexidade. Como abordagem do campo da Psicologia, a Andlise do Comportamento se propée a compreender 0 comportamento humano em todos os seus aspectos, incluindo, entre eles, as questdcs cléssicas abordadas sob o constructo personalidade. A NOGAO DE PERSONALIDADE A PARTIR DAANALISE DO COMPORTAMENTO Provavelmente devido ao termo “personalidade” ser oriundo de proposigdes que guardam algumas divergén- cias imporcantes erm relagéo & Andlise do Comportamento,, raramente ele € mencionado por estudiosos dessa abor- dagem. Tais divergéncias, entretanto, nao implicam que a Anilise do Comportamento deva ignorar o termo; mas, assim como ocorre com outros tantos conceitos da Psico- logia, é necessirio que sejam atribuidas definigées ¢ expli- cages especificas aos fendmenos descritos por eles que sejam alinhadas com os preceitos te6ricos da abordagem. Em concordancia com muitas abordagens da Psico- logia, a Andlise do Comportamento reconhece que os comportamentos de todos os individuos apresentam algumas caracteristicas ~ ou, como preferimos, padrées INDEX BOOKS GROUPS. bastante regulares. Por isso, com a mesma segurani com que descrevemos a cor dos olhos, a estatura 01 uma marca de nascenga, frequentemente usamos adjee tivos para descrever pessoas a0 nosso redor: timido, agitado, sério, simpatico, ansioso, sensivel, sagaz ¢ assim por diante, em uma lista infindavel. E bastante comum que pessoas independentes umas das outras fagam mesmas descrigdes sobre um mesmo individuo, o q realga a nogao de que padrées comportamentais seriam apresentados em diferentes contextos.¢ com certa regi laridade. No entanto, se pretendemos entender os padrées d comportamento, sem recorrermos a constructos tradi cionais, precisamos.compreender de que maneira tai padres sio desenvolvidos e por que parecem tio pouce variéveis ao longo da vida. Para visualizar essa proposta, imaginemos um beb recém-niascido, Provavelmente, nas primeiras horas de vid cle apresentard'algumas ages (respostas) cujas propriedades fisicas parecem definidas especificamente por aspectos biolé igicos (embora nao se possa desconsiderar que a vida intra terina seja constitufda por uma série de interages com ambiente fisico bem especifico, iniciando-se uma hist6ri de aprendizagem, ainda que nao seja de natureza social). ‘Acemissio de determinadas agées do recém-nascido se consequenciadas com reforgamento primétio: alimento calor ¢ protecao. Entretanto, essas respostas envoh propriedades fisicas, que podem ser medidas em magni tude, intensidade, duragio, entre outros parimetros. Deter minadas propriedades do comportamento produ: mudangas ambientais, tornando-o mais provavel, ou se} serio fortalecidas enquanto outras poderio exercer pot ow nenhum efeito no mundo. Por exemplo, uma mie “de primeira viagem’”, cuja gravidez foi imensamente desejad poderd responder mais prontamente ao inicio de choro bebé do que uma mie que precisa atender & demanda d ‘outros filhos mais velhos antes de voltar-se aos cuidados do cagula, Nesse tiltimo caso, é possivel que uma histéria reforgamento ensine 0 bebé a apresentar, logo aos primeira sinais de fome ou desconforto, um choro alto e vigoroso desencadeando, facilmente, uma descrigio de “bravo! “chorio” ou “decidido”. Se o choro intenso for aversiva A mie (¢ frequentemente o ¢), talvez ela desenvolva padrio idiossincrdtico de reago a0 choro e a outras resposta pertencentes & mesma classe. Usamos o choro apenas a titulo de exemplo, mas o fato E que desde o inicio da vide vio sendo estabelecidas vi relagdes funcionais entre os comportamentos do bebé € INDEX BOOKS GROUPS ‘0s comportamentos dos cuidadores, envolvendo reforga- dores primérios poderosos. O aspecto fundamental a ser destacado é que, na primeira fase de vida, ocorre um tipo ‘muito especial de interago com o mundo, na qual o indi- ‘viduo se relaciona com alguém que detém uma concen- cespecifica de reforcadores, que raramente ser repro- ida no futuro. Considerando-se a importincia dessa istéria, € possivel assumir que padrdes de comportamento senvolvidos nos primeiros anos de vida da crianga virao, ilmente, compor o repert6rio comportamental apresen- tado ao longo da vida. Embora se reconhega a importincia das primeiras rela Ges estabelecidas entre a crianga e o mundo, nao se pode afirmar que as mesmas sejam as tinicas responséveis pela constituicéo do que se define por “personalidade”. Clara- mente, intimeras ¢ complexas relagdes do individuo com © mundo devem ser entendidas como elementos respon- siveis na criagio dos padres de comportamento. O ponto de interesse é: qual é proposta explicativa da Anilise do Comportamento para o entendimento desse conceito ¢ de que maneira ela se distingue das perspec- tivas tradicionais? Arrolamos a seguir algumas quest6es que compiem a conceituacio da personalidade sob a perspec- tiva analitico-comportamental. Em seu classico artigo de 1981 (traduzido para o portu- gués em 2007), Seleciio por consequéncias, Skinner explicita claramente sua proposta para explicar o comportamento humano que, a principio, explicaria também a’petsona- lidade como fendmeno comportamental, O eomporta- mento, segundo Skinner, determinado por trés grandes conjuntos de contingéncias ~ trés historias de interagio dos organismos com o ambiente ~ que invariavelmente selecionam aspectos diferenciatios do repertério de cada individuo, A primeira dessas historias €a da espécie & qual 0 orga- nismo pertence (selesao filogenética), revelada por meio de caracterfsticas anatémicas ¢ padrdes herdados, entre eles a sensibilidade maior oti menor a determinados estimulos. A segunda diz respeito a selegio do repertério individual, que se dé a partir das interagGes operantes e condicionamento respondente, nas quais padres de comportamento do indi- viduo tornam-se mais ou menos provaveis. A terceira e tiltima histéria refere-se & selecio de priticas culturais, as quais determinam certos padrées de comportamento do grupo que influenciario, por sua vez, 0 comportamento do individuo. Vale ressaltar que a proposta skinneriana, diferente- mente do sistema explicativo freudiano, enfatiza a relagao Personalidade 147 organismo-ambiente como determinante da conduta humana. O proprio Skinner (1981/2007) faz. um inte- ressante paralelo entre as instncias ps{quicas freudianas — id, ego e superego — ¢ os trés niveis de deverminagao do comportamento — filogénese, ontogénese ¢ cultura. O id - entidade responsivel pela energia que direciona a personalidade no caminho do desejo e, segundo Freud, apresentaria origem biolégica — seria 0 equivalente ao que Skinner denomina contingéncias filogenéticas; 0 ego — frbitro das press6es impulsivas do id e das proibigées do superego — seria o equivalente & hist6tia ontogenéticas € 0 superego ~ sentinela da pessonalidadé — correspon- deria a0 que Skinner denomina contingéncias culturais. O deslocamento da determinag6 comportamental realizada pelo sistema skinneriano, de “dentro para fora’, ou seja, 0 deslocamento explicative de instincias psiquicas para rela- cs organismo-ambiente na determinagio dos compor- tamentos, torna possivel uma abordagem do fenémeno conhecido como personalidade em termos cientificos, tornando possivel a transformagio do comportamento individual por meio do manejo das condigées ambientais responsiveis pela produgio do comportamento, seja este saudavel ou patolégico. ‘A seguir, aprofundaremos o tema da determinagio dos padrdes comportamentais a partir dos trés niveis de selecio. O primeiro nivel de selegao: aspectos herdados da personalidade Quando nos referimos a0 nivel filogenético de deter- minagZo da personalidade, estamos colocando em pauta a seguinte questao: dentre os padrées estaveis de comporta- mento dos individuos, hd algo de inato, que seja herdado, assim como 0 so outras caracterfsticas fisicas, tais como a cor dos olhos ou dos cabelos? Em resposta a essas questées, poderiamos nos referir, primeiramente, aos chamados padrées fixos de compor- tamento. Todos nés apresentamos alguns padres fixos de reagio a eventos do ambiente, que sio os reflexos incondi- cionados. Esses so reflexos que garantiram a sobrevivéncia de individuos em relagio a um ambiente razoavelmente estével através do tempo. Assim, estimulos tio intensos que possam ferir os érgjios dos sentidos sio evitados. Da mesma maneira, estimulos que sejam to irrelevantes que possam ter suas ages facilmente superadas em uma vida no controlariam os individuos que participam de uma INDEX BOOKS GROUPS INDEX BOOKS GROUPS 148 Temas Cdssicos da Psicologia sob a Gri da Andlise do Comportamento 4rdua luta pela sobrevivéncia, preocupados com os esti- mulos relevantes. Também é herdada a capacidade de 0 organismo responder 3s consequéncias de sua ago. A sensibilidade a0 efeito de sua acao sobre o mundo é caracteristica presente «em todas as espécies animais a partir de certo ponto evolu- tivo. Entretanto, a existéncia ou nao desses padrées nao pode ser relacionada com 0 conceito de personalidade, jA que nao € 0 que nos diferencia uns dos outros, e sim (© que nos torna muito semelhantes. O que hé entio de individual em padroes aparentemente tio semelhantes? A resposta aqui remete mais a aspectos quantitativos que qualitativos. O que hé de individual na heranga de padroes de comportamento é a intensidade com que cada evento do ambiente afeta cada organismo, individualmente, seja ‘em contingéncias respondentes, seja em operantes. A sensi- bilidade aos estimulos, jé abordada, poderia explicar essa diferenca. Com base nessas diferencas herdadas, alguns pesquisa dores desenvolveram uma teoria denominada “teoria da personalidade com base na sensibilidade ao reforsamento”! (Cort, 2008), que busca explicar, com base em aspectos neurais e psicolégicos, parte da determinacio de dimens6es importantes do que chamado personalidade. Podemos tomar como exemplo um padsao fixo do tipo respondente: a sensibilidade a eventos estranhos ou intensos (que representam ameaca). Responder a esti- mulos ameagadores com respostas de fuga, ataque ou congelamento (paralisagao) ¢ um padrao selecionado filogeneticamente. Algumas efiangas, entretanto, desde muito cedo, respondem com bastante intensidade ~ com choro, contracao muscular etc? — quando expostos a ruidos nio tio intensos ow & presenca de pessoas desco- nhecidas. Esse padra0 pode se estender por coda a vida, como resultado da intera¢o com outras varidveis impor- tances. Tal sensibilidade aumentada pode determinar, em parte, um padsio’mais passivo ou evitativo de interagio com variveis ambientais. Outro exemplo ¢ a sensibi- lidade maior ou menor a diferentes tipos de estimulos reforcadores, tais como estimulos gustativos, visuais ou auditivos. Alguns terio um ouvido musical mais agugado, outros, um paladar mais refinado para diferenciar suti- lezas em sabores doces ou salgados, ou mais capacidade para perceber aspectos estéticos do ambiente. E claro que a histéria de interacdo ao longo da vida pode favorecer 'No original: The reinforcement sensitivity theory of personal. a inibigio ou o desenvolvimento de tais “dons”, mas heranga genética, com certeza, tem parte da responsabi lidade nessa histéria produzindo érgios mais ou meno: responsivos a esses estimulos. O segundo nivel de selegao: aspectos aprendidos da personalidade Skinner (1953/2003) defendeu que o emprego da no de personalidade ou de um “eu” seria tim subterfiigio p: apresentar o que seria um “sistema de respostas funcion: ‘mente unificado”. Em uma perspectiva funcionalista, um primeiro as; a ser considerado a0 refetirmo-nos a personalidade € nogio de que existe um amplo conjunto de respostas um individuo; apresentadas em diversos contextos, ct fungao é a equivalente. Por exemplo: uma pessoa identi ficada como timida provavelmente age de maneira simil em diversos contextos: evita alguns encontros soci situagdes de exposigao e eventos nos quais seja o cent das atengées. Trata-se de um conjunto de ages emiti «em contextos discriminativos especificos e controlados contingéncias de reforgamento negativo préprios. Pr velmente, se respostas similares forem apresentadas diversos contextos, poderemos admitir que haja certa equi valéncia funcional entre as condig6es ambientais com quais o individuo interage. Assim, quando alguém afin quea “timidez" ¢intrinseca & personalidade de uma pi provavelmente estd se referindo a tais classes amplas comportamentos. O que é destacado nessa explicago ¢ 0 papel primor cexercido pelas interagées com o ambiente na determin do que tipicamente é caracterizado como um trago de pet nalidade. A influéncia exercida pelo contexto ambier pode ser percebida quando observamos os diferentes padr& de comportamento que apresentamos, dependendo contexto com o qual interagimos. Tanto na clinica quant na vida comum observamos, por exemplo, pessoas extr mente “timidas” na interaco com figuras de autoridade absolutamente “extrovertidas” com amigos préximos e liares. A citagio de Skinner (1953/2003) a seguir dest esse aspecto da constituicio da personalidade: “(...) Uma personalidade pode se restringir a tipo particular de ocasifo — quando um siste de respostas se organiza ao redor de um dado timulo discriminativo. Tipos de comportam que sio eficazes a0 conseguir reforgo em uma o sido A so mantidos juntos e distintos daquel INDEX BOOKS GROUPS INDEX BOOKS GROUPS cficazes na ocasito B. Entio, a personalidade de alguém no seio da familia pode ser bem diferente da personalidade na presenga de amigos intimos” (p. 312). Reromando o exemplo da timidez, a rigor, € pouco provivel que observemos uma pessoa “timida” em todo ¢ qualquer contexto, e quando isso ovorre é um caso no qual 4 Psicologia ¢ a Medicina redobrario as arengées, Ao assumirmos 0 sistema de relagdes estabelecidas entre © organismo e o ambiente como componente ontogené- tico do que se chama de personalidade, defendemos que cessas relagdes consistem em uma extensa e complexa rede de operagées comportamentais. Lundin (1969/1972), em sua obra Personalidade: uma anilise comportamental, dedicou-se, em grande parte, 20 estudo do efeito dessas diferentes operagées. E evidente, nessa proposta, que a énfase dada pelo autor encontra-se nos processos de aprendizagem, sejam eles de comporta- mentos respondentes ou operantes. Vale destacar que tanto na anélise apresentada por Skinner quanto na de Lundin as varidveis do terceiro nivel de selegao, a interagao com a cultura, ainda so pouco exploradas na conceituagio da personalidade, Cada um desses conjuntos de varidveis ser explorado adiante neste capitulo. Em relagZo aos processos.respondentes, /Lundift (1969/1972) destaca 0 papel do pareamento entre estt- mulos como uma caracterfstica importante, Analisitido 0 medo como um produto advindo do emparelhamtento de eventos neutros com eventos aversivos, 0 autor apresenta 0 cléssico experimento realizado por Watson ¢ Rayner, em 1920, conhecido como “o caso do pequeno Albert”: a crianga, de 11 meses, que no havia tido contato com um rato, foi exposta a uma espécie mansa e de pelagem branca do animal. As primeiras reagbes da crianga perante 0 rato foram neutras (sem qualquer manifestacao de esquiva). Em seguida, os experimentadores passaram a apresentat um forte ruido a cada momento em que a crianca dirigia- se para tocar no animal. Observou-se que, apés algumas combinagées entre aproximacio da crianga ao animal ¢ © barulho intenso, a mesma passou a chorar e apresentar diversas reagées tipicas de medo quando o animal se apro- ximava dela. Além disso, foi constatado que, apés esse experimento, 0 garoto passou a apresentar reagées similares diante de estimulos com propricdades fisicas semelhantes as do rato branco, tais como outros animais peludos, casacos de pele ¢ até méscara de Papai Noel que portava, ‘uma barba branca. Personalidade 149 Uma condiggo como a apresentada no experimento, acrescida de outeas situagées nas quais estimulos aver- sivos sio apresentados juntamente com estimulos até entdo neutros, pode desencadear um padrao compor- tamental repleto de esquiva de estimulos comuns ¢ de reagies emocionais de medo bastante estranhas para as outras pessoas. Imaginemos, ainda, que uma série de rela- Bes de reforcamento de respostas operantes seja estabele- cida, como, por exemplo, a atencio dos pais contingente 3s reagdes de medo da crianca. Facilmente se sup6e o desen- volvimento daquilo que se chamariade wma crianga cuja, personalidade€ evitativa. Entretanito, dois pontos centrais, devem ser discutidos a partir desses exemplos: em primeiro lugar, essa crianga ndo trouxe em sua “estrutura” 0 medo de certos estimulos “neutros” =ém lugar disso, obser- vamos um ambiente propicio para o desenvolvimento do problema, jé queapresentot dois estimulos (um neutro € outro aversivo) juntos. © que provavelmente ela carrega, €a sensibilidade (Cujo limiar é determinado filogenetica- mente) para veagit perante alguns estimulos (tais como ruidos fortes) que, 20 serem associados a estimulos neutros, expandem sua determinacio de respostasa esses novos est mulos-Cunninghan (1998) chega a afirmar que: “Um dos mais intrigantes aspectos do condicio- namento pavloviano € a habilidade adquirida do Estimulo Condicionado (CS) eliciar ou controlar uma nova resposta na auséncia do Estimulo In- condicionado (US) previamente associado ao CS. Essa alteragio nas propriedades funcionais do CS (... ilustra uma notivel adaptagio as con ambientais (...) que mudam rapidamente, dria Skinner” (p. 520). Em segundo lugar, dadas as condig6es adequadas ea introdugio de procedimentos corretos, a mesma crianga poderia deixar de apresentar as reagées de medo, por um processo de extingéo do pareamento. Esse processo dar-se-ia, no caso do pequeno Albert, & apresentaco continuada do rato branco sem 0 concomirante ruido alto, e sem que Ihe fosse possivel escapar ou evitar 0 rato branco. Esse proce- dimento, mais tarde, veio a ser denominado Exposgio com Prevenciio de Respostas,¢ € uma das técnicas mais utilizadas na literatura para 0 tratamento de transtornos de ansiedade. Em relagio & aprendizagem operante, Lundin (1969/1972) dedica uma generosa parte de sua obra analisando os efeitos dos diversos esquemas de reforga- mento envolvides na composigao dos padrées compor- tamentais. Este capitulo nio tem o objetivo de esgotar INDEX BOOKS GROUPS INDEX BOOKS GROUPS 150 Temas Cléssicos da Psicologia sob a Otica da Anilise do Comportamento © assunto, porém consideramos interessante desta- carmos como alguns processos, desenvolvidos a partir de esquemas de reforcamento especificos, podem desencadear as chamadas “personalidades’. Para isso, apresentamos a seguir alguns exemplos apresentados por Lundin, refe- rentes a0s esquemas de intervalo fixo, razio fixa, intervalo varlavel e razao varidvel. Os esquemas de intervalo fixo produzem a discrimi- nagio temporal, como uma das principais caracteristicas. So exemplos desse esquema: ligar a televisio na hora do noticiério, trabalhar por um salétio, muitas vezes, apés tum tempo fixo de trabalho (1 hora, 1 semana, 1 més etc.) engajar-se em atividades ligadas a estudo nas vésperas de provas, ¢ a crianga mostrar-se obediente as vésperas do final de semana prolongado, no qual podera ser recom pensada pelo “bom comportamento”. Em linhas gerai apresenta-se como efeito do esquema de intervalo fixo a chamada “colerancia & frustracio” (Lundin, 1969/1972), ou seja 0 sujeito aprende que é inécuo apresentat respostas especificas, antes de um determinado tempo néo adianta pedir o salério antes de fechar 0 més, ou pedir para ir 20 clube nadar antes que chegue o final de semana. E também. tipico desse esquema o “deixar para a tiltima hora”, como ‘oentregar 0 trabalho ou a declaragao do imposto de renda no iltimo prazo. Os esquemas de razio fixa tendem a/produzir alta frequéncia de respostas e o reforcamento é liberado de acordo com o responder, independentemente de certa passagem de tempo. Eo caso do artesio que ganha por pega produzida ou do tradutor que ganha por lauda. Tal esquema, especialmente quando instalado por meio de contingéncias de aumento gradual da razio, tende a produzit um tipo dé comportamento relacionado com © que chamamos comumente de sujeito “batalhador” ou “determinado” ou “autoexigente”. Por sew umno, os esquemas de intervalo varidvel trazem como caracteristica a estabilidade do responder. Lundin (1969/1972) oferece como exemplo o trabalho do pescador, que nunca sabe exatamente quando conseguira fisgaro peixe e permanece continuamente atento aos movi= ‘mentos que a linha ligada & sua vara de pesca apresenta. Lembramos, também, do vendedor de loja, que aguarda os fregueses, que poderio ou nfo adquirir os produtos por ele oferecidos. O autor refere-se a esse esquema como aquele responsdvel pela persistencia do “continuar eentando”, apesar dos insucessos. Os esquemas de raz40 varidvel produzem um alto ¢ continuo padrio de responder. Lundin (1969/1972) INDEX BOOKS GROUPS indica 0 jogador de bingo como um exemplo: quante mais jogar, maior a chance de o jogador ganhar, mas nao hi predefinigao sobre quando o reforco seré apresentada Um tipico caso no qual se observa um esquema de raze varidvel em operasio é a crianga que aprendeu a insis nos pedidos para conseguir algo da mae (“Agua mole, dura, tanto bate até que fura”). Tal padrao é reconheci por estabelecer a chamada “persisténcia” ou mesmo 0 joga considerado patolégico. E importante salientar que Lundin’ (1969/1972) ap sentou em sua obra uma série de explanagies sobre com tais esquemas se entrelagam, comoa extingio opera em um deles ¢ estabelece um padrao especifico de responde bem como muitas olitras operagdes comportamenta (como aquelas relacionadas com o controle de estimulo contribuem para o entendimento daquilo que se cham, normalmente de pérsonalidade. Entretanto, além d operagGes e esquemas de reforgamento envolvidos histérias comportamentais, hé que se considerar a inte do individuo com uma comunidade verbal. Essa comun dade exerce funges importantes ao ensiné-lo a olhar p seu proprio comportamento, descrever, analisar, avaliar experiéncia e sua histéria, comparar com outras hist6 bem como prever relagées futuras, aspectos que envoll uma instancia eminentemente verbal da interagio com ambiente (Wilson, Soriano, 2002). O terceiro nivel de selecao: aspectos verbais da personalidade Atéagora, foi possivel analisar como diferentes niveis interagio dos organismos com o ambiente dao orig diferentes instancias a partir das quais se constroem ca teristicas da personalidade individual. Enquanto no ni filogenético de determinacio a selecio natural propics a constitui¢ao do organismo, com suas caracteristica anat6micas e repertério inato particulares, o condicion mento operante que ocorre no nivel ontogenético con titui a pessoa, considerada aqui um individuo, com repertério de comportamentos que Ihe é tinico. Jaq) nos referimos 3 convivéncia do individuo com a cult estamos analisando uma histéria responsivel pela con trugio do eu (se/f), entendido como um “conjunto d estados internos que acompanham 0 comportamenta que pode ser observado apenas por meio de introspecc0 (Micheleto, Sério, 1993) INDEX BOOKS GROUPS Esse processo tem inicio e manutengio a partir da deter- minagio que cada individuo passa a ter com relagio a um. aspecto importante na vida de outro individuo, consti- tuindo um ambiente social. Nesses casos, a andlise dos comportamentos de cada um dos individuos considera um entrelagamento no qual a agio de um é ambiente para 0 outro (e vice-versa), Esse conjunto complexo de variéveis entrelacadas seria entio responsivel pela formagao do ew ~ daquilo que diferencia cada organismo humano em uma pessoa e, entio, cada pessoa em um seffiinico, Em outras palavras, estamos falando de sua subjetividade: “Sem 0 3° nivel de selecio ¢ impossivel discutir-se a construcéo da subjetividade” (Andery, 1997; Tourinko, 2009). Na Psicologia, o conceito de selfé amplamente utilizado. Quando falamos sobre a personalidade de alguém, estamos descrevendo este alguém ou observando como alguém se descreve. A nosio de eu que os sujeitos constroem de si ‘mesmos e para os outros esté ento intimamente relacio- nada com o tema personalidade, Tourinho (2009) analisa que 0 conceito de subjetivi- dade, como uma caracteristica interna e privada do ind viduo, tem origem no contexto da sociedade ocidental moderna, Em meados do século 15, 0 surgimento da economia mercantilista e do modo de vida capitalistae indi= Vidualista expés o individuo a uma condigio de competicio inexistente nos sistemas sociais precedentes. Essa ondicio exigiu uma nova maneira de o individuo lidar com a propria experiéncia, Uma vez que nesse novo contexto cada decisio tomada poderia ter implicagdes para a sobrevivéncia desse individuo em um ambiente competitivo, foi necessatia a aprendizagem de um novo repert6rio, ‘Além de uma complexa rede de'referéncias sociais, que iria determinar o status octipado por esse individuo, ele teve que aprender a observar 0 proprio comportamento, avaliar e comparar seu desempenho com os cédigos sociais estabelecidos ¢ prevernovos cursos de ago. Esta nova, condigo aumientoutenormemente a complexidade das relagbes sociais envolvidas na determinagio de seu compor- tamento, Uma ver que os lagos de interdependéncia que controlam as relagdes entre os homens tenham se tornado alramente complexos, tornou-se dificil identificar as varidé- yeis ambientais que determinam cada inseancia comporta- mental. A auséncia ou a pouca clareza de eventos imediatos que pudessem ser relacionados com 0 comportamento (oua longa distincia temporal entre os determinantes do comportamento e sua emissio posterior) teria dado origem a uma nogio de auséncia de determinagio ~ de sujeito auténomo (Tourinho, 2009). Personalidade 151 Eaacsse sujeito reflexivo, capaz deanalisare prevero proprio comportamento, que estamos nos referindo 20 analisar a nogio do eu, neste texto, tomado como conceito representa- tivo da nogao de personalidade. Fé nesse sentido que alguns autores, incluindo Perez-Alvarez (1996), estendem a nogio apresentada por Skinner (1974/1993) e outros autores, do eu como um sistema unificado de resposts. A personalidade, desse ponto de vista, resulta de uma construgio cultural, construgio na qual o individuo tem como fundamentos o proprio corpo ¢’© comportamento verbal da comunidade. O corpo seriay'fesse processo, 0 elemento comum ¢ permanente; perante’6 fluxo de expe- rigncias passageiras de interagdo com © mundo, enquanto © comportamento verbal da comunidade constitui a “liga” que nomeia e estabelece a conekio ¢ 0 sentido entre essas experiéncias. E entéo que, a partir de miltiplas instincias de interagio, é estabelecido um controle discriminativo no qual © proprio corpo (em interagio — por vezes, padronizada) é referéncia para a identidade (Pérez-Alvarez, 1996). Essa identidade ser4 construida em um processo de apréndizagem que, em primeiro lugar, envolve a aquisigéo do autoconhecimento, um repertério aucodescritivo: “Para o behaviorismo radical, estes termos [consciéncia de si ou autoconhecimento} dizem respeito & extensio na qual as pessoas respondem discriminativamente com base no comportamen- to passado ou presente, nos comportamentos que Sio proviveis de serem emitidos no fucuro e em condigées das quais o comportamento é fungio” (Skinner, 1974/1993, p. 465). Autoconhecimento, portanto, diz respeito a construsio de um repertério descrtivo e requer dois tipos de repertério, ambos estabelecidos socialmente. O primeiro diz respeito A auto-observagio, que consiste em observar o proprio comportamento, assim como as condigdes nas quais cle corte e as consequéncias que produz (de Rose, 1997). (O segundo refete-se aos eventos privados do individuo, que serio importantes para a comunidade verbal, espe- cialmente como probabilidade de agéo. Skinner (1945) afirma que a comunidade verbal nio pode ter acesso aos cestimulos discriminativos necessérios para a instalagio de respostas descricivas desses eventos, mas beneficia-se de seu relato pelo individuo. Para possibilicar a construgio dese repertério descritivo, a comunidade verbal utiliza-se de diferentes estratégias, recorrendo a aspectos puiblicos a cles correlacionados: INDEX BOOKS GROUPS. INDEX BOOKS GROUPS 152. Temas Cléssicos da Psicologia sob a Otica da Andlise do Comportamento "Apesar de a comunidade reforgadora usar mani festagies evidentes do comportamento, o falante adquire a resposta fautodescritiva] em conexio com uma quantidade de autoestimulagio adicional. Esta pode assumir praticamente 0 controle completo; por exemplo, quando o falante descreve seu proprio comportamento estando com os olhos vendados. [esse caso, o falante e a comunidade reagem a es- timulos diferentes, apesar de estarem indimamente associados...” (Skinner, 1957/1978, p. 73). Assim, “(...) 0s estimulos privados concomitantes aos es- timulos pablicos (dos quais a comunidade verbal se vale para ensinar o autoconhecimento) servem, ao falante como controle privado. Enquanto para 0s outros a referéncia é um evento puiblico, para o sujeito sua referencia é, acima de tudo, um certo tipo de evento privado (...) que pode passar a ser ‘o controle antecedente para novas instAncias, que nao foram treinadas pela comunidade” (Perez- Alvarez, 1996, p. 179). Deste modo, estabelece-se um responder verbal auto- descritivo sob controle parcial de estimulos privados. Tal estimulagao privada ser4 necessariamente componente de diferentes tipos de respostas autodescritivasytais como aquelas relativas a comportamentos em €urs0, comporta- mentos ocultos (que podem ocorter em uma magnitude Go reduzida a ponto de serem impérceptiveis 20s outros), comportamentos passados, previsées sobre comporta- mentos futuros e desctigées devaridveis de controle do proprio comportamento (Skinner, 1957/1978). A partir de diferentes ¢ miiltiplas experiéncias nas quais © tinico eleméato"comum é © préprio sujeito da aco (0 eu), estabelece-se,gradativamente um tipo de controle discriminativo, & partir do qual se estabelece uma classe de comportamentos de ordem superior, sob controle (parcial) de varidveis privadas: “O falante pode dizer ‘eu vejo, tenho, sinto, que- ro, fago...” em uma diversidade de circunstancias novas, incluindo a auséncia de qualquer controle externo, Finalmente, o cu aleanga a unidade fun- ional de todas as atividades (do sujeito). Esta ter- ceira ctapa constituiria propriamente a emergéncia do cu como unidade funcional, uma ver que ele sintetiza 0 controle dado pelos estimulos privados. INDEX BOOKS GROUPS Neste sentido, o eu seria uma espécie de sensori comum das distintas clases de agdes, sentiment ¢ pensamentos” (Perez-Alvarez, 1996, p. 179). E nesse sentido que Kohlenberg e Tsai (2001) assumem como pressuposto 0 conhecimento ea realidade como al de natureza contextual e verbal. Esses autores rej a ideia de que qualquer coisa possa ter uma identid. permanente, como um ente real da nacureza: “Avé mesm« experiéncias que as pessoas considéram.puramente fis so, na verdade, modeladas pela linguagem e pelas ex; rigncias prévias” (p. 5) Diferente disso, o “ei” que emerge das relagées cot a comunidade verbal nao é um “eu” concreto ¢ objeti cuja preocupasio’para ajciéncia deva ser uma descri objetiva do querele.é Temos acesso a um “eu” narrati no sentido de queele consiste em uma construgio verb: Eo individuo que, ao agir e observar sua propria expt ncia, a descreve tal qual esta experincia o permite (Pé Alvarez, 1996). Nessa rclagio com 0 ambiente, com 0 préprio coi em’agio, com os corpos ¢ agées dos outros individuo} € com a linguagem (da comunidade ¢, posteriorment do proprio individuo) tecendo relagées verbais sobs todas estas instncias se estabelecem as narrativas sobre ‘mesmo, as quais sao tinicas e, 20 mesmo tempo, inti mente relacionadas com valores ¢ normas da comuni na qual cle esté inserido. ___ CONSIDERAGOES FINAIS _ O objetivo deste capitulo foi abordar 0 conceito personalidade sob o ponto de vista behaviorista radi baseado na atuagao dos analistas do comportament Dessa maneira, a descrigio de fenémenos chamados: “personalidade” leva em consideracio, diferentemente outras abordagens psicolégicas, que: + Personalidade diz respeito a padroes de compoi mento, expliciveis por contingéncias a que os in« viduos foram submeridos em suas vidas. Assim, padrées de comportamento sao frutos tanto d contingéncias quanto de um substrato fisico, res tante de selecio natural e da variabilidade da espéci Mudangas no ambiente selecionam reagbes mais 0} menos provaveis de cada individuo (variagdes expli cadas pela variabilidade observada nos sentidos cada individuo em relagao aos outros membros INDEX BOOKS GROUPS. espécie) ¢ fazem com que varias ages passem a ser mais ou menos provéveis em situagées semelhantes subsequentes. Esse ambiente, em especial o ambiente social (0 mais importante para o ser humano), é modulado pelas contingéncias culturais, ou seja, € razoavelmente estivel, a ponto de se reproduzir com certa regularidade, mantendo o padrao de compor- tamento do individuo + Exatamente porque tem evidéncias de que esses padrées de comportamento sio plésticos, a Anilise do Comportamento investiga que mudangas nas ‘Andery MA. O modelo de selegéo por consequéncias ea subje- tividade, In: Banaco RA (Org.). Sobre comportamento ¢ cognigdo, Santo Andké, Arbytes, v. 1, pp. 199-208, 1997. ‘Atkinson RL, Atkinson RC, Smith EE, Bem DJ, Nolen-Hoek- sema S. Introducdo & Psicologia de Hilgard. Porto Alegre: Armed, 2002. Corr PJ. The reinforcement sensitivity theory of perconality Cambridge: Cambridge University Press, 2008, Cunningham CL. Drug Conditioning and drug-seeking behavior. In: O’Donohue W (Org,). Learning and behavior therapy. Boston: Allyn & Bacon, pp. 518-544, 1998. de Rose JC. O relaco verbal segundo a perspectiva da andlise do comportamento: contribuigdes conceituais eexperimentais. In: Banaco RA (Org,). Sobre comportamento e cognigéo. Santo André, SP: ESETec, v. 1, pp. 146-161, 2001 Kohlemberg RJ, ‘Tsai N. Psicoterapia analitico funcional: criando relagbes terapéuticas intensas @ turativas. Santo André: Esetec, 2001. Lundin RW. Psicologia da personalidade. Rio de Janeiro: José ‘Olympio, 1974. Personalidade 153 relagies individuo-ambiente sio necessérias para que “problemas de personalidade” (ou de padrio de comportamento, como preferimos) sejam adminis- trados c/ou dirimidos * © conhecimento dessas relagées entre individuo e seu ambiente fisico e social pode explicar, inclu- sive, as variagies observadas que venham a ser clas- sificadas como problemas de personalidade, ou problemas psicopatol6gicos. Fsse tema serd abordado no préximo capitulo, seguindo essas diretrizes aqui apontadas para explicar a “personalidade”, REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS Micheletto N, Sério MTAP. Homem: objeto ou sujeito para Skinner? Temas em Psicologia, 2, 11-21, 1993. Pérez-AlvaretM. Lapsicoterapia desde el punto de vista conduc- tista. Madrid: Editorial Biblioteca Nueva, 196, Skinner BE. Giénciae comportamento humano, Séo Paulo: Martins Fontes, 2003. (Publicado originalmente em 1953.) Skinner BE. O comportamento verbal. Sao Paulo: Culerix, 1978. (Publicado originalmente em 1957.) 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