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Carlos Aguiar

Botânica
para Ciências Agrárias e do Ambiente
Volume II • Reprodução e evolução

Instituto Politécnico de Bragança


2012
Publicado pelo Instituto Politécnico de Bragança
Imagem da capa: Plumeria rubra (Apocynaceae).
Versão de 25-IV-2012
© Carlos Aguiar
ISBN 978-972-745-124-1
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Índice
1. Ciclos de vida e biologia da reprodução das plantas-com-semente .................... 3
1.1. Ciclo de vida das plantas ................................................................................ 3
1.2. Biologia da reprodução de espermatófitas .................................................... 7
1.2.1. Funções e vantagens da reprodução sexual ........................................... 7
1.2.2. Biologia da reprodução de gimnospérmicas .......................................... 8
1.2.3. Biologia da reprodução de angiospérmicas ............................................ 9
1.2.3.1. Etapas da reprodução sexual nas angiospérmicas ........................... 9
1.2.3.2. Esporogénese e gametogénese ...................................................... 10
1.2.3.3. Polinização ...................................................................................... 10
1.2.3.3.1. Definição .............................................................................................. 10
1.2.3.3.2. Sistemas de reprodução ....................................................................... 11
1.2.3.3.3. Sistemas de auto-incompatibilidade .................................................... 14
1.2.3.3.4. Sistemas de polinização ....................................................................... 16

1.2.3.4. Germinação do grão de pólen, formação do tubo polínico e


fecundação ..................................................................................................... 23
1.2.3.5. Desenvolvimento da semente ........................................................ 24
1.2.3.6. Formação do fruto .......................................................................... 25
1.2.3.7. Dispersão ........................................................................................ 25
1.2.3.8. Dormência da semente ................................................................... 29
1.2.3.9. Germinação da semente ................................................................. 31
1.2.3.10. Reprodução assexuada ................................................................. 34
1.3. Ciclos de vida das gimnospérmicas e angiospérmicas ................................. 38
1.3.1. Ciclo de vida das gimnospérmicas: Pinus pinaster «pinheiro-bravo» .. 38
1.3.2. Ciclo de vida das angiospérmicas: Prunus avium «cerejeira» .............. 40
2. Introdução à biologia da evolução ..................................................................... 41
2.1. Evolução ....................................................................................................... 41
2.2. Especiação .................................................................................................... 46
3. Evolução das plantas-terrestres ......................................................................... 50
3.1. Do nascimento da vida às algas ancestrais das plantas-terrestres.............. 50
3.2. As primeiras plantas-terrestres .................................................................... 53
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3.3. As plantas-vasculares ................................................................................... 57


3.4. As plantas-com-semente.............................................................................. 63
3.4.1. As plantas-com-semente sem flor ........................................................ 63
3.4.2. As angiospérmicas ................................................................................ 67
3.5. Paleo-história recente da flora de Portugal ................................................. 76
4. Referências ......................................................................................................... 78
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1. Ciclos de vida e biologia da reprodução das plantas-com-


semente

1.1. Ciclo de vida das plantas


Conceitos fundamentais e tipologia
O ciclo de vida (= ciclo biológico de vida) de um organismo estende-se do zigoto, ou do propágulo1,
até à produção de descendentes (= reprodução), por via sexuada e/ou assexuada. A reprodução sexuada
envolve duas células especializadas – gâmetas ♂ e ♀ – provenientes de um mesmo indivíduo nas
espécies monóicas, ou de dois indivíduos distintos, um ♂, e outro ♀, nas espécies dióicas. A reprodução
assexuada envolve um único indivíduo.
Na reprodução sexuada alternam dois eventos fundamentais à escala celular, consoante os grupos
taxonómicos mais ou menos afastadas no tempo:
a) Meiose – processo celular durante o qual
uma célula parental diplóide (com 2n
cromossomas) origina quatro células
haplóides (com n cromossomas); a meiose
envolve 2 divisões celulares – divisão
reducional e divisão equacional – ocorrendo a
redução para metade do número de
cromossomas durante a primeira divisão
Figura 1. Representação esquemática
celular; após a divisão equacional do ciclo de vida haplonte.
diferenciam-se, de imediato, gâmetas (e.g.
animais) ou esporos (e.g. plantas);
b) Fecundação – processos celular, simétrico da
meiose, durante o qual duas células haplóides
(gâmetas) se conjugam formando uma célula
diplóide designada por zigoto; a fecundação
nos animais e nas plantas mais primitivas
refere-se à fusão das células sexuais ♂ e ♀;
nas plantas-com-semente mais evoluídas a
Figura 2. Representação esquemática
fecundação, como mais adiante se descreve, do ciclo de vida diplonte.
é substancialmente mais complexa.
A extensão e complexidade das fases diplóide e haplóide permite distinguir três tipos fundamentais
de ciclo de vida nos eucariotas:
a) Ciclo de vida haplonte2 (= haplôntico ou haplobiôntico-haplóide) – geralmente a meiose –
meiose pós-zigótica (= meiose zigótica) – sucede a fecundação e a formação do zigoto; zigoto

1
Qualquer estrutura que permita a reprodução vegetativa de uma planta.
2
As designações “ciclo de vida haplonte” e “ciclo de vida diplonte”, embora de uso corrente, são imprecisas porque
os termos haplonte e diplonte são também usados para designar, de forma genérica, os indivíduos haplóides ou
diplóides, em qualquer um dos três tipos de ciclo de vida explanados no texto. Em alternativa servem as
designações ciclo de vida haplofásico, diplofásico e haplodiplofásico.
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diplóide, todas as restantes células haplóides; nos organismos pluricelulares as células haplóides
produzidas por meiose3 a partir do zigoto multiplicam-se por mitose e dão origem a indivíduos
pluricelulares haplóides; ciclo característico de muitos protozoários, fungos; e.g. numerosos
Ascomycota e a maioria das algas-verdes (Chlorophyta), entre as quais as Charophyta, os
ancestrais diretos das plantas-terrestres (Equisetopsida);
b) Ciclo de vida diplonte (= diplôntico ou haplobiôntico-diplóide) – geralmente a diferenciação dos
gâmetas e a fecundação ocorrem logo após a meiose – meiose pré-gamética (= meiose
gametogénica ou gamética); gâmetas haplóides, todas as restantes células diplóides (em alguns
grupos taxonómicos as células haplóides produzidas por meiose podem sofrer várias mitoses
antes de se diferenciarem os gâmetas); nos organismos pluricelulares – a grande maioria dos
seres com ciclo de via diplonte – todas as células diplóides descendem de um zigoto,
multiplicam-se por mitose e dão origem a indivíduos pluricelulares diplóides; ciclo característico
dos animais e de alguns fungos (e.g. Oomycota e vários Ascomycota) e de muitas algas-
castanhas (Heterokontophyta);
c) Ciclo de vida haplodiplonte (= haplodiplôntico
ou diplobiôntico) – ciclo de vida complexo que
envolve dois tipos de células reprodutoras
(esporos e gâmetas) e a alternância, no tempo,
de dois tipos distintos de organismos, uns
produtores de gâmetas – gametófitos – e outros
produtores de esporos – esporófitos; meiose e
fecundação mais ou menos afastadas no tempo;
Figura 3. Representação esquemática
meiose – meiose pré-espórica (= meiose do ciclo de vida haplodiplonte.
esporogénica) – imediatamente sucedida pela
formação de esporos; todas as plantas-
terrestres (Equisetopsida) são haplodiplontes.
Os seres haplodiplontes exibem duas importantes características:
a) Alternância de gerações – duas razões sustentam a aplicação do conceito de alternância de
gerações aos seres haplodiplontes: 1) os gametófitos e os esporófitos descendem de células
reprodutoras especializadas distintas, esporos e gâmetas, respectivamente; 2) após um período
vegetativo mais ou menos longo, durante o qual as suas células se multiplicam por mitose, tanto
os gametófitos como os esporófitos geram novas células reprodutoras diferentes das que lhes
deram origem. Nos ciclos de vida haplonte e diplonte, de zigoto a zigoto, pelo contrário, existe
uma única geração, respectivamente haplóide ou diplóide, e apenas é produzido um tipo de
células reprodutoras, os gâmetas;
b) Alternância de fases nucleares – salvo raríssimas exceções que não cabe aqui desenvolver, a
alternância das gerações gametofítica e esporofítica coincide com uma alternância de duas fases
nucleares, a fase haplóide (= haplófase) com n cromossomas e a fase diplóide (= diplófase) com
2n cromossomas.
Os dois eventos fundamentais dos ciclos haplodiplontes – fecundação e meiose – envolvem, como se
referiu, dois tipos particulares células reprodutoras4 (= células reprodutivas) haplóides:
a) Gâmeta – célula reprodutora sexual unicelular, componente essencial no processo de
fecundação; os órgãos especializados na formação de gâmetas designam-se por gametângios; os
taxa isogâmicos produzem gâmetas ♂ e ♀ iguais; nos taxa anisogâmicos (= heterogâmicos) os

3
Alguns autores são se coíbem de apelidar por esporo, as células haplóides formadas por meiose do zigoto nos
seres de ciclo haplonte.
4
As células não reprodutoras designam-se por células somáticas.
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gâmetas ♂ e ♀ são distintos na forma e na função; a oogamia é um caso extremo de anisogamia


no qual os gâmetas ♀ são desproporcionalmente maiores do que os gâmetas ♂;
b) Esporo – célula reprodutora unicelular produzida após meiose5 (meiose pré-espórica), confinada
por uma parede de esporopolenina quimicamente muito resistente; os esporos formam-se no
interior de esporângios; os seres homospóricos produzem esporos iguais; os seres
heterospóricos produzem esporos ♂ (= micrósporos) e ♀ (= megásporos), de distinta
morfologia, respectivamente em microsporângios e em megasporângios; a produção de esporos
é um tipo de reprodução assexuada.

Contextualização taxonómica do ciclo de vida das plantas-terrestres


A teoria da alternância de gerações de Wilhelm Hofmeister (1824-1877) e a formulação darwiniana
da evolução são as duas teorias unificadoras mais importantes da biologia da evolução de plantas.
Hofmeister percebeu, ainda antes da publicação da Origem das Espécies de Charles Darwin, que a
alternância gerações é uma característica comum e, unificadora, do ciclo de vida de todos os grupos de
plantas. Com a revolução de darwiniana, as estruturas – e.g. esporófito, gametófito, esporos, gâmetas,
esporângios e gametângios – e os mecanismos à escala celular – e.g. meiose, gametogénese e
esporogénese – envolvidos na alternância de gerações, descritos ao pormenor pelos botânicos alemães
na segunda metade do séc. XIX, foram entendidos como homólogos, e comparados entre os grupos
taxonómicos que compõem o reino Plantae. A perceção de uma origem evolutiva comum das estruturas
e mecanismos da alternância de gerações permitiu, ainda, o desenvolvimento de novos conceitos
essenciais na descrição detalhada da estrutura e no estudo da evolução dos ciclos de vida das plantas-
terrestres; e.g. retenção dos gâmetas, retenção dos esporos e redução do gametófito. Atualmente, o
estudo das relações evolutivas ao nível dos grandes grupos de plantas, para além da filogenia molecular,
repousa, em grande parte, no estudo comparativo dos ciclos de vida e das estruturas reprodutivas, e
nos métodos de filogenia molecular.
Como foi anteriormente referido, as plantas-terrestres (Equisetopsida) possuem um ciclo de vida
haplodiplonte, no qual, sob o controlo da meiose e da fecundação, alternam duas gerações – gerações
gametofítica (= gametófito) e esporofítica (= esporófito) – coincidentes com duas fases nucleares – fase
haplóide (n cromossomas) e fase diplóide (2n cromossomas). As duas gerações alternantes são
heteromóficas porque o gametófito e o esporófito são morfologicamente distintos. O gametófito
prepondera no ciclo de vida das ‘briófitas’; nas plantas vasculares [‘pteridófitas’ + plantas-com-
semente], pelo contrário, domina a geração esporofítica. A geração gametofítica inicia-se com um
esporo e cessa na formação dos gâmetas, nos gametângios ♂ e ♀. Todas as plantas-terrestres são
anisogâmicas: os gâmetas ♂ ou ♀ são distintos entre si. Os gâmetas ♂ são pequenos e móveis; os ♀,
maiores, imóveis e permanecem retidos no interior do gametófito ♀. A geração esporofítica começa no
zigoto e termina nas células-mãe dos esporos. As ‘briófitas’ são homospóricas a ligeiramente
heterospóricas (vd. As plantas terrestres-não-vasculares). As espermatófitas [gimnospérmicas +
angiospérmicas] e quatro6 pequenas famílias de ‘pteridófitas’ atuais – Marsileaceae, Isoetaceae,
Salviniaceae (inc. Azollaceae) e Selaginellaceae – são heterospóricas: produzem micrósporos e
megásporos.
Em condições naturais, a biomassa das ‘briófitas’ é largamente dominada pelo gametófito: o
esporófito resume-se a um esporângio e ao “pé” que o suporta. Nas ‘pteridófitas’ sucede o inverso: o
gametófito – o protalo – é pequeno, inconspícuo e, frequentemente, vive soterrado no solo. Pode ser
clorofilado e desempenhar a função fotossintética, ou alimentar-se saprofiticamente de matéria
orgânica em decomposição com a colaboração de simbiontes fúngicos. Nas ‘briófitas’ a meiose ocorre

5
O termo esporo também é aplicado a células reprodutoras não resultantes de meiose, com um importante papel
na reprodução assexuada quer de gametófitos quer de esporófitos. Para os distinguir muitos autores designam
estes esporos por esporos directos e os esporos procedentes de meiose por meiósporos.
6
Algumas Equisetaceae são também heterospóricas.
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numa cápsula a partir da qual, após maturação, se dispersam os esporos. Embora as ‘briófitas’ sejam
homospóricos, mais de 50% dos musgos e cerca de 2/3 das hepáticas produzem gametófitos unissexuais
(Wyatt, 1982). As ‘pteridófitas’ também possuem esporângios, geralmente localizados na base (e.g.
Isoetes) ou na página inferior das folhas (e.g. maioria das Polypodiidae). Nas ‘pteridófitas’
heterospóricas os esporos de maior (megásporos) e menor dimensão (micrósporos) dão,
respectivamente, origem a gametófitos ♀ e ♂. Os gametófitos são, por regra, bissexuais nos grupos
homospóricos.
Nas ‘briófitas’ e nas ‘pteridófitas’, os gametângios ♀ – os arquegónios – têm a forma de uma garrafa.
Os arquegónios guardam no ventre – parte basal, de maior diâmetro – um gâmeta ♀, a oosfera. Os
gametângios ♂ – os anterídeos – têm uma forma globosa. Os anterídeos produzem gâmetas ♂
flagelados e móveis, os anterozóides. As ‘briófitas’ e as ‘pteridófitas’, assim como algumas de algas-
verdes (e.g. Charales), apresentam um caso extremo de anisogamia, designado por oogamia,
caracterizado pela presença de gâmetas ♀ muito maiores, e mais ricos em reservas do que os gâmetas
♂. As oosferas aguardam pelos gâmetas ♂ retidos no interior do gametófito. Em ambos os grupos o
movimento dos gâmetas ♂ e, implicitamente, a fecundação, dependem da presença de água. Admite-se
que a distância percorrida pelos gâmetas ♂ das ‘briófitas’ e das ‘pteridófitas’ é, regra geral, diminuta. O
zigoto forma-se no interior do arquegónio após o encontro dos gâmetas. Enquanto nas ‘briófitas’ o
esporófito “parasita” permanentemente o gametófito, nas ‘pteridófitas’ o esporófito torna-se
rapidamente independente.
As plantas-com-semente [angiospérmicas + gimnospérmicas] são heterospóricas: produzem esporos
♂ (= micrósporos) e esporos ♀ (= megásporos), após meiose (meiose pré-espórica). Embora sejam
anisogâmicos, o volume celular dos gâmetas ♂ e ♀ nas espermatófitas é menos desproporcionado do
que nos grupos oogâmicos (‘pteridófitas’ e ‘briófitas’). Recorde-se que de acordo com a teoria da
alternância de gerações de Hofmeister, os órgãos onde se formam esporos são homologáveis a
esporângios, e estes diferenciam-se nos esporófitos. Os gametófitos, por seu turno, geram gâmetas em
gametângios. Nas plantas-com-semente os micrósporos diferenciam-se em sacos polínicos,
interpretáveis como microsporângios; os megásporos no interior de primórdios seminais, identificados
com megasporângios. Ao invés das ‘briófitas’ e das ‘pteridófitas’, nas plantas-com-semente verifica-se
uma retenção dos esporos, tanto ♂ como ♀, no corpo do esporófito.
Os gametófitos das espermatófitas, sobretudo das angiospérmicas, são substancialmente mais
simples, do que nas ‘briófitas’ e nas ‘pteridófitas’. O gametófito ♂ – grão de pólen plurinucleado – é
móvel. O gametófito ♀ – o saco embrionário – não tem vida livre, permanece retido no interior do
primórdio seminal circundado por tecidos esporofíticos maternais (nucela e tegumentos). Após a
polinização, as gimnospérmicas mais avançadas (coníferas e Gnetidae) e todas as angiospérmicas
produzem num tubo polínico pluricelular que conduz o gâmeta ♂, i.e. a células espermática, ao
encontro da célula gamética ♀ (oosfera). Este processo de reprodução designa-se por sifonogamia. Nas
gimnospérmicas o tubo polínico progride no tecido nucelar, nas angiospérmicas nos tecidos do estilete.
Os grupos mais primitivos de gimnospérmicas – Ginkgoidae e Cycadidae – seguem um modelo de
reprodução intermédio entre a oogamia e a sifonogamia (sifonogamia imperfeita) porque, embora
produzam um tubo polínico, os gâmetas ♂ são flagelados (anterozóides) e parcialmente autónomos na
sua deslocação ao encontro da oosfera. Os gametófitos das espermatófitas desenvolvem-se à custa do
esporófito: o gametófito ♀ é alimentado pela nucela; o gametófito ♂ antes da deiscência é sustentado
pelos tecidos esporofíticos do saco polínico paternal. Nas angiospérmicas, depois da polinização, o
gametófito ♂ é ainda alimentado pelas células, também esporofíticos, do estilete do indivíduo
polinizado.
A fecundação determina a síntese do esporófito. Nas espermatófitas o esporófito recém-formado,
i.e. o embrião, desenvolve-se encapsulado no primórdio seminal fecundado, sendo alimentado pelo
esporófito materno até à maturação da semente. As reservas nutritivas injetadas pelo esporófito
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materno na semente garantirão a sobrevivência do embrião até que este, após a germinação e
emergência, dê origem a uma plântula autotrófica autónoma. As espermatófitas dispersam-se em dois
momentos muito precisos do seu ciclo de vida: enquanto pólen (mobilidade do gametófito ♂) ou
semente (mobilidade do esporófito imaturo). Os grupos mais primitivos de plantas-terrestres (‘briófitas’
e ‘pteridófitas’) deslocam-se sob a forma de esporos (mobilidade dos esporos) e, de forma muito
limitada, sob a forma de gâmetas ♂.
Nas angiospérmicas todos os fenómenos relacionados com reprodução decorrem na flor. Os
microsporângios e megasporângios localizam-se na parte mais interna da flor, geralmente rodeados por
pétalas e sépalas. Os sacos polínicos inserem-se nos estames e os primórdios seminais estão protegidos
no interior de carpelos. Por isso, os estames são interpretados como microsporófilos e os carpelos como
megasporófilos. Nas gimnospérmicas as estruturas reprodutivas, como mais adiante se discute, são mais
simples do que as das angiospérmicas, embora os gametófitos se apresentem menos reduzidos.

1.2. Biologia da reprodução de espermatófitas

1.2.1. Funções e vantagens da reprodução sexual


Os procariotas (= Bacteria + Archaea) reproduzem-se, maioritariamente, por via assexuada. Dois
mecanismos incipientes de sexualidade permitem a troca de informação genética neste grupo de
organismos:
a) Conjugação – transferência de informação genética através do contacto direto entre células;
b) Transdução – transferência de informação genética por intermédio de vírus bacterianos
(bacteriófagos).
A complexificação da sexualidade nos eucariotas incrementou extraordinariamente o seu potencial
evolutivo e explica a diversidade de formas e funções prevalente neste grupo de organismos.
A reprodução sexual envolve uma maquinaria bioquímica e estruturas energeticamente muito caras,
complexas e sujeitas a erros. Nas plantas, por exemplo, a produção de gâmetas ♂ é energeticamente
cara porque a maior parte do pólen perde-se na polinização. A formação de sementes, por seu turno,
demora tempo e envolve a concentração de grandes quantidades de nutrientes, primeiro no primórdio
seminal e, depois, na semente, apetecidos por todo o tipo de predadores e parasitas. A meiose e a
subsequente diferenciação dos gemetófitos ♂ e ♀ está sujeita a erros frequentes que se expressam na
produção de pólen e primórdios seminais estéreis. Portanto, é lícito admitir que a persistência e a
importância da reprodução sexual nas plantas se devem às vantagens que apresenta frente à
reprodução assexuada:
a) Expurga genes deletérios ao nível do indivíduo e da população; teoricamente, este efeito é mais
pronunciado nos seres haplodiplontes do que nos diplontes porque a longevidade da geração
gametofítica possibilita a expressão e a eliminação, por abortamento dos gametófitos, de genes
deletérios recessivos que na geração esporofítica não se expressariam;
b) Permite a combinação de mutações vantajosas de diferentes indivíduos, embora o inverso
também possa acontecer (rutura de combinações vantajosas);
c) Criação de novas combinações génicas por recombinação sobre as quais acuta a seleção natural;
na reprodução assexuada a “inovação genética” depende, em grande medida, de mutações
fortuitas e estas, regra geral, são deletérias;
d) Enquanto na reprodução assexuada os genótipos são selecionados como um todo, os
mecanismos de recombinação sexual (segregação dos cromossomas) e de recombinação
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genética (crossing-over) permitem que na reprodução sexual a seleção natural desça à escala do
gene, e que mutações vantajosas possam ser segregadas das mutações deletérias;
e) A reprodução sexual reduz os riscos de extinção de populações e espécies porque aumenta a
velocidade e a qualidade das soluções adaptativas para lidar com a variabilidade ambiental e as
elevadas taxas evolutivas dos microrganismos patogénicos.
Quando os custos da sexualidade são superiores aos da reprodução assexuada – por exemplo em
condições de grande estabilidade ambiental – a reprodução assexuada pode-se tornar dominante. Na
bibliografia estão relatadas espécies que se reproduzem sexuada e assexuadamente em função das
condições ambientais.

1.2.2. Biologia da reprodução de gimnospérmicas


A diferenciação do megasporócito (= célula mãe do saco embrionário) é posterior à polinização. Após
meiose origina 4 megásporos, um dos quais (o mais próximo da base do primórdio) germina e dá origem
ao gametófito ♀. O gametófito ♀ das gimnospérmicas tem centenas de células e múltiplos arquegónios;
2 nas coníferas (Pinidae), geralmente em maior número nas Ginkgoidae e Cycadidae. Cada arquegónio
tem à sua custódia uma oosfera. Geralmente, apenas se diferencia um embrião, as restantes oosferas
abortam. Curiosamente, as células do gametófito ♀ das Ginkgoidae são ricas em clorofila.
Os grãos de pólen são transportados pelo vento (polinização anemófila) sendo diretamente
capturado pelos primórdios seminais, que para o efeito segregam para o exterior do micrópilo uma gota
de polinização. Alguns grupos, como as Cycadidae e as Gnetidae, são secundariamente polinizados por
insectos. A gota de polinização ao ser reabsorvida transporta para o interior os grãos de pólen. O pólen
germina diretamente no micrópilo ou numa câmara imediatamente abaixo do micrópilo (câmara
micropilar). Nas Pinidae e nas Gnetidae desenvolve-se um tubo polínico que põe os núcleos
espermáticos em contacto direto com as oosferas (sifonogamia). Nas Ginkgoidae e nas Cycadidae o tubo
polínico rompe-se na proximidade dos arquegónios e liberta dois ou mais gâmetas flagelados
(anterozóides) que nadam na gota de polinização ao encontro das oosferas (sifonogamia imperfeita).
Nas Ginkgoidae a fecundação ocorre com os primórdios já tombados no solo e as sementes estão
maduras um ano após a fecundação. Nas Cycadidae entre a fecundação e polinização medeiam até 6
meses. Nas Pinidae a fertilização ocorre 4-6 meses após a polinização.
O tecido de reserva das sementes das gimnospérmicas – o endosperma primário – tem origem em
células haplóides do saco embrionário e forma-se antes da fecundação. A dupla fecundação
características das angiospérmicas apenas se verifica num pequeno grupo de gimnospérmicas – na
subclasse Gnetidae – no entanto o endosperma permanece haplóide como nos restantes grupos de
gimnospérmicas (Carmichael & Friedman, 1995). Nas Ginkgoidae e nas Cycadidae o primórdio seminal
atinge a dimensão da semente depois da polinização mas ainda antes da fecundação. Este investimento
envolve grandes riscos porque o primórdio pode abortar. As Pinidae são mais eficientes neste processo
porque são capazes de realocar parte da energia dos primórdios não fecundados e o crescimento dos
primórdios ocorre após a fecundação. As sementes de gimnospérmicas maturam em 2-3 anos e
geralmente são ricas em lípidos e proteínas. Nas Ginkgoidae e nas Cycadidae, ao contrário das Pinidae, a
semente não se desidrata e, reunidas as condições ecológicas apropriadas, a germinação ocorre
imediatamente após a fertilização.
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1.2.3. Biologia da reprodução de angiospérmicas

1.2.3.1. Etapas da reprodução sexual nas angiospérmicas


Nas angiospérmicas a reprodução sexual envolve as seguintes etapas:
a) Esporogénese – formação dos micrósporos e dos megásporos;
b) Gametogénese – desenvolvimento dos gametófitos ♂ e ♀ a partir, respectivamente, dos
micrósporos e dos megásporos;
c) Polinização – transporte do pólen (gametófito ♂) entre os estames e o estigma de um pistilo;
d) Germinação do grão de pólen e desenvolvimento do tubo polínico – envolve a hidratação do
pólen, a emergência do tubo polínico e a penetração do tubo polínico ao longo do estilete;
e) Fecundação (= fertilização) – inclui a penetração do micrópilo pelo tubo polínico e a fusão
gamética de duas células espermáticas (gâmetas ♂), respectivamente, com a oosfera (gâmeta
♀) e com a célula central onde residem os dois núcleos polares;
f) Embriogénese – desenvolvimento do embrião;
g) Formação da semente – envolve a diferenciação e a acumulação de reservas em tecidos
especializados, a dessecação e, frequentemente, a entrada em dormência da semente.

Figura 4. Representação esquemática do ciclo de vida das angiospérmicas. N.b. geração esporofítica (parte
inferior da figura) da geração gametofítica (parte superior da figura).
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1.2.3.2. Esporogénese e gametogénese


Microsporogénese e microgametogénese
A formação dos micrósporos (microsporogénese) sobrevém nos sacos polínicos. Por meiose cada
célula-mãe dos grãos de pólen (= microsporócito) dá origem a 4 micrósporos inicialmente organizados
em tétradas (grupos de 4). A microgametogénese consiste no desenvolvimento do microgametófito a
partir de um micrósporo. O gametófito ♂ é, inicialmente, constituído por apenas uma célula haplóide, o
micrósporo. Protegido no interior dos sacos polínicos o micrósporo, por mitose, cinde-se a duas células
também haplóides: a célula generativa7 e a célula vegetativa (= célula do tubo), esta de muito maior
dimensão. Em 70 % das angiospérmicas o pólen é libertado com apenas duas células. Nos restantes
30%, o pólen é libertado com três células porque, ainda na antera, por mitose, a célula generativa dá
origem a duas células espermáticas (= gâmetas ♂). Estas células, pouco depois, são integralmente
incorporadas no citoplasma da célula vegetativa. Nos grãos de pólen bicelulares a divisão da célula
generativa verifica-se mais tarde, aquando do alongamento do tubo polínico no estilete da planta
polinizada.

Megasporogénese e megagametogénese
No interior do primórdio seminal imaturo encontra-se o megasporócito (= célula mãe do saco
embrionário) que, após meiose, origina 4 megásporos. O destino dos quatro megásporos é variável,
regra geral apenas sobrevive o megásporo calazal (situado no polo oposto ao micrópilo). Estão descritas
para cima de dez sequências de desenvolvimento do gametófito ♀, i.e. de tipos de megagametogénese.
Com se referiu no ponto dedicado ao primórdio seminal, mais de 70 % das angiospérmicas têm um saco
embrionário tipo Polygonum, formado a partir de um único megásporo, e constituído por 8 núcleos
haplóides e 7 células: a oosfera, 2 sinergídeas, uma célula central cenocítica com 2 núcleos (núcleos
polares) e 3 antípodas. Nas angiospérmicas basais o megagametófito tem quatro células e quatro
núcleos, uma condição interpretada como primitiva (Friedman & Williams, 2004). Outras variantes
descritas na bibliografia são tipos derivados do saco embrionário tipo Polygonum.

1.2.3.3. Polinização

1.2.3.3.1. Definição
A polinização consiste na transferência de pólen entre uma antera e um estigma nas angiospérmicas,
ou entre um saco polínico e a abertura micropilar nas gimnospérmicas. A polinização é indispensável na
reprodução sexual. A formação de embriões não sexuais – embriões partenogenéticos ou adventícios –
por vezes também necessita do estímulo provido pela captura do pólen pelas anteras. A polinização
deficiente é a maior causa de insucesso reprodutivo nas plantas-com-flor. O papel chave deste processo
na evolução da estrutura da flor e na biologia da reprodução de plantas-com-semente permite que, em
última instância, a flor seja interpretada como adaptação à polinização.
Nas angiospérmicas a libertação do pólen, i.e. abertura das anteras, pode ocorrer antes (nas flores
cleistogâmicas) ou depois da abertura das flores ao exterior (nas flores casmogâmicas). As flores
cleistogâmicas partilham vários caracteres que facilitam a sua distinção das flores casmogâmicas:
geralmente são pequenas, pouco coloridas, sem odor nem néctar, as suas anteras situam-se na
proximidade dos estigmas e permanecem fechadas ao exterior durante a polinização. Por exemplo, a

7
Também conhecida por célula anteridial. Este termo deve ser evitado porque pressupõe uma homologia, não
demonstrada, entre esta célula e um anterídeo reduzido. Algo semelhante sucede com a interpretação evolutiva do
saco embrionário.
11 Escola Superior Agrária de Bragança - Botânica para Ciências Agrárias e do Ambiente

maioria das flores da Portulaca oleracea (Portulacaceae) «beldroega» e do Triticum aestivum (Poaceae)
«trigo-mole» é cleistogâmica. A cleistogamia obrigatória característica do T. subterraneum implica que
as suas populações naturais sejam constituídas por linhas puras (Katznelson, 1974) e que as
características genéticas das cultivares comerciais se mantêm após a sementeira. Algumas espécies
produzem flores cleistogâmicas e casmogâmicas em diferentes fases do seu desenvolvimento; e.g. Viola
odorata (Violaceae) «violeta-de-cheiro» e Catananche lutea (Asteraceae). Nas gramíneas casmogâmicas
as lodículas separam as glumelas na ântese; nas espécies cleistogâmicas a morfologia das lodículas é
inadequada para esta função.

1.2.3.3.2. Sistemas de reprodução


Sob a designação comum de “sistema de reprodução” (ing. breeding systems) discutem-se, agora, a
“expressão da sexualidade” (= sistemas sexuais) e os “sistemas de cruzamento” (ing. mating systems).
Na bibliografia os sistemas de reprodução são abordados com vários níveis de detalhe e explicitados
através de uma nomenclatura especializada e, infelizmente, pouco consistente. Será fácil na literatura
encontrar termos e conceitos alternativos aos utilizados nas secções que se seguem.

Sistemas sexuais
O sistema sexual expressa a distribuição dos órgãos sexuais ao nível do indivíduo, ou da população,
de uma dada espécie. No quadro seguinte estão resumidos os sistemas sexuais identificados por Cruden
& Lloyd (1995) no grande clado das plantas-terrestres.

Quadro 1. Sistemas sexuais nas plantas-terrestres (adaptado de Cruden & Lloyd, 1995).

Prefixo Homoicia Monoicia Dioicia

Sem prefixo [f. hermaf.] [f.♂ + f.♀] [f.♂] + [f.♀]


Homoicia Monoicia* Dioicia

Andro- [f.♂ + f.hermaf.] [f.♂] + [f.hermaf.] ou [f.♂] + [f.♂ + f.♀]


Andromonoicia Androdioicia

Gino- [f.♀ + f.hermaf.] [f.♀] + [f.hermaf.] ou [f.♀] + [f.♂ + f.♀]


Ginomonoicia Ginodioicia

Tri- [f.♂ + f.♀ + f.hermaf.] [f.♂] + [f.♀] + [f.hermaf.] ou [f.♂] + [f.♀] + [f.♂ + f.♀]
Trimonoicia Tridioicia

Legenda: [ ] – indivíduo; f. – flor; hermaf. – hermafrodita. * em agronomia é frequente designar por ginóicas as cultivares
apenas com flores femininas.

A monoicia e a dioicia evoluíram, de forma independente, para evitar a endogamia em muitos


grupos de plantas primitivamente homóicas. A monoicia e a dioicia são pouco frequentes na natureza
(ca. 70% das angiospérmicas são homóicas) porque envolvem custos energéticos muito elevados, uma
vez que nestas plantas uma parte significativa das flores (plantas monóicas), ou dos indivíduos (plantas
dióicas), não produz semente. A monoicia e a dioicia são mais comuns em regiões áridas e noutros
ambientes extremos onde parecem atribuir mais vantagens adaptativas do que nos climas mas benignos
para a vida vegetal. Outras formas de expressão sexual reduzem os custos da monoicia e da dioicia
estrita mantendo níveis intermédios de alogamia; e.g. diversas variantes de poligamia (indivíduos com
flores hermafroditas e de flores unissexuais), uma condição muito frequente na natureza.
Os sistemas sexuais são particularmente diversos nas cucurbitáceas. O Citrullus lanatus «melancia» e
muitas Cucurbita cultivadas são monóicas. As cultivares de Cucumis sativus «pepino» podem ser
12 Escola Superior Agrária de Bragança - Botânica para Ciências Agrárias e do Ambiente

monóicas ou exclusivamente femininas (ginóicas) de frutos partenocárpicos. No Cucumis melo


(Cucurbitaceae) «meloeiro» a maioria das cultivares são andromonóicas ou trimonóicas. As primeiras
flores são masculinas. As flores femininas e/ou hermafroditas diferenciam-se nos ramos laterais
secundários ou terciários. O ramo primário geralmente é podado acima da segunda folha verdadeira
para acelerar a ramificação, o aparecimento de flores femininas ou hermafroditas e dessa forma
antecipar a produção de frutos.

Sistemas de cruzamento

Definição de autopolinização e de polinização cruzada


Reconhecem-se dois tipos fundamentais de sistemas de cruzamento:
a) Autopolinização (= autofecundação; ing. self-pollination) – transferência de pólen entre flores ou
no interior de uma flor de um mesmo indivíduo;
i) Gneitogamia – plantas polinizadas pelo pólen oriundo de outras flores do mesmo
indivíduo;
ii) Autogamia – os primórdios seminais e o pólen envolvidos na fecundação procedem da
mesma flor;
b) Polinização cruzada (= alogamia, xenogamia, fecundação cruzada) – transferência de pólen entre
dois indivíduos distintos.
A polinização cruzada é francamente mais frequente nas angiospérmicas do que a autopolinização.
Os dois tipos fundamentais de sistemas de cruzamento reconhecidos raramente são perfeitos, tanto ao
nível do indivíduo como da população. Por essa razão é conveniente considerar as seguintes variantes:
a) Autopolinização perfeita – taxa de autopolinização de 100% e, implicitamente, taxa de
polinização cruzada de 0%;
b) Autopolinização predominante – taxa de autopolinização de 95% a 100%;
c) Polinização cruzada perfeita – taxa de polinização cruzada de 100%;
d) Polinização cruzada predominante – taxa de polinização cruzada de 95% a 100%;
e) Sistema misto – populações com taxas intermédias de autopolinização e de polinização cruzada
(de 5 a 95 %).

Vantagens e mecanismos de promoção da polinização cruzada


A polinização cruzada aumenta o sucesso reprodutivo dos indivíduos e reduz os riscos de extinção
das espécies, entre outras vantagens porque:
a) Evita os efeitos deletérios de depressão endogâmica – entende-se por depressão endogâmica a
redução do sucesso reprodutivo (= fitness) causada pela autopolinização; os mecanismos
envolvidos na depressão endogâmica, e a sua importância relativa, não estão totalmente
esclarecidos; a manifestação de genes deletérios recessivos será um dos mais importantes;
b) Promove a variabilidade genética à escala do indivíduo (heterozigotia) e da população
(diversidade em alelos) – a variabilidade genética acelera as taxas evolutivas por adaptação dos
indivíduos e aumenta o potencial evolutivo das populações e espécies.
As vantagens adaptativas associadas à polinização cruzada impulsionaram a evolução de um
conjunto muito alargado de mecanismos de promoção da alogamia:
a) Expressão sexual – (vd. Sistemas sexuais);
b) Sistemas de polinização – com vetores de transporte do pólen a longa distância (vd. Sistemas de
polinização);
13 Escola Superior Agrária de Bragança - Botânica para Ciências Agrárias e do Ambiente

c) Hercogamia8 (mecanismos espaciais) – separação espacial de estigmas e estames; vários


mecanismos promovem a separação de estigmas e estames, e.g. presença de estruturas
especiais (e.g. rostelo nas flor das Orchidaceae «orquídeas»), estames e pistilos de diferente
tamanho (vd. exemplos na secção Sistemas de auto-incompatibilidade) ou anteras deiscentes
para o exterior (anteras extrorsas) (e.g. Lilium [Liliaceae] «lírios e açucenas»);
d) Mecanismos temporais:
i) Alteração ontogénica de sexo – produção de flores unissexuais de sexo distinto ao
longo do ciclo fenológico; e.g. iniciação do ciclo fenológico com flores ♀ mais tarde
substituídas por flores ♂;
ii) Dicogamia – desfasamento temporal na maturação dos órgãos sexuais ♀ e ♂ em flores
hermafroditas; para ser eficaz é necessário que todas as flores de uma mesma planta
libertem pólen (= ântese) em simultâneo; dois tipos de dicogamia:
 Protandria – ântese anterior à maturação dos estigmas; mais frequente do que
a protoginia; e.g. Asteraceae e maioria das Lamiaceae;
 Protoginia – estigmas recetivos antes da ântese; e.g. Plantago
(Plantaginaceae);
e) Sistemas de auto-incompatibilidade (vd. Sistemas de auto-incompatibilidade) – incapacidade das
plantas hermafroditas, portanto com gâmetas ♂ e ♀ funcionais, de produzirem sementes por
autopolinização ou quando fertilizadas por outros indivíduos geneticamente semelhantes; os
indivíduos portadores de combinações genéticas incompatíveis não produzem sementes porque
a germinação estigmática do pólen, o crescimento do tubo polínico, a fertilização dos primórdios
seminais ou o desenvolvimento do embrião são neutralizados pela planta recetora; as plantas
hermafroditas auto-incompatíveis dizem-se também autoestéreis; as plantas autogâmicas e
gneitogâmicas são, necessariamente, auto-compatíveis (= auto-férteis).

Vantagens, desvantagens e mecanismos de promoção da autopolinização


Uma vez que a evolução parece favorecer a variabilidade genética, a polinização cruzada é mais
frequente entre as plantas silvestres do que a autopolinização. No entanto, a alogamia acarreta:
a) Insegurança reprodutiva – os mecanismos de promoção da alogamia reduzem a capacidade das
plantas se fecundarem com o próprio pólen e incrementam os riscos de insucesso reprodutivo
em populações muito pequenas;
b) O desmembramento de combinações génicas favoráveis – particularmente prejudicial em
ambientes extremos que exigem adaptações, e combinações génicas, muito particulares; e.g.
solos tóxicos derivados de rochas ultrabásicas;
c) Investimento em mecanismos energeticamente caros – e.g. sistemas de incompatibilidade;
d) Ineficiente eliminação de genes deletérios.
Consequentemente, a autopolinização é vantajosa em:
a) Habitats muito estáveis – nestas condições a inovação genética não é determinante;
b) Habitats muito imprevisíveis (e.g. fogos ou condições meteorológicas) – a alogamia pode atrasar
excessivamente a polinização e incrementa os riscos de insucesso reprodutivo;
c) Habitats muito seletivos para as plantas que exigem adaptações muito especializadas – a
alogamia pode acarretar a um desmembramento de combinações génicas favoráveis;

8
Num sentido clássico a hercogamia refere-se à presença de dispositivos especiais que impedem a autopolinização.
14 Escola Superior Agrária de Bragança - Botânica para Ciências Agrárias e do Ambiente

d) Espécies com ciclos de vida muito curtos (e.g. plantas anuais) – a terofitia (ciclo de vida anual)
incrementa a insegurança reprodutiva da alogamia;
e) Espécies de floração precoce – estas espécies enfrentam, geralmente, uma elevada escassez de
agentes polinizadores animais e condições meteorológicas desfavoráveis para a fecundação;
f) Espécies com sistemas de dispersão a longa distância – teoricamente as plantas autogâmicas são
melhores dispersores a longa distância (e.g. em ilhas oceânicas) porque uma planta é suficiente
para despoletar um evento de colonização;
g) Espécies adaptadas a ocupar rápida de habitats com grandes quantidades de recursos
disponíveis – produzir descendentes rapidamente é uma estratégia vantajosa na captura
recursos em habitats livres ricos em recursos e livres de competidores diretos;
h) Populações pequenas com indivíduos muito dispersos – a autopolinização reduz a insegurança
reprodutiva;
i) Quando os polinizadores animais são escassos – a autopolinização reduz a insegurança
reprodutiva.
Diversos mecanismos favorecem a autopolinização: flores hermafroditas, proximidade entre as
anteras e o pistilo, deiscência introrsa, maturação simultânea dos órgãos sexuais ♀ e ♂, ausência de
mecanismos de incompatibilidade, ausência de estruturas que isolem os estigmas das anteras e
cleistogamia (vd. Definição de polinização). Os mecanismos que promovem a autopolinização são
simétricos dos anteriormente referidos a respeito da polinização cruzada.

1.2.3.3.3. Sistemas de auto-incompatibilidade


Reconhecem-se dois tipos fundamentais
de auto-incompatibilidade:
a) Sistemas de auto-incompatibilidade
heteromórfica – aliam um
mecanismo fisiológico a um
mecanismo morfológico de
prevenção da autopolinização; a
heterostilia é o mecanismo
morfológico mais frequente;
b) Sistemas de auto-incompatibilidade
homomórfica – sistema de auto-
incompatibilidade com um
mecanismo fisiológico, sem Figura 1. Distilia em Primula acaulis (Primulaceae).
expressão morfológica.
Nas populações de plantas heterostílicas com um sistema de auto-incompatibilidade heteromórfica
geralmente coabitam dois (distilia) ou três (tristilia) tipos morfológicos de flor que condicionam as trocas
de gâmetas entre indivíduos. Nas plantas distílicas coexistem indivíduos com flores de estames longos e
pistilo curto e indivíduos com flores de estames curtos e pistilos longos. As polinizações compatíveis
verificam-se apenas entre flores com anteras e estigmas do mesmo comprimento (flores com estames e
pistilos longos e flores com estames e pistilos curtos). A distilia ocorre, por exemplo, em Primula
(Primulaceae), Lithodora (Boraginaceae) «primaveras» e Linum usitatissimum (Linaceae) «linho». A
tristilia, não discutida neste texto, observa-se em Lythrum salicaria (Lythraceae) «salgueirinha» e Oxalis
sp.pl. (Oxalidaceae).
15 Escola Superior Agrária de Bragança - Botânica para Ciências Agrárias e do Ambiente

Nas angiospérmicas são muito frequentes dois sistemas de auto-incompatibilidade homomórfica


regulados por genes situados num único locus (locus S) polimórfico (alelos S1, S2, S3, etc.):
a) Auto-incompatibilidade gametofítica – a produção de sementes só ocorre quando o alelo
presente no grão de pólen está ausente na planta que o acolhe; neste sistema só um dos alelos
da planta que cede o pólen é expresso no pólen; sistema frequente nas famílias Fabaceae,
Papaveraceae, Poaceae, Rosaceae e Solanaceae;
b) Auto-incompatibilidade esporofítica – a produção de sementes é impedida quando qualquer um
dos genes presentes no dador de pólen está presente na planta polinizada; embora o
gametófito ♂ seja haplóide, neste sistema ambos os alelos (caso a planta seja heterozigótica) do
esporófito (diplóide) que cede o pólen estão expressos no pólen; sistema frequente em
Asteraceae, Betulaceae, Brassicaceae e Convolvulaceae.

Quadro 2. Sistemas de auto-incompatibilidade: exemplos

Exemplo 1 Exemplo 2 Exemplo 3

Auto- S1S2 (planta recetora de pólen) x S1S2 (planta recetora de S1S2 (planta recetora de pólen) x
incompatibilidade S1S2 (planta dadora de pólen) → pólen) x S1S3 (planta dadora S3S4 (planta dadora de pólen) →
gametofítica grãos de pólen S1 ou S2 → tubos de pólen) → grãos de pólen grãos de pólen S3 ou S4 → todos
polínicos bloqueados → não S1 ou S3 → S3 formação de os tubos polínicos
ocorre formação de semente. tubos polínicos; S1 bloqueado potencialmente viáveis →
→ descendência S1S3 e S2S3. descendência S1S3, S1S4, S2S3 e
S2S4.

Auto- S1S2 (planta recetora de pólen) x S1S2 (planta recetora de S1S2 (planta recetora de pólen) x
incompatibilidade S1S2 (planta dadora de pólen) → pólen) x S1S3 (planta dadora S3S4 (planta dadora de pólen) →
esporofítica grãos de pólen S1 ou S2 mas com de pólen) → grãos de pólen grãos de pólen S3 ou S4 mas com
expressão simultânea dos dois S1 ou S3 mas com expressão expressão simultânea dos dois
alelos → tubos polínicos simultânea dos dois alelos → alelos → todos os tubos polínicos
bloqueados → não ocorre tubos polínicos bloqueados → potencialmente viáveis →
formação de semente. não ocorre formação de descendência S1S3, S1S4, S2S3 e
semente. S2S4.

A) B)

Figura 2. Sistemas de auto-incompatibilidade: exemplos A) Auto-incompatibilidade gametofítica. B) Auto-


incompatibilidade esporofítica
16 Escola Superior Agrária de Bragança - Botânica para Ciências Agrárias e do Ambiente

1.2.3.3.4. Sistemas de polinização


Vetores e sistemas de polinização
Depois de maturados, os grãos de pólen podem disseminar-se em tétradas9, aglomerados em
número variável (e.g. polinídeas das orquidáceas) ou isoladamente (condição mais frequente). Nas
flores autogâmicas o pólen acede ao estigma por gravidade (condição mais frequente), pelo contacto
direto das anteras com os estigmas ou é transportado, no interior da flor, pelo vento ou por insectos.
A polinização cruzada exige a ação de agentes de
vetores polínicos. A polinização pelo vento e pela água
desenrola-se de forma passiva (polinização passiva). A
polinização ativa envolve uma relação mutualista na qual a
planta é polinizada e um vetor animal recebe, geralmente,
uma recompensa alimentar pelo “serviço polinização”. Três
tipos principais de recompensa alimentar:
a) Néctar – solução açucarada, frequentemente rica
em compostos aromáticos, produzida nos nectários;
o néctar é essencialmente uma fonte de energia
para os polinizadores; a concentração em açúcar do
néctar está correlacionada com o tipo de
polinizador;
b) Pólen – o pólen fornece proteínas aos polinizadores;
algumas espécies produzem dois tipos de pólen: um
tipo viável e um segundo tipo estéril mais agradável Figura 3 Guias nectaríferas. Iris subbiflora
para os polinizadores; (Iridaceae), endemismo calcícola lusitano: os
insectos aterram numa das três tépalas
c) Peças da flor – o consumo de peças da flor está externas, para não escorregarem
associado a relações mutualistas pouco evoluídas apoiam-se nos pêlos e seguem as guias
(e.g. polinização cantarófila de muitas magnoliidas); nectaríferas que apontam o centro da flor.
os estames são as peças mais consumidas.
A polinização ativa tem que ser anunciada aos vetores animais. Para tal as plantas servem-se de
sinais visuais, olfativos ou tácteis. Os sinais visuais expressam-se no perianto (e.g. pétalas coloridas dos
das Liliaceae, pétalas com marcas e pêlos nos Iris ou guias ultravioletas em Potentilla [Rosaceae]),
estames (e.g. estames coloridos das Myrtaceae e Mimosoideae e estaminódios de Zingiberaceae e
Cannaceae) ou na inflorescência (e.g. inflorescências comosas de Lavandula (Lamiaceae)
«rosmaninhos»]. Os osmóforos, normalmente, sediados no perianto (e.g. na coroa dos Narcissus)
libertam odores – sinais olfativos – de composição química variável consoante as espécies polinizadoras
(e.g. odores doces para atrair abelhas, ou a proteínas em decomposição [carne podre], para atrair
moscas). As chamadas guias nectaríferas são sinais periânticos, visuais ou tácteis, que fazem uma
sinalização de proximidade da localização das recompensas em néctar e, desse modo, encaminham os
insectos na sua direção.
A dependência excessiva num único vetor polínico, ou num grupo reduzido de vetores embora
assegure a chegada de pólen de boa qualidade (i.e. proveniente de outras plantas da mesma espécie)
incrementa os riscos de insucesso reprodutivo. Por essa razão muitas espécies servem-se de mais de um
vetor polínico ou autopolinizam-se perante um atraso excessivo da chegada de um vetor com pólen
compatível do exterior. Por exemplo, as flores Cistus (Cistaceae) «estevas» são visitadas por um
espectro muito alargado de insectos, que compreende himenópteros (vespas), dípteros (moscas) e
coleópteros (escaravelhos) sendo os primeiros dominantes.

9
Grupos coesos com 4 grãos de pólen, descendentes da mesma célula-mãe dos grãos de pólen.
17 Escola Superior Agrária de Bragança - Botânica para Ciências Agrárias e do Ambiente

O conceito de sistema de polinização (= mecanismo de polinização, ing. polination systems) expressa


a estratégia de polinização evolutivamente adquirida pela planta polinizada. Os sistemas de polinização
são classificados em função do vetor polínico:
a) Polinização anemófila – polinização pelo vento;
b) Polinização hidrófila – água como vetor de polinização;
c) Polinização zoófila – polinização por animais:
i) Polinização entomófila – polinização por insectos;
ii) Polinização ornitófila – polinização por aves;
iii) Polinização quiropterófila – polinização por morcegos;
iv) Polinização malacófila – polinização por caracóis.

Síndromas de polinização

Quadro 3. Síndromas de polinização

Sistema de Morfologia da flor Odor e néctar Pólen Outros aspetos Exemplos


polinização

Anemofilia – Flores numerosas, pequenas, Sem odor; sem Produzido em Quercus, Salix
polinização nuas, frequentemente néctar. grande «salgueiros»,
-
pelo vento. unissexuais e com poucos quantidade; Betula
primórdios seminais; grãos de pólen «bidoeiros».
estames com filetes longos, pequenos, leves
estigmas de grande e isolados.
superfície.

Polinização Flores pequenas e Sem odor; sem Produção de


hidrófila – inconspícuas (submersas ou néctar. muito pólen; –
polinização flutuantes); estigmas de grãos de pólen
pela água. grande superfície, por vezes pequenos, por
flutuantes. vezes
flutuantes.

Polinização Flores de cores vivas, Sem odor ou Ântese diurna. Fuchsia


ornitófila – geralmente vermelhas, pouco odoríferas; (Onagraceae)

polinização actinomórficas, tubulosas e néctar produzido «fúchsias», Aloe
por aves. com pétalas distalmente em maior (Asphodelaceae)
recurvadas; ovário quantidade do «aloes»,
frequentemente lenhoso. que nas flores Strelitzia
entomófilas. «strelícias».

Polinização Flores de cores mortas Odor Ântese noturna. Musa sp.pl.


quiropterófila (brancas, acastanhadas, desagradável (Musaceae)

– polinização etc.), robustas, longamente (e.g. cheiro a «bananeiras»,
por pedunculadas, grandes, ranço); néctar Adansonia
morcegos. acampanuladas e estames e abundante. digitata
estigmas excertos ou então (Malvaceae,
flores pequenas e agrupadas Bombacoideae)
em inflorescências densas; «embondeiro».
ântese noturna.

Entomofilia – Perianto bem diferenciado e Odor mais ou Produção de Localização das Vd. quadro
polinização colorido, por vezes menos intenso, pouco pólen; recompensas de seguinte.
por insectos. simulando formas ♂ (e.g. variável com o grãos de pólen modo a obrigar
labelo das Orchidaceae grupo de insectos grandes, ao contacto
«orquídeas»). polinizadores; o frequentemente entre inseto e
néctar é a pegajosos, estames e/ou
recompensa mais ornamentados e estigma, e.g.
importante. aglomerados nectários quase
em massas. ocultos no fundo
da flor.
18 Escola Superior Agrária de Bragança - Botânica para Ciências Agrárias e do Ambiente

Os vetores polínicos exercem uma grande pressão de seleção nas estruturas reprodutivas das
plantas-com-semente. Frequentemente, plantas com o mesmo vetor de polinização, ainda que
evolutivamente pouco aparentadas, apresentam estruturas reprodutivas de forma e função
semelhantes por convergência evolutiva. Faegri & van der Pijl (1979) designaram por síndroma de
polinização o conjunto de adaptações partilhadas, em maior ou menor grau, pelas plantas com um
mesmo vetor de polinização. De forma muito resumida descrevem-se no quadro2 as adaptações florais
mais frequentes aos vetores de polinização de maior relevância na natureza.
A polinização anemófila é secundária nas angiospérmicas, i.e. desenvolveu-se em linhagens
primitivamente entomófilas. A migração para a polinização anemófila é óbvia em alguns grupos de
plantas predominantemente entomófilas; e.g. Fraxinus (Oleaceae) «freixos» ou Sanguisorba (Rosaceae).
Em alguns clados anemófilos verificou-se um retorno à entomofilia; e.g. os ancestrais de Castanea
(Fagaceae) «castanheiros» e de Buxus (Buxaceae) «buxos» eram polinizados pelo vento.
A Strelitzia reginae (Strelitziaceae) «strelícia», uma planta ornamental rizomatosa sul-africana, muito
apreciada nos jardins de regiões tropicais ou de Invernos moderados, exibe um mecanismo singular de
polinização por aves. Nesta espécie, uma ou duas flores emergem de uma bráctea alongada e aguda.
Cada flor comporta três tépalas exteriores, cor-de-laranja, em forma de penacho, com a função de atrair
as aves polinizadoras. Uma tépala interior azulada está reduzida a uma escama, por debaixo da qual se
situa um nectário que recompensa, em néctar, as aves polinizadoras. Uma estrutura semelhante a uma
seta, constituída por duas tépalas livres azuis, encerra no seu interior cinco estames férteis e é
atravessada, e culminada, por um estilete filiforme. As aves apoiam-se nesta estrutura, pressionam-na,
com o seu peso, contra a bráctea, forçam a separação das duas tépalas, e, enquanto se alimentam de
néctar, os estames roçam e depositam pólen nas patas e nas penas do ventre das aves. Neste ato o
estigma também toca nas aves podendo capturar pólen proveniente de outros indivíduos da mesma
espécie.

A B

Figura 4. Polinização ornitófila e entomófila. A) Strelitzia reginae (Strelitziaceae) «strelícia», espécie de polinização
ornitófila. B) Rosmarinus officinalis (Lamiaceae) «alecrim», espécie polinizada por abelhas e insectos afins
(melitofilia); a flor da imagem é funcionalmente ♂.

As interações entre as plantas-com-flor e os insectos polinizadores geram forças seletivas recíprocas


– inseto vrs. planta e planta vrs. inseto – porque a polinização é um passo essencial na reprodução das
angiospérmicas e as flores são, pelo menos em potência, importantes na dieta alimentar dos insectos.
As pressões de seleção favorecem a emergência de adaptações, tanto nas flores como nos insectos.
Enquanto nas plantas evoluíram sistemas de atracão e de recompensa de polinizadores, os animais
adquiriram morfologias – e.g. pêlos nas patas e armaduras bocais singulares – e comportamentos
19 Escola Superior Agrária de Bragança - Botânica para Ciências Agrárias e do Ambiente

especializados. Cerca de 65% das angiospérmicas atuais são entomófilas e mais de 20% das espécies de
insectos dependem das flores para se alimentarem. A coevolução entre plantas polinizadas e insectos
polinizadores originou muitos casos de estreita dependência. Consequentemente, o atual declínio das
populações de abelhas e outros polinizadores está a pôr em risco a sobrevivência de muitas espécies de
plantas, sobretudo nas regiões tropicais. No quadro que segue, de forma muito resumida, descrevem-se
as síndromas de polinização associadas aos tipos mais comuns de entomofilia.

Quadro 4. Síndromas de polinização associados à entomofilia.

Síndroma de Características do inseto Síndroma (mais frequente) Exemplos


polinização

Melitofilia – As abelhas não veem o Flores de cores vivas, frequentemente amarelas ou Numerosas
polinização por vermelho, em contrapartida azuis, se vermelhas então com cor UV; flores Lamiaceae – e.g.
abelhas (Apis veem o ultravioleta (UV); grandes ou pequenas e então agrupadas em Salvia «sálvias»,
mellifera) e armadura bucal de média inflorescências densas; flores mecanicamente Rosmarinus
espécies afins, dimensão capaz de lidar com fortes, de tubo da corola ou garganta (nas flores officinalis «alecrim»,
e.g. abelhas alimentos sólidos e líquidos; dialipétalas) curtos, zigomórficas ou actinomórficas, Thymus «tomilhos».
solitárias, geralmente visitam regra geral com uma plataforma de apoio aos
abelhões (gén. repetidamente a mesma insectos (e.g. um lábio); presença de guias
Bombus). espécie de planta. nectaríferas UV na superfície das pétalas a indicar
posição dos nectários; odor adocicado e suave;
néctar de fácil acesso; libertação do pólen
estimulada pelas vibrações produzidas pelos
insectos.

Psicofilia – Diurno, de boa visão e pouco Flores frequentemente coloridas (azuis, amarelas ou Lavandula
polinização por olfato; as borboletas veem o vermelhas), actinomórficas e de tubo comprido e «rosmaninhos»
borboletas vermelho; armadura bucal estreito, por vezes providas de esporões; flores (Lamiaceae),
diurnas. longa e tubulosa, adaptada à frequentemente organizadas em inflorescências Lantana camara
aspiração de líquidos. e/ou com uma plataforma de apoio aos insectos; (Verbenaceae),
sem guias nectaríferas, odor pouco intenso embora Trifolium «trevos»
agradável; néctar geralmente pouco abundante e (Fabaceae), Viola
de difícil acesso; ântese diurna. «violetas»
(Violaceae).

Falaenofilia – Noturno, bom sentido do Flores de cores pálidas, frequentemente tubulosas, Brugmansia
polinização por olfato, por vezes com horizontais ou pendentes, zigomórficas ou «brugmânsias»,
borboletas capacidade de voo actinomórficas e de pétalas distalmente recurvadas Datura «figueiras-
noturnas. imobilizado (família para apoio dos insectos; sem guias nectaríferas; do-inferno»,
Sphingidae); armadura bucal frequentemente com odores fortes (pela tardinha Oenothera.
longa e tubulosa, adaptada à ou noite); néctar geralmente pouco abundante e de
aspiração de líquidos. difícil acesso; ântese noturna.

Miofilia – Atraídos por carne em Flores frequentemente claras, amarelas, alaranjadas Numerosas Araceae
polinização por decomposição ou de cores mortas, com desenhos quadriculados e e Apiaceae.
moscas. (sapromiofilia); armadura actinomórficas; odor desagradável (a proteínas em
bucal curta preparada para decomposição); sem néctar. N.b. nem todos os
absorver líquidos ou sólidos grupos de moscas polinizadoras são atraídos por
previamente liquefeitos. carne em decomposição, facto com reflexos na
estrutura das flores polinizadas; e.g. as flores
polinizadas por moscas da família Syrphidae
apresentam síndromas de polinização semelhantes
às flores polinizadas por abelhas.

Cantarofilia – Armadura bucal pouco Flores esverdeadas ou de cores escuras; geralmente Magnolia
polinização por especializada de tipo grandes, actinomórficas, com partes numerosas e «magnólias»,
coleópteros. triturador; polinizadores carnudas (e.g. muitas pétalas e estames), não Nymphaeaceae.
pouco especializados, tubulosas, com os órgãos sexuais muito expostos; as
alimentam-se pétalas e os estames atuam como recompensa e
indiscriminadamente de são consumidos pelos polinizadores; produção de
várias partes da flor. grandes quantidades de pólen; sem néctar; odor
forte, por vezes a carne podre (coprofilia).

Os hábitos de limpeza dos insectos polinizadores são um risco para as plantas entomófilas. Se os
polinizadores conseguem varrer o pólen do corpo, a compra do serviço polinização resume-se a uma
20 Escola Superior Agrária de Bragança - Botânica para Ciências Agrárias e do Ambiente

oferta, sem proveitos, de um produto energeticamente caro - o néctar. Consequentemente, a evolução


forçou as plantas a colocarem o pólen numa parte do corpo dos insectos que estes tenham dificuldade
em limpar. As orquídeas inserem massas de pólen com um pé viscoso na cabeça dos polinizadores. As
labiadas (Lamiaceae) de flores zigomórficas (com um plano de simetria), esfregam as anteras no dorso
dos insectos que visitam as suas flores. A Capparis spinosa (Capparaceae) «alcaparra» coloca o pólen no
ventre dos polinizadores. As plantas que inserem pólen no ventre dos polinizadores são raras nas
latitudes temperadas. Nos trópicos nem tanto (e.g. muitas fabáceas cesalpinióideas como as Bauhinia).
As anteras de Solanum lycopersicum (Solanaceae) «tomateiro», e de muitas outras espécies,
necessitam de ser agitadas pelo vento ou por insectos para libertarem o pólen. Este mecanismo de
polinização conhecido por polinização por vibração (ing. buzz-polination), depende da ação mecânica do
vento ou de insectos, sem que se verifique uma intervenção direta de um agente transportador de
pólen, i.e. de um vetor polínico.
As anteras de Solanum lycopersicum (Solanaceae) «tomateiro», e de muitas outras espécies,
necessitam de ser agitadas pelo vento ou por insectos para libertarem o pólen. Este mecanismo de
polinização conhecido por polinização por vibração (ing. buzz-polination), depende da ação mecânica do
vento ou de insectos, sem que se verifique uma intervenção direta de um agente transportador de
pólen, i.e. de um vetor polínico.
A polinização entomófila é particularmente complexa e evoluída em três famílias da flora
Portuguesa: Orquidáceas, Moráceas e Lamiáceas. A polinização das Orquidáceas é examinada mais
adiante (vd. Polinização por engano). O género Ficus (Moraceae) apresenta um engenhoso sistema de
polinização que envolve uma simbiose com pequenas vespas sem ferrão da família Agaonidae (classe
Hymenoptera). Como exemplo deste sistema exploramos, baseados em Flaishman et al. (2008), a
biologia da polinização do Ficus carica, a vulgar «figueira». O Ficus carica tem origem no Mediterrânico
Oriental. As plantas selvagens de Ficus carica, conhecidas por «caprifigos» ou «figueiras-selvagens», são
monóicas e polinizadas por uma única espécie de vespa, a Blastophaga psenes. O interior do sícono dos
caprifigos está revestido por flores ♀ de estilete curto; as flores ♂ concentram-se na vizinhança do
ostíolo, um pequeno poro situado na extremidade distal do sícono. As ♀ de B. pesenes penetram nos
síconos imaturos dos «caprifigos» pelo ostíolo, perfuram com um ovopositor especializado o estigma
das flores ♀ e depositam um ovo no seu interior. As larvas de B. psenes alimentam-se dos tecidos
ovariais das flores ♀. Finda a fase larvar e de pupa os adultos rompem as paredes do ovário e
abandonam as flores. Os ♂ são ápteros; emergem antes das ♀, fecundam-nas de imediato ainda no
interior dos ovários das flores ♀ dos caprifigos, e morrem pouco depois sem ver a luz do dia. As vespas
♀, já fecundadas, ao abandonarem o figo são “carregadas” de pólen pelas flores ♂. Visitam então mais
do que um sícono para depositar ovos e polinizam, desse modo, as flores ♀ das figueiras-selvagens. Os
caprifigos produzem três gerações por ano coincidentes com outras tantas gerações de B. psenes. Os
síconos dos caprifigos não são edíveis porque, por regra, a maioria das flores ♀ é parasitadas pela B.
psenes; “produzem” mais vespas do que frutos. As figueiras domesticadas são unissexuais: todas as suas
flores são ♀ e de estilete longo. Potencialmente, qualquer das flores destes síconos pode evoluir para
fruto porque o ovipositor da B. psenes é demasiado curto para atingir, a partir do estigma, o ovário das
flores de estiletes longos. A maioria das variedades comerciais de «figueira» são partenocárpicas não
necessitando, por isso, de ser polinizadas. As flores das variedades conhecidas por «figos-de-esmirna»,
pelo contrário, precisam de ser polinizadas. Para tal são cultivados caprifigos na sua vizinhança de modo
a garantir a presença de B. psenes ao nível do pomar. As vespas ♀ emergem dos caprifigos no início da
Primavera (Abril). Uma vez no exterior, embora só consigam parasitar as flores de estiletes curtos, tanto
podem visitar, e polinizar, caprifigos como figueiras-comuns.
Nas Labiadas evoluíram vários sistemas mecânicos muito elaborados de polinização. Por exemplo,
em Rosmarinus officinalis (Lamiaceae) «alecrim» – uma espécie melitófila – a pressão realizada pelos
apídeos polinizadores na base dos estames força as anteras a roçarem e a depositarem pólen no dorso
21 Escola Superior Agrária de Bragança - Botânica para Ciências Agrárias e do Ambiente

do inseto, uma região do corpo de difícil limpeza. As flores de R. officinalis são protândras, i.e. as flores
mais jovens são funcionalmente ♂ e as mais velhas funcionalmente ♀. Consequentemente, nas flores
mais velhas os estames deixam de reagir à pressão e o estilete encurva-se. Os insectos que, entretanto,
se apoiem no lábio inferior, em busca de néctar, compelem o movimento do estilete que roçará,
também, no seu dorso.

Polinização por engano


A oferta de recompensas em troca do serviço polinização é energeticamente muito cara. Não
surpreende, por isso, que muitas espécies se sirvam de sinais visuais (e.g. esporões e forma e cor das
pétalas), tácteis (e.g. papilas) ou de odores (moléculas análogas a feromonas femininas) para atrair
insectos polinizadores sem, no entanto, oferecerem recompensas. Existem dois tipos de polinização por
engano:
a) Polinização por engano sexual (ing. sexual deceit) – as flores mimetizam as feromonas sexuais
e/ou os sinais visuais e tácteis de insectos fêmeas; os insectos machos são usados como veículo
de pólen quando visitam e tentam copular (pseudocópula), por engano, com a flor;
b) Polinização por engano alimentar (ing. food deceit) – as flores assinalam a presença de
recompensas alimentares inexistentes; as espécies que seguem esta estratégia imitam a forma e
os odores de espécies que oferecem recompensas; e.g. a Plumeria rubra (Apocynaceae), uma
árvore centro-americana, não oferece recompensas às borboletas noturnas polinizadoras,
engana-as mimetizando o odor e a forma de outras espécies falaenófilas com recompensas.

A B C

Figura 5. Polinização falaenófila e miófila. Polinização por engano. A) Plumeria rubra (Apocynaceae), espécie
falaenófila com uma polinização por engano alimentar (Haber, 1984). B) Amorphophallus rivieri (= A. konjac)
(Araceae); a inflorescência desta arácea proveniente do Este da Ásia liberta um odor desagradável que atrai moscas
polinizadoras; pertence ao género Amorphophallus a planta com a maior inflorescência, não ramificada, do mundo
(A. titanum). C) Orchis anthropophora (Orchidaceae) «orquídea-do-homem-enforcado», assim designada porque o
labelo tem a forma de um homem; como muitas outras orquídeas segue uma estratégia de polinização por engano.

A polinização por engano está particularmente desenvolvida na família das orquídeas. As orquídeas
são entomófilas. Cerca de 1/3 das espécies segue uma estratégia de polinização por engano sexual.
Nestas orquídeas as flores libertam odores quimicamente próximos às feromonas femininas de
determinadas espécies de vespas (Hymenoptera) e exibem labelos semelhantes a fêmeas, na forma, cor
e pilosidade. A polinização é realizada pelas vespas macho quando tentam copular com a flor
(pseudocópula). Os machos atraídos pelas flores pousam no labelo e, inadvertidamente, contactam com
as bursículas, duas cavidades onde se alojam duas polinídeas (uma por bursícula). As polinídeas são
massas de pólen suportadas por um pequeno pé, com uma massa viscosa na base, o retináculo. A
natureza viscosa do retináculo permite que as polinídeas se colem à cabeça ou ao abdómen do inseto
22 Escola Superior Agrária de Bragança - Botânica para Ciências Agrárias e do Ambiente

macho. A impossibilidade de realizar a cópula obriga o inseto macho a procurar novamente uma fêmea.
Ao pseudocopular com outra flor existe uma grande probabilidade inserir as polinídeas, completas ou
não, no estigma de uma flor fértil. Esta estratégia de polinização dispensa a produção de néctar, uma
substância energeticamente muito cara e procurada por insectos não polinizadores, mas estabelece
uma dependência absoluta, com alguns riscos, da planta em relação ao seu polinizador. Admite-se que a
polinização por engano é uma das chaves para explicar a enorme diversidade específica das
orquidáceas.

Importância económica da polinização entomófila

Quadro 5. Algumas plantas cultivadas estritamente a muito dependentes da polinização por insectos (adaptado
de Klein et al., 2007).

Cultura Sistema de reprodução Polinizadores

Citrullus lanatus «melancia» Monóica auto-compatível. Abelhas (Apis mellifera), abelhas solitárias e
abelhões (Bombus).

Cucumis melo «melão» Monóica ou andromonóica, auto- Abelhas (Apis mellifera), abelhas solitárias e
compatível. abelhões (Bombus).

Cucurbita maxima, C. moschata, Monóica auto-compatível. Abelhas (Apis mellifera) e abelhas solitárias.
C.pepo «abóboras»

Cucumis sativus «pepino» Monóica ou andromonóica, auto- Abelhas (Apis mellifera), abelhas solitárias e
compatível. abelhões (Bombus).

Fagopyrum esculentum «trigo- Hermafrodita, auto-incompatível, Abelhas.


sarraceno» distílica.

Actinidia chinensis «kiwi» Dióica. Abelhas (Apis mellifera), abelhas solitárias e


abelhões (Bombus).

Annona squamosa «anoneira» Hermafrodita. Escaravelhos (fam. Nitidulidae).

Averrhoa carambola Hermafrodita, auto-incompatível, Abelhas (Apis sp.pl.).


distílica.

Eriobotrya japonica «nespereira» Hermafrodita, auto-incompatível. Abelhas (Apis mellifera) e abelhões


(Bombus).

Malus domestica «macieira» Hermafrodita, geralmente auto- Abelhas (Apis mellifera), abelhas solitárias,
incompatível. abelhões (Bombus) e sirfídeos.

Mangifera indica «mangueira» Andromonóica, auto-compatibilidade Abelhas (Apis mellifera), abelhas sem ferrão
variável consoante as variedades. (Trigona), dípteros, formidas e vespas.

Passiflora edulis «maracujazeiro» Hermafrodita, maioria das variedades Abelhas solitárias, abelhões (Bombus) e
auto-incompatíveis. beija-flores.

Persea americana «abacateiro» Hermafrodita, auto-incompatível, Abelhas (Apis mellifera), abelhas sem ferrão
dicogâmica. e abelhas solitárias.

Prunus sp.pl. «prunóideas» Hermafrodita, geralmente auto- Abelhas (Apis mellifera), abelhas solitárias,
compatíveis. abelhões (Bombus) e dípteros.

Pyrus communis «pereira» Hermafrodita, auto-incompatível. Abelhas (Apis mellifera), abelhões (Bombus)
e abelhas solitárias.

Rubus sp.pl. «silvas» (inc. Hermafrodita, auto-compatível. Abelhas (Apis mellifera), abelhas solitárias,
abelhões (Bombus) e sirfídeos.

Theobroma cacao «cacaueiro» Hermafrodita, auto-incompatibilidade Abelhas (Apis), dípteros das fam.
variável consoante as variedades. Cecidomyiidae e Ceratopogonidae.

Legenda: andromonoicia – indivíduos com flores hermafroditas e flores unissexuais masculinas; dicogamia – desfasamento
temporal na maturação dos órgãos sexuais ♀ e ♂; dípteros (lat. Diptera) – ordem de insectos à qual pertencem todas as moscas;
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sirfídeos (lat. Syrphydae) – moscas comuns nas flores, sobretudo nas flores das umbelíferas, fáceis de identificar pelo abdómen
listado (como o das vespas) e pela capacidade de pairar no ar.

Klein et al. (2007) exploraram as características da polinização em 105 plantas alimentares


cultivadas: das plantas estudadas 87 eram entomófilas; 28 espécies não dependiam de polinização
animal (vd. quadro 5). A polinização entomófila perde relevância quando a análise é efetuada em
volume de produção, e não em número de espécies. Dada a importância dos cereais anemófilos, 60% da
produção global de alimentos em volume provém de culturas que não dependem da polinização animal.
A eficiência dos insectos polinizadores depende, em larga medida, da precipitação e da temperatura
do ar. A precipitação inibe o voo dos insectos, assim como as temperaturas excessivas, sejam elas altas
ou baixas. A abelha, o mais importante polinizador das plantas entomófilas com interesse económico
das regiões de clima temperado e mediterrânico, tem um pico de eficiência a transportar pólen a 20-
22°C. As abelhas raramente voam com temperaturas inferiores a 12°C.

1.2.3.4. Germinação do grão de pólen, formação do tubo polínico


e fecundação
A capacidade do pólen cumprir a sua função reprodutiva designa-se por viabilidade. A duração da
viabilidade do pólen depende das características genéticas da planta (por vezes comuns à escala do
género e da família), do estádio de desenvolvimento do microgametófito e de variáveis ambientais,
sobretudo da temperatura e da humidade relativa. O pólen das Poaceae é viável durante poucas horas;
noutras espécies, particularmente entre as espécies entomófilas, a viabilidade pode prolongar-se por
várias semanas. O pólen binucleado, por regra, é viável durante mais tempo do que o pólen trinucleado.
A perda de água reduz acentuadamente a viabilidade do pólen, por isso, temperaturas elevadas e
humidades relativas baixas podem prejudicar a polinização.
Logo após a abertura das flores os estigmas estão, geralmente, sujeitos a uma intensa e permanente
chuva de pólenes estranhos. As plantas-com-flor desenvolveram mecanismos eficazes, ainda não
completamente esclarecidos, para apenas permitirem a germinação de pólenes conespecíficos. Menos
de uma hora após a captura pelo estigma, o grão de pólen hidrata-se e germina. Este processo depende
da viabilidade do pólen recém-chegado, e da compatibilidade entre o pólen e o estigma. Iniciada a
germinação, o tubo polínico irrompe por uma abertura da esporoderme e invade os tecidos estigma.
Nos estiletes sólidos o tubo polínico cresce em direção aos primórdios seminais pelos espaços
intercelulares do tecido de transmissão; nos estiletes fistulosos mergulha numa mucilagem. Nos grãos
de pólen binucleados a divisão da célula generativa em duas células espermáticas decorre durante a
formação do tubo polínico. Durante todo o processo reprodutivo o tubo polínico é alimentado pelos
tecidos do estigma e do estilete; o seu metabolismo e alongamento são controlados pelo núcleo da
célula vegetativa. A célula vegetativa do tubo polínico desce pelo estilete contida no interior do tubo
polínico arrastando consigo duas células espermáticas que permanecem incorporadas no seu
citoplasma.
A chuva ou humidades relativas muito altas prejudicam a deiscência das anteras e a aderência do
pólen aos pistilos. Temperaturas muito altas podem induzir a formação de grãos de pólen estéril e
prejudicar a aderência do pólen aos pistilos. A velocidade de crescimento do tubo polínico é
determinante no sucesso da fecundação porque os primórdios seminais têm uma viabilidade limitada.
Designa-se por período de polinização efetiva a diferença entre a longevidade dos primórdios seminais,
em dias, menos o tempo, novamente em dias, que o tubo polínico necessita para percorrer o estilete e
atingir os primórdios seminais. A viabilidade dos primórdios é variável de espécie para espécie; e.g. 10-
15 dias na macieira e 4-5 dias na cerejeira. Em regra o tubo polínico demora 1 a 7 dias a atingir os
24 Escola Superior Agrária de Bragança - Botânica para Ciências Agrárias e do Ambiente

primórdios. Portanto, a polinização tardia e os fatores que atrasam a germinação dos tubos polínicos
(e.g. frio) aumentam o risco de insucesso na formação de frutos e sementes.
A penetração do primórdio seminal pelo tubo polínico faz-se, geralmente, pelo micrópilo. Nas
Cucurbitaceae o tubo polínico perfura os tegumentos. A fusão dos gâmetas inclui, numa primeira etapa,
a libertação dos núcleos espermáticos: um no interior da oosfera e outro na célula central. Pouco depois
realiza-se a fusão do material genético (singamia) maternal e paternal. Este complexo processo com dois
gâmetas ♂ e duas singamias designa-se por dupla fecundação e é exclusivo das angiospérmicas. A fusão
de um núcleo espermático com a oosfera dá origem ao zigoto. O zigoto é a primeira célula da geração
esporofítica seguinte, cujo desenvolvimento gera o embrião. A célula triplóide resultante do encontro
do segundo núcleo espermático com os dois núcleos polares10 é o ponto de partida da diferenciação do
endosperma11. O endosperma é diplóide nas angiospérmicas mais primitivas (angiospérmicas basais),
por esta razão Friedman & Williams (2004) admitem que o endosperma triplóide foi adquirido por um
antepassado comum das magnoliidas, monocotiledóneas e eudicotiledóneas.

1.2.3.5. Desenvolvimento da semente


Após a fertilização o primórdio seminal sofre um conjunto de modificações que desembocam na
formação da semente. O desenvolvimento da semente comporta três etapas, as duas primeiras mais ou
menos sobrepostas no tempo:
a) Embriogénese;
b) Acumulação de reservas;
c) Maturação das sementes (nas sementes ortodoxas).
O embrião diferencia-se a partir do zigoto sendo para tal nutrido pela nucela, tecido que na grande
maioria das espécies de angiospérmicas acaba por desaparecer. O primeiro passo da embriogénese
envolve a divisão do zigoto em duas células-filha: a célula-basal e a célula-apical, a primeira voltada para
o polo micropilar, e a segunda para o polo calazal. A célula-basal dará origem ao suspensor, nas
angiospérmicas uma estrutura haustorial encarregue da transferência de nutrientes e de hormonas
vegetais da planta-mãe para o embrião em formação (nas ‘pteridófitas’ e nas gimnospérmicas o
suspensor tem um metabolismo pouco ativo). As células do suspensor degeneram naturalmente ou por
efeito da compressão do embrião em crescimento. Da célula apical diferencia-se, num primeiro estádio,
o pró-embrião que, por sua vez, evolui num embrião. O pró-embrião tem inicialmente uma forma
globular (estado globular) e tecidos não diferenciados. Nas eudicotiledóneas o pró-embrião toma, de
seguida, uma forma de coração estilizado (estado cordiforme) que evidência a diferenciação dos dois
cotilédones. Nas monocotiledóneas o embrião progride para uma forma cilíndrica porque dispõe de
apenas um cotilédone. O embrião cordiforme ou cilíndrico dispõe já de tecidos meristemáticos
especializados. A marcar o final da embriogénese o embrião alonga-se significativamente completando-
se a diferenciação dos meristemas primários. No embrião identifica-se um polo caulinar e outro
radicular; a polaridade é definida num estágio inicial do desenvolvimento embrionário e, durante todo o
ciclo de vida, não mais abandona as plantas.
Como se referiu o endosperma é o tecido de reserva mais frequente nas plantas-com-semente; a sua
diferenciação decorre paralelamente com a do embrião. O endosperma das gimnospérmicas diz-se
primário e o das angiospérmicas secundário ou albúmen. O endosperma pode (sementes albuminosas)
ou não (sementes exalbuminosas) permanecer na semente. A formação de cotilédones de grande

10
Na heterofecundação os dois núcleos polares têm origem em dois tubos polínicos distintos, um evento raro na
biologia reprodutiva das angiospérmicas.
11
Nas angiospérmicas poder-se-ão utilizar os termos zigoto primário e zigoto secundário para designar,
respectivamente, as células resultantes da fusão do primeiro núcleo espermático com a oosfera e do segundo
núcleo espermático com os dois núcleos polares.
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dimensão com abundantes reservas faz-se, em grande parte, à custa da desmobilização das reservas
acumuladas no endosperma no início da formação da semente. As reservas energéticas cotiledonares
são desmobilizadas mais rapidamente em Direcção aos meristemas do embrião do que as reservas sob a
forma de endosperma. Por isso, as sementes cotiledonares tendem a germinar mais rapidamente do
que as sementes albuminosas. As sementes muito grandes geralmente têm reservas endospérmicas. Os
tegumentos do primórdio seminal dão origem ao perisperma que envolve e protege a semente.
As sementes ortodoxas perdem água (e peso) e sofrem uma acentuada redução da atividade
metabólica à medida que amadurecem adquirindo, deste modo, tolerância à dessecação. Finda a
maturação, as sementes ortodoxas entram em quiescência. Este termo identifica-se com uma
suspensão do crescimento, qualquer que seja a causa e a duração. Nas sementes ortodoxas dormentes
– a dormência é um subtipo de quiescência – o embrião é incapaz de prosseguir, de imediato, o seu
desenvolvimento e dar origem a uma nova planta, mesmo sob condições ambientais ótimas para a
germinação. Algumas sementes – sementes recalcitrantes – mantêm elevados teores em água na
maturação, o que as torna sensíveis à dessecação e a temperaturas muito baixas.

1.2.3.6. Formação do fruto


A diferenciação do fruto a partir das paredes do ovário normalmente depende do estímulo da
fecundação e consequente formação de sementes. Regra geral as flores não fecundadas abortam: o
ovário pára de crescer e a flor entra em senescência (= morte). A transição entre a fase de flor e a
formação do fruto designa-se por vingamento. Os frutos ditos partenocárpicos formam-se sem
fecundação e distinguem-se dos frutos “normais” por não possuírem sementes. Produzem frutos
partenocárpicos, por exemplo, a bananeira, o ananaseiro, muitos citrinos e algumas cultivares de
macieira ou de videira-europeia, como a ‘Uva Preta de Corinto’ e a ‘Dona Maria’. Algumas espécies
necessitam do estímulo da germinação do pólen para produzir frutos partenocárpicos; outras
dispensam estímulos externos para iniciar a formação do fruto.
Distinguem-se três fases na formação do fruto:
a) Fase I – intensa divisão celular;
b) Fase II – incremento da dimensão das células, a divisão celular abranda;
c) Fase III – a divisão celular e a expansão das células cessam, a cor, a estrutura e a composição
química do fruto mudam, e este amadurece.
A duração das três fases varia de espécie para espécie, e entre cultivares. Nas prunóideas – fruteiras
da subfamília Prunoideae (Rosaceae) – o caroço resulta da lenhificação do endocarpo que ocorre no
início da fase II. Os frutos carnudos acumulam grande quantidade de açúcares na fase III
(amadurecimento); os frutos secos perdem água e as suas células senescem. Os frutos maduros,
frequentemente, destacam-se da planta-mãe por uma zona de abcisão, situada na base do pedúnculo
do fruto, identificável através de uma pequena articulação. O desenvolvimento dos frutos tem uma
forte regulação hormonal extensamente discutida nos livros texto de fisiologia vegetal.

1.2.3.7. Dispersão
Vantagens da dispersão
A dispersão é um momento chave na biologia das plantas. Duas fontes de fontes de evidência
suportam a hipótese de que uma dispersão eficiente de diásporos, ou propágulos, é evolutivamente
vantajosa: 1) a mortalidade de sementes, plântulas, juvenis e plantas adultas depende da densidade; 2)
nas angiospérmicas são muito frequentes, e diversos, mecanismos especializados de dispersão.
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A dispersão para longe da vizinhança dos indivíduos parentais incrementa o sucesso reprodutivo das
plantas através de três mecanismos:
a) Aumento da probabilidade de colonização de micro-habitats adequados à germinação das
sementes e ao estabelecimento das plântulas;
b) Incremento da distância das plantas germinantes a indivíduos conespecíficos hospedeiros de
doenças e pragas;
c) Redução dos riscos de endogamia nas plantas alogâmicas.
Nas espécies endozoocóricas os animais dispersores podem melhorar as condições ambientais
usufruídas pelas plantas germinantes. Esta melhoria pode ser obtida, por exemplo, através do
enterramento das sementes ou do aumento da fertilidade do solo pela deposição simultânea de
sementes e de excrementos animais.

Unidades e agentes de dispersão


A unidade de dispersão, i.e. o que se dispersa, varia de espécie para espécie. Nos Cytisus (Fabaceae)
«giestas» e nos Ulex (Fabaceae) «tojos» dispersam-se as sementes, em Quercus (Fagaceae) um fruto
com uma semente inclusa, em Coronilla (Fabaceae) pedaços (mericarpos) de uma vagem esquizocárpica
com uma semente inclusa, em muitos Allium (Alliaceae) «alhos» bolbilhos formados na inflorescência,
em Cynodon dactylon (Poaceae) «grama» sementes ou fragmentos de rizoma e em Hydrangea
(Hydrangeaceae) «hidrângea» sementes ou fragmentos do caule (estacas). Em casos extremos a planta,
como um todo, atua como unidade de dispersão; e.g. Lemna minor (Araceae) «lentilha-de-água».
Reconhecem-se dois tipos de unidades de dispersão:
a) Diásporo12 – embrião mais o conjunto das estruturas que o acompanham, e.g. restantes
estruturas da semente e tecidos do fruto; a semente é o diásporo das plantas com frutos
deiscentes e o fruto, ou parte do fruto com sementes inclusas, é o diásporo dos frutos
indeiscentes; são também diásporos os esporos das ‘briófitas’ e ‘pteridófitas’;
b) Propágulo – qualquer estrutura que permita a reprodução vegetativa de uma planta; e.g.
fragmentos de estolhos e rizomas.
As unidades de dispersão podem dispersar-se por gravidade ou serem transportadas por agentes de
dispersão, e.g. animais, vento e água.

Mecanismos de dispersão
Os mecanismos de dispersão mais frequentes na natureza e as adaptações que geralmente lhes
estão associados foram resumidos no quadro que se segue. A maior parte das plantas, no entanto,
combina mais que um mecanismo de dispersão porque é demasiado arriscado “apostar” num único
mecanismo eventualmente falível. Por exemplo, os Quercus além de autocóricos, são dispersos por
aves, e.g. Corvus corone «gralha-preta» e Garrulus glandarius «gaio», e por mamíferos, e.g. Apodemus
sylvaticus «rato-do-campo».
Os diásporos zoocóricos podem ser transportados, por exemplo, no bico uma ave ou nas maxilas de
uma formiga, no aparelho digestivo de uma ave ou suspensos no corpo de um mamífero. Estes
exemplos permitem identificar dois tipos importantes de zoocoria:
a) Ectozoocoria (= epizoocoria) – transporte na superfície do corpo de animais (e.g. suspensos
através de espinhos ao pêlo de mamíferos); e.g. os terrenos localizados na vizinhança de
indústrias de lanifícios são dos melhores locais para encontrar plantas novas alóctones (neófitas)
em Inglaterra, deu-se o caso de se terem descrito espécies novas para ciência que mais tarde se

12
Muitos autores usam um conceito lato de diásporo que engloba o conceito de propágulo.
27 Escola Superior Agrária de Bragança - Botânica para Ciências Agrárias e do Ambiente

constatou serem plantas conhecidas e comuns noutras regiões do mundo, entretanto


redistribuídas ectozoocoricamente no velo das ovelhas;
b) Endozoocoria – os diásporos das espécies zoocóricas são consumidas por animais que
posteriormente os excretam em simultâneo com as fezes; muitas sementes de espécies
zoocóricas necessitam de ser escarificadas pelo sistema digestivo antes de adquirirem
capacidade germinativa; a endozoocoria normalmente envolve uma relação mutualista na qual a
planta é dispersa (e fertilizada com excrementos animais) e o animal recebe uma recompensa;
e.g. os elefantes vergam com o seu peso as plantas adultas de Hyphaene petersiana «palmeira-
marfim» – uma palmeira comum no sul de África cujas sementes são comercialmente talhadas
como se de marfim se tratasse –, consomem os frutos, digerem o pericarpo e expelem as
sementes prontas a germinar envoltas numa pilha de estrume.

Quadro 6. Mecanismos de dispersão.

Mecanismo de dispersão Adaptações mais frequentes Importância e exemplos

Autocoria – dispersão por Diásporos barocóricos estruturalmente muito Enterramento ativo de sementes, e.g. Arachis
gravidade (barocoria) ou variáveis. Os mecanismos autónomos de hypogaea (Fabaceae) «amendoim» e Trifolium
presença de mecanismos dispersão incluem o enterramento ativo das subterraneum (Fabaceae) «trevo-subterrâneo»;
autónomos de dispersão. sementes ou sistemas de projeção dos projeção de sementes, e.g. Ecballium elaterium
diásporos. (Cucurbitaceae) «pepino-de-são-gregório» e
diversas Balsaminaceae; por gravidade sem
mecanismos especiais, e.g. Quercus (Fagaceae)
(carvalhos).

Anemocoria – dispersão Diásporos pequenos, leves e com estruturas Frutos alados em Ailanthus altissima
pelo vento. aerodinâmicas para facilitar o transporte pelo (Simaroubaceae) «ailanto») e Ulmus (Ulmaceae)
vento; e.g. asas, pelos, estruturas em forma «ulmeiros»; sementes com pelos em Chorisia
de balão. speciosa (Malvaceae) e Salix (Salicaceae)
«salgueiros»; cálice em forma de balão em alguns
Trifolium «trevos». Na maior das Asteraceae
cálice reduzido a um papilho de pelos que
funciona como uma paraquedas.

Hidrocoria – dispersão pela Diásporos capazes de resistir à submersão em Frequente entre a vegetação litoral, aquática e
água. água doce ou marinha; por vezes com anfíbia; e.g. Pancratium maritimum
capacidade de flutuação. (Amaryllidaceae) «narciso-das-areias», disperso
pela água do mar.

Zoocoria – dispersão As plantas endozoocóricas produzem Sementes com excrescências nutritivas, e.g.
apoiada em vetores de diásporos com cores, odores agradáveis e/ou Ricinus communis (Euphorbiaceae) «rícino»;
dispersão animais. “oferecem” recompensas aos seus vetores de plantas com frutos carnudos, e.g. muitas
dispersão, e.g. polpa de um fruto carnudo, Rosaceae e Solanaceae; plantas com diásporos
sarcotesta ou excrescências carnudas várias viscosos, espinhosos ou com ganchos, e.g.
na superfície do episperma. As espécies numerosas espécies de Apiaceae «umbelíferas».
ectozoocóricas dispõem de diásporos
viscosos ou providos de espinhos ou ganchos.

A zoocoria pode também ser classificada em função do grupo taxonómico agente de dispersão:
a) Ictiocoria – dispersão por peixes; com alguma expressão em florestas tropicais húmidas; e.g. o
tambaqui (Colossoma macropomum, Characidae), um peixe indígena da bacia do Amazonas
muito apreciado na culinária brasileira, pode dispersar sementes a mais de 5 km de distância
(Anderson et al., 2011);
b) Mamalocoria – dispersão por mamíferos, sobretudo mamíferos ungulados (Artiodactyla);
adaptações muito variáveis consoante os grupos taxonómicos; e.g. espécies com sementes
ornamentadas com ganchos ou espinho dos géneros Daucus (Apiaceae) «cenouras-bravas» ou
Medicago (Fabaceae) «luzernas»;
28 Escola Superior Agrária de Bragança - Botânica para Ciências Agrárias e do Ambiente

c) Ornitocoria – dispersão por aves; abundante na natureza; com frequência frutos carnudos,
verdes e ácidos enquanto imaturos (para evitar ingestão antes da maturidade das sementes),
com endocarpo lenhoso (para evitar a digestão das sementes) e coloridos e nutritivos (para
promover a ingestão) quando maduros (e.g. drupas e nuclânio); e.g. Rubus (Rosaceae) «silvas» e
Rhamnus (Rhamnaceae);
d) Mirmecoria – dispersão por formigas; muitas sementes mirmecóricas possuem excrescências
nutritivas na superfície do tegumento da semente que atuam como de recompensa; e.g. muitas
Polygalaceae;
e) Quiropterocoria – dispersão por morcegos; importante em áreas tropicais; e.g. espécies
tropicais com frutos carnudos dos géneros Cecropia (Cecropiaceae), Piper (Piperaceae) e Ficus
(Moraceae) (Lobova & Mori, 2005).
O mecanismo de dispersão do T. subterraneum, a mais importante planta pratense de ambientes
mediterrânicos, é particularmente interessante. Finda a ântese os pedúnculos infletem em direção ao
solo e enterram as sementes contidas no interior dos capítulos frutíferos. Por esta altura, estes capítulos
assemelham-se a uma bola. Para facilitar o enterramento dos diásporos compreendem, na base, um
pequeno número de flores estéreis transformadas em pequenos cones aguçados. Os capítulos frutíferos
com facilidade ficam retidos entre as unhas dos ungulados (e.g. ovelhas e vacas) que os dispersam a
longa distância. Os cascos dos ungulados também facilitam o seu enterramento e os excrementos, em
particular dos ovinos, melhoram a fertilidade dos microsítios onde germinam as sementes chegadas as
primeiras chuvas outonais. O T. subterraneum tem, simultaneamente, uma dispersão autocórica e
ectozoocórica.

A B

Figura 6. Mecanismos de dispersão dos frutos. Ulmus minor (Ulmaceae) «ulmeiro»: frutos alados (sâmaras) de
dispersão anemocórica . B) Osyris alba (Santalaceae): pseudofrutos carnudos (pseudobagas) de dispersão zoocórica;
n.b. cicatriz circular resultante da queda do perianto em torno da cicatriz que marca a inserção do estilete. C)
Ecballium elaterim (Cucurbitaceae) «pepino-de-são-gregório»: pepónio espermabólico.
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1.2.3.8. Dormência da semente


Vantagens e tipos de dormência
A redução do teor em água no final da ontogénese das sementes, muito mais intenso nas sementes
ortodoxas do que nas sementes recalcitrantes, força a entrada em quiescência do embrião. Nos casos
em que uma combinação apropriada de fatores ambientais não chega para iniciar a germinação diz-se
que as sementes são dormentes.
A dormência aporta três grandes vantagens:
a) Evita a germinação da semente em períodos climaticamente desfavoráveis (e.g. demasiado frios
ou demasiado secos);
b) Permite a manutenção de um banco de sementes viáveis no solo quando as plantas germinadas
no período favorável forem incapazes por razões climáticas, por doença ou herbivoria de se
reproduzir;
c) Alarga a janela temporal disponível para a dispersão das sementes, aumentando a probabilidade
do sucesso da dispersão a longa distância.
Consoante o momento em que se inicia a dormência esta pode ser:
a) Primária – sementes disseminadas já dormentes;
b) Secundária – dormência adquirida por exposição a condições ambientais desfavoráveis, após a
disseminação.
A evidência experimental sugere que existem dois tipos fundamentais de dormência primária:
a) Dormência tegumentar – dormência imposta pelo tegumento, pelo pericarpo ou, mais
raramente, pelo endosperma; estas estruturas atuam através da produção de inibidores
químicos por estas estruturas; da inibição da absorção de água; do constrangimento mecânico
da semente e, deste modo, impedindo a extrusão da radícula e das estruturas caulinares; da
inibição da perda, por exemplo por lixiviação, de inibidores químicos acumulados nas estruturas
embrionares; da inibição das trocas gasosas com o exterior;
a) Dormência embrionária – dormência cujas causas residem na estrutura e fisiologia do embrião
que pode ser devida: à presença de inibidores químicos (e.g. ácido abcísico); à expressão de
determinados genes; à ausência de promotores da germinação (e.g. giberelinas); à imaturidade
do embrião.
Muitas leguminosas, sobretudo pratenses, produzem uma percentagem significativa de sementes
com dormência tegumentar. Neste tipo de sementes – sementes duras – o tegumento impede a
absorção da água, e inibe a germinação, consoante as espécies, durante poucas semanas a muitos anos.
Ao contrário da dormência tegumentar, a dormência embrionar geralmente não é influenciada pela
permeabilidade do tegumento, e só inibe a germinação das sementes num pequeno período de tempo
após a maturação das sementes. É um mecanismo particularmente apropriado para evitar que as
sementes enterradas no solo, em territórios com uma estação seca pronunciada (e.g. territórios
mediterrânicos, ou tropicais com estação seca), germinem com uma chuvada estival, insuficiente para o
sustento de eventuais plantas germinantes.
A maior parte das plantas cultivadas propagadas por semente não produzem sementes dormentes
porque foram artificialmente selecionadas para germinarem rapidamente e em sincronia. Algumas
plantas pratenses melhoradas, sobretudo leguminosas, no entanto, apresentam uma acentuada
dormência. Neste caso os melhoradores de plantas mantiveram as características das populações
naturais nas variedades melhoradas porque esta característica favorece a sua persistência no
ecossistema pastagem.
30 Escola Superior Agrária de Bragança - Botânica para Ciências Agrárias e do Ambiente

Quebra de dormência
Os mecanismos de quebra de dormência são muito variados. Os mais comuns são:
a) Vernalização (ing. chilling) – exposição ao frio (0 a 10°C), em condições de elevada humidade,
durante um período variável de tempo; mecanismo frequente em espécies temperadas, e.g.
sementes de Malus domestica (Rosaceae) «macieira»;
b) Redução da humidade – algumas espécies adquirem a capacidade de germinar quando o seu
teor em água desce abaixo de um determinado nível;
c) Flutuação diária da temperatura – a flutuação térmica diária pode afetar as taxas e a velocidade
de germinação de algumas espécies;
d) Exposição à luz – consoante as espécies pode envolver a exposição intermitente, por um
pequeno período ou a exposição a um fotoperíodo determinado. Mecanismo frequente em
infestantes com sementes pequenas; nestas espécies as sementes entram em dormência
quando enterradas no solo; a perturbação do solo – e.g. lavouras – arrasta-as para superfície e a
exposição à luz quebra-lhes a dormência;
e) Escarificação ou remoção de estruturas que envolvem o embrião (e.g. tegumento, pericarpo,
endosperma ou glumelas) – esta escarificação pode ser artificialmente realizada com um
abrasivo (e.g. areia); em condições naturais a escarificação pode resultar da travessia do sistema
digestivo ou do efeito do fogo; e.g. as sementes de Cistus (Cistaceae) «estevas» germinam mais
rapidamente após uma queimada porque o tegumento fendilha pela ação do fogo; em algumas
Poaceae (e.g. Avena fatua) a remoção das peças bracteolares que envolvem a semente
(glumelas) favorece a germinação;
f) Exposição a concentração de CO2 superiores ao valores normais da atmosfera – as plantas
enterradas no solo têm maior probabilidade de serem sujeitas a teores mais elevados de CO2 do
que as sementes depositadas na sua superfície;
g) Lixiviação de inibidores químicos – a infiltração e movimento da água no solo pode arrastar
(lixiviar) eventuais inibidores químicos do tegumento das sementes; chuvas prolongadas lixiviam
mais eficazmente os inibidores e, simultaneamente, garantem maiores taxas de sobrevivência
dos germinantes.
O fator tempo, por si só, enfraquece todos os mecanismos de dormência. Por exemplo, no caso da
dormência se dever à imaturidade do embrião (dormência embrionar) este precisa de tempo para se
desenvolver adequadamente no interior da semente. As taxas de germinação das sementes variam com
a temperatura, de espécie para espécie, ou mesmo entre variedades da mesma espécie; em algumas
plantas estas taxas são superiores a temperaturas baixas, do que a temperaturas altas.
O T. subterraneum «trevo-subterrâneo» reúne muitos dos mecanismos de dormência e quebra de
dormência anteriormente referidos (Smetham, 2003). As variedades comerciais deste trevo produzem
uma elevada percentagem de sementes duras (com dormência tegumentar), geralmente superior a 80%
no início do Verão, incapazes de germinar. A quebra da dormência tegumentar (redução da
percentagem de sementes duras) é favorecida por variações acentuadas da temperatura diária. Os ciclos
diários de contração e a expansão dos tecidos da semente geram fendas no tegumento, que por sua vez
permitem a embebição da semente em água e a sua germinação. A exposição a temperaturas diurnas
elevadas, acima dos 50-60oC, é particularmente eficiente na quebra da dormência tegumentar. Por
conseguinte, a remoção mecânica ou por herbivoria da biomassa pratense seca no estio (através da
redução da sombra), reduz o número de sementes duras no solo. O enterramento profundo das
sementes tem um efeito inverso. As sementes de T. subterraneum somam à dormência tegumentar uma
dormência de tipo embrionar, governada pelos teores de dióxido de carbono no solo, pela temperatura
e pela presença de substâncias inibitórias no tegumento. Baixos teores de CO2 na atmosfera do solo e
temperaturas superiores a 20oC têm um efeito particularmente favorável na persistência deste tipo de
31 Escola Superior Agrária de Bragança - Botânica para Ciências Agrárias e do Ambiente

dormência. Chegado o período húmido outonal, aumenta a atividade biológica do solo e por
consequência o teor de CO2 na atmosfera do solo, a temperatura desce, a água da chuva arrasta os
inibidores acumulados no tegumento, e as sementes de T. subterraneum podem germinar em massa. As
dormências tegumentar e embrionária desempenham um papel essencial na regulação do ciclo
biológico desta pratense anual de germinação outonal e senescência tardi-primaveril a estival, porque
reduzem o risco de falsas germinações estivais, por exemplo em resultado de trovoadas intensas. A
dormência tegumentar serve ainda para lidar com as flutuações climáticas interanuais porque o seu
efeito prolonga-se por mais de um ano.

1.2.3.9. Germinação da semente


A germinação pode ser entendida como a retoma do crescimento do embrião de uma semente
madura. As condições exigidas para a germinação das sementes são análogas às requeridas pelos gomos
quiescentes, dormentes ou não. As sementes quiescentes (vd. Desenvolvimento da semente), não
dormentes, necessitam uma combinação apropriada de água, temperatura e oxigénio para germinar. A
variabilidade de condições ambientais admitida para a germinação é controlada pelo genótipo. Como se
referiu no ponto anterior as sementes dormentes só germinam se a sua dormência for quebrada.
A germinação principia com a embebição em água (= humectação) da semente seguida do aumento
do volume do embrião, da ativação dos meristemas embrionários e da mobilização das reservas
acumuladas nos cotilédones ou nos tecidos de reserva em direção ao embrião. O embrião ao aumentar
de volume pressiona o perisperma e este rompe-se. Guiada por um geotropismo positivo a raiz primária
emerge da semente, geralmente pelo micrópilo, e afunda-se no solo. No extremo oposto do embrião o
meristema caulinar tem um geotropismo positivo e produz caule e folhas. O alongamento dos primeiros
entrenós caulinares encaminha a plúmula para a superfície do solo. Nas espécies de germinação epígea
o(s) cotilédone(s) são arrastados para fora do solo pelo alongamento do hipocótilo. Nas sementes de
germinação hipógea o entrenó hipocotilar alonga-se muito pouco e o(s) cotilédone(s) permanecem
enterrados ou à superfície do solo. A manifestação das plântulas à superfície do solo designa-se por
emergência. Muitos autores defendem que a germinação da semente termina com a emergência da
radícula; outros alargam este período até à emergência de folhas acima do solo.
A germinação implica a desorganização da proteção conferida ao embrião pelas estruturas da
semente. A reativação do catabolismo aumenta o consumo de energia e reduz a relação C/N (relação
carbono-azoto) na semente. Caso existam, verifica-se uma diminuição da concentração de substâncias
químicas para deter a herbivoria (e.g. alcaloides quinolizidínicos das sementes de Lupinus (Fabaceae)
«tremoços». A germinação das sementes é, portanto, um período particularmente sensível do ciclo de
vidas plantas: a competição com as plantas vizinhas, os patogéneos ou a herbivoria podem causar taxas
de mortalidade muito elevadas, quer em populações naturais de plantas, quer nos agroecossistemas.

Semente e germinação de Zea mays (Poaceae) «milho-graúdo»


Na cariópse – o fruto das gramíneas – identifica-se:
a) Uma única semente concrescente com o fruto – perisperma e pericarpo intimamente soldados e
de difícil distinção;
b) Camada de aleurona – camada celular mais externa da semente, situada entre o pericarpo e o
endosperma, constituída por células ricas em aleurona (uma proteína);
c) Endosperma – muito volumoso, constituído por células não vivas, preenchidas com amido e, por
vezes, com inclusões proteicas;
d) Embrião – bem diferenciado e de grande complexidade, situado numa posição lateral (vd. mais
adiante).
32 Escola Superior Agrária de Bragança - Botânica para Ciências Agrárias e do Ambiente

Além da plúmula e da radícula no embrião comporta as seguintes estruturas:


a) Coleóptilo – folha modificada que envolve a plúmula;
b) Escutelo – estrutura homologada a um cotilédone localizada entre o endosperma e as restantes
partes do embrião; o entrenó entre o escutelo o coleóptilo chama-se mesocótilo;
c) Coleorriza – estrutura de origem radicular que envolve a radícula.
As homologias entre as estruturas do embrião das Poaceae e das restantes monocotiledóneas é
objeto de uma acesa discussão entre especialistas, tamanha é a sua originalidade morfológica. Dahlgren
et al. (1985) defenderam um antigo conceito de que o escutelo corresponde à primeira folha embrionar
(cotilédone) e o coleóptilo à segunda. Outros autores afirmam que o escutelo é parte basal do
cotilédone, e o coleóptilo o limbo.
Muitas Poaceae produzem sementes dormentes. A intensidade da dormência e o número de
sementes dormentes varia com as espécies, posição das sementes nas inflorescências, temperatura,
stress ambiental, entre outros fatores. Nas sementes espécies silvestres quanto mais longo e quente o
período de armazenamento em laboratório ou de quiescência no solo por falta de humidade para
germinar, mais enérgica a quebra de dormência. A germinação de sementes de populações naturais é
assincrónica. As poáceas com interesse económico propagadas por semente, excetuando as gramíneas
pratenses, geralmente não têm sementes dormentes e a germinação é sincrónica (em simultâneo).

A) B)

Figura 7. Estrutura da semente de Poaceae. A) Estrutura da semente de Zea mays (adaptado de


www.esu.edu/~milewski/intro_biol_two/lab_4_seeds_fruits/images/Corn_Grain_ls.jpg). B) Estrutura de uma
semente de Triticum aestivum (Poaceae) «trigo-mole» (adaptado de www.seedbiology.de).

A semente endospérmica de Zea mays é um modelo adequado da semente das gramíneas (=


Poaceae). A semente do milho-graúdo, como as restantes sementes de cereais, contém 12-14 % de
água. Embora sujeito a algumas variações, o endosperma, o embrião e o tegumento da
semente+pericarpo correspondem, respectivamente, a 85 %, 10 % e 5% do peso seco da cariópse de Z.
mays. A germinação no milho-graúdo inicia-se com uma rápida embebição de água. As sementes de
milho-graúdo têm de absorver pelo menos 30% do seu peso em água para que a germinação possa
prosseguir (Nielsen, 2008). Após um sinal hormonal emitido pelo embrião a camada de aleurona produz
enzimas capazes de desdobrar o amido. Começa, então, a mobilização dos nutrientes do endosperma
para o embrião, mediada pelo escutelo (= cotilédone das gramíneas), e a divisão e alongamento das
células com capacidade meristemática. O milho-graúdo é uma espécie hipógea porque a semente
permanece inumada no solo. Em condições ideais a coleorriza emerge da base da semente 2-3 dias
33 Escola Superior Agrária de Bragança - Botânica para Ciências Agrárias e do Ambiente

depois da embebição da semente protegendo, temporariamente, a radícula no seu interior. No mesmo


dia, ou vários dias depois em solos frios, emergem as raízes seminais laterais e o coleóptilo. Estas raízes
laterais têm uma origem adventícia no nó do escutelo. O coleóptilo protege a plúmula durante o seu
percurso no solo. O entrenó que liga o coleóptilo à semente – o mesocótilo13 – alonga-se nas sementes
muito enterradas e empurra o coleóptilo em direção à superfície do solo. O comprimento do coleóptilo
e do mesocótilo, e a profundidade a partir da qual uma semente é capaz de germinar, está relacionada
com a quantidade de reservas da semente, ou seja depende do peso da semente. O milho pode ser
semeado até 7 cm de profundidade. Em condições ótimas o intervalo entre a sementeira e a emergência
ronda 1 semana (Nielsen, 2008). Atingida a superfície do solo o coleóptilo cessa de se alongar, rompe-se
e do seu interior emerge a primeira folha. Esgotadas as reservas do endosperma o que resta da semente
senesce e acaba por se destacar da planta no interior do solo. A raiz primária morre logo no início da
germinação, sendo substituída por raízes adventícias de início diferenciadas no nó do escutelo, e um
pouco mais tarde do nó do coleóptilo e dos restantes nós basais.

A B C

Figura 8. Germinação em mono e dicotiledóneas. A) Plântulas recém-germinadas de Z. mays (Poaceae). B) Plântula


de Z. mays. C) Plântula de Ph. vulgaris (Fabaceae); n.b. raiz primária acidentalmente cortada.

13
Os Triticum e demais Poaceae da subfamília Pooideae não alongam o mesocótilo. Esta capacidade é exclusiva das
plantas das subfamílias Chloridoideae e Panicoideae (GPWG, 2001).
34 Escola Superior Agrária de Bragança - Botânica para Ciências Agrárias e do Ambiente

Semente e germinação de Phaseolus vulgaris (Fabaceae) «feijão-vulgar»


O Phaseolus vulgaris é um modelo corrente da germinação das leguminosas. A semente de Ph.
vulgaris tem uma morfologia mais simples que a da Z. mays. Segue a estrutura característica das
sementes cotiledonares: dois cotilédones com a maior parte da massa da semente; um embrião onde se
identificam radícula, hipocótilo, epicótilo e plúmula; e um tegumento. O tegumento tem duas camadas
com origem nos dois tegumentos do primórdio seminal, sendo a camada mais externa a que imprime
maior resistência ao perisperma.

A B

Figura 9. Estrutura da semente de Phaseolus vulgaris (Fabaceae) «feijão-vulgar». N.b. o feijão tem origem no
primórdio seminal campilotrópico por isso o micrópilo situa-se na vizinhança do hilo.

A embebição em água das leguminosas é mais lenta do que nas gramíneas. Por outro lado, as
leguminosas exigem mais água no solo do que as gramíneas para germinarem. O feijão tem uma
germinação epígea, muitas outras leguminosas são hipógeas. Logo após a emergência da raiz o
hipocótilo alonga-se e arqueia-se acentuadamente, formando-se um arco hipocotilar. Quando atinge a
superfície, sob a influência da luz, o hipocótilo apruma-se transportando os cotilédones e a plúmula para
fora do solo. Este processo salvaguarda a plúmula de eventuais danos mecânicos causados pelas
partículas do solo. Atingida a superfície os cotilédones desempenham, temporariamente, a função
fotossintética antes de senescerem. Em Lupinus «tremoceiros» os cotilédones continuam funcionais e
fotossintéticos até ao princípio da Primavera.

1.2.3.10. Reprodução assexuada


Grandes tipos de reprodução assexuada
A reprodução assexuada (= reprodução assexual) não envolve meiose, redução de ploidia nem
fertilização porque se desenrola sem a fusão de gâmetas. Tipos mais importantes entre as plantas:
a) Produção de esporos – fundamental nas ‘briófitas’ e ‘pteridófitas’; vd. Conceitos fundamentais e
tipologia;
b) Agamospermia (= reprodução vegetativa) – produção de embriões sem fusão gamética no
interior do primórdio seminal e, por conseguinte, de sementes viáveis sem fecundação;
c) Multiplicação vegetativa – envolve apenas estruturas vegetativas (caule, raiz ou folhas) e
efetua-se a partir do abrolhamento de gemas de diferentes tipos, e da formação de novas raízes,
regra geral adventícias;
d) Micropropagação – produção de clones de uma planta a partir de uma única célula vegetal
somática (= não reprodutiva) ou de uma porção de tecido vegetal (= explante); os clones são
35 Escola Superior Agrária de Bragança - Botânica para Ciências Agrárias e do Ambiente

indivíduos geneticamente idênticos obtidos assexuadamente a partir de uma planta-mãe; as


técnicas de micropropagação são similares às técnicas de cultura de tecidos vegetais in vitro.

Agamospermia
Existem dois tipos fundamentais de agamospermia e, implicitamente, de embriões agamospérmicos:
a) Apomixia14 (= agamospermia gametofítica ou partenogénese) – desenvolvimento de um
embrião (embrião apomítico ou partenogenético) a partir da oosfera de um saco embrionário
não reduzido (com 2n cromossomas); a oosfera não reduzida desempenha uma função similar
ao zigoto na reprodução sexuada e dá origem a um embrião diplóide de origem exclusivamente
maternal; muito frequente tanto em mono como em eudicotiledóneas; e.g. Rosa (Rosaceae)
«roseiras», Rubus (Rosaceae) «silvas», Leontodon (Asteraceae) «dentes-de-leão» e numerosas
Poaceae «gramíneas»;
b) Embrionia adventícia (= poliembrionia ou embrionia somática) – desenvolvimento de um ou
mais embriões (embriões adventícios) por semente, em substituição ou complementares ao
embrião sexual, a partir de células somáticas situadas em qualquer ponto do primórdio seminal,
excluindo as células do saco embrionário; embriões diplóides de origem exclusivamente
maternal; processo, ao contrário da apomixia, independente da megasporogénese; conhecida
em cerca de 250 espécies de mais de 50 famílias; muito frequente em Citrus (Rutaceae)
«citrinos» e em Mangifera indica (Anacardiaceae) «mangueira».

Multiplicação vegetativa
Existem numerosos tipos de multiplicação vegetativa; os mais relevantes são os seguintes:
a) Rizomas – divisão e plantação de rizomas; e.g. Iris (Iridaceae) «lírios»;
b) Estolhos – divisão e plantação de estolhos, e.g. Fragaria x ananassa (Rosaceae) «morangueiro»
e Chlorophytum comosum (Agavaceae) «clorofito»;
c) Tubérculos – tubérculos inteiros ou divididos, e.g. Solanum tuberosum (Solanaceae) «batateira»,
Dioscorea alata (Dioscoreaceae) «inhame-da-costa» e Ipomoea batatas (Convolvulaceae)
«batata-doce»;
d) Estaca – neste tipo de propagação destacam-se das plantas-mãe e enterram-se fragmentos
(estacas) de folha, caule ou raiz deixando uma porção variável acima e abaixo da superfície do
solo; após o enraizamento e pegamento as estacas são transplantadas em raiz nua ou com
torrão para local definitivo; as estacas podem ser:
i) Foliares – e.g. Peperomia caperata (Piperaceae) «peperómia» e Saintpaulia ionantha
(Gesneriaceae) «saintpaulia»;
ii) Caulinares – o número de gomos enterrado ou emerso acima do solo varia com a
espécie e variedade; dois critérios de classificação:
 Quanto ao tipo de estacas. As estacas caulinares podem envolver ramos
inteiros (tanchões) ou fragmentos de caule; neste último caso distinguem-se:
 Estacas-caule – segmento de ramo da mesma ordem; e.g. Salix
(Salicaceae) «salgueiros», Platanus orientalis var. acerifolia
(Platanaceae) «plátano», Olea europaea var. europaea (Oleaceae)
«oliveira», Chrysanthemum (Asteraceae) «crisântemos», Euphorbia
pulcherrima (Euphorbiaceae) «poinsétia» e Dianthus caryophyllus
(Caryophyllaceae) «cravo»;

14
Alguns autores usam um conceito de mais alargado de apomixia, sinónimo de agamospermia ou mesmo de
reprodução assexual.
36 Escola Superior Agrária de Bragança - Botânica para Ciências Agrárias e do Ambiente

 Estacas-talão – segmento de ramo com a casca ou parte do ramo de


ordem superior onde se insere; e.g. Populus alba (Salicaceae)
«choupo-branco», Ulmus (Ulmaceae) «ulmeiros» e Taxus baccata
(Taxaceae) «teixo»;
 Quanto ao atempamento as estacas caulinares podem ser:
 Herbáceas – ramos do ano colhidos durante o período de crescimento
vegetativo, e.g. Dianthus caryophyllus (Caryophyllaceae) «cravo»;
 Semi-lenhosas – ramos do ano colhidos no final do Verão início do
Outono; e.g. Olea europaea var. europaea (Oleaceae) «oliveira» e
Theobroma cacao (Malvaceae) «cacaueiro»;
 Lenhosas – colhidas no período de dormência, e.g. marmeleiro,
videira, macieira, mandioca;
iii) Radiculares – e.g. divisão de raízes de Dahlia (Asteraceae) «dálias»;
e) Mergulhia – na mergulhia promove-se a formação de raízes adventícias colocando caules jovens,
não destacados da planta-mãe, em contacto com o solo ou com um substrato adequado; após
enraizamento os caules são destacados da planta-mãe (“desmamados”) e transplantados para
local definitivo. Tipos mais relevantes:
i) Simples – os caules dobrados e enterrados, mantendo acima do solo alguns gomos na
extremidade distal; e.g. Magnolia grandiflora (Magnoliaceae) «magnólia», método
mais usado na propagação da Vitis vinifera «videira» na Idade Média;
ii) Invertida – difere da mergulhia simples pelo facto da extremidade distal ser enterrada
no solo; de uso pouco frequente;
iii) Total, chinesa ou cameação – caules enterrados a todo o comprimento ficando emersa
a extremidade distal; as gemas voltadas para cima dão origem a caules aéreos
formando-se raízes na face oposta; uso pouco frequente;
iv) Múltipla ou em serpentina – um único caule, de grande dimensão, mergulhado por
mais uma vez no solo; usado na propagação de trepadeiras; e.g. Clematis
(Ranunculaceae) «clemátides» e Wisteria (Fabaceae) «glicínias»;
v) Amontoa – caules (e.g. varas de uma touça) amontoados (cobertos de solo) sem torção
artificial dos ramos; técnica aplicada a plantas difíceis de propagar por estaca; e.g.
Quercus suber (Fagaceae) «sobreiro», Tilia (Malvaceae) «tílias», Hibiscus (Malvaceae)
«hibiscos», porta-enxertos de Malus domestica (Rosaceae) «macieira» e Corylus
avellana (Betulaceae) «aveleira»;
vi) Alporquia (= mergulhia aérea) – formação de raízes induzida através da colocação de
solo sustido por plástico, pano ou vidro, em torno de um caule aéreo; e.g. Ficus
(Moraceae) «figueiras», Camellia japonica (Theaceae) «cameleira» e Dracaena draco
(Ruscaceae) «dragoeiro»;
f) Pôlas radiculares (= rebentões de raiz) – utilização de caules (pôlas) resultantes do
abrolhamento de gomos dormentes ou adventícios localizados nas raízes de plantas lenhosas;
pontualmente utilizada na perpetuação de povoamentos florestais explorados em talhadia (e.g.
carvalhais de Quercus pyrenaica [Fagaceae] «carvalho-negral») e na propagação de algumas
espécies (e.g. Salix [Salicaceae] «salgueiros», Acacia melanoxylon [Fabaceae] «acácia-austrália»
e Cordyline australis [Laxmanniaceae] «fiteira»);
g) Rebento de raiz (= rebento radicular) – Espécies herbáceas vivazes como o Cirsium arvense
(Asteraceae) e o Convolvulus arvensis (Convolvulaceae), duas importantes infestantes em
Portugal, ou ainda o Rumex acetosella (Polygonaceae), multiplicam-se por intermédio de
37 Escola Superior Agrária de Bragança - Botânica para Ciências Agrárias e do Ambiente

fragmentos de raiz que, na época apropriada, originam lançamentos caulinares. Não existe um
termo em língua portuguesa, de uso estabelecido, para este tipo de multiplicação vegetativa,
conhecido em francês por “drageon” e em inglês por “root shot”; rebento de raiz é uma opção
razoável;

Figura 10. Talhadias de Castanea sativa (Fagaceae) «castanheiro» propagada por pôlas de touça.

h) Pôlas (= rebentões, pôlas caulinares) – utilização de caules (pôlas) resultantes do abrolhamento


de gomos dormentes ou adventícios localizados no colo ou na touça de plantas lenhosas; as
touças (ou toiças) são a porção remanescente após corte, regra geral coincidente com a região
do colo, do tronco das espécies lenhosas com regeneração vegetativa; as pôlas de touça (=
rebentos de touça ou rebentões de touça) são muito utilizadas na perpetuação de povoamentos
florestais explorados em talhadia (e.g. carvalhais, castinçais e eucaliptais);
i) Enxertia – consiste em fazer desenvolver sobre uma parte de uma planta (cavalo) uma outra
(enxerto) da mesma espécie (e.g. Malus domestica [Rosaceae] «macieira» em cavalos de M.
domestica) ou de outra espécie filogeneticamente próxima (e.g. enxerto de Pistacia vera
[Anacardiaceae] «pistácio» sobre P. terebinthus «cornalheira» ou Pyrus communis [Rosaceae]
«pereira» sobre Crataegus monogyna [Rosaceae] «pilriteiro»); nas plantas enxertadas o sistema
radicular pertence ao cavalo e a parte aérea ao enxerto ou é partilhada entre este e o cavalo; a
enxertia natural (sem intervenção humana) de raízes é muito frequente em muitas espécies
lenhosas, tanto cultivadas como silvestres; a enxertia é fácil de realizar em muitas
dicotiledóneas através do contacto câmbio-câmbio mas muito difícil nas monocotiledóneas
(somente através do contacto entre meristemas intercalares); o sucesso da enxertia depende,
em grande medida, de um bom contacto entre os câmbios do enxerto e do cavalo; tipos mais
frequentes:
i) Encosto – união lateral de duas plantas com sistemas radiculares independentes; após
o pegamento uma delas é destacada; praticada em Cucumis melo (Cucurbitaceae)
«meloeiro», menos noutras espécies; adequada para todas as espécies que se
propaguem por garfo ou por borbulha;
ii) Garfo (= ramo destacado) – uma porção de caule (garfo), com um pequeno número de
gomos, é retirado de uma planta-mãe; a extremidade proximal é, geralmente, cortada
em forma de bisel e inserida num porta-enxerto; o enxerto é posteriormente envolvido
por ráfia ou um substituto equivalente; e.g. Malus domestica (Rosaceae) «macieira»,
Pyrus communis (Rosaceae) «pereira» e Vitis vinifera (Vitaceae) «videira-europeia);
existem muitos subtipos de enxertia por garfo que não cabe aqui desenvolver (e.g.
38 Escola Superior Agrária de Bragança - Botânica para Ciências Agrárias e do Ambiente

enxertia de fenda simples, de fenda cheia, de fenda inglesa, de fenda dupla e de coroa
ou cabeça);
iii) Borbulha (= gomo destacado) – inserção de um fragmento de casca com uma gema
(borbulha) numa incisão efetuada na casca do porta-enxerto; e.g. Citrus (Rutaceae)
«citrinos», Prunus avium (Rosaceae) «cerejeira»:
 Flauta ou canudo – inserção de um fragmento de casca tubuloso com um
gomo num porta-enxerto; sistema por vezes usado em Castanea sativa
(Fagaceae) «castanheiro».

Figura 11. Alguns tipos de propagação vegetativa. 1. Estaca, 2. Mergulhia simples, 3. Enxertia de garfo de fenda dupla.
4. Enxertia de borbulha. 5. Enxertia de encosto (adaptado de Coutinho, 1898).

1.3. Ciclos de vida das gimnospérmicas e angiospérmicas

1.3.1. Ciclo de vida das gimnospérmicas: Pinus pinaster «pinheiro-


bravo»
O pinheiro-bravo tem uma floração precoce: entre o estádio de plântula recém-germinada e o início
da produção de estruturas reprodutivas medeiam cerca de dez anos. A produção de células
reprodutoras tem início no Inverno ou nos princípios da Primavera. No interior dos sacos polínicos (2 por
megasporófilo i.e. por escama polínica) formam-se, por meiose, tétradas de micrósporos. O núcleo
haplóide do micrósporo divide-se dando origem ao gametófito ♂ (microgametófito), contido pelas
paredes do grão de pólen. No interior dos primórdios seminais (= megasporângio + tegumento) forma-
se um gametófito ♀ multicelular a partir de um dos 4 megásporos iniciais. Em dado momento, no
gametófito ♀, diferenciam-se arquegónios (2 nas coníferas embora apenas se diferencie um embrião),
cada um com uma oosfera. A polinização é anemogâmica sendo o pólen capturado por uma gota
polínica gerada na proximidade do micrópilo. Nas Pinidae desenvolve-se um tubo polínico que põe os
núcleos espermáticos em contacto direto com a oosfera (sifonogamia). A fertilização acontece 4-6
meses após a polinização. Os estróbilos amadurecem um ano e meio após a polinização. Os estróbilos ♀
são constituídos pela repetição ao longo de um eixo de duas escamas: uma escama fértil, na axila de
uma escama estéril que facilmente passa desapercebida. Aplicados na superfície distal das escamas
férteis dos estróbilos maduros (pinhas) encontram-se duas sementes de tegumento duro prolongado
numa longa asa, destinada a favorecer a dispersão anemocórica. As sementes soltam-se dos estróbilos,
ainda na árvore, no final do Verão-início do Outono. Se as condições de humidade forem propícias dão
39 Escola Superior Agrária de Bragança - Botânica para Ciências Agrárias e do Ambiente

origem a uma plântula de germinação epígea, com uma pequena roseta de cotilédones verdes e
aciculares.

Figura 12. Ciclo de vida de uma gimnospérmica (Pinus) (adaptado de Diaz et al., 2004).
40 Escola Superior Agrária de Bragança - Botânica para Ciências Agrárias e do Ambiente

1.3.2. Ciclo de vida das angiospérmicas: Prunus avium «cerejeira»

Figura 13. Ciclo de vida de uma angiospérmica (Prunus avium) (adaptado de Diaz et al., 2004).
41 Escola Superior Agrária de Bragança - Botânica para Ciências Agrárias e do Ambiente

As cerejeiras-bravas propagam-se naturalmente por semente. A germinação é epígea. As cerejeiras


cultivadas são enxertadas: o cavalo é propagado por semente ou por mergulhia; os garfos são retirados
dos pés-mãe e enxertados nos cavalos durante o repouso vegetativo. A floração ocorre em Março-Abril.
As flores emergem de gomos florais concentrados em esporões. Os gomos folheares abrolham depois
dos gomos florais. O ciclo floral desenrola-se num único ano, como nas demais angiospérmicas. Cada
flor é constituída por 5 sépalas livres, 5 pétalas livres, estames indefinidos e um ovário súpero
monocarpelar com um único primórdio seminal. Cumprida, por meiose, a esporogénese – i.e. a
formação dos micrósporos e dos megásporos – rapidamente se diferenciam grãos de pólen
(microgametófito) nos sacos polínicos (microsporângios) e o gametófito feminino no interior dos
primórdios seminais (= megasporângio + tegumento). A polinização é anemófila. Finda a fecundação
diferencia-se uma semente cotiledonar protegida por um fruto tipo drupa. A dispersão dos indivíduos
selvagens é barocórica ou ornitocórica. As sementes são dormentes e para germinarem têm que ser
vernalizadas.

2. Introdução à biologia da evolução

2.1. Evolução
Fixismo, criacionismo, essencialismo e evolucionismo
Carolus Linnaeus [1707-1778; Carlos Lineu, em português] e
os seus contemporâneos, nos meados do séc. XVIII, supunham
que as espécies que povoam o planeta Terra haviam sido
criadas por um ente superior e que a sua forma e número eram
constantes. “As espécies são tantas como as que foram criadas
no início pelo Infinito15”, escreveu Lineu em 1758. Se o Criador
era perfeito então, além de definitiva, a estrutura e a função
dos seres vivos era perfeita e a necessária para um adequado e
permanente (infinito) funcionamento da vida no planeta Terra.
Influenciados pela filosofia essencialista, resumida por Platão
[428/427-348/347 a.C.] na conhecida Alegoria da Caverna, Lineu
e os demais naturalistas pré-darwinianos, supunham que a
descrição dos produtos da criação, i.e. a prática da sistemática
biológica, tinha por fim último a identificação das propriedades
essenciais atribuídas pelo Criador às coisas vivas. Uma
propriedade essencial – uma essência – era entendida como um elemento básico, neste caso de um ser
vivo, sem o qual ele não poderia ser o que é. A essência seria a causa direta da sua perfeição e
intemporalidade. Para os essencialistas as propriedades não essenciais eram meramente acidentais.
Após a publicação por Charles Darwin do livro “A Origem das Espécies”, uma designação abreviada
do título original “Sobre a Origem das Espécies Através da Seleção Natural ou a Preservação de Raças
Favorecidas na Luta pela Vida”, em 1859, a espécie deixou de ser considerada como um tipo
caracterizado por um conjunto constante e imutável de propriedades essenciais. Embora carecendo de
uma definição precisa, até à emergência da síntese evolucionária moderna (vd. A síntese evolucionária
moderna) a espécie passou a ser interpretada como um aglomerado heterogéneo de indivíduos

15
A doutrina filosófica que aceita que as espécies de hoje são as mesmas do passado, é conhecida por fixismo. O
criacionismo é uma reformulação do fixismo pela religião.
42 Escola Superior Agrária de Bragança - Botânica para Ciências Agrárias e do Ambiente

similares, com características fenotípicas espacial e temporalmente instáveis, submetido a pressões


seletivas que condicionam a sua história evolutiva. A noção de que as plantas e os animais não são
imutáveis, que evoluem, implicou, a muito custo, a rejeição do essencialismo, um sistema filosófico com
mais de 2000 anos.
Charles Darwin [1809-1882] foi um exímio observador dos fenómenos naturais. Durante a viagem de
volta ao mundo a bordo do navio Beagle (1831-1836), na função de naturalista e de companheiro de
viagem do capitão FitzRoy, Darwin deparou-se com duas questões fundamentais que absorviam a
atenção dos seus contemporâneos: como se explica e qual a história da diversidade biológica que povoa
o planeta? por que razão a forma e função dos organismos estão tão estreitamente correlacionadas?
Para explicar estas duas questões Darwin inspirou-se no uniformitarismo do geólogo, e amigo próximo,
Charles Lyell e nas ideias de Thomas Malthus. Charles Lyell foi o fundador da geologia moderna. Para
explicar as características geológicas atuais da Terra admitiu que estas se deviam à ação lenta de forças
que ainda hoje atuam no planeta. Esta ideia simples – cunhada por uniformitarismo – foi
posteriormente generalizada a outras ciências. Thomas Malthus foi um demógrafo inglês conhecido por
defender que as populações humanas crescem mais depressa do que a disponibilidade de recursos. Para
Malthus a escassez de recursos era uma inevitabilidade comum a todas as sociedades humanas e a
causa eficiente da guerra, da fome e das epidemias. Malthus percebeu que nas sociedades humanas
pré-industriais (= sociedades orgânicas) – os efeitos da revolução industrial eram ainda incipientes no
seu tempo – a taxas de natalidade e de mortalidade tendem a igualar-se e que o rendimento das
pessoas, assim como o número de filhos sobreviventes por mulher, sofreu poucas variações ao longo do
tempo.
Darwin leu os livros de Lyell e de Malthus e rompeu com o criacionismo no decurso da viagem de
circum-navegação do Beagle. No entanto, o fermento das ideias evolucionistas em Darwin é anterior
(Kohn et al., 2005). Entre 1828 e 1831, Darwin foi aluno e usufruiu da amizade do padre anglicano John
Henslow [1796-1861], um minucioso investigador da natureza das espécies vegetais e da variabilidade
das suas formas. Nas visitas de campo organizadas por este distinto mineralogista e professor de
botânica inglês, Darwin aprendeu a colher espécimes e a observar a variação da forma das plantas. Os
biógrafos admitem que estas aprendizagens, a par da sua experiência como naturalista na viagem da
Beagle, foram essenciais no processo de aceitação da ideia de evolução e na descoberta do mecanismo
da seleção natural.
A teoria evolucionária Darwin assenta, assim, em dois conjuntos essenciais de ideias:
a) As gerações vão-se sucedendo com pequenas modificações; a acumulação gradual de pequenas
modificações abriu caminho à diversificação dos seres vivos ao longo do tempo;
b) A ação da seleção natural sobre a variabilidade explica a correlação entre a forma e a função dos
organismos; a seleção natural moldou os seres vivos no passado e continua ativa no presente
porque a evolução é um processo inacabado; a luta pela sobrevivência num mundo de recursos
escassos é a causa direta da seleção natural.

A síntese evolucionária moderna


A biologia contemporânea de Darwin não dispunha dos conceitos de gene, mutação ou frequência
genética. As leis da hereditariedade seriam formuladas depois da publicação da “A Origem das Espécies”
em 1866, por Gregor Mendel, e permaneceriam esquecidas até à sua redescoberta, em 1900, pelos
botânicos Hugo de Vries e Carl Correns. Nos anos 30 e 40 do séc. XX a genética foi incorporada na teoria
da evolução darwinista. Com a síntese evolucionária moderna o pensamento tipológico ou essencialista
lineano foi definitivamente substituído pelo chamado pensamento populacional.
A síntese evolucionária moderna (= neodarwinismo) pode ser resumida do seguinte modo:
a) Os seres vivos mantêm um conjunto de características estruturais e funcionais que são
transmitidas dos indivíduos parentais para os seus descendentes;
43 Escola Superior Agrária de Bragança - Botânica para Ciências Agrárias e do Ambiente

b) Por mutação, recombinação genética (crossing-over), recombinação sexual (segregação dos


cromossomas) e transferência de informação genética entre populações (migração) ou espécies
(hibridação) continuamente surgem novos caracteres estruturais e funcionais ao nível da
população; estas variações surgem na natureza por processos estocásticos (ao acaso) e são a
matéria-prima da evolução;
c) Numa mesma população coexistem indivíduos com características diferentes, geneticamente
transmissíveis, com influência no seu sucesso reprodutivo;
d) Caso as alterações sejam favoráveis, i.e. se aumentarem o sucesso reprodutivo dos indivíduos
portadores (= fitness), as novas alterações são fixadas e a sua frequência (à escala da população)
é incrementada ao longo do tempo; as modificações que deprimem o sucesso reprodutivo dos
indivíduos, pelo contrário, são negativamente selecionadas; designa-se este mecanismo por
seleção natural;
e) A seleção natural atua sobre os indivíduos e não em populações ou espécies, a evolução é um
processo individualístico;
f) A seleção natural introduz no genoma informação sobre os recursos e condições ambientais
exteriores ao corpo dos indivíduos, e sobre os microrganismos comensais ou que lhe são
patogénicos;
g) A acumulação de novas características por seleção eventualmente pode resultar na divergência
morfológica e/ou funcional dos organismos sendo, por isso, uma componente essencial na
especiação e na diversificação da vida;
h) Uma parte significativa das lentas aquisições morfológicas e fisiológicas ocorridas ao logo do
tempo pode ser lida a partir do estudo do biota atual.

Quadro 7. Alguns conceitos chave de biologia da evolução.

Conceito Definição

Adaptação Dois conceitos, muito distintos:


 Processo de ajustamento dos indivíduos ao ambiente acompanhado de um incremento
da fitness;
 Qualquer carácter morfológico, fisiológico ou comportamental (nos animais) que
incremente a fitness.

Evolução Qualquer alteração cumulativa das características de um organismo de geração para geração.

Deriva genética Alterações da estrutura genética de pequenas populações causadas pelo acaso.

Fitness Sucesso reprodutivo dos indivíduos.

Seleção natural Mecanismo fundamental da evolução mediante o qual é incrementada a abundância de


caracteres favoráveis em detrimento de caracteres menos favoráveis.

Os seres vivos submetidos a seleção natural evoluem por adaptação. A importância da seleção
natural é um dos temas mais discutidos na bibliografia de biologia da evolução. É mais ou menos
consensual que a seleção natural é o mais importante mecanismo de evolução. Um segundo mecanismo
– a deriva genética – tem uma enorme importância em populações pequenas. Ocorre deriva genética
quando, por exemplo, um pequeno grupo de indivíduos de uma espécie migra de um continente para
uma ilha, transportando, em si, uma amostra empobrecida e enviesada da diversidade genética da
população original. A deriva genética origina perdas assinaláveis de diversidade genética.
Eventualmente promove a fixação de características, mais concretamente de alelos, raros nas
44 Escola Superior Agrária de Bragança - Botânica para Ciências Agrárias e do Ambiente

populações originais. Enquanto a seleção fixa alelos vantajosos, a deriva genética fixa alelos ao acaso,
proveitosos ou não do ponto de vista adaptativo. Em populações muito pequenas chega a contrariar o
efeito adaptativo da seleção natural.
Nos processos evolutivos coexistem forças que induzem mudanças (e.g. mutação e recombinação) e
forças (seleção natural) que estabilizam as características dos organismos. Nas plantas as forças de
estabilização da forma e da função estão particularmente presentes na estrutura da flor. Variações
muito acentuadas nas características morfológicas das flores criam dificuldades na reprodução sexual –
sobretudo através da redução da eficiência dos agentes polinizadores – consequentemente a flor fica
submetida a uma pressão seletiva de estabilização (ing. stabilizing selection) (Stebbins, 1970). Este
mecanismo introduz menor variação nas características da flor do que no corpo vegetativo das plantas,
tanto à escala do indivíduo como da população, e é uma das explicações da taxonomia de
angiospérmicas ser baseada em caracteres florais.

Síntese evolucionária estendida


A atividade dos genes está sujeita a complexos sistemas de regulação. Constatou-se, recentemente,
que as condições ambientais influenciam os sistemas de silenciamento génico, e que o silenciamento e o
seu inverso, a desrepressão génica, são transmissíveis entre gerações. Por exemplo, no gado bovino, as
condições ambientais vividas pelas mães, sobretudo no que diz respeito à qualidade da alimentação,
reflete-se na performance zootécnica dos seus descendentes; “as raças melhoram-se pela boca”, dizem
os zootécnicos. Os sistemas de regulação génica sensíveis a fatores ambientais têm, aparentemente, um
papel na evolução análogo às mutações genéticas. Afinal, há algo de lamarckiano de evolução. Esta nova
síntese evolucionista não representa, porém, um novo paradigma (Pigliucci, 2007), uma rutura com o
Darwinismo, porque a transmissão de caracteres adquiridos por influência ambiental é limitada. A
importância da mutação, da recombinação, da seleção natural e da deriva genética não está em causa
(vd. A síntese evolucionária moderna). A designação “síntese evolucionária estendida” (ing. extended
evolutionary synthesis) é feliz, por isso mesmo.

Algumas características do processo evolutivo


Nos livro-texto a exposição da evolução das plantas, ou de qualquer outro grupo de seres vivos,
inicia-se nas formas mais simples e termina nos grupos mais recentes e avançados, ricos em caracteres
derivados (recentes). A exposição diacrónica (ao longo do tempo) dos produtos da evolução é a melhor
forma de ensinar evolução, porém, existe o risco de menorizar a história evolutiva dos grupos ditos mais
primitivos e de veicular as noções teleológicas de que a evolução é unidirecional, que os grupos mais
antigos são sempre estruturalmente mais simples e que essa simplicidade incrementa os riscos de
extinção perante a inexorável evolução de linhagens de corpo mais complexo. O scala naturae
aristotélico (a grande cadeia da vida) de acordo com o qual os seres vivos estão organizados numa
escala de perfeição encimada pelo homem continua a condicionar a explanação do processo evolutivo.
De facto, nos diagramas filogenéticos do reino animal com frequência a espécie humana é ressaltada, o
mesmo acontecendo com as angiospérmicas nos estudos de evolução de plantas.
A complexidade não é uma inevitabilidade nem um sinónimo de sucesso evolutivo. Os
microrganismos são uma prova disso mesmo: têm uma estrutura e uma fisiologia muito simples,
surgiram em etapas recuadas da vida na terra, são extraordinariamente abundantes, permanecem
essenciais nos ciclos biogeoquímicos e foram cruciais nas pressões seletivas que conduziram à
emergência dos metazoários e das plantas. Por outro lado, muitos grupos de seres vivos evoluíram de
formas mais complexas. Algumas algas-verdes unicelulares têm origem em formas mais complexas (e.g.
algas-verdes filamentosas ramificadas) as quais, por sua vez, haviam evoluído a partir de formas
unicelulares. Os Psilotum (Ophioglossidae) não dispõem nem de raízes nem de megáfilos embora
provenham de uma linhagem de plantas vasculares com raízes e folhas verdadeiras. As minúsculas
«lentilhas-de-água» (e.g. Lemna e Wolfia, Araceae) descendem de plantas de muito maior dimensão
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com inflorescências complexas. No reino animal existem evidências que os ancestrais dos «ouriços-do-
mar» eram dotados de um sistema nervoso mais complexo. A redução e a perda de caracteres são,
afinal, muito frequentes na natureza. Os exemplos mais conhecidos serão talvez a redução das asas em
algumas aves insulares (e.g. o extinto dódó das ilhas Maurícias) e o desaparecimento dos olhos em
alguns peixes e insectos cavernícolas. Nas plantas a redução de caracteres é óbvia nas brácteas
escamiformes das inflorescências ou nos verticilos vestigiais de estames. A vestigialização de caracteres
é geralmente interpretada como consequência da perda de funções. Crê-se que nestas condições a
manutenção de caracteres não funcionais terá custos energéticos que pressionam a sua redução.
Se a complexidade não é um sinónimo de sucesso evolutivo então não tem sentido o uso do conceito
de progresso em evolução. Na longa história da vida algumas linhagens de seres vivos complexificaram-
se, outras permaneceram em estase evolutiva e outras, ainda, extinguiram-se. O sucesso evolutivo num
dado período geológico não implicou um sucesso acrescido nos períodos geológicos seguintes. Embora a
complexidade não seja uma inevitabilidade evolutiva é um facto (e não uma necessidade!) que a
fisiologia, os órgãos vegetativos e reprodutivos e os mecanismos de reprodução de algumas plantas se
complexificaram e diversificaram ao longo do tempo. Nas plantas sucedeu ainda que o último grande
grupo a diferenciar-se – as angiospérmicas – é, simultaneamente, o mais bem-sucedido (i.e. com maior
número de espécies e biomassa) e o grupo morfológica e fisiologicamente mais complexo e diverso. No
entanto, muitas alternativas evolutivas se esboçaram entre gimnospérmicas, tão ou mais complexas do
que as angiospérmicas, que desembocaram na extinção.
Se a complexidade não é, por natureza, definitiva então a evolução não é um processo unidirecional.
Nas plantas, muito mais do que nos animais, são frequentes inversões de caracteres (ing. character
reversal), i.e. caracteres derivados, impropriamente aceites como mais evoluídos, que retornam a uma
condição primitiva. Por exemplo, o ovário ínfero surgiu de forma independente em muitos grupos de
plantas e admite-se que a inversão de ovário ínfero em súpero possa ter acontecido mais de uma vez
em numerosos grupos de plantas (inclusivamente no mesmo género). Esta é uma das explicações
plausíveis por que nas plantas é frequente linhagens sem relações diretas de parentesco partilharem
caracteres por convergência evolutiva.
Muitas características geneticamente determinadas resultam de elaborações evolutivas de
características mais antigas, funcionalmente muito distintas. Por exemplo, a lenhina evoluiu a partir de
substâncias mais simples que conferiam resistência às radiações UV nas primeiras plantas-terrestres (vd.
As plantas-vasculares). Algo semelhante ocorreu na evolução da semente (vd. As primeiras plantas-com-
semente). Um erro no funcionamento do esporângio do ancestral de todas as plantas-com-semente, por
uma qualquer razão desconhecida persistiu, abrindo o caminho a uma nova e bem-sucedida linhagem
de plantas-terrestres. A serendipidade evolutiva – as descobertas ou achados, inesperados,
surpreendentes, mas úteis – não pode ser confundida com necessidade evolutiva. Os seres vivos atuais
são um cúmulo de acasos (e.g. mutações e recombinações) felizes, por enquanto evolutivamente bem-
sucedidos. Os acasos infelizes, à escala do indivíduo, condenaram os seus portadores ao desastre
reprodutivo; à escala da população e da espécie foram um agente de extinção. Na história da vida na
Terra extinguiram-se mais linhagens de seres vivos do que aquelas que hoje existem. A ilusão de que a
evolução é motivada pela necessidade emerge da concatenação da forma e da fisiologia no corpo dos
seres vivos, ou dos indivíduos e espécies nos ecossistemas, produzida pela evolução por adaptação. Em
escalas de tempo sufientemente latas a evolução é aleatória e imprevisível.
A principal característica da evolução talvez seja, então, a sua imprevisibilidade. A Terra está
povoada de mamíferos, de aves, de insectos, de plantas-com-flor, de fetos, briófitas ou algas. Uma
pequena alteração na trajetória geológica da Terra, na paleoquímica da atmosfera ou no historial de
catástrofes planetárias e o biota e os ecossistemas atuais seriam outros, certamente sem homens e sem
flores. A macroevolução é, intrinsecamente, aleatória e, por isso, impossível de modelar. A cada
momento os mundos possíveis e os caminhos da evolução são vastos, e tão vastos que a nossa mente,
46 Escola Superior Agrária de Bragança - Botânica para Ciências Agrárias e do Ambiente

subordinada a intrínsecas limitações epistémicas, lê como infinitas. A macroevolução é uma disciplina


histórico-descritiva e um terreno fértil para a epistemologia. A microevolução, pelo contrário, está
aberta à matematização.

2.2. Especiação
Evolução por anagénese e por cladogénese
Os organismos modificam-se ao longo do tempo porque a interação da seleção natural com o
genoma permite a contínua acumulação de novas soluções morfológicas e funcionais, geneticamente
codificadas, que os capacitam a reproduzir-se num mundo em permanente mudança. C. Darwin nunca
utilizou o termo evolução, descreveu este processo por “descendência com modificações”. A evolução
pode ser decomposta em dois processos distintos: anagénese e cladogénese. A anagénese é a evolução
de uma espécie sem especiação. Na evolução por cladogénese (= especiação) ocorre a formação de
novas espécies a partir de espécies ancestrais.

Conceito de espécie
O conceito de espécie é, simultaneamente, um dos mais importantes e um dos mais discutidos
conceitos de biologia. O termo espécie deriva da palavra latina species que significa tipo. As espécies
tipificadas pelos taxonomistas – os especialistas na segmentação do biota que povoa o planeta Terra em
espécies e outro taxa – são uma das “unidades” fundamentais de experimentação e comparação em
todos os campos da biologia e da ecologia; e.g. biologia molecular, genética, fisiologia, anatomia,
evolução, ecologia das populações e das comunidades e paleontologia. Embora de uso generalizado não
existe um conceito unificado de espécie: estão publicados mais de 26 conceitos distintos. Alguns autores
questionam, inclusivamente, se essa tarefa é possível.
O conceito biológico de espécie de Ernest Mayr é, desde os anos 40, uma das pedras angulares da
biologia. Mayr definiu espécie do seguinte modo: "species are groups of interbreeding natural
populations that are reproductively isolated from other such groups." Pertencem, assim, à mesma
espécie indivíduos naturalmente interférteis, ainda que geograficamente isolados. A troca de
informação genética entre indivíduos pertencentes, ou não, à mesma população, e o isolamento
reprodutivo interespecífico são as duas forças de coesão fundamentais na manutenção da integridade
genética e morfológica das espécies, sejam elas animais ou vegetais.
Rieseberg et al. (2006) demonstraram num universo de 200 géneros de plantas que é possível
identificar clusters de indivíduos morfologicamente semelhantes entre si, com um significativo
isolamento genético, e que a hibridação não é a causa maior dos casos de espécies de morfologia
sobreposta. Por exemplo, os Quercus (Fagaceae) e os Cistus (Cistaceae), dois dos mais importantes
géneros da flora continental portuguesa, hibridam com facilidade nas áreas de simpatria (onde as
espécies se sobrepõem). Porém, as características genéticas e morfológicas das espécies de Quercus e
Cistus persistem inalteradas, pelo menos nas populações situadas no “core16” da espécie. Os híbridos
nestes géneros são pouco competitivos frente às espécies parentais, o que impede a sua dissolução num
“enxame de híbridos” (ing. hibrid swarm). Os estudos moleculares indiciam que mesmo nas espécies
ditas autogâmicas os indivíduos trocam, ocasionalmente, informação genética entre si, autorizando,
deste modo, a aplicação do conceito biológico de espécie a este grupo crítico de plantas (Rieseberg &
Willis, 2007). A biologia da especiação de plantas corrobora assim duas importantes hipóteses: as
espécies não são um artefacto da razão, são entidades reais; o conceito biológico de espécie de Ernest
Mayr é útil tanto no reino animal com entre as plantas. Além de real, a diferenciação de espécies, i.e. a
especiação, de plantas-com-flor é um evento frequente e que se pode desenrolar com uma rapidez

16
Genericamente, parte da área de distribuição de uma espécie onde as populações são mais densas e contínuas.
47 Escola Superior Agrária de Bragança - Botânica para Ciências Agrárias e do Ambiente

assinalável, particularmente em territórios sujeitos a alterações climáticas cíclicas e profundas. Estão


descritos eventos contemporâneos de especiação, e é muito provável que muitos dos endemismos
europeus, sobretudo das regiões de clima temperado, sejam de especiação recente (do final do
Pleistocénico ou holocénicos). Como defende Levin (1993), “a especiação das plantas [com flor] é uma
regra, e não uma exceção”.
A generalização do uso do conceito biológico de espécie às plantas esbarra, contudo, com múltiplas
dificuldades. Por exemplo, é impraticável em fósseis. Continua a ser difícil de aplicar a grupos
apomíticos – e.g. Taraxacum (Asteraceae) e Rubus (Rosaceae) – e nas situações em que o isolamento
reprodutivo é imperfeito, circunstância frequente em complexos de espécies recentemente
diferenciados e em plantas com ciclos de vida muito longos (Rieseberg & Willis, 2007). Por outro lado,
como é possível testar à escala global, com os parcos recursos financeiros e humanos disponibilizados
para a investigação taxonómica, o isolamento reprodutivo de centenas de milhar de putativas espécies
de plantas? E, pelos mesmos motivos, como deslindar as espécies crípticas17 que constituem algumas
das espécies correntemente aceites pelos taxonomistas?
A maioria dos taxonomistas permanece indiferente às acesas discussões que animam os especialistas
em evolução e especiação. Nas Floras e na restante bibliografia de sistemática vegetal, os taxonomistas
admitem, implicitamente, que pertencem à espécie indivíduos que partilham uma morfologia similar,
distinta da morfologia dos indivíduos das demais espécies descritas, de preferência em mais de um
carácter. Consequentemente, para estes autores as espécies são clusters (grupos) de indivíduos de
morfologia discreta, e o seu reconhecimento depende da demonstração de correlações estáveis e
consistentes de caracteres nos indivíduos que a constituem. Mais: os taxonomistas clássicos não
atribuem nomes lineanos a espécies irmãs ou a linhagem de plantas apomíticas fortuitas de distribuição
muito restrita, de modo a evitar uma multiplicação descontrolada de nomes que acabaria por esvaziar a
sua utilidade18. Este conceito prático de espécie – o conceito morfológico de espécie – é talvez o mais
adequado para apreender e descrever a enorme diversidade biológica do biota terreno. A sua aplicação
reduz a espécie à opinião do melhor especialista; a espécie passa a ser o produto de um argumento de
autoridade, sem dúvida uma forma eficiente, porém menos saudável de fazer ciência.
A bibliografia sobre o conceito de espécie é insuportavelmente extensa. O número de conceitos de
espécie soma, como se referiu anteriormente, mais de duas dezenas. Não cabe neste texto uma análise
mais aprofundada do tema e uma discussão das alternativas aos conceitos biológico e morfológico de
espécie. Ainda assim vale a pena transcrever o conceito de Stebbins (1993), uma formulação de
compromisso proposta para obviar algumas das dificuldades operacionais do conceito biológico de
espécie de Mayr: “Espécies são as unidades básicas da sistemática e da evolução. Consistem em
sistemas de populações que se assemelham entre si nas suas características morfológicas, ecológicas e
genéticas. Estas populações estão sujeitas a várias forças coesivas, principalmente pelo fluxo de genes
ou, em alguns casos por autopolinização parcial; a similaridade interpopulacional é devida a uma
ascendência comum e a síndromas adaptativos que permitem respostas paralelas (similares entre si)
dessas populações às influências ambientais. As fronteiras interespecíficas podem ser bem definidas
desenvolvendo-se um isolamento genético e fisiológico completo de outras espécies, ou podem ser
localmente, e temporariamente, enfraquecidos em consequência de um relaxamento parcial das
barreiras interespecíficas”. Para Stebbins o isolamento reprodutivo total não é uma condição sine qua
non de uma espécie; a similaridade morfológica, a ascendência comum e a partilha de resposta
evolucionárias, sim.

17
As espécies irmãs ou crípticas (ing. sibling species) são espécies sensu Mayr, simpátricas ou não,
morfologicamente idênticas, frequentemente partilhando a mesma ecologia, evolutivamente isoladas por barreiras
reprodutivas pré ou pós-zigóticas (vd. Mecanismos e processos de especiação). Foram dedectas espécies irmãs, por
exemplo, na vulgaríssima Poa annua.
18
Assim acontece com o género Rubus (Rosaceae).
48 Escola Superior Agrária de Bragança - Botânica para Ciências Agrárias e do Ambiente

Mecanismos e processos de especiação


Por mais distinta que seja a sua morfologia ou ecologia, todas as espécies de seres vivos partilham
um padrão histórico-evolutivo comum (Levin, 2000): 1) descendem de uma ou, excecionalmente, mais
do que uma espécie ancestral, 2) persistem durante um período variável de tempo e, inevitavelmente,
3) acabam por se extinguir.
Os mecanismos de formação de novas espécies a partir de outras pré-existentes, i.e. os mecanismos
de especiação, são muito diversos. Admite-se que a maior parte das espécies de plantas-terrestres se
formou por um dos seguintes mecanismos:
a) A partir de pequenas populações situadas na margem da área de distribuição da espécie
parental;
b) Após reduções drásticas da área de ocupação da espécie parental;
c) Colonização de novos territórios muito afastados das populações da espécie ancestral;
d) Seleção disruptiva em ambientes seletivos particulares;
e) Hibridação entre espécies seguida de estabilização dos híbridos;
f) Poliploidia.
Como se depreende dos mecanismos de especiação enunciados – excetuando a poliploidia – a
especiação não é um evento, mas sim um processo. Os três primeiros mecanismos atuam lentamente
(especiação lenta), à escala local, em pequenas populações geralmente submetidas a pressões seletivas
peculiares (e.g. condições ambientais muito distintas do “core” da espécie parental). As pequenas
populações em especiação transportam, em si, uma subamostra enviesada da diversidade genética do
“core” das populações parentais. Este enviesamento, conhecido por deriva genética, acelera a
especiação. Nestes três mecanismos o isolamento reprodutivo é essencial e, por isso, cabem no
conceito de especiação alopátrica. Em ambientes seletivos muito particulares (e.g. rochas com metais
pesados e dunas litorais) a especiação pode ocorrer sem isolamento reprodutivo, sendo designada por
especiação simpátrica. A importância da especiação híbrida não está clarificada; supõe-se que seja
importante em alguns grupos de plantas [e.g. gén. Armeria (Plumbaginaceae)]. A abertura de vias de
migração que ponham em contacto taxa evolutivamente próximos estimulam os fenómenos de
especiação híbrida. A especiação por poliploidia (= especiação rápida) é muito frequente nas plantas e
rara nos animais; desenrola-se numa única geração ou num número reduzido de gerações. A
alopoliploidia envolve mais que uma espécie, inicia-se com uma hibridação seguida de uma duplicação
do número dos cromossomas (poliploidia). O Triticum aestivum «trigo-mole» é um conhecido
alopoliplóide.
Os mecanismos de especiação pressupõe a existência de barreiras reprodutivas que impeçam a
dissolução das espécies emergentes no seio da ou das espécies parentais. Reconhecem-se dois tipos
fundamentais de barreiras reprodutivas: pré-zigóticas e pós-zigóticas, consoante são funcionais antes ou
após o encontro dos gâmetas.
As barreiras reprodutivas pré-zigóticas dimanam aos seguintes mecanismos:
a) Isolamento temporal – e.g. períodos de floração desfasados no tempo;
b) Isolamento espacial – localização desfasada no espaço, ainda que as espécies parentais e a
espécie emergente possam viver em habitats distintos relativamente próximos;
c) Isolamento mecânico – morfologia do aparelho reprodutor impede a partilha de polinizadores
animais da mesma espécie;
d) Incompatibilidade gamética – incluem-se neste tipo o não reconhecimento do pólen pelos
estigmas e os sistemas de incompatibilidade.
As barreiras reprodutivas pós-zigóticas resultam da:
49 Escola Superior Agrária de Bragança - Botânica para Ciências Agrárias e do Ambiente

a) Esterilidade dos híbridos – os híbridos são incapazes de produzir gâmetas;


b) Inviabilidade dos híbridos – a fitness dos híbridos é inferior à fitness das espécies parentais.
O isolamento reprodutivo nas plantas geralmente deve-se à convergência de mais de um tipo de
barreira reprodutiva (Widmer et al., 2009). O isolamento espacial é o mecanismo de referência no
modelo de especiação alopátrico. A “especiação simpátrica” e “especiação híbrida” – a especiação
híbrida é geralmente simpátrica – envolvem mecanismos variados de isolamento reprodutivo.
O “gradualismo filético” (ing. phyletic gradualism) postula que a especiação é um processo lento
durante o qual uma população acumula, de forma gradual e quase constante, alterações genéticas que
culminam num isolamento reprodutivo frente às restantes populações das espécie-mãe. Teoricamente,
o gradualismo implica taxas quase constantes de especiação, porém o registo fóssil evidencia que
períodos de intensa alteração na forma dos seres vivos e nas espécies fossilizadas alternaram com
extensos períodos de estase evolutiva, i.e. com períodos de muito lenta alteração na forma dos seres
vivos e na composição das biocenoses. Stephen Jay Gould e Niles Eldredge propuseram a teoria do
“equilíbrio pontuado” (ing. punctuated equilibrium) para responder e acomodar estas constatações no
âmbito da teoria evolutiva neo-darwinista. De acordo com estes autores, as populações muito grandes
em habitats homogéneos e em períodos de grande estabilidade climática encontram-se, geralmente,
em estase evolutiva. Sob estas condições a seleção natural é uma força conservativa: a sua ação dirige-
se mais à manutenção da integridade das espécies do que à sua mudança. Porém, todos os fatores que
fragmentem populações (e.g. alterações climáticas) ou levem ao desenvolvimento de novos habitats
(e.g. escoadas lávicas, emergência de cratões graníticos por efeito da erosão geológica e as alterações
climáticas) estimulam a especiação, através da ação dos 5 primeiros dos 6 mecanismos de especiação
anteriormente enunciados. A ocorrência de alterações climáticas e de outras alterações ambientais
súbitas a grande escala foram os mais importantes motores dos fenómenos de especiação em larga
escala (i.e. radiação adaptativa), bem como dos processos de contração da área de distribuição ou de
extinção. A mudança evolucionária faz-se pela substituição das espécies mãe pelas espécies filhas e
menos pela mudança das características adaptativas das espécies-mãe.
Os taxa atuais de plantas, ou de qualquer outro grande grupo de seres vivos, evidenciam grandes
hiatos evolutivos. Embora as relações evolutivas entre os grandes grupos de plantas verdes tenda para
um consenso, as diferenças morfológicas, fisiológicas e de ciclo de vida entre eles é assinalável e de
explicação evolutiva conflituosa. Não existe um registo fóssil nem taxa atuais com características
intermédias que facilitem uma explicação inequívoca, por exemplo, das etapas da evolução do ciclo de
vida haplodiplonte das plantas-terrestres ou da semente nas espermatófitas. Duas causas explicam o
enviesamento da informação evolucionária. Em primeiro lugar a natureza saltacional da evolução reduz
a probabilidade de taxa com características intermédias terem fossilizado. Este taxa representam
soluções evolutivas “imperfeitas” e transientes. Por exemplo, as primeiras sementes poderão ter sido
esporângios disfuncionais, com um potencial evolutivo, mas longe da funcionalidade das sementes
evoluídas. Por outro lado, qualquer grupo taxonómico principia a sua história evolutiva com um escasso
número de indivíduos, de distribuição muito localizada, o que reduz ainda mais a probabilidade de
fossilização. Nas plantas a fossilização é ainda dificultada pela natureza perecível de muitos dos tecidos
vegetais, sobretudo se tiverem uma baixa relação carbono/azoto, como frequentemente acontece nas
estruturas reprodutivas.
50 Escola Superior Agrária de Bragança - Botânica para Ciências Agrárias e do Ambiente

3. Evolução das plantas-terrestres

3.1. Do nascimento da vida às algas ancestrais das plantas-


terrestres
O facto de a vida ocorrer na Terra e de uma espécie terráquea, a nossa, ser capaz de a conceptualizar
e explorar, incita a ideia de que a existência é, por si só, um argumento suficiente da necessidade de ser.
As regras que justificam a vida, que não cabe a este livro investigar, estão na Terra e fora dela. Por
outras palavras, as leis físicas que explicam a emergência e a retenção da vida na Terra são as mesmas
que explicam a sua não presença, ou extinção, em Vénus e Marte, ou noutro qualquer planeta. Se há
vida na Terra então a vida pode acontecer em qualquer outro local do universo.
O planeta Terra tem cerca de 4.500 milhões de anos e a vida habita-o há 3.700-4.200 milhões de
anos. Restos fósseis de bactérias metabolizadoras de enxofre com perto de 3.400 milhões de anos,
localizados na Austrália em 2011, são os mais antigos de que há conhecimento (Wacey et al., 2011).
Durante pelo menos 1.500 milhões de anos prevaleceram formas simples de vida de Archaea e Bacteria.
A fotossíntese realizada por cianobactérias (= algas azuis-esverdeadas, cianofíceas ou filo Cyanobacteria)
surgiu num estádio muito recuado da vida na Terra. Na África do Sul e na Austrália foram descobertos
estromatólitos – rochas sedimentares estruturadas em camadas, produzidas em ambientes marinhos de
pouca profundidade por biofilmes bacterianos dominados por cianobactérias – com 2.800 M.a. (Olson,
2006). A maquinaria fotossintética das cianobactérias produz um temível subproduto: o oxigénio. Este
gás tem uma importante propriedade química: é um fortíssimo oxidante, aliás poucas substâncias são
mais oxidantes do que o oxigénio19. Sem um controlo bioquímico o oxigénio pode destruir as estruturas
celulares. Se dominado pela respiração, o mecanismo inverso da fotossíntese, permite extrair mais
energia da matéria orgânica do que a fermentação. Com mais energia as plantas e os animais podem ser
maiores (as despesas energéticas são proporcionais à dimensão) e complexificar-se. Os ambientes
redutores sustentam apenas formas simples de vida.
No Hadeano [>3.800 M.a.] e no Arqueano [3.800-2.500 M.a.], os dois éons anteriores ao
Proterozóico [2.500-542 M.a.], a atmosfera manteve-se fortemente redutora. Volveu oxidante há cerca
de 2.300 M.a. (Olson, 2006), no início do Proterozóico, supõe-se, sem uma evidência direta definitiva,
pela ação das bactérias azul-esverdeadas (Morton, 2009). A precipitação do ferro ferroso e do
manganês, dissolvidos nos oceanos arqueanos, em extensos depósitos de ferro ferroso e de manganês
de elevado valor económico é, talvez, o efeito mais evidente de um evento geológico complexo,
associado à acumulação de oxigénio da atmosfera terrestre, conhecido por “Grande Oxidação”. O
incremento paleoproterozóico do teor atmosférico de oxigénio teve, porém, um efeito muito mais
dramático, embora de leitura geológica mais difícil. O oxigénio injetado na atmosfera pelas bactérias
azul-esverdeadas reagiu com o metano, um dos mais poderosos gases com efeito de estufa. Por essa via
despoletou um episódio glaciar à escala planetária, a “Terra-bola-de-neve20” de Makganeyene (ing.
Makganyene earth snowball, ca. 2.300-2.200 M.a.), possivelmente o maior evento de extinção jamais
enfrentado pela vida terrestre (Kopp et al., 2005). Em simultâneo, o aumento da concentração de
oxigénio na atmosfera abriu o caminho à complexificação da vida através da respiração celular. Alguns
autores, inclusivamente, associam a “Terra-bola-de-neve” de Makganyene com a emergência dos
eucariotas. A vida interage com a atmosfera; a atmosfera, por sua vez, interferiu na evolução da vida. As
bactérias fotossintéticas e as plantas verdes foram determinantes na composição química da atmosfera;

19
A clorofila oxidada é um oxidante ainda mais poderoso que o oxigénio.
20
Os eventos “Terra bola de neve” são recorrentes. Três deles estão bem documentados: de Makganeyene [2.300-
2.200 M.a.], sturtiano [715-680 M.a.] e marinoano [680-635 M.a.].
51 Escola Superior Agrária de Bragança - Botânica para Ciências Agrárias e do Ambiente

os animais tiveram um papel por regra passivo, limitaram-se a obedecer às plantas, adaptando-se. Por
intermédio da atmosfera as plantas marcaram indelevelmente a evolução da vida na Terra.
Primeiro complexificou-se a célula. Os eucariotas – domínio Eukaryota – emergiram de ancestrais
procariotas há cerca 1.600-2.100 M.a. O testemunho fóssil mais antigo de um eucariota – a alga
Grypania – tem cerca de 2.100 M.a (Han & Runnegar, 1992). Supõe-se que a reprodução sexual evoluiu
entre 1.000 e 1.200 M.a. antes do presente. A sexualidade apresenta importantes vantagens frente à
reprodução assexuada (vd. Funções e vantagens da reprodução sexual) que se resumem num
incremento do sucesso reprodutivo e das taxas de evolução dos seres sexuados. Por isso, excetuando os
vírus, os procariotas e um punhado de eucariotas, todos os organismos se reproduzem com
regularidade por via sexual, alternando a fecundação com a meiose.
Nos mares proterozoicos, por mais de uma vez, organismos originalmente unicelulares falharam a
separação dos indivíduos após mitose (citocinese). Várias destas linhas de indivíduos multicelulares
organizaram-se em colónias, escassamente integradas, de células similares e totipotentes. Numa
primeira fase algumas células (células vegetativas) deixaram de se reproduzir em benefício de outras
(células sexuais). A partir de organismo coloniais simples evoluíram formas com múltiplos tipos celulares
estruturados em tecidos e órgãos especializados. O advento dos animais multicelulares de grande
dimensão tem sido associado com a Terra-bola-de-neve marinoana [680-635 M.a.]. A complexificação
da vida no neoproterozóico [1.000-542 M.a.] culminou numa explosão da vida animal nos mares
câmbricos [542-488 M.a.]. A conquista da Terra emersa, primeiro pelas plantas e logo a seguir pelos
animais, ocorreu no final do Câmbrico ou no início do Ordovícico. A diversificação das plantas, como se
refere mais adiante, é posterior à dos animais.

A B C

Figura 14. Algumas algas do litoral de Portugal continental. A) Algas-castanhas (Heterokontophyta,


Phaeophyceae): Bifurcaria bifurcata (Sargassaceae), com algas-verdes Ulva lactuca «alface-do-mar» (Chlorophyta
s.str., Ulvaceae) em fundo. B) Algas-vermelhas (Rodophyta): Corallina elongata (Corallinaceae). C) ‘Algas-verdes’
(Chlorophyta s.str.): Cladophora sp. (Cladophoraceae), com bolhas de oxigénio produzidas pela fotossíntese.

De acordo com a teoria endossimbiótica, proposta e popularizada na década de 1980 pela bióloga
americana Lynn Margulis [1938-2011], os plastos (= plastídios) que desempenham a função
fotossintética nos eucariotas, assim como as mitocôndrias, são bactérias endossimbiontes
profundamente modificadas por uma história evolutiva em comum com a célula eucariótica hospedeira.
Os cloroplastos das plantas terrestres evoluíram a partir de cianobactérias endossimbiontes retidas no
interior da algas-verde primordial há mais de 1.000 M.a. Este evento marcou o início da divergência
entre plantas e animais no grande tronco dos eucariotas.
52 Escola Superior Agrária de Bragança - Botânica para Ciências Agrárias e do Ambiente

O conceito de alga é, genericamente, aplicado a todos os eucariotas com capacidade fotossintética,


com exceção das plantas-terrestres (Equisetopsida). É muito provável que as algas se tenham
diferenciado em ambientes dulceaquícolas porque as algas mais primitivas – as glaucocistófitas (=
glaucófitas, Glaucocystophyta) – habitam águas doces. As algas-castanhas, as algas-vermelhas e as
diatomáceas têm um papel fundamental no ciclo do carbono porque dominam as comunidades de algas
marinhas litorais (= intertidais) e sub-litorais (= neríticas) (algas-vermelhas e algas-castanhas) e muitas
das comunidades fitoplanctónicas (diatomáceas). As diatomáceas estão, muito provavelmente, na
origem da maior parte dos depósitos de petróleo e gás-natural. Apesar dos plastos fotossintéticos serem
monofiléticos a filogenia das algas não está totalmente esclarecida.

Figura 15. Periodização da história da Terra (adaptado de International Commission of Stratigraphy, 2005 e de
http://paleoviva.fc.ul.pt/Paleogeofcul/Apoio/cronogeofcul2.pdf).

A moderna sistemática molecular demonstrou que as plantas-terrestres são um grupo monofilético


com um ancestral comum entre as ‘algas-verdes’ (Chlorophyta s.l.): as plantas-terrestres podem ser
interpretadas como algas-verdes terrestres. Embora não sejam o grupo de algas mais diverso em
espécies, as ‘algas-verdes’ apresentam uma imensa variedade de formas e níveis de complexidade.
Existem ‘algas-verdes’ unicelulares e pluricelulares, coloniais ou filamentosas, simples ou ramificadas. O
corpo das formas pluricelulares designa-se por talo. Nestas plantas o talo é uma estrutura mais ou
menos complexa, necessariamente sem raízes, caules ou folhas, com áreas especializadas na produção
de células sexuais. As ‘algas-verdes’ habitam preferencialmente águas doces mas também podem ser
encontradas nos oceanos, em ambientes hipersalinos ou na superfície do solo. As ‘algas-verdes’ são o
elemento autotrófico das simbioses liquénicas.
53 Escola Superior Agrária de Bragança - Botânica para Ciências Agrárias e do Ambiente

3.2. As primeiras plantas-terrestres


Evolução
A proveniência algal das plantas-terrestres foi teorizada pela primeira vez por L. Celakovsky, no final
do séc. XIX, e aprofundada na Teoria Antitética de F. O. Bower, no início do séc. XX (vd. Bennici, 2008).
Bower propôs que as plantas-terrestres tiveram origem em ‘algas-verdes’ de ciclo de vida haplonte
semelhante ao dos Charales (uma ordem de Charophyta s.str., vd. Volume I). Bower sugeriu que numa
primeira fase da evolução das plantas-terrestres o zigoto teria ficado retido no gametófito (fase
haplóide). Concluida a retenção do gametófito o zigoto adquiriu a capacidade de se dividir por mitose
(divisões mitóticas pós-zigóticas). Consequentemente, verificou-se um atraso na meiose, uma
amplificação do zigoto num embrião21 que, por sua vez, se desenvolveu num esporófito pluricelular. O
gametófito é evolutivamente anterior ao esporófito. A diferenciação de uma fase diplóide – i.e. de um
esporófito – possibilitou a evolução de um novo tipo de célula reprodutora: o esporo. As mitoses pós-
zigóticas mudaram a meiose de uma posição pós-zigótica para uma posição pré-espórica. A regeneração
do gametófito fez-se pela germinação do esporo.
O desenvolvimento do ciclo haplodiplonte implicou a alternância de dois tipos de organismos (vd.
Ciclo de vida das plantas): o gametófito e o esporófito. Nas primeiras etapas da história evolutiva das
plantas-terrestres até à emergência das plantas vasculares, e tal como acontece nas ‘briófitas’ atuais, o
esporófito teria sido nutrido pelo gametófito. O gametófito promove a diversidade genética por
intermédio da reprodução sexual. O esporófito fomenta a proliferação e a disseminação dos
organismos, por via assexual, através dos esporos. Ainda de acordo com Bower a amplificação do
esporófito e, implicitamente, o desenvolvimento de um ciclo haplodiplonte, teria precedido ou
imediatamente sucedido a adaptação aos habitats terrestres. Por conseguinte, as plantas-terrestres são
um resultado direto da intercalação de uma fase multicelular diplóide num ciclo de vida haplonte. A
teoria antitética F.O. Bowers é suportada pelas evidências mais recentes (Haig, 2008).
As ‘algas-verdes’ mais as plantas-terrestres constituem um grupo monofilético, as Chlorobionta ou
plantas-verdes. As plantas-terrestres compartilham com as ‘algas-verdes’ (apomorfias das Chlorobionta)
a presença de um tipo comum de cloroplasto com tilacoides organizados em grana, de clorofila a e b, de
reservas de amido e de paredes celulares celulósicas (Simpson, 2010). Como se referiu anteriormente,
há muito tempo que os Charales, uma ordem de Charophyta s.str., são considerados o grupo irmão, i.e.
o grupo filogeneticamente mais próximo, das plantas-terrestres. As carófitas produzem um talo (corpo)
tridimensional e ramificado, muito complexo, com nós e entrenós, alongam-se pelas extremidades e
possuem um ciclo de vida haplonte oogâmico (vd. Ciclo de vida das plantas). Neste grupo de algas-
verdes o gametófito produz grandes gâmetas ♀ (oosferas) imóveis no interior de gametângios
especializados (arquegónios), e gâmetas ♂ pequenos, ciliados e móveis (anterozóides), em gametângios
♂ (anterídeos). Após a singamia forma-se um zigoto diplóide com uma parede de esporopolenina,
resistente à secura e ao frio, posteriormente sujeito a meiose.
No primeiro volume foi feita referência a um grupo monofilético composto pelas Charophyta s.str. e
pelas plantas-terrestres: as Streptophyta (= Charophyta s.l.). As apomorfias deste grupo foram reunidas
no quadro 8.

Quadro 8. Principais aquisições evolutivas (apomorfias) das Streptophyta.

Talo complexo Talo ramificado, com células especializadas e tecidos com arranjos
tridimensionais de células.

Esporopolenina A esporopolenina é considerado o polímero biológico mais resistente à


degradação físico-química e biológica; inicialmente revestia o zigoto das

21
Razão pela qual as plantas-terrestres são também designadas por embriófitas.
54 Escola Superior Agrária de Bragança - Botânica para Ciências Agrárias e do Ambiente

Charales, depois foi deslocalizada para a parede dos esporos (inc. pólen) das
plantas terrestres; alguns grupos de Charophyta não produzem
esporopolenina.

Sistema citocinético com A citocinese corresponde à divisão do citoplasma ocorrida no final da telófase
fragmoplasto (última etapa da mitose); nas Streptophyta forma-se um fragamoplasto, i.e.
um sistema complexo de microtúbulos e outras estruturas celulares em torno
do local por onde se separarão as duas células filhas.

Plasmodesmos Canais microscópicos que conectam células vizinhas.

Placenta Células especializadas na transferência de nutrientes entre a planta mãe e a


oosfera ou o zigoto.

Recentemente, um grupo internacional de biólogos pôs em causa a hipótese da Charales ancestral,


e, com base em dados moleculares, propôs que os Zygnematales, uma ordem de carófitas à qual
pertencem as conhecidas algas do género Spirogyra, são o grupo irmão das embriófitas (Wodniok et al.,
2011). Os Zygnematales são isogâmicos, por isso é provável que em algum momento da sua história
evolutiva tenha ocorrido uma simplificação da sua biologia reprodutiva, primitivamente oogâmica. Mais
uma evidência de que a complexidade não é uma inevitabilidade em biologia (vd. Algumas
características do processo evolutivo).
Os animais diversificaram-se muito antes do aparecimento das plantas-terrestres. Fila como os
moluscos ou os vertebrados emergiram a partir de grupos animais mais simples e radiaram
intensamente durante o Câmbrico [542-488 M.a.]. A importância deste período na diversificação dos
animais é tão grande que é corrente a designação de explosão câmbrica. A história evolutiva das
primeiras plantas-terrestres é menos conhecida porque a colonização das terras emersas ocorreu num
período muito recuado do Paleozóico, de uma forma evolucionariamente titubeante, por organismos de
estrutura pouco favorável à fossilização. As primeiras evidências fósseis de plantas-terrestres são
esporos, supostamente de hepáticas, com ca. de 476 M.a. (Ordovícico inferior). É provável que a
colonização da Terra emersa pelas plantas-terrestres tenha ocorrido entre 500 e 480 M.a. antes do
presente, no início do Ordovícico ou no Câmbrico final. Algumas evidências antecipam estas datas para
o Câmbrico médio (Gensel, 2008). As primeiras plantas-terrestres diversificaram-se bastante depois dos
animais, no Devónico [416-359 M.a.]. Com propriedade pode falar-se de uma explosão devónica das
Equisetopsida.
As plantas-terrestres são monofiléticas: surgiram uma única vez na história da vida terrestre. Vários
caracteres exclusivos distinguem-nas das ‘algas-verdes’ (quadro 9).

Quadro 9. Principais aquisições evolutivas (apomorfias) das plantas-terrestres

Alternância de gerações22 Envolveu a retenção de um zigoto diplóide, e das estruturas deles


resultantes, por um gametófito haplóide (mais tarde, nas plantas-com-
semente, ocorre uma troca de papeis, passando o gametófito a estar retido
pelo esporófito; vd. Ciclo de vida das plantas).

Complexificação do sistema Anterídeos (órgãos produtores de gâmetas ♂) e de arquegónios (órgãos


reprodutivo produtores de gâmetas ♀) complexos, secundariamente reduzidos nos
grupos mais evoluídos (e.g. plantas-com-flor).

Meristemas apicais e maior Presença de meristemas apicais tridimensionais constituídos por pequenas
complexidade células.

22
Algumas ‘algas-verdes’ têm um ciclo haplodiplonte (e.g. Ulva, Cladophora) não homólogo do ciclo de vida
haplodiplonte das plantas-terrestres. O ciclo haplodiplonte é frequente nas algas-castanhas (Heterokontophyta,
Phaeophyceae).
55 Escola Superior Agrária de Bragança - Botânica para Ciências Agrárias e do Ambiente

Revestimento por uma cutícula Fina e incompleta nas briófitas.


mais ou menos espessa

Estomas Ausentes nas hepáticas (Marchantiidae).

A B

Figura 16. Briófitas actuais. a) Metzgeria furcata (Marchantiidae), uma hepática talosa. B) Antitrichia curtipendula
(Bryidae), um musgo folhoso pleurocárpico; n.b. as cápsulas cor de laranja do esporófito. C) Geração esporofítica do
musgo folhoso Funaria higrometrica (Bryidae). D) Phymatoceros bulbiculosus (Anthocerotidae); n.b. o talo do
gametófito do qual emergem os esporófitos (fotografias amavelmente cedidas pelo Dr. César Garcia, FCUL).

As plantas-terrestres, no seu conceito mais atual, incluem ‘briófitas’23 (plantas terrestres não
vasculares), ‘pteridófitas’ e plantas-com-semente. As ‘briófitas’ dividem-se em três grandes grupos: –
hepáticas (Marchantiidae), musgos (Bryidae) e antóceros (Anthocerotidae). Os grupos basais de
Equisetopsida – as ‘briófitas’ e as ‘pteridófitas’ mais primitivas – são os remanescentes vivos da
colonização das imensas terras emersas paleozóicas. Admite-se que as primeiras plantas-terrestres se
assemelhavam às hepáticas atuais. Tal como os seus antepassados algais mais diretos colonizavam
ambientes dulceaquícolas.

23
Para evitar equívocos, neste texto o termo ‘briófita’ designa o grupo parafilético hepáticas+musgos+antóceros.
Outra alternativa seria considerar ‘briófitas s.l.’ = hepáticas+musgos+antóceros e briófitas s.str. = musgos.
56 Escola Superior Agrária de Bragança - Botânica para Ciências Agrárias e do Ambiente

As plantas terrestres-não-vasculares
As ‘briófitas’ são homospóricas a ligeiramente heterospóricas. Os seus esporos (como as sementes)
necessitam de se embeber em água para germinarem. Nos musgos, e em muitas hepáticas, os esporos
dão origem a uma estrutura filamentosa semelhante a uma alga pluricelular, conhecida por protonema.
Os antóceros não produzem um protonema. Esta estrutura é, provavelmente, um resíduo evolutivo da
alga ancestral. O corpo gametofítico das ‘briófitas’ é frágil, geralmente verde (fotossintético), de
dimensão variável (de microscópico a mais de um metro) e expande-se na horizontal com ramificações
mais ou menos regulares, verticais nos musgos acrocárpicos24. O gametófito dos antóceros e da maioria
das hepáticas (hepáticas talosas) é taloso, i.e. tem uma forma laminar dorsiventral, prostrada. No
gametófito das hepáticas folhosas e dos musgos diferenciam-se estruturas análogas a raízes (rizóides,
também presentes em alguns antóceros e hepáticas talosas), caules (caulóides) e folhas (filídios). Nas
‘briófitas’ folhosas o talo, se presente, restringe-se aos estádios iniciais do desenvolvimento do
gametófito.
O gametófito das hepáticas e dos antóceros não tem sistema vascular, nem estomas (as hepáticas
apresentam pequenos poros sem células-guarda, por isso não interpretáveis como estomas). Os
gametófitos dos musgos dispõem de um sistema vascular muito incipiente não homólogo das plantas-
vasculares (nas plantas-vasculares o sistema vascular desenvolve-se no esporófito), e de estomas. A
inexistência de um verdadeiro sistema vascular e de raízes explica o pequeno tamanho das ‘briófitas’.
Este facto obriga-as a cumprir todo ou grande parte do ciclo de vida na água, ou em condições de
humidade relativa muito elevada, e limita o seu crescimento em altura. As ‘briófitas’ são poiquilo-
hídricas: o seu teor em água depende do contacto directo com a água ou da humidade do ar, hidratam-
se rapidamente na presença de água e secam e entram em dormência na sua ausência.
50% das ‘briófitas’ são monóicas, i.e., têm gametófitos unissexuais e produzem esporos de dois
tamanhos no mesmo esporângio. Nas ‘briófitas’, assim como nas demais plantas-terrestres, a oosfera
nunca abandona o arquegónio e origina, depois de fertilizada por um gâmeta (anterozóide), um zigoto
(primeira célula do esporófito). Alimentado pelo gametófito, o esporófito acaba por diferenciar um
esporângio no interior do qual, por meiose, se formam os esporos. O esporófito é mais duradoiro nos
antóceros e nos musgos do que nas hepáticas. É constituído por uma cápsula localizada no topo de eixo
polarizado (com parte distal e proximal de distinta morfologia) de comprimento variável, não ramificado
e mais ou menos vertical, um pronúncio da estrutura do esporófito que domina o ciclo de vida das
traqueófitas.
As relações evolutivas entre as plantas-terrestres não vasculares e as plantas-vasculares não estão
totalmente compreendidas. Dados recentes indiciam que os antóceros são o grupo irmão das plantas-
vasculares (Goffinet & Buck, 2004; figura 17). Portanto, os antóceros e as plantas-vasculares actuais
compartem um antepassado comum. Estes dois grupos de plantas-terrestres têm em comum os
esporófitos verdes com estomas. Em algumas espécies de antóceros os esporófitos têm rizoides e
chegam a ter uma vida independente dos gametófitos, um carácter definitivamente fixado nas plantas
vasculares (Simpson, 2010). À semelhança dos fetos os antóceros apresentam os gametângios emersos
nos talos.

24
Nos musgos (Bryidae) acrocárpicos os arquegónios e as cápsulas inserem-se na extremidade de
caulóides mais ou menos erectos, individualizados ou agregados em tufos densos. Nas espécies
pleurocárpicas os arquegónios e as cápsulas desenvolvem-se em pequenos caulóides laterais muito
curtos, inseridos em caulóides mais longos e prostrados (vd. figura).
57 Escola Superior Agrária de Bragança - Botânica para Ciências Agrárias e do Ambiente

Figura 17. Relações evolutivas entre as plantas-terrestres atuais. Filogenia baseada em Doyle (2001), Goffinet &
Buck (2004), Smith et al. (2006) e Stevens (2001+). Nomenclatura de acordo com Chase & Reveal (2009),
Christenhusz et. al. (2011a) e Christenhusz et. al. (2011b).

3.3. As plantas-vasculares
Evolução
Os mais antigos restos fósseis de plantas-
vasculares (= traqueófitas) foram detectados
em estratos do Llandoveriense [444-428
M.a.], a primeira série do Silúrico (Cleal &
Thomas, 2009). Os esporófitos de Cooksonia
(Rhyniophyta) [ca. 428-398 M.a.] (os
gametófitos não foram ainda descobertos),
uma das primeiras plantas-vasculares com
registo fóssil, eram constituídos por caules de
poucos centímetros de altura, simples ou
ramificados, sem folhas, sem raízes e com
esporângios apicais de parede espessa, para
evitar a dessecação dos esporos. Da base do
caule emergiam pêlos radiculares que Figura 18. Esporófito de Cooksonia (Rhyniophyta), uma das
contactavam com as partículas do solo. Para mais antigas plantas-vasculares fósseis
se manterem eretos possuíam http://www.creaweb.fr/bv/banque/cormo-cooksonia.html.
espessamentos em espiral no xilema sem
lenhina. Um aumento da espessura da cutícula é, provavelmente, uma das novidades evolutivas trazidas
pelas Cooksonia. Os fósseis de Rhyniophyta sugerem que se desenvolveram relações simbióticas entre
plantas e fungos logo no início do Devónico e que este facto é essencial para explicar o sucesso
evolutivo das plantas-vasculares.
Como se referiu no ponto anterior, a geração gametofítica domina o ciclo de vida das ‘briófitas’. Nas
primeiras plantas-vasculares o esporófito tornou-se fisiologicamente autónomo. Está provado que em
algumas Rhyniophyta tanto os esporófitos e como os gametófitos eram autotróficos, autónomos e
heteromórficos (distintos entre si) (Taylor et al., 2005). A preponderância da fase esporofítica foi
definitivamente fixada nas licófitas (Lycopodiidae) ou nos seus ancestrais diretos. A dominância da
58 Escola Superior Agrária de Bragança - Botânica para Ciências Agrárias e do Ambiente

diplófase nas plantas-vasculares possivelmente está relacionada com a vascularização do esporófito e


com a impossibilidade do mesmo acontecer, de forma eficiente, no gametófito. A duplicação da
guarnição genética também oferece uma protecção contra eventuais mutações deletérias, mais
prováveis em ambientes directamente expostos às radiações ultravioletas, sem a protecção da sombra
ou de massas de água livre. A história evolutiva das plantas mostra que o esporófito, ao contrário do
gametófito, tem em si um enorme potencial para aumentar de tamanho e complexificar-se. Por outro
lado, a dominância do esporófito acelerou as taxas evolutivas porque a diplófase aumenta a diversidade
genética (duplica o genoma) submetida a seleção.
As plantas-terrestres mantiveram-se pequenas e rentes ao solo mais de 50 milhões de anos. A
aquisição de uma vasculatura eficiente com traqueídos e, um pouco mais tarde, a deposição de lenhina
nas paredes destes traqueídos representam o primeiro passo da conquista da dimensão altura por parte
das plantas-terrestres. A lenhina conferiu ao corpo das plantas rigidez mecânica e, certamente, alguma
resistência ao ataque por parasitas; o sistema vascular assegurou o transporte de solutos a grande
distância. A síntese da lenhina evoluiu numa planta vascular posterior às rhyniófitas e anterior à
divergência das licófitas (Lycopodiidae) (Weng & Chapple, 2010). Os percursores do anabolismo da
lenhina ocorrem nas ‘briófitas’. Supõe-se que estas substâncias funcionavam como protetores químicos
contra os raios UV nas primeiras plantas-terrestres (Weng & Chapple, 2010). A evolução da lenhina,
como tantas outras características do vivo, é uma elaboração evolutiva de características primitivas com
outras funções (vd. Algumas características do processo evolutivo). O primeiro passo evolutivo do
sistema vascular foi relativamente simples; consistiu na morte programada, no esvasiamento e no
engrossamento das células que vieram a constituir o xilema (Sperry, 2003).
As plantas-vasculares diversificaram-se logo no início do Devónico. Dois grupos irmãos, as licófitas e
as eufilófitas (Euphyllophyta), um grupo que abrange os fetos e as plantas-com-semente, evoluiram,
respectivamente, no início e a meio do Devónico. As raízes foram a grande novidade evolutiva trazida,
por certo de forma independente, pelas licófitas e pelas eufilófitas. A água das chuvas retida
naturalmente em profundidade em substratos porosos ficou, com o aparecimento das raízes, disponível
para as plantas. Esta água tem a vantagem de estar protegida da evaporação e de poder compensar a
escassez de precipitação nos períodos de seca. A conjugação de um corpo rígido e do sistema vascular
com um órgão especializado na busca e captura de água aumentou a tolerância à escassez de água. As
plantas-vasculares são homo-hídricas: o teor em água do seu corpo, ao contrário do que acontece nas
‘briófitas’ não está em equilíbrio com a humidade ambiental (vd. As plantas terrestres-não-vasculares).
A maior disponibilidade de água e de nutrientes e a deposição de lenhina possibilitaram o
desenvolvimento de plantas cada vez maiores que culminaram nas primeiras árvores, e nas primeiras
florestas. As vantagens adaptativas do crescimento em altura são autoevidentes nos organismos
fototróficos: as plantas mais altas deprimem pela sombra os seus competidores.
As primeiras plantas-vasculares ocuparam, com biomassas aéreas e subterrâneas crescentes, vastas
áreas da terra emersa até aí colonizadas por briófitos ou desprovidas de coberto vegetal. No início do
Devónico as plantas-terrestres não um trapassavam os 30 cm de altura; no final do Devónico existiam
árvores com mais de 30 m de altura. Ecossistemas com mais biomassa vegetal produzem mais resíduos
e acumulam mais matéria orgânica no solo. Uma vez que a lenhina se degrada lentamente grandes
quantidades de CO2 puderam sequestradas no solo. Os ácidos orgânicos libertados pelas raízes para
desmobilizar os nutrientes minerais aceleraram a meteorização das rochas. A meteorização química dos
silicatos consome CO2. Consequentemente, a expansão das plantas-vasculares causou uma descida
acentuada da concentração de CO2 no Devónico, entre 400 M.a. e 350 M.a., que, por sua vez,
despoletou um episódio glaciar (evento de Hangenberg) e uma extinção global, a extinção do Devónico
final. O solo tal como o conhecemos hoje é uma criação devónica.
A redução do CO2 na atmosfera está relacionada com a explosão devónica das plantas vasculares. As
alterações da composição química da atmosfera explicam ainda a emergência de novas soluções
59 Escola Superior Agrária de Bragança - Botânica para Ciências Agrárias e do Ambiente

evolutivas no clado das plantas-vasculares, como sejam as folhas verdadeiras (megáfilos) e cormos de
maior massa, altura e complexidade (Beerling, 2005 e 2007). As condições anóxicas dos ecossistemas
pantanosos e turfosos do Carbónico [359-299 M.a.], o período geológico que sucede o Devónico [416-
359 M.a.], fomentaram o soterramento de uma gigantesca massa de carbono que fossilizou sob a forma
de carvão. Estes processos causaram uma descida assinalável do teor atmosférico de CO2 e a
correspondente subida da concentração de O2 no final do Paleozóico para valores similares aos actuais.
A Terra-estufa (ing. greenhouse Earth) ante-devónica deu lugar à Terra-casa-de-gêlo (ing. icehouse
Earth) que se prolongou até ao Pérmico. Em consequência da libertação de CO2 pela actividade vulcânica
o clima aqueceu significativamente no Mesozóico [251-66 M.a.] e no Eocénico [56-34 M.a.] porém os
teores atmosféricos deste gás-de-estufa não mais foram os mesmos. Os fósseis mostram que a interação
entre a composição da atmosfera e as plantas-terrestres produziu de forma cíclica surtos de inovação
adaptativa. Alterações da composição química da atmosfera são particularmente evidentes no final do
Pérmico [260-251 M.a.], na transição Triássico-Jurássico [ca. 199 M.a.], no Cretácico [146-66 M.a.] e na
transição Paleocénico-Eocénico [56 M.a.]. Necessariamente, cada um destes períodos está associado a
modificações significativas na composição da flora terrestre (Beerling, 2007) que não cabe a este texto
desenvolver em pormenor.
As licófitas (Lycopodiidae) são extraordinariamente antigas. Aparecem no Devónico inferior, 50 M.a.
antes dos restantes ‘pteridófitos’. Tiveram um pico de diversidade e de abundância no Carbónico [359-
299 M.a.], tendo alguns géneros desempenhado um importante papel nos ecossistemas terrestres deste
período (e.g. Asteroxylon e Lepidodendron). A maioria das jazidas de carvão provém do lenho de licófitas
lenhosas. A sua importância declinou a partir do Carbónico superior. O nome eufilófitas alude ao facto
dos megáfilos se terem diferenciado neste grupo. Muitos autores defendem que folhas verdadeiras
surgiram uma única vez na história evolutiva das plantas, de forma independente dos micrófilos
característicos das licófitas. As plantas-vasculares com megáfilos evoluiram 40-50 M.a. depois das
primeiras plantas-vasculares e dominaram a flora terrestre a partir do final do Devónico. As eufilófitas
podem ser consideradas as primeiras cormófitas por terem um corpo vegetativo com raízes, caules e
folhas verdadeiras. Este grupo de plantas caracteriza-se ainda por se ramificar lateralmente e pela
inserção helicoidal dos ramos.
Ainda no Devónico as eufilófitas basais
estiveram na génese de dois novos grupos de
plantas-vasculares: as monilófitas (Monilophyta) e
as lignófitas (Lignophyta) (figura 17). As
monilófitas estão representadas nas floras atuais
pelos fetos (vd. As plantas-vasculares-sem-
semente. Os grandes grupos de ‘pteridófitas’). Os
equisetos recuam ao Devónico. Atingiram uma
diversidade significativa no Carbónico, com
abundantes formas arbóreas (e.g. Calamites). A
origem das Polypodiidae é um mistério. Os
primeiros fóssies reconhecíveis como tal datam do
Carbónico, mas sua origem é certamente devónica
(Kenrick & Davies, 2004). Os ‘pteridófitos [licófitos
+ fetos] dominaram a vegetação terrestres do
Carbónico ao Triássico (vd. Figura 18). Metade das Figura 19. Evolução do número de espécies de plantas
espécies carbónicas conhecidas de plantas vasculares ao longo do tempo (Willis & McElwain, 2002).
vasculares pertence às subclasses Lycopodiidae e
Equisetidae (Kenrick & Davies, 2004).
60 Escola Superior Agrária de Bragança - Botânica para Ciências Agrárias e do Ambiente

As lignófitas datam do Devónico médio [ca. 380 M.a], englobam as plantas-com-semente e os fetos,
já extintos, que os precederam: as progimnospérmicas. As lignófitas25 partilham a presença de um
meristema secundário especializado – o câmbio – que produz xilema para o interior e floema para o
exterior (Pryer et al., 2006). As progimnospérmicas possuíam um lenho semelhante ao das
gimnospérmicas atuais. Desempenharam um importante papel nas florestas do Pérmico; e.g. géneros
Archaeopteris, considerada a primeira árvore moderna, e Aneurophyton. A origem das plantas-com-
semente radica num ou mais grupos extintos, não identificado, de progimnospérmicas heterospóricas.
Não é claro se as espermatófitas são, ou não, monofiléticas (Mathews, 2009).
A substituição da homosporia (= isosporia, esporos idênticos) pela heterosporia (esporos ♂ e ♀
distintos) ocorreu de forma independente, em várias linhagens de plantas-vasculares. Por exemplo, as
licófitas heterospóricas e as progimnospérmicas heterospóricas descendem de espécies homospóricas
distintas. Os fetos homospóricos produzem protalos fotossintéticos de maior dimensão do que as
espécies heterospóricas. A heterosporia, originalmente, poderá ser uma adaptação a climas pouco
pluviosos ou de precipitações sazonais. Uma vez que os fetos dependem da presença de água livre para
concretizar a sua sexualidade, teoricamente, a reiteração de períodos húmidos muito curtos selecionou
positivamente os mecanismos de reprodução sexual rápida associados à heterosporia (Willis &
McElwain, 2002). A heterosporia precedeu e foi essencial para a evolução da semente.

A B C

Figura 20. Exemplos fósseis dos grandes grupos atuais de ‘pteridófitas’. A) Lycopodites selaginioides (Lycopodiidae)
(Carbónico?). B) Calamites aproximatus (Equisetidae) (Carbónico?). C) Pecopteris miltoni (Polypodiidae)
(Carbónico?) (fósseis expostos no Museu Botânico da Universidade de Coimbra).

Principais características das plantas-vasculares


As traqueófitas manifestam várias inovações morfológicas e funcionais que lhes conferem
assinaláveis vantagens competitivas frente às ‘briófitas’ na maior parte dos habitats terrestres (vd.
quadro).

Quadro 10. Principais aquisições evolutivas (apomorfias) das traqueófitas.

Produção de lenhina Deposição de lenhina nos elementos do sistema vascular num ancestral
comum às licófitas e eufilófitas.

Paredes celulares com A partir do clado das lignófitas [progimnospérmicas + plantas-com-semente].

25
Refira-se que o crescimento secundário surgiu de forma independente das lignófitas nas licófitas e equisetófitas,
dois grupos muito antigos de plantas vasculares.
61 Escola Superior Agrária de Bragança - Botânica para Ciências Agrárias e do Ambiente

espessamento secundário

Cutícula e estomas mais Dectectável nas Rhyniophyta.


evoluídos

Sistema vascular Com floema (constituído por elementos de tubo crivoso) e xilema (os
traqueídos aparecem pela primeira vez nas rhyniófitas, o lenho secundário no
clado das lignófitas e os vasos lenhosos em algumas ‘pteridófitas’, nas
Gnetidae e nas angiospérmicas).

Alongamento liderado por A divisão celular envolvida no alongamento rameal está restringida a uma ou
meristemas apicais poucas células localizadas na superfície dos meristemas apicais.

Raízes verdadeiras (exceto nos grupos mais primitivos já extintos, Rhyniophyta,


secundariamente ausentes nas Psilotales, Ophioglossidae).

Folhas De dois tipos, micrófilos e megáfilos, desenvolvidos, respectivamente, das


licófitas e as eufilófitas. Ausentes nos grupos mais primitivos, já extintos, de
plantas-vasculares.

Esporófito complexo e De grande duração, ramificado e com folhas (exceto nos grupos mais
autónomo do gametófito primitivos já extintos, Rhyniophyta) associadas com os caules em sistemas
caulinares.

As plantas-vasculares-sem-semente. Os grandes grupos de ‘pteridófitas’


As ‘pteridófitas’ são os descendentes mais diretos das primeiras plantas-vasculares na flora vascular
atual. Embora tenham introduzido um número significativo de inovações evolutivas vantajosas, as
‘pteridófitas’ partilham com as ‘briófitas’ a necessidade da presença ininterrupta de água para
cumprirem o ciclo sexual. Com efeito, após a germinação dos esporos forma-se um protalo haplóide (=
gametófito das ‘pteridófitas’), semelhante ao talo de uma alga e provido de rizóides, onde se
diferenciam anterídios e arquegónios. A deslocação dos anterozóides em direção à oosfera, retida num
arquegónio, depende da presença de um filme contínuo de água. Concluída a fecundação o crescimento
vegetativo do esporófito pode decorrer com potenciais de água mais baixos no solo. Neste sentido as
‘briófitas’ e as ‘pteridófitas’ são seres anfíbios.
As ‘pteridófitas’ são um grupo parafilético (não compreendem todos os descendentes de um
ancestral comum) razão pela qual este termo deve ser usado forma coloquial. Sob esta designação são
abrangidos dois grupos supostamente monofiléticos: licopódios e monilófitas (= fetos). Smith et al.
(2006), no âmbito das monilófitas, identificaram quatro grandes clados com a categoria de classe26.
Christenhusz et al., (2011b) despromoveram-nos à categoria de subclasse: Ophioglossidae, Equisetidae,
Marattiidae e Polypodiidae. O conceito de “feto” não deverá ser alargado, como se referiu, às licófitas, o
grupo mais primitivo de todos as ‘pteridófitas’ atuais.
Na flora portuguesa estão representados quatro dos cinco clados de ‘pteridófitas’ reconhecidos por
Smith et al. (2006): subclasses Lycopodiidae, Ophioglossidae, Equisetidae e Polypodiidae.

Subclasse Lycopodiidae
As Lycopodiidae «lycopodiidas, lycófitas, licófitas, licopódios» são plantas-terrestres rizomatosas de
ramificação dicotómica, com micrófilos (sem megáfilos). Os esporófilos27 de Lycopodiidae surgem
organizados em estróbilos28 localizados na extremidade dos caules; quando maduros os estróbilos
tombam no solo e libertam os esporos. Produzem esporos iguais entre si (homosporia, e.g.
Lycopodiales) ou desiguais (heterosporia, ordens Selaginellales e Isoetales). Os gametófitos são

26
Outros autores modernos tratam estes grupos ao nível da Divisão: Psilotophyta, Equisetophyta, Marattiophyta e
Polypodiophyta.
27
Micrófilos onde se inserem os esporângios.
28
Estruturas reprodutivas semelhantes a pequenos cones ou cilindros.
62 Escola Superior Agrária de Bragança - Botânica para Ciências Agrárias e do Ambiente

monóicos (i.e. gametófitos bissexuados, e.g. Lycopodium) ou dióicos (i.e. com gametófitos ♀ e
gametófitos ♂, e.g. Selaginella). As licófitas são o grupo irmão dos Monilophyta. Têm uma moderada
relevância na flora atual (ca. 1200 espécies), escassa representação em Portugal continental mas com
algum significado no arquipélago dos Açores.

Subclasse Ophioglossidae
As plantas da subclasse Ophioglossidae «ophioglossidas, fetos-ophioglossidos» pertencentes ao
género Psilotum (Psilotales) apresentam uma estrutura simplificada do corpo vegetativo (ausência de
megáfilos e de raízes) aparentemente em resultado da simplificação evolutiva de um ancestral
estruturalmente mais complexo. A proximidade evolutiva entre os Psilotum e as plantas dos géneros
Ophioglossum e Botrychium (Ophioglossales), ambos indígenas Portugal, foi recentemente descoberta.
Estes dois géneros têm raízes verdadeiras e megáfilos mas, à semelhança dos Psilotum, a absorção de
nutrientes do solo depende de associações micorrízicas. As Ophioglossidae são homospóricas e
consideradas o grupo basal de todos os fetos (Monilophyta) atuais. Grupo de escasso registo fóssil,
pobre em espécies (ca. 90 espécies).

B C
A

Figura 21. Grandes grupos de ‘pteridófitas’. A) Diphasiastrum maderense (Lycopodiaceae, Lycopodiidae), n.b.
estróbilos localizados na extremidade dos caules. B) Ophioglossum lusitanicum (Ophioglossaceae, Ophioglossidae).
C) Equisetum arvense (Equisetaceae, Equisetidae). D) Folhas do endemismo ibérico Masilea batardae
(Marsiliaceae, Polypodiidae), n.b. a sua semelhança com as folhas dos trevos (Trifolium, Fabaceae). E) Diplazium
caudatum (Athyriaceae, Polypodiidae). F) Página inferior de uma fronde de Blechnum spicant (Blechnaceae,
Polypodiidae), n.b. esporos de cor acastanhada.
63 Escola Superior Agrária de Bragança - Botânica para Ciências Agrárias e do Ambiente

Subclasse Equisetidae
A subclasse Equisetidae (= Sphenopsida) «equisetidas, fetos-equisetídos, equisetófitas, equisetos»
inclui fetos terrestres, herbáceos e rizomatosos, de caules articulados, estriados e ocos, com
ramificações verticiladas e folhas verdadeiras (megáfilos) muito reduzidas, escamiformes e verticiladas.
Os chamados esporangióforos (estrutura onde se inserem os esporângios) surgem organizados em
estróbilos localizados na extremidade dos caules. As equisetidas são homospóricas. Produzem
gametófitos bissexuados ou masculinos. Atualmente estão reduzidas a ca. 15 espécies.

Subclasse Polypodiidae
A subclasse Polypodiidae «polypodiidas, polypodiófitas, fetos-polypodiidos, fetos-verdadeiros, fetos-
leptoesporangiados» é o grupo mais evoluído e recente de fetos. A maior parte dos géneros atuais de
polypodiidas data do Mesozóico [251-66 M.a] ou do Cenozóico [66-0 M.a.]. Apresentam uma morfologia
muito diversa; algumas espécies têm uma fisionomia arbórea (e.g. Cyathea cooperi, importante invasora
nos Açores). Os gametófitos geralmente têm uma forma de um coração estilizado. Os esporófitos
apresentam folhas de grande dimensão (frondes), com esporângios com uma única célula de espessura
(fetos leptoesporangiados) localizados na página inferior, solitários ou agrupados em soros protegidos
por uma escama (indúsio). As frondes férteis e as frontes estéreis são morfologicamente distintas em
algumas espécies (e.g. Osmunda regalis e Blechnum spicant). A polypodiidas são homospóricas
exceptuando duas pequenas famílias, Marsileaceae e Salviniaceae (inc. Azollaceae). A subclasse
Polypodiidae é de longe o grupo mais diverso grupo de fetos atuais (ca. 9000 espécies).

3.4. As plantas-com-semente

3.4.1. As plantas-com-semente sem flor


Evolução
Uma explicação plausível para o aparecimento do primórdio seminal poderia ser a que se segue.
Num momento inicial da história evolutiva das plantas-vasculares é possível que tenha ocorrido um
atraso, geneticamente determinado, na libertação dos megásporos na progimnospérmica ancestral de
todas as espermatófitas. Este atraso poderá ter tido origem numa pequena anomalia no sistema de
deiscência das paredes de um megasporângio, com um a poucos megásporos. O megasporângio com
um a poucos esporos retidos no seu interior foi em seguida envolvido por um tegumento de origem
foliar. A retenção do(s) megásporo(s), por seu turno, implicou o desenvolvimento, total ou parcial, do
gametófito ♀ no interior do megasporângio. Estava, então, diferenciado o primórdio seminal primitivo.
Um pequeno e fortuito “defeito” no sistema de deiscência dos esporos desembocou numa nova
linhagem de plantas vasculares – as plantas-com-semente – de enormes possibilidades evolutivas.
A hipótese de que as plantas-com-semente atuais e os fetos atuais são grupos irmãos parece ser
consensual, porém as suas relações evolutivas e ancestralidade de modo algum estão resolvidas
(Rothwell & Nixon, 2006). O grão de pólen e o primórdio seminal, assim como a raiz e a folha, são
“invenções” devónicas. Grãos de pólen com ca. de 370 M.a. são a evidência fóssil mais antigas de
plantas-com-semente. As espermatófitas radiaram intensamente no final do Paleozóico e novamente no
Triássico [251-200 M.a.]. Desde o final do Triássico, início do Jurássico, a flora terrestre foi
ininterruptamente dominada pelas plantas-com-semente.
As primeiras espermatófitas – os chamados fetos-com-semente (pteridospérmicas,
Pteridospermatophyta) – combinavam folhas semelhantes às de muitos fetos, com primórdios seminais
cujo micrópilo não selava a semente após a polinização (Pryer et al., 2006). Em muitas espécies o
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tegumento está incompletamente formado observando-se lobos (telomas) coalescentes em grau


variável. As mais antigas pteridospérmicas, as Lyginopteridales, abundavam nas florestas do final do
Devónico e do Carbónico inferior. As Lyginopteridales perderam importância para outras
pteridospérmicas mais avançadas, primeiro as Medullosales no Carbónico superior [318-299 M.a.],
depois, no Pérmico [299-251 M.a.], as Peltaspermales e, finalmente, as Glossopteridales (Cleal &
Thomas, 2009). As plantas deste grupo já possuíam folhas inteiras; dominaram as florestas do Sul do
grande continente de Gondwana durante o Pérmico. A maioria das Glossopteridales extinguiu-se, em
conjunto com cerca de 70% das espécies terrestres, na transição entre o Pérmico (o último período
geológico da era Paleozóica) e o Triássico (início da era Mesozóica). As Gigantopteridales foram, talvez,
o grupo mais avançado de gimnospérmicas paleozoicas. Desapareceram pouco depois do grande evento
de extinção Pérmico-Triássico [251 Ma.]. As suas afinidades evolutivas não estão clarificadas.
A grande extinção Pérmico-Triássica foi seguida por uma recuperação temporária da importância das
‘pteridófitas’. No Triássico Médio [245-228 M.a.] e Superior [228-200 M.a.] ocorreu uma nova e intensa
radiação das gimnospérmicas, com o aparecimento de novos grupos. As gimnospérmicas modernas
tornaram-se dominantes nos ecossistemas terrestres, em detrimento das formações de ‘pteridófitas’
arbóreas, no final do Triássico, início do Jurássico. Reconhecem-se 5 grandes linhagens nas plantas-com-
semente atuais: cycas, Ginkgo, coníferas, gnetófitas e angiospérmicas. As cycas, o Ginkgo, as coníferas, e
as gnetófitas são gimnospérmicas, não produzem flores. A informação fóssil das coníferas (Pinidae), o
mais importante grupo atual de gimnospérmicas, recua ao Pérmico [299-251 M.a.]. No entanto, as
famílias coníferas representadas na flora atual são triássicas (e.g. Pinaceae, Araucariaceae,
Cupressaceae, Podocarpaceae e Taxaceae) (Cleal & Thomas, 2009). A origem das Cicadicae é também
pérmica. As Gingkoidae e, possivelmente, as Gnetidae diferenciaram-se no Triássico [251-200 M.a.].
Dois importantes grupos de gimnospérmicas modernas nasceram e extinguiram-se no Mesozóico [251-
66M.a.]: as Caytoniales e as Bennettitales. As Bennettitales enxameavam as florestas do Jurássico [200-
146 M.a.] e, como se refere mais adiante, são um forte candidato a grupo ancestral das plantas-com-
flor.
As gimnospérmicas modernas dominaram a vegetação terrestre até à transição do Cretácico Inferior
para o Cretácico Superior, momento a partir do qual a dominância ecológica das angiospérmicas se
tornou inequívoca. O sucesso evolutivo das angiospérmicas “empurrou”, progressivamente, as
gimnospérmicas actuais para “habitats extremos”, muito secos, muito quentes, muito frios ou com
substratos muito seletivos (e.g. solos derivados de rochas ultrabásicas e sistemas dunares).

A B

Figura 22. Gimnospérmicas fósseis. A) Pterophyllum lipoldii (Cycadopsida) (Triássico ?). B) Fóssil jurássico de Pinus
sp. (Pinaceae) (fósseis expostos no Museu Botânico da Universidade de Coimbra).
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Principais características das plantas-com-semente


O sucesso evolutivo das espermatófitas frente às ‘pteridófitas’ é explicado pela aquisição de um
conjunto alargado de características (vd. quadro 9).

Quadro 11. Principais aquisições evolutivas (apomorfias) das plantas-com-semente.

Câmbio vascular e Na realidade surgiu nas progimnospérmicas devónicas, consequentemente é


crescimento secundário. uma apomorfia das lignófitas.

Esporófilos (suportes dos Os braquiblastos correspondem ao eixo das estruturas reprodutivas das
esporângios) geralmente gimnospérmicas estrobiladas (com estróbilos, e.g. eixo das pinhas e dos
inseridos em braquiblastos. gálbulos, vd. I volume) e ao recetáculo da flor nas angiospérmicas.

Esporângios inseridos, Megasporófilos – de quatro tipos nas plantas-com-semente atuais: escamas


isolados ou em grupos, em seminíferas (próprias das gimnospérmicas estrobiladas, e.g. Pinaceae),
suportes simples ou pequenos caules (e.g. simples em Taxus, ramificados em Ginkgo),
ramificados (esporófilos). megasporófilos solitários em forma de leque (algumas Cycadidae) e carpelos
(angiospérmicas). Microsporófilos – escamas polínicas (nas gimnospérmicas) e
estames (nas angiospérmicas).

Heterosporia. Esporos de dois tipos: megásporos e micrósporos que dão origem,


respectivamente, aos gametófitos ♀ e ♂. Carácter herdado da
progimnospérmica ancestral de todas as espermatófitas.

Primórdio seminal. Estrutura constituída pelo(s) tegumento(s) + nucela (= megasporângio) com


uma abertura (o micrópilo); nucela protegida por 1 (gimnospérmicas e
angiospérmicas) ou 2 (angiospérmicas) tegumentos

Redução do número de Dos 4 megásporos formados após meiose do megasporócito (= célula-mãe do


megásporos por saco embrionário ou células-mãe dos megásporos) apenas um sobrevive, retido
megasporócito e retenção e envolvido pelos tecidos megasporângio.
dos megásporos.

Simplificação dos Redução acentuada da complexidade dos gametófitos e dominância absoluta


gametófitos. da geração esporofítica.

Retenção do gametófito ♀ O megásporo funcional dá origem por mitose a um saco embrionário haplóide
(endoprotalia). (o megagametófito ou gametófito ♀) envolvido pela parede do megásporo
(endosporia); o gametófito ♀ permanece retido no interior do primórdio
seminal (endoprotalia), afastado do solo (os gametófitos dos ‘pteridófitos’, pelo
contrário, são subterrâneos), sendo nutrido pelo esporófito materno.

Redução da complexidade As espermatófitas actuais não possuem anterídeos (gametângios ♂); os


dos gametângios. arquegónios (gametângios ♀) persistiram nos grupos mais primitivos de
gimnospérmicas.

Pólen. Os micrósporos (= grãos de pólen unicelulares) diferenciam-se logo após a


meiose dos microsporócitos (= células-mãe dos micrósporos) organizados em
tétradas (grupos de quatro); o grão de pólen maduro é constituído pelo
gametófito ♂ envolvido pela parede do esporo (endosporia) e protegido por
um invólucro (esporoderme).

Gametófito ♂ adaptado à Grãos de pólen transportados durante a polinização dos microsporângios (=


dispersão. sacos polínicos) até à proximidade dos megasporângios; nos ‘pteridófitos’ os
gametófitos estão imobilizados no solo.

Gota de polinização, tubo As primeiras plantas-com-semente eram anemófilas. Nas gimnospérmicas


polínico e alimentação do atuais o pólen é capturado por gotas de polinização segregadas pelo primórdio
gametófito ♂ pelo seminal para o exterior através do micrópilo; os grãos de pólen germinam na
esporófito polinizado. vizinhança do micrópilo e produzem um tubo polínico que se alimenta do
megasporângio (nucela) e transporta os gâmetas ♂ até à proximidade dos
gâmetas ♀; estas duas condições são provavelmente ancestrais. Nas
angiospérmicas o gametófito ♂ é alimentado pelo estilete da planta polinizada.
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Semente. A semente é constituída por: 1) um eixo com um polo radicular e outro caulinar
(embrião); 2) órgãos anexos de reserva; 3) uma proteção (tegumento)
construída a partir do(s) tegumento(s) do primórdio seminal. Geralmente a
semente desidrata-se com mais ou menos intensidade (exceto cicadidas e
Ginkgo) e entra num estado de vida suspenso (quiescência).

As inovações trazidas pelas primeiras plantas-com-semente tiveram seis grandes consequências


evolutivas:
a) Possibilidade de maior crescimento em altura e de desenvolver sistemas radiculares mais
profundantes;
b) Maior proteção dos gametófitos ♂ e ♀ porque, ao se encontrarem fora do solo, estão
protegidos da ação de muitos parasitas e predadores;
a) Facilitação da fecundação através da redução, ou eliminação, da dependência da água no
deslocamento dos gâmetas ♂ ao encontro dos gâmetas ♀;
b) Proteção do esporófito imaturo (embrião) incluso na semente da dissecação, de eventuais
danos mecânicos e da predação;
c) Facilitação do estabelecimento do esporófito imaturo através da energia e dos nutrientes
armazenados na semente;
a) Abertura de novas possibilidades evolutivas à dispersão (de sementes e de pólen) e à
polinização cruzada através da anemogamia e da zoogamia;
b) Taxas evolutivas mais elevadas e consequente facilidade de adaptação a novos habitats.
Embora as relações evolutivas das 5 grandes linhagens nas plantas-com-semente atuais sejam
obscuras, os grandes grupos de espermatófitas partilham, total ou parcialmente, algumas tendências
evolutivas:
a) Redução da duração da geração gametofítica;
b) Simplificação dos esporângios;
c) Complexificação dos esporófitos.

As plantas-com-semente-sem flor. Os grandes grupos de gimnospérmicas


As 4 linhagens de gimnospérmicas são tratadas neste texto com a categoria de subclasse –
Cycadidae, Ginkgoidae, Pinidae e Gnetidae – conforme propõem Christenhusz et. al. (2011a) embora as
categorias de classe ou de ordem sejam mais frequentes na bibliografia. As angiospérmicas são também
colocadas numa subclasse: Magnoliidae. Correntemente são aceites cerca de 1026 espécies de
gimnospérmicas, repartidas por 84 géneros e 12 famílias (Christenhusz et al., 2011a). Neste volume, no
ponto Biologia da reprodução de gimnospérmicas, foram discutidos alguns aspetos da biologia
reprodutiva das gimnospérmicas. A taxonomia das gimnospérmicas é desenvolvida no terceiro volume
(“Sistemática de plantas-com-semente”).
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A B

Figura 23. Gimnospérmicas atuais. A) Cycas revoluta (subclasse Cycadidae). B) Ginkgo biloba (subclasse
Ginkgoidae); n.b. primórdios seminais aos pares na extremidade de um megasporófilo. C) Pinus nigra subsp. laricio
(subclasse Pinidae). D) Ephedra fragilis (subclasse Gnetidae); n.b. ramos articulados.

3.4.2. As angiospérmicas
Contextualização evolutiva
Todas angiospérmicas têm um ancestral comum entre as gimnospérmicas: constituem um taxon
monofilético. O registo fóssil das angiospérmicas remonta ao Cretácico Inferior [146-100 M.a.]. Os grãos
de pólen com cerca de 135 M.a. (Idade Valingiana, Cretácico Inferior) detetados em Israel por Brenner &
Bickoff (1992) são os fósseis, bem documentados, mais antigos de que há conhecimento. Estudos
moleculares antecipam a emergência das angiospérmicas para o intervalo 199-167 M.a., da transição
Triássico-Jurássico ao Jurássico Médio (Bell et al., 2010). A dominância ecológica das angiospérmicas
iniciou-se há 90-100 M.a., na passagem do Cretácico Inferior para o Cretácico Superior. A radiação das
angiospérmicas é muito precoce. Friis et al. (2003) reconheceram no Archaefructus, o fóssil mais bem
preservado e completo mais antigo atribuído a uma angiospérmica (ca. de 124 M.a., Cretácico Superior),
características próprias de Nymphaeales (angiospérmicas basais). Praticamente todas as ordens
evidenciadas na figura 25 Filogenia das angiospérmicas estavam diferenciadas na transição entre o
Cretácico e o Cenozóico, há 65,5 M.a., 65-70 M.a. depois da primeira flor (vd. Stevens, 2001+). Ao
mesmo tempo que se diferenciaram os grandes clados das angiospérmicas verificou-se uma
diversificação em larga escala das estruturas da flor e a generalização das flores actinomórficas com
cálice e corola. As plantas com flores zigomórficas simpétalas com um tubo bem diferenciado só
ganham importância no Terciário.
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Principais características das angiospérmicas


O sucesso evolutivo das angiospérmicas é inquestionável. Embora sejam o mais recente grande
grupo de plantas, excetuando as florestas boreais de gimnospérmicas (taiga) e as formações árticas de
musgos e líquenes (tundra), dominam a maioria dos grandes tipos de ecossistemas terrestes. A maior
parte da produtividade primária terrestre é de sua responsabilidade. As angiospérmicas são
francamente mais diversas do que os restantes grandes grupos de plantas-vasculares, atuais ou fósseis.
Com cerca de 300.000 espécies, enquadradas em mais de 450 famílias (o número oscila entre ca. 150 e
ca. 500, consoante os autores), representam ca. 80 % das espécies de plantas terrestres atuais.
As angiospérmicas apresentam quatro grandes inovações evolutivas que explicam, em grande parte,
o seu sucesso evolutivo e, implicitamente, a regressão das gimnospérmicas:
a) Corpo vegetativo de grande plasticidade morfológica;
b) Corpo vegetativo “evolutivamente flexível”;
c) Sistema vascular mais eficiente e especializado no transporte de solutos;
d) Reprodução mais rápida, eficaz e eficiente.
A eficiência acrescida do sistema vascular deve-se à presença de elementos de vaso xilémico (tipo
celular quase exclusivo das angiospérmicas29, ausente nos grupos mais primitivos) e elementos de tubo
crivoso e células companheiras mais eficientes. Nas angiospérmicas lenhosas o xilema é coadjuvado
fibras xilémicas que têm um papel fundamental no equilíbrio mecânico da parte aérea. A flexibilidade
evolutiva do corpo vegetativo e as taxas evolutivas mais elevadas abriram possibilidades de adaptação
muito variadas: desertos (xeromorfia), copa das árvores (epifitia), sistemas dulceaquícolas (hidrofitia),
perturbação intensa pela herbivoria, fogo, etc. A maior eficácia e eficiência reprodutiva é uma
consequência direta das novidades estruturais e funcionais reprodutivas resumidas no quadro que se
segue.

Quadro 12. Principais aquisições evolutivas (apomorfias) das plantas-com-flor a nível reprodutivo

Flor Estrutura chave das angiospérmicas geralmente interpretada como sendo um


braquiblasto com folhas muito modificadas (vd. hipótese do euanto em A origem da
flor).

Carpelo Megasporófilo ♀.

Germinação estigmática Nas gimnospérmicas o pólen germina diretamente no micrópilo (vd. Biologia da
do pólen reprodução de gimnospérmicas); nas angiospérmicas o pólen é capturado pelo estigma,
germina e diferencia um tubo polínico que progride pelo estilete ao encontro dos
primórdios seminais protegidos no ovário (vd. Germinação do grão de pólen, formação
do tubo polínico e fecundação).

Segundo tegumento De origem foliar, à semelhança do primeiro tegumento.

Megagametófito de O megagametófito está reduzido a oito células, um número substancialmente inferior ao


menor dimensão megagametófito das gimnospérmicas.

Dupla fecundação Envolve dois núcleos espermático que fertilizam, respectivamente, a oosfera e a célula
central (vd. Etapas da reprodução sexual nas angiospérmicas).

Entrada precoce na fase Transição rápida entre as fases juvenil e adulta.


reprodutiva

Fecundação e formação Intervalo de tempo muito curto entre a polinização e fecundação, e entre esta e a
mais rápida das sementes disseminação da semente.

29
As Gnetidae têm vasos lenhosos. Diferenças anatómicas sugerem que a sua origem seja independente dos vasos
lenhosos das angiospérmicas.
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A flor permitiu a evolução de novos sistemas de polinização energeticamente mais eficientes do que
a polinização anemófila característica das gimnospérmicas porque os riscos de desencontro entre o
pólen e as estruturas reprodutivas femininas diminuíram. Sendo necessário menos pólen as plantas com
flor puderam desviar mais recursos para a produção de sementes, em detrimento da produção de
pólen. Por outro lado, o desenvolvimento relações mutualistas com insectos polinizadores, através da
oferta de recompensas (o pólen é muito rico em energia e em nutrientes, sobretudo azotados), acelerou
as taxas evolutivas. Além da função de proteção, o carpelo, depois de amadurecido e transformado em
fruto, alargou as soluções evolutivas para a dispersão das sementes. Nas gimnospérmicas os primórdios
seminais estão sujeitos à predação por insectos, a doenças, ao efeito mecânico do vento e da chuva e à
dessecação; a dispersão é geralmente autocórica ou anemocórica. A germinação estigmática do pólen
favoreceu a evolução de sistemas eficientes de promoção da alogamia (sistemas de auto-
incompatibilidade). O segundo tegumento aumentou a proteção do gametófito ♀. Um megagametófito
de menor dimensão implicou um menor investimento parental antes da fertilização; o investimento
parental pôde ser concentrado na formação do embrião. A formação do endosperma após a fecundação
reduziu o desperdício de energia; nas gimnospérmicas o endosperma é diferenciado antes da
fecundação, o que implica um investimento energético parental significativo e de alto risco (a
fecundação pode ou não acontecer). O encurtamento do período juvenil acelerou as taxas evolutivas
das plantas-com-flor frente às gimnospérmicas (o número de gerações por unidade de tempo
aumentou). A rapidez da fecundação e a formação das sementes nas angiospérmicas é notável; nas
gimnospérmicas prolonga-se por mais de um ano enquanto uma angiospérmica pode florir e produzir
semente e disseminar-se em poucos dias.

Relações evolutivas entre as gimnospérmicas e as angiospérmicas


A flor evoluiu uma única vez; todas as flores são homólogas; todas as plantas com flor partilham um
ancestral comum. A génese da flor envolveu, numa gimnospérmica ancestral não identificada, a
condensação de estruturas reprodutivas unissexuais numa estrutura bissexual com os órgãos femininos
no centro (carpelos) rodeados por órgãos masculinos (estames), a que mais tarde se juntou um
envelope de apêndices estéreis (perianto). O consenso dos especialistas termina aqui. Nem a origem da
flor, nem a origem das angiospérmicas estão clarificadas (vd. Friis et al., 2011).
Uma vez que as relações evolutivas entre as cinco grandes linhagens atuais das plantas-com-
semente continuam por resolver, também permanece em aberto qual dos quatros grandes grupos de
gimnospérmicas atuais – Ginkgoidae, Cycadidae, Pinidae e Gnetidae – é filogeneticamente mais próximo
das plantas-com-flor. Duas hipóteses estão em confronto. Os estudos cladísticos baseados na
morfologia dos grupos atuais e fósseis de plantas-com-semente, coadjuvados por alguns estudos de
base molecular, indiciam que as Gnetidae são evolutivamente próximas das angiospérmicas. A
descoberta de frutos fósseis em Portugal que associam as Gnetidae às Bennettitales veio recuperar a
importância das Gnetidae na evolução das angiospérmicas (Friis et al., 2007). No entanto, a maioria dos
estudos moleculares dá as gimnospérmicas como monofiléticas, constituindo um clado irmão das
angiospérmicas. A complicar ainda mais a situação os estudos de filogenia molecular colocam as
Gnetidae na vizinhança das Pinaceae (hipótese das Gnepina) (Zong et al., 2011).
Os grupos de gimnospérmicas extintos são muito numerosos e morfologicamente diversos. Entre
outros contam-se os fetos-com-semente (pteridospérmicas), as Gigantopteridales, Pentoxylales, as
Cordaitales, as Caytoniales e as Bennettitales, seis grupos já relacionados, em alternativa, com a origem
das angiospérmicas. Por outro lado, os métodos moleculares de inferência filogenética só podem ser
utilizados em plantas atuais. A inconsistência entre os cladogramas que expressam as relações
filogenéticas das linhagens atuais de plantas-com-semente com base em informação fóssil ou molecular
deve-se, provavelmente, ao facto das gimnospérmicas atuais serem um subconjunto demasiado
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pequeno e enviesado da enorme diversidade de gimnospérmicas que povoaram o planeta Terra no final
do Paleozóico e no Mesozóico.

A) B)

Figura 24. Relações filogenéticas entre as linhagens atuais de plantas-com-semente. A) Cladograma suportado
pela informação fóssil). B) Cladograma sustentado em métodos moleculares de inferência filogenética. Extraído de
Mathews (2009).

A origem da flor
Nos últimos 125 anos digladiaram-se, sem um
resultado conclusivo, duas hipóteses em torno da origem
da flor. A hipótese do euanto ou euantial aceita que a
flor evoluiu a partir de uma estrutura simples, constituída
por um único eixo, com microsporófilos proximais e
megasporófilos distais, como as estruturas reprodutivas
de um importante grupo mesozóico extinto de
gimnospérmicas, as Bennettitales. As Bennettitales
tinham um hábito semelhante às Cycadaceae atuais.
Algumas das suas espécies produziam estruturas
reprodutivas análogas a flores: hermafroditas, envolvidas
por brácteas, com microsporófilos planos com sacos
polínicos marginais e megasporófilos curtos com
primórdios seminais terminais. De acordo com Meyen
(1988) de algum modo os megasporófilos das
Figura 25. Reconstrução da estrutura
Bennettitales tomaram a forma plana dos
reprodutiva de Williamsoniella (Bennettitales)
microsporófilos, enrolaram-se e ao soldarem-se pela (Harris, 1969). N.b. de fora para dentro:
margem encerraram no seu interior os primórdios brácteas, microsporófilos e um recetáculo
seminais. Além dos Bennettitales foram propostos outros alargado onde alternam escamas interseminais
e sementes. A semelhança com as flores das
putativos ancestrais no âmbito da teoria euantial que angiospérmicas é notável!
não cabe aqui explorar.
A hipótese pseudanto ou pseundantial propõe que as flores são uma inflorescência composta
condensada, i.e., que as flores evoluíram de um sistema ramificado de caules que suportavam micro e
megasporófilos. Originalmente esta hipótese apontava as Gnetidae como o elemento de conexão entre
as gimnospérmicas e as angiospérmicas.
Outra questão relevante é se os órgãos e os processos característicos da flor evoluíram lentamente
ou a sua agregação foi mais ou menos rápida. De acordo com a recém-proposta teoria da combinação-
71 Escola Superior Agrária de Bragança - Botânica para Ciências Agrárias e do Ambiente

transição (Stuessy, 2004) primeiro diferenciou-se o carpelo, depois a dupla fecundação e finalmente a
flor. Estes três passos evolutivos fundamentais terão demorado mais de 100 milhões de anos a ocorrer.
No âmbito desta teoria as gimnospérmicas são consideradas um grupo evolutivamente independente
das angiospérmicas e a origem destas últimas encontra-se nos fetos-com-semente (Stuessy, 2004).
No capítulo Polinização defendeu-se que a polinização teve um papel chave na evolução da flor. A
flor co-evoluiu com os animais polinizadores. A relação das plantas-com-semente com os insectos é
muito antiga, anterior às angiospérmicas. A gimnospérmica ancestral provavelmente segregava para o
exterior, através do micrópilo, uma gota de polinização para capturar pólen arrastado pelo vento (vd.
Biologia da reprodução de gimnospérmicas). Os primeiros insectos polinizadores terão sido atraídos
pelo valor alimentar do pólen e da gota de polinização. A consequente melhoria da polinização aportada
por estes visitantes incrementou a produção de sementes e selecionou positivamente flores vistosas,
com partes edíveis, pólen rico em proteínas e nectários, em suma estruturas reprodutivas mais atrativas
para os insectos. O aumento da visitação por insectos poderá ter forçado a emergência de flores
hermafroditas de modo a acelerar as trocas de pólen. A exposição à herbivoria dos primórdios seminais
foi resolvida com o aparecimento de carpelos fechados. Também para evitar a herbivoria a superfície
estigmática afastou-se da porção do carpelo preenchida com primórdios seminais (ovário), à custa da
diferenciação de um estilete. A proteção das sementes facilitou a produção de sementes mais
pequenas. Se as sementes eram mais pequenas podiam ser produzidas em maior número.
À escala das plantas-com-flor, a riqueza em espécies (diversidade específica) está positivamente
correlacionada com os seguintes caracteres (Coyne & Orr, 2004 cit. Rieseberg & Willis, 2007): presença
de canais resinosos e de esporões, polinização mediada por seres vivos, fisionomia herbácea, flores
zigomórficas, epifitia e poliploidia. Estes dados evidenciam que a coevolução entre as plantas e animais
polinizadores foi uma causa importante da elevada diversidade atual das angiospérmicas, com paralelo
apenas na classe dos insectos. Alguns autores, no entanto, defendem que não existe uma explicação
clara de como o estabelecimento de relações mutualistas com polinizadores pode incrementar as taxas
de especiação.
Durante o séc. XX admitiu-se que a mais primitiva planta com flor se encontraria entre o então
denominado “complexo magnolióide”. De acordo com esta hipótese a flor das magnólias (género
Magnolia, família Magnoliaceae) e de outras famílias afins (e.g. Winteraceae) eram um modelo
apropriado da flor ancestral das angiospérmicas. Dominavam na altura as ideias de dois grandes
filogenistas, o soviético/arménio Armen Takhtajan e o norte-americano Arthur Cronquist, ambos
influenciados por um outro botânico americano, C. Bessey. As primeiras flores, defendiam estes autores,
eram grandes, com muitas peças inseridas em espiral num eixo alongado, com as peças do perianto
semelhantes entre si (i.e. com tépalas), estames pouco diferenciados e carpelos livres. Esta hipótese
pressupunha que as primeiras angiospérmicas seriam provavelmente árvores ou arbustos.
Uma série de estudos de filogenia, com dados moleculares e morfológicos, publicados a partir de
1999 puseram em causa um paradigma dominante, com mais de 100 anos, sobre a origem da flor. A
discussão em torno da estrutura das primeiras flores enriqueceu-se com a descoberta na China do
Archaefructus e o estudo de pequenos fósseis carbonizados cretácicos, com menos de 1 cm de
diâmetro, provenientes de Portugal e da América do Norte. Num artigo recente Endress & Doyle (2009)
fazem um ponto da situação e (re)discutem em profundidade a questão. As angiospérmicas basais (e.g.
Amborella e nenúfares) e o registo fóssil, tratados com as ferramentas conceptuais e estatísticas
apropriadas, indiciam que a flor primitiva, entre outros caracteres, possuía: mais de dois verticilos de
tépalas e de estames; um número moderado de estames; carpelos livres e fechados por secreções (sem
um tecido a conectar as margens do carpelo). Não é claro se esta flor era unissexual ou hermafrodita, se
a filotaxia das peças florais era verticilada ou alterna em espiral ou, mesmo, se as tépalas eram
diferenciadas em sépalas e pétalas. As flores dos grupos basais (“mais primitivos”) ao que parece
resultam da simplificação de flores mais complexas quando há pouco tempo se admitia serem
72 Escola Superior Agrária de Bragança - Botânica para Ciências Agrárias e do Ambiente

primitivamente simples. Não é claro qual seria a fisionomia das primeiras angiospérmicas. A polinização
por insectos apareceu num momento muito recuada da evolução das angiospérmicas. Faegri e van der
Pijl (1979) postularam que as flores mais primitivas eram polinizadas por coleópteros enquanto
atabalhoadamente percorriam a flor e consumiam pólen. Atualmente os dípteros (moscas) são os mais
sérios candidatos a polinizadores da flor primitiva (Thein et al., 2009).

Origem e evolução do carpelo


Duas teorias competem para explicar a origem do carpelo. De acordo com a teoria da origem
filospórica, o carpelo é uma folha com funções reprodutivas femininas (megasporófilo) dobrada para a
página superior, ou para a página inferior, com os primórdios seminais originalmente dispostos ao longo
da sutura carpelar. A teoria stachiospórica propõe que o carpelo é uma bráctea que envolveu um ramo
curto onde primitivamente se inseriam os primórdios seminais.
Nas plantas basais (e.g. angiospérmicas basais) os carpelos são livres (gineceu apocárpico), selados
por secreções ou pelo entrelaçamento de pêlos, e toda a sutura carpelar funciona como uma superfície
estigmática. Nos grupos mais avançados, a evolução concentrou a superfície estigmática no topo do
carpelo e os primórdios na sua base, diferenciando-se um ovário, um estilete e um estigma; a sutura foi
preenchida com tecido. Em muitas espécies os carpelos soldaram-se num único pistilo pluricarpelar
(gineceu sincárpico). Esta fusão é variável: nas apocináceas é frequente os estiletes serem concrescentes
e os ovários livres, as cariofiláceas têm os estiletes e os estigmas livres, nas liliáceas os carpelos são
concrescentes até ao estigma.

Tendências evolutivas entre as plantas-com-flor


As tendências evolutivas nas várias linhagens de angiospérmicas são muito díspares. Sem esgotar o
tema, e a título indicativo, no quadro seguinte reuniram-se algumas tendências evolutivas partilhadas,
de forma (evolutivamente) independente, por vários grupos angiospérmicas atuais.

Quadro 13. Tendências evolutivas entre as plantas-com-flor atuais

Características primitivas (plesiomórficas) Características derivadas (apomórficas)


mais frequentes em taxa basais atuais próprias de taxa recentes e derivados atuais

Clima tropical → Temperado

Arbóreas → Trepadeiras ou herbáceas

Traqueídos → Traqueídos + vasos lenhosos

Perenes → Anuais ou bienais

Perenifolia → Caducifolia

Folhas simples → Folhas compostas

Flores grandes, solitárias, acíclicas ou → Flores pequenas, organizadas em


hemicíclicas inflorescências e cíclicas

Perianto indiferenciado, de tépalas livres, → Perianto duplo (com cálice e corola), de corola
actinomórfico simpétala, zigomórfico

Estames numerosos, livres → Poucos estames, concrescentes

Carpelos numerosos, livres → Poucos carpelos, unidos (sincarpia)

Primórdios seminais numerosos, com dois Poucos primórdios seminais, com um


tegumentos tegumento

Folículo → Cápsula, baga, drupa, etc.


73 Escola Superior Agrária de Bragança - Botânica para Ciências Agrárias e do Ambiente

Sementes grandes, embrião pequeno e → Sementes pequenas, embrião mais


endosperma abundante desenvolvido e pouco endosperma

Números cromossomáticos baixos → Elevado número de cromossomas

Relações filogenéticas entre as plantas-com-flor. Os grandes grupos de angiospérmicas


A figura 26 faz um ponto da situação das relações filogenéticas entre os principais grupos atuais de
plantas-com-flor, com base em estudos de filogenia molecular. A estrutura desta árvore difere
assinalavelmente das relações filogenéticas estabelecidas por botânicos evolucionistas clássicos como
G.L. Stebbins, A. Takhtajan ou A. Cronquist. A novidade mais surpreendente é a pulverização das
dicotiledóneas em vários clados (grupos monofiléticos), com a colocação de um significativo número de
taxa na base da árvore, entre os quais se destacam pela diversidade em espécies as magnoliidas. O
aprofundamento deste cladograma, resultante da colaboração de uma vasta equipa internacional de
taxonomista moleculares, culminou numa revolução da taxonomia das plantas-com-flor, instituída no
sistema de classificação do Angiosperm Phylogeny Group (APG), atualmente na sua terceira versão (APG
III, 2009).

Figura 26. Relações filogenéticas dos mais importantes clados de angiospérmicas (adaptado de Stevens, 2001+).
Os triângulos assinalam os clados mais diversos.

A taxonomia e as relações filogenéticas no interior do grande clado das angiospérmicas, ao nível da


ordem e categorias inferiores, não estão, de modo algum, encerradas. Continuamente, e a grande
ritmo, são publicadas novas contribuições que somadas se traduzem numa visão cada vez clara das
relações evolutivas entre as plantas-com-flor atuais. Ainda recentemente, os Caryophyllales, a ordem
que inclui os catos (Cactaceae) e a importante família das Amaranthaceae, foram transferidos da base
das eudicotiledóneas para a proximidade das asteridas. Se por um lado estes resultados são
cientificamente excitantes, por outro, dificultam a sua divulgação e a produção de textos atualizados.
Felizmente, desde 2001, o Dr. Peter Stevens mantém uma página web informada e atualizada sobre
filogenia das plantas-com-semente, com o objetivo incorporar no sistema APG as novidades científicas
entretanto publicadas. A figura que se segue contém a árvore filogenética das ordens de angiospérmicas
disponibilizada em Março de 2012.
O reconhecimento do grupo mais basal de todas as angiospérmicas atuais, i.e. do taxon atual
localizado na base da árvore filogenética das angiospérmicas, parece evoluir para um consenso. Estudos
de cladística molecular e morfológica apontam para esse lugar a Amborella trichopoda (Amborellaceae),
um pequeno arbusto florestal da Nova-Caledónia, uma ilha de média dimensão, administrada pela
França, localizada a NE da Austrália. Os nenúfares (Nymphaeaceae) e uma outra pequena família de
plantas aquáticas – fam. Hydatellaceae – são, todavia, outros dois fortes candidatos ao estatuto de
grupo-irmão das restantes angiospérmicas atuais.
74 Escola Superior Agrária de Bragança - Botânica para Ciências Agrárias e do Ambiente

A C
B

Figura 27. Grados e clados principais das angiospérmicas. A) Nuphar luteum (Nymphaeaceae, ‘angiospérmicas
basais’). B) Piper sp. (Piperaceae, magnoliidas).C) Magnolia soulangeana (Magnoliaceae, magnoliidas). D) Bromus
erectus (Poaceae, monocotiledóneas). E) Lilium martagon (Liliaceae, monocotiledóneas). F) Ranunuclus
olyssiponensis (Ranunculaceae, ‘eudicotiledóneas basais’). G) Hybiscus rosa-sinensis (Malvaceae, rosidas). H)
Campanula herminii (Campanulaceae, asteridas). I) Helianthus tuberosus (Asteraceae, asteridas).

As famílias basais das angiospérmicas – também conhecido por grado ANA ou, simplesmente, por
angiospérmicas basais – somam menos de 1% das plantas-com-flor. Em Portugal estão exclusivamente
representadas pela família dos nenúfares (Nymphaeaceae). As magnoliidas correspondem a menos de
5% das espécies atuais de angiospérmicas. Constituem um clado muito antigo, anterior às
monocotiledóneas e às eudicotiledóneas, dominado por plantas lenhosas, preferentemente tropicais,
caracterizado por uma grande diversidade de alcalóides e por flores geralmente acíclicas ou trímeras
75 Escola Superior Agrária de Bragança - Botânica para Ciências Agrárias e do Ambiente

(verticilos com 3 peças). As magnoliidas incluem famílias com alguma importância económica como as
lauráceas «família do loureiro», as miristicáceas «família da noz-moscada», as anonáceas «família da
anoneira» e as piperáceas «família da pimenta».
As monocotiledóneas compreendem cerca de 20 % das angiospérmicas. Antes de 1990 as plantas-
com-flor eram cindidas em dois grupos – monocotiledóneas e dicotiledóneas –, geralmente
reconhecidos com a categoria de classe – Magnoliopsida e Liliopsida –, segregados com base num leque
variado de caracteres, expressos no quadro 14. A dicotomia monocotiledóneas-dicotiledóneas era,
então, considerada a divergência mais importante da história das angiospérmicas e teria ocorrido muito
próximo da base da grande árvore filogenética das plantas-com-flor, i.e. logo no início da sua história
evolutiva. Os métodos de filogenia molecular cedo demonstraram que as monocotiledóneas eram, de
facto, um grupo monofilético, mas que a sua divergência se situava acima de alguns grupos atuais de
plantas-com-flor, concretamente das angiospérmicas basais e das magnoliidas. Consequentemente, o
conceito tradicional de dicotiledóneas faz destas um grupo parafilético (ao contrário das
monocotiledóneas não incluem todos os descendentes de um ancestral comum).

Quadro 14. Monocotiledóneas vrs. dicotiledóneas s.l.

Monocotiledóneas Dicotiledóneas s.l.

1 cotilédone (por vezes embrião não diferenciado, 2 cotilédones (raramente 1,3 ou 4, ou o embrião
e.g. Orchidaceae) indiferenciado)

Folhas normalmente paralelinérveas Folhas normalmente peninérveas ou palminérveas

Câmbio vascular ausente. Engrossamentos


Câmbio, quando presente (plantas com crescimento
efetuados pelos “meristemas de engrossamento
secundário), normalmente intrafascicular (feixes vasculares
primário” e “meristemas de engrossamento
abertos)
secundário”

Feixes vasculares distribuídos irregularmente ou Feixes vasculares no caule em anel (colaterais) «exceto
formando 2 ou mais círculos concêntricos Piperaceae»

Peças florais, quando de inserção cíclica, em grupos de 5,


Flores com verticilos normalmente trímeros com menos frequência 4, raramente 3 (carpelos muitas vezes
menos numerosos)

Pólen tipicamente com três aberturas (poros ou fendas) ou


Pólen com uma abertura
tipos derivados

Sistema radicular das plantas maduras de tipo Sistema radicular nas plantas adultas primário, adventício ou
fascicular adventício de ambos os tipos

As eudicotiledóneas representam cerca de 75% das plantas-com-flor. Partilham uma única


apomorfia: a presença de grãos de pólen com três aberturas, ou tipos derivados (Soltis et al., 2005). A
Figura 27 mostra um grupo de pequenas ordens morfologicamente muito diversas – eudicotiledóneas
basais – que incluem famílias de escassa importância económica e/ou ecológica; e.g. Papaveraceae
«família da papoila» e Buxaceae «família do buxo». A maioria das eudicotiledóneas enquadra-se nas
eudicotiledóneas superiores30 (ing. core eudicots). Nas eudicotiledóneas sobressaem pela diversidade
morfológica e número de espécies dois clados: rosidas e asteridas. As flores das rosidas são
maioritariamente cíclicas, heteroclamídeas e dialipétalas. A capacidade de estabelecer simbioses com
bactérias fixadoras de azoto é quase exclusiva (excepto Gunneraceae) das famílias deste clado. A ordem
dos Caryophyllales situa-se próximo da base do clado das asteridas. Nesta ordem são frequentes plantas

30
Alguns autores traduzem “core eudicots” por eudicotiledóneas nucleares.
76 Escola Superior Agrária de Bragança - Botânica para Ciências Agrárias e do Ambiente

adaptadas a ambientes extremos – e.g. solos salinos e ambientes desérticos – com adaptações
morfológicas e fisiológicas particulares, e.g. metabolismo ácido das crassuláceas e suculência (Soltis et
al., 2006). As asteridas reúnem quase 80.000 espécies; apresentam flores simpétalas e primórdios
seminais simplificados. A discussão das características dos principais clados das angiospérmicas é
retomada, com mais pormenor, no III volume deste livro.

Figura 28. Filogenia das angiospérmicas (adaptado de Stevens, 2001+, versão de Março de 2012)

3.5. Paleo-história recente da flora de Portugal


A estabilidade macroclimática é uma ilusão transmitida pela nossa curta esperança de vida. À escala
geológica, desde tempos geológicos remotos, nos terrenos que hoje constituem o território português,
77 Escola Superior Agrária de Bragança - Botânica para Ciências Agrárias e do Ambiente

o clima oscilou entre os frios glaciares e os calores tropicais, passando pelos macroclimas de tipo
temperado e mediterrânico (Suc, 1984). No início da época Miocénica [23,8-5,3 M.a.] grande parte da
Península Ibérica estava submetida a um macrobioclima de tipo tropical, com chuvas bem distribuídas
ao longo do ano e, à exceção das montanhas, com uma estação fria amena e sem geadas. Cobriam a
Península Ibérica amplas florestas tropicais e subtropicais, entre as quais sobressaiam pela sua
abundância as florestas laurifólias (laurissilva), i.e. florestas dominadas por espécies de folhas grandes,
largas, por norma inteiras (não recortadas), persistentes, sem pelos, rijas, lisas e brilhantes.
A partir do Miocénico Médio a flora e a vegetação ibéricas foram profundamente marcadas por uma
sucessão de convulsões geológicas e macroclimáticas, em particular pelas alterações climáticas que
culminaram na transição do macrobioclima tropical para o mediterrânico no Pliocénico e pelos
numerosos ciclos glaciar-interglaciar plistocénicos. A instabilidade climática, o progressivo
arrefecimento e continentalização do clima e a crescente sazonalidade da precipitação (i.e.
mediterraneidade) e da temperatura iniciados no Miocénico Médio provocaram uma regressão da área
de distribuição ou a extinção das espécies características dos bosques tropicais e subtropicais terciários.
As espécies mais exigentes em temperatura e água foram as primeiras a extinguir-se, ainda no
Miocénico Médio – e.g. Avicennia (fam. Acanthaceae) e Bombacoideae (fam. Malvaceae). Seguiram-se,
no Pliocénico ou na primeira metade do Plistocénico, muitas outras espécies de famílias tropicais (e.g.
Sapotaceae) ou de famílias hoje refugiadas em áreas temperadas não europeias com Invernos benignos
(e.g. Taxodiaceae, Nyssaceae ou Rhoipteleaceae). A flora atual das ilhas Macaronésicas, em particular a
da ilha da Madeira, é o repositório mais completo da flora tropical e subtropical europeia e norte-
africana do Miocénico. Alguns dos géneros mais frequentes de árvores dos atuais bosques
sempreverdes dos arquipélagos dos Açores e da Madeira estavam certamente presentes nos bosques
ibéricos do final do Terciário – e.g. os géneros de lauráceas Ocotea «til», Apollonias «barbujano», Laurus
«loureiro» e Persea «vinhático» e os géneros Sideroxylon «marmulano» (fam. Sapotaceae), Picconia
«pau-branco» (fam. Oleaceae) ou Clethra «folhado» (fam. Clethraceae).
A generalização do regime climático mediterrânico no Pliocénico (ca. 3,2 M.a.) despoletou a
formação de um grande número de novas espécies de plantas (radiação adaptativa), muitas das quais
adaptadas ao fogo, a partir de linhagens pré-existentes. Portanto, é no final do Terciário que se
diversificam os géneros tipicamente mediterrânicos da flora atual da Bacia Mediterrânica, e.g. Cistus
«estevas», Olea «azambujeiros», Pistacia e Rhamnus. É também neste período que se organizam, pela
primeira vez, os tipos de comunidades vegetais mais importantes da vegetação mediterrânica atual da
Península Ibérica, de que são exemplos os bosques de folha persistente (perenifólios) de Quercus
(ordem Quercetalia ilicis, classe Quercetea ilicis), os matos-altos com espécies de folhas rijas, largas e
lustrosas (matagais da ordem Pistacio-Rhamnetalia alaterni, classe Quercetea ilicis), os estevais
(comunidades de Cistus sp.pl. da classe Cisto-Lavanduletea) e, possivelmente, as comunidades de
plantas aromáticas de calcários (classe Rosmarinetea officinalis), e.g. comunidades de Thymus
«tomilhos», Lavandula «rosmaninhos» e Rosmarinus «alecrim». O arrefecimento do clima no Pliocénico
promoveu a imigração de plantas adaptadas a climas temperados (elementos arctoterciários) de regiões
próximas do polo norte. Nos bosques caducifólios temperados atuais (classe Querco-Fagetea) a maior
parte das espécies arbóreas descendem dos elementos arctoterciários, como é o caso das fagáceas de
folha larga e caduca dos géneros Quercus «carvalhos», Fagus «faias» e Castanea «castanheiros»; dos
géneros arbóreos Acer «bordos», Alnus «amieiros», Betula «bidoeiros», Populus «choupos», Salix
«salgueiros», Corylus «aveleiras», Fraxinus «freixos» e Ulmus «ulmeiros» (Sitte et al., 2004). A flora
arctoterciária, tanto do hemisfério norte como do hemisfério sul, tem uma origem euroasiática. Este
grupo de plantas migrou posteriormente para a região Neártica (territórios de macroclima temperado e
mediterrânico da América do Norte) e daí para as regiões não tropicais do hemisfério sul (e.g. Andes, sul
da Argentina e do Chile e Nova Zelândia) (Takhtajan, 1986).
Próximo da transição entre o Terciário e o Quaternário, os bosques tropicais e subtropicais que
tinham dominado a vegetação terrestre da Península Ibérica durante mais de 50 Ma encontravam-se
78 Escola Superior Agrária de Bragança - Botânica para Ciências Agrárias e do Ambiente

francamente empobrecidos, concentrando- se, provavelmente, em áreas litorais e sublitorais de baixa


latitude e altitude. Todavia, a paisagem vegetal ibérica era muito mais diversa no Pliocénico do que nas
épocas geológicas precedentes. Além da vegetação lenhosa de cariz mediterrânico ou temperado,
comunidades de plantas dominadas por gramíneas estavam a expandir-se e a apoderar-se dos espaços
primitivamente habitados pelos bosques tropicais e subtropicais. Admite-se que ocupavam trechos
significativos da Península Ibérica, savanas ou mosaicos de prado e floresta, extensivamente pastados
por grandes herbívoros (Thompson, 2005). As plantas dos prados atuais descendem diretamente das
espécies de plantas que especiaram sob a pressão de pastoreio dos grandes herbívoros terciários e
plistocénicos, todos eles já extintos. A flora e a vegetação dos arquipélagos dos Açores e da Madeira
evoluíram livre da pressão e seleção liderada pela herbivoria. Este facto explica a sensibilidade da flora
autóctone insular à herbivoria e o poder invasivo da flora pratense sob o efeito da pastorícia. De facto,
em grande parte da área de ocupação atual de pastagens nos arquipélagos dos Açores e da Madeira não
existe uma única espécie indígena.
Durante o Pleistocénico [1,8 M.a.-10.000 anos] a longos períodos glaciares secos sucederam-se
curtos períodos interglaciares húmidos e amenos. A última glaciação, a glaciação de Würm, terminou há
cerca de 10 000 anos (11 500 cal. BP31). Num curto espaço de tempo o clima aqueceu e, pelo menos na
metade Norte do país, uma vegetação dominante de tipo estepe com árvores dispersas foi tomada por
densos bosques de árvores do género Quercus (e.g. carvalho-roble, sobreiro, azinheira, etc.) (Allen et al.,
1996). A expansão da floresta foi facilitada pelo recuo para norte de muitos animais de manada e pela
extinção antrópica de várias espécies de grandes mamíferos, ocorrida ainda durante o Pleistocénico.
Porém, existem evidências muito fortes na Europa central, e não há argumentos em contrário na
Península Ibérica, de que os mamíferos herbívoros, em conjugação com o fogo e a perturbação
gravitacional (deslizamentos de terras) nas áreas de relevo mais movimentado, mantiveram um mosaico
fluído (itinerante) de bosque e distintas comunidades herbáceas e arbustivas, até à entrada em cena do
factor homem.

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31
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