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A Revolução escrava de 1791 na então chamada Ilha de Saint Domingue pegou de surpresa uma Europa
embebida em seu suposto progressismo liberal, incapaz de olhar para a ex-colônia e para a diáspora africana
que ali se rebelava fora de sua projeção exotizante. Na antiga metrópole francesa, as elites mesmo as ditas
antiescravagistas voltaram atrás à medida que detalhes da Revolução haitiana chegavam a solo francês.
french encouter with africans: 1530-1880
O levante de Saint Domingue foi decisivo para o fortalecimento da negrofobia [na França]. Nenhum
dos abolicionistas aprovou a revolta. Alguns, inclusive, tomaram-na como prova de que haviam
compreendido mal a natureza dos negros e, consequentemente, passou a reavalia-los3. (Cohen, 2003:
pg 182)
Segundo o autor, filho de judeus que, à época do nazismo, refugiaram-se em solo etíope, a partir desse
momento passava a não ser de bom tom proclamar a nobreza da raça negra e a barbárie da escravidão nas
rodas de intelectuais e mesmo nos circuitos artísticos, considerados vanguardistas, onde agora fortalecia-se o
homens não nasceram para correntes, mas os revoltosos de Saint Domingue
provaram que elas eram necessárias.
Nesse cenário, Arthur de Gobineau, até aquele momento, nas palavras de pouco
renome e romancista medíocre
as ideias sobre a raça de seus antecessores e
(Cohen, 2003: pg.217). O Ensaio, publicado em Paris em 1855, será, sem dúvida, sua
publicação de maior alcance e repercussão ao valer-se do racismo científico para apregoar, romanticamente
segundo Cohen, a derrocada das raças puras e, portanto, a iminência da degeneração. Somente à raça ariana
única considerada pura -
das virtudes mais elevadas do homem: honra, amor à pátria, liberdade, etc. Ao afirmar "Eu não
De acordo com Cohen, as teses de Gobineau constituirão o plano de fundo da emergência da Sociedade
Francesa de Antropologia, fundada em 1859, com intenção de consolidar-se como disciplina científica,
distanciando-se de qualquer tradição moral por considera-las afeitas à ética religiosa e endossando o método
descartiano. Apesar da grande repercussão de que gozou o ensaio de Gobineau nesse contexto, em um
momento em que o continente africano era repartido entre as potências europeias, a resposta aguda e
sistemática produzida a ele desde o Haiti independente foi francamente abafada. Ainda está por ser feita a
descoberta do intelectual negro Anténor Firmin, advogado e diplomata haitiano, convidado a tornar-se
membro da referida Sociedade Francesa de Antropologia por suas contribuições às discussões realizadas
naquele âmbito e notável domínio do positivismo como método4. É assim que Firmin publica, em Paris, em
1885, um ano depois do lançamento da segunda edição da obra de Gobineau, sua resposta sistemática ao
No prefácio, o autor deixa clara a indignação que lhe despertam as páginas que lhe chegam às mãos em sua
estada em Paris, evidenciando a popularidade das ideias propagadas por Gobineau:
Não pude dissimular. Meu espírito ficou em estado de choque quando li diversas obras onde se
afirmava dogmaticamente a desigualdade das raças humanas e a inferioridade nativa dos negros. Uma
vez aceito como membro na Sociedade Antropológica de Paris, a discussão não me deveria parecer
ainda mais incompreensível e ilógica? É natural ver compor uma mesma associação e dotar-se de um
mesmo título, homens que a própria ciência - de que supõem-se representantes - parece declarar
desiguais? (Firmin, 1885: pg.08)
O modo como Firmin sistematiza a resposta à Gobineau passa por um profundo e minucioso estado da arte
que, por si só, poderia ser considerado significativa contribuição à constituição disciplinar da antropologia.
Mas é no capítulo dedicado a inventariar a contribuição das comunidades negras à história da humanidade
que fica nítido seu vanguardismo. Antecipando Cheikh Anta Diop, reconhecido historiador africano,
das civilizações etíopes à formação da tradição greco-romana e, por fim, analisar a revolução
Infelizmente, as ciências sociais latino-americanas e caribenhas ainda desconhecem a importantíssima
contribuição de Firmin à construção de conhecimento antirracista e pós-colonial no fim do século XIX.
Enquanto seus estudos seguirem distantes de nossos currículos, não será possível estimar a contribuição
haitiana e negra e tampouco incorporá-la a nossas pesquisas, desperdiçado sumariamente sua potência e
radicalidade.
Referências Bibliográficas:
COHEN, William B. The French Encounter with Africans. White Response to Blacks, 1530-1880.
Bloomington and London, Indiana University Press, 2003.
FIRMIN, Anténor, De l'égalité des races humaines, Lib. Cotillon, Paris, 1885;
GOBINEAU, Arthur. Sur l'inégalité des races humaines. Librairie de Fimin Diot, Paris, 1853;