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Orientação Educacional e Profissional em Busca de Sentido

Fernanda Maurer Balthazar

(Universidade Federal de Mato Grosso do Sul – UFMS)

Jane Vasconcelos

(Universidade Federal de Mato Grosso do Sul – UFMS)

Tatiane Superti

(Universidade Federal de Mato Grosso do Sul – UFMS)

Vanessa Clementino Furtado

(Universidade Federal de Mato Grosso do Sul – UFMS)

djambabila@hotmail.com

janevasconcelos@hotmail.com

tsuperti_psiche@yahoo.com.br

furtado.vc@gmail.com
Resumo

Este trabalho apresenta uma experiência em orientação profissional vivida por


acadêmicas do 4° (quarto) ano de Psicologia, em uma organização não governamental, a qual
presta serviços de curso pré-vestibular à minorias étnicas, estudantes de baixa renda, assim
como, para portadores de necessidades especiais, com isso as vagas são distribuídas da seguinte
forma: 46% das vagas são destinadas para afrodescendentes, 44% para brancos carentes, 5% para
indígenas e 5% para portadores de necessidades especiais. Este instituto tem por embasamento
pedagógica a teoria sócio-histórica cujo principal autor adotado é Lev Semenovich Vigotski.
Diante disso propôs-se uma intervenção calcada na teoria sócio-histórica cuja principal
referência bibliográfica foi o livro de Silvio Duarte Bock (2002), no qual, o autor divide a
orientação em três módulos baseados em três grandes temas: autoconhecimento, o mundo do
trabalho e o processo de escolha. O primeiro assunto a ser tratado, no entanto, com os
orientandos caracteriza-se pela apresentação da proposta de trabalho, a qual se diferencia do
modelo tradicional de orientação. Neste são utilizadas técnicas psicométricas de avaliação com a
finalidade de enquadrar cada indivíduo de forma a identificar sua aptidão e que a individualidade
é utilizada para explicar o processo de escolha, assumindo, então, uma perspectiva liberal de
homem e sociedade. Destarte, segundo Urt (1993), o contexto inerente ao século XIX propicia o
surgimento da Psicologia ligada ao trabalho como conseqüência do desenvolvimento do modo de
produção capitalista. Sob a influência do sistema de Taylor, que visa o aumento da produtividade
do trabalho economizando tempo, a Psicologia volta-se, então, ao trabalho por meio do processo
de seleção, treinamento e avaliação de desempenho, escolhendo “o homem certo no lugar certo”
servindo, assim, como instrumento adicional de exploração do trabalhador. Uma segunda fase da
Psicologia do trabalho é representada pela psicotécnica, a qual busca estudar e explicar os
componentes psíquicos presentes na atividade de trabalho, como memória, percepção, atenção,
dentre outros. Os resultados deste trabalho se expressam na prática de seleção, na formação
profissional e etc, ou seja, no modo de organização do ensino nesta sociedade. Portanto, todo
essa ideologia adotada pela Psicologia do trabalho irá influir no processo de orientação o qual
utilizará os mesmos métodos de mensuração de capacidades adotando, então, o termo vocação
cujo significado se assemelha com o de aptidão, como sendo algo tanto que proveio de um dom
divino, como das bases filogenéticas. Cabe, pois, ao psicólogo aplicar instrumentos que sejam
capazes, não só de medir, como também, apontar o perfil pessoal, o qual se ajusta a estrutura
social que já está pronta e acabada, diante de uma visão funcionalista. Assim, essa concepção
epistêmica de sujeito e prática de intervenção em orientação vocacional sustenta-se por teorias,
que segundo Bock são classificadas como: acríticas e tradicional, as quais embasarão o modelo
de orientação clássico, são elas: Teorias não-psicológicas, Teorias psicológicas, Teoria traço e
fator, Teoria Psicodinâmica, Teorias gerais. No que se refere à Orientação Profissional, são
levantadas inúmeras críticas ao que se têm feito até a atualidade neste campo, e em específico às
teorias que embasam esta atuação. Tradicionalmente, essas teorias fomentam a idéia de que a
orientação profissional deve ser dada por meio da relação entre o perfil psicológico e o perfil da
profissão, o que era feito por meio de testes psicométricos ou observações sistemáticas. As
características pessoais são encaradas como inerentes ao indivíduo, ou seja, como inatas, daí o
uso do termo “vocação” o qual remete a uma predestinação do indivíduo e, portanto, este seria
livre para efetuar sua escolha, devendo apenas seguir as indicações feitas pelo orientador. Neste
enfoque, toda a trajetória profissional é encarada como esforço individual em aproveitamento das
condições oferecidas, assim como, por uma escolha acertada. Logo o sujeito é culpabilizado
tanto pelo seu sucesso quanto pelo seu fracasso, muito embora, isto se deva à influência dos
pensamentos liberais e neoliberais, no qual o sujeito é dotado de livre arbítrio, ou seja, tem total
liberdade de realizar suas escolhas. A partir desta prática, os principais questionamentos
levantados fazem menção ao fato de não existir um indivíduo que seja isolado e que possua
características naturais da espécie (vocações ou dons) que se desenvolvam de acordo com as
condições dadas socialmente, e sim que este é construído historicamente por meio de sua atuação
na sociedade. Desvela-se então, o engodo que impera nessa dita liberdade de “escolha” e na
igualdade de oportunidades, que se torna irreal na sociedade capitalista. Assim sendo, a
propagação de tais idéias torna-se instrumento de manutenção do sistema social e conseqüente
camuflagem das desigualdades que permeiam este. A realidade é admitida apenas como fator a
ser superado pelo indivíduo, ocultando-se desta forma, a necessidade de ajustamento do sujeito
às estruturas ocupacionais já existentes, ignorando-se fatores culturais, políticos, sociais e
econômicos inerentes a cada momento histórico e que refletem nas possibilidades de escolha
profissional do sujeito. Como crítica à essa concepção, propõe-se, como novo objetivo da
orientação profissional a criação de condições para que a pessoa a ela submetida apreenda os
conteúdos ideológicos que estão implícitos no processo de reflexão sobre a escolha de uma
profissão, ou seja, os determinantes sociais e históricos que regem a organização da sociedade
dentro de um sistema econômico. Dentro das críticas direcionadas à orientação profissional está
embutido o entendimento de que o indivíduo é apenas reflexo da organização social, portanto,
não detém nenhum grau de autonomia frente a tais determinações. É necessário promover
ampliação de consciência e trabalhar com o indivíduo as relações sociais do qual faz parte, para
que este possa utilizar os instrumentos e as mediações desenvolvidos historicamente para
transformar a realidade social que o cerca. Assim, a intervenção foi realizada num total de 15
(quinze) encontros semanais, de abril a junho do ano de 2007. Dado a grande demanda inicial
optou-se por dividir os orientandos em 3 (três) grupos compostos por 25 (vinte e cinco) pessoas
no máximo, e para tanto, o grupo formado por 8 (oito) orientadoras também fora divido,
inclusive em dias diferentes, assim formou-se grupos durante a semana, bem como, nos finais de
semana. Os encontros basearam-se no modelo apresentado por Silvio Duarte Bock (2002),
porém, houve uma inversão na ordem de aplicação dos módulos começando, assim, com um
apanhado geral das expectativas de cada orientando, bem como, a discussão acerca dos
determinantes que envolvem a escolha profissional. A inversão se deu objetivando o aumento
dos encontros que tratariam dos conteúdos subjetivos, no que concerne a inversão dos módulos,
foi a necessidade de se entender o macro, ou seja, os aspectos sociais, antes de se entender o
micro, - o subjetivo – para que, desta forma os indivíduos tivessem uma visão mais
contextualizada e integradora de sua atuação na sociedade. Ainda que, em um primeiro
momento, em que se questionou o interesse dos sujeitos em participar da Orientação Profissional
e Educacional, houvesse uma manifestação demasiada de interesses, ao final, notou-se uma
evasão significativa de orientandos. Esta teve vários motivos os quais iam além dos relacionados
a intervenção. Mas, por outro lado, levantou-se a hipótese de que estas desistências poderiam ter
ocorrido porque se priorizou a técnica já construída anteriormente, no projeto de intervenção,
pelas acadêmicas, adotando uma rígida postura ante a elas, perdendo de foco, assim, as
expectativas dos sujeitos em relação à orientação. Estas expressavam o estereótipo que se tem de
orientações, as quais são baseadas na idéia de vocação e fazem uso de testes psicométricos de
forma a determinar a escolha dos sujeitos. Neste sentido, repensou-se a prática de desmistificar
os modelos tradicionais ao se apresentar a forma de intervenção contrapondo-se, portanto, com
as expectativas dos orientandos. Diante disso, pensa-se que a orientação profissional e
educacional realizada, não contemplou as necessidades dos indivíduos e, então, o sentido por
eles atribuído a este trabalho não os motivou a continuarem freqüentando o grupo. Entende-se
por sentido, aqui, como sendo o significado internalizado conforme as experiências individuais.
Portanto, questiona-se a adequação técnica para os objetivos empreendidos, uma vez que, corre-
se o risco de gerar a resistência dos sujeitos, já no primeiro encontro, em relação a este trabalho.
Esta critica estende-se aos procedimentos sugeridos por Silvio Duarte Bock, o qual adota que
esta desmistificação deve ser feita no primeiro encontro. Constatando-se que os sujeitos estão
imersos em um contexto em que se espera a atuação tradicional em orientação profissional, a
inclusão de testes na intervenção crítica media o diálogo com os orientandos e os objetivos da
orientação, podendo, assim, serem alcançados de forma mais satisfatória. Vigotski (2004) aponta
que eles podem estar a serviço da educação de modo a apreender os interesses individuais e
aproximar os sujeitos dos conteúdos educacionais. Contudo, com a crítica acerca da teoria e
procedimentos adotados, percebe-se que a práxis possibilita um constante aprimoramento
metodológico, já que este se encontra em um infindável vir a ser do pensamento e atuação
psicológicos, comprometidos politicamente com a transformação social. Isto se deve porque o
homem é um ser em estado de metamorfose e a Psicologia deve acompanhar estas
transformações.

Eixo temático: Educação


Orientação Educacional e Profissional em Busca de Sentido

Apresentando a Orientação Profissional

Este artigo apresenta uma experiência em orientação profissional vivida por acadêmicas
do 4° (quarto) ano de Psicologia, em uma organização não governamental, a qual presta serviços
de curso pré-vestibular às minorias étnicas, estudantes de baixa renda, assim como, para
portadores de necessidades especiais. Diante disso propôs-se uma intervenção calcada na teoria
sócio-histórica cuja principal referência bibliográfica foi o livro de Silvio Duarte Bock (2002),
no qual, o autor divide a orientação em três módulos baseados em três grandes temas:
autoconhecimento, o mundo do trabalho e o processo de escolha. O primeiro assunto a ser
tratado, no entanto, com os orientandos caracteriza-se pela apresentação da proposta de trabalho,
a qual se diferencia do modelo tradicional de orientação.

O termo “aptidão” e suas interpretações ao longo da história

A aptidão é tomada como uma ilustração das responsabilizações individuais no processo


de escolha, isto se explica ao analisar a evolução do termo aptidão, o qual sofreu, ao longo da
história, transformações conceituais. Assim, dos séculos XV à XVIII, na sociedade do antigo
regime, este termo está ligado à vontade de Deus. Por meio do dom divino o sujeito nasce com
aptidão a ser poderoso ou miserável, esta conceituação legitima a configuração de sociedade da
época determinada pela ocasião do nascimento, sendo estratificada em: nobres, clérigos e povo.
No entanto, o termo não é muito utilizado até o final do século XVIII.

A partir deste século, com a ascensão econômica da burguesia, a implicação teocentrica


do termo aptidão perde seu significado em função da visão de mundo antropocêntrica que esta
classe faz emergir. A aptidão, então, é tomada como resultado das atividades práticas dos
homens, sempre passível de mudanças do meio e da educação. Na primeira metade do século
XIX, com a tomada do poder político, também, pelos burgueses, há uma conseqüente afirmação
destes enquanto classe dominante, nascendo, com isso, uma nova ideologia justificadora das
desigualdades sociais: o Liberalismo, e a palavra aptidão, então, tornam-se uma característica
dada pela essência individual, hereditária, permanente.

O princípio da igualdade, defendido na Revolução Francesa, fica protegido nos direitos,


enquanto as desigualdades sociais são sustentadas por diferenças individuais postas pela
biologia. A partir da segunda metade do século de XIX o termo aptidão passa a ser plenamente
utilizado tendo como fundamento o determinismo filogenético. Destarte, segundo Urt (1993), o
contexto inerente ao século XIX propicia o surgimento da Psicologia ligada ao trabalho como
conseqüência do desenvolvimento do modo de produção capitalista. Sob a influência do sistema
de Taylor, que visa o aumento da produtividade do trabalho economizando tempo, a Psicologia
volta-se, então, ao trabalho por meio do processo de seleção, treinamento e avaliação de
desempenho, escolhendo “o homem certo no lugar certo” servindo, assim, como instrumento
adicional de exploração do trabalhador.

Uma segunda fase da Psicologia do trabalho é representada pela psicotécnica, a qual


busca estudar e explicar os componentes psíquicos presentes na atividade de trabalho, como
memória, percepção, atenção, dentre outros. Os resultados deste trabalho se expressam na prática
de seleção, na formação profissional e etc, ou seja, no modo de organização do ensino nesta
sociedade. Portanto, toda essa ideologia adotada pela Psicologia do trabalho irá influir no
processo de orientação o qual utilizará os mesmos métodos de mensuração de capacidades
adotando, então, o termo vocação cujo significado se assemelha com o de aptidão, como sendo
algo tanto que proveio de um dom divino, como das bases filogenéticas.
Assim, essa concepção epistêmica de sujeito e prática de intervenção em orientação
vocacional sustenta-se por teorias, que segundo Bock são classificadas como: a - críticas e
tradicional, as quais embasarão o modelo de orientação clássico, são elas: Teorias não-
psicológicas, Teorias psicológicas, Teoria traço e fator, Teoria Psicodinâmica, Teorias gerais.
Silvio Bock (2002) afirma que as teorias não-psicológicas entendem a escolha profissional como
sendo causada por elementos externos ao indivíduo (teoria do acidente; teoria econômica; teoria
cultural e sociológica) e delineiam o processo de inserção das pessoas no trabalho, mas não
vislumbram um papel ativo para o sujeito, excluindo a possibilidade de orientação. São as forças
das contingências, das leis do mercado ou do padrão cultural das famílias que definem a posição
e a ocupação do indivíduo na sociedade.

Já as teorias psicológicas são as que analisam os determinantes internos do indivíduo, e


explicam seus movimentos de escolha. O indivíduo teria papel ativo e as condições
socioeconômico-culturais teriam função secundária no processo de escolha. Dentro destas teorias
há subdivisões: Teoria traço e fator é a teoria; A teoria Psicodinâmica e as teorias gerais.

A Orientação Profissional vista pelas Teorias Tradicionais

No que se refere à Orientação Profissional, são levantadas inúmeras críticas ao que se


têm feito até a atualidade neste campo, e em específico às teorias que embasam esta atuação.
Tradicionalmente, essas teorias fomentam a idéia de que a orientação profissional deve ser dada
por meio da relação entre o perfil psicológico e o perfil da profissão. Desta forma, buscava-se
detectar, através de testes psicométricos ou observações sistemáticas, características que se
relacionasse com “essa ou aquela” ocupação a ser exercida, e nisso consistia o resultado do
trabalho, ou seja, enumerar os perfis profissionais que mais se adaptassem ao sujeito.

Neste enfoque, toda a trajetória profissional é encarada como esforço individual em


aproveitamento das condições oferecidas, assim como, por uma escolha acertada. Logo o sujeito
é culpabilizado tanto pelo seu sucesso quanto pelo seu fracasso, muito embora, isto se deva à
influência dos pensamentos liberais e neoliberais, no qual o sujeito é dotado de livre arbítrio, ou
seja, tem total liberdade de realizar suas escolhas. Pois, segundo Ferretti (1988, p. 153) “[...]
reforça, nos indivíduos, a crença de que poderão ascender socialmente se escolherem
adequadamente a profissão a que pretendem se dedicar”.

A partir desta prática, os principais questionamentos levantados fazem menção ao fato


de não existir um indivíduo que seja isolado e que possua características naturais da espécie
(vocações ou dons) que se desenvolvam de acordo com as condições dadas socialmente, e sim
que este é construído historicamente por meio de sua atuação na sociedade. Como evidencia
Ferretti (1988, p. 32): “[...] o individualismo, a liberdade e a igualdade são três axiomas básicos
do liberalismo”.

Desvela-se então, o engodo que impera nessa dita liberdade de “escolha” e na igualdade
de oportunidades, que se torna irreal na sociedade capitalista. Assim sendo, a propagação de tais
idéias torna-se instrumento de manutenção do sistema social e conseqüente camuflagem das
desigualdades que permeiam este. A realidade é admitida apenas como fator a ser superado pelo
indivíduo, ocultando-se desta forma, a necessidade de ajustamento do sujeito às estruturas
ocupacionais já existentes, ignorando-se fatores culturais, políticos, sociais e econômicos
inerentes a cada momento histórico e que refletem nas possibilidades de escolha profissional do
sujeito. O fator que leva os orientadores a adotarem esta postura não é, de todo, intencional, mas
sim que estes profissionais adotam, nas palavras de Ferretti, “uma postura a - crítica”, ou seja,
são incapazes e incapacitados, pela falta de instrumentos teóricos, de refletir acerca de sua
prática, pois reproduzem modelos dados pelas teorias, sem, contudo, questioná-los ou avaliá-los.
O que ocorria era sim uma “avaliação” que consistia numa revisão das técnicas utilizadas.

A orientação profissional toma o rumo da orientação para determinadas ocupações


claramente definidas e separadas pela sociedade, mascarando o processo que se dá no “a
posteriori” da formação, tal como, a inserção no mercado de trabalho, uma vez que, de acordo
com tais pressupostos teóricos, a formação se dá num processo linear e a simples conclusão do
curso técnico, correspondente à área de trabalho, são requisitos máximos para que se atue como
profissional. E nas palavras de Ferretti (1988, p. 155): “A Orientação Profissional centrou suas
preocupações sobre o denominado ‘mercado formal’ e, neste, inicialmente, sobre as profissões
que demandavam formação em cursos de terceiro e segundo grau [...]”.

Contudo, a teoria crítica ateve-se apenas, em apontar as falhas e erros das teorias
tradicionais sem, com isso, propor um novo método de abordagem e prática da orientação
profissional. No entanto, com o intuito de abranger as diversas profissões, bem como, ampliar o
campo de atuação do orientador, essas teorias contribuíram com a mudança da nomenclatura
utilizada anteriormente, que passou de orientação vocacional para orientação profissional. O que
mais tarde, se refletiu num método mais abrangente de intervenção, embasado na teoria Sócio-
histórica.

Porque a Teoria Sócio-Histórica

Como crítica a essa concepção, propõe-se, como novo objetivo da orientação


profissional a criação de condições para que a pessoa a ela submetida apreenda os conteúdos
ideológicos que estão implícitos no processo de reflexão sobre a escolha de uma profissão, ou
seja, os determinantes sociais e históricos que regem a organização da sociedade dentro de um
sistema econômico. Dentro das críticas direcionadas à orientação profissional está embutido o
entendimento de que o indivíduo é apenas reflexo da organização social, portanto, não detém
nenhum grau de autonomia frente a tais determinações. Como possibilidade de superação da
dicotomia indivíduo-sociedade propõe-se a abordagem sócio-histórica, que, segundo Silvio Bock
(2002, p. 67):

[...] é necessário um avanço na compreensão da relação indivíduo-


sociedade, de forma dialética, e não idealista ou liberal; isto é, deve-se
caminhar para a compreensão do indivíduo como ator e ao mesmo
tempo autor de sua individualidade, que não deve e não pode ser
confundida com individualismo.
A abordagem sócio-histórica legitima a visão crítica em relação à orientação
profissional, e questiona a forma de aproximação dos indivíduos com as ocupações profissionais
por meio de perfis, pois também nega a concepção liberal de indivíduo (BOCK, S., 2002).

Entende-se que de acordo com a classe social a qual pertence o indivíduo ele terá maior
ou menor liberdade para decidir sobre seu futuro, e que esta escolha será sempre
multideterminada, porém, não existe determinação social absoluta e nem liberdade absoluta, o
que existe é a possibilidade de que as pessoas possam lutar para mudar as condições em que
vivem, tanto individual como coletivamente. O desafio atual da orientação profissional se
constitui em uma abordagem que entenda o indivíduo na relação que este tem com a sociedade,
para que sejam superadas as visões que o colocam como mero reflexo da sociedade ou como
totalmente autônomo em relação a ela, para tanto, é necessário entender a relação indivíduo-
sociedade de uma forma dinâmica e dialética (BOCK, S., 2002).

Na base do entendimento da escolha de uma profissão está o processo de identidade,


que se caracteriza por uma constante modificação e ressignificação da subjetividade humana, um
eterno “vir a ser”, que se constitui através da interiorização dos predicados que as outras pessoas
nos atribuem e que acabamos por tomar como nosso. Dessa forma, há o desenvolvimento das
habilidades e personalidade do indivíduo e sua forma de se relacionar com o outro, numa relação
sempre mediada pela sociedade (CIAMPA, 1987 apud BOCK et al, 2002).

É necessário promover ampliação de consciência e trabalhar com o indivíduo as


relações sociais do qual faz parte, para que este possa utilizar os instrumentos e as mediações
desenvolvidos historicamente para transformar a realidade social que o cerca.

Vivendo a Orientação Profissional

A intervenção foi realizada num total de 15 (quinze) encontros semanais, de abril a


junho do ano de 2007. Os encontros basearam-se no modelo apresentado por Silvio Duarte Bock
(2002), porém, houve uma inversão na ordem de aplicação dos módulos começando, assim, com
um apanhado geral das expectativas de cada orientando, bem como, a discussão acerca dos
determinantes que envolvem a escolha profissional. A inversão se deu objetivando o aumento
dos encontros que tratariam dos conteúdos subjetivos, os quais corroboram fundamentalmente no
processo da escolha, dentro do módulo de auto-conhecimento, o qual foi antecedido pelos
módulos: “questão da escolha” “o mundo do trabalho”, respectivamente. Outro fator notório, no
que concerne a inversão dos módulos, foi a necessidade de se entender o macro, ou seja, os
aspectos sociais, antes de se entender o micro, - o subjetivo – para que, desta forma os indivíduos
tivessem uma visão mais contextualizada e integradora de sua atuação na sociedade.

Diante disso, o módulo: “a questão da escolha” teve por objetivos discutir o estereótipo
das profissões, bem como, a forma que os meios de comunicação divulgam estes estereótipos e a
influência deles na representação das profissões, ou seja, a maneira como os sujeitos se
apropriarão das informações midiáticas. Estas, em geral, contribuem para preconceitos acerca de
determinadas profissões que gozam de menos status social. Outro assunto abordado foi a
inserção do vestibular em uma sociedade capitalista, a qual se organiza de forma excludente
Estas provas de seleção, então, legitimam tal ideologia, uma vez que, constituem-se em um
instrumento para se concretizar a segregação entre os indivíduos e, também, mais um fator que
incita a escolha rápida e bem sucedida, embora, não crítica.

O tema: mercado de trabalho foi tratado de modo a fazer com que os orientandos
exerçam uma reflexão crítica em relação à profissão que escolherá. Refletindo, assim, o mercado
de trabalho levando-se em conta conjuntura político-sócio-econômica e fatores relacionais, como
a competitividade. Visando-se com isto a apreensão de conteúdos não imediatos na consciência
dos sujeitos envolvidos na orientação.

O último módulo, porém, não menos importante é o “auto-conhecimento”, o qual


objetiva uma discussão acerca da construção da identidade, valores individuais, bem como, a
importância do outro na percepção de si mesmo, devido à dialética das relações humanas. Assim
sendo, balizou-se o conceito de identidade no constructo de Ciampa (1994), o qual a concebe
como algo formado a partir das relações sociais e, por isso mesmo, um elemento em constante
transformação, levando-se em conta os papéis institucionalizados assumidos por cada indivíduo.

Para suscitar as reflexões pertinentes à orientação utilizaram-se recursos áudio-visuais,


dinâmicas de grupo, completamento de frases, realização de palestras com profissionais das
diversas áreas do conhecimento, assim como, possibilitou a livre expressão artística, por
intermédio de algumas dinâmicas, e uma maior interação dos participantes.

Embora, em um primeiro momento, em que se questionou o interesse dos sujeitos em


participar da Orientação Profissional e Educacional, houvesse uma manifestação demasiada de
interesses, ao final, notou-se uma evasão significativa de orientandos. Esta teve vários motivos,
tais como: a recusa do alguns professores em liberarem alunos para que os mesmo pudessem
participar das sessões; a distribuição de bolsas para cursos fora do instituto, os quais aconteciam
concomitantes aos encontros; a desistência de alguns alunos em freqüentar as aulas oferecidas
pelo instituto ocasionando sua saída no grupo de orientação; informações descasadas sobre os
encontros.

Por outro lado, levantou-se a hipótese de que as já citadas desistências poderiam ter
ocorrido porque se priorizou a técnica já construída anteriormente, no projeto de intervenção,
pelas acadêmicas, adotando uma rígida postura ante a elas, perdendo de foco, assim, as
expectativas dos sujeitos em relação à orientação. Estas expressavam o estereotipo que se tem de
orientações, as quais são baseadas na idéia de vocação e fazem uso de testes psicométricos.
Neste sentido, repensou-se a prática de desmistificar os modelos tradicionais ao se apresentar a
forma de intervenção contrapondo-se, portanto, com as expectativas dos orientandos.

Considerações Finais

Contudo, pensa-se que a orientação profissional e educacional realizada, não


contemplou as necessidades dos indivíduos e, então, o sentido por eles atribuído a este trabalho
não os motivou a continuarem freqüentando o grupo. Entende-se por sentido, aqui, como sendo o
significado internalizado conforme as experiências individuais. Portanto, questiona-se a
adequação técnica para os objetivos empreendidos, uma vez que, corre-se o risco de gerar a
resistência dos sujeitos, já no primeiro encontro, em relação a este trabalho. Esta critica estende-
se aos procedimentos sugeridos por Silvio Duarte Bock, o qual adota que esta desmistificação
deve ser feita no primeiro encontro. Esta interpretação foi baseada no método utilizado para se
avaliar a compreensão, por parte dos participantes, em relação aos conteúdos tratados ao longo
dos encontros. O método avaliativo constituía-se em propor aos alunos que escrevessem uma
carta endereçada a algum amigo e que nesta, eles relatem entenderam por escolha profissional.

Ante a prática realizada, percebeu-se a grande influência que os modelos tradicionais


exercem na concepção sobre o que é a Orientação Profissional e Educacional, assim como, o que
os sujeitos pensam sobre esta e atuam. Como se trata de um modelo determinista, o qual emite
respostas prontas mediante o uso de testes, sem a devida reflexão acerca dos determinantes que
envolvem esta escolha, sendo que esta é feita pelo psicólogo e não pelo sujeito, postulando
assim, o homem como ser estático e corroborando para sua atuação passiva ante aos conflitos
inerentes ao ser humano. Então, ele permanece como um sujeito vasculhado a quem é dado uma
ordem de optar por determinado curso ou carreira profissional, típico de uma sociedade
funcionalista.

Embora as técnicas psicométricas tenham marcas ideológicas no sentido de sua prática,


muitas vezes, legitimar o status quo, o seu uso não pode ser de todo descartado, podendo
contribuir para a compreensão do sujeito em determinado momento de sua ontogênese. Neste
aspecto, Vigotski (2004) aponta que elas podem estar a serviço da educação de modo a
apreender os interesses individuais e aproximar os sujeitos dos conteúdos educacionais. Sendo
assim:

[...] a psicotécnica é um acompanhante e um orientador permanente, que a cada


dia pode mostrar com precisão objetiva em que situação se encontram as
reações que educamos, o que já foi obtido e o que deve ser obtido, que aspectos
dessas reações e em que ordem devem servir de objeto da nossa preocupação e
do nosso cuidado educativo. (Vigotski, 2004, p. 417)
Constatando-se que os sujeitos estão imersos em um contexto em que se espera a
atuação tradicional em orientação profissional, a inclusão de testes na intervenção crítica media o
diálogo com os orientandos e os objetivos da orientação, podendo, assim, serem alcançados de
forma mais satisfatória.

Então, com a crítica acerca da teoria e procedimentos adotados, percebe-se que a práxis
possibilita um constante aprimoramento metodológico, já que este se encontra em um infindável
vir a ser do pensamento e atuação psicológicos, comprometidos politicamente com a
transformação social. Isto se deve porque o homem é um ser em estado de metamorfose e a
Psicologia deve acompanhar estas transformações.
Referências Bibliográficas

BOCK, Silvio Duarte. Orientação Profissional: abordagem sócio-histórica. São Paulo:


Cortez, 2002.

CIAMPA, Antônio da Costa. Identidade In: LANE, Silvia Tatiane Maurer; CODO,
Wanderley (orgs). Psicologia Social: o homem em movimento. São Paulo: Brasiliense,
2004.

LEÃO, Inara Barbosa. Educação e Psicologia: Reflexões a partir da teoria Sócio-


Histórica. Campo Grande: Editora UFMS, 2003.

MARX, Karl. Manuscritos Econômicos-Filosoficos. São Paulo: Martin Claret, 2004.

URT, Sonia da Cunha. Uma análise da categoria trabalho: da sua concepção


psicológica clássica a uma perspectiva da psicologia sócio-histórica. Revista Tópico
educação, v.11, n.1/2. Recife, 1993, p. 63-70.

VIGOTSKI, Lev Semenovich. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes,
2003.
________________________. Psicologia Pedagógica. São Paulo: Martins Fontes,
2004.

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