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ADELA CORTINA / EMILIO MARTINEZ 2 Etica (Tradugao do espanhol por Silvana Cobucci Leite) Resumo Prof. Dr. Roque Junges. Sao Paulo: Ed. Loyola, 2005. I. OAMBITO DA FILOSOFIA PRATICA. itica como Filosofia moral. A &tica ov a filosofia moral tem como objetivo explicar o fendmeno moral, dar conta racionalmente da dimensao moral humana. A ética 6 indiretamente normativa. A moral € um saber que oferece orientagées para agdes em casos concretos, enquanto que a ética é normativa em sentido indireto, pois, no tem uma incidéncia direta na vida cotidiana, quer apenas esclarecer reflexivamente 0 campo da moral Para entender o tipo de saber que constitui a ética, é importante lembrar a distinggo aristotélica entre saberes tedricos, poiéticos © préticos. 1) Os primeiros dedicam-se a compreender a realidade. Bles sio saberes descritivos, porque mostram 0 que existe, 0 que € ¢ 0 que acontece. Eles tém como referéncia o ser ow a esséncia das coisas. 2) Os segundos servem de guia para elaborar algum produto, artefato ou obra caracterizado por sua utilidade ou beleza. As técnicas e as artes fazem parte dos saberes poiéticos. 3) os saberes préticos sdo aqueles que orientam sobre o que se deve fazer para conduzir a vida de uma maneira boa e justa para alcangar a felicidade. Hles abarcam nao 86a ética, mas também a economia (bom governo da casa) ¢ a politica (bom governo da cidade. Hoje fazem parte da filosofia pritica a ética ou filosofia moral, a filosofia politica, a filosofia do diteito e a reflexao filos6lica sobre a religido em perspectiva ética. termo “moral” aqui ¢ agora. 0 termo moral pode ser usado como substantivo. 1) Num primeiro sentido refere~ se ao conjunto de principios, preceitos, comandos, sendo a moral um sistema de conteiidos sobre comportamentos. 2) Num segundo sentido pode referir-se ao c6digo de conduta pessoal de alguém (Fulano tem uma moral muito rigida ou carece de moral). 3) Num outro sentido compreende as diferentes doutrinas morais ou a ciéncia que trata do bem em geral e das agdes humanas marcadas pela bondade ou maldade moral. As doutrinas morais sistematizam um conjunto de contetidos morais, enquanto que as teorias @ticas tentam explicar o fenémeno moral. 4) Num quarto sentido moral refere-se a uma boa disposicdo de espirito, ter o moral bem elevado, estar com 0 moral alto. Aqui moral ngo é um saber nem um dever, mas uma atitude ou caréter. 5) Um diltimo sentido de ‘moral como substantivo compreende a dimensio moral da vida humana que & a ambito das ages e das decisdes. 0 termo moral pode também ser usado como adjetivo. 1) Moral no sentido de posto & imoral, como sindnimos de moralmente correto ou incorreto. 2) Moral significando o oposto de amoral, isto é, que nao tem nenhuma relagao com a moralidade, 13. 0 termo “moralidade”. Embora moralidade refira-se muita veres a algum cédigo moral concreto (p. ex. quando se diz duvido da moralidade de seus atos ou fulano é um defensor da moralidade € dos bons costumes), o termo pode ter outros significados. 1) Moralidade serve para distinguir de legalidade ¢ de religiosidade, referindo-se 4 dimensio moral da vida humana, a essa forma comum das ages humanas para além das diversas morais concretas, isto 6, independente dos contetidos morais. Por isso existe a distingao em relagdo a legalidade referida & lei e A religiosidade referida ao sagrado. 2) Moralidade pode também ser distinguida de eticidade no sentido que serd visto mais adiante. O termo “ética” A palavra ética vem do grego ethos, originalmente tinha o sentido de “morada”, “lugar em que se vive” e posteriormente significou “carder”, “modo de ser” que se vai adquirindo durante a vida. O termo moral procede do latim mores que originariamente significava “costume” ¢ em seguida passou a significar “modo de ser’, “caréter’ Portanto, as duas palavras tém um sentido quase idéntico. No obstante, no contexto académico, o termo “ética” refere-se & filosofia moral, isto € ao saber que reflete sobre a dimensio da ag4o humana, enquanto que “moral” denota os diferentes cédigos morais concretos. A moral responde & pergunta “O- que devemos fazer?” ¢ a ética, “Por que devemos?” 14.1 A ética nfo é nem pode ser neutra. A tica nao se identifica com nenhum cédigo moral, mas isso nao significa que la seja neutra diante dos diferentes cédigos, pois ela é critica dos costumes morais, 1.4.2 Fungies da ética. A @tica tem uma tripla fungdo: 1) esclarecer 0 que & a moral, quais sdo seus tragos especificos; 2) fundamentar a moralidade, ou seja, procurar averiguar quais so as razdes, que conferem sentido ao esforco dos seres humanos de viver moralmente; 3) aplicar aos diferentes Ambitos da vida social os resultados obtidos nas duas primeiras fungdes, de ‘maneira que se adote uma moral critica em ver da subserviéncia a um cédigo. 1.4.3 Os métodos préprios da ética. A. moral dogmatiza com seus cédigos, enquanto que a ética argumenta ctiticamente. Nao ha (otalitarismo em exigir argumentagao, mas é totalitério 0 dogmatismo da meta autoridade, das pretensas evidéncias, das emogdes ¢ das metitforas. Filosofar ¢ argumentar. Este é 0 modo de proceder da filosofia moral. Os métodos para argumentar podem ser muitos: empfrico-racional (Axtist6teles), empirista e racionalista (era moderna}, transcendental (Kant), dialético-absoluto (Hegel), dialético-materialista (Marx), genealégico-desconsirutivo (Nictszche), fenomenolégico (Husserl, Scheler), anéilise da linguagem (Moore, Stevenson, Ayer), neacontratualista (Rawls). 15. 0 termo “ameta-ética” Meta-ética refere-se aos autores da andlise da linguagem. Ela é uma metalinguagem ocupada em esclarecer os problemas tanto lingiifsticos como epistemolégicos da ética. Ela tenta discemir a cientificidade, a suficiéncia, os caracteres formais, a situagao epistemol6gica da ética Tl. _ EM QUE CONSISTE A MORAL? ILL Diversidade de concepcdes morais F necessério distinguir entre a forma comum da moralidade (ética) os contedidos das concepgées morais (moral), Assim é afirmada a universalidade da moral quanto a forma, ao passo que os contetidos estdo sujeitos as variagdes de espaco e de tempo das concepgdes morais. Trata-se de examinar critérios para distinguir nas diferentes concepgdes quais s2o as que melhor encarnam a forma moral. 11.2. Diferentes maneiras de compreender a moral Para a filosofia antiga ¢ medieval, centrada no ser, a moralidade era entendida como uma dimensio do ser humano. A filosofia modema tem como referéncia nao mais o set, mas a consciéncia e a moralidade € uma forma peculiar de consciéneia, No século XX com a virada lingifstica, a moral comega a centrar-se na linguagem moral. 11.2.1 A moralidade como aquisi¢ao das virtudes que conduzem a felicidade. Para a Grécia concebe-se @ moral como busca da felicidade ou como vida boa. Ser ‘moral é sinénimo de aplicar o intelecto para descobtir os meios oportunos para alcangar a vida plena, feliz e globalmente satisfat6ria. Por isso € necessdria uma correta deliberaga0 ou seja um uso da racionalidade prudencial que discorre sobre os meios e estratégias que conduzem ao fim para 0 qual todos tendem: méximo de felicidade. Arist6teles distingue claramente entre racionalidade moral prudencial (aplicada para os meios adequados para atingir 0 fim dltimo de todos) e racionalidade técnica calculista (aplicada para usar ‘meios em vista de fins pontuais), Entre os gregos houve divergéncias sobre 0 modo de entender a felicidade: hedonistas defendiam a felicidade como prazer e os eudaimonistas, a felicidade como auto-realizagao. Para os hedonistas a razio moral é calculista pois se trata de calcular prazeres. 11.2.2. A moralidade do carter individual: uma capacidade para enfrentar a vida sem “desmoralizagiio” A felicidade como auto-realizagao recebeu destaque na obra de Ortega y Gasset ¢ ‘Aranguren através da sua ética que insiste na formacio do caréter individual, de tal modo que 0 desenvolvimento pessoal permita que cada um enfrente desafios da vida com um estado de espirito forte e poderoso, Trata-se manter © moral alto, 0 contrétio de sentr-se desmoralizado, Isso significa ter um projeto vital de auto-realizagao e uma boa dose de auto-estima, 2.3. A moralidade do dever. A moral como cumprimento de deveres para com 0 que é fim em si mesmo. Trata-se de sistemas morais que colocam o dever em um lugar central do discurso Gtico. J4 0s estdicos colocavam a “ei natural” como centro da experiéncia moral Moralidade consiste em ajustar a propria intengo ¢ conduta aos preceitos universais da azo que a natureza a todos proporcionou. Kant segue esta linha superando a perspectiva naturalista, porque a moralidade & justamente ir além das tendéncias da natureza. Nesse sentido a moralidade € nao seguir a lei do prego que troca algo pelo valor cortespondente. ‘Os humanos so seres situados para além da lei do prego. Se o ser humano & aquele que tem dignidade e nio prego, isso se deve ao fato de ser capaz de se subtrair a ordem natural, de auto-legislar, de ser autGnomo. Isso significa que a maior grandeza do ser humano reside em agir segundo a lei que ele se impde a si mesmo. A moralidade tem 0 seu foco na autonomia que significa dignidade, isto, fim em si mesmo. 1.24. A moralidade como aptidao para a solugao pacifica dos conflitos. Nos paises democriticos abre-se a perspectiva de pensar a moral no Ambito social. Por isso, a moralidade é um problema que pertence mais a filosofia politica. Nao faltam indicios para essa perspectiva a partir do conceito de “reino de fins” de Kant ¢ de ‘vontade geral” em Rousseau, M. Mead propde a categotia de “reconhecimento recfproco” como central para a compreensio da moralidade e como base para a solugio dos conflitos na sociedade. Todas essas propostas esto unidas a virada lingiifstica que iré determinar a concepeao de moralidade a partir da linguagem que é sinal da intersubjetividade. Assim a moralidade esté situada na soluga0 dos conflitos de aio através do didlogo. 11.2.5 A moralidade como pratica solidaria das virtudes comunitarias, ‘Trata-se da proposta comunitarista que se opde As propostas individualistas do liberalismo. Ela compreende que um ser humano s6 chega a amadurecer enquanto tal, quando se identifica com uma comunidade concreta, porque sé pode adquirit sua personalidade pelo pertencimento a ela e s6 desenvolve as virtudes que a comunidade exige, virtudes que constituam a visio que a comunidade tem em relagao as exceléncias humanas. O positivo desta proposta é que ela insiste que toda pessoa precisa de uma comunidade concreta para desenvolver-se; que a comunidade & a detentora das concepgées de virtudes ¢ normas que configuram as pessoas, por fim necessério que elas deitem raizes neste himus das tradigdes morais. © problema desta visio € a sua petspectiva particularista, quando precisamos dar conta de uma solidariedade universalista, Precisamos remeter-nos a uma moralidade da comunidade universal 11.2.6. A moralidade como cumprimento de principios universais. Essa concepgio refere-se a teoria do desenvolvimento moral de L. Kohlberg que concebe 0 amadurecimento moral como progresso de um nfvel convencional, para 0 qual ‘moralidade ¢ identificar-se com as normas concretas da comunidade, para um nivel pés- convencional, no qual a pessoa é capaz de distinguir entre normas comunitarias cestabelecidas convencionalmente ¢ principios universais de justiga. 113, Contraste entre mbito moral ¢ outros Ambitos. A dimensao normativa da ética ¢ a prescritiva das morais concretas leva a certa confuso entre normas morais e normas de outros ambitos da ago humana 113.1. Moral e direito direito refere-se a um cédigo de normas destinadas a orientar as agdes dos cidadaos, que emana das autoridades politicas e conta com o respaldo coativo da forga fisiea do Estado para fazer com que sejam cumpridas. Estas normas estabelecem 0 Ambito da legalidade. Existem algumas semelhangas entre as normas da legalidade e da moralidade: a) aspecto prescritivo; b) referéncia a atos voluntétios; c) o conteido em ambos os tipos de prescrigdes pode ser o mesmo. ‘Mas, por outro lado, existem diferengas: a) normas morais conotam uma obrigagio interna ¢ as juridicas impdem obrigagdes extemas; b) as normas morais sio a instincia ttima de obrigagdo para a consciéncia pessoal ¢ os comandos legais sio ptomulgados por organismos legislativos do Estado; c) as ptescrigdes morais exibem um cardter universalizavel, isto 6, elas tém uma pretensao de universalidade que os preceitos juridicos nao possuem, pois afetam, pela organizagao juridica, o territério de um Estado determinado. 113.2. Morale religiao ‘Um cédigo de normas pode ser religioso (prescrigdes fundadas na divindade ou no magistério hicrérquico das autoridades religiosas) ou moral (normas fundadas na consciéncia ¢ exigiveis de todas as pessoas enquanto tais © no enquanto pertencendo a tal comunidade religiosa), A moral comum exigivel de todos (crentes de diferentes ctedos € nao crentes) nao pode ser uma moral confessional nem tampouco belicosamente laica, isto 6, oposta & livre existéncia dos tipos de moral de expressio religiosa. Ela precisa ser simplesmente laica, isto é, independente das crencas religiosas, mas nio oposta a elas. Trata-se da moral civica dos principios comumente partilhados, tipica da sociedade pluratista, que permite a convivéncia de diferentes concepgGes morais de abrangente. 1.3.3 Moral e normas de convivéncia social Existem normas meramente sociais identificadas com costumes que apresentam uma obrigatoriedade externa ¢ normas propriamente morais que obrigam em consciéncia, O tribunal das normas morais é a propria conscigncia ¢ as agdes contra as regras de convivéncia social sio julgadas pela sociedade circundante através da reprovagdo grupal. 113.4. Moral e normas de tipo técnico fim da técnica € a produgao de bens tteis e belos ¢ o fim da moral é a agao boa por si mesma. Uma coisa € agir eficazmente ¢ outra agit moralmente bem, Notmas técnicas tém por meta gerar bens particulares e as morais apontam para a consecugao do maior bem prético possivel para 0 ser humano. Prescrigées técnicas tomam as pessoas habeis no manejo de meios (ferramentas, utensilios, procedimentos) para alcancar fins particulares, normas morais orientam meios (agGes) que so fins em vista de um fim ‘timo € supremo. Presctigdes técnicas s4o imperatives hipotéticos, porque sua execucao esté condicionada “se vocé quer x tem que fazer y". As normas morais s2o imperativos categéricos tendo como tinica condigao que, no fundo, ndo € condigo porque significa negar-se como ser humano: “se vocé quer se comportar como um ser verdadeiramente racional, entio deve. I, BREVE HISTORIA DA ETICA ILLA ins éti iversidade de t Os diferentes sistemas ou doutrinas morais oferecem uma orientagdo imediata & concreta para a vida moral das pessoas. As teorias éticas nao pretendem responder & pergunta “o que devemos fazer?” ou “de que modo deveria organizar-se a sociedade", mas refletem sobre “por que existe moral?” “quais motivos justificam 0 uso de determinada concepgao moral para orientar a vida?”. As teorias éticas querem dar conta do fendmeno moral. Existem diferentes leituras do fendmeno moral, 2.8 ica das era do ser IIL.2.1. Sécrates: a exceléncia humana se revela pela atitude de busca da verdade Isso significa abandonar_atitudes dogmiéticas ¢ céticas e assumir a atitude critica que 86 se deixa convencer pelo melhor argumento, A verdade habita no fundo de nés mesmos ¢ podemos atingi-la pela introspeccio e 0 didlogo. Embora a verdade encontrada pelo método maiéutico (parto de idéias) é sempre proviséria, ela é um achado que ultrapassa simplesmente as fronteiras da comunidade que se vive Socrates professa o intelectualismo moral, pois quem conhece 0 bem sente-se impelido a agir bem e quem age mal porque é um ignorante. 11.2.2. Platao: propée uma utopia moral no livro A Repiiblica, O Estado perfeito & constituido por diversos estamentos com fungées determinadas: a) os governantes tem a fungdo de administrar, vigiar ¢ organizar a cidade; b) os guardifes ¢ os defensores militares), de defender a cidade; c) os produtores (camponeses, artesios), desenvolver as atividades econdmicas. Cada estamento tem uma virtude especifica: a) os governantes realizam sua tarefa pela prudéncia e sabedoria; b) os guardies pela fortaleza ou coragem; c) os produtores, pela modera¢io ou temperanca. Estes trés estamentos correspondem as trés espécies ou dimensdes da alma: a) a racional que é 0 elemento superior ¢ excelso dotada de autonomia e de vida propria, caracterizando-se pela capacidade de raciocinar; b) alma irascivel que é a sede da decisao ¢ da coragem nos quais predomina a vontade, fundamentando-se na forga interior colocada em agao quando existe conflito entre os instintos ¢ a razao; ¢) apetite ou parte concupiscivel que corresponde aos desejos e as paixdes. A virtude correspondente da alma racional € a prudéncia e a sabedoria; da alma irascivel é a fortaleza e o valor, da parte concupiscivel do apetite, a virtude da moderacio. A virtude da justiga harmoniza as diferentes virtudes tanto na cidade quanto na alma, 11.2.3. Aristateles: F 0 primeiro fil6sofo a elaborar tratados sistemdticos de ética como a Etica a Nicémaco. Ele se pergunta “Qual é o fim wltimo de todas as atividades humanas?” Este fim nao pode ser outro que a eudaimonia (felicidade como auto-tealizagao), a vida boa ¢ feliz. A partir daf investiga o que é a felicidade. a) Ela deve ser um bem perfeito que se busca por si mesmo € nao com meio para outra coisa; b) o fim tiltimo deve ser auto-suficiente, desejével por si mesmo © que possuindo-o nao deseje outra coisa; c) deve consistir em alguma atividade peculiar de cumho excelente. Qual é essa atividade? A felicidade perfeita para o ser humano reside no exercicio da inteligéncia teérica, isto é, a contemplagao € compreensio dos conhecimentos. Mas esse nao € nico caminho, pois também se pode ter acesso a felicidade pelo exercicio do entendimento prético que consiste em dominar as paixdes e conseguir uma relagao amavel ¢ satisfatéria com o mundo natural ¢ social. Nesta tarefa, o ser humano tem a ajuda das virtudes capitaneadas pela prudéncia (sabedoria pratica) que permite obter 0 equilfbrio entre o excesso ¢ a falta ¢ é a guia de todas outras virtudes. Por exemplo, a virtude da coragem € 0 equilfbrio entre a covardia ¢ a temeridade, Mas uma pessoa virtuosa precisa viver numa sociedade regida por boas leis, porque o logos nao s6 nos capacita para a vida intelectual teérica ¢ a vida pessoal pritica, mas também para a vida social, pois a ética nao pode desvincular-se da politica I1.24, Eticas do perfodo helenista: Destruida a confianga na polis, 0 sébio sera aquele que vive de acordo com a natureza, Mas epicuristas e estdicos divergem quanto maneira de entender o conceito de natureza e, por isso, também nao esto de acordo sobre o ideal do ser humano sabio. Epicurismo é uma ética hedonista, isto é uma explicagio da moral como busca de felicidade entendida como prazer, como satisfagio de cardter sensivel. Essa escola foi fundada por Epicuro de Samos (341-270 A.C), Para ele, 0 sabio € aquele que for capaz de calcular corretamente quais atividades proporcionam maior prazer e menor sofrimento, Trata-se de calcular a intensidade ¢ a duragao dos prazeres. Portanto as duas condig6es para saber ser sabio e feliz so prazer € 0 entendimento reflexivo para ponderat estes prazetes. Estoicismo agrupa um grupo de autores gregos e romanos. Zendo de Citio é 0 fundador, mas teve como protagonistas a Posidénio, Séneca, Epicteto e o imperador romano Marco Aurélio. Eles indagaram pela ordem do universo como orientagio para © comportamento humano. Para eles deve existir uma razao primeira, comum, que é, ao mesmo tempo, a lei do universo. A razdo césmica € a lei universal a qual tudo esta submetido, Esta razao césmica € o logos providente que cuida de tudo, Sabio € aquele que vive segundo esta lei universal do cosmo. Esta atitude cria liberdade interior quanto aquilo que depende de nés ¢ imperturbalidade quanto a0 exterior que nio depende de nés, mas segue uma lei universal previdente, 1125. As Fticas medievais: Os conteddos da moral antiga serio reelaborados tendo como referéncia a matriz judaico-crista. Agostinho de Tagaste: Para cle, os fildsofos gregos estavam certos ao afirmar que a moral deve ajudar a conseguir uma vida feliz, mas eles nfo souberam encontrar a chave da felicidade humana que se encontta no encontro amoroso com Deus Pai. A felicidade nao esté em conhecer como pensavam os gregos, mas em amar, em desfrutar de uma relago amorosa com quem nos criou como seres livres. A moral & necesséria, porque precisamos encontrar o caminho de volta para a Cidade de Deus dda qual nos extraviamos por ceder as tentagdes egoistas. Para nos libertar do pecado, Deus nos enviow uma ajuda decisiva, a sabedoria encarnada que é 0 proprio Jesus Cristo que, pelos seus ensinamentos e pela sua graga, nos reconduz de volta a Cidade de Deus. ‘Tomés de Aquino: Ele tenta conciliar as principais contribuigdes de Arist6teles com a revelagdo judaico-crista contida na Biblia. Da prosseguimento as éticas eudaimonistas numa perspectiva teoldgica, Para Tomés, a felicidade perfeita est em contemplar a verdade que se identifica com o proprio Deus. Esta verdade divina identifica-se com a lei eterna que rege providencialmente o universo e se expressa nos contetidos da lei natural. Esta lei contém o primeito principio imperative: “Faze 0 bem e evite 0 mal”. Mas em que consiste o bem ¢ o mal? Em primeiro lugar nos ditames da Recta ratio, porque ela é a propria lei natural no ser humano. Em segundo lugar identifica-se com as inclinagdes naturais que a lei divina colocow na natureza humana, A sindérese, uma espécie de consciéncia moral fundamental, é a intuigao ou © hébito que contem os preceitos da lei natural, A aplicagao destes preceitos as circunstincias concretas de cada ago particular acontece no juizo formulado pela consciéncia situada. A aplicagao ndo pode ser mecénica, mas criativa ¢ razodvel. Aqui entra o papel das virtudes, principalmente a virtude intelectual da prudéncia ¢ a 10 virtude teoldgica da caridade que s4o os habitos operativos do bem para encontrar a agdo adequada & pessoa ¢ ao contexto. eas da era da “conseiéncia”: A partir dos séculos XVI ¢ XVII a moral entra numa nova etapa. A revolugio cientifica, as guerras de religiéo, a crise cultural fazem centrar a moral na consciéncia, © sentimento moral: Hume. Ele compreende 2 raz30 ou 0 entendimento como uma faculdade exclusivamente cognoscitiva, cujo Ambito termina onde deixa de existir a questo da verdade ou da falsidade de juizos, os quais s6 podem ser referidos ao ambito da experiéncia sensivel. A moralidade é alheia & experiéncia sensivel que diz respeito a fatos, enquanto que a moral esti referida a sentimentos subjetivos de agrado ou desagrado. 0 papel da razio no terreno moral conceme unicamente a0 conhecimento do dado, mas € totalmente insuficiente para produzir efeitos priticos. Hume delega as fungées morais a outras faculdades menos importantes que a razao, as paixdes ¢ 0 sentimento. raziio ndo esté encarregada de estabelecer juizos morais. Para ele, as agdes morais se produzem em vittude das paixdes orientadas pata atingir fins propostos nao pela razio, mas pelo sentiment. Nesse sentido, a bondade e a maldade das agdes dependem dos sentimentos de agrado ou desagrado que provocam em nés. Por isso, o fundamento das normas ¢ dos juizos morais é a utilidade ¢ a simpatia. Hume critica também quem quer extrair jutzos morais de juizos ffcticos, concluindo um “deve” a partir de um “é”. Ele chama esta atitude de faldcia naturalist 1IL.3.2 A ética formal de Kant. Ele parte de uma distingao tipica em Aristételes: 0 Ambito teérico que trata do que corte de fato no mundo ¢ o Ambito pritico que corresponde ao que ocorre por vontade livre dos seres humanos. No ambito prético, ponto de partida é um fato de razio: os seres humanos tém consciéncia de comandos que eles experimentam como incondicionados, isto é como dever ou imperatives categéticos. Aqui existe uma virada copernicana, pois o ponto de partida da ética nio € mais 0 bem que desejamos como criaturas naturais (a felicidade), mas o dever que reconhecemos como criaturas racionais. Isto significa que o dever nao é dedutivel do bem, mas o bem especifico da moral é 0 cumprimento do dever. Os imperativos categéricos sio aqueles que mandam incondicionalmente, Esto a servigo de um valor absoluto que so as pessoas, Dizem respeito & moral. Os imperativos hipotéticos dependem de uma condigao: “se voeé quer x, entido fara y”. Os imperativos categéricos sio uma experiéncia da vida cotidiana de convivéncia entre pessoas. A missio da ética € descobrir as caracteristicas formais que (ais imperativos devem ter pa que exista neles a forma da razao e, portanto, sejam normas morais. Essas caracteristicas, expressas em maéximas, so as seguintes: a) universalidade “Aja de tal maneira que o teu agir possa ser lei universal”, b) referit-se aos seres humanos como fins em si mesmo: “Aja de tal maneira que voeé trate a humanidade tanto em ti como em qualquer outro, sempre come um fim em si mesmo e nunca apenas u * c) valer para uma legislag%o universal em um reino de fins: “Aja por ‘mdximas de um membro legislador universal em um possivel reino dos fins ‘A chave para comandos morais auténticos & que possam ser pensados como se fossem leis universalmente cumpridas sem que isso implique em nenhuma incoeréncia, Em outras palavras, a0 obedecer a estes comandos se esti obedecendo a sua propria consciéncia autGnoma. Essa liberdade como autonomia é a razo de reconhecer aos seres humanos um valor absoluto. Esse € 0 sentido de os seres humanos nao terem prego, mas dignidade, porque nao podem ser trocados por algo equivalente. Assim a liberdade toma-se um postulado da razdo pratica, isto 6, um postulado que nio procede da ciéncia, mas é compativel com o que ela nos ensina. Somos capazes de decidir por nés mesmos, autonomamente, nao levados pelos instintos biol6gicos, as, forgas sociais ¢ os condicionamentos. Cada pessoa tem 0 poder da soberania racional sobre si mesmo. Por isso © proprio da moral € uma boa vontade, ou seja, a disposicao permanente de conduzir a prépria vida obedecendo a imperativos categéricos € nao as tendéncias da natureza, Portanto o bem moral ndo reside na felicidade como defendiam as éticas tradicionais, mas em conduzir-se com autonomia, construir corretamente a propria vida, Mas o bem supremo nio se identifica simplesmente com o bem moral. Ele s6 pode ser alcangado com a uniao entre o bem moral (possivel pela boa vontade autonoma) © a felicidade que aspiramos por natureza, Mas a razio humana nao oferece nenhuma garantia de que se possa alcangar este bem supremo. A tinica que pode fazer isso é a {6 religiosa. Assim a existéncia de Deus é um outro postulado da razio que ndo se pode provar como também a imortalidade da alma como seu correlato. 113.3. A ética material dos valores: Scheler. No inicio do século XX, Scheler opde-se a Kant na sua obra O formalismo na ética e a ética material dos valores. Ele critica a existéncia de apenas duas faculdades: a razio pela qual se atinge a universalidade © a incondicionalidade (a priori) © a sensibilidade que capacita a conhecimentos particulares ¢ condicionados (a posteriori) Scheler propde uma terceira faculdade que € a “intuigdo emocional” que tealiza atos nao dependentes do pensamento racional nem da sensibilidade, mas que alcangam o estatuto do conhecimento a priori, caracteristico do conhecimento moral. Scheler defende 0 abandono da identifica¢ao kantiana do a priori incondicional com a racionalidade ¢ do ‘material com a sensibilidade, Por isso conjuga a formalidade da ética com a materialidade dos valores a) Nao se pode perguntar o que sao os valores, porque eles ndo sdo, mas valem ou pretendem valer. Dizer que nao so nao significa que sao ficgGes, mas que se identificam com as maneiras de ser das coisas. b) Também nao é correto identificar os valores com 0 agradavel ou 0 desejavel, que sio realidades variéveis em sua intensidade, enquanto que © valioso nao depende de oscilagdes, nem com o til, pois mesmo sendo eis, os valores nio se esgotam na utilidade, pois eles sao um tipo. c) Os valores sto qualidades dotadas de contetido, independentes tanto de nossos estados de espitito subjetivos como das coisas, as quais so bens portadores de qualidade (valor) que o sujeito dotado de intuicao emocional capta 12 Scheler afirma uma cincia pura dos valores (axiologia pura) que se custenta em tués principios: 1) Todos os valores sio negativos ou positives; 2) Valor e dever estio relacionados; 3) Nossa preferéncia por um valor ¢ ndo por outro verifica-se porque nossa intuigo emocional (estimativa moral) capta os valores ja hierarquizados, 11.3.4. 0 utilitarismo. Trata-se de uma versio renovada anglo-saxGnica do hedonismo elissico, mas com ‘uma perspectiva social. Procura conjugar a busea do prazer com os sentimentos sociais, entre os quais, a simpatia que faz perceber que os outros também desejam alcangar 0 prazer. O objetivo da moral volta a ser a felicidade identificada com o maior prazer para (© maior miimero de seres vivos. E necessério optar pela agdo que proporcione a maior felicidade 20 maior niimero. Quem primeiro formulou esse principio foi o jurista Cesare Beccaria, mas os cléssicos do utilitatismo foram Jeremy Bentham (1748-1832), John Stuart Mill (1806- 1876) e Henry Sigdwick (1838-1900). Bentham prope uma aritmética dos prazeres, pois eles podem ser medidos e comparados. Mill rejeita essa idéia, dizendo que os prazeres no so uma questio de quantidade, mas de qualidade, de modo que existem prazeres superiores ¢ inferiotes, sendo preferiveis os prazeres intelectuais © morais. Mill supervaloriza os sentimentos sociais como fonte de prazer Nas ttimas décadas apareceu a distingao entre “utilitarismo do ato” que julga os diferentes atos pelas conseqiiéncias previsiveis ¢ 0 “utilitarismo da norma” que defende que € necessario ajustar as agGes As regras habituais que ja mostraram sua utilidade geral pelas conseqtiéncias. I1L.3.5 Eticas do movimento socialista. No inicio do século XIX, Saint-Simon, Owen e Fourier, defensores do socialismo utdpico, denunciaram as condigées de miséria da classe opersria, apelando a consciéncia moral de todas as pessoas propondo reformas profundas na maneira de organizar a economia, a politica ¢ a educagio. Para chegar a uma sociedade justa € préspera é necessétio aproveitar os avangos da técnica e eliminar as desigualdades sociais. Insistem em abolir ou ao menos restringir a propriedade privada dos meios de produgao, mas nao aceitam a rebelio violenta, Reivindicam 0 didlogo social eo testemunho moral de experiéncias justas ¢, sobretudo, a necessidade de uma educacdo justa. Os socialistas libertérios (Proudhon, Bakunin, Kropotkin, Malatesta, Abade de Santillén) opuseram-se aos socialistas ut6picos, defendendo o anarquismo cuja tese principal é a aboligZo do estado. E necessétio abolir todo tipo de opressio e explorago cuja fonte € 0 estado, Defendem uma sociedade solidéria, autogestionada e federalista, ‘O marxismo quer superar tanto 0 socialismo ut6pico como 0 andrquico, propondo uum socialismo cientifico (Materialismo dialético ¢ historico). Apesar de que Marx nio quis propor uma ética, 0 seu legado principal € moral pela sua provocagao em pro! da justiga, Marxismo prega um progresso moral dependente da superagio das contradigdes sociais e a mudanga das condigdes histéricas. Identifica os interesses morais com os interesses objetivos e sociais. As dificuldades do materialismo, professado pelo marxismo, sio tanto 0 postulado da necessidade mecanicista da evolugdo histérica que impede a liberdade como o modo de acesso & verdade moral pregado pelo materialismo dialético. TIL4 Eticas da era da linguagem TIL4.1. A desconstrugo da moral: Nietzsche Nietzsche faz um estudo histérico € psicolégico da moral, abordando, ao mesmo tempo, uma critica da linguagem moral, tendo como base uma histéria dos conceitos morais, Para ele, existem trés perfodos da histéria humana: pré-moral, moral ¢ extra ‘moral, dependendo de que as ages sio julgadas pelas consequéncias, pela procedéncia {inteng0) ou pelo nao-intencionado. Para Nietzsche, 0 dltimo é o decisivo para avaliar as, ages, significando uma auto-superacao da moral. Tendo presente essa intuicao, ele segue (© método da suspeita em sua genealogia moral, relativizando © caréter absoluto dos valores morais. Assim 0 moral nasce do imoral ou do extra-moral: a vontade poténcia. Moral identifica-se com o imoral, 0 que promove a vontade poténcia dos individuos. A moral européia e principalmente o cristianismo alimentaram o instinto de rebanho, o ressentimento nos medjocres para que a vontade de poténcia nio triunfasse. O cristianismo continuou a rebelido dos escravos, a vit6ria dos plebeus contra os nobres & contra o dominio dos valores nobres. Com essa moral, o animal ¢ © instinto brutal que existe no ser humano continua a atuar, pois, sentindo-se inibido em sua vontade poténcia, vinga-se eriando a m4 consciéncia e a culpa Nietzsche afasta-se de todas as propostas anteriores de moral a0 opor-se & interpretagao teleol6gica (finalista) de toda atividade pritica do ser humano: a) Dissolve a fendmeno da intencionalidade prética em proceso fisioldgico-quimico; b) Rejeita a fé na liberdade da vontade, pois tudo provém dos instintos naturais; c) Nega qualquer teleologia, pois nao somos donos de nossas ages ¢ por isso no podemos conferit-Ihe fins. Assim, a necessidade e o determinismo dominam 0 mundo ¢ a tinica saida 6 0 fatalismo: o destino no sentido da condicionalidade vital. Essa reflexao leva 20 nticleo do pensamento nictzscheano: © eterno retorno do mesmo. Assim 0 eterno retomo toma-se ‘um prinefpio prético supremo. Nao é ficil entender o significado moral do eterno retorno E necessério conjuga-lo com a vontade poténcia, Assim é preciso conjugar o fatalismo do eterno retomo e a autonomia da vontade poténcia ‘Com a vontade poténcia existe uma reabilitagao da individualidade na construcao da vida, significando autarquia, a coincidéncia entre o querer € o poder, entre o ter € 0 ser que se identifica com a suprema auto-realizagio, Assim o vigor substitui a virtude. A liberdade do individuo € colocada no centro e tem o direito de se afitmar diante de todas as exigéncias morais, ‘A justiga consistird em dar a cada um, 0 que é seu, pondo cada coisa sob uma nova luz. Esta justica da vontade poténcia supera a idéia de moral do dever, ou seja, querer sobrepor-se & outra individualidade com uma pretensio universal. Justica é querer realizar a individualidade de cada um e deixar cada um ser ele mesmo. Trata-se da justiga absolutéria que reconhece cada individualidade sob nova luz. E 0 reconhecimento da diferenga de cada um. Isso s6 6 possivel abolindo a moral do dever que se impde aos outros como algo universal. Moral no é seguir normas por dever, mas reconhecer os outros em seu ser individual. Entio comeca a verdade, Isso significa transformar a ética 14 em estética da vida. Nio existe uma fundamentagdo ética da vida, mas antes uma jusificagdo estética da existéncia. 11.4.2. Emotivismo Desde o final do século XIX, a linguagem toma-se principal centro de interesse da filosofia ¢ da ética em especial. O primeiro pensador que faz eco dessa virada foi G. E. Moore com a sua obra Principia Ethica (1903). Esclatece as questoes fundamentais da Gtica, analisando a linguagem moral, principalmente © termo “bom”, gerador de muita confuséo. O “bom” s6 pode ser apreendido por uma intui¢ao pois é uma nocio indefinivel, nao sendo demonstravel. ‘A posigdo de Moore foi definida de intuicionista. Ela apresenta duas dificuldades: a) nao explica o fato da argumentagdo moral que ocorre apesar do intuicionismo; b) nao explica porque os termos morais impelem a agir. O emotivismo do século XX foi uma resposta a essas dificuldades. ‘0 emotivismo de A. J. Ayer e Ch. L. Stevenson afirma que os enunciados morais so enunciados aparentes, pois nao inserem nenbuma comprovagio, expressam apenas aprovagio ou desaprovagio. Esses pseudo-enunciados tém uma dupla fungio: a) expressam emogdes subjetivas ou sentimentos; b) influenciam os interlocutores com a pretensio de que adotem a atitude aprovada, Portanto, nao pretendem descrever ituagdes, mas provocar atitudes. mm. Prescritivismo Iniciado por R. M. Hate com a sua obra A linguagem da moral (1952) afirma contra 0 emotivismo que alguns termos morais tém validade universal, A linguagem ‘moral € uma linguagem valorativa para a qual interessa no tanto o que se consegue com la, mas 0 que fazemos, quando a empregamos, dada a diferenga em relagdo 8 linguagem da propaganda. a) A primeira caracteristica da linguagem valorativa & que prescreve uma conduta com base a razes originadas do assunto do qual trata, podendo ser expressa por meio da linguagem descritiva, b) Essa conexao entre enunciados valorativos e desctitivos & denominada de superveniéncia, dependendo do que os interlocutores consideram como bom. c) Outra caracteristica dos enunciados morais é o fato de serem universalizdveis, significando duas coisas: se algo é bom, entao tudo que tem as mesmas caracteristicas também deve set bom; a razao que justifica que algo é bom, justifica também a obrigagio para todas pessoas nas mesmas circunstancias. Isso leva ao prinefpio da imparcialidade de todo juizo moral que se identifica com a objetividade. mm. 0 formalismo dialégico: as éticas procedimentais John Rawls: a justiga como imparcialidade. No livro Uma teoria da justica (1970), Rawls propde uma definigao dos princfpios morais basicos da justiga como se fssem o produto de um hipotético acordo tundnime entre pessoas iguais ¢ racionais que se achassem numa situagio especial, chamada por ele, de posigao original, na qual poriam entre paréntese os seus interesses particulates, tendo toda informagao geral necesséria para adotar principios de justica 1s adequados & convivéncia social atual. Assim se chegaria a convicgies basicas que todos compartilham. Tais conviegdes configuram o “senso comum” em questdes morais, Na escolha destes principios bésicos de justica possibilitados pela posiga0 original, Rawls propée que imaginemos pessoas afetadas por um véu de ignorncia que as impede de conhecer as suas préprias caracteristicas naturais ¢ sociais, isto é descomhecem 0s tragos fisicos, psicol6gicos ¢ sociais, as crencas ¢ projeto de vida que terdo. Além disso, nio sto capazes de dominar ou coibir uns aos outros ¢ detém amplos conhecimentos getais necessérios. Nessa situagao ideal e originétia, eles adotariam os seguintes prineipios: 1) Toda pessoa tem direito a um esquema plenamente adequado de liberdades iguais compativel com um esquema similar de liberdade para os outros (principio de liberdades iguais); 2) As inevitaveis desigualdades econdmicas e sociais tém que satisfazer duas condigdes para serem aceitas: a) elas devem estar associadas a cargos ¢ posigGes abertas a todos em condigdes de eqtitativa igualdade de oportunidades (principio de justa igualdade de ‘oportunidades), b) devem obter o maximo beneficio aos membros menos privilegiados (principio de diferenga) A ética do discurso: Habermas e Appel Nascida na década de 70, ela pretende encamat na sociedade os valores da liberdade, da justiga e da solidariedade por meio do diélogo como tinico procedimento capar. de respeitar tanto a individualidade das pessoas como a sua dimensio solidéria, Nao qualquer dislogo ajudaré a distinguir o socialmente vigente ¢ 0 moralmente vilido. Por isso a ética do discurso tentaré mostrar como funciona o procedimento dialégico. ‘A Etica do discurso contempla duas partes: fundamentago do principio ético ¢ a @tica aplicada Kant assume como ponto de partida 0 fato racional da consciéncia do dever, a Atica discursiva procura descobrir os pressupostos que tornam racional a argumentagao. Qualquer pessoa que queira argumentar seriamente sobre normas morais deve pressupor: ) que todos os seres capazes de se comunicar sio interlocutores vilidos, ou seja, pessoas ¢, portanto, quando se discutem normas que as afetam, seus interesses devem ser Ievados em consideragao; (2) que nem todo didlogo permite descobrir qual norma & correta, mas s6 aquele que respeita certas regras que definem as condigdes de simetria entre os interlocutores; (3) que, para comprovar se uma norma é correla, € preciso aler-se a dois prinefpios: a) 0 principio de universalizagdo: quando todos os afetados pela norma possam aceitar as conseqiléncias € os efeitos dela; b) principio da ética do discurso: s6 podem ter validade as notmas aceitas por todas todos os afetados como participantes de tum discurso pratico, Portanto, a meta da negociagdo € © pacto dos interesses particulares (racionalidade instrumental); a meta do didlogo € a satisfagio de interesses universalizéveis (racionalidade comunicativa). A ética do discurso esta fundada na racionalidade comunicativa Esta fundamentagao € o discurso ideal que serve de idéia reguladora, ow seja, meta para os didlogos reais e um critério para criticé-los, quando nao se ajustam a esse ideal. Por isso, urge, na esfera da vida social, a idéia de que todos sao interlocutores validos, levados em conta para que possam patticipar do didlogo em condigées de 16 simettia, sendo que as decisdes vilidas néo so aquelas fruto da maioria numérica, mas as que todos podem se reconhecer. 111.45. Comunitarismo. Difundiu-se no mundo anglo-saxio, desde a década de 80, como uma reagio as conseqtiéncias individualistas da ética do liberalismo. Os autores mais importantes so A. Macintyre, Ch. Taylor, M. Sandel, M, Walzer, B. Barber. Eles tém as suas diferengas, ‘mas se unem nas criticas ao individualismo contemporaneo e na insisténcia nos vinculos comunitérios como fonte de identidade pessoal. © comunitarismo € uma réplica aos efeitos indesejéveis do liberalismo: individualismo nao-solidério, desapego afetivo, desvalorizagao dos lagos inter-pessoais, petda identidade cultural, Muitas dessas criticas dos comunitaristas foram aceitas pelo liberalismo. Um exemplo é 0 caso da teoria da justiga de Rawls. Segundo Walzer, os comunitaristas apresentam dois principais argumentos contra o liberalismo: 1) consagra um modelo associal de sociedade, pois compreende a sociedade como um ajuntamento de individuos radicalmente isolados, egoistas racionais ¢ divididos em direitos inaliendveis; 2) a teoria liberal desfigura a vida real, pois 0 mundo nao € assim como pregam os liberais, individuos desvinculados. de qualquer lago social, literalmente sem compromissos. primeiro argumento é consistente, a0 menos, nas sociedades ocidentais, onde os individuos se separam sempre mais pela mobilidade geogréfica, social, matrimonial ¢ politica. © liberalismo seria um respaldo deste fato sociocultural da mobilidade. O segundo também é verdadeiro, porque certos vinculos permanecem apesar da mobilidade, Mas o comunitarismo esquece que a tradigao liberal utiliza o vocabulério dos direitos individuais como uma reagio a opressio do social. Nesse sentido, para Walzer, o liberalism é uma doutrina auto-subversiva, por engendrar conseqiiéncias negativas, exigindo periodicamente a corregdo comunitarista, Nenhum dos dois modelos tem atrativo por si mesmo, Um serve de corretive ao outro. Por isso, € necessétio evitar extremismos: (1) certas verses do liberalismo apresentam tum individu sem compromissos com a communidade como se fosse possivel uma identidade pessoal sem lagos comunitirios; (2) 0 outro extremo sio certos tipos de coletivismos veiculados a) ou por posigdes etnocéntricas que absolutizam uma comunidade cultural particular b) ou por posigies coletivistas que consagram determinada visio excludente do mundo social e politico. IV. AS CLASSIFICACOES ETICAS IV.1. ClassificagGes éticas como estruturas Iégicas da agio moral ‘A vatiedade de enfoques na ética tem sua origem na diversidade dos métodos filoséficos empregados para entender 0 fendmeno moral ou pela contraposigao a teorias Gticas anteriores. Desses confrontos surgem varias classificagdes. Respondem a diversos modos légicos de entender 0 moral, destacando mais um aspecto do fendmeno moral. Por 7 isso, cada uma delas, corresponde a uma vertente do fendmeno total da moralidade. As classificagdes ajudam a se aproximar da logica da ago moral. IV.2. Descrigao ou prescri¢ao como fundamento classificatério. Durante algumas décadas csteve difundida a classificagdo entre éticas normativas ¢ descritivas. Alguns filésofos morais descrevem como as pessoas se comportam de fato em relagio a assuntos morais, outros apontam para © modo como as pessoas devem comportar-se. O primeiro considera a moral como um fendmeno a ser descrito e explicado e 0 segundo como um conteddo a ser recomendado. Hoje essa distingdo 6 criticada, porque a dimensdo normativa faz. essencialmente parte da moral, embora diferentemente sob o ponto de vista cotidiano imediato ou sobre a perspectiva da filosofia moral que explica ¢ fundamenta o fenémeno moral. IV.3. Eticas naturalistas e ndo-naturalistas Esta lassificagao foi proposta por Moore com o objetivo de mostrar que a moral nio se identifica com fendmenos naturais que afetam a vida humana, Daf que éticas que reduzem a moral ao prazeroso ou a busca da felicidade seriam naturalistas, enquanto que aquelas que concebem a moral como um Ambito auténomo, irredutfvel a outros fendmenos, seriam éticas nao naturalistas, IV.4. Fticas cognitivistas ¢ nao-cognitivistas Diz respeito & possibilidade de cnunciados morais suscetiveis de verdade ou falsidade. Assim as primeiras consideram a moral como mais um Ambito do conhecimento cujos enunciados podem ser vetdadeiros ou falsos. As nio-cognitivistas negam que se possa falar de verdade ow falsidade com respeito & moral, concebendo-a como algo alheio ao conhecimento, Hoje 0 cognitivismo moral aparece sob outra forma em que a questio nao é a verdade ou falsidade de enunciados morais, mas a possibilidade de argumentar racionalmente para chegar a normas morais. A questo nao é légica, mas, dial6gica. Este € 0 caso da ética do discurso. Eticas de motivos e éticas de fins ‘Ambas encaram a natureza humana como uma pauta para a conduta, mas chegam a cla por caminhos diferentes. A ética de motivos realiza a investigago empitica das causas das agdes. Pretende ver quais motivos efetivamente determinam a conduta hhumana, © bem ou o fim moral responde a aspiragoes afetivas. Desta vertente € 0 epicurismo ¢ o utilitarismo. © problema desta ética € 0 subjetivismo dos motives como fundamentacéo da moral. A ética dos fins supera este problema, investigando nao tanto 0 que motiva, mas em que consiste o aperfeigoamento ¢ a plenitude humana, porque nisto reside o bem do ser humano. Assim 0 acesso & natureza nao € empirico, como 6 0 caso da primeira, mas tentara chegar & esséncia do ser humano, Nesta linha estao os gregos € 05 medievais, © positive € a sua objetividade, mas o problema sio as diferentes interpretagoes da esséncia humana Ws IV.6. Bticas de bens e de fins [As éticas de bens consideram que o bem moral consiste na realizagio de um fim subjetivo, isto & na obtencio de um bem desejado. Algumas priorizam 0 conjunto dos 18 bens sensiveis, outras fazem uma selegio. As éticas de fins defendem que 0 bem moral reside no cumprimento de um fim objetivo independente do desejo do sujeito, Este fim pode ser 0 aperfeigoamento do individuo ou da sociedade. Eticas materiais e éticas formais A classificagdo procede de Kant. As éticas materiais afirmam que 0 critério de moralidade para avaliar ages, so 0s enunciados com conteddo, pois existem bens e valores moralmente determinados. Aqui o fundamento da moral € definido pela ontologia, teologia, sociologia ou psicologia empitica, mas nao a partir da propria moralidade. A fundamentagio proposta por Kant foi uma revolugdo em relagao a esse modo de fundar a moral, pois aposta na autonomia ¢ nio na heteronomia, As éticas formais dizem que o bem moral nao depende de um contetdo, mas da forma de alguns comandos. Normas que assumem determinada forma sao validas, porque assumem a forma da razio. Essa forma evidencia-se quando se adota a perspectiva da igualdade (em um mundo de pessoas empiricamente desiguais) € da universalidade (em um mundo com individuos, dotadas de preferéncias subjetivas). A vontade que adota essas perspectivas atua autonomamente, racionalmente ¢ humanamente, pois cria um ‘mundo humano (moral, juridico, politico, religioso) em meio a um mundo empirico. Ela é abase da moralidade. IV.8. fticas substancialistas e procedimentalistas As éticas procedimentais (Habermas, Appel, Kohlberg) seguem o formalismo de Kant, substituindo alguns elementos criticéveis, Defendem que a ética nao tem como tarefa recomendar contetidos morais concretos, mas apenas descobrir procedimentos que possam legitimar ou deslegitimar normas procedentes da vida cotidiana. O procedimento basico é a racionalidade prética no sentido Kkantiano, isto é, 0 ponto de vista de uma vontade racional universalizével. O que a razio propde como obrigatério ndo pode identificar-se com o que de fato se deseja ou o que subjetivamente convém, mas o que qualquer pessoa desejaria adotar na perspectiva da igualdade e da universalidade, porque este é 0 ponto de vista moral ‘Uma limitagao do formalismo kantiano era a concepsio monolégica da razio. Os procedimentalistas propdem uma visio dialégica da razdo. Isso aparece na ética de Rawls, na ética do discurso ¢ na teoria de Kohlberg, As éticas substancialistas afirmam que € impossivel falar de normas sem ter como pano de fundo uma concepeao partilhada do que é uma vida moralmente boa. Para eles, a principal questo, no Ambito da moral, no s4o as normas morais justas, mas os fins, os bens, as virtudes comunitariamente vividos num contexto vital concreto. Eles criticam os procedimentalistas por no serem capazes de criar lagos de coesao social ¢ de terem uma visio abstrata € vazia. IV.9. Eticas teleolégicas e deontolégicas ‘Alguns distinguem entre éticas que prestam atengio as conseqiiéncias identificadas com as teleol6gicas (teleos designa em grego o fim), ¢ éticas que nao as levam em consideragio, pois estio centradas no dever, sendo denominadas de 19 deontolégicas (dedn em grego é dever). Mas essa distingio ndo ¢ mais ttl, porque nenhuma teoria ética hoje desconsidera as consequéncias. Seguindo Frankena, Rawls propée outra definigao mais adequada. Fricas teleol6gicas ocupam-se em discemnir © que 0 bem nao moral antes de determinar 0 dever, considerando moralmente boa a maximizagio do bem nio moral. Eticas deontolégicas definem 0 ambito do dever antes de se ocupar do bem, s6 considerando bom o que é adequado ao dever. IV.10. Eticas da intengao ¢ éticas da responsabilidade A distingZo foi introduzida por Max Weber no seu trabalho sobre a Politica como vocagao. Para 0 politico apresentam-se duas atitudes possiveis: seguir a 4tica absoluta incondicionada ou a ética da responsabilidade. Para a primeira, importam a convicgio interna, a pureza de intengio, a corre¢do da religifo. A segunda, ao contritio, atende aos efeitos das agdes pelos quais assume a responsabilidade. 0 eticista da convicgao ou da intengao fundamenta a sua ag40 na convicgao do racionalismo césmico-ético. O eticista da responsabilidade se apdia na justificagao dos meios pelo fim. O principal defeito da ética da intengio é 0 mal nio desejado como conseqiiéncia da agio bem intencionada, enquanto que o da ética da responsabilidade é 0 mal aceito como meio para o fim, Weber propde que as duas devem complementar-se. TV.11 Eticas de maximos e éticas de minimos ‘Muitos autores propdem a distingdo entre 0 justo ¢ 0 bom dentro do fendmeno global da moralidade. Os dois se complementam, pois nao posso definir 0 justo sem ter alguma idéia de vida boa, nem posso esbogar um ideal de felicidade sem considerar os elementos da justiga, Apesar disso € importante distingui-los, porque justo € aquilo que é exigivel de todos, tendo presente interesses universalizveis. A justiga refere-se a0 que é exigivel no fendmeno moral, além de ser exigivel para qualquer ser racional que queira pensar moralmente. Portanto justo é aquilo que satisfaz os interesses universalizveis, atingidos por um dilogo entre todos os afetados em condigdes de simetria ‘Ao contritio, quando falamos que algo é bom ou que proporciona felicidade néo podemos exigit que qualquer ser racional o considere como bom, porque essa é uma ‘opeao subjetiva, Por isso ganha espago hoje a distingao entre éticas de minimos (éticas da justiga) ¢ éticas de méximos (éticas de felicidade). As primeiras ocupam-se da dimensio universalizavel do fendmeno moral, isto é, daqueles deveres exigiveis de qualquer ser racional, identificadas com as exigéncias minimas. As éticas de felicidade oferecem ideais de vida boa, possiveis de hierarquizagao, para atingir a maior felicidade, Trata-se de éticas de méximos que aconselham modelos morais que dependem de uma opgi0 subjetiva, ndo sendo exigiveis para qualquer ser racional. Nesse campo existe um pluralismo axiolégico de modelos (axios = valor). V. ARGUMENTAGAO MORAL E FUNDAMENTACAO ETICA v.1. A linguagem moral (Os juizos morais empregam a linguagem emocional, a linguagem religiosa ou a linguagem factual das ciéncias empiticas. Expressées morais constituem um discurso 20 especifico diferente de qualquer outro? Como diferenciar 0 discurso moral dos outros discursos? Essa preocupagdo é fruto da virada lingUistica que acontece na filosofia © atingiu também a moral, © ponto de partida da reflexao filoséfica nao € mais o ser nem a consciéncia, mas o fato lingifstico V.1.1. As trés dimensoes das expressies lingitisticas. 1) Dimensdo sintatica: tefere-se & relagio entre uma expresso ¢ as outras expressées num mesmo sistema linglistico, Trata-se das regras sintéticas que estabelecem como uma expressio deve ser construida para que seja aceitével numa determinada lingua ou c6digo lingitistico. A construgio sintética correta é uma condicio indispensdvel para uma comunicagao fluida entre falantes. Para que uma expressio tenha valor intersubjetivo deve respeitar regras sintiticas. 2) Dimensao seméntica: evidencia que em toda linguagem natural se estabelecem certas telagdes entre os signos (palavras) ¢ 0s significados a que se referem esses signos. Estes significados funcionam como regras para a construgao de frases com sentido. Por exemplo, a frase: “Este roubo amarelo chove” é sintaticamente correta, mas semanticamente inadequada. A observincia das regras seménticas é necesséria para a comunicagio efetiva 3) Dimensdo pragmética: refere-se & relagdo entre expressoes lingiiisticas ¢ os seus usudrios, Uma mesma expressio pode ser usada com sentidos diversos dependendo da entonagio do falante, do contexto ou da situago em que € emitida ou segundo o papel social de quem a emite. Por exemplo, a expressio “Aqui se vai rachar lenha” pode ter varios significados dependendo da entonacio, do contexto, etc. A partir deste ponto de vista pode-se falar de regras pragméticas que regem o significado das expressdes dependendo do contexto em que sio emitidas. Isso significa que nao se pode ter 0 significado de uma expressao, enquanto nao se dispde da informagao sobre a dimensao pragmatica de tal expresso. V.1.2. Os enunciados morais como prescrigées. A anélise Iégica da linguagem moral permite esbogar algumas caracteristicas ptprias do discurso moral, Trata-se de presctigdes que servem de guia para a conduta; referem-se a atos livres e, portanto, responsdveis e imputaveis como as prescrigdes juridicas; so uma instancia tiltima da conduta como a religiio; em contraposicao aos imperativos dogméticos, as prescrigdes morais devem apresentar um cardter de razoabilidade, isto é, devem incluir as razSes do seu comando. Por isso, as prescrigdes morais tém as seguintes caracteristicas: a) auto-obrigagao; b) universabilidade dos juszos ‘morais; c) caréter de incondicionalidade; d) proibigao de deduzir enunciados prescritivos ‘a partir de emunciados factuais. V.2. Estratégias de argumentacao mor: Umma das caracterfsticas do fenémeno moral é a argumentagao para justificar ou ctiticar atitudes, agdes ou juizos morais, tanto préprios quanto alheios. Argumentar & expor as razes pertinentes para corroborar ou desqualificar uma atitude, uma ago ou um. juizo. Annemarie Pieper distinguiu seis tipos de estratégias argumentativas destinadas a mostrar boas razes' a 1) Referéncia a um fate: acontece, quando se diz. que se ajudou alguém, porque € nosso amigo. Mas, neste caso o fato refere-se a uma norma que diz. que se deve ajudar os amigos. A alusdo a fatos s6 pode ser considerada um argumento valido se esta subjacente uma norma correta, Para que uma norma seja correta algumas condigdes so exigidas dependendo da teoria ética: estar de acordo com a pritica de uma virtude (Aristotelismo); promover maior bem para o maior néimero (utilitarismo); defender interesses universalizéveis ‘kantismo). 2) Referéncia a sentimentos: justifica-se uma atitude, ago ou jutzo mediante 0 recurso aos préprios sentimentos ou aos do interlocutor. Ele é totalmente insuficiente, porque apenas explica as causas psicolégicas, mas nio é suficiente para justificar uma ago como moralmente correta. Mais uma vez. € preciso recorrer & andlise de uma norma dada nesta situagao, que esta por tras do sentimento, O sentimento surge, porque a consciéncia se remete a uma norma. 3) Referéneia a possiveis consegiiéncias: Para a ética uiilitarista é 0 nico critério relevante e definitivo. Mas a teoria ética utiitarista nao esté restrita a0 puro ato, engloba igualmente o “utilitarismo da regra”, defendendo que o cumprimento de normas historicamente comprovadas ¢ eficazes para produzit beneficios também deve ser levado em consideragao como conseqtiéncia. Hoje nenhuma teoria ética pode desconsiderar as conseqiiéncias a serem responsavelmente assumidas. 4) Referéncia a um cédigo moral: A maneira mais comum de justificar uma ago € aduzir uma norma determinada, considerada obrigatéria, nesse caso concreto, Notmas fazem parte de cédigos morais mais amplos. Para que esse recurso seja vilido & necessario verificar a) se a norma efetivamente faz parte desse cédigo moral para que a interpretagao nao seja incongruente; b) se 0 proprio cédigo esté suficientemente fundamentado para ser racionalmente obrigatério 5) Referéncia @ competéncia moral de certa autoridade: O recurso & autoridade de uma pessoa ou de uma instituigao pode ser aduzido como argumento que justifica uma ago, Esta razio é sumamente frégil, pois a confiabilidade de ‘uma norma nao vem de quem a dita, mas da sua validade racional. 6) Referéncia @ consciéncia: Em principio, esse tipo de argumentagio goza de grande prestfgio na tradigio moral do ocidente, Mas logo € necessétio dizer que a consciéncia nao € infalivel, pois se pode recorrer a ela para justificar caprichos ou seguir ditames dados por autoridades que influenciaram 0 processo de socializagao dessa pessoa. Por isso, os ditames da consciéncia precisam ser submetidos a normas racionalmente vélidas. Y.3. Fundamentar a moral nos afasta do fundamentalismo, ‘Alguns autores rejeitam a necessidade da fundamentagao, porque a acusam de fundamentalismo. Ao contrério, tentar fundamentar liberta do fundamentalismo, porque fondamentar é argumentar, oferecer razdes bem articuladas para esclarecer porque se prefere tais valores ¢ nao outros, certas teorias éticas e nao outras, determinados critétios 2 morais ¢ ndo outtos. Assim foge-se da arbitrariedade ¢ previne-se o fanatismo da crenga cega e da adesdo incondicional. Muitas teorias éticas procuram fundamentar o fendmeno dda moralidade, partindo do ser, da consciéncia ou do fato lingifstco. sta fundamentaga0 deve assumir a forma racional, pois precisa argumentar, fornecendo as razdes, Contudo nem todas as filosofias abrem espago para a fundamentagao, retendo que ela é impossivel (Cientificismo, racionalismo critico), desnecesséria (pragmatismo radical) ou até ultrapassada (pés-modemnos) V.4, Posicies de rejei¢ao da tarefa de fundamentacio. V.4.1. 0 cientificismo. Defende que a racionalidade pertence unicamente a0 ambito dos saberes ciemtifico-técnicos, ficando os demais ambitos humanos, inclusive 0 moral, na esfera do inracional. Seguindo Weber, essa mentalidade defende a neutralidade axiolégica como condigao para a objetividade cientifica, unicamente possivel no conhecimento cientifico- técnico. Assim, exclui-se toda valoragio por consideré-la subjetiva, abrindo um abismo entre a teoria e a praxis, entre o conhecimento e a decisio, ficando a ética reduzida a uma petspectiva psicolégica, sociolégica ¢ genética, perdendo 0 seu carter racional © normativo. Neste sistema, a vida piblica é 0 espaco entregue aos especialistas, seguindo leis da racionalidade cientifico-téenica para as suas avaliagdes, ¢ a esfera privada é 0 espago do predominio das decisdes da consciéncia, consideradas irracionais, porque subjetivas. Para Weber, a racionalizago cientifica levou ao desencantamento que significa a dissolugio da ordem de valores ¢ da visto de mundo vigente, levando a um politefsmo axiol6gico pelo qual cada um tem o seu “deus” ¢ os seus valores, sendo impossivel 0 acordo intersubjetivo. Este cientificismo foi duramente criticado por varias correntes: a) as decis6es nao devem ficar imunes & critica; b) a ciéncia no pode prescindir de um fundamento reflexivo, pois do contrério vira ideologia que encobre interesses; c) a propria possibilidade da ciéncia exige a moral, porque normas que tegem o trabalho cientifico so normas morais; d) se a moral nao é racional, as prescrigGes nao repousam na universalidade e incondicionalidade, mas no sentimento subjetivo, tomando impossivel a convivéncia social; c) se a convivéncia publica se mantém, para cientificismo, em convengdes sociais, mesmo nesse caso necessita de uma base moral, pois essas convengdes necessitam de confiabilidade. V.4.2. Racionalismo critica. Defendido por K, Popper e H. Albert, afirma que a fundamentagio esta fadada a0 fracasso, porque incorre em “becos sem saida”, pois se pedimos um fundamento para tudo precisamos remontar fundamento do fundamento, levando a trés_alternativas inaceitaveis: a) um regresso ao infinito, 0 que nao é possivel; b) um cfrculo I6gico na dedugdo, quando se recorre a enunciados necessitados também de fundamentagao; c) uma imterrapgio do procedimento num ponto determinado, implicando a suspensio da necessidade da fundamentagio. Como parece que s6 a tiltima é aceitével se cairia no dogmatismo, 23 © ponto frégil da argumentagio de Albert é que ele se enreda no préprio decisionismo dogmético que denuncia. Se fosse perguntado a ele porque optamos pela racionalidade, ele diria que ¢ uma decisio de ordem superior como base da ciéncia e da ética, 'V.4.3. O pensamento débil ou pés-moderno (neo-individualismo em uma época pés- moral). Esta linha de pensamento tem algumas propostas comuns: a) rentincia ao que ela chama de razo total, a ilusio de um pensamento sistemstico; b) perda do sentido emancipador da hist6ria, desmitificagao da idéia de progresso e o abandono de qualquer constructo social utépico, substituindo-as por propostas parciais; c) cultivo de valores estéticos em detrimento de valores éticos; d) olhar irGnico ¢ humoristico sobre todos os temas, relativizando qualquer afirmagao; e) neo-individualismo ¢ 0 cultivo do corpo, do Ambito privado, abandonando o piiblico nas maos de especialistas A critica a essa corrente é 0 seu conformismo, conservadorismo © sua consegtiente falta de capacidade critica, impossibilitando qualquer ética. 'V.44. 0 etnocentrismo ético como realidade irrefutavel. Essa corrente € perceptivel nos trabalhos do neo-pragmatista americano R. Rorty, Para ele nao existe fundamentagio da moral, porque 0 etnocentrismo 6 uma realidade insuperavel. O universalismo ético é uma ilusio. A contingéncia é a categoria central da vida humana. Nascemos contingentemente numa familia ¢ vivemos numa comunidade concreta, falamos contingentemente a partir de um vocabulirio especifico e vivemos numa tradigao particular que nos socializa, O pragmatismo de Rorty tem fortes raizes comunitaristas. Para ele, Iutar por uma fundamentagio numa sociedade democritica de tradigio liberal € continuar num mundo encantado em detrimento do principio da tolerincia. A citica seria perguntar a Rorty, se, por acaso, nfo € preciso escolher entre diferentes tradicdes que se entrecruzam na sociedade em que se nasce, ¢ se, por acaso, nao € necessério algun critério que ajude a realizar essa escolha, Para que essa escolha seja racional é necessério algum critério, com pretensio de validade, que esteja acima da tradigo particular. y. incia e dificuldade de fundamentar racionalmente uma moral universal Segundo K-O. Appel vivemos hoje uma situagao paradoxal: por um lado, nunca foi tio urgente a necessidade de uma moral universal obrigatoria para toda a humanidade 4 que as agdes humanas, potencializadas pelas meios cientifico-técnicos, tem repercussées planetérias, mas, por outro, nunca pareceu tio dificil a tarcfa da fundamentacao dessa moral universal ¢ a dificuldade deve-se ao préprio desenvolvimento técnico-cientifico, porque veio acompanhado de uma mentalidade cientifica que reduz a Gtiva & esfera do subjetivo e itracional. 5. V.5.1. Duas nogdes de fundamentagao. Desde Aristételes distinguem-se dois paradigmas de justificagao argumentativa: a) pela racionalidade matematica que muitos pretendem identificar como modelo tinico 24 para qualquer outra justificagao; b) pela racionalidade filosdfica que nao repousa em principios evidentes, mas aponta para aqueles pressupostos necessariamente verdadeiros, se si quer chegar a argumentos intersubjetivamente vélidos. Fundamentagao de argumentos significa descobrir aqueles pressupostos. sem os quais_nenhuma argumentagdo é possivel. Encontrar tais pressupostos € auto-reflexao. Assim, seguindo Appel, o problema da fundamentacio esta na busca das condigdes transcendentais da validade intersubjetiva da argumentagio que podem encontrar-se na Iégica (Kant), no sistema coerente (Hegel), na semintica (Peirce) ou na pragmitica (Habermas € Appel). Em todos eles trata-se de um modelo de fandamentagao que nao prescinde da dimensao pragmatica do signo linguifstico, V.5.2. Niveis logicos da nocio de fundamento. Fundamentar a moral nao. significa chegar a um primeiro principio indemonstravel a partir do qual se possa deduzir um conjunto de normas morais, mas, mum sentido holista, estar atento totalidade das condigdes que tornam possivel 0 fendmeno a ser fundamentado. Trata-se de esclarecer as condigées e assinalar as categorias que tornam o discurso moral um fato coerente. Isso. significa, segundo Leibnitz, chegar a0 “Princfpio de razao suficiente”. Para Hegel, existem trés modelos de fundamentagao, podendo-se chegar a tr tipos de ética 1) 0 fundamento formal pelo qual o fendmeno fundado encontra-se no mesmo nivel que o fundamento aduzido, produzindo-se uma tautologia de nivel, sem produgio de verdadeiro conhecimento. As teorias éticas do hedonismo ¢ do utilitarismo encontram-se neste nivel de fundamentacao da moralidade, pois 6s argumentos que aduzem para justificar a forma moral estio no mesmo nivel da existéncia empfrica e féctica dos jufzos morais 2) © fundamento real expressa uma escolha arbitréria de alguma das determinagdes do fenémeno a ser fundamentado, alegando que tal determina¢ao constitui o fundamento. Isso leva a uma visio unilateral do fendmeno a ser fundamentado. A fundamentagio néo pode usar nenhum elemento do fendmeno como base. 3) A auténtica fundamentagdo precisa ter uma base mais consistente que as anteriores. A tinica que responde a essa exigéncia € a razdo suficiente que contempla também as causas finais, pois deve dar conta nao sé das causas que atuam no ambito da necessidade, mas também aquelas que pertencem & ordem da liberdade, A auténtica fundamentagao da moralidade € aquela que oferece ‘umn conjunto logicamente conectado das determinagGes que tornam possivel a moralidade. Encontram-se neste modelo todas as teorias éticas que se reportam ao kantismo. 'Y.5.3. Um exemplo de fundamentacio da moral. Os autores dao um exemplo de fundamentagao a partir de uma versio atualizada da proposta kantiana, Existe moral, porque temos seres que tem valor absoluto, nao devendo ser tratados como instrumentos. Existe moral, porque todo ser racional é fim em si mesmo nio meio para outra coisa. Existe moral, porque as pessoas sio seres absolutamente valiosos. Se tudo 0 que existe fosse meio para satisfazer nossas necessidades € desejos, se para tudo fosse possivel encontrar um equivalente em preco 2s no haveria obrigagdes morais. Mas no caso de existirem seres valiosos por si mesmos, entdo eles nao tem prego, mas dignidade. As pessoas tém dignidade, porque sio livres. Existe moral, porque os seres humanos tém dignidade, tendo dignidade porque estao dotados de autonomia, O reconhecimento de toda pessoa como um valor absoluto é 0 fundamento de toda moral Existem comandos negativos ou proibigGes que sio deveres perfeitos, porque sio contundentes e precisos em suas ordenagdes, dizendo claramente o que nao se pode fazer, por exemplo, o comando de nao matar. Os comandos positives sao deveres imperfeitos, porque so menos contundentes, nao apontando com preciso 0 que é preciso fazer, por exemplo, a norma de ser honesto. Dio recomendagées que a consciéncia necesita precisa. Os deveres positivos sio ages supererogatsrias porque indicam comportamentos que excedem aquilo que pode ser exigido de todos. Ao contritio, as proibigdes estio relacionadas com agdes intrinsecamente més, que, em prinefpio, nao admitem gradaga0 nem excegio, As vezes podem acontecer conflitos entre deveres negativos ¢ em outros ‘um comando positivo pode sobrepor-se a um negativo. Neste caso, precisamos consideré- los como principios, chamados prima facie, isto 6, séo obrigatérios nas situagdes normais, ‘mas quando entram em conflito, é necessério ponderar os elementos da situagdo concreta para dar priotidade & algum deles. Isto significa que nao € possivel estabelecer a priori uma ordem de prioridade entre os comandos, pois é a propria pessoa que, na situagao concreta, vai priorizé-los quando entram em conflito, ‘Os comandos morais apontam para aspectos da dignidade da pessoa, os quais se identificam com os valores. Tomando em consideracdo estes valores alguns deveres prima facie que tepresentam valores mais bésicos devem ter prioridade diante de outros ‘menos bisicos. Mesmo neste caso podem acontecer situagdes em que & necessétio aceitar ‘um mal menor. Dizer que os valores ndo podem ser priorizados numa hierarquia rigida ndo significa cair no relativismo, porque algumas coisas so consideradas justas em qualquer situago. A consciéncia moral atual esté desembocando numa moral universal para as questdes de justiga. Trata-se de um vniversalismo moral minimo, no qual todos se reconhecem intersubjetivamente. Este universalismo engloba os valores necessdrios a0 reconhecimento e respeito da dignidade de toda pessoa humana, VI. ETICA APLICADA VI. Em que consiste a ética aplicada? A ética no tem como tarefa apenas 0 esclarecimento e a fundamentagio do fendmeno da moralidade, mas também a aplicagio de suas descobertas aos diferentes Ambitos da vida social. Ao lado da tarefa de fundamentagdo existe a tarefa da aplicagao que consiste em averiguar como os princfpios ajudam a orientar os diferentes tipos de atividade, Contudo nao basta refletir sobre como se aplicam os prinefpios em cada ambito concreto, & preciso levar em conta a especificidade de cada atividade com suas préprias exigéncias morais ¢ scus proprios valores. Trata-se de averiguar quais sio os bens internos que cada tipo de atividade deve trazer para a sociedade e quais sio os valores € 26 habitos que & preciso incorporar para alcangé-los. Para chegar a isso, os eticistas devem trabalhar interdisciplinarmente junto com os especialistas de cada area. Mas € necessério também ampliar a visio ética para a moral civica que rege o tipo de sociedade em que VI2. Trés modelos posstveis, mas insuficientes ‘VL2.1. Casuistica 1: 0 ideal dedutivo A casuistica 1 consiste na arte de aplicar qualquer tipo de principios morais disponiveis aos casos concretos, j4 que considera estes casos concretos uma particularizagao dos prinefpios gerais. Ela destaca valor da teoria, da deducio ¢ da busca da certeza moral. Historicamente estava identificada com o silogismo prético cuja premissa maior era a lei, cuja premissa menor 0 caso concreto © cuja conclusio identificava-se com o juizo moral da consciéncia, © problema deste modelo dedutivo € que a) seria necessério contar com prinefpios ‘materiais universais, 0 que nenhuma ética hoje pode oferecer; b) as situagdes concretas no so mera particularizagao de prinefpios universais. ‘VL2.2. Casuistica 2: uma proposta indutiva. Ela caracteriza-se por usar um procedimento indutivo, Foi proposta por A. Jonsen € St. Toulmin na obra The abuse of casuistry. Eles querem substituir os principios por mdximas, entendidos como critérios sdbios ¢ pradentes de atuacao pritica com os quais a maioria dos especialistas concorda. As mdrimas sio o resultado da sabedoria pratica, mais valiosos para tomar decisdes do que os pretensos princfpios universais. Trata-se de um método de aplicagdo de caréter retérico € pritico, Retorica € a arte de buscar argumentos para chegar a juizos provaveis sobre situagdes concretas. Os conflitos nio io solucionados com a aplicagio de axiomas formulados a priori, mas pelo critério convergente de pessoas de bom senso moral, expressos em méximas de atuagao. Pode-se levantar como critica a este modelo: a) 0 fato de que nao é certo de que ngo existe nenhum principio universal, pois, por certo nio existe um principio material universal, mas, 0 menos, existe o principio procedimental que & universalizavel. b) O que fazer quando as méximas préticas entram em conflito, mostrando que nao € verdade de que nao existe nenhum principio universal, porque alguns so necessérios para sair do impasse VL3. Mais além da deducio e da indugao: aplicagao do prine{pio procedimental da ética do discurso (Habermas e Appel). Este terceiro modelo analisado identifica-se com a ética do discurso de K.O. Appel ¢ J. Habermas. Ele oferece um fundamento moral que transforma o principio formal kantiano da autonomia da vontade, entendido individualmente, num principio ptocedimental dialégico que reza: mio se pode renunciar a nenhum interlocutor € a nenhuma de suas contribuigdes virtuais para a discussao, Nesta perspectiva dialégica, Appel reconstréi os conceitos de pessoa e igualdade, Pessoa é um interlocutor vélido reconhecido por todos participantes da comunidade de falantes. Igualdade significa que nenhum interlocutor pode ser excluido da argumentacio quando se discute algo que o afeta 2 Appel ¢ Habermas concordam de que a ética tem a tarefa de fundamentar dimensio normativa da moral. Mas Appel, diferente de Habermas, distingue duas partes na ética do discurso. A parte “A” ocupa-se da fundamentagao racional da corregao das normas, A parte “B” procura desenhar um quadro racional de principios que permitem aplicar na vida cotidiana os principios descobertos na parte “A”. A parte “A” orienta-se pela idéia de fundamentagio ¢ a parte “B” pela de responsabilidade. Uma coisa é descobrir © principio ético ideal ¢ outra em aplicé-lo a contextos concretos. Assim, a miéxima ideal seria: “Age sempre como se fosses membro de uma comunidade ideal de comunicagdo” (Parte “A”) transforma-se em “Age sempre de tal modo que a tua acdo se encaminhe para assentar as bases, na medida do posstvel, de uma comunidade ideal de comunicagao” Parte “B”) ‘Aqui Appel inclui a ética da responsabilidade na ética do discurso, pois faz. uso da racionalidade estratégica com duas metas: a) a conservagao do sujeito falante € de todos os que dele dependem na comunidade de comunicagao: b) o estabelecimento de bases materiais e culturais para que algum dia seja possfvel atuar comunicativa e dialogicamente na solugdo dos conflitos morais. Assim a ética do discurso, acusada de inrealista por sua fundamentago no ideal da comunidade comunicativa (racionalidade dial6gica) adquire mais realismo pela introdugdo da racionalidade estratégica que tenta ctiar as condigdes materiais para que esta comunidade seja possivel. Mas o necessério uso de estratégias nao € um fator necessério em todos os Ambitos como, por exemplo, o da bioética. Nos campos em que a estratégia é importante, por exemplo, na empresa, ela ndo pode ser o tinico critério, pois existem os valores que orientam esta atividade especifica; a distingdo entre as partes “A” ¢ “B” mostra que uma vez descoberto o principio é necesséio criar 0 quadro para a aplicagao ao caso concreto. YI4. Proposta de um novo modelo de ética aplicada como hermendutica critica (Adela Cortina). YVL4.1. 0 quadro deontolégico (O momento kantiano) ‘0 modelo proposto por Adela Cortina nfo ¢ dedutivo nem indutivo, mas desfruta da citcularidade hetmenéutica, Portanto nao se trata de aplicar princfpios universais nem de induzir méximas praticas, mas descobrir, nos diferentes Ambitos da atividade, a modulagio peculiar do principio comum. Cada campo da atividade humana tem a sua especificidade ou melodia propria, obrigando a uma perspectiva interdisciplinar. Nao existe mais alguém com uma visio sistémica do conjunto, que possa oferecet sozinho, a otientacao, E necessério consultar os especialistas de cada érea para ver quais sdo os principios de aleance médio e quais sao 0s valores correspondentes daquela atividade. principio procedimental da ética do discurso é apenas uma orientagio que precisa também ser complementada com outras tradiges éticas. Levar em consideracao 6s diferentes modelos de ética, tendo, como elemento coordenador, a ética do discurso, pois esta oferece o modo de argumentar eticamente pela ago comunicativa, ‘Como descobrir em cada campo de atividade quais os valores ¢ as méximas cexigidos. Diversas respostas so possiveis, mas todas elas precisam superar a perspectiva da ética individual, pois a boa vontade pessoal pode ter conseqiiéncias ruins para 28. coletividade. Por isso é mais importante a inteligéncia do que a vontade ¢, por outro, é necessério assumir a légica da atividade coletiva, ou seja, ver a moralidade das préticas desenvolvidas nas instituigbes e organizagdes. Todos os ambitos da ética aplicada tratam de atividades sociais. Mas nao se trata tanto de refletir eticamente sobre as instituigdes © organizagées, pois estas sio cristalizagies de agdes humanas realizada por sujeitos humanos. Trata-se de refletir sobre as préticas institucionais ¢ organizativas, examinando as atividades cooperativas ¢ sociais realizadas pelos sujeitos humanos. Para desenvolver moralmente uma atividade na sociedade modema € preciso atender a cinco pontos de referéncia: 1). Ver quais sao as metas sociais que dio um sentido a esse tipo de atividade, Elas identificam-se com os bens internos deste campo de atividade. Eles conferem um sentido ¢ legitimidade social s ages. Portanto, as diferentes atividades sociais caracterizam-se pelos bens que se obtém por meio delas, pelos valores que inspiram a busca desses fins pelas virrudes que apontam para as atitudes necessérias na busca dos bens. As diferentes éticas averiguam quais valores e virtudes permitem alcangar os bens alcangdveis através daquela atividade social. Por exemplo, o bem interno buscado pela atividade do profissional da satide é 0 beneficio do paciente. Que valores e virtudes devem pautar a busca desde bem? 2) Para alcancar os bens intemnos de cada atividade é preciso contar com mecanistnos especificos dessa sociedade, em nosso caso, a sociedade moderna. Por exemplo, para alcangar a meta social ou produzir o bem interno que a empresa se propée, a bbusca do lucto € um meio que tem legitimidade social na sociedade moderna, Contudo quando esse meio torna-se um fim, a atividade fica desmoralizada. 3) Por outto lado, a legitimidade de qualquer atividade social deve ater-se a legislagao juridica vigente que define as regras do jogo naquela sociedade Contudo a legalidade nao esgota a moralidade, a) porque a legislagao é dinmica, necessitando de interpretagao e b) porque a legislagao nunca consegue submeter ‘uma atividade totalmente & sua jurisdigao. 4) Por isso, & importante ter como referéncia também a ética civil ow a consciéneia ‘moral cfvica, alcangada naquela sociedade. Ela identifica-se com 0 conjunto de valotes que os cidadaos de uma sociedade pluralista jé compartilham, independente de suas concepgdes morais e religiosas. Em linhas gerais trata-se de levar a sério os valores da liberdade, da igualdade e da solidariedade. 5) O puro nivel da moralidade nao basta, porque interesses espuirios podem difundir ‘uma moralidade difusa que condena, como imorais, agdes inspiradas na justiga, nos direitos humanos ¢ na dignidade humana, Por isso, € preciso uma moral critica, que aponte os valores ¢ os direitos a serem racionalmente respeitados. V4.3. Processo de tomada de decisées nos casos concretos. f indispensével tomar em considerago of seguintes aspectos ao decidir: 1) Determinar a fim specific ou o bem interno que dé sentido ¢ legitimidade social aquela atividade, 2) Averiguar quais meios so adequados para produzir esse bem numa sociedade moderna. 3) Indagar quais virtudes e valores é preciso incorporar para alcangar esse bem interno. 29 4) Ver quais sio 0s valores da moral civica da sociedade que afetam 0 exercicio dessa alividade, 5) Averiguar quais valores de justiga, préprios de uma moral critica universal, permite por em questo normas vigentes, 6) Deixar a tomada de decisio a cargo dos que sdo afetados por esse processo. VLS. Alguns Ambitos da ética aplicada ‘Os &mbitos mais desenvolvidos e promissores da ética aplicada s4o os seguintes: V5.1. Bioética No inicio, a bioética surgiu como uma “macroética” que enfoca a ética a partir da vida ameagada, Mas ao definir 0 seu ambito de abrangéncia, ela foi sendo reduzida as questdes relacionadas com as ciéncias da satide e com as bioteenologias. Existe um consenso de que o micleo da bioética so os principios da autonomia, benefieéncia © Justia propostos pelo Relatério Belmont em 1978 nos Estados Unidos. Para os autores, 68 prineipios so vilidos, mas convém fundamenté-los por meio de um conceito de pessoa, como interlocutor vélido, para apreciar plenamente sua validade intersubjetiva VI5.2. Gen-ética (Os avangos cientificos da engenharia genética provocam esperancas ¢ reccios. Pela primeira vez a humanidade pode alterar o patriménio genético das geragdes futuras. Essa possibilidade apresenta questdes éticas que ndo se pode evitar: Até onde vao os processos de mudanga? Quais sao os fins dltimos das manipulagoes genéticas? Quem esté legitimado a tomar decisdes nesses assuntos? A resposta a essas questdes deve situar-se no contexto da racionalidade ética que se move no terreno do didlogo, da interdisciplinaridade e da busca cooperativa de respostas para os desafios éticos. VIS3. fitica da economia e da empresa E necessério distinguir entre “ética econdmica” que é uma reflexao ética sobre os diferentes sistemas econdmicos globalmente considerados e “ética empresarial” que faz a consideragdes éticas sobre a gestio ou diregdo dos negécios ¢ das empresas. Quanto a primeira, existiu muito tempo um divércio entre ética © economia, como se fosse impossivel conciliar a eficiéncia econdmica com os valores morais da eqiiidade ¢ da Justia, Mas se cada setor precisa definir qual 0 fim ¢ o sentido da sua atividade, qual a ‘sua contribuigdo para a sociedade, entao a economia nao pode ser moralmente neutra. A. dtica dos negécios esta se difundindo, porque se quer restaurar o valor da confianca que as empresas ndo podem perder ¢ hoje se introduz 0 conceito de responsabilidade social das empresas. Entre os especialistas de ética ecolégica existe, por um lado, consenso sobre a necessidade de adotar urgentemente um modelo de desenvolvimento sustentavel © de tomar todo tipo de medidas eficazes para fazer frente aos diferentes sinais da crise ambiental, mas, por outro, as concepgdes éticas discordam quanto as razies pelos quais é 30 necessétio levar a sério os problemas ecolégicos. Existem éticas antropocétricas que defendem atitudes de conservacio ¢ preservagio da natureza, pensando nos interesses dos seres humanos (geragdes futuras). Pelo contrétio, as éticas biocéntricas considera moralmente relevantes os interesses de todos os seres vivos, nfo s6 dos humanos. problema ecolégico néo é de cardter técnico, mas moral ¢ cultural. Por outro lado, a questo fundamental dos problemas ecoldgicos é a injustiga econdmica que padece a maioria da humanidade. . Ktica da educagéo moral democritica 0s educadores, em geral, preocupam-se com as habilidades técnicas ¢ sociais de seus alunos, mas & impossivel construir uma sociedade autenticamente democritica, contando apenas com individuos capacitados técnica e socialmente, porque tal sociedade precisa fundamentar-se em valores para os quais a racionalidade instrumental & ccga, valores como a autonomia ¢ a solidariedade. © processo educative ndo pode pautar-se pela racionalidade instrumental que busca a aquisigaio de puras habilidades técnicas © aponta para um modelo de pessoa que busca apenas o seu proprio bem-estar. E necessitio buscar a formagio de pessoas auténomas com desejo de auto-realizagdo © com a capacidade para a interagdo solidéria. Por isso a educagao precisa suscitar nos jovens a competéncia para a autonomia e a solidariedade bases para uma sociedade democritica, Isso 86 & possivel através de métodos dialdgicos de educagao moral que superam 0 dogmatismo dos métodos doutrinérios ¢ estao para além do relativismo dos métodos do puro esclarecimento dos valotes, (Resumido por José Roque Junges, professor e pesquisador de Ftica ¢ Bioética do Programa de pés-graduacao em Satide Coletiva da UNISINOS).

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