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Guilherme Oliveira da Silva

SPS (2019-2022)

RESENHA

KOYZIS, David T. Visões e ilusões políticas: uma análise crítica cristã das
ideologias contemporâneas. Tradução de Lucas G. Freire e Leandro Bachega. 2.
Ed. Ampliada e Atualizada - São Paulo: Vida Nova, 2021.

Publicada originalmente em 2004 e traduzida para o português pela Editora


Vida Nova, Visões e ilusões políticas: uma análise crítica cristã das ideologias
contemporâneas é uma obra do renomado professor David T. Koyzis, doutor em
Filosofia pela Universidade de Notre Dame e professor de Ciência Política na
Redeemer University College, no Canadá, onde leciona desde 1987.

Nela, o autor faz uma proficiente análise sobremodo perspicaz de cinco das
principais ideologias políticas de nosso tempo, a saber, o liberalismo, o
conservadorismo, o nacionalismo, o democratismo e o socialismo, tendo como
parâmetro crítico a visão bíblica e apresentando como, da perspectiva cristã, cada
uma dessas ideologias é a expressão de um comportamento fundamentalmente
idólatra.

Com base nisso é que logo na introdução, a fim de clarear a linha de


pensamento proposta e deixar claro certos conceitos importantes para o desenrolar
dos argumentos e compreensão do que vai ser abordado ao longo da obra, o autor
preocupa-se em apontar de que maneira o pensamento e o exercício político podem
ser afetados pela idolatria, manifesta a partir do momento em que os seres humanos
tomam algo pertencente à criação, elevam-no acima do limite que separa o Criador
da criatura e fazem dele um tipo de deus a quem servem.

Para isso, Koysis leva em consideração cinco fatores básicos: as ideologias


são intrinsicamente religiosas; deificam algo dentro da criação; localizam a fonte do
mal na criação; possuem uma visão distorcida de mundo e tem como objetivo
suplantar os princípios.
Feito essas considerações introdutórias, o autor logo esclarece que cada uma
das ideologias exploradas no livro pressupõe uma história básica que vê os homens
buscando efetuar a própria salvação e estendê-la para o resto do mundo, em geral
pela via da política ou meio por meios violentos. Assim, salvo às devidas proporções,
as ideologias seguem uma história, em muitos aspectos, similar à da Bíblia,
prometendo aos seres humanos a libertação de algum mal fundamental, tais como a
tirania, a pobreza, a opressão, entre outros, não por meio de Jesus Cristo, mas através
da maximização da liberdade, da posse comum de toda riqueza, da libertação da
nação de uma lei estrangeira, da submissão de indivíduos à vontade geral e assim
por diante.

Posto isto, Koyzis oferece tanto uma análise filosófica quanto uma crítica
honesta de cada ideologia, com a finalidade de explicitar as questões espinhosas
inerentes a cada cosmovisão, destacando seus pontos fortes e fracos e
compreendendo em cada uma os seguintes pontos: Qual sua base criacional? O que
elas veem como uma fonte do mal? Onde elas situam a fonte de salvação, e que
história redentora elas contam? Quais inconsistências têm conduzido a tensões
internas dentro da própria ideologia e até que ponto elas são capazes de considerar
o lugar da política no mundo de Deus?

Sempre deixando claro, porém, que embora essas ideologias políticas


apresentem uma dimensão moral, bem como uma oferta de redenção dos males que
assolam a sociedade, todas elas trazem consigo o risco de sucumbir seus apoiadores
à idolatria. O que torna essa obra ainda mais relevante, atual e necessária, visto que
em tempos turbulentos como os nossos, cada vez mais polarizado e intolerante, tanto
religiosa quanto politicamente, nunca foi tão importante e urgente compreender a
necessidade do diálogo entre fé e política, bem como amadurecer o debate público e
assimilar qual o papel da igreja em relação a essas questões de vital importância para
nossa vida.

Além disso, outro ponto a ser destacado, que é digno de nota é o fato do autor
não pontuar apenas os erros e equívocos das ideologias as quais analisa, mas
também os acertos. Como no caso do liberalismo, que embora tenha fracassado em
oferecer uma salvação baseada na crença religiosa da autonomia do indivíduo frente
à autoridade política externa, trouxe inúmeras contribuições construtivas para a
proteção dos genuínos direitos humanos.
Feito os apontamentos pertinentes à maneira como essas ideologias enxergam
e interpretam a realidade, Koyzis começa a esboçar, principalmente a partir do
capítulo 6, como é possível transcender as ideologias com base em uma abordagem
cristã, fiel aos imperativos do evangelho e ciente da pluriformidade social.

Deixando para trás a ideia, um tanto quanto errônea e sobremodo equivocada,


de que os cristãos devem concentrar seus esforços única e exclusivamente em
questões relacionadas a vida comum da igreja; e adotando uma cosmovisão que
abrange tanto a relação entre fé e política, quanto a atuação dos fiéis na esfera pública
e principalmente, em tudo que o cristianismo tem a dizer com respeito a essas
ideologias, sendo um tremendo equívoco pressupor que elas estão erradas antes de
termos, primeiro, entendido onde estão os seus acertos.

Por fim, Koyzis nos aponta duas abordagens cristãs como alternativas não
ideológicas. De um lado, a tradição católica romana, cujo interesse pela filosofia de
Aquino retomado no final do século XIX procurou reconhecer a pluralidade social. De
outro lado, os reformadores holandeses, van Prinsterer, Kuyper e Dooyeweerd que
também afirmaram a pluralidade e a noção de soberania das esferas, que afirma que
cada aspecto da sociedade como família, escola, empresa, trabalho, são soberanos
em suas respectivas esferas.

Koyzis conclui afirmando que existe uma responsabilidade básica dos


governantes em promover a justiça. Só que o cristão não pode esperar que o Estado
resolva todas as questões, chamando os discípulos de Jesus Cristo a assumir a
responsabilidade no mandato de promover a justiça. Cada ato que promove a justiça,
seja ele na política ou em qualquer outro âmbito da atividade humana, aponta para a
plenitude final do reino da justiça de Deus no novo céu e na nova terra.

De modo geral, e tendo em vista o cenário cada vez mais caótico e polarizado
que estamos vivendo, a obra em questão consegue brilhantemente cumprir seu
objetivo que é fornecer, de modo habilidoso e perspicaz, um panorama geral das
principais ideologias políticas de nosso tempo, revelando os problemas de
cosmovisão inerentes a cada uma delas e destacando seus pontos fortes e fracos.

Um outro ponto a ser destacado é a consistência dos argumentos defendidos


pelo autor ao longo dos capítulos, os quais são muito bem escritos, a fim de clarear a
linha de raciocínio proposta desde o primeiro capítulo. Fica claro que o autor tem
domínio dos temas que aborda e conhece bem os pressupostos que defende, assim
como aqueles os quais refuta.

No mais, trata-se de um grande livro, muito bem escrito e embasado, bem como
uma exímia ferramenta, não somente para os que atuam na esfera pública, como
analistas culturais, eruditos e cientistas políticos, mas para todos os que querem
entender, sob um ponto de vista da tradição reformada, como a política deve ser
assunto cada vez mais discutido dentro das igrejas.

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