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Botânica
para Ciências Agrárias e do Ambiente
Volume II • Reprodução e evolução
Índice
1. Ciclos de vida e biologia da reprodução das plantas-com-semente .................... 3
1.1. Ciclo de vida das plantas ................................................................................ 3
1.2. Biologia da reprodução de espermatófitas .................................................... 7
1.2.1. Funções e vantagens da reprodução sexual ........................................... 7
1.2.2. Biologia da reprodução de gimnospérmicas .......................................... 8
1.2.3. Biologia da reprodução de angiospérmicas ............................................ 9
1.2.3.1. Etapas da reprodução sexual nas angiospérmicas ........................... 9
1.2.3.2. Esporogénese e gametogénese ...................................................... 10
1.2.3.3. Polinização ...................................................................................... 10
1.2.3.3.1. Definição .............................................................................................. 10
1.2.3.3.2. Sistemas de reprodução ....................................................................... 11
1.2.3.3.3. Sistemas de auto-incompatibilidade .................................................... 14
1.2.3.3.4. Sistemas de polinização ....................................................................... 16
1
Qualquer estrutura que permita a reprodução vegetativa de uma planta.
2
As designações “ciclo de vida haplonte” e “ciclo de vida diplonte”, embora de uso corrente, são imprecisas porque
os termos haplonte e diplonte são também usados para designar, de forma genérica, os indivíduos haplóides ou
diplóides, em qualquer um dos três tipos de ciclo de vida explanados no texto. Em alternativa servem as
designações ciclo de vida haplofásico, diplofásico e haplodiplofásico.
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diplóide, todas as restantes células haplóides; nos organismos pluricelulares as células haplóides
produzidas por meiose3 a partir do zigoto multiplicam-se por mitose e dão origem a indivíduos
pluricelulares haplóides; ciclo característico de muitos protozoários, fungos; e.g. numerosos
Ascomycota e a maioria das algas-verdes (Chlorophyta), entre as quais as Charophyta, os
ancestrais diretos das plantas-terrestres (Equisetopsida);
b) Ciclo de vida diplonte (= diplôntico ou haplobiôntico-diplóide) – geralmente a diferenciação dos
gâmetas e a fecundação ocorrem logo após a meiose – meiose pré-gamética (= meiose
gametogénica ou gamética); gâmetas haplóides, todas as restantes células diplóides (em alguns
grupos taxonómicos as células haplóides produzidas por meiose podem sofrer várias mitoses
antes de se diferenciarem os gâmetas); nos organismos pluricelulares – a grande maioria dos
seres com ciclo de via diplonte – todas as células diplóides descendem de um zigoto,
multiplicam-se por mitose e dão origem a indivíduos pluricelulares diplóides; ciclo característico
dos animais e de alguns fungos (e.g. Oomycota e vários Ascomycota) e de muitas algas-
castanhas (Heterokontophyta);
c) Ciclo de vida haplodiplonte (= haplodiplôntico
ou diplobiôntico) – ciclo de vida complexo que
envolve dois tipos de células reprodutoras
(esporos e gâmetas) e a alternância, no tempo,
de dois tipos distintos de organismos, uns
produtores de gâmetas – gametófitos – e outros
produtores de esporos – esporófitos; meiose e
fecundação mais ou menos afastadas no tempo;
Figura 3. Representação esquemática
meiose – meiose pré-espórica (= meiose do ciclo de vida haplodiplonte.
esporogénica) – imediatamente sucedida pela
formação de esporos; todas as plantas-
terrestres (Equisetopsida) são haplodiplontes.
Os seres haplodiplontes exibem duas importantes características:
a) Alternância de gerações – duas razões sustentam a aplicação do conceito de alternância de
gerações aos seres haplodiplontes: 1) os gametófitos e os esporófitos descendem de células
reprodutoras especializadas distintas, esporos e gâmetas, respectivamente; 2) após um período
vegetativo mais ou menos longo, durante o qual as suas células se multiplicam por mitose, tanto
os gametófitos como os esporófitos geram novas células reprodutoras diferentes das que lhes
deram origem. Nos ciclos de vida haplonte e diplonte, de zigoto a zigoto, pelo contrário, existe
uma única geração, respectivamente haplóide ou diplóide, e apenas é produzido um tipo de
células reprodutoras, os gâmetas;
b) Alternância de fases nucleares – salvo raríssimas exceções que não cabe aqui desenvolver, a
alternância das gerações gametofítica e esporofítica coincide com uma alternância de duas fases
nucleares, a fase haplóide (= haplófase) com n cromossomas e a fase diplóide (= diplófase) com
2n cromossomas.
Os dois eventos fundamentais dos ciclos haplodiplontes – fecundação e meiose – envolvem, como se
referiu, dois tipos particulares células reprodutoras4 (= células reprodutivas) haplóides:
a) Gâmeta – célula reprodutora sexual unicelular, componente essencial no processo de
fecundação; os órgãos especializados na formação de gâmetas designam-se por gametângios; os
taxa isogâmicos produzem gâmetas ♂ e ♀ iguais; nos taxa anisogâmicos (= heterogâmicos) os
3
Alguns autores são se coíbem de apelidar por esporo, as células haplóides formadas por meiose do zigoto nos
seres de ciclo haplonte.
4
As células não reprodutoras designam-se por células somáticas.
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5
O termo esporo também é aplicado a células reprodutoras não resultantes de meiose, com um importante papel
na reprodução assexuada quer de gametófitos quer de esporófitos. Para os distinguir muitos autores designam
estes esporos por esporos directos e os esporos procedentes de meiose por meiósporos.
6
Algumas Equisetaceae são também heterospóricas.
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numa cápsula a partir da qual, após maturação, se dispersam os esporos. Embora as ‘briófitas’ sejam
homospóricos, mais de 50% dos musgos e cerca de 2/3 das hepáticas produzem gametófitos unissexuais
(Wyatt, 1982). As ‘pteridófitas’ também possuem esporângios, geralmente localizados na base (e.g.
Isoetes) ou na página inferior das folhas (e.g. maioria das Polypodiidae). Nas ‘pteridófitas’
heterospóricas os esporos de maior (megásporos) e menor dimensão (micrósporos) dão,
respectivamente, origem a gametófitos ♀ e ♂. Os gametófitos são, por regra, bissexuais nos grupos
homospóricos.
Nas ‘briófitas’ e nas ‘pteridófitas’, os gametângios ♀ – os arquegónios – têm a forma de uma garrafa.
Os arquegónios guardam no ventre – parte basal, de maior diâmetro – um gâmeta ♀, a oosfera. Os
gametângios ♂ – os anterídeos – têm uma forma globosa. Os anterídeos produzem gâmetas ♂
flagelados e móveis, os anterozóides. As ‘briófitas’ e as ‘pteridófitas’, assim como algumas de algas-
verdes (e.g. Charales), apresentam um caso extremo de anisogamia, designado por oogamia,
caracterizado pela presença de gâmetas ♀ muito maiores, e mais ricos em reservas do que os gâmetas
♂. As oosferas aguardam pelos gâmetas ♂ retidos no interior do gametófito. Em ambos os grupos o
movimento dos gâmetas ♂ e, implicitamente, a fecundação, dependem da presença de água. Admite-se
que a distância percorrida pelos gâmetas ♂ das ‘briófitas’ e das ‘pteridófitas’ é, regra geral, diminuta. O
zigoto forma-se no interior do arquegónio após o encontro dos gâmetas. Enquanto nas ‘briófitas’ o
esporófito “parasita” permanentemente o gametófito, nas ‘pteridófitas’ o esporófito torna-se
rapidamente independente.
As plantas-com-semente [angiospérmicas + gimnospérmicas] são heterospóricas: produzem esporos
♂ (= micrósporos) e esporos ♀ (= megásporos), após meiose (meiose pré-espórica). Embora sejam
anisogâmicos, o volume celular dos gâmetas ♂ e ♀ nas espermatófitas é menos desproporcionado do
que nos grupos oogâmicos (‘pteridófitas’ e ‘briófitas’). Recorde-se que de acordo com a teoria da
alternância de gerações de Hofmeister, os órgãos onde se formam esporos são homologáveis a
esporângios, e estes diferenciam-se nos esporófitos. Os gametófitos, por seu turno, geram gâmetas em
gametângios. Nas plantas-com-semente os micrósporos diferenciam-se em sacos polínicos,
interpretáveis como microsporângios; os megásporos no interior de primórdios seminais, identificados
com megasporângios. Ao invés das ‘briófitas’ e das ‘pteridófitas’, nas plantas-com-semente verifica-se
uma retenção dos esporos, tanto ♂ como ♀, no corpo do esporófito.
Os gametófitos das espermatófitas, sobretudo das angiospérmicas, são substancialmente mais
simples, do que nas ‘briófitas’ e nas ‘pteridófitas’. O gametófito ♂ – grão de pólen plurinucleado – é
móvel. O gametófito ♀ – o saco embrionário – não tem vida livre, permanece retido no interior do
primórdio seminal circundado por tecidos esporofíticos maternais (nucela e tegumentos). Após a
polinização, as gimnospérmicas mais avançadas (coníferas e Gnetidae) e todas as angiospérmicas
produzem num tubo polínico pluricelular que conduz o gâmeta ♂, i.e. a células espermática, ao
encontro da célula gamética ♀ (oosfera). Este processo de reprodução designa-se por sifonogamia. Nas
gimnospérmicas o tubo polínico progride no tecido nucelar, nas angiospérmicas nos tecidos do estilete.
Os grupos mais primitivos de gimnospérmicas – Ginkgoidae e Cycadidae – seguem um modelo de
reprodução intermédio entre a oogamia e a sifonogamia (sifonogamia imperfeita) porque, embora
produzam um tubo polínico, os gâmetas ♂ são flagelados (anterozóides) e parcialmente autónomos na
sua deslocação ao encontro da oosfera. Os gametófitos das espermatófitas desenvolvem-se à custa do
esporófito: o gametófito ♀ é alimentado pela nucela; o gametófito ♂ antes da deiscência é sustentado
pelos tecidos esporofíticos do saco polínico paternal. Nas angiospérmicas, depois da polinização, o
gametófito ♂ é ainda alimentado pelas células, também esporofíticos, do estilete do indivíduo
polinizado.
A fecundação determina a síntese do esporófito. Nas espermatófitas o esporófito recém-formado,
i.e. o embrião, desenvolve-se encapsulado no primórdio seminal fecundado, sendo alimentado pelo
esporófito materno até à maturação da semente. As reservas nutritivas injetadas pelo esporófito
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materno na semente garantirão a sobrevivência do embrião até que este, após a germinação e
emergência, dê origem a uma plântula autotrófica autónoma. As espermatófitas dispersam-se em dois
momentos muito precisos do seu ciclo de vida: enquanto pólen (mobilidade do gametófito ♂) ou
semente (mobilidade do esporófito imaturo). Os grupos mais primitivos de plantas-terrestres (‘briófitas’
e ‘pteridófitas’) deslocam-se sob a forma de esporos (mobilidade dos esporos) e, de forma muito
limitada, sob a forma de gâmetas ♂.
Nas angiospérmicas todos os fenómenos relacionados com reprodução decorrem na flor. Os
microsporângios e megasporângios localizam-se na parte mais interna da flor, geralmente rodeados por
pétalas e sépalas. Os sacos polínicos inserem-se nos estames e os primórdios seminais estão protegidos
no interior de carpelos. Por isso, os estames são interpretados como microsporófilos e os carpelos como
megasporófilos. Nas gimnospérmicas as estruturas reprodutivas, como mais adiante se discute, são mais
simples do que as das angiospérmicas, embora os gametófitos se apresentem menos reduzidos.
genética (crossing-over) permitem que na reprodução sexual a seleção natural desça à escala do
gene, e que mutações vantajosas possam ser segregadas das mutações deletérias;
e) A reprodução sexual reduz os riscos de extinção de populações e espécies porque aumenta a
velocidade e a qualidade das soluções adaptativas para lidar com a variabilidade ambiental e as
elevadas taxas evolutivas dos microrganismos patogénicos.
Quando os custos da sexualidade são superiores aos da reprodução assexuada – por exemplo em
condições de grande estabilidade ambiental – a reprodução assexuada pode-se tornar dominante. Na
bibliografia estão relatadas espécies que se reproduzem sexuada e assexuadamente em função das
condições ambientais.
Figura 4. Representação esquemática do ciclo de vida das angiospérmicas. N.b. geração esporofítica (parte
inferior da figura) da geração gametofítica (parte superior da figura).
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Megasporogénese e megagametogénese
No interior do primórdio seminal imaturo encontra-se o megasporócito (= célula mãe do saco
embrionário) que, após meiose, origina 4 megásporos. O destino dos quatro megásporos é variável,
regra geral apenas sobrevive o megásporo calazal (situado no polo oposto ao micrópilo). Estão descritas
para cima de dez sequências de desenvolvimento do gametófito ♀, i.e. de tipos de megagametogénese.
Com se referiu no ponto dedicado ao primórdio seminal, mais de 70 % das angiospérmicas têm um saco
embrionário tipo Polygonum, formado a partir de um único megásporo, e constituído por 8 núcleos
haplóides e 7 células: a oosfera, 2 sinergídeas, uma célula central cenocítica com 2 núcleos (núcleos
polares) e 3 antípodas. Nas angiospérmicas basais o megagametófito tem quatro células e quatro
núcleos, uma condição interpretada como primitiva (Friedman & Williams, 2004). Outras variantes
descritas na bibliografia são tipos derivados do saco embrionário tipo Polygonum.
1.2.3.3. Polinização
1.2.3.3.1. Definição
A polinização consiste na transferência de pólen entre uma antera e um estigma nas angiospérmicas,
ou entre um saco polínico e a abertura micropilar nas gimnospérmicas. A polinização é indispensável na
reprodução sexual. A formação de embriões não sexuais – embriões partenogenéticos ou adventícios –
por vezes também necessita do estímulo provido pela captura do pólen pelas anteras. A polinização
deficiente é a maior causa de insucesso reprodutivo nas plantas-com-flor. O papel chave deste processo
na evolução da estrutura da flor e na biologia da reprodução de plantas-com-semente permite que, em
última instância, a flor seja interpretada como adaptação à polinização.
Nas angiospérmicas a libertação do pólen, i.e. abertura das anteras, pode ocorrer antes (nas flores
cleistogâmicas) ou depois da abertura das flores ao exterior (nas flores casmogâmicas). As flores
cleistogâmicas partilham vários caracteres que facilitam a sua distinção das flores casmogâmicas:
geralmente são pequenas, pouco coloridas, sem odor nem néctar, as suas anteras situam-se na
proximidade dos estigmas e permanecem fechadas ao exterior durante a polinização. Por exemplo, a
7
Também conhecida por célula anteridial. Este termo deve ser evitado porque pressupõe uma homologia, não
demonstrada, entre esta célula e um anterídeo reduzido. Algo semelhante sucede com a interpretação evolutiva do
saco embrionário.
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maioria das flores da Portulaca oleracea (Portulacaceae) «beldroega» e do Triticum aestivum (Poaceae)
«trigo-mole» é cleistogâmica. A cleistogamia obrigatória característica do T. subterraneum implica que
as suas populações naturais sejam constituídas por linhas puras (Katznelson, 1974) e que as
características genéticas das cultivares comerciais se mantêm após a sementeira. Algumas espécies
produzem flores cleistogâmicas e casmogâmicas em diferentes fases do seu desenvolvimento; e.g. Viola
odorata (Violaceae) «violeta-de-cheiro» e Catananche lutea (Asteraceae). Nas gramíneas casmogâmicas
as lodículas separam as glumelas na ântese; nas espécies cleistogâmicas a morfologia das lodículas é
inadequada para esta função.
Sistemas sexuais
O sistema sexual expressa a distribuição dos órgãos sexuais ao nível do indivíduo, ou da população,
de uma dada espécie. No quadro seguinte estão resumidos os sistemas sexuais identificados por Cruden
& Lloyd (1995) no grande clado das plantas-terrestres.
Quadro 1. Sistemas sexuais nas plantas-terrestres (adaptado de Cruden & Lloyd, 1995).
Tri- [f.♂ + f.♀ + f.hermaf.] [f.♂] + [f.♀] + [f.hermaf.] ou [f.♂] + [f.♀] + [f.♂ + f.♀]
Trimonoicia Tridioicia
Legenda: [ ] – indivíduo; f. – flor; hermaf. – hermafrodita. * em agronomia é frequente designar por ginóicas as cultivares
apenas com flores femininas.
Sistemas de cruzamento
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Num sentido clássico a hercogamia refere-se à presença de dispositivos especiais que impedem a autopolinização.
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d) Espécies com ciclos de vida muito curtos (e.g. plantas anuais) – a terofitia (ciclo de vida anual)
incrementa a insegurança reprodutiva da alogamia;
e) Espécies de floração precoce – estas espécies enfrentam, geralmente, uma elevada escassez de
agentes polinizadores animais e condições meteorológicas desfavoráveis para a fecundação;
f) Espécies com sistemas de dispersão a longa distância – teoricamente as plantas autogâmicas são
melhores dispersores a longa distância (e.g. em ilhas oceânicas) porque uma planta é suficiente
para despoletar um evento de colonização;
g) Espécies adaptadas a ocupar rápida de habitats com grandes quantidades de recursos
disponíveis – produzir descendentes rapidamente é uma estratégia vantajosa na captura
recursos em habitats livres ricos em recursos e livres de competidores diretos;
h) Populações pequenas com indivíduos muito dispersos – a autopolinização reduz a insegurança
reprodutiva;
i) Quando os polinizadores animais são escassos – a autopolinização reduz a insegurança
reprodutiva.
Diversos mecanismos favorecem a autopolinização: flores hermafroditas, proximidade entre as
anteras e o pistilo, deiscência introrsa, maturação simultânea dos órgãos sexuais ♀ e ♂, ausência de
mecanismos de incompatibilidade, ausência de estruturas que isolem os estigmas das anteras e
cleistogamia (vd. Definição de polinização). Os mecanismos que promovem a autopolinização são
simétricos dos anteriormente referidos a respeito da polinização cruzada.
Auto- S1S2 (planta recetora de pólen) x S1S2 (planta recetora de S1S2 (planta recetora de pólen) x
incompatibilidade S1S2 (planta dadora de pólen) → pólen) x S1S3 (planta dadora S3S4 (planta dadora de pólen) →
gametofítica grãos de pólen S1 ou S2 → tubos de pólen) → grãos de pólen grãos de pólen S3 ou S4 → todos
polínicos bloqueados → não S1 ou S3 → S3 formação de os tubos polínicos
ocorre formação de semente. tubos polínicos; S1 bloqueado potencialmente viáveis →
→ descendência S1S3 e S2S3. descendência S1S3, S1S4, S2S3 e
S2S4.
Auto- S1S2 (planta recetora de pólen) x S1S2 (planta recetora de S1S2 (planta recetora de pólen) x
incompatibilidade S1S2 (planta dadora de pólen) → pólen) x S1S3 (planta dadora S3S4 (planta dadora de pólen) →
esporofítica grãos de pólen S1 ou S2 mas com de pólen) → grãos de pólen grãos de pólen S3 ou S4 mas com
expressão simultânea dos dois S1 ou S3 mas com expressão expressão simultânea dos dois
alelos → tubos polínicos simultânea dos dois alelos → alelos → todos os tubos polínicos
bloqueados → não ocorre tubos polínicos bloqueados → potencialmente viáveis →
formação de semente. não ocorre formação de descendência S1S3, S1S4, S2S3 e
semente. S2S4.
A) B)
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Grupos coesos com 4 grãos de pólen, descendentes da mesma célula-mãe dos grãos de pólen.
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Síndromas de polinização
Anemofilia – Flores numerosas, pequenas, Sem odor; sem Produzido em Quercus, Salix
polinização nuas, frequentemente néctar. grande «salgueiros»,
-
pelo vento. unissexuais e com poucos quantidade; Betula
primórdios seminais; grãos de pólen «bidoeiros».
estames com filetes longos, pequenos, leves
estigmas de grande e isolados.
superfície.
Entomofilia – Perianto bem diferenciado e Odor mais ou Produção de Localização das Vd. quadro
polinização colorido, por vezes menos intenso, pouco pólen; recompensas de seguinte.
por insectos. simulando formas ♂ (e.g. variável com o grãos de pólen modo a obrigar
labelo das Orchidaceae grupo de insectos grandes, ao contacto
«orquídeas»). polinizadores; o frequentemente entre inseto e
néctar é a pegajosos, estames e/ou
recompensa mais ornamentados e estigma, e.g.
importante. aglomerados nectários quase
em massas. ocultos no fundo
da flor.
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Os vetores polínicos exercem uma grande pressão de seleção nas estruturas reprodutivas das
plantas-com-semente. Frequentemente, plantas com o mesmo vetor de polinização, ainda que
evolutivamente pouco aparentadas, apresentam estruturas reprodutivas de forma e função
semelhantes por convergência evolutiva. Faegri & van der Pijl (1979) designaram por síndroma de
polinização o conjunto de adaptações partilhadas, em maior ou menor grau, pelas plantas com um
mesmo vetor de polinização. De forma muito resumida descrevem-se no quadro2 as adaptações florais
mais frequentes aos vetores de polinização de maior relevância na natureza.
A polinização anemófila é secundária nas angiospérmicas, i.e. desenvolveu-se em linhagens
primitivamente entomófilas. A migração para a polinização anemófila é óbvia em alguns grupos de
plantas predominantemente entomófilas; e.g. Fraxinus (Oleaceae) «freixos» ou Sanguisorba (Rosaceae).
Em alguns clados anemófilos verificou-se um retorno à entomofilia; e.g. os ancestrais de Castanea
(Fagaceae) «castanheiros» e de Buxus (Buxaceae) «buxos» eram polinizados pelo vento.
A Strelitzia reginae (Strelitziaceae) «strelícia», uma planta ornamental rizomatosa sul-africana, muito
apreciada nos jardins de regiões tropicais ou de Invernos moderados, exibe um mecanismo singular de
polinização por aves. Nesta espécie, uma ou duas flores emergem de uma bráctea alongada e aguda.
Cada flor comporta três tépalas exteriores, cor-de-laranja, em forma de penacho, com a função de atrair
as aves polinizadoras. Uma tépala interior azulada está reduzida a uma escama, por debaixo da qual se
situa um nectário que recompensa, em néctar, as aves polinizadoras. Uma estrutura semelhante a uma
seta, constituída por duas tépalas livres azuis, encerra no seu interior cinco estames férteis e é
atravessada, e culminada, por um estilete filiforme. As aves apoiam-se nesta estrutura, pressionam-na,
com o seu peso, contra a bráctea, forçam a separação das duas tépalas, e, enquanto se alimentam de
néctar, os estames roçam e depositam pólen nas patas e nas penas do ventre das aves. Neste ato o
estigma também toca nas aves podendo capturar pólen proveniente de outros indivíduos da mesma
espécie.
A B
Figura 4. Polinização ornitófila e entomófila. A) Strelitzia reginae (Strelitziaceae) «strelícia», espécie de polinização
ornitófila. B) Rosmarinus officinalis (Lamiaceae) «alecrim», espécie polinizada por abelhas e insectos afins
(melitofilia); a flor da imagem é funcionalmente ♂.
especializados. Cerca de 65% das angiospérmicas atuais são entomófilas e mais de 20% das espécies de
insectos dependem das flores para se alimentarem. A coevolução entre plantas polinizadas e insectos
polinizadores originou muitos casos de estreita dependência. Consequentemente, o atual declínio das
populações de abelhas e outros polinizadores está a pôr em risco a sobrevivência de muitas espécies de
plantas, sobretudo nas regiões tropicais. No quadro que segue, de forma muito resumida, descrevem-se
as síndromas de polinização associadas aos tipos mais comuns de entomofilia.
Melitofilia – As abelhas não veem o Flores de cores vivas, frequentemente amarelas ou Numerosas
polinização por vermelho, em contrapartida azuis, se vermelhas então com cor UV; flores Lamiaceae – e.g.
abelhas (Apis veem o ultravioleta (UV); grandes ou pequenas e então agrupadas em Salvia «sálvias»,
mellifera) e armadura bucal de média inflorescências densas; flores mecanicamente Rosmarinus
espécies afins, dimensão capaz de lidar com fortes, de tubo da corola ou garganta (nas flores officinalis «alecrim»,
e.g. abelhas alimentos sólidos e líquidos; dialipétalas) curtos, zigomórficas ou actinomórficas, Thymus «tomilhos».
solitárias, geralmente visitam regra geral com uma plataforma de apoio aos
abelhões (gén. repetidamente a mesma insectos (e.g. um lábio); presença de guias
Bombus). espécie de planta. nectaríferas UV na superfície das pétalas a indicar
posição dos nectários; odor adocicado e suave;
néctar de fácil acesso; libertação do pólen
estimulada pelas vibrações produzidas pelos
insectos.
Psicofilia – Diurno, de boa visão e pouco Flores frequentemente coloridas (azuis, amarelas ou Lavandula
polinização por olfato; as borboletas veem o vermelhas), actinomórficas e de tubo comprido e «rosmaninhos»
borboletas vermelho; armadura bucal estreito, por vezes providas de esporões; flores (Lamiaceae),
diurnas. longa e tubulosa, adaptada à frequentemente organizadas em inflorescências Lantana camara
aspiração de líquidos. e/ou com uma plataforma de apoio aos insectos; (Verbenaceae),
sem guias nectaríferas, odor pouco intenso embora Trifolium «trevos»
agradável; néctar geralmente pouco abundante e (Fabaceae), Viola
de difícil acesso; ântese diurna. «violetas»
(Violaceae).
Falaenofilia – Noturno, bom sentido do Flores de cores pálidas, frequentemente tubulosas, Brugmansia
polinização por olfato, por vezes com horizontais ou pendentes, zigomórficas ou «brugmânsias»,
borboletas capacidade de voo actinomórficas e de pétalas distalmente recurvadas Datura «figueiras-
noturnas. imobilizado (família para apoio dos insectos; sem guias nectaríferas; do-inferno»,
Sphingidae); armadura bucal frequentemente com odores fortes (pela tardinha Oenothera.
longa e tubulosa, adaptada à ou noite); néctar geralmente pouco abundante e de
aspiração de líquidos. difícil acesso; ântese noturna.
Miofilia – Atraídos por carne em Flores frequentemente claras, amarelas, alaranjadas Numerosas Araceae
polinização por decomposição ou de cores mortas, com desenhos quadriculados e e Apiaceae.
moscas. (sapromiofilia); armadura actinomórficas; odor desagradável (a proteínas em
bucal curta preparada para decomposição); sem néctar. N.b. nem todos os
absorver líquidos ou sólidos grupos de moscas polinizadoras são atraídos por
previamente liquefeitos. carne em decomposição, facto com reflexos na
estrutura das flores polinizadas; e.g. as flores
polinizadas por moscas da família Syrphidae
apresentam síndromas de polinização semelhantes
às flores polinizadas por abelhas.
Cantarofilia – Armadura bucal pouco Flores esverdeadas ou de cores escuras; geralmente Magnolia
polinização por especializada de tipo grandes, actinomórficas, com partes numerosas e «magnólias»,
coleópteros. triturador; polinizadores carnudas (e.g. muitas pétalas e estames), não Nymphaeaceae.
pouco especializados, tubulosas, com os órgãos sexuais muito expostos; as
alimentam-se pétalas e os estames atuam como recompensa e
indiscriminadamente de são consumidos pelos polinizadores; produção de
várias partes da flor. grandes quantidades de pólen; sem néctar; odor
forte, por vezes a carne podre (coprofilia).
Os hábitos de limpeza dos insectos polinizadores são um risco para as plantas entomófilas. Se os
polinizadores conseguem varrer o pólen do corpo, a compra do serviço polinização resume-se a uma
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do inseto, uma região do corpo de difícil limpeza. As flores de R. officinalis são protândras, i.e. as flores
mais jovens são funcionalmente ♂ e as mais velhas funcionalmente ♀. Consequentemente, nas flores
mais velhas os estames deixam de reagir à pressão e o estilete encurva-se. Os insectos que, entretanto,
se apoiem no lábio inferior, em busca de néctar, compelem o movimento do estilete que roçará,
também, no seu dorso.
A B C
Figura 5. Polinização falaenófila e miófila. Polinização por engano. A) Plumeria rubra (Apocynaceae), espécie
falaenófila com uma polinização por engano alimentar (Haber, 1984). B) Amorphophallus rivieri (= A. konjac)
(Araceae); a inflorescência desta arácea proveniente do Este da Ásia liberta um odor desagradável que atrai moscas
polinizadoras; pertence ao género Amorphophallus a planta com a maior inflorescência, não ramificada, do mundo
(A. titanum). C) Orchis anthropophora (Orchidaceae) «orquídea-do-homem-enforcado», assim designada porque o
labelo tem a forma de um homem; como muitas outras orquídeas segue uma estratégia de polinização por engano.
A polinização por engano está particularmente desenvolvida na família das orquídeas. As orquídeas
são entomófilas. Cerca de 1/3 das espécies segue uma estratégia de polinização por engano sexual.
Nestas orquídeas as flores libertam odores quimicamente próximos às feromonas femininas de
determinadas espécies de vespas (Hymenoptera) e exibem labelos semelhantes a fêmeas, na forma, cor
e pilosidade. A polinização é realizada pelas vespas macho quando tentam copular com a flor
(pseudocópula). Os machos atraídos pelas flores pousam no labelo e, inadvertidamente, contactam com
as bursículas, duas cavidades onde se alojam duas polinídeas (uma por bursícula). As polinídeas são
massas de pólen suportadas por um pequeno pé, com uma massa viscosa na base, o retináculo. A
natureza viscosa do retináculo permite que as polinídeas se colem à cabeça ou ao abdómen do inseto
22 Escola Superior Agrária de Bragança - Botânica para Ciências Agrárias e do Ambiente
macho. A impossibilidade de realizar a cópula obriga o inseto macho a procurar novamente uma fêmea.
Ao pseudocopular com outra flor existe uma grande probabilidade inserir as polinídeas, completas ou
não, no estigma de uma flor fértil. Esta estratégia de polinização dispensa a produção de néctar, uma
substância energeticamente muito cara e procurada por insectos não polinizadores, mas estabelece
uma dependência absoluta, com alguns riscos, da planta em relação ao seu polinizador. Admite-se que a
polinização por engano é uma das chaves para explicar a enorme diversidade específica das
orquidáceas.
Quadro 5. Algumas plantas cultivadas estritamente a muito dependentes da polinização por insectos (adaptado
de Klein et al., 2007).
Citrullus lanatus «melancia» Monóica auto-compatível. Abelhas (Apis mellifera), abelhas solitárias e
abelhões (Bombus).
Cucumis melo «melão» Monóica ou andromonóica, auto- Abelhas (Apis mellifera), abelhas solitárias e
compatível. abelhões (Bombus).
Cucurbita maxima, C. moschata, Monóica auto-compatível. Abelhas (Apis mellifera) e abelhas solitárias.
C.pepo «abóboras»
Cucumis sativus «pepino» Monóica ou andromonóica, auto- Abelhas (Apis mellifera), abelhas solitárias e
compatível. abelhões (Bombus).
Malus domestica «macieira» Hermafrodita, geralmente auto- Abelhas (Apis mellifera), abelhas solitárias,
incompatível. abelhões (Bombus) e sirfídeos.
Mangifera indica «mangueira» Andromonóica, auto-compatibilidade Abelhas (Apis mellifera), abelhas sem ferrão
variável consoante as variedades. (Trigona), dípteros, formidas e vespas.
Passiflora edulis «maracujazeiro» Hermafrodita, maioria das variedades Abelhas solitárias, abelhões (Bombus) e
auto-incompatíveis. beija-flores.
Persea americana «abacateiro» Hermafrodita, auto-incompatível, Abelhas (Apis mellifera), abelhas sem ferrão
dicogâmica. e abelhas solitárias.
Prunus sp.pl. «prunóideas» Hermafrodita, geralmente auto- Abelhas (Apis mellifera), abelhas solitárias,
compatíveis. abelhões (Bombus) e dípteros.
Pyrus communis «pereira» Hermafrodita, auto-incompatível. Abelhas (Apis mellifera), abelhões (Bombus)
e abelhas solitárias.
Rubus sp.pl. «silvas» (inc. Hermafrodita, auto-compatível. Abelhas (Apis mellifera), abelhas solitárias,
abelhões (Bombus) e sirfídeos.
Theobroma cacao «cacaueiro» Hermafrodita, auto-incompatibilidade Abelhas (Apis), dípteros das fam.
variável consoante as variedades. Cecidomyiidae e Ceratopogonidae.
Legenda: andromonoicia – indivíduos com flores hermafroditas e flores unissexuais masculinas; dicogamia – desfasamento
temporal na maturação dos órgãos sexuais ♀ e ♂; dípteros (lat. Diptera) – ordem de insectos à qual pertencem todas as moscas;
23 Escola Superior Agrária de Bragança - Botânica para Ciências Agrárias e do Ambiente
sirfídeos (lat. Syrphydae) – moscas comuns nas flores, sobretudo nas flores das umbelíferas, fáceis de identificar pelo abdómen
listado (como o das vespas) e pela capacidade de pairar no ar.
primórdios. Portanto, a polinização tardia e os fatores que atrasam a germinação dos tubos polínicos
(e.g. frio) aumentam o risco de insucesso na formação de frutos e sementes.
A penetração do primórdio seminal pelo tubo polínico faz-se, geralmente, pelo micrópilo. Nas
Cucurbitaceae o tubo polínico perfura os tegumentos. A fusão dos gâmetas inclui, numa primeira etapa,
a libertação dos núcleos espermáticos: um no interior da oosfera e outro na célula central. Pouco depois
realiza-se a fusão do material genético (singamia) maternal e paternal. Este complexo processo com dois
gâmetas ♂ e duas singamias designa-se por dupla fecundação e é exclusivo das angiospérmicas. A fusão
de um núcleo espermático com a oosfera dá origem ao zigoto. O zigoto é a primeira célula da geração
esporofítica seguinte, cujo desenvolvimento gera o embrião. A célula triplóide resultante do encontro
do segundo núcleo espermático com os dois núcleos polares10 é o ponto de partida da diferenciação do
endosperma11. O endosperma é diplóide nas angiospérmicas mais primitivas (angiospérmicas basais),
por esta razão Friedman & Williams (2004) admitem que o endosperma triplóide foi adquirido por um
antepassado comum das magnoliidas, monocotiledóneas e eudicotiledóneas.
10
Na heterofecundação os dois núcleos polares têm origem em dois tubos polínicos distintos, um evento raro na
biologia reprodutiva das angiospérmicas.
11
Nas angiospérmicas poder-se-ão utilizar os termos zigoto primário e zigoto secundário para designar,
respectivamente, as células resultantes da fusão do primeiro núcleo espermático com a oosfera e do segundo
núcleo espermático com os dois núcleos polares.
25 Escola Superior Agrária de Bragança - Botânica para Ciências Agrárias e do Ambiente
dimensão com abundantes reservas faz-se, em grande parte, à custa da desmobilização das reservas
acumuladas no endosperma no início da formação da semente. As reservas energéticas cotiledonares
são desmobilizadas mais rapidamente em Direcção aos meristemas do embrião do que as reservas sob a
forma de endosperma. Por isso, as sementes cotiledonares tendem a germinar mais rapidamente do
que as sementes albuminosas. As sementes muito grandes geralmente têm reservas endospérmicas. Os
tegumentos do primórdio seminal dão origem ao perisperma que envolve e protege a semente.
As sementes ortodoxas perdem água (e peso) e sofrem uma acentuada redução da atividade
metabólica à medida que amadurecem adquirindo, deste modo, tolerância à dessecação. Finda a
maturação, as sementes ortodoxas entram em quiescência. Este termo identifica-se com uma
suspensão do crescimento, qualquer que seja a causa e a duração. Nas sementes ortodoxas dormentes
– a dormência é um subtipo de quiescência – o embrião é incapaz de prosseguir, de imediato, o seu
desenvolvimento e dar origem a uma nova planta, mesmo sob condições ambientais ótimas para a
germinação. Algumas sementes – sementes recalcitrantes – mantêm elevados teores em água na
maturação, o que as torna sensíveis à dessecação e a temperaturas muito baixas.
1.2.3.7. Dispersão
Vantagens da dispersão
A dispersão é um momento chave na biologia das plantas. Duas fontes de fontes de evidência
suportam a hipótese de que uma dispersão eficiente de diásporos, ou propágulos, é evolutivamente
vantajosa: 1) a mortalidade de sementes, plântulas, juvenis e plantas adultas depende da densidade; 2)
nas angiospérmicas são muito frequentes, e diversos, mecanismos especializados de dispersão.
26 Escola Superior Agrária de Bragança - Botânica para Ciências Agrárias e do Ambiente
A dispersão para longe da vizinhança dos indivíduos parentais incrementa o sucesso reprodutivo das
plantas através de três mecanismos:
a) Aumento da probabilidade de colonização de micro-habitats adequados à germinação das
sementes e ao estabelecimento das plântulas;
b) Incremento da distância das plantas germinantes a indivíduos conespecíficos hospedeiros de
doenças e pragas;
c) Redução dos riscos de endogamia nas plantas alogâmicas.
Nas espécies endozoocóricas os animais dispersores podem melhorar as condições ambientais
usufruídas pelas plantas germinantes. Esta melhoria pode ser obtida, por exemplo, através do
enterramento das sementes ou do aumento da fertilidade do solo pela deposição simultânea de
sementes e de excrementos animais.
Mecanismos de dispersão
Os mecanismos de dispersão mais frequentes na natureza e as adaptações que geralmente lhes
estão associados foram resumidos no quadro que se segue. A maior parte das plantas, no entanto,
combina mais que um mecanismo de dispersão porque é demasiado arriscado “apostar” num único
mecanismo eventualmente falível. Por exemplo, os Quercus além de autocóricos, são dispersos por
aves, e.g. Corvus corone «gralha-preta» e Garrulus glandarius «gaio», e por mamíferos, e.g. Apodemus
sylvaticus «rato-do-campo».
Os diásporos zoocóricos podem ser transportados, por exemplo, no bico uma ave ou nas maxilas de
uma formiga, no aparelho digestivo de uma ave ou suspensos no corpo de um mamífero. Estes
exemplos permitem identificar dois tipos importantes de zoocoria:
a) Ectozoocoria (= epizoocoria) – transporte na superfície do corpo de animais (e.g. suspensos
através de espinhos ao pêlo de mamíferos); e.g. os terrenos localizados na vizinhança de
indústrias de lanifícios são dos melhores locais para encontrar plantas novas alóctones (neófitas)
em Inglaterra, deu-se o caso de se terem descrito espécies novas para ciência que mais tarde se
12
Muitos autores usam um conceito lato de diásporo que engloba o conceito de propágulo.
27 Escola Superior Agrária de Bragança - Botânica para Ciências Agrárias e do Ambiente
Autocoria – dispersão por Diásporos barocóricos estruturalmente muito Enterramento ativo de sementes, e.g. Arachis
gravidade (barocoria) ou variáveis. Os mecanismos autónomos de hypogaea (Fabaceae) «amendoim» e Trifolium
presença de mecanismos dispersão incluem o enterramento ativo das subterraneum (Fabaceae) «trevo-subterrâneo»;
autónomos de dispersão. sementes ou sistemas de projeção dos projeção de sementes, e.g. Ecballium elaterium
diásporos. (Cucurbitaceae) «pepino-de-são-gregório» e
diversas Balsaminaceae; por gravidade sem
mecanismos especiais, e.g. Quercus (Fagaceae)
(carvalhos).
Anemocoria – dispersão Diásporos pequenos, leves e com estruturas Frutos alados em Ailanthus altissima
pelo vento. aerodinâmicas para facilitar o transporte pelo (Simaroubaceae) «ailanto») e Ulmus (Ulmaceae)
vento; e.g. asas, pelos, estruturas em forma «ulmeiros»; sementes com pelos em Chorisia
de balão. speciosa (Malvaceae) e Salix (Salicaceae)
«salgueiros»; cálice em forma de balão em alguns
Trifolium «trevos». Na maior das Asteraceae
cálice reduzido a um papilho de pelos que
funciona como uma paraquedas.
Hidrocoria – dispersão pela Diásporos capazes de resistir à submersão em Frequente entre a vegetação litoral, aquática e
água. água doce ou marinha; por vezes com anfíbia; e.g. Pancratium maritimum
capacidade de flutuação. (Amaryllidaceae) «narciso-das-areias», disperso
pela água do mar.
Zoocoria – dispersão As plantas endozoocóricas produzem Sementes com excrescências nutritivas, e.g.
apoiada em vetores de diásporos com cores, odores agradáveis e/ou Ricinus communis (Euphorbiaceae) «rícino»;
dispersão animais. “oferecem” recompensas aos seus vetores de plantas com frutos carnudos, e.g. muitas
dispersão, e.g. polpa de um fruto carnudo, Rosaceae e Solanaceae; plantas com diásporos
sarcotesta ou excrescências carnudas várias viscosos, espinhosos ou com ganchos, e.g.
na superfície do episperma. As espécies numerosas espécies de Apiaceae «umbelíferas».
ectozoocóricas dispõem de diásporos
viscosos ou providos de espinhos ou ganchos.
A zoocoria pode também ser classificada em função do grupo taxonómico agente de dispersão:
a) Ictiocoria – dispersão por peixes; com alguma expressão em florestas tropicais húmidas; e.g. o
tambaqui (Colossoma macropomum, Characidae), um peixe indígena da bacia do Amazonas
muito apreciado na culinária brasileira, pode dispersar sementes a mais de 5 km de distância
(Anderson et al., 2011);
b) Mamalocoria – dispersão por mamíferos, sobretudo mamíferos ungulados (Artiodactyla);
adaptações muito variáveis consoante os grupos taxonómicos; e.g. espécies com sementes
ornamentadas com ganchos ou espinho dos géneros Daucus (Apiaceae) «cenouras-bravas» ou
Medicago (Fabaceae) «luzernas»;
28 Escola Superior Agrária de Bragança - Botânica para Ciências Agrárias e do Ambiente
c) Ornitocoria – dispersão por aves; abundante na natureza; com frequência frutos carnudos,
verdes e ácidos enquanto imaturos (para evitar ingestão antes da maturidade das sementes),
com endocarpo lenhoso (para evitar a digestão das sementes) e coloridos e nutritivos (para
promover a ingestão) quando maduros (e.g. drupas e nuclânio); e.g. Rubus (Rosaceae) «silvas» e
Rhamnus (Rhamnaceae);
d) Mirmecoria – dispersão por formigas; muitas sementes mirmecóricas possuem excrescências
nutritivas na superfície do tegumento da semente que atuam como de recompensa; e.g. muitas
Polygalaceae;
e) Quiropterocoria – dispersão por morcegos; importante em áreas tropicais; e.g. espécies
tropicais com frutos carnudos dos géneros Cecropia (Cecropiaceae), Piper (Piperaceae) e Ficus
(Moraceae) (Lobova & Mori, 2005).
O mecanismo de dispersão do T. subterraneum, a mais importante planta pratense de ambientes
mediterrânicos, é particularmente interessante. Finda a ântese os pedúnculos infletem em direção ao
solo e enterram as sementes contidas no interior dos capítulos frutíferos. Por esta altura, estes capítulos
assemelham-se a uma bola. Para facilitar o enterramento dos diásporos compreendem, na base, um
pequeno número de flores estéreis transformadas em pequenos cones aguçados. Os capítulos frutíferos
com facilidade ficam retidos entre as unhas dos ungulados (e.g. ovelhas e vacas) que os dispersam a
longa distância. Os cascos dos ungulados também facilitam o seu enterramento e os excrementos, em
particular dos ovinos, melhoram a fertilidade dos microsítios onde germinam as sementes chegadas as
primeiras chuvas outonais. O T. subterraneum tem, simultaneamente, uma dispersão autocórica e
ectozoocórica.
A B
Figura 6. Mecanismos de dispersão dos frutos. Ulmus minor (Ulmaceae) «ulmeiro»: frutos alados (sâmaras) de
dispersão anemocórica . B) Osyris alba (Santalaceae): pseudofrutos carnudos (pseudobagas) de dispersão zoocórica;
n.b. cicatriz circular resultante da queda do perianto em torno da cicatriz que marca a inserção do estilete. C)
Ecballium elaterim (Cucurbitaceae) «pepino-de-são-gregório»: pepónio espermabólico.
29 Escola Superior Agrária de Bragança - Botânica para Ciências Agrárias e do Ambiente
Quebra de dormência
Os mecanismos de quebra de dormência são muito variados. Os mais comuns são:
a) Vernalização (ing. chilling) – exposição ao frio (0 a 10°C), em condições de elevada humidade,
durante um período variável de tempo; mecanismo frequente em espécies temperadas, e.g.
sementes de Malus domestica (Rosaceae) «macieira»;
b) Redução da humidade – algumas espécies adquirem a capacidade de germinar quando o seu
teor em água desce abaixo de um determinado nível;
c) Flutuação diária da temperatura – a flutuação térmica diária pode afetar as taxas e a velocidade
de germinação de algumas espécies;
d) Exposição à luz – consoante as espécies pode envolver a exposição intermitente, por um
pequeno período ou a exposição a um fotoperíodo determinado. Mecanismo frequente em
infestantes com sementes pequenas; nestas espécies as sementes entram em dormência
quando enterradas no solo; a perturbação do solo – e.g. lavouras – arrasta-as para superfície e a
exposição à luz quebra-lhes a dormência;
e) Escarificação ou remoção de estruturas que envolvem o embrião (e.g. tegumento, pericarpo,
endosperma ou glumelas) – esta escarificação pode ser artificialmente realizada com um
abrasivo (e.g. areia); em condições naturais a escarificação pode resultar da travessia do sistema
digestivo ou do efeito do fogo; e.g. as sementes de Cistus (Cistaceae) «estevas» germinam mais
rapidamente após uma queimada porque o tegumento fendilha pela ação do fogo; em algumas
Poaceae (e.g. Avena fatua) a remoção das peças bracteolares que envolvem a semente
(glumelas) favorece a germinação;
f) Exposição a concentração de CO2 superiores ao valores normais da atmosfera – as plantas
enterradas no solo têm maior probabilidade de serem sujeitas a teores mais elevados de CO2 do
que as sementes depositadas na sua superfície;
g) Lixiviação de inibidores químicos – a infiltração e movimento da água no solo pode arrastar
(lixiviar) eventuais inibidores químicos do tegumento das sementes; chuvas prolongadas lixiviam
mais eficazmente os inibidores e, simultaneamente, garantem maiores taxas de sobrevivência
dos germinantes.
O fator tempo, por si só, enfraquece todos os mecanismos de dormência. Por exemplo, no caso da
dormência se dever à imaturidade do embrião (dormência embrionar) este precisa de tempo para se
desenvolver adequadamente no interior da semente. As taxas de germinação das sementes variam com
a temperatura, de espécie para espécie, ou mesmo entre variedades da mesma espécie; em algumas
plantas estas taxas são superiores a temperaturas baixas, do que a temperaturas altas.
O T. subterraneum «trevo-subterrâneo» reúne muitos dos mecanismos de dormência e quebra de
dormência anteriormente referidos (Smetham, 2003). As variedades comerciais deste trevo produzem
uma elevada percentagem de sementes duras (com dormência tegumentar), geralmente superior a 80%
no início do Verão, incapazes de germinar. A quebra da dormência tegumentar (redução da
percentagem de sementes duras) é favorecida por variações acentuadas da temperatura diária. Os ciclos
diários de contração e a expansão dos tecidos da semente geram fendas no tegumento, que por sua vez
permitem a embebição da semente em água e a sua germinação. A exposição a temperaturas diurnas
elevadas, acima dos 50-60oC, é particularmente eficiente na quebra da dormência tegumentar. Por
conseguinte, a remoção mecânica ou por herbivoria da biomassa pratense seca no estio (através da
redução da sombra), reduz o número de sementes duras no solo. O enterramento profundo das
sementes tem um efeito inverso. As sementes de T. subterraneum somam à dormência tegumentar uma
dormência de tipo embrionar, governada pelos teores de dióxido de carbono no solo, pela temperatura
e pela presença de substâncias inibitórias no tegumento. Baixos teores de CO2 na atmosfera do solo e
temperaturas superiores a 20oC têm um efeito particularmente favorável na persistência deste tipo de
31 Escola Superior Agrária de Bragança - Botânica para Ciências Agrárias e do Ambiente
dormência. Chegado o período húmido outonal, aumenta a atividade biológica do solo e por
consequência o teor de CO2 na atmosfera do solo, a temperatura desce, a água da chuva arrasta os
inibidores acumulados no tegumento, e as sementes de T. subterraneum podem germinar em massa. As
dormências tegumentar e embrionária desempenham um papel essencial na regulação do ciclo
biológico desta pratense anual de germinação outonal e senescência tardi-primaveril a estival, porque
reduzem o risco de falsas germinações estivais, por exemplo em resultado de trovoadas intensas. A
dormência tegumentar serve ainda para lidar com as flutuações climáticas interanuais porque o seu
efeito prolonga-se por mais de um ano.
A) B)
A B C
13
Os Triticum e demais Poaceae da subfamília Pooideae não alongam o mesocótilo. Esta capacidade é exclusiva das
plantas das subfamílias Chloridoideae e Panicoideae (GPWG, 2001).
34 Escola Superior Agrária de Bragança - Botânica para Ciências Agrárias e do Ambiente
A B
Figura 9. Estrutura da semente de Phaseolus vulgaris (Fabaceae) «feijão-vulgar». N.b. o feijão tem origem no
primórdio seminal campilotrópico por isso o micrópilo situa-se na vizinhança do hilo.
A embebição em água das leguminosas é mais lenta do que nas gramíneas. Por outro lado, as
leguminosas exigem mais água no solo do que as gramíneas para germinarem. O feijão tem uma
germinação epígea, muitas outras leguminosas são hipógeas. Logo após a emergência da raiz o
hipocótilo alonga-se e arqueia-se acentuadamente, formando-se um arco hipocotilar. Quando atinge a
superfície, sob a influência da luz, o hipocótilo apruma-se transportando os cotilédones e a plúmula para
fora do solo. Este processo salvaguarda a plúmula de eventuais danos mecânicos causados pelas
partículas do solo. Atingida a superfície os cotilédones desempenham, temporariamente, a função
fotossintética antes de senescerem. Em Lupinus «tremoceiros» os cotilédones continuam funcionais e
fotossintéticos até ao princípio da Primavera.
Agamospermia
Existem dois tipos fundamentais de agamospermia e, implicitamente, de embriões agamospérmicos:
a) Apomixia14 (= agamospermia gametofítica ou partenogénese) – desenvolvimento de um
embrião (embrião apomítico ou partenogenético) a partir da oosfera de um saco embrionário
não reduzido (com 2n cromossomas); a oosfera não reduzida desempenha uma função similar
ao zigoto na reprodução sexuada e dá origem a um embrião diplóide de origem exclusivamente
maternal; muito frequente tanto em mono como em eudicotiledóneas; e.g. Rosa (Rosaceae)
«roseiras», Rubus (Rosaceae) «silvas», Leontodon (Asteraceae) «dentes-de-leão» e numerosas
Poaceae «gramíneas»;
b) Embrionia adventícia (= poliembrionia ou embrionia somática) – desenvolvimento de um ou
mais embriões (embriões adventícios) por semente, em substituição ou complementares ao
embrião sexual, a partir de células somáticas situadas em qualquer ponto do primórdio seminal,
excluindo as células do saco embrionário; embriões diplóides de origem exclusivamente
maternal; processo, ao contrário da apomixia, independente da megasporogénese; conhecida
em cerca de 250 espécies de mais de 50 famílias; muito frequente em Citrus (Rutaceae)
«citrinos» e em Mangifera indica (Anacardiaceae) «mangueira».
Multiplicação vegetativa
Existem numerosos tipos de multiplicação vegetativa; os mais relevantes são os seguintes:
a) Rizomas – divisão e plantação de rizomas; e.g. Iris (Iridaceae) «lírios»;
b) Estolhos – divisão e plantação de estolhos, e.g. Fragaria x ananassa (Rosaceae) «morangueiro»
e Chlorophytum comosum (Agavaceae) «clorofito»;
c) Tubérculos – tubérculos inteiros ou divididos, e.g. Solanum tuberosum (Solanaceae) «batateira»,
Dioscorea alata (Dioscoreaceae) «inhame-da-costa» e Ipomoea batatas (Convolvulaceae)
«batata-doce»;
d) Estaca – neste tipo de propagação destacam-se das plantas-mãe e enterram-se fragmentos
(estacas) de folha, caule ou raiz deixando uma porção variável acima e abaixo da superfície do
solo; após o enraizamento e pegamento as estacas são transplantadas em raiz nua ou com
torrão para local definitivo; as estacas podem ser:
i) Foliares – e.g. Peperomia caperata (Piperaceae) «peperómia» e Saintpaulia ionantha
(Gesneriaceae) «saintpaulia»;
ii) Caulinares – o número de gomos enterrado ou emerso acima do solo varia com a
espécie e variedade; dois critérios de classificação:
Quanto ao tipo de estacas. As estacas caulinares podem envolver ramos
inteiros (tanchões) ou fragmentos de caule; neste último caso distinguem-se:
Estacas-caule – segmento de ramo da mesma ordem; e.g. Salix
(Salicaceae) «salgueiros», Platanus orientalis var. acerifolia
(Platanaceae) «plátano», Olea europaea var. europaea (Oleaceae)
«oliveira», Chrysanthemum (Asteraceae) «crisântemos», Euphorbia
pulcherrima (Euphorbiaceae) «poinsétia» e Dianthus caryophyllus
(Caryophyllaceae) «cravo»;
14
Alguns autores usam um conceito de mais alargado de apomixia, sinónimo de agamospermia ou mesmo de
reprodução assexual.
36 Escola Superior Agrária de Bragança - Botânica para Ciências Agrárias e do Ambiente
fragmentos de raiz que, na época apropriada, originam lançamentos caulinares. Não existe um
termo em língua portuguesa, de uso estabelecido, para este tipo de multiplicação vegetativa,
conhecido em francês por “drageon” e em inglês por “root shot”; rebento de raiz é uma opção
razoável;
Figura 10. Talhadias de Castanea sativa (Fagaceae) «castanheiro» propagada por pôlas de touça.
enxertia de fenda simples, de fenda cheia, de fenda inglesa, de fenda dupla e de coroa
ou cabeça);
iii) Borbulha (= gomo destacado) – inserção de um fragmento de casca com uma gema
(borbulha) numa incisão efetuada na casca do porta-enxerto; e.g. Citrus (Rutaceae)
«citrinos», Prunus avium (Rosaceae) «cerejeira»:
Flauta ou canudo – inserção de um fragmento de casca tubuloso com um
gomo num porta-enxerto; sistema por vezes usado em Castanea sativa
(Fagaceae) «castanheiro».
Figura 11. Alguns tipos de propagação vegetativa. 1. Estaca, 2. Mergulhia simples, 3. Enxertia de garfo de fenda dupla.
4. Enxertia de borbulha. 5. Enxertia de encosto (adaptado de Coutinho, 1898).
origem a uma plântula de germinação epígea, com uma pequena roseta de cotilédones verdes e
aciculares.
Figura 12. Ciclo de vida de uma gimnospérmica (Pinus) (adaptado de Diaz et al., 2004).
40 Escola Superior Agrária de Bragança - Botânica para Ciências Agrárias e do Ambiente
Figura 13. Ciclo de vida de uma angiospérmica (Prunus avium) (adaptado de Diaz et al., 2004).
41 Escola Superior Agrária de Bragança - Botânica para Ciências Agrárias e do Ambiente
2.1. Evolução
Fixismo, criacionismo, essencialismo e evolucionismo
Carolus Linnaeus [1707-1778; Carlos Lineu, em português] e
os seus contemporâneos, nos meados do séc. XVIII, supunham
que as espécies que povoam o planeta Terra haviam sido
criadas por um ente superior e que a sua forma e número eram
constantes. “As espécies são tantas como as que foram criadas
no início pelo Infinito15”, escreveu Lineu em 1758. Se o Criador
era perfeito então, além de definitiva, a estrutura e a função
dos seres vivos era perfeita e a necessária para um adequado e
permanente (infinito) funcionamento da vida no planeta Terra.
Influenciados pela filosofia essencialista, resumida por Platão
[428/427-348/347 a.C.] na conhecida Alegoria da Caverna, Lineu
e os demais naturalistas pré-darwinianos, supunham que a
descrição dos produtos da criação, i.e. a prática da sistemática
biológica, tinha por fim último a identificação das propriedades
essenciais atribuídas pelo Criador às coisas vivas. Uma
propriedade essencial – uma essência – era entendida como um elemento básico, neste caso de um ser
vivo, sem o qual ele não poderia ser o que é. A essência seria a causa direta da sua perfeição e
intemporalidade. Para os essencialistas as propriedades não essenciais eram meramente acidentais.
Após a publicação por Charles Darwin do livro “A Origem das Espécies”, uma designação abreviada
do título original “Sobre a Origem das Espécies Através da Seleção Natural ou a Preservação de Raças
Favorecidas na Luta pela Vida”, em 1859, a espécie deixou de ser considerada como um tipo
caracterizado por um conjunto constante e imutável de propriedades essenciais. Embora carecendo de
uma definição precisa, até à emergência da síntese evolucionária moderna (vd. A síntese evolucionária
moderna) a espécie passou a ser interpretada como um aglomerado heterogéneo de indivíduos
15
A doutrina filosófica que aceita que as espécies de hoje são as mesmas do passado, é conhecida por fixismo. O
criacionismo é uma reformulação do fixismo pela religião.
42 Escola Superior Agrária de Bragança - Botânica para Ciências Agrárias e do Ambiente
Conceito Definição
Evolução Qualquer alteração cumulativa das características de um organismo de geração para geração.
Deriva genética Alterações da estrutura genética de pequenas populações causadas pelo acaso.
Os seres vivos submetidos a seleção natural evoluem por adaptação. A importância da seleção
natural é um dos temas mais discutidos na bibliografia de biologia da evolução. É mais ou menos
consensual que a seleção natural é o mais importante mecanismo de evolução. Um segundo mecanismo
– a deriva genética – tem uma enorme importância em populações pequenas. Ocorre deriva genética
quando, por exemplo, um pequeno grupo de indivíduos de uma espécie migra de um continente para
uma ilha, transportando, em si, uma amostra empobrecida e enviesada da diversidade genética da
população original. A deriva genética origina perdas assinaláveis de diversidade genética.
Eventualmente promove a fixação de características, mais concretamente de alelos, raros nas
44 Escola Superior Agrária de Bragança - Botânica para Ciências Agrárias e do Ambiente
populações originais. Enquanto a seleção fixa alelos vantajosos, a deriva genética fixa alelos ao acaso,
proveitosos ou não do ponto de vista adaptativo. Em populações muito pequenas chega a contrariar o
efeito adaptativo da seleção natural.
Nos processos evolutivos coexistem forças que induzem mudanças (e.g. mutação e recombinação) e
forças (seleção natural) que estabilizam as características dos organismos. Nas plantas as forças de
estabilização da forma e da função estão particularmente presentes na estrutura da flor. Variações
muito acentuadas nas características morfológicas das flores criam dificuldades na reprodução sexual –
sobretudo através da redução da eficiência dos agentes polinizadores – consequentemente a flor fica
submetida a uma pressão seletiva de estabilização (ing. stabilizing selection) (Stebbins, 1970). Este
mecanismo introduz menor variação nas características da flor do que no corpo vegetativo das plantas,
tanto à escala do indivíduo como da população, e é uma das explicações da taxonomia de
angiospérmicas ser baseada em caracteres florais.
com inflorescências complexas. No reino animal existem evidências que os ancestrais dos «ouriços-do-
mar» eram dotados de um sistema nervoso mais complexo. A redução e a perda de caracteres são,
afinal, muito frequentes na natureza. Os exemplos mais conhecidos serão talvez a redução das asas em
algumas aves insulares (e.g. o extinto dódó das ilhas Maurícias) e o desaparecimento dos olhos em
alguns peixes e insectos cavernícolas. Nas plantas a redução de caracteres é óbvia nas brácteas
escamiformes das inflorescências ou nos verticilos vestigiais de estames. A vestigialização de caracteres
é geralmente interpretada como consequência da perda de funções. Crê-se que nestas condições a
manutenção de caracteres não funcionais terá custos energéticos que pressionam a sua redução.
Se a complexidade não é um sinónimo de sucesso evolutivo então não tem sentido o uso do conceito
de progresso em evolução. Na longa história da vida algumas linhagens de seres vivos complexificaram-
se, outras permaneceram em estase evolutiva e outras, ainda, extinguiram-se. O sucesso evolutivo num
dado período geológico não implicou um sucesso acrescido nos períodos geológicos seguintes. Embora a
complexidade não seja uma inevitabilidade evolutiva é um facto (e não uma necessidade!) que a
fisiologia, os órgãos vegetativos e reprodutivos e os mecanismos de reprodução de algumas plantas se
complexificaram e diversificaram ao longo do tempo. Nas plantas sucedeu ainda que o último grande
grupo a diferenciar-se – as angiospérmicas – é, simultaneamente, o mais bem-sucedido (i.e. com maior
número de espécies e biomassa) e o grupo morfológica e fisiologicamente mais complexo e diverso. No
entanto, muitas alternativas evolutivas se esboçaram entre gimnospérmicas, tão ou mais complexas do
que as angiospérmicas, que desembocaram na extinção.
Se a complexidade não é, por natureza, definitiva então a evolução não é um processo unidirecional.
Nas plantas, muito mais do que nos animais, são frequentes inversões de caracteres (ing. character
reversal), i.e. caracteres derivados, impropriamente aceites como mais evoluídos, que retornam a uma
condição primitiva. Por exemplo, o ovário ínfero surgiu de forma independente em muitos grupos de
plantas e admite-se que a inversão de ovário ínfero em súpero possa ter acontecido mais de uma vez
em numerosos grupos de plantas (inclusivamente no mesmo género). Esta é uma das explicações
plausíveis por que nas plantas é frequente linhagens sem relações diretas de parentesco partilharem
caracteres por convergência evolutiva.
Muitas características geneticamente determinadas resultam de elaborações evolutivas de
características mais antigas, funcionalmente muito distintas. Por exemplo, a lenhina evoluiu a partir de
substâncias mais simples que conferiam resistência às radiações UV nas primeiras plantas-terrestres (vd.
As plantas-vasculares). Algo semelhante ocorreu na evolução da semente (vd. As primeiras plantas-com-
semente). Um erro no funcionamento do esporângio do ancestral de todas as plantas-com-semente, por
uma qualquer razão desconhecida persistiu, abrindo o caminho a uma nova e bem-sucedida linhagem
de plantas-terrestres. A serendipidade evolutiva – as descobertas ou achados, inesperados,
surpreendentes, mas úteis – não pode ser confundida com necessidade evolutiva. Os seres vivos atuais
são um cúmulo de acasos (e.g. mutações e recombinações) felizes, por enquanto evolutivamente bem-
sucedidos. Os acasos infelizes, à escala do indivíduo, condenaram os seus portadores ao desastre
reprodutivo; à escala da população e da espécie foram um agente de extinção. Na história da vida na
Terra extinguiram-se mais linhagens de seres vivos do que aquelas que hoje existem. A ilusão de que a
evolução é motivada pela necessidade emerge da concatenação da forma e da fisiologia no corpo dos
seres vivos, ou dos indivíduos e espécies nos ecossistemas, produzida pela evolução por adaptação. Em
escalas de tempo sufientemente latas a evolução é aleatória e imprevisível.
A principal característica da evolução talvez seja, então, a sua imprevisibilidade. A Terra está
povoada de mamíferos, de aves, de insectos, de plantas-com-flor, de fetos, briófitas ou algas. Uma
pequena alteração na trajetória geológica da Terra, na paleoquímica da atmosfera ou no historial de
catástrofes planetárias e o biota e os ecossistemas atuais seriam outros, certamente sem homens e sem
flores. A macroevolução é, intrinsecamente, aleatória e, por isso, impossível de modelar. A cada
momento os mundos possíveis e os caminhos da evolução são vastos, e tão vastos que a nossa mente,
46 Escola Superior Agrária de Bragança - Botânica para Ciências Agrárias e do Ambiente
2.2. Especiação
Evolução por anagénese e por cladogénese
Os organismos modificam-se ao longo do tempo porque a interação da seleção natural com o
genoma permite a contínua acumulação de novas soluções morfológicas e funcionais, geneticamente
codificadas, que os capacitam a reproduzir-se num mundo em permanente mudança. C. Darwin nunca
utilizou o termo evolução, descreveu este processo por “descendência com modificações”. A evolução
pode ser decomposta em dois processos distintos: anagénese e cladogénese. A anagénese é a evolução
de uma espécie sem especiação. Na evolução por cladogénese (= especiação) ocorre a formação de
novas espécies a partir de espécies ancestrais.
Conceito de espécie
O conceito de espécie é, simultaneamente, um dos mais importantes e um dos mais discutidos
conceitos de biologia. O termo espécie deriva da palavra latina species que significa tipo. As espécies
tipificadas pelos taxonomistas – os especialistas na segmentação do biota que povoa o planeta Terra em
espécies e outro taxa – são uma das “unidades” fundamentais de experimentação e comparação em
todos os campos da biologia e da ecologia; e.g. biologia molecular, genética, fisiologia, anatomia,
evolução, ecologia das populações e das comunidades e paleontologia. Embora de uso generalizado não
existe um conceito unificado de espécie: estão publicados mais de 26 conceitos distintos. Alguns autores
questionam, inclusivamente, se essa tarefa é possível.
O conceito biológico de espécie de Ernest Mayr é, desde os anos 40, uma das pedras angulares da
biologia. Mayr definiu espécie do seguinte modo: "species are groups of interbreeding natural
populations that are reproductively isolated from other such groups." Pertencem, assim, à mesma
espécie indivíduos naturalmente interférteis, ainda que geograficamente isolados. A troca de
informação genética entre indivíduos pertencentes, ou não, à mesma população, e o isolamento
reprodutivo interespecífico são as duas forças de coesão fundamentais na manutenção da integridade
genética e morfológica das espécies, sejam elas animais ou vegetais.
Rieseberg et al. (2006) demonstraram num universo de 200 géneros de plantas que é possível
identificar clusters de indivíduos morfologicamente semelhantes entre si, com um significativo
isolamento genético, e que a hibridação não é a causa maior dos casos de espécies de morfologia
sobreposta. Por exemplo, os Quercus (Fagaceae) e os Cistus (Cistaceae), dois dos mais importantes
géneros da flora continental portuguesa, hibridam com facilidade nas áreas de simpatria (onde as
espécies se sobrepõem). Porém, as características genéticas e morfológicas das espécies de Quercus e
Cistus persistem inalteradas, pelo menos nas populações situadas no “core16” da espécie. Os híbridos
nestes géneros são pouco competitivos frente às espécies parentais, o que impede a sua dissolução num
“enxame de híbridos” (ing. hibrid swarm). Os estudos moleculares indiciam que mesmo nas espécies
ditas autogâmicas os indivíduos trocam, ocasionalmente, informação genética entre si, autorizando,
deste modo, a aplicação do conceito biológico de espécie a este grupo crítico de plantas (Rieseberg &
Willis, 2007). A biologia da especiação de plantas corrobora assim duas importantes hipóteses: as
espécies não são um artefacto da razão, são entidades reais; o conceito biológico de espécie de Ernest
Mayr é útil tanto no reino animal com entre as plantas. Além de real, a diferenciação de espécies, i.e. a
especiação, de plantas-com-flor é um evento frequente e que se pode desenrolar com uma rapidez
16
Genericamente, parte da área de distribuição de uma espécie onde as populações são mais densas e contínuas.
47 Escola Superior Agrária de Bragança - Botânica para Ciências Agrárias e do Ambiente
17
As espécies irmãs ou crípticas (ing. sibling species) são espécies sensu Mayr, simpátricas ou não,
morfologicamente idênticas, frequentemente partilhando a mesma ecologia, evolutivamente isoladas por barreiras
reprodutivas pré ou pós-zigóticas (vd. Mecanismos e processos de especiação). Foram dedectas espécies irmãs, por
exemplo, na vulgaríssima Poa annua.
18
Assim acontece com o género Rubus (Rosaceae).
48 Escola Superior Agrária de Bragança - Botânica para Ciências Agrárias e do Ambiente
19
A clorofila oxidada é um oxidante ainda mais poderoso que o oxigénio.
20
Os eventos “Terra bola de neve” são recorrentes. Três deles estão bem documentados: de Makganeyene [2.300-
2.200 M.a.], sturtiano [715-680 M.a.] e marinoano [680-635 M.a.].
51 Escola Superior Agrária de Bragança - Botânica para Ciências Agrárias e do Ambiente
os animais tiveram um papel por regra passivo, limitaram-se a obedecer às plantas, adaptando-se. Por
intermédio da atmosfera as plantas marcaram indelevelmente a evolução da vida na Terra.
Primeiro complexificou-se a célula. Os eucariotas – domínio Eukaryota – emergiram de ancestrais
procariotas há cerca 1.600-2.100 M.a. O testemunho fóssil mais antigo de um eucariota – a alga
Grypania – tem cerca de 2.100 M.a (Han & Runnegar, 1992). Supõe-se que a reprodução sexual evoluiu
entre 1.000 e 1.200 M.a. antes do presente. A sexualidade apresenta importantes vantagens frente à
reprodução assexuada (vd. Funções e vantagens da reprodução sexual) que se resumem num
incremento do sucesso reprodutivo e das taxas de evolução dos seres sexuados. Por isso, excetuando os
vírus, os procariotas e um punhado de eucariotas, todos os organismos se reproduzem com
regularidade por via sexual, alternando a fecundação com a meiose.
Nos mares proterozoicos, por mais de uma vez, organismos originalmente unicelulares falharam a
separação dos indivíduos após mitose (citocinese). Várias destas linhas de indivíduos multicelulares
organizaram-se em colónias, escassamente integradas, de células similares e totipotentes. Numa
primeira fase algumas células (células vegetativas) deixaram de se reproduzir em benefício de outras
(células sexuais). A partir de organismo coloniais simples evoluíram formas com múltiplos tipos celulares
estruturados em tecidos e órgãos especializados. O advento dos animais multicelulares de grande
dimensão tem sido associado com a Terra-bola-de-neve marinoana [680-635 M.a.]. A complexificação
da vida no neoproterozóico [1.000-542 M.a.] culminou numa explosão da vida animal nos mares
câmbricos [542-488 M.a.]. A conquista da Terra emersa, primeiro pelas plantas e logo a seguir pelos
animais, ocorreu no final do Câmbrico ou no início do Ordovícico. A diversificação das plantas, como se
refere mais adiante, é posterior à dos animais.
A B C
De acordo com a teoria endossimbiótica, proposta e popularizada na década de 1980 pela bióloga
americana Lynn Margulis [1938-2011], os plastos (= plastídios) que desempenham a função
fotossintética nos eucariotas, assim como as mitocôndrias, são bactérias endossimbiontes
profundamente modificadas por uma história evolutiva em comum com a célula eucariótica hospedeira.
Os cloroplastos das plantas terrestres evoluíram a partir de cianobactérias endossimbiontes retidas no
interior da algas-verde primordial há mais de 1.000 M.a. Este evento marcou o início da divergência
entre plantas e animais no grande tronco dos eucariotas.
52 Escola Superior Agrária de Bragança - Botânica para Ciências Agrárias e do Ambiente
Figura 15. Periodização da história da Terra (adaptado de International Commission of Stratigraphy, 2005 e de
http://paleoviva.fc.ul.pt/Paleogeofcul/Apoio/cronogeofcul2.pdf).
Talo complexo Talo ramificado, com células especializadas e tecidos com arranjos
tridimensionais de células.
21
Razão pela qual as plantas-terrestres são também designadas por embriófitas.
54 Escola Superior Agrária de Bragança - Botânica para Ciências Agrárias e do Ambiente
Charales, depois foi deslocalizada para a parede dos esporos (inc. pólen) das
plantas terrestres; alguns grupos de Charophyta não produzem
esporopolenina.
Sistema citocinético com A citocinese corresponde à divisão do citoplasma ocorrida no final da telófase
fragmoplasto (última etapa da mitose); nas Streptophyta forma-se um fragamoplasto, i.e.
um sistema complexo de microtúbulos e outras estruturas celulares em torno
do local por onde se separarão as duas células filhas.
Meristemas apicais e maior Presença de meristemas apicais tridimensionais constituídos por pequenas
complexidade células.
22
Algumas ‘algas-verdes’ têm um ciclo haplodiplonte (e.g. Ulva, Cladophora) não homólogo do ciclo de vida
haplodiplonte das plantas-terrestres. O ciclo haplodiplonte é frequente nas algas-castanhas (Heterokontophyta,
Phaeophyceae).
55 Escola Superior Agrária de Bragança - Botânica para Ciências Agrárias e do Ambiente
A B
Figura 16. Briófitas actuais. a) Metzgeria furcata (Marchantiidae), uma hepática talosa. B) Antitrichia curtipendula
(Bryidae), um musgo folhoso pleurocárpico; n.b. as cápsulas cor de laranja do esporófito. C) Geração esporofítica do
musgo folhoso Funaria higrometrica (Bryidae). D) Phymatoceros bulbiculosus (Anthocerotidae); n.b. o talo do
gametófito do qual emergem os esporófitos (fotografias amavelmente cedidas pelo Dr. César Garcia, FCUL).
As plantas-terrestres, no seu conceito mais atual, incluem ‘briófitas’23 (plantas terrestres não
vasculares), ‘pteridófitas’ e plantas-com-semente. As ‘briófitas’ dividem-se em três grandes grupos: –
hepáticas (Marchantiidae), musgos (Bryidae) e antóceros (Anthocerotidae). Os grupos basais de
Equisetopsida – as ‘briófitas’ e as ‘pteridófitas’ mais primitivas – são os remanescentes vivos da
colonização das imensas terras emersas paleozóicas. Admite-se que as primeiras plantas-terrestres se
assemelhavam às hepáticas atuais. Tal como os seus antepassados algais mais diretos colonizavam
ambientes dulceaquícolas.
23
Para evitar equívocos, neste texto o termo ‘briófita’ designa o grupo parafilético hepáticas+musgos+antóceros.
Outra alternativa seria considerar ‘briófitas s.l.’ = hepáticas+musgos+antóceros e briófitas s.str. = musgos.
56 Escola Superior Agrária de Bragança - Botânica para Ciências Agrárias e do Ambiente
As plantas terrestres-não-vasculares
As ‘briófitas’ são homospóricas a ligeiramente heterospóricas. Os seus esporos (como as sementes)
necessitam de se embeber em água para germinarem. Nos musgos, e em muitas hepáticas, os esporos
dão origem a uma estrutura filamentosa semelhante a uma alga pluricelular, conhecida por protonema.
Os antóceros não produzem um protonema. Esta estrutura é, provavelmente, um resíduo evolutivo da
alga ancestral. O corpo gametofítico das ‘briófitas’ é frágil, geralmente verde (fotossintético), de
dimensão variável (de microscópico a mais de um metro) e expande-se na horizontal com ramificações
mais ou menos regulares, verticais nos musgos acrocárpicos24. O gametófito dos antóceros e da maioria
das hepáticas (hepáticas talosas) é taloso, i.e. tem uma forma laminar dorsiventral, prostrada. No
gametófito das hepáticas folhosas e dos musgos diferenciam-se estruturas análogas a raízes (rizóides,
também presentes em alguns antóceros e hepáticas talosas), caules (caulóides) e folhas (filídios). Nas
‘briófitas’ folhosas o talo, se presente, restringe-se aos estádios iniciais do desenvolvimento do
gametófito.
O gametófito das hepáticas e dos antóceros não tem sistema vascular, nem estomas (as hepáticas
apresentam pequenos poros sem células-guarda, por isso não interpretáveis como estomas). Os
gametófitos dos musgos dispõem de um sistema vascular muito incipiente não homólogo das plantas-
vasculares (nas plantas-vasculares o sistema vascular desenvolve-se no esporófito), e de estomas. A
inexistência de um verdadeiro sistema vascular e de raízes explica o pequeno tamanho das ‘briófitas’.
Este facto obriga-as a cumprir todo ou grande parte do ciclo de vida na água, ou em condições de
humidade relativa muito elevada, e limita o seu crescimento em altura. As ‘briófitas’ são poiquilo-
hídricas: o seu teor em água depende do contacto directo com a água ou da humidade do ar, hidratam-
se rapidamente na presença de água e secam e entram em dormência na sua ausência.
50% das ‘briófitas’ são monóicas, i.e., têm gametófitos unissexuais e produzem esporos de dois
tamanhos no mesmo esporângio. Nas ‘briófitas’, assim como nas demais plantas-terrestres, a oosfera
nunca abandona o arquegónio e origina, depois de fertilizada por um gâmeta (anterozóide), um zigoto
(primeira célula do esporófito). Alimentado pelo gametófito, o esporófito acaba por diferenciar um
esporângio no interior do qual, por meiose, se formam os esporos. O esporófito é mais duradoiro nos
antóceros e nos musgos do que nas hepáticas. É constituído por uma cápsula localizada no topo de eixo
polarizado (com parte distal e proximal de distinta morfologia) de comprimento variável, não ramificado
e mais ou menos vertical, um pronúncio da estrutura do esporófito que domina o ciclo de vida das
traqueófitas.
As relações evolutivas entre as plantas-terrestres não vasculares e as plantas-vasculares não estão
totalmente compreendidas. Dados recentes indiciam que os antóceros são o grupo irmão das plantas-
vasculares (Goffinet & Buck, 2004; figura 17). Portanto, os antóceros e as plantas-vasculares actuais
compartem um antepassado comum. Estes dois grupos de plantas-terrestres têm em comum os
esporófitos verdes com estomas. Em algumas espécies de antóceros os esporófitos têm rizoides e
chegam a ter uma vida independente dos gametófitos, um carácter definitivamente fixado nas plantas
vasculares (Simpson, 2010). À semelhança dos fetos os antóceros apresentam os gametângios emersos
nos talos.
24
Nos musgos (Bryidae) acrocárpicos os arquegónios e as cápsulas inserem-se na extremidade de
caulóides mais ou menos erectos, individualizados ou agregados em tufos densos. Nas espécies
pleurocárpicas os arquegónios e as cápsulas desenvolvem-se em pequenos caulóides laterais muito
curtos, inseridos em caulóides mais longos e prostrados (vd. figura).
57 Escola Superior Agrária de Bragança - Botânica para Ciências Agrárias e do Ambiente
Figura 17. Relações evolutivas entre as plantas-terrestres atuais. Filogenia baseada em Doyle (2001), Goffinet &
Buck (2004), Smith et al. (2006) e Stevens (2001+). Nomenclatura de acordo com Chase & Reveal (2009),
Christenhusz et. al. (2011a) e Christenhusz et. al. (2011b).
3.3. As plantas-vasculares
Evolução
Os mais antigos restos fósseis de plantas-
vasculares (= traqueófitas) foram detectados
em estratos do Llandoveriense [444-428
M.a.], a primeira série do Silúrico (Cleal &
Thomas, 2009). Os esporófitos de Cooksonia
(Rhyniophyta) [ca. 428-398 M.a.] (os
gametófitos não foram ainda descobertos),
uma das primeiras plantas-vasculares com
registo fóssil, eram constituídos por caules de
poucos centímetros de altura, simples ou
ramificados, sem folhas, sem raízes e com
esporângios apicais de parede espessa, para
evitar a dessecação dos esporos. Da base do
caule emergiam pêlos radiculares que Figura 18. Esporófito de Cooksonia (Rhyniophyta), uma das
contactavam com as partículas do solo. Para mais antigas plantas-vasculares fósseis
se manterem eretos possuíam http://www.creaweb.fr/bv/banque/cormo-cooksonia.html.
espessamentos em espiral no xilema sem
lenhina. Um aumento da espessura da cutícula é, provavelmente, uma das novidades evolutivas trazidas
pelas Cooksonia. Os fósseis de Rhyniophyta sugerem que se desenvolveram relações simbióticas entre
plantas e fungos logo no início do Devónico e que este facto é essencial para explicar o sucesso
evolutivo das plantas-vasculares.
Como se referiu no ponto anterior, a geração gametofítica domina o ciclo de vida das ‘briófitas’. Nas
primeiras plantas-vasculares o esporófito tornou-se fisiologicamente autónomo. Está provado que em
algumas Rhyniophyta tanto os esporófitos e como os gametófitos eram autotróficos, autónomos e
heteromórficos (distintos entre si) (Taylor et al., 2005). A preponderância da fase esporofítica foi
definitivamente fixada nas licófitas (Lycopodiidae) ou nos seus ancestrais diretos. A dominância da
58 Escola Superior Agrária de Bragança - Botânica para Ciências Agrárias e do Ambiente
evolutivas no clado das plantas-vasculares, como sejam as folhas verdadeiras (megáfilos) e cormos de
maior massa, altura e complexidade (Beerling, 2005 e 2007). As condições anóxicas dos ecossistemas
pantanosos e turfosos do Carbónico [359-299 M.a.], o período geológico que sucede o Devónico [416-
359 M.a.], fomentaram o soterramento de uma gigantesca massa de carbono que fossilizou sob a forma
de carvão. Estes processos causaram uma descida assinalável do teor atmosférico de CO2 e a
correspondente subida da concentração de O2 no final do Paleozóico para valores similares aos actuais.
A Terra-estufa (ing. greenhouse Earth) ante-devónica deu lugar à Terra-casa-de-gêlo (ing. icehouse
Earth) que se prolongou até ao Pérmico. Em consequência da libertação de CO2 pela actividade vulcânica
o clima aqueceu significativamente no Mesozóico [251-66 M.a.] e no Eocénico [56-34 M.a.] porém os
teores atmosféricos deste gás-de-estufa não mais foram os mesmos. Os fósseis mostram que a interação
entre a composição da atmosfera e as plantas-terrestres produziu de forma cíclica surtos de inovação
adaptativa. Alterações da composição química da atmosfera são particularmente evidentes no final do
Pérmico [260-251 M.a.], na transição Triássico-Jurássico [ca. 199 M.a.], no Cretácico [146-66 M.a.] e na
transição Paleocénico-Eocénico [56 M.a.]. Necessariamente, cada um destes períodos está associado a
modificações significativas na composição da flora terrestre (Beerling, 2007) que não cabe a este texto
desenvolver em pormenor.
As licófitas (Lycopodiidae) são extraordinariamente antigas. Aparecem no Devónico inferior, 50 M.a.
antes dos restantes ‘pteridófitos’. Tiveram um pico de diversidade e de abundância no Carbónico [359-
299 M.a.], tendo alguns géneros desempenhado um importante papel nos ecossistemas terrestres deste
período (e.g. Asteroxylon e Lepidodendron). A maioria das jazidas de carvão provém do lenho de licófitas
lenhosas. A sua importância declinou a partir do Carbónico superior. O nome eufilófitas alude ao facto
dos megáfilos se terem diferenciado neste grupo. Muitos autores defendem que folhas verdadeiras
surgiram uma única vez na história evolutiva das plantas, de forma independente dos micrófilos
característicos das licófitas. As plantas-vasculares com megáfilos evoluiram 40-50 M.a. depois das
primeiras plantas-vasculares e dominaram a flora terrestre a partir do final do Devónico. As eufilófitas
podem ser consideradas as primeiras cormófitas por terem um corpo vegetativo com raízes, caules e
folhas verdadeiras. Este grupo de plantas caracteriza-se ainda por se ramificar lateralmente e pela
inserção helicoidal dos ramos.
Ainda no Devónico as eufilófitas basais
estiveram na génese de dois novos grupos de
plantas-vasculares: as monilófitas (Monilophyta) e
as lignófitas (Lignophyta) (figura 17). As
monilófitas estão representadas nas floras atuais
pelos fetos (vd. As plantas-vasculares-sem-
semente. Os grandes grupos de ‘pteridófitas’). Os
equisetos recuam ao Devónico. Atingiram uma
diversidade significativa no Carbónico, com
abundantes formas arbóreas (e.g. Calamites). A
origem das Polypodiidae é um mistério. Os
primeiros fóssies reconhecíveis como tal datam do
Carbónico, mas sua origem é certamente devónica
(Kenrick & Davies, 2004). Os ‘pteridófitos [licófitos
+ fetos] dominaram a vegetação terrestres do
Carbónico ao Triássico (vd. Figura 18). Metade das Figura 19. Evolução do número de espécies de plantas
espécies carbónicas conhecidas de plantas vasculares ao longo do tempo (Willis & McElwain, 2002).
vasculares pertence às subclasses Lycopodiidae e
Equisetidae (Kenrick & Davies, 2004).
60 Escola Superior Agrária de Bragança - Botânica para Ciências Agrárias e do Ambiente
As lignófitas datam do Devónico médio [ca. 380 M.a], englobam as plantas-com-semente e os fetos,
já extintos, que os precederam: as progimnospérmicas. As lignófitas25 partilham a presença de um
meristema secundário especializado – o câmbio – que produz xilema para o interior e floema para o
exterior (Pryer et al., 2006). As progimnospérmicas possuíam um lenho semelhante ao das
gimnospérmicas atuais. Desempenharam um importante papel nas florestas do Pérmico; e.g. géneros
Archaeopteris, considerada a primeira árvore moderna, e Aneurophyton. A origem das plantas-com-
semente radica num ou mais grupos extintos, não identificado, de progimnospérmicas heterospóricas.
Não é claro se as espermatófitas são, ou não, monofiléticas (Mathews, 2009).
A substituição da homosporia (= isosporia, esporos idênticos) pela heterosporia (esporos ♂ e ♀
distintos) ocorreu de forma independente, em várias linhagens de plantas-vasculares. Por exemplo, as
licófitas heterospóricas e as progimnospérmicas heterospóricas descendem de espécies homospóricas
distintas. Os fetos homospóricos produzem protalos fotossintéticos de maior dimensão do que as
espécies heterospóricas. A heterosporia, originalmente, poderá ser uma adaptação a climas pouco
pluviosos ou de precipitações sazonais. Uma vez que os fetos dependem da presença de água livre para
concretizar a sua sexualidade, teoricamente, a reiteração de períodos húmidos muito curtos selecionou
positivamente os mecanismos de reprodução sexual rápida associados à heterosporia (Willis &
McElwain, 2002). A heterosporia precedeu e foi essencial para a evolução da semente.
A B C
Figura 20. Exemplos fósseis dos grandes grupos atuais de ‘pteridófitas’. A) Lycopodites selaginioides (Lycopodiidae)
(Carbónico?). B) Calamites aproximatus (Equisetidae) (Carbónico?). C) Pecopteris miltoni (Polypodiidae)
(Carbónico?) (fósseis expostos no Museu Botânico da Universidade de Coimbra).
Produção de lenhina Deposição de lenhina nos elementos do sistema vascular num ancestral
comum às licófitas e eufilófitas.
25
Refira-se que o crescimento secundário surgiu de forma independente das lignófitas nas licófitas e equisetófitas,
dois grupos muito antigos de plantas vasculares.
61 Escola Superior Agrária de Bragança - Botânica para Ciências Agrárias e do Ambiente
espessamento secundário
Sistema vascular Com floema (constituído por elementos de tubo crivoso) e xilema (os
traqueídos aparecem pela primeira vez nas rhyniófitas, o lenho secundário no
clado das lignófitas e os vasos lenhosos em algumas ‘pteridófitas’, nas
Gnetidae e nas angiospérmicas).
Alongamento liderado por A divisão celular envolvida no alongamento rameal está restringida a uma ou
meristemas apicais poucas células localizadas na superfície dos meristemas apicais.
Esporófito complexo e De grande duração, ramificado e com folhas (exceto nos grupos mais
autónomo do gametófito primitivos já extintos, Rhyniophyta) associadas com os caules em sistemas
caulinares.
Subclasse Lycopodiidae
As Lycopodiidae «lycopodiidas, lycófitas, licófitas, licopódios» são plantas-terrestres rizomatosas de
ramificação dicotómica, com micrófilos (sem megáfilos). Os esporófilos27 de Lycopodiidae surgem
organizados em estróbilos28 localizados na extremidade dos caules; quando maduros os estróbilos
tombam no solo e libertam os esporos. Produzem esporos iguais entre si (homosporia, e.g.
Lycopodiales) ou desiguais (heterosporia, ordens Selaginellales e Isoetales). Os gametófitos são
26
Outros autores modernos tratam estes grupos ao nível da Divisão: Psilotophyta, Equisetophyta, Marattiophyta e
Polypodiophyta.
27
Micrófilos onde se inserem os esporângios.
28
Estruturas reprodutivas semelhantes a pequenos cones ou cilindros.
62 Escola Superior Agrária de Bragança - Botânica para Ciências Agrárias e do Ambiente
monóicos (i.e. gametófitos bissexuados, e.g. Lycopodium) ou dióicos (i.e. com gametófitos ♀ e
gametófitos ♂, e.g. Selaginella). As licófitas são o grupo irmão dos Monilophyta. Têm uma moderada
relevância na flora atual (ca. 1200 espécies), escassa representação em Portugal continental mas com
algum significado no arquipélago dos Açores.
Subclasse Ophioglossidae
As plantas da subclasse Ophioglossidae «ophioglossidas, fetos-ophioglossidos» pertencentes ao
género Psilotum (Psilotales) apresentam uma estrutura simplificada do corpo vegetativo (ausência de
megáfilos e de raízes) aparentemente em resultado da simplificação evolutiva de um ancestral
estruturalmente mais complexo. A proximidade evolutiva entre os Psilotum e as plantas dos géneros
Ophioglossum e Botrychium (Ophioglossales), ambos indígenas Portugal, foi recentemente descoberta.
Estes dois géneros têm raízes verdadeiras e megáfilos mas, à semelhança dos Psilotum, a absorção de
nutrientes do solo depende de associações micorrízicas. As Ophioglossidae são homospóricas e
consideradas o grupo basal de todos os fetos (Monilophyta) atuais. Grupo de escasso registo fóssil,
pobre em espécies (ca. 90 espécies).
B C
A
Figura 21. Grandes grupos de ‘pteridófitas’. A) Diphasiastrum maderense (Lycopodiaceae, Lycopodiidae), n.b.
estróbilos localizados na extremidade dos caules. B) Ophioglossum lusitanicum (Ophioglossaceae, Ophioglossidae).
C) Equisetum arvense (Equisetaceae, Equisetidae). D) Folhas do endemismo ibérico Masilea batardae
(Marsiliaceae, Polypodiidae), n.b. a sua semelhança com as folhas dos trevos (Trifolium, Fabaceae). E) Diplazium
caudatum (Athyriaceae, Polypodiidae). F) Página inferior de uma fronde de Blechnum spicant (Blechnaceae,
Polypodiidae), n.b. esporos de cor acastanhada.
63 Escola Superior Agrária de Bragança - Botânica para Ciências Agrárias e do Ambiente
Subclasse Equisetidae
A subclasse Equisetidae (= Sphenopsida) «equisetidas, fetos-equisetídos, equisetófitas, equisetos»
inclui fetos terrestres, herbáceos e rizomatosos, de caules articulados, estriados e ocos, com
ramificações verticiladas e folhas verdadeiras (megáfilos) muito reduzidas, escamiformes e verticiladas.
Os chamados esporangióforos (estrutura onde se inserem os esporângios) surgem organizados em
estróbilos localizados na extremidade dos caules. As equisetidas são homospóricas. Produzem
gametófitos bissexuados ou masculinos. Atualmente estão reduzidas a ca. 15 espécies.
Subclasse Polypodiidae
A subclasse Polypodiidae «polypodiidas, polypodiófitas, fetos-polypodiidos, fetos-verdadeiros, fetos-
leptoesporangiados» é o grupo mais evoluído e recente de fetos. A maior parte dos géneros atuais de
polypodiidas data do Mesozóico [251-66 M.a] ou do Cenozóico [66-0 M.a.]. Apresentam uma morfologia
muito diversa; algumas espécies têm uma fisionomia arbórea (e.g. Cyathea cooperi, importante invasora
nos Açores). Os gametófitos geralmente têm uma forma de um coração estilizado. Os esporófitos
apresentam folhas de grande dimensão (frondes), com esporângios com uma única célula de espessura
(fetos leptoesporangiados) localizados na página inferior, solitários ou agrupados em soros protegidos
por uma escama (indúsio). As frondes férteis e as frontes estéreis são morfologicamente distintas em
algumas espécies (e.g. Osmunda regalis e Blechnum spicant). A polypodiidas são homospóricas
exceptuando duas pequenas famílias, Marsileaceae e Salviniaceae (inc. Azollaceae). A subclasse
Polypodiidae é de longe o grupo mais diverso grupo de fetos atuais (ca. 9000 espécies).
3.4. As plantas-com-semente
A B
Figura 22. Gimnospérmicas fósseis. A) Pterophyllum lipoldii (Cycadopsida) (Triássico ?). B) Fóssil jurássico de Pinus
sp. (Pinaceae) (fósseis expostos no Museu Botânico da Universidade de Coimbra).
65 Escola Superior Agrária de Bragança - Botânica para Ciências Agrárias e do Ambiente
Esporófilos (suportes dos Os braquiblastos correspondem ao eixo das estruturas reprodutivas das
esporângios) geralmente gimnospérmicas estrobiladas (com estróbilos, e.g. eixo das pinhas e dos
inseridos em braquiblastos. gálbulos, vd. I volume) e ao recetáculo da flor nas angiospérmicas.
Retenção do gametófito ♀ O megásporo funcional dá origem por mitose a um saco embrionário haplóide
(endoprotalia). (o megagametófito ou gametófito ♀) envolvido pela parede do megásporo
(endosporia); o gametófito ♀ permanece retido no interior do primórdio
seminal (endoprotalia), afastado do solo (os gametófitos dos ‘pteridófitos’, pelo
contrário, são subterrâneos), sendo nutrido pelo esporófito materno.
Semente. A semente é constituída por: 1) um eixo com um polo radicular e outro caulinar
(embrião); 2) órgãos anexos de reserva; 3) uma proteção (tegumento)
construída a partir do(s) tegumento(s) do primórdio seminal. Geralmente a
semente desidrata-se com mais ou menos intensidade (exceto cicadidas e
Ginkgo) e entra num estado de vida suspenso (quiescência).
A B
Figura 23. Gimnospérmicas atuais. A) Cycas revoluta (subclasse Cycadidae). B) Ginkgo biloba (subclasse
Ginkgoidae); n.b. primórdios seminais aos pares na extremidade de um megasporófilo. C) Pinus nigra subsp. laricio
(subclasse Pinidae). D) Ephedra fragilis (subclasse Gnetidae); n.b. ramos articulados.
3.4.2. As angiospérmicas
Contextualização evolutiva
Todas angiospérmicas têm um ancestral comum entre as gimnospérmicas: constituem um taxon
monofilético. O registo fóssil das angiospérmicas remonta ao Cretácico Inferior [146-100 M.a.]. Os grãos
de pólen com cerca de 135 M.a. (Idade Valingiana, Cretácico Inferior) detetados em Israel por Brenner &
Bickoff (1992) são os fósseis, bem documentados, mais antigos de que há conhecimento. Estudos
moleculares antecipam a emergência das angiospérmicas para o intervalo 199-167 M.a., da transição
Triássico-Jurássico ao Jurássico Médio (Bell et al., 2010). A dominância ecológica das angiospérmicas
iniciou-se há 90-100 M.a., na passagem do Cretácico Inferior para o Cretácico Superior. A radiação das
angiospérmicas é muito precoce. Friis et al. (2003) reconheceram no Archaefructus, o fóssil mais bem
preservado e completo mais antigo atribuído a uma angiospérmica (ca. de 124 M.a., Cretácico Superior),
características próprias de Nymphaeales (angiospérmicas basais). Praticamente todas as ordens
evidenciadas na figura 25 Filogenia das angiospérmicas estavam diferenciadas na transição entre o
Cretácico e o Cenozóico, há 65,5 M.a., 65-70 M.a. depois da primeira flor (vd. Stevens, 2001+). Ao
mesmo tempo que se diferenciaram os grandes clados das angiospérmicas verificou-se uma
diversificação em larga escala das estruturas da flor e a generalização das flores actinomórficas com
cálice e corola. As plantas com flores zigomórficas simpétalas com um tubo bem diferenciado só
ganham importância no Terciário.
68 Escola Superior Agrária de Bragança - Botânica para Ciências Agrárias e do Ambiente
Quadro 12. Principais aquisições evolutivas (apomorfias) das plantas-com-flor a nível reprodutivo
Carpelo Megasporófilo ♀.
Germinação estigmática Nas gimnospérmicas o pólen germina diretamente no micrópilo (vd. Biologia da
do pólen reprodução de gimnospérmicas); nas angiospérmicas o pólen é capturado pelo estigma,
germina e diferencia um tubo polínico que progride pelo estilete ao encontro dos
primórdios seminais protegidos no ovário (vd. Germinação do grão de pólen, formação
do tubo polínico e fecundação).
Dupla fecundação Envolve dois núcleos espermático que fertilizam, respectivamente, a oosfera e a célula
central (vd. Etapas da reprodução sexual nas angiospérmicas).
Fecundação e formação Intervalo de tempo muito curto entre a polinização e fecundação, e entre esta e a
mais rápida das sementes disseminação da semente.
29
As Gnetidae têm vasos lenhosos. Diferenças anatómicas sugerem que a sua origem seja independente dos vasos
lenhosos das angiospérmicas.
69 Escola Superior Agrária de Bragança - Botânica para Ciências Agrárias e do Ambiente
A flor permitiu a evolução de novos sistemas de polinização energeticamente mais eficientes do que
a polinização anemófila característica das gimnospérmicas porque os riscos de desencontro entre o
pólen e as estruturas reprodutivas femininas diminuíram. Sendo necessário menos pólen as plantas com
flor puderam desviar mais recursos para a produção de sementes, em detrimento da produção de
pólen. Por outro lado, o desenvolvimento relações mutualistas com insectos polinizadores, através da
oferta de recompensas (o pólen é muito rico em energia e em nutrientes, sobretudo azotados), acelerou
as taxas evolutivas. Além da função de proteção, o carpelo, depois de amadurecido e transformado em
fruto, alargou as soluções evolutivas para a dispersão das sementes. Nas gimnospérmicas os primórdios
seminais estão sujeitos à predação por insectos, a doenças, ao efeito mecânico do vento e da chuva e à
dessecação; a dispersão é geralmente autocórica ou anemocórica. A germinação estigmática do pólen
favoreceu a evolução de sistemas eficientes de promoção da alogamia (sistemas de auto-
incompatibilidade). O segundo tegumento aumentou a proteção do gametófito ♀. Um megagametófito
de menor dimensão implicou um menor investimento parental antes da fertilização; o investimento
parental pôde ser concentrado na formação do embrião. A formação do endosperma após a fecundação
reduziu o desperdício de energia; nas gimnospérmicas o endosperma é diferenciado antes da
fecundação, o que implica um investimento energético parental significativo e de alto risco (a
fecundação pode ou não acontecer). O encurtamento do período juvenil acelerou as taxas evolutivas
das plantas-com-flor frente às gimnospérmicas (o número de gerações por unidade de tempo
aumentou). A rapidez da fecundação e a formação das sementes nas angiospérmicas é notável; nas
gimnospérmicas prolonga-se por mais de um ano enquanto uma angiospérmica pode florir e produzir
semente e disseminar-se em poucos dias.
pequeno e enviesado da enorme diversidade de gimnospérmicas que povoaram o planeta Terra no final
do Paleozóico e no Mesozóico.
A) B)
Figura 24. Relações filogenéticas entre as linhagens atuais de plantas-com-semente. A) Cladograma suportado
pela informação fóssil). B) Cladograma sustentado em métodos moleculares de inferência filogenética. Extraído de
Mathews (2009).
A origem da flor
Nos últimos 125 anos digladiaram-se, sem um
resultado conclusivo, duas hipóteses em torno da origem
da flor. A hipótese do euanto ou euantial aceita que a
flor evoluiu a partir de uma estrutura simples, constituída
por um único eixo, com microsporófilos proximais e
megasporófilos distais, como as estruturas reprodutivas
de um importante grupo mesozóico extinto de
gimnospérmicas, as Bennettitales. As Bennettitales
tinham um hábito semelhante às Cycadaceae atuais.
Algumas das suas espécies produziam estruturas
reprodutivas análogas a flores: hermafroditas, envolvidas
por brácteas, com microsporófilos planos com sacos
polínicos marginais e megasporófilos curtos com
primórdios seminais terminais. De acordo com Meyen
(1988) de algum modo os megasporófilos das
Figura 25. Reconstrução da estrutura
Bennettitales tomaram a forma plana dos
reprodutiva de Williamsoniella (Bennettitales)
microsporófilos, enrolaram-se e ao soldarem-se pela (Harris, 1969). N.b. de fora para dentro:
margem encerraram no seu interior os primórdios brácteas, microsporófilos e um recetáculo
seminais. Além dos Bennettitales foram propostos outros alargado onde alternam escamas interseminais
e sementes. A semelhança com as flores das
putativos ancestrais no âmbito da teoria euantial que angiospérmicas é notável!
não cabe aqui explorar.
A hipótese pseudanto ou pseundantial propõe que as flores são uma inflorescência composta
condensada, i.e., que as flores evoluíram de um sistema ramificado de caules que suportavam micro e
megasporófilos. Originalmente esta hipótese apontava as Gnetidae como o elemento de conexão entre
as gimnospérmicas e as angiospérmicas.
Outra questão relevante é se os órgãos e os processos característicos da flor evoluíram lentamente
ou a sua agregação foi mais ou menos rápida. De acordo com a recém-proposta teoria da combinação-
71 Escola Superior Agrária de Bragança - Botânica para Ciências Agrárias e do Ambiente
transição (Stuessy, 2004) primeiro diferenciou-se o carpelo, depois a dupla fecundação e finalmente a
flor. Estes três passos evolutivos fundamentais terão demorado mais de 100 milhões de anos a ocorrer.
No âmbito desta teoria as gimnospérmicas são consideradas um grupo evolutivamente independente
das angiospérmicas e a origem destas últimas encontra-se nos fetos-com-semente (Stuessy, 2004).
No capítulo Polinização defendeu-se que a polinização teve um papel chave na evolução da flor. A
flor co-evoluiu com os animais polinizadores. A relação das plantas-com-semente com os insectos é
muito antiga, anterior às angiospérmicas. A gimnospérmica ancestral provavelmente segregava para o
exterior, através do micrópilo, uma gota de polinização para capturar pólen arrastado pelo vento (vd.
Biologia da reprodução de gimnospérmicas). Os primeiros insectos polinizadores terão sido atraídos
pelo valor alimentar do pólen e da gota de polinização. A consequente melhoria da polinização aportada
por estes visitantes incrementou a produção de sementes e selecionou positivamente flores vistosas,
com partes edíveis, pólen rico em proteínas e nectários, em suma estruturas reprodutivas mais atrativas
para os insectos. O aumento da visitação por insectos poderá ter forçado a emergência de flores
hermafroditas de modo a acelerar as trocas de pólen. A exposição à herbivoria dos primórdios seminais
foi resolvida com o aparecimento de carpelos fechados. Também para evitar a herbivoria a superfície
estigmática afastou-se da porção do carpelo preenchida com primórdios seminais (ovário), à custa da
diferenciação de um estilete. A proteção das sementes facilitou a produção de sementes mais
pequenas. Se as sementes eram mais pequenas podiam ser produzidas em maior número.
À escala das plantas-com-flor, a riqueza em espécies (diversidade específica) está positivamente
correlacionada com os seguintes caracteres (Coyne & Orr, 2004 cit. Rieseberg & Willis, 2007): presença
de canais resinosos e de esporões, polinização mediada por seres vivos, fisionomia herbácea, flores
zigomórficas, epifitia e poliploidia. Estes dados evidenciam que a coevolução entre as plantas e animais
polinizadores foi uma causa importante da elevada diversidade atual das angiospérmicas, com paralelo
apenas na classe dos insectos. Alguns autores, no entanto, defendem que não existe uma explicação
clara de como o estabelecimento de relações mutualistas com polinizadores pode incrementar as taxas
de especiação.
Durante o séc. XX admitiu-se que a mais primitiva planta com flor se encontraria entre o então
denominado “complexo magnolióide”. De acordo com esta hipótese a flor das magnólias (género
Magnolia, família Magnoliaceae) e de outras famílias afins (e.g. Winteraceae) eram um modelo
apropriado da flor ancestral das angiospérmicas. Dominavam na altura as ideias de dois grandes
filogenistas, o soviético/arménio Armen Takhtajan e o norte-americano Arthur Cronquist, ambos
influenciados por um outro botânico americano, C. Bessey. As primeiras flores, defendiam estes autores,
eram grandes, com muitas peças inseridas em espiral num eixo alongado, com as peças do perianto
semelhantes entre si (i.e. com tépalas), estames pouco diferenciados e carpelos livres. Esta hipótese
pressupunha que as primeiras angiospérmicas seriam provavelmente árvores ou arbustos.
Uma série de estudos de filogenia, com dados moleculares e morfológicos, publicados a partir de
1999 puseram em causa um paradigma dominante, com mais de 100 anos, sobre a origem da flor. A
discussão em torno da estrutura das primeiras flores enriqueceu-se com a descoberta na China do
Archaefructus e o estudo de pequenos fósseis carbonizados cretácicos, com menos de 1 cm de
diâmetro, provenientes de Portugal e da América do Norte. Num artigo recente Endress & Doyle (2009)
fazem um ponto da situação e (re)discutem em profundidade a questão. As angiospérmicas basais (e.g.
Amborella e nenúfares) e o registo fóssil, tratados com as ferramentas conceptuais e estatísticas
apropriadas, indiciam que a flor primitiva, entre outros caracteres, possuía: mais de dois verticilos de
tépalas e de estames; um número moderado de estames; carpelos livres e fechados por secreções (sem
um tecido a conectar as margens do carpelo). Não é claro se esta flor era unissexual ou hermafrodita, se
a filotaxia das peças florais era verticilada ou alterna em espiral ou, mesmo, se as tépalas eram
diferenciadas em sépalas e pétalas. As flores dos grupos basais (“mais primitivos”) ao que parece
resultam da simplificação de flores mais complexas quando há pouco tempo se admitia serem
72 Escola Superior Agrária de Bragança - Botânica para Ciências Agrárias e do Ambiente
primitivamente simples. Não é claro qual seria a fisionomia das primeiras angiospérmicas. A polinização
por insectos apareceu num momento muito recuada da evolução das angiospérmicas. Faegri e van der
Pijl (1979) postularam que as flores mais primitivas eram polinizadas por coleópteros enquanto
atabalhoadamente percorriam a flor e consumiam pólen. Atualmente os dípteros (moscas) são os mais
sérios candidatos a polinizadores da flor primitiva (Thein et al., 2009).
Perenifolia → Caducifolia
Perianto indiferenciado, de tépalas livres, → Perianto duplo (com cálice e corola), de corola
actinomórfico simpétala, zigomórfico
Figura 26. Relações filogenéticas dos mais importantes clados de angiospérmicas (adaptado de Stevens, 2001+).
Os triângulos assinalam os clados mais diversos.
A C
B
Figura 27. Grados e clados principais das angiospérmicas. A) Nuphar luteum (Nymphaeaceae, ‘angiospérmicas
basais’). B) Piper sp. (Piperaceae, magnoliidas).C) Magnolia soulangeana (Magnoliaceae, magnoliidas). D) Bromus
erectus (Poaceae, monocotiledóneas). E) Lilium martagon (Liliaceae, monocotiledóneas). F) Ranunuclus
olyssiponensis (Ranunculaceae, ‘eudicotiledóneas basais’). G) Hybiscus rosa-sinensis (Malvaceae, rosidas). H)
Campanula herminii (Campanulaceae, asteridas). I) Helianthus tuberosus (Asteraceae, asteridas).
As famílias basais das angiospérmicas – também conhecido por grado ANA ou, simplesmente, por
angiospérmicas basais – somam menos de 1% das plantas-com-flor. Em Portugal estão exclusivamente
representadas pela família dos nenúfares (Nymphaeaceae). As magnoliidas correspondem a menos de
5% das espécies atuais de angiospérmicas. Constituem um clado muito antigo, anterior às
monocotiledóneas e às eudicotiledóneas, dominado por plantas lenhosas, preferentemente tropicais,
caracterizado por uma grande diversidade de alcalóides e por flores geralmente acíclicas ou trímeras
75 Escola Superior Agrária de Bragança - Botânica para Ciências Agrárias e do Ambiente
(verticilos com 3 peças). As magnoliidas incluem famílias com alguma importância económica como as
lauráceas «família do loureiro», as miristicáceas «família da noz-moscada», as anonáceas «família da
anoneira» e as piperáceas «família da pimenta».
As monocotiledóneas compreendem cerca de 20 % das angiospérmicas. Antes de 1990 as plantas-
com-flor eram cindidas em dois grupos – monocotiledóneas e dicotiledóneas –, geralmente
reconhecidos com a categoria de classe – Magnoliopsida e Liliopsida –, segregados com base num leque
variado de caracteres, expressos no quadro 14. A dicotomia monocotiledóneas-dicotiledóneas era,
então, considerada a divergência mais importante da história das angiospérmicas e teria ocorrido muito
próximo da base da grande árvore filogenética das plantas-com-flor, i.e. logo no início da sua história
evolutiva. Os métodos de filogenia molecular cedo demonstraram que as monocotiledóneas eram, de
facto, um grupo monofilético, mas que a sua divergência se situava acima de alguns grupos atuais de
plantas-com-flor, concretamente das angiospérmicas basais e das magnoliidas. Consequentemente, o
conceito tradicional de dicotiledóneas faz destas um grupo parafilético (ao contrário das
monocotiledóneas não incluem todos os descendentes de um ancestral comum).
1 cotilédone (por vezes embrião não diferenciado, 2 cotilédones (raramente 1,3 ou 4, ou o embrião
e.g. Orchidaceae) indiferenciado)
Feixes vasculares distribuídos irregularmente ou Feixes vasculares no caule em anel (colaterais) «exceto
formando 2 ou mais círculos concêntricos Piperaceae»
Sistema radicular das plantas maduras de tipo Sistema radicular nas plantas adultas primário, adventício ou
fascicular adventício de ambos os tipos
30
Alguns autores traduzem “core eudicots” por eudicotiledóneas nucleares.
76 Escola Superior Agrária de Bragança - Botânica para Ciências Agrárias e do Ambiente
adaptadas a ambientes extremos – e.g. solos salinos e ambientes desérticos – com adaptações
morfológicas e fisiológicas particulares, e.g. metabolismo ácido das crassuláceas e suculência (Soltis et
al., 2006). As asteridas reúnem quase 80.000 espécies; apresentam flores simpétalas e primórdios
seminais simplificados. A discussão das características dos principais clados das angiospérmicas é
retomada, com mais pormenor, no III volume deste livro.
Figura 28. Filogenia das angiospérmicas (adaptado de Stevens, 2001+, versão de Março de 2012)
o clima oscilou entre os frios glaciares e os calores tropicais, passando pelos macroclimas de tipo
temperado e mediterrânico (Suc, 1984). No início da época Miocénica [23,8-5,3 M.a.] grande parte da
Península Ibérica estava submetida a um macrobioclima de tipo tropical, com chuvas bem distribuídas
ao longo do ano e, à exceção das montanhas, com uma estação fria amena e sem geadas. Cobriam a
Península Ibérica amplas florestas tropicais e subtropicais, entre as quais sobressaiam pela sua
abundância as florestas laurifólias (laurissilva), i.e. florestas dominadas por espécies de folhas grandes,
largas, por norma inteiras (não recortadas), persistentes, sem pelos, rijas, lisas e brilhantes.
A partir do Miocénico Médio a flora e a vegetação ibéricas foram profundamente marcadas por uma
sucessão de convulsões geológicas e macroclimáticas, em particular pelas alterações climáticas que
culminaram na transição do macrobioclima tropical para o mediterrânico no Pliocénico e pelos
numerosos ciclos glaciar-interglaciar plistocénicos. A instabilidade climática, o progressivo
arrefecimento e continentalização do clima e a crescente sazonalidade da precipitação (i.e.
mediterraneidade) e da temperatura iniciados no Miocénico Médio provocaram uma regressão da área
de distribuição ou a extinção das espécies características dos bosques tropicais e subtropicais terciários.
As espécies mais exigentes em temperatura e água foram as primeiras a extinguir-se, ainda no
Miocénico Médio – e.g. Avicennia (fam. Acanthaceae) e Bombacoideae (fam. Malvaceae). Seguiram-se,
no Pliocénico ou na primeira metade do Plistocénico, muitas outras espécies de famílias tropicais (e.g.
Sapotaceae) ou de famílias hoje refugiadas em áreas temperadas não europeias com Invernos benignos
(e.g. Taxodiaceae, Nyssaceae ou Rhoipteleaceae). A flora atual das ilhas Macaronésicas, em particular a
da ilha da Madeira, é o repositório mais completo da flora tropical e subtropical europeia e norte-
africana do Miocénico. Alguns dos géneros mais frequentes de árvores dos atuais bosques
sempreverdes dos arquipélagos dos Açores e da Madeira estavam certamente presentes nos bosques
ibéricos do final do Terciário – e.g. os géneros de lauráceas Ocotea «til», Apollonias «barbujano», Laurus
«loureiro» e Persea «vinhático» e os géneros Sideroxylon «marmulano» (fam. Sapotaceae), Picconia
«pau-branco» (fam. Oleaceae) ou Clethra «folhado» (fam. Clethraceae).
A generalização do regime climático mediterrânico no Pliocénico (ca. 3,2 M.a.) despoletou a
formação de um grande número de novas espécies de plantas (radiação adaptativa), muitas das quais
adaptadas ao fogo, a partir de linhagens pré-existentes. Portanto, é no final do Terciário que se
diversificam os géneros tipicamente mediterrânicos da flora atual da Bacia Mediterrânica, e.g. Cistus
«estevas», Olea «azambujeiros», Pistacia e Rhamnus. É também neste período que se organizam, pela
primeira vez, os tipos de comunidades vegetais mais importantes da vegetação mediterrânica atual da
Península Ibérica, de que são exemplos os bosques de folha persistente (perenifólios) de Quercus
(ordem Quercetalia ilicis, classe Quercetea ilicis), os matos-altos com espécies de folhas rijas, largas e
lustrosas (matagais da ordem Pistacio-Rhamnetalia alaterni, classe Quercetea ilicis), os estevais
(comunidades de Cistus sp.pl. da classe Cisto-Lavanduletea) e, possivelmente, as comunidades de
plantas aromáticas de calcários (classe Rosmarinetea officinalis), e.g. comunidades de Thymus
«tomilhos», Lavandula «rosmaninhos» e Rosmarinus «alecrim». O arrefecimento do clima no Pliocénico
promoveu a imigração de plantas adaptadas a climas temperados (elementos arctoterciários) de regiões
próximas do polo norte. Nos bosques caducifólios temperados atuais (classe Querco-Fagetea) a maior
parte das espécies arbóreas descendem dos elementos arctoterciários, como é o caso das fagáceas de
folha larga e caduca dos géneros Quercus «carvalhos», Fagus «faias» e Castanea «castanheiros»; dos
géneros arbóreos Acer «bordos», Alnus «amieiros», Betula «bidoeiros», Populus «choupos», Salix
«salgueiros», Corylus «aveleiras», Fraxinus «freixos» e Ulmus «ulmeiros» (Sitte et al., 2004). A flora
arctoterciária, tanto do hemisfério norte como do hemisfério sul, tem uma origem euroasiática. Este
grupo de plantas migrou posteriormente para a região Neártica (territórios de macroclima temperado e
mediterrânico da América do Norte) e daí para as regiões não tropicais do hemisfério sul (e.g. Andes, sul
da Argentina e do Chile e Nova Zelândia) (Takhtajan, 1986).
Próximo da transição entre o Terciário e o Quaternário, os bosques tropicais e subtropicais que
tinham dominado a vegetação terrestre da Península Ibérica durante mais de 50 Ma encontravam-se
78 Escola Superior Agrária de Bragança - Botânica para Ciências Agrárias e do Ambiente
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