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A Linguagem de Deus-Francis Collins
A Linguagem de Deus-Francis Collins
S. Collins
A
L
INGUAGEM DE DEUS
Um cientista apresenta evidências de que Ele existe
Tradução: Giorgio Cappeli
Digitalização: Argo
Francis S. Collins
A LINGUAGEM DE DEUS
Um cientista apresenta evidências de que Ele existe
Tradução: Giorgio Cappeli
Digitalização: Argo (apelido de "Deus")
A meus pais, que me ensinaram a adorar o aprendizado.
SUMÁRIO
Introdução – 9
PRIMEIRA PARTE O cisma entre a ciência e a fé – 17 CAPÍTULO I: Do ateísmo à crença – 19 CAPÍTULO 2: A
guerra das visões de mundo – 41
SEGUNDA PARTE As grandes questões da existência humana – 63 CAPÍTULO 3: As origens do universo – 65
CAPÍTULO 4: A vida na Terra: sobre micróbios e o homem – 91 CAPITULO 5: Decifrando o manual de instruções
de Deus: as lições do genoma humano – 115
TERCEIRA PARTE Fé na ciência, fé em Deus – 149 CAPÍTULO 6: Gênesis, Galileu e Darwin – 151 CAPÍTULO 7:
Alternativa I: Ateísmo e agnosticismo – 165 CAPÍTULO 8: Alternativa 2: Criacionismo – 177 CAPÍTULO 9:
Alternativa 3: Design inteligente – 187 CAPÍTULO 10: Alternativa 4: BioLogos – 203 CAPÍTULO 11: Os que buscam
a verdade – 217
Apêndice A prática moral da ciência e da medicina: Bioética – 239
Agradecimentos – 277
I
NTRODUÇÃO
NUM DIA QUENTE DE VERÃO do primeiro semestre do novo milênio, a humanidade
atravessou uma ponte rumo a uma nova era de tremenda importância. Ao mundo inteiro foi
transmitido um pronunciamento, com destaque em praticamente todos os jornais mais
importantes, apregoando que o primeiro rascunho do genoma humano, nosso manual de instru
ções, havia sido concluído.
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O genoma humano é formado por todo o DNA de nossa es pécie; é o código de hereditariedade da vida.
O texto recém revelado apresentava 3 bilhões de letras, escrito num código estranho e enigmático
composto de quatro letras. A complexi dade das informações contidas em cada célula do corpo huma no
é tamanha e tão impressionante que ler uma letra por se gundo desse código levaria 31 anos, dia e noite,
ininterrupta mente. Se imprimíssemos essas letras num tamanho de fonte regular, em etiquetas normais, e
as uníssemos, teríamos como resultado uma torre do tamanho aproximado de um prédio de 53 andares.
Pela primeira vez naquela manhã de verão, aquele enredo fabuloso, que continha todas as instruções para
cons truir um ser humano, encontravase disponível para o mundo.
Como líder do Projeto Genoma Humano internacional, no qual me empenhei por mais de uma década a
fim de revelar a seqüência do DNA, fiquei ao lado do presidente Bill Clinton, no Salão Leste da Casa
Branca, juntamente com Craig Venter, o líder de uma empresa concorrente do setor privado. O primeiro
ministro Tony Blair estava conectado ao evento via satélite, e as comemorações aconteciam em várias
partes do mundo.
Clinton iniciou o discurso comparando o mapa da seqüência do genoma humano ao que Meriwether
Lewis desdobrou diante do presidente Thomas Jefferson, naquele mesmo recinto, qua se duzentos anos
antes.
— Sem dúvida — afirmou Clinton —, tratase do mapa mais importante e mais extraordinário já produzido
pela humanidade. No entanto, a parte de seu discurso que mais chamou a aten ção do público saltou da
perspectiva científica para a espiritual.
— Hoje — disse ele —, estamos aprendendo a linguagem com a qual Deus criou a vida. Ficamos ainda
mais admirados pela complexidade, pela beleza e pela maravilha da dádiva mais divina e mais sagrada de
Deus.
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Será que eu, um cientista rigorosamente treinado, fiquei desconcertado com uma referência religiosa tão
espalhafatosa, feita pelo presidente dos Estados Unidos num momento como aquele? Fiquei tentado a
mostrarme irritado ou a olhar enver gonhado para o chão? Não, nem um pouco. Na verdade, eu trabalhara
com o redator do discurso do presidente naqueles dias de frenesi que precederam o evento, e fui enfático
em meu apoio à inclusão desse parágrafo. Quando chegou o momento em que precisei acrescentar
algumas palavras de minha auto ria, fiz coro com esse sentimento:
— É um dia feliz para o mundo. Para mim não há pretensão nenhuma, e chego mesmo a ficar pasmo ao
perceber que apa nhamos o primeiro traçado de nosso manual de instruções, an teriormente conhecido
apenas por Deus.
O que se passava lá? Por que um presidente e um cientista, no comando do anúncio de um marco da
Biologia e da Medici na, se sentiram impelidos a evocar uma conexão com Deus? Não existe um
antagonismo entre as visões de mundo científica e espiritual? Ambas não deveriam, ao menos, evitar
aparecer lado a lado no Salão Leste? Quais os motivos para evocar Deus nesses dois discursos? Poesia?
Hipocrisia? Uma tentati va cínica de bajular as pessoas religiosas ou de desarmar as que talvez
criticassem o estudo do genoma humano como se este reduzisse a humanidade a um maquinário? Não.
Não para mim. Muito pelo contrário. Para mim, a experiência de mapear a seqüência do genoma humano e
descobrir o mais notável de todos os textos foi, ao mesmo tempo, uma realização científica
excepcionalmente bela e um momento de veneração.
Muitos ficarão intrigados com esses sentimentos, presumindo que um cientista que trabalha com rigor
não possa também a creditar seriamente em um Deus. Este livro tem por objetivo dis seminar esse
conceito, argumentando que a crença em Deus
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pode ser uma opção completamente racional e que os princípios da fé são, na verdade, complementares
aos da ciência.
Essa síntese potencial das visões de mundo científica e es piritual, nos tempos modernos, é tida por
muitos como impossí vel, quase como a tentativa de obrigar os dois pólos de um ímã a permanecer juntos
num mesmo ponto. Apesar dessa impres são, várias pessoas nos Estados Unidos parecem interessadas
em assimilar a validade de ambas as visões de mundo em seu cotidiano. Pesquisas recentes confirmam
que 93% dos norte americanos são adeptos de alguma forma de crença em Deus; entretanto, a maioria
deles também dirige carros, utiliza eletrici dade e presta atenção na previsão do tempo, aparentemente
reconhecendo que a ciência que dá respaldo a tais fenômenos é, em geral, digna de crédito.
E o que dizer da crença espiritual entre cientistas? Na ver dade, ela é mais comum do que muitas
pessoas imaginam. Em 1916, pesquisadores perguntaram a biólogos, físicos e mate máticos se
acreditavam em um Deus que se comunica ativa mente com a humanidade e ao qual é possível fazer uma
ora ção, na esperança de receber uma resposta. Cerca de 40% de les responderam que sim. Em 1997, o
mesmo estudo foi repe tido literalmente e, para surpresa dos pesquisadores, a porcen tagem permanecia
muito próxima da anterior.
Quer dizer, então, que a "batalha" entre a ciência e a religião talvez não esteja tão claramente separada
quanto parece? Infe lizmente, a prova de uma harmonia potencial é, com freqüên cia, ofuscada pelos
pronunciamentos vociferados daqueles que ocupam os pólos do debate. Não há como negar: bombas são
jogadas de ambos os lados. Por exemplo, para desacreditar, em sua essência, as convicções religiosas de
40% de seus co legas, taxandoas como bobagens sentimentais, o evolucionista Richard Dawkins surgiu
como destacado portavoz do seguinte
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ponto de vista: é preciso ser ateu para acreditar na evolução. Eis uma de suas diversas afirmações
estarrecedoras: "A fé é a grande enrolação, a grande desculpa para fugir da necessidade de pensar e
avaliar as evidências. A fé é acreditar, apesar de, ou mesmo em virtude de, uma falta de evidência. [...] A fé,
por ser uma crença que não se baseia em evidências, é o principal vício de qualquer religião."
1
Do outro lado do debate, determinados fundamentalistas re ligiosos atacam a ciência, condenandoa de
perigosa e não confiável, e apontam uma interpretação ao pé da letra dos tex tos sagrados como única
forma crível para discernir a verdade científica. Entre os participantes dessa comunidade está o fina do líder
do movimento criacionista, Henry Morris, cujos comen tários sobressaem:
Essa mentira chamada evolução permeia e domina o pensamento mo
derno em todos os campos. Sendo assim, portanto, é inevitável que o pen
samento evolucionista seja, basicamente, o responsável pelos desenvolvi
mentos políticos mortalmente sinistros e pelo esfacelamento caótico, moral
e social que vem sendo catalisado em todos os lugares. [...] Se a ciência e
a Bíblia entram em desacordo, é óbvio que a ciência interpreta os dados de
forma errônea.
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A crescente cacofonia de vozes antagônicas faz com que vá rios observadores sinceros se sintam
confusos e desanimados. Pessoas de bom senso concluem ter a obrigação de escolher entre dois
extremos insossos, e nenhum deles oferece muito consolo. Decepcionadas pela estridência de ambas as
perspec tivas, muitas optam por rejeitar tanto a confiabilidade das con
1
D
AWKINS
, R. I
S
Science a Religion? The Humanist, v. 57, 1997, p. 2629. 2
M
ORRIS
, H. R. The Long War Against God. New York: Master Books, 2000.
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clusões científicas como o valor da religião organizada, prefe rindo se lançar as diversas formas de
pensamento anticientífico ou a alguma forma vazia de espiritualidade, ou se entregar a uma simples apatia.
Outras decidem aceitar ao mesmo tempo os valores da ciência e os do espírito, isolando, porém, essas
porções de sua existência espiritual e material, a fim de evitar um desconforto causado por conflitos
aparentes. Com base nessas premissas, o biólogo Stephen Jay Gould acreditava que ciência e fé deveriam
ocupar "ofícios separados, e não sobre postos". Contudo, esse tipo de posição também se mostra insa
tisfatório, levando a conflitos internos e destituindo as pessoas da oportunidade de adotar a ciência ou o
espírito de um modo que as satisfaça totalmente.
Eis aqui a pergunta central deste livro: nesta era moderna de cosmologia, evolução e genoma humano,
será que ainda existe a possibilidade de uma harmonia satisfatória entre as visões de mundo científica e
espiritual? Eu respondo com um sonoro sim! Em minha opinião, não há conflitos entre ser um cientista que
age com severidade e uma pessoa que crê num Deus que tem interesse pessoal em cada um de nós. O
domí nio da ciência está em explorar a natureza. O domínio de Deus encontrase no mundo espiritual, um
campo que não é possível esquadrinhar com os instrumentos e a linguagem da ciência; deve ser
examinado com o coração, com a mente e com a alma — e a mente deve encontrar uma forma de abar
car ambos os campos.
Meu argumento é que tais perspectivas podem coexistir em qualquer indivíduo, e de modo que enriqueça
e ilumine a expe riência humana. A ciência é a única forma confiável para en tender o mundo da natureza,
e as ferramentas científicas, quando utilizadas de maneira adequada, podem gerar profun dos
discernimentos na existência material. A ciência, entretan
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