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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação


(CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Lima, Celso Afonso, 1954-
Memórias : do blog diário de um
aposentando / Celso Afonso Lima. -- 1. ed.
-- Porto Alegre, RS : Ed. do Autor, 2017.

ISBN: 978-85-922779-0-1

1. Blogs (Internet) 2. Crônicas


brasileiras
3. Memórias autobiográficas I. Título.

17-03313 CDD-869.8
Índices para catálogo sistemático:

1. Crônicas : Literatura brasileira 869.8

Celsol Editora.
Blog:
http://celsol-diariodeumaposentando.blogspot.com.br/

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MEMÓRIAS
Do blog Diário de Um AposentaNdo
(2009 – 2017)

SEGUNDA EDIÇÃO - PDF

Celso Afonso Lima

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NOTA DO AUTOR

Foi uma realização pessoal muito grande publicar este meu


livro de MEMÓRIAS DOS MUNICIPÁRIOS, em cuja produção e edição
trabalhei praticamente durante os últimos nove anos, para
finalmente concluir em março de 2017. Livro este que reúne
crônicas escritas a partir de 2009 até 2017, todas publicadas no meu
blog Diário de Um AposentaNdo.
O Rito de Passagem da vida profissionalmente ativa para a
vida de aposentado é um momento crucial, uma espécie de
“experiência de quase morte”, quando temos a nítida percepção de
que vai ocorrer a morte da existência que tivemos até então na
sociedade, e sentimos que a luz no fundo do túnel deste umbral de
passagem é muita tênue e fugidia para a maioria dos mortais.
Como nos relatos clássicos das experiências de quase
morte, também neste rito de passagem para a inatividade
profissional, passa um filme na cabeça e no coração da gente.
Repassam todas as etapas que percorremos na vida para chegarmos
até este momento aguardado com tantas expectativas libertárias do
jugo diário do trabalho, em que corremos atrás do rabo pra ganhar
o sustento de cada dia e garantir a velhice com algum conforto. Mas,
assim como no leito da morte, na hora da passagem dá medo do
desconhecido que nos espera no além, na inatividade da
aposentadoria.
Com o advento do blog, aproveitei este rito de passagem
para escrever, em formas de crônicas aleatórias com ganchos em
temáticas de notícias do momento, o roteiro deste filme da minha
vida que me passou na mente às vésperas da aposentadoria, a partir
de meados de 2009. Foram escritos feitos tanto no âmbito das
minhas memórias biográficas (infância e adolescência, família e
internato), como no âmbito da minha carreira de servidor público
municipal (atividades profissionais e sindicais, relações funcionais e
amorosas) e, também, como não poderia deixar de ser, no âmbito
das minhas atividades literárias que me acompanharam a vida toda.
4
Em verdade, eu imaginava que no final resultaria apenas um
livro de memórias municipárias, mas no trabalho de edição acabei
classificando os textos em três grupos (Pessoais, Municipários e
Literários) e, só então, percebi que havia escrito o Livro de
Memórias da Minha Vida, aos 63 anos de idade. Foi para mim uma
maravilhosa surpresa, pois jamais me animaria a esta pretensiosa
tarefa de escrever deliberadamente um livro de minhas memórias,
mas como um típico escritor amador anônimo adorei ter o meu
próprio Livro de Memórias para deixar aos meus descendentes o
relato da minha época no mundo.
Tendo em vista que não conseguimos nenhum
patrocínio para publicar o livro MEMÓRIAS, que resultou um
tijolo com 523 páginas, mandei imprimir às minhas custas uma
tiragem de apenas trinta volumes para distribuição restrita,
presenteando parentes e amigos íntimos. Acontece que, com
a notícia de lançamento do livro, muitos leitores do blog estão
manifestando interesse em ter um exemplar,o que
lamentavelmente esclareço que não será possível na versão
física de livro, pois sua pequena edição já se encontra
esgotada.
Contudo, para poder atender a esta demanda dos
leitores do blog Diário de Um AposentaNdo,
elaborei esta segunda edição numa versão reduzida do livro
MEMÓRIAS, agora em PDF, para disponibilizar especialmente
as postagens do capítulo Memórias Municipárias e algumas
do capítulo Memórias Pessoais. Esta versão em PDF será
distribuída online como um brinde de agradecimento a todos
os municipários leitores do blog Diário de Um
AposentaNdo, blog que continua impressionantemente
tendo milhares de acessos mensais e que já computa mais de
70 mil acessos.
Esta versão do MEMÓRIAS em PDF, que está sendo
enviado como arquivo em anexo por e-mail, contém dois
5
bônus não inclusos no livro original impresso em março/2017,
que são os textos “Livro do Resgate Histórico da Fundação
do Simpa” e “As Justas Razões da Maior Greve dos
Municipários”; greve esta que resultou vitoriosa e que barrou
o mais cruel ataque contra os direitos conquistados pelos
Municipários em sua longa história de lutas em defesa do
serviço público de qualidade.
Este livro com as nossas “Memórias” em PDF dedico
aos ex-colegas interessados em ter um histórico como
recordação de sua época no seu local de trabalho, de um
ambiente que na realidade já não existe mais, só em nossa
memória afetiva quando evocada pelas narrativas contidas
neste livro.

Porto Alegre, novembro de 2017.

Celso Afonso Lima

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MEMÓRIAS
Do blog Diário de Um AposentaNdo
(2009 – 2017)

I – MEMÓRIAS MUNICIPÁRIAS

II – MEMÓRIAS PESSOAIS

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I - MEMÓRIAS MUNICIPÁRIAS
Do blog Diário de Um AposentaNdo
Índice:

1 - O LIVRO DO BLOG DIÁRIO DE UM APOSENTANDO


2 - AVISO PRÉVIO NO FINAL DE 2009
3 - UM SONHO DE LIBERDADE
4 - 50º ANIVERSÁRIO DO AMIGO KONRAD
5 - BARNABETISMO DMAEANO
6 - CONSULTA JURÍDICA
7 - BANCO DE PRAÇA
8 - O CABALÍSTICO NÚMERO 95
9 - SENTENÇA CUMPRIDA
10 - UMA CATEGORIA EM EXTINÇÃO
11 - QUASE UMA GRANDE FAMÍLIA
12 - A ÚLTIMA NOVA MISSÃO
13 - O ACHADO DE NATAL
14 - BRINDE AO APOSENTANDO
15 - A REVELAÇÃO DO MESTRE
16 - DESOBEDIÊNCIA CIVIL AO CREA
17 - O MEU PEDIDO DE DEMISSÃO
18 - A MALDIÇÃO DA INSALUBRIDADE E DAS HORAS-EXTRAS
19 - AR CONDICIONADO GRÁTIS
20 - O FOTÓGRAFO DA MANUTENÇÃO
21 - AS GARÇAS NO DMAE
22 - O ÚLTIMO DIA DE CADA DIA
23 - AVISO DE JUBILAMENTO
24 - PLANO CONTRA O TÉDIO NA APOSENTADORIA
25 - OS APOSENTADOS PRÉ-DIGITAIS & OS PÓS-MODERNOS
26 – BUDISMO, MEDITAÇÃO & PÃES QUENTINHOS
27 - NÓS E O ANIVERSÁRIO DA NOSSA CIDADE
28 - MINHAS FILHAS GANHARAM BOLSAS DE ESTUDO DO DMAE
29 - O DIREITO DOS ESTUDANTES DA UFRGS NO DMAE
30 - A VENDA DA FOLHA DE PAGAMENTO
31 - AS SIGLAS DOS SISTEMAS INFORMATIZADOS
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32 - QUARTA-FEIRA DE CINZAS
33 - O CAMINHO DOS APOSENTADOS DO DMAE
34 - VULGOS QUI-QUI-QUI, CACHORRO, BOCA E FAÍSCA
35 - SÍNDROME DA CAIXA DE EMAILS VAZIA
36 - AS FALTAS DA DONA MALVINA
37 - DA BAIXA À ALTA HOSPITALAR DO MATTOS
38 - AO DIA MUNDIAL DA ÁGUA
39 - O PGQP NO BOLSO DOS FUNCIONÁRIOS
40 - REVISANDO O PLANO DE FUGA
41 - RESTRUTURAÇÃO DO DMAE: O FRANKENSTEIN ESPETACULAR
42 - O IMPERADOR, O HIPPIE E O MENDIGO
43 - SALVEM AS PROFESSORINHAS COMO A ELIZETE!
44 - A QUESTÃO DA SOCIALIZAÇÃO NO TRABALHO
45 - FATALIDADES, REALIZAÇÕES & PREDESTINAÇÕES
46 - GUERRA DE TITÃS PELO SENTIDO DA VIDA
47 - OS NOSSOS MORTOS DA DVM
48 - HOMENAGEM AOS COLEGAS DA ASSEC
49 - PREPARAÇÃO PARA APOSENTADORIA (PPA)
50 - PITINGA, O TEU POVO TEM ÁGUA!
51 – CAUSOS DA RODA DE CHIMARRÃO NA MANUTENÇÃO
52 - FAROESTE MATUNGO
53 - O CARIMBADOR MALUCO
54 - O PAULO BUGIO FEZ 60 ANOS
55 - O “APITA JOÃO!”
56 - INVENÇÕES COM O HARTMUT E O JOÃOZINHO
57 - CAFURINGA: O HOMEM QUE FALA SOZINHO
58 - O ARMANDINHO DENTISTA
59 - DEMISSÕES A BEM DO SERVIÇO PÚBLICO
60 - SE FICAR OU CORRER O BICHO PEGA IGUAL?
61 - AEAPOPPA: RELATO DE UMA ELEIÇÃO
62 - O TOCADOR DE VIOLINO DA MANUTENÇÃO
63 - MINHAS FILHAS GANHARAM BOLSAS DE ESTUDO DO DMAE
64 - OS CAMPEÕES DE TUDO
65 - A GRANDE FAMÍLIA: PAIS & FILHOS & CASAIS NO DMAE
66 - CORAL & CURTAS NO DMAE
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67 - CURTA: OS SOBREVIVENTES DA GARGANTA DO DIABO
68 - RELÓGIO PONTO ELETRÔNICO
69 - OS ENGENHEIROS COMEÇARAM A BATER PONTO NO DMAE
70 - ESTRATÉGIAS DE PRÉ-APOSENTADORIA
71 - O PRIMEIRO ANIVERSÁRIO DO BLOG
72 - O QUE UM APOSENTADO FAZ COM O SEU TEMPO?
73 - LISTA DE 100 COISAS PARA FAZER NA APOSENTADORIA
74 - AGORA EU SOU UM APOSENTADO!
75 - BLOGAR OU PUBLICAR LIVROS?
76 - LANÇAMENTO DO BLOG BRECHÓ DE POEMAS
77 - O “CASE DVM” & O DIA QUE ANDEI DE BALÃO
78 - VERGONHA: O DMAE NÃO SEPARA O SEU LIXO SECO!
79 - DESCONTOS NO FINAL DO SEGUNDO TEMPO
80 - CHÁ E ELEIÇÕES DE CHEFIAS NO DMAE
81 - AS ELEIÇÕES DE CHEFIAS NO DMAE
82 - O ÚLTIMO DIA COM AS CARAS DO DMAE
83 - A HORA DE PENDURAR AS CHUTEIRAS
84 - MEU ALVARÁ DE SOLTURA & A GREVE
85 - SE APOSENTAR OU NÃO? VOCÊ DECIDE!
86 – A LUTA DAS RESPONSABILIDADES TÉCNICAS – O INÍCIO
87 – ASTEC & OS CAPACETES BRANCOS
88 - OS CAPACETES BRANCOS E A BATALHA FINAL
89 - O DOPA VERDE
90 – NEUSA, A ACOLHEDORA DE GATOS DE RUA
91 - GALOS DE ENCRUZILHADAS NO DMAE
92 - MENSAGEM A UM JOVEM ENGENHEIRO
93 - UM ANO SEM CARTÃO PONTO
94 - NOVA FASE DO BLOG: PRÓ-LIVRO DO DIÁRIO!
95 - DOIS ANOS SEM CARTÃO PONTO
96 - BALNEABILIDADE AO GUAÍBA, JÁ!
97 - QUANDO SOMOS PAIS DE NOSSOS PAIS
98 - MANIFESTO AOS ASSOCIADOS DA AEAPOPPA
99 - OS QUATRO DINOSSAUROS DA MANUTENÇÃO
100 - A MADRINHA DA MANUTENÇÃO DO DMAE

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101 –O ÚLTIMO ANIVERSÁRIO DA MADRINHA DA DVM NO DMAE
102 - A MADRINHA DA DVM SE APOSENTOU, ACREDITEM!
103 – O ÚLTIMO DIA DA ÚLTIMA SEMANA DO ÚLTIMO ANO
104 – A EXTINÇÃO DO ÚLTIMO DINOSSAURO
105 – A ÚLTIMA CASCA DE BANANA DO ÚLTIMO DINOSSAURO
106 – UM ESTRANHO NO NINHO DO DMAE & O FIM DA AFM
107 - A ILUSÃO DA PARIDADE NA APOSENTADORIA
108 - A EMPULHAÇÃO DO ABONO PERMNANÊNCIA
109 - PLANO DE CARREIRA & EFEITO CASCATA
110 - GREVE CONTRA O EFEITO CASCATA DE PERDAS SALARIAIS
111 - SONHOS FRUSTRADOS DE DOIS APOSENTADOS DO DMAE
112 - HISTÓRICO E RISCOS DAS APOSENTADORIAS NO PREVIMPA
113 - A VOZ DA EXPERIÊNCIA DOS APOSENTADOS NO PREVIMPA
114 - CRÔNICA DA MORTE ANUNCIADA DA AFM
115 - O ÚLTIMO CONTRACHEQUE EM PAPEL
116 - OCASO DO MONTEPIO DOS MUNICIPÁRIOS
117 - MUNICIPÁRIOS AMPARADOS NA AMPA
118 - LIVRO DO RESGATE HISTÓRICO DA FUNDAÇÃO DO SIMPA
119 - AS JUSTAS RAZÕES DA MAIOR GREVE DOS MUNICIPÁRIOS

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II – MEMÓRIAS PESSOAIS
Do blog Diário de Um AposentaNdo

Índice:

1 - OS BIXOS DO LISTÃO DA UFRGS


2 - O CASO DO SUMIÇO DA DEDÉ
3 - EM MEMÓRIA DA FÁTIMA SILVELLO
4 - RESGATE DE UM MINEIRO FEITO PELA ETEL
5 - COTIDIANO EM BODAS DE PORCELANA COM A MAGDA
6 - DA FEBEM À FASE: OS FILHOS DA FLORESTA
7 - LULA E EU: OS FILHOS DO BRASIL
8 - CAMINHANDO CONTRA O VENTO NUM RETROPICALISMO
9 - RELATO DE UMA EMOÇÃO FORTE
10 - MINHAS TANTAS VIDAS NESTA EXISTÊNCIA I
11 - MINHAS TANTAS VIDAS NESTA EXISTÊNCIA II
12 - MINHA PRIMEIRA PREMIAÇÃO LITERÁRIA
13 - A CLASSE MÉDIA VAI À EUROPA
14 - MEMÓRIAS DA VIAGEM DOS SONHOS
15 - A LÍNGUA ESCRITA NA MINHA VIDA

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MEMÓRIAS
Do blog Diário de Um AposentaNdo

1 - O LIVRO DO BLOG DIÁRIO DE UM APOSENTANDO

A carinhosa acolhida pela categoria dos municipários,


especialmente pelo quadro funcional do DMAE, do blog “Diário de
um aposentaNdo”, que está ultrapassando os 53 mil acessos (uau!)
em sete anos de existência, mostrou desde o início que havia um
grande potencial de possíveis leitores para esta temática. Tanto que
andei sonhando com a publicação de um “Livro do Diário do
AposentaNdo”, contendo uma seleção de crônicas deste blog, para
ser distribuído gratuitamente no Kit do Previmpa, para os novos
aposentados, e pela SMA no Curso de Preparação para
Aposentadoria (PPA).
Naturalmente que toda a pessoa que gosta de escrever
almeja ter um livro seu publicado (antes que livro vire raridade feito
disco de vinil). No meu caso, entretanto, tenho a noção crítica do
quanto de fantasioso é este desejo, pois publicar um livro é criar um
“elefante branco” de difícil distribuição. Pior é que seria para ser lido
talvez, se tanto, apenas pelos familiares e amigos convocados para
a sessão de autógrafos. Contudo, publicar um livro com esquema de
distribuição (pelo Previmpa) e público leitor garantido (aposentados
da PMPA) é o que todo o “escrevinhador” sonha... Pense comigo,
não seria uma boa ideia a publicação do “Livro do Diário do
AposentaNdo da PMPA”? Eu acreditei que era, e travei uma
cruzada insana para tentar acessar os meios de produção, foi uma
batalha que durou vários meses.
O projeto do livro era conter uma seleção de crônicas do
blog, especialmente aquelas que têm agradado os municipários por
relembrarem muitos dos grandes momentos vividos por esta
geração que está se aposentando agora na Prefeitura, órgão que
tem um quadro funcional envelhecido, com milhares de
13
aposentandos. Assim, tomei a audaciosa iniciativa de sugerir aos
canais competentes da Prefeitura de Porto Alegre (SMA-PREVIMPA)
este projeto de bancar a edição do livro. Tentei convencê-los que,
com o meu convívio com a problemática durante os últimos anos,
havia conseguido captar várias nuanças e questões de grande valia
para os aposentaNdos com N maiúsculo, os conscientes do passo
que estão daNdo....
Em 2012 a Tanise, coordenadora do PPA, achou “Ótima a
ideia, sensacional!” Mas...revelou que a questão de patrocinar a
impressão do livro pela SMA era “inviável”. Beleza, pelo menos
conquistei de imediato uma aliada para o projeto, peça chave na
distribuição do livro, pois ela inclusive se propunha a solicitar uma
reunião com o presidente do Previmpa para tentar viabilizar a sua
publicação.
Devido às dificuldades encontradas para fazermos
deslanchar o nosso projeto do Livro dos AposentaNdos da PMPA,
fiz alguns movimentos visando a sua viabilização. Diante do silêncio
dos possíveis promotores desta edição em relação aos nossos
emails (Previmpa e SMC), tomei a iniciativa de imprimir uma crônica
do blog para materializar o seu "jeitão" de apresentar as matérias e
busquei um contato pessoal, não virtual-online, já que ninguém do
primeiro escalão tem mais tempo pra ler o blog de um
desconhecido. Esperei o professor Sergius Gonzaga (Secretário
Municipal da Cultura) sair na porta da sua sala de aula da Faculdade
de Letras na UFRGS do Vale (onde sou aluno), me apresentei e
explanei “rapidissimamente”, caminhando no corredor, o nosso
projeto e formulei o pedido de que a SMC nos forneça o suporte
técnico de como produzir um livro. Fiz questão que ele levasse o
material impresso para que tenha alguma concretude nas mãos,
sendo que ele ficou de tratar o assunto com o Márcio Pinheiro que
é o especialista na área de livros... Alguns dias depois recebi um
email dizendo o seguinte: “Meu nome é Fernando Rozano, sou da
Coordenação do Livro e Literatura, que é coordenada por Márcio
Pinheiro na SMC. Trabalho na Editora da Cidade. A propósito do livro
que ora apresentas como ideia de publicação, sob o aspecto
14
financeiro não temos condições, porém, tecnicamente estamos à
disposição, inclusive para sugestões, leitura e revisão dos textos.
Mantenha contato, melhor se for após a Feira do Livro.”
Diante da extrema dificuldade de fazermos um contato com
o Rigotti, presidente do Previmpa, que como um sabonete
escorregou escapulindo por meses sem responder aos meus emails,
e sem que eu conseguisse nunca agendar um horário com sua
excelência, tentei outra estratégia. O outro movimento que fiz foi
o de levar o nosso projeto (também materializado numa crônica do
blog impressa) e o apresentar para o Cláudio Lago, membro da
Diretoria do Previmpa, que ficou de levar o assunto para ser
apreciado pelo Conselho da entidade. Salientou, porém, que o
Previmpa não pode gastar com nada que não esteja diretamente
relacionado com a previdência...mas que talvez, quem sabe, haja
algum modo de incluir o livro no "kit dos aposentados"...E também
deu em nada!
Meu último movimento foi o de procurar o apoio logístico
do DMAE, enviando o link por email para a diretoria do Dmae
(Presser, Tânia e Angélica), para que se apropriassem do assunto,
dando uma "espiadinha" no blog, que é feito por um dos seus
servidores (agora ex-servidor!), no qual se relata o mundo do
trabalho, na perspectiva de quem está se aposentaNdo (em suas
várias etapas e nuanças), mas também como quem teve a
experiência de ser gestor como diretor da Manutenção. Solicitei que
avaliassem a possibilidade de promoverem a edição do livro a ser
distribuído gratuitamente com a logomarca do DMAE como seu
patrocinador. Depois busquei contato pessoal para obter o retorno
e, mais uma vez, dei com a cara na porta do cofre, talvez por
oferecer crônicas literárias e não panfletárias a favor do governo!...
O fato é que tínhamos um produto literário cultural de
interesse dos municipários, uma vez que o seu conteúdo tem
comprovada boa aceitação pelo servidores do DMAE e da PMPA em
geral (conforme demonstram os acessos no blog que chegou a
atingir uma média de 800 visitas mensais). Tínhamos à disposição o
suporte de orientação técnica da Secretaria Municipal de Cultura
15
em publicação de livros, e tínhamos um ótimo esquema de
distribuição no Curso PPA e no Previmpa. Mas nos faltou o principal,
os meios capitalistas de produção: Karl Marx tinha razão!
Assim, queimados todos os cartuchos e afundados todos os
navios, só me restou agradecer o apoio da Tanise da SMA e do
Fernando Rozano da SMC, e seguir em frente fazendo arte
alternativa e libertária, no espaço democrático e sem custo de
produção do blog, veiculando o meu trabalho nesta ferramenta
anarquista que é a internet.
Desta longa batalha na busca de patrocínio cultural para o
projeto do livro “Diário de Um AposentaNdo”, contendo uma
seleção de crônicas deste blog, resultou de positivo a constatação
de que não era uma tarefa fácil nem rápida selecionar as crônicas
que iriam compor o livro. Primeiro porque era preciso que se fizesse
a leitura de todas as quase trezentas postagens e, as escolhidas,
precisariam ser revisadas e muitas condensadas para se adequarem
ao formato de livro. Relendo as postagens constatei que alguns
textos eram abusivamente extensos. Outro saldo que ficou deste
episódio foi o de ficar constatado que no primeiro ano de existência
do blog foi o período em que foram postadas a maioria absoluta das
crônicas; justamente quando ainda havia poucos leitores. Na época
fui com tanta sede de escrever ao pote do blog que publiquei, em
média, mais de dois textos por semana, era um verdadeiro massacre
aos pobres leitores. Como ninguém costuma retroceder para fazer
leituras de postagens antigas de blogs, a conclusão óbvia é que
grande parte das matérias postadas no blog continuavam inéditas
para a maioria dos novos leitores do Diário de Um AposentaNdo.
Por estas e por outras é que, em meados de 2012, o blog foi
repaginado, anunciando o início de uma nova fase, em que seriam
publicados “remakes” de algumas crônicas selecionadas,
juntamente com as novas postagens que surgissem. Era uma
estratégia de ir fazendo a seleção visando, no longo prazo, a edição
de um livro que deixasse o registro da geração dos servidores
municipais que vivenciaram o momento histórico da travessia entre
dois séculos (XX e XXI) e entre dois milênios (1974 - 2014), em que
16
vivemos a transição da ditadura para a democracia brasileira.
Justamente nós que, dos 50 anos de existência do Dmae, por cerca
de 40 anos contribuímos para a construção de sua história.
Fizemos no blog, a partir de então uma “Antologia” das
crônicas pertinentes ao mundo dos municipários, separando dos
textos mais político-filosóficos e os de cunho autobiográfico.
Caracterizamos fortemente essa nova fase do blog como “pró-Livro
do Diário de Um AposentaNdo”.
Em 2016, quatro anos depois, finalmente concluí a etapa de
seleção das postagens do projeto do livro e, em 2017, finalizei a fase
de sua publicação, também artesanal como todos os meus dez
outros livros anteriores. Contudo, consegui manter a determinação
de mandar imprimir uma tiragem da ordem de dezenas de
exemplares, com direito a Catalogação de Publicação com ISBN
oficial, para o que tive que registrar minha própria editora (Celsol
Editora), para finalmente poder dizer que tenho um livro por mim
escrito, digitado, editado (inclusive a capa) e publicado (às minhas
custas). Agora eu também possa dizer: eu sou um escritor! Sonho
realizado.
Por fim, resultou da imensa massa de textos disponíveis no
blog um livro com três partes distintas, cujas temáticas classifiquei
como “Memórias Pessoais”, “Memórias Municipárias” e “Memórias
Literárias” (onde reuni os textos de memórias mais livremente de
gêneros literários). Este é, pois, o Livro de Memórias da minha vida!
Livro que me propiciou escrever em crônicas coisas da minha
infância, adolescência, ambientes de trabalho, casamentos,
aposentadoria e velhice. Livro que só foi possível de ser escrito
graças ao mundo maravilhoso dos blogs e ao acolhimento dos
leitores da categoria dos municipários porto-alegrenses,
especialmente os servidores do Dmae, que sempre me estimularam
com seus acessos e inspiraram com seus comentários no blog Diário
de Um AposentaNdo. Valeu pessoal!

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2 - AVISO PRÉVIO NO FINAL DE 2009

Caros Colegas e Amigos, estou vivendo o último ano de


convívio com os colegas de trabalho do DMAE, uma vez que vou me
aposentar o mais tardar no final do ano de 2010. Portanto, a partir
de agora, cada dia é vivido como o último dia de trabalho de cada
mês que não se repetirá, e isto torna este um ano muito especial,
no qual não resisti ao impulso de escrever um “Diário de Obra de
Um AposentaNdo” que estou publicando no mundo maravilhoso
dos blogs.
Assim, vocês podem dar uma “espiadinha” nesse BigBrother
da vida real do trabalho da gente, curtindo aspectos rotineiros de
cada dia que passa, que na correria nem prestamos atenção nos
seus personagens e nas suas situações corriqueiras mas peculiares.
Confesso que escrever este Diário de Obra de Um
AposentaNdo tem sido de um ímpeto quase compulsivo, pois uma
coisa qualquer ocorrida no dia de hoje pode puxar um trem de
outras coisas correlatas ocorridas em tempos remotos ou nem
tanto. Assim é que estes textos estão sendo criados, e outros tantos
ainda serão inspirados nas ações cotidianas dos dias de convivências
que temos pela frente até o final de 2010.

3 - UM SONHO DE LIBERDADE

Domingo, dia 15 de novembro de 2009, ao abrir meu correio


eletrônico no computador da empresa onde trabalho encontrei um
e-mail do meu amigo Kiko que é aposentado: E daí Xirú? Essa moleza
vai acabar no ano que vem. Vai dar saudade dos plantões de
domingo. Minha resposta, também por e-mail, foi imediata e
determinada, como exigia a ocasião por ser o dia da proclamação
da república: Este será o meu último plantão! A partir de agora vou
ir cortando os vínculos e jogando ao mar, durante a travessia de
2010, para romper com as dependências financeiras na hora de sair
para o “MEU SONHO DE LIBERDADE”. Diferente do filme Um sonho
de Liberdade, em que após cinquenta anos de reclusão os
18
presidiários (com Morgan Freeman) têm medo de sair deste mundo
que eles já dominam e são respeitados; mas semelhante ao
protagonista do filme, estou conseguindo cumprir minha pena, sem
enlouquecer, cavando pacienciosamente um túnel para a liberdade
integral do meu tempo e mantendo acesa a esperança de que o
melhor da vida ainda está por vir.
Depois de cumprir 38 anos de sentença de trabalhos
forçados em regime semi-aberto, vou me aposentar e quero sentir
todo o tédio do ócio fumado e prensado direto no cérebro, vou
adorar a saudade do presídio! Espere por mim...abraço meu irmão!

4 - 50º ANIVERSÁRIO DO AMIGO KONRAD


18/nov/2009)
Dia do 50º aniversário do Konrad, colega e amigo,
companheiro de caminhada pela última década. Amizade que
sobreviveu às divergências advindas após a “ascensão e queda”
petista na capital e no Estado gaúcho e, sobretudo, às desavenças
acerca do monopólio do Lulismo no governo nacional e na política
internacional. Encontramos caminhos peculiares de convergências
no âmbito cultural: na música, cinema e trocas de escritos pessoais.
Tanto que aproveitei a visita que fiz em sua sala de trabalho hoje
para abraçá-lo pela data e para devolver-lhe os DVDs de filmes que
ele tinha me emprestado: Grande Sertão Veredas (1965 – de
Geraldo Pereira dos Santos com Maurício do Valle), Moby Dick (
1956 – de John Huston, com Gregory Peck), Lolita ( 1962 – de
Stanley Kubrick), Acossado ( 1959 – de Godar, com Jean-Paul
Belmondo), Cortina Rasgada (1966 – de Alfred Hitchcock, com Paul
Newman e Julie Andrews) e Muito Além do Jardim (1979 – de Hal
Ashby, com Peter Sellers e Shirley MacLaine). Em contrapartida dei-
lhe de presente um CD-Duplo com a discografia completa do Zeca
Baleiro pirateada em mp3.
Os próprios títulos e datas dos clássicos cinematográfico já
dão o tom do tipo de complemento cultural “retrô” que ocorre, o
que também acontece no campo musical, acrescido do intercâmbio
poético e literário de observação da vida e da conjuntura política da
19
atualidade; reúne ingredientes que permitem a projeção de uma
perspectiva longeva para a nossa relação de amizade, para muito
além do jardim dos muros do local de trabalho e capaz de se
espraiar nas praias da aposentadoria. Um sinalizador neste sentido
é que vou no sábado na casa dele comer uma pizza caseira, feita
pela sua esposa Maria, para comemorarmos juntos este rito de
passagem dele para a segunda metade menor da vida (salvo raras
exceções, faço votos que que as exceções sejam propriedade dos
arquitetos, como o arquiteto Oscar Niemayer que já passou dos
cem). Registre-se, para fins do dimensionamento simbólico, que
este colega é o único que eu frequento a casa, ao longo de toda a
minha carreira na empresa. Definitivamente não sou uma pessoa
social, muito antes pelo contrário.

5 - BARNABETISMO DMAEANO

A minha obra sempre foi


fazer a água no cano rolar
isto eu sei de sobra
o que eu não sei é cobrar:
cobrar do usuário-cidadão
respeito pelo meu trabalho
cobrar do prefeito, meu patrão
meus direitos de proletário.
No dia-a-dia de todos os dias
na torcida do "chega cinco e meia!"
a vida escoa nesta monotonia
de bater cartão...
de dar explicação para a chefia
Mas com a compensação de ver o saneamento
chegar às vilas humildes da periferia
Nas fugas drenadas do meu salário
de servidor público municipal
tem AFM, Previmpa e ASDMAE
a mordida do Leão e muito mais
20
e sempre as perdas salariais!
E no fim do mês
do ano e da vida
sempre é racionada a grana
que em marcha é consumida
Na decantação do tempo
se renovam gerações
do fluxo da captação ao expurgo
através do ralo da aposentadoria
quando, sem o devido tratamento
sofremos o corte de regulares ligações
com colegas, amigos, flertes e amantes
Sem um reservatório de sobras
seremos como flóculos flutuantes
ou como a gota que entrou pelo cano
que talvez por engano cadastral
possa ter entrado em cano cloacal...
Acreditando que, no fim, tudo flui ao mar
e que o mar não vai salgar as nuvens com o seu sal
a água benta do Guaíba vai se preservar
como matéria prima da vida 100% hidrometrada na capital.

6 - CONSULTA JURÍDICA
(segunda-feira/16/nov/2009)
No dia seguinte enviei um e-mail para a minha advogada:
Ana Vellinho, fiz um levantamento de quantos plantões eu havia
feito nos últimos dois anos, pois estes constituem uma espécie de
“poupança em potencial”. O sonho de liberdade deste aposentando
(saio no final de 2010!) é comemorar a sua alforria se auto
presenteando com uma viagem à Europa, ao Velho Mundo, pelo
menos contemplando Espanha, Itália e Portugal. O plano de fuga
para uns quinze dias na Europa é o seguinte: como a empresa não
paga as horas em que os plantonistas ficam de “sobreaviso”, a
disposição com o celular da própria empresa para eventuais
chamados de urgência, todos os plantonistas pensam que este
21
período de horas-extras poderá ser requerido na justiça como um
direito trabalhista.
A memória de cálculo estimado é de que cada plantão (das
17:30 horas da sexta-feira até as 8 horas da manhã de segunda feira)
totaliza 62 horas, e como a empresa paga apenas 8 horas (que
corresponde a dois meio-turnos cumpridos efetivamente com o
cartão-ponto batido), resta de sobreaviso 54hs por cada plantão.
Como eu fiz 16 plantões nestes dois últimos anos (e que ainda não
prescreveram legalmente), resultam 864 horas (16 x 54hs) que,
supondo que a justiça exija o pagamento de 25% destas horas
(usual no regime celetista) como em “regime de sobreaviso” (864 x
0,25), são 216 horas que deverão ser pagas; a um custo de cerca de
R$ 43,00/hora, resulta uma indenização devida (216 x 43) de R$
9.288,00 = 5.160 dólares!!!
Mesmo descontando os custos advocatícios e tirando a
parte do leão do imposto de renda, deve dar pra custear o básico
desta viagem dos sonhos.
Ana, estude com carinho as viabilidades jurídicas desta
minha pretensão de petição. Fico na expectativa. Abraço.

7 - BANCO DE PRAÇA
(terça-feira -24/11/09)
Em tempos de globalização e de busca de qualificação dos
serviços públicos, um projeto de reestruturação da empresa está
agitando o quadro funcional. Hoje fui convocado para participar de
uma reunião sobre a definição do uso dos espaços físicos para se
adaptar ao funcionamento da nova estrutura operacional a ser
implantada, se possível, ainda este ano, pois o próximo é ano
eleitoral e a coisa se complica para a sua aprovação na Câmara de
Vereadores.
Levei para a reunião uma caneta e uma folha em branco,
onde fiquei desenhando abstrações, sei lá porque, sob uma
temática musical: desenhei uma grande cortina aberta, como a boca
de um palco, onde se via um piano de calda, um saxofone, um
contrabaixo, uma coluna de caixas de som e uma bateria completa

22
em cujo bumbo, no lugar do nome da banda, estava escrito “The
Last Year”.
Ao final da reunião, onde várias reformas e novas obras
foram relacionadas como demandas necessárias para a tal
reestruturação, apenas reafirmei a minha única reivindicação, que
já é antiga e não contemplada em reformas físicas anteriores do
meu local de trabalho. Solicitei que seja colocado um banco de
praça no pequeno recanto gramado e arborizado que conseguimos
desenvolver no pátio interno, rodeado de concreto, nas
dependências da Divisão de Manutenção; nem que seja para eu
usufruir depois de aposentado, quando vier visitar os ex-colegas.

8 - O CABALÍSTICO NÚMERO 95
25/11/09
Hoje um dos meus colegas de cela, o Álvaro Silveira Neto,
está fazendo aniversário, comemorando 56 anos de idade. Mais do
que a pirâmide etária brasileira que já acusa uma acelerada
tendência ao envelhecimento, o quadro funcional do órgão público
em que trabalho está ficando predominantemente grisalho e
cinquentenário. O assunto de cada festinha de aniversário,
portanto, gira em torno das perspectivas relativas aos critérios de
aposentadoria. A pergunta usual agora é a seguinte: Quanto soma
a nova idade e o tempo de serviço do aniversariante?
Atualmente, após as sucessivas “Reformas da Previdência”,
implantadas inicialmente pelo Presidente Fernando Henrique
Cardoso, que passou a exigir a idade mínima de 53 anos, seguida
pela do Presidente Lula, emendada com a PEC do Senador Paim, que
estabeleceu a idade mínima para aposentadoria em 60 anos, criou-
se um processo de transição que exige que a soma da idade e do
tempo de serviço seja igual a um número cabalístico: 95 para os
homens e 85 para as mulheres. Atualmente somo 93, portanto no
ano que vem, com mais um ano de idade e completando mais um
ano de tempo de serviço, fecho os 95 e posso sair pra nova etapa da
vida, sem prejuízo dos meus vencimentos.

23
9 - SENTENÇA CUMPRIDA
26/11/09
O outro meu companheiro de cela, o Jalba Dias da Rosa,
acabou de cumprir este mês a sua sentença, no caso dele somou os
95 com 58 de idade e 37 anos de serviço. Ele inclusive já
experimentou antecipadamente dois meses consecutivos de regime
semiaberto em casa, usufruindo de licenças-prêmio, período em
que ficou cuidando dos cachorros e servindo de motorista para a
família. Agora, apenas espera a virada do ano para gozar o
derradeiro período de férias, com direito a recebimento do 1/3 em
pecúnia, para poder entrar em estado de gozo permanente, para
não mais retornar ao regime de confinamento por oito horas
diárias.

10 - UMA CATEGORIA EM EXTINÇÃO


30/11/09
Para completar o quadro da minha sala de trabalho, registro
que somos três engenheiros homens e mais a engenheira Catarina
Maria Reina Cánovas, numa sala de 21 m2. Somadas, nossas idades
totalizam 235 anos, mais de dois séculos, o que perfaz uma média
de 59 anos por cada barnabé! A Catarina é um caso à parte, pois de
há muito já completou seu tempo de serviço (há mais de dez anos),
mas não quer se aposentar. Quando todos nós, colegas de sala,
éramos ainda estudantes de engenharia, ela já exercia o ofício de
engenheira elétrica com pioneirismo na empresa. Ainda hoje ela é,
com sua entrega e dedicação ao serviço, uma referência, um
estímulo e também uma cobrança permanente para que
mantenhamos alto desempenho, sem nunca nos deixar cair num
ritmo de trabalho característico de “aposentandos” em final de
carreira. Definitivamente a Catarina, uma workaholic, só irá se
aposentar pela compulsória, isto é, aos 70 anos de idade, o que só
deverá acontecer daqui a quatro anos...quando então a sala será
extinta com os seus dinossauros.
A carreira do funcionalismo público municipal é ridícula,
consiste em “avanços” de quinquênios, que acresce 3%, e nas
24
chamadas mudanças de letras de A até D, processo que se tornou
um funil por onde poucos passam de uma letra pra outra, para se
obter um acréscimo de 5% no básico do salário. Como todos os
membros da sala já atingiram o topo da carreira, a letra D, somos
tidos como os Dinossauros.
Estamos sentindo realmente a sensação de sermos uma
espécie que está sendo caçada deliberadamente tendo em vista a
sua extinção, com forte pressão internacional: inicialmente para
privatização do setor público de saneamento, na era FHC, e
atualmente, na era Lula, através da terceirização ou das chamadas
participações público-privada (PPPs).
Faz muito tempo que já não se realizam concursos públicos,
e dado o envelhecimento do quadro funcional, que já faz fila e se
aglomera na passagem pela roleta da porta de saída para
aposentadoria, a tendência é que cada área de atividade do
funcionalismo público vá entrando em extinção e sendo
terceirizada, na medida que vá vagando seus cargos. Tudo
gradativamente, sem alardes, uma extinção de uma categoria de
forma indolor, como em câmeras de gás, e difundida em comícios
da esquerda e da direita como uma cura homeopática das mazelas
da nação, o Custo Brasil do funcionalismo público.

11 - QUASE UMA GRANDE FAMÍLIA


02/12/2009
Ontem houve o churrasco de confraternização de final de
ano do pessoal da Manutenção. Estava programado, como de
costume, um jogo de futebol, onde eu costumo antes do jogo
mostrar minhas habilidades de domínio e malabarismos de bola,
pois depois eu nem participo da partida por sempre ter sido muito
ruim de bola, e nunca ter me adaptado ao aspecto competitivo que
ocorre mesmo em “peladinhas” como esta, entre colegas
barrigudos. Mas, como choveu durante à tarde e o campo ficou
encharcado, o jogo foi cancelado e o churrasco foi transferido da
Catumbi para o refeitório da própria Divisão de Manutenção.

25
No refeitório há uma mesa de sinuca, onde depois de
assistir vários colegas que jogam muito bem, sem me animar a
entrar na roda (cujo critério é de quem perde sai e quem ganha
continua na mesa), até que desafiei o Maiocchi, outro aprendiz que
nem eu, e fizemos tão feio que espantamos todo o público que até
então vinha acompanhando as partidas.
Pois esta mesa de sinuca está sendo objeto de
questionamento nas reuniões de reestruturação da empresa, ela
deverá ser eliminada por conturbar o ambiente onde os
funcionários fazem as refeições...ela é de uma outra época, do
século passado, quando eu era diretor da manutenção e a recreação
saudável dos trabalhadores, visando competir com o alcoolismo dos
botecos no intervalo do meio-dia era, uma importante diretriz
gerencial.
Isto me faz lembrar dos velhos tempos em que tínhamos
apenas uma mesa de ping-pong apertadinha dentro do vestiário, em
que eu ainda era um técnico de grau médio “boia-fria”, isto é, trazia
marmita de casa (na verdade “boia-quente”, pois sempre tivemos
forno industrial aquecedor de marmitas), tempos das grandes festas
de natal da manutenção, final de década de 70 e início de 80, onde
eu fazia a animação no microfone, estilo Silvio Santos, dos sorteios
dos presentes especiais, adquiridos com contribuições que eram
feitas durante o ano inteiro pelos próprios funcionários...o Seu
Alonço, do administrativo, pacientemente cobrava todos os meses
as contribuições de cada um das dezenas de funcionários que
participavam da festa. Bons tempos, éramos quase uma grande
família. Aprendi muito com aquela geração antiga, hoje todos
aposentados ou falecidos, pessoal simples, sem formação escolar,
mas profissionais com grande experiência de vida, que foram como
uns pais para mim, um jovem técnico hippie que praticamente não
usufruiu da convivência paterna.

26
12 - A ÚLTIMA NOVA MISSÃO
17/dezembro/09
Na sala do cafezinho, com a “engenheirada” da manutenção
reunida, inventei de dar uma ideia, como palpiteiro que sou, de um
problema que tínhamos para solucionar, e bastou isso para eu ser
incluído na equipe da nossa área de trabalho inscrita no evento
denominado CMC – Circuito de Melhoria Continua, como parte do
PGQP – Programa Gaúcho de Qualidade e Produtividade do Setor
Público. A nossa equipe eu batizei como o nome de “Equipe
M.A.R.C.A. da MANUTENÇÃO” (MARCA = Maiochi, Álvaro, Rogério,
Celso, Adriano).
O lançamento do tal CMC, Circuito de Melhoria Contínua,
foi num prestigiado evento no auditório do Instituto Goethe, com
intervenção criativa de um grupo teatral e direito a um qualificado
cofee-break aos participantes das 39 equipes, que envolvem mais
de 150 funcionários, cerca de 10% do corpo funcional da empresa.
A ideia da melhoria continua é simples e muito interessante, é a de
criar a seguinte cultura: a equipe identifica um problema em sua
área de atuação, elabora em conjunto um projeto para solucionar
este problema e implanta esta solução, dentro de um prazo de seis
meses, quando haverá um Seminário de Compartilhamento e uma
feira de exposição dos resultados obtidos.
A nova onda gerencial é conquistar os prêmios de qualidade
do PGQP, de Certificações ISO 9000 e Gestão Total. A empresa já
conquistou o bronze no ano passado, este ano recebeu o troféu de
prata e está correndo atrás do ouro. Reconheço como elogiável este
trabalho que a atual administração, capitaneada pelo prefeito
Fogaça, tem desenvolvido na prefeitura de Porto Alegre. O DMAE,
nesta gestão, está servindo de “laboratório piloto” para se buscar a
qualificação e modernização dos métodos e estruturas gerenciais
do serviço público municipal, dentro do Programa de Melhoria da
Gestão Pública - PMGP. Com seus equívocos e acertos, estas
iniciativas têm o mérito do pioneirismo de enfrentar velhos
paradigmas e de tentar introduzir novos parâmetros de eficiência e
redução de custos.
27
Apesar de, como qualquer aposentando, não querer mais
me envolver em nenhum novo projeto de melhoria, de querer
apenas chegar com dignidade ao final de minha carreira de barnabé,
acho que vou ter que me envolver neste CMC, como sendo a minha
derradeira e melancólica contribuição neste sentido.

13 - O ACHADO DE NATAL
28/12/2009
Mexendo nas minhas papeladas de documentos pessoais
em casa no dia de natal, na busca de comprovantes escolares de
que frequentei escolas públicas a vida inteira, tendo em vista estar
concorrendo por esta cota no vestibular da UFRGS, encontrei uma
relíquia valiosa...Achei perdido em meus arquivos 1 ano e 10 meses
e 4 dias de tempo de serviço público, atestado por uma Certidão de
Tempo de Serviço, fornecida em 1985 pela Escola Técnica Parobé,
na condição de aluno aprendiz do Curso Ginasial Industrial nos anos
de 1972 e 1973.
De imediato, protocolei hoje mesmo um requerimento para
ser averbado este tempo. Passo, então, a viver a expectativa de
poder me aposentar a qualquer momento que queira daqui pra
frente, pois talvez até já pudesse estar aposentado e não sabia. Mas,
sobretudo, pra não ficar lamentando o tempo perdido, há também
a possibilidade de retroagir o direito ao recebimento do chamado
“abono permanência” e, quem sabe, pegar uma grana boa. Poderia
até conquistar a libertação do jugo trabalhista sob pagamento de
fiança, ou seja, pagando as parcelas que faltam do financiamento
do carro....

14 - BRINDE AO APOSENTANDO
29/12/2009
Está se acabando o ano de 2009, é réveillon!...Este ano não
teve amigo secreto, mas ficou mantida a tradição do nosso local de
trabalho de os homens trazerem champanhe e as mulheres
abastecerem a mesa de reunião com refrigerantes, petiscos e

28
docinhos para a confraternização do brinde dos votos de Feliz Ano
Novo!
Neste ano o brinde, antecipado por muitos estarem de folga
amanhã, vai envolver a segunda despedida do aposentando Jalba
que, novamente, sai de férias, como já fez seis meses atrás e ficou
três meses em casa de licença prêmio, mas que resolveu voltar para
ganhar mais uma grana de férias. Desta vez ele deve voltar apenas
por um dia para protocolar o requerimento de aposentadoria no
PREVIMPA, o Instituto de Previdência do Município de Porto Alegre.
Mas sempre fica a expectativa de que bata o horror da vida de
“inativo” e o cara volte correndo para se encarcerar em sua “pseudo
nobre atividade” na repartição pública.
Quanto a mim, estarei saindo de férias por quinze dias, a
partir do primeiro dia útil de 2010, com o objetivo específico de me
envolver com o vestibular da UFRGS, a princípio é para servir como
suporte nos estudos de preparação da minha filha e, também, me
dedicar minimamente aos meus próprios estudos. Esta loucura de
enfrentar mais um vestibular nesta minha idade é um esforço
extremo, o qual também é contabilizado no meu propósito de
“construir, com riqueza de opções saudáveis e criativas, uma rotina
interessante para a minha nova vida de aposentado”.

15 - A REVELAÇÃO DO MESTRE
30/12/2009
O último ensinamento do Mestre Jalba, antes de se retirar
para as montanhas do Himalaia da Vila Jardim onde mora, foi o de
nos mostrar o sentido maior do exercício físico na vida. As
caminhadas que o Álvaro me iniciou consistia apenas em incorporar
uma rotina de manter um horário semanal de exercícios aeróbicos,
através de caminhadas nas raias de uma pista atlética de um parque
público. Portanto, não é uma prática mensurável e sujeita a metas
de aperfeiçoamento pessoal. Até aqui eu já havia assimilado o
ensinamento do Jalba e estabelecido uma meta imediata de
performance, que é a de reduzir o meu tempo médio por volta de
caminhada na pista.
29
Hoje, entretanto, foi-me revelado pelo Mestre a meta
maior, a realização absoluta da prática do exercício físico na vida,
qual seja, a de adquirir o Certificado Médico de Bom Estado Físico
no teste de esteira ergométrica, e superar o status de estado físico
apenas “razoável” que obtive neste ano. Aliás este exame me foi
solicitado por um cardiologista, especialidade médica que, por
orientação do Mestre Jalba, consultei este ano pela primeira vez na
vida. Segundo o Mestre Jalba, o referido Certificado Médico de Bom
Estado Físico para a nossa faixa etária é obtido ao se conseguir
percorrer 2.400 metros em 12 minutos! Esta é a grande meta final,
o sentido da vida saudável.
Assim, a partir de hoje começa a se desmantelar uma
equipe que cumpriu pena por dez anos juntos, na mesma cela,
prestando serviços à comunidade, e por mais de três décadas
trabalhando juntos no mesmo presídio semiaberto de assalariados
da empresa de saneamento público porto-alegrense.

16 - DESOBEDIÊNCIA CIVIL AO CREA


21 de janeiro/2010
Hoje chegou o documento para pagamento da anuidade do
CREA (Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura), conta esta
que sempre hesito antes de pagar. Nunca pago no prazo, cujo
vencimento usual é para janeiro, e sempre empurro esta conta para
ser quitada com o dinheiro da devolução do imposto de renda
retido na fonte, lá pelo meio do ano, se vier.
Esta cultura de que engenheiro funcionário público também
tem que contribuir com o CREA é coisa relativamente recente no
DMAE, é herança da “era petista” na prefeitura de Porto Alegre. As
gerações anteriores de engenheiros municipários passaram ilesos
desta cobrança compulsória até cerca de dez anos atrás. Foi no meio
dos quatro mandatos consecutivos do Partido dos Trabalhadores
(Olívio, Tarso, Raul e novamente Tarso), hegemonia política de
dezesseis anos da autodenominada “Administração da Frente
Popular”, que a pressão corporativista do Conselho de Engenharia
conseguiu colocar suas garras em mais uma fonte de arrecadação
30
financeira: os barnabés municipais. Na verdade eu sempre achei
que era um blefe esta imposição, e que não haveria consequência
alguma em não cumprir, mas nunca quis “não pagar pra ver”, pois
havia a ameaça de bloqueio dos salários por exercício indevido da
profissão. Por via das dúvidas, nos submetemos ao sistema que nos
injeta medos e nos imobiliza.
Francamente, esta coisa de Conselhos de Ofícios me lembra
a Idade Média, onde era utilizado como um método para garantir a
reserva de mercado de trabalho aos seus membros contribuintes. O
caso mais emblemático é o da Ordem dos Advogados, que atribui a
si poderes e competência maior do que os outorgados pelos
diplomas fornecidos pelas universidades, só admitindo o exercício
do ofício da advocacia a quem for aprovado nos exames promovidos
pela própria Ordem. Daí que, diante de tanto corporativismo
medieval, quando o ofício de jornalista foi desregulamentado, ou
seja, quando em 2009 deixou de ser legalmente necessário que o
indivíduo seja formado em jornalismo para exercer a profissão
(basta ser competente), recebi a novidade como um sinal positivo
de reação a esta prática de feudos trabalhistas.
Assim, enquanto um aposentaNdo que vai abandonar
definitivamente o ofício de engenheiro, declaro que desta vez esta
conta da anuidade do CREA não vai só ser empurrada para o meio
do ano, ela vai ser sonegada com um gosto especial de vingança e
um sádico prazer do meu viés anarquista.
Esta é uma outra importante alforria que o ato da
aposentadoria realizará: libertar o meu ser da sua máscara de ferro
enferrujado de engenheiro!

17 - O MEU PEDIDO DE DEMISSÃO


22 de janeiro/2010
A grande questão política atual é a sustentabilidade
planetária, com a bola da vez picando para o Partido Verde que,
nem assim, consegue se organizar como uma alternativa objetiva.
Nem mesmo com o reforço recente da Marina Silva, a ex-ministra
do Meio Ambiente do Lula, o que é uma pena, pois seria a
31
possibilidade de um novo sonho coletivo a ser vivenciado com
paixão, agora pelos nosso filhos, de que “um outro mundo é
possível”, já que esta meninada está absolutamente descrente de
tudo, e com toda a razão...
Mas sempre é possível se engajar em alguma atividade que
passe a impressão para a nossa consciência de que estamos
contribuindo para a preservação da biosfera e da vida. A busca do
uso racional e eficiente de energia elétrica na área do saneamento
tem sido a minha atividade terapêutica neste sentido. Nos últimos
três anos tenho coordenado a Comissão Interna de Controles de
Energia Elétrica (CICEE) do DMAE, quando promovemos uma
redução de custos de 10% em 2007, 5% em 2008 e 7% em 2009,
totalizando cerca de cinco milhões de reais economizados dos
cofres públicos.
A bem da verdade, graças à repercussão nacional que o
tema energia vem tomando na área de saneamento, devido ao
vergonhoso índice de perdas operacionais apresentado neste setor,
este trabalho me enriqueceu. Sim, culturalmente fiquei mais rico,
pois me propiciou conhecer Brasília num seminário no Ministério
das Cidades, justo no prédio onde trabalhava o meu irmão quando
faleceu na época da queda do Olívio Dutra daquele ministério. Pude,
então, ver por dentro de seus infinitos prostíbulos a maior casa de
sacanagens do país que é o Congresso Nacional; mas em
compensação conheci também às fantásticas obras arquitetônicas
do hoje centenário Oscar Niemeyer. Ao fim, acabei concordando
com o poeta Carlos Drummond que fazia a crítica em “verso e
prosa” nos jornais da época de JK: Brasília não precisava existir,
Juscelino foi um megalomaníaco que além de endividar o país criou
o paraíso para a corrupção, a ilha da fantasia longe do mundo real
dos brasileiros.
Todavia, hoje enviei aos meus superiores, ao Superintende
Operacional e ao meu Diretor, e também aos demais colegas da
comissão, o meu pedido de demissão da função de coordenador nos
seguintes termos: “Senhores, comunico a todos que este ano eu sou
um aposentando. Como a partir de meio do ano poderei sair a
32
qualquer momento, a minha missão imediata é fazer a transição
para a nova coordenação da CICEE. Este é o momento certo de
promovermos esta substituição, pois está sendo chamada uma
reunião com a Direção Geral para o planejamento das metas de
redução de custos para 2010, e dos indicadores para o seu
monitoramento mensal no Gerenciamento Matricial de Despesas.
Assim se deu o primeiro pedido de demissão deste
aposentaNdo que vos fala.

18 - A MALDIÇÃO DA INSALUBRIDADE E DAS HORAS-EXTRAS


25 de janeiro/2010
Entre os vários tópicos monitorados pelos Grupos de
Gerenciamento que já passaram pelo DMAE, há os referentes a
redução de custos na área dos recursos humanos, entre os quais,
sempre constam com destaque os gastos com insalubridade e
horas-extras.
Durante os meus últimos anos na ativa acompanhei a
tortura angustiante a que foi submetido o colega Jalba, por ser um
aposentaNdo em 2009. Comentava-se na chamada “rádio peão” (ou
voz-do-povo), que na melhor das hipóteses, dependendo do local
de trabalho, pela nova perícia técnica os engenheiros em geral
perderiam a metade da gratificação por insalubridade. Foi uma
torcida mês a mês, com o Jalba já contando o adicional de
insalubridade como uma parcela perdida do seu salário da
aposentadoria. E o cara (graças a Deus!) conseguiu sair faceiro,
levando tudo a que tinha direito. A maldição não se realizou!
Quando era eu o aposentaNdo da vez em 2010, todos os
funcionários receberam na caixa de correio eletrônico um
Comunicado da Direção Geral do DMAE, informando que estava
sendo homologado o novo laudo de insalubridade, em substituição
ao anterior, sob a alegação de que era muito antigo. O comunicado
argumentava aquilo que toda a torcida da dupla grenal já sabia de
cor e salteado, o blá-blá-blá de que ao longo desse período
ocorreram distorções no recebimento do referido adicional de
insalubridade, cuja concessão se fundamentaria na “habitualidade
33
do exercício da atividade insalubre”. “Inocentemente” o
comunicado, assinado pelo Diretor Geral, concluía que ia ser
implantado o novo laudo visando corrigir as referidas distorções,
para o bem de todos e a felicidade geral da nação dmaeana.
Sentia-me, na época, como o esquilo da abertura do filme
Era do Gelo, tentando comer a suculenta noz gigante que sempre
lhe escapava: Como uma maldição. Foi uma expectativa angustiante
mês a mês, mas eu (graças a Deus!) também consegui sair faceiro,
levando tudo a que tinha direito. A maldição novamente não se
realizou!
A cada novo governo municipal eleito, a nova administração
ressuscita este assunto, contrata uma nova perícia que produz um
novo laudo, mas que, na hora de implantar, recua diante da reação
desesperada dos funcionários que encaram a medida como uma
perversa redução salarial...e os aposentaNdos é que ficam
arrancando os cabelos que já estão poucos e brancos.
Outra questão sempre ressuscitada, em cada nova
administração, é a dificuldade de se estabelecer metas de redução
das horas-extras no DMAE, como o que está ocorrendo agora pela
enésima vez... Diante do zum-zum-zum de que começaram a fazer
um corte geral, não posso perder a oportunidade de relatar a minha
experiência traumática com este tema amaldiçoado das horas-
extras:
Quando assumi a Direção da Manutenção, que tinha 150
funcionários em 1997, busquei implementar várias ferramentas dos
compêndios de “Gestão de Qualidade”, tais como indicadores com
metas gerenciais, check-lists de manutenção, procedimentos
operacionais padronizados (POPs) e valorização do enfoque
preventivo da manutenção de equipamentos, visando minimizar ao
máximo a necessidade de intervenções corretivas. Praticamente
tudo isso que agora, quinze anos depois, está finalmente se
espraiando em todo o Departamento.
Na época alcançamos a meta de redução de horas extras em
20%, mas esta realização custou o meu pescoço: fui defenestrado
do cargo de diretor da Manutenção, com pouco mais de dois anos
34
na função (ainda bem que com o tempo suficiente para incorporar
a função gratificada ao salário!). A degola foi executada por uma
nova Direção Geral tampão ( que entrou substituindo o Dieter que
foi assumir a Corsan após a conquista petista do Governo do Estado
pelo Olívio Dutra), ocasião em que, pela primeira vez na história
deste Departamento, o Dmae era assumido por um grupo de
alienígenas, por militantes partidários vindos em bando de fora do
seu quadro funcional. Politicamente a nova Direção Geral
aproveitou o descontentamento funcional provocado pela política
de redução em 20% das horas-extras para abrir espaço em cargos
gerenciais visando empregar os seus membros trazidos do DMLU.
Assim, guardadas as proporções, feito os líderes da Revolução
Francesa, eu fui levado à guilhotina pelo mesmo movimento sindical
que eu próprio havia sido um pioneiro na sua criação dentro da
DVM, do DMAE e da Prefeitura como um todo.
Aprendi na carne, a duro custo do esfacelamento das
minhas ilusões, que na política não basta querer fazer acontecer
“um mundo melhor”, tem que se estar no lugar certo, na hora-certa
e do lado certo em que a história vai se realizar. É a fenomenologia
da dialética hegeliana, pois de boa intenção o inferno está cheio.
Agora, na esteira do terceiro mandato de uma mesma
gestão do Presser no DMAE, o continuísmo no poder se torna mais
uma vez perverso com os servidores públicos municipais, ao
estabelecer metas de redução bem mais audaciosas e radicais,
implantando a lei seca e a tolerância zero para a realização de
serviços extraordinários. Ouçam a voz da experiência deste
aposentado aqui: por bem menos que isso cabeças já rolaram, é a
maldição das horas-extras!...
Pra finalizar o assunto rememorado, aproveito para
relembrar a minha melhor obra na Direção da Manutenção, divisão
onde fiz praticamente toda a minha carreira profissional. Iniciei
como servidor municipal na Secretaria da Fazenda Municipal em
1974, como auxiliar de escritório, em seguida fiz concurso para o
DMAE como escriturário em 1976, com vinte anos de idade, depois
fui auxiliar de serviços técnicos, fui técnico industrial e, finalmente,
35
engenheiro, sempre por concursos públicos. Considero que a minha
melhor obra como Diretor da DVM resultou sendo a realização da
“Festa de 30 Anos da DVM” em 1997, por ocasião da inauguração
dos novos prédios da Divisão na Gestão do Dieter. Foi realmente um
evento marcante na época, com o impacto da contratação de todo
o serviço de comes-e-bebes servidos por uma equipe de garçons
com trajes a rigor, inclusive com a edição impressa de um volume
contando a história da criação e desenvolvimento da DVM e que
também foi apresentada numa exposição em murais naquele dia. O
destaque maior da festa foi mesmo o caráter de convite especial
que enviamos a cada ex-colega aposentado, como sendo uma
festividade de homenagem às pessoas que efetivamente
construíram a história dos “30 anos da Manutenção”. A foto
reunindo os aposentados da DVM na festa, que está pendurada na
parede da nossa sala de trabalho, é como dizia a velha e boa canção
do Belchior, “na parede da memória esta lembrança é o quadro que
dói mais”.

19 - AR CONDICIONADO GRÁTIS
03/02/2010
Porto Alegre, verão 41 graus! A gigantesca procissão da
Nossa Senhora de Navegantes realizada ontem sob um sol
escaldante exigiu muita fé dos fieis. O aquecimento global do efeito
estufa está derretendo as geleiras e, junto com o efeito do El Niño,
estão cozinhando os porto-alegrenses de calor, tanto que se
esgotaram os estoques dos ventiladores e aparelhos de ar
condicionado no comércio da cidade. Os jornais anunciam que o
calor bateu o recorde dos últimos cem anos na capital, e foi
reconhecido internacionalmente que nestes dias Porto Alegre tem
sido a cidade mais quente do mundo, chegando a ultrapassar os 42
graus!
Esta é uma variável que deveria ter um peso importante na
decisão que tomamos de se aposentar ou continuar na ativa,
especialmente para quem trabalha em escritórios e dispõe de ar

36
condicionado oito horas por dia, tanto para os rigores dos inverno
gaúcho quanto para os calorões do verão.
Mas esta melhoria diária na “qualidade de vida”
disponibilizada no ambiente de trabalho com ar condicionado
geralmente não é computada no rol das perdas, juntamente com o
vale transporte-tri, auxílio alimentação e o abono permanência de
quem se aposenta.
É que com esta benesse do ambiente com ar refrigerado
vem, de contrabando, o estresse dos compromissos de horários e
atividades funcionais. A solução é instalar um aparelho moderno
tipo split de ar condicionado em casa e assimilar os custos com
energia elétrica. Em compensação, podemos computar no rol das
“vantagens de se aposentar” o fato da gente se livrar do barulho
contínuo e irritante que tivemos que conviver, por décadas,
provenientes dos barulhentos aparelhos de ar condicionados
tradicionais que continuam sendo usados no Departamento.

20 - O FOTÓGRAFO DA MANUTENÇÃO

Uma expressão que ficou folclórica no imaginário do


pessoal da manutenção foi a de “tocador de violino” (agregando o
gesto de quem estaria tocando um solo de violino), o que equivalia
ao popular “enrolando o lero”. A expressão “tocar um violino” ficou
usual na manutenção quando se queria elaborar ou responder
algum parecer “espinhoso”, daqueles que é preciso dizer algo
contundente sem deixar escrito mais do que o estritamente
essencial para não melindrar nem se complicar.
Devido a esta minha vocação literária reprimida de escritor
(que estou aproveitando para “soltar” neste blog), cada vez mais
fui assumindo esta função de “tocador de violino”, ou seja, de
escrever textos por encomenda quando surgiam pepinos de grande
porte, em que a manutenção precisava elaborar réplicas, pareceres
e relatórios. Textos feitos tanto para levantar a bola e abrir uma
discussão, como para matar a jogada e encerrar o assunto. Assim,
acabei me tornando o tocador de violino oficial da DVM.
37
Além de ter feito várias tocatas sinfônicas de violino
textuais, igualmente devido à minha vocação reprimida de
fotógrafo, acabei me tornando também o retratista oficial da DVM.
Com o advento das câmeras digitais, logo no início do novo milênio
tratei de criar a necessidade do Serviço de Manutenção do Dmae
adquirir uma máquina para fins de cadastros fotográficos dos
equipamentos e das estações de bombeamento e tratamento.
Assim, como o fotógrafo oficial da Manutenção, acabei cobrindo
fotograficamente todos os eventos de comemorações e
confraternizações entre os servidores, criando amplos arquivos de
coleções fotográficas em que registrei “caras & ações & locais” em
centenas de fotos, de tudo e de todos.
A coleção de fotos das garças no Dmae, como outras
coleções que vão ser apresentadas neste blog do Diário de um
Aposentado, surgiram gradativamente a partir de 1999, na medida
que, por inclinação pessoal, passei a assumir a função de tirar
fotografias no Dmae. Inicialmente esta tarefa de fotos era para fazer
ilustrações dos manuais de procedimentos de manutenção para os
novos tipos de equipamentos que estavam sendo instalados nas
estações do Departamento, especialmente nas ETAS (Estações de
Tratamento de Água) e na ETE São João Navegantes (Estação de
Tratamento de Esgoto). Diante da necessidade demandada, a
Divisão de Manutenção adquiriu uma máquina fotográfica digital de
1 Megapixels (daquelas que a memória era um disquete), com a
qual passei a fazer também uma cobertura fotográfica externa e
interna das estações do DMAE, para serem incorporadas ao
cadastro das Estações no Sistema SIGES e às suas respectivas
“pastinhas físicas”.
Na sequência, após o roubo da primeira máquina, foi
adquirida a atual máquina Sony de 5 Mp (que filma com áudio) e,
em função de eu já ser considerado quase que oficialmente o
“fotógrafo da DVM”, acabei assumindo também a nova tarefa
criada para elaboração de laudos de baixas patrimoniais de
equipamentos, pois nos laudos há a necessidade de se colocar as
fotos dos referidos equipamentos para que os membros do
38
“Conselho Deliberativo do DMAE” visualizem sobre o que estão
deliberando.
O lance de sacar uma boa foto e de perceber quando ela se
oferece no cotidiano é um momento de inspiração que “dá barato”,
por ser um ato criativo e artístico. Pensando bem, e esta é a fase da
vida de se fazer estas reflexões de autoconhecimento, depois de
escrever poesia e crônicas literárias, a fotografia tem sido a minha
atividade mais constante em ocasiões de lazer.
Em verdade, desde sempre eu gostei de fotografias, mas
como bem antigamente esta era uma atividade dispendiosa e a
grana era curta, o luxo de bater fotos ficava somente para os
eventos comemorativos e de significado especial. Pra se ter uma
ideia, na minha casa tenho, por enquanto, 50 álbuns de 100 ou mais
fotos cada, o que seguramente soma mais de cinco mil fotos
captadas nas últimas duas décadas, o que resulta uma média de 250
fotos impressas por ano. Isso tudo sem contar as fotos digitais não
impressas, que apenas ficam rolando no protetor de tela do meu
computador. Confesso que resisti muito para aderir
particularmente à foto digital por isso: por verificar que as pessoas,
ao não precisarem mais revelar e imprimir as fotos para vê-las, estão
praticamente extinguindo as fotografias em papel de suas vidas.
O fato é que, com a dificuldade de organizarmos de modo
definitivo os arquivos digitais, acabamos perdendo o controle sobre
a localização das fotos no decorrer dos anos, ainda mais se houver
algumas formatações e trocas de computadores neste período, o
que é praticamente inevitável. Hoje em dia, totalmente convertido
à modernidade digital a partir de 2008, avalio que mando imprimir
cerca de 20% ou menos das fotos que registro, ou seja, exerço o
processo de seleção natural das melhores, mas não deixei de
imprimir. Sou da moda antiga: local de boa foto é no papel!
Assim, juntando o útil ao agradável, ficou sendo uma das
minhas atividades funcionais fazer coberturas fotográficas, e passei
a ser solicitado como fotógrafo em todas as atividades e eventos da
manutenção, inclusive os comemorativos de aniversários,
churrascos e festas de final de ano. Deste exercício
39
semiprofissionalizado, de bater fotografias pelo prazer e gosto
estético, resultaram centenas de “retratos” reunidos em várias
possíveis Coleções Temáticas de Fotos de Trabalho: As Garças no
Dmae, Caras do Dmae, Estações do Dmae, Homens em Obra, Vistas
da DVM, Confraternizações...

21 - AS GARÇAS NO DMAE

Somos como as garças


Que voam para o Dmae
Para buscar o alimento
Nas águas de seus decantadores
E depois migram com o vento...

Mas sem suas asas, meros trabalhadores


Decantamos em seu colo Dmãe
Como seus fiéis filhos servidores
Até migrarmos envelhecidos pelo tempo
Levados na viagem sem volta do vento.

22 - O ÚLTIMO DIA DE CADA DIA


20 de janeiro/2010
Hoje é a último dia 20 de janeiro que estarei trabalhando
por obrigação de ganhar o pão. Ser um aposentaNdo do ano
corrente significa viver cada dia no trabalho como sendo o último
de cada semana do respectivo mês. Rompem-se os monótonos elos
desta longa corrente de dias, semanas e meses, que pareciam ser
infinitamente contínuos e que sedimentaram como sendo o tempo
de serviço computados em anos pra aposentadoria. Cada dia passa
a existir como um elo diferenciado, por ser o derradeiro de sua
espécie que é definida pelo número do dia de cada mês que não irá
se repetir na atividade laboral.
Ser um aposentando na última volta da última corrida do
campeonato é viver cada dia como se fosse o último, e andar
prestando atenção em cada detalhe da mesma trajetória tantas
40
vezes repetida distraidamente. É bom prestar atenção agora pra
não ser contagiado pelo saudosismo melancólico depois, quando já
não estiver mais revivendo esta rotina, ocasião em que ela poderá
parecer fantasiosamente mais atraente por pura nostalgia.
Amanhã será o último dia 21 de janeiro em que eu baterei
o cartão ponto!

23 - AVISO DE JUBILAMENTO

Ao acessar pela primeira vez este ano o site da UFRGS com


a minha senha de aluno, o sistema apresentou uma tela com letras
vermelhas dizendo: A Universidade informa que esta matrícula foi
constatada como de provável jubilado, devendo faltar dois
semestres ou menos para você encerrar o prazo máximo para a
conclusão do seu curso. - E mandava clicar no botão “Estou Ciente”
para poder entrar no site.
Realmente estou ciente que cursei por sete anos (de 2003
até 2009), em quase o dobro do tempo previsto para todo o curso
de Filosofia, e que fiz apenas 40% do currículo, ou seja, menos da
metade. Mas em compensação estou mais do que ciente, estou
consciente de que adquiri a minha necessária formação filosófica,
sem haver a necessidade de diplomação. Cursei as disciplinas
obrigatórias de História da Filosofia (grega, medieval, moderna e
contemporânea), Metafísica, Ética, Estética e Análise e Redação de
Textos Filosóficos. Como se não bastasse, cursei também as
disciplinas eletivas de Sociologia Clássica, Psicologia Geral e
Astronomia. Ao todo, completei 15 disciplinas totalizando 84
créditos com aprovação, o que significa cerca de 1500 horas/aula
assistidas. O uso deste benefício do direito estatutário de
estudante, além de ampliar os meus horizontes culturais, me aliviou
em cerca de 187 dias úteis (praticamente um ano inteiro
computados finais de semana e feriados) a carga horária a ser
cumprida dentro dos muros monótonos da burocracia da repartição
pública.

41
Parece muito, até eu me assombrei quando realizei agora
estes cálculos. Mas se eu tivesse utilizado o limite máximo
permitido de 1/3 da carga horária semanal previsto na legislação,
em sete anos eu poderia ter passado 2,5 anos assistindo aulas
interessantes na universidade; mas preferi fazer apenas uma
disciplina por semestre para poder me dedicar com profundidade a
cada uma delas. Está de ótimo tamanho, esta é uma lacuna da
minha vida que foi preenchida espetacularmente. Valeu biXo 2003!
Valeu DMAE!

24 - PLANO CONTRA O TÉDIO NA APOSENTADORIA

Foi assim que numa segunda-feira de dezembro de 2009


cheguei no Dmae com cara de sexta. Havia passado as tardes de
sábado e domingo fazendo provas do ENEM (Exame Nacional de
Ensino Médio), a grande inovação que prometia acabar com os
monstruosos concursos vestibulares para as universidades
brasileiras.
Meio sem querer-querendo, condicionado pela necessidade
de estudar junto com a minha filha que estava batendo às portas da
universidade, e motivado pelo fato estar às vésperas de me
aposentar e de também estar se esgotando o prazo de validade do
meu vestibular anterior, que era de 2003 para Filosofia, enfrentava
novamente a torturante loucura que é fazer uma bateria de provas
de vestibular, agora ampliada da pré-temporada do ENEM.
Quando resolvi voltar a conquistar uma vaga na UFRGS em
2003, o meu plano era de que estaria cursando filosofia ao me
aposentar e, portanto, estaria devidamente ocupado, espantando
de antemão o fantasma da síndrome do tédio, própria dos
aposentados recentes. Na época eu estava com 49 anos e pretendia
me aposentar aos 53 anos (já pagando o pedágio de 1 ano e
cumprindo a idade mínima de 53 anos do FHC, pois pela lei anterior
eu sairia aos 52 anos de idade).
Por isso em 2010, novamente às vésperas de me aposentar
(se nenhuma outra Reforma da Previdência ocorrer como a do Lula
42
que ampliou minha sentença de trabalhos forçados até os 56 anos!),
e de também estar às vésperas de ser jubilado da UFRGS por
decurso de prazo de validade, vale dizer, ser excluído como aluno
de filosofia, ser compulsoriamente defenestrado, resolvi aproveitar
para tentar reeditar o plano de 2003 de anti-tédio da aposentadoria,
apenas que buscando então uma vaga no curso de Letras-Espanhol.

25 - OS APOSENTADOS PRÉ-DIGITAIS & OS PÓS-MODERNOS

É impressionante o grau de limitação que ficam as pessoas


que vivem excluídas da Internet, há um divisor de águas profundo
entre os antigos e os novos aposentados, que é o fosso da exclusão
digital do ciberespaço. Só agora compreendo o real sentido do
medo da aposentadoria que têm os filhos da minha geração e
adjacências, posto que antes do advento da globalização “www”
realmente só restava a televisão e o sofá da sala, o Windows era
literalmente a janela pra rua restrita da aldeia onde se vivia.
Tenho assessorado a minha mãe, com 90 anos, que mesmo
estando bem lúcida, está completamente excluída de exercer as
triviais atividades de receber seu salário de aposentada e de pagar
suas próprias contas nos terminais de autoatendimento. Nem
simplesmente sacar o seu dinheiro ela pode, diante daquelas telas
pedindo senhas de números, de letras e de sílabas que ficam
trocando de lugar para te confundir mais do que aos ladrões....
Precisa que alguém faça estas rotinas por ela, por ser uma deficiente
digital!
E pensar que a maioria da população ainda desconhece que
se pode produzir blogs pessoais, não sabe que se pode assistir aos
vídeos que se quiser no Youtube e, a mais sacana das injustiças, não
sabe o que é dispor do maior oráculo de todos os tempos para
responder às suas dúvidas através da enciclopédia universal que é o
Google... Desde então, eu que felizmente me apropriei
minimamente destas ferramentas digitais, passei a ter uma
compreensão mais contextualizada do porquê o “tempo ocioso” da
aposentadoria é tão temido pelo pessoal da era pré-digital,
43
justamente esta geração que está se aposentando atualmente. Só
agora compreendo melhor este temor, pois reconheço que o tempo
ocioso da era glacial da informação poderia ser muito longo e
tedioso.
Quando morreu Steve Jobs em 2011, o grande criador de
produtos elitizados de consumo, como o Ipod (música), Ipad
(tablets - ebooks), Iphone (celular) e dos renomados computadores
Macintosh (produtos aos quais eu nunca tive acesso!), entendi que
o cara foi tão criativo que acabou determinando as tendências
mundiais da interação dos humanos com as maquininhas
interligadas em redes sem fio. A propósito, tem um filme intitulado
“Piratas do Vale do Silício” (disponível no Youtube) que oferece uma
versão dramatizada do nascimento da era da informática, desde o
primeiro PC, através da histórica rivalidade entre a Apple (depois
Macintosh) e a Microsoft do Bill Gates, esclarecendo quem pirateou
o quê de quem. No filme Steve Jobs é um garoto hippie e
contestador, que vai a passeatas na universidade, toma LSD e tem
inspirações messiânicas.
Pessoalmente me identifico muito com este segmento
yuppie da minha geração, nascida na década de 1950, pessoal
emergente do movimento hippie que descobriu o poder criativo
contido nos circuitos eletrônicos, capaz de democratizar a
informação. Na década de 70 eu também surfei nesta onda. Até fiz
o curso de técnico em eletrônica da Escola Parobé, e frequentei
muito as lojas de vendas de componentes eletrônicos que
proliferavam na Av. Alberto Bins, onde circulavam todos os “nerds”
e revistas “faça você mesmo” sobre circuitos eletrônicos e
amplificadores daquela época.
Agora, na era pós morte do Steve Jobs, eu vou pegando
meio no tranco nas novas tecnologias. Lembro que eu fazia
discursos contra a onda do uso de telefones celulares, quando ela
se espalhou como um tsunami, e resisti o quanto pude em ter minha
vida monitorada o tempo todo por este aparelho...até ser fisgado
por esta nova necessidade de consumo tornada indispensável.

44
Então migramos todos do nostálgico “discar para alguém” dos
telefones de disco para o moderno “teclar”.
Entretanto, como demonstram todas as maquininhas
deixadas pelo mago Steve Jobs, nas tecnologias pós-modernas as
teclas já foram abolidas. Ele profetizou que não íamos mais “teclar
para alguém”, tudo aconteceria em telas sensíveis ao toque (touch
screen): Enviaríamos toques! Novamente resisti o quanto pude,
continuo lendo jornais e livros de papel e não em e-books, e muito
menos em tablets sem teclas.
Conservador, eu? Não, sou apenas um velho pirata lerdo
que somente agora aderiu ao smartphone com processador
Android e touch screen... Vou ter que começar a surfar na onda de
baixar aplicativos na internet móvel do meu celular, não podemos
ficar pra trás que o processo de exclusão digital é permanente. Os
aposentados pós-modernos têm, portanto, dois mundos para
povoar: o ciberespaço da vida virtual (agora portável no bolso) e o
espaço mundano da vida real. Acreditem, falta tempo!

26 – BUDISMO, MEDITAÇÃO & PÃES QUENTINHOS

Por não gostar de comer pão dormido, costumava tomar o


meu café da manhã na loja de conveniência do posto de gasolina
que tem em frente ao meu antigo local de trabalho. Metodicamente
chegava antes do horário de pegada do expediente, batia o meu
ponto e fazia o caminho mais longo em torno da quadra,
aproveitando para dar uma caminhadinha matinal (seiscentos
passos contadinhos de ida e volta somados), e tomava uma taça de
café com pão prensado com margarina, lendo rapidamente o jornal
Correio do Povo, iniciando sempre pela coluna do Juremir Machado.
Lembro, por que registrei aqui no blog, que numa manhã
do verão de 2010, uma das manchetes de capa do jornal era:
Surpresa na Praça – Budistas meditam no meio da agitação. - A
propósito, eu havia recebido no dia anterior um convite, por e-mail
do Centro de Estudos Budistas Bodisatva, para participar deste
evento de meditar sentado no calçadão da Rua da Praia em frente
45
à Praça da Alfândega. Fiquei fora desta, pois já havia passado a
minha fase de hippie, de sentar no chão da calçada, foi há três
décadas atrás. Este tema da meditação, aliás, continua com
frequência sendo matéria de revistas e documentários de televisão.
Reconhecem que a ciência comprova que a técnica milenar de
meditação é um poderoso remédio no tratamento de doenças
cardíacas, depressão, artrite, câncer e até Aids; e os hospitais já
estão usando a nova descoberta com bons resultados.
Ao que tudo indica, a meditação e o próprio budismo estão
em alta não só no Brasil, mas em toda civilização ocidental cristã,
que se sente ameaçada pelo islamismo radical. Particularmente eu
tenho praticado meditação quase que regularmente em casa, a
cerca de cinco anos. Desde o início fiquei impressionado com a
psicologia do budismo tibetano e tenho assistido, sempre que
possível, às palestras do Lama Padma Santem, que é seguidor do
Dalai Lama. O Padma Santem é um lama gaúcho, ex-professor de
física quântica da UFRGS, gremista (ninguém é perfeito!) e que fala
na linguagem “portoalegrês” e na perspectiva da nossa cultura bem
humorada. Adotei o lama como meu mestre à distância, sem que
ele me tenha adotado ainda como seu discípulo, por conseguir
através dele fazer os vínculos entre filosofia & psicologia,
estabelecendo pelo viés da psicologia junguiana o elo dos
arquétipos da mente dos ocidentais com os conhecimentos
milenares orientais da psicologia tibetana.
Além da minha mulher e eu, que somos iniciantes fazendo
o “caminho do ouvinte” desta peculiar religião de ateus,
conhecíamos como budista no Dmae apenas o colega Júlio Brum
(voraz leitor, comentarista e estimulador deste blog). O Júlio era
budista de outra linhagem tibetana, não era da linha do Dalai Lama,
pertencia à linha dos Karmapas. Sendo que ambos, o Dalai Lama e o
Karmapa, tiveram que abandonar o Tibete, depois da invasão
chinesa, e passaram a divulgar seus ensinamentos para os sedentos
discípulos ocidentais dos loucos anos 60 e 70 do século passado.
Novamente a história se repetia, o Júlio e eu éramos de facções
políticas diferentes dentro do Partido dos Trabalhadores e na
46
militância sindical; depois fomos de linhagens diferentes dentro do
budismo. O importante é que percorremos os mesmos propósitos e
as mesmas doutrinas. Júlio e eu, como pequenos aprendizes da
existência humana, vamos surfando e divergindo fraternalmente
nas mesmas ondas...
Todavia, a questão que permanece pendente não é do
âmbito político nem teológico, é o problema do “pão dormido”
matinal, problema projetado desde 2011 para a minha rotina de
aposentado, uma vez que não há uma padaria próxima ao edifício
onde moro. Por mais que eu medite, não consigo encontrar uma
solução para que os meus cafés da manhã continuassem sendo
acompanhados de pães quentinhos na leitura matinal do jornal.
-Valeu Júlio Brum!

27 - NÓS E O ANIVERSÁRIO DA NOSSA CIDADE


26 de março/2010
Nessa semana em que se comemorou os 241 anos da cidade
de Porto Alegre, choveu informações do seu histórico em todas as
mídias. Mas o detalhe que me chamou atenção é de que a Usina do
Gasômetro, símbolo postal que remete aos “velhos tempos das
carruagens”, foi desativada recentemente, recém agora em 1974.
Desta informação sobre o “gasômetro” me veio uma dúvida: será
que nós, os cinquentões, vivemos inconscientemente o
funcionamento dos “lampiões de gás” inspiradores das marchinhas
cantadas antigamente em nossa infância?...
Percebi, pesquisando como um desvairado na internet, que
reina uma confusão histórica entre a Usina de Gás e a Usina de
Eletricidade do Gasômetro, uma vez que ambas ficavam nessa
região denominada de Gasômetro, que é o meu local favorito da
cidade, por sua proximidade com o pôr-do-sol.
Algumas questões eu consegui esclarecer com o auxílio da
internet. Primeiro que a Usina de Gás de Hidrogênio Carbonado, sito
à Rua Washington Luiz (frente à Câmara de Vereadores, hoje
utilizada pelo DEP no fabrico de tubos de cimento), foi inaugurada
exatamente um século antes, em 1874. O Gasômetro destinava-se
47
à produção de gás para a iluminação pública do centro da cidade e
abastecimento de fogões, usando o gás de hidrogênio produzido
nas caldeiras aquecidas por combustão de carvão.
A Usina Termelétrica do Gasômetro foi inaugurada bem
depois, em 1928, produzindo energia elétrica com geradores
movidos pela queima de carvão vegetal. Somente em 1937 é que foi
instalada a famosa chaminé, devido às reclamações da população
de antigamente contra a fuligem e cinzas lançadas pela Usina
Termelétrica. Portanto, o complexo arquitetônico que cultuamos
hoje recebeu esta denominação de Usina do Gasômetro devido à
proximidade com a antiga Usina de Gás de Hidrogênio (O
Gasômetro).
Assim, uma coisa é certa, eu fui iluminado pela energia
elétrica gerada pelo Usina Termoelétrica do Gasômetro, pelo menos
até a minha adolescência.
Nós estamos muito velhos ou Porto Alegre é bastante
jovem? Calculando por baixo, cerca de 25% da existência da capital
conta com a minha presença no seu senso demográfico, ainda que
eu não seja filho natural e sim adotado pela cidade, como tantos
outros que vieram nas levas de migrantes oriundos do êxodo rural
dos “gaúchos a pé” nas décadas de 50 e 60.
A grande conclusão inevitável a se chegar é que tudo é
muito recente, a cidade é uma jovem de 241 anos, e o DMAE é um
adolescente, pois foi fundado em dezembro de 1961. Calculando
por regra de três, como o DMAE está completando 52 anos agora
em 2013, eu que completei 35 anos de trabalho dmaeano, constato
que cerca de 70% da existência da empresa contou com a minha
modesta presença e contribuição. Uau!...
A propósito de antiguidades, em 1970 houve a desativação
dos bondes e a Cia Carris passou a atuar como concessionária de
linhas de ônibus ( isso bem antes de termos a passagem mais cara
do Brasil!). Somente agora percebo que os bondes ainda circulavam
pelas ruas portoalegrenses e eu andava dependurado neles, até
quatro anos antes de eu começar a trabalhar na Prefeitura. Lembro
que na minha velha infância, com menos de dez anos de idade, foi
48
com os bondes que ganhei autonomia de circular sozinho pela
cidade...
Mas vamos combinar que nós, os pós-cinquentões, com
toda a tecnologia incorporada com mais de meio século vivido,
estamos com o couro curtido da história da cidade, especialmente
do seu saneamento básico. Estamos feito espécies empalhadas
vivas num museu interativo de reality-show vivido por cada um, na
cidade do nosso já tão longo andar ( do Quintana), andar este que
estou postando aqui na internet para ser espiado como um
testamento de uma geração municipária neste meu blog de final de
carreira...E talvez do meu repouso....

28 - MINHAS FILHAS GANHARAM BOLSAS DE ESTUDO DO DMAE

Trato aqui de resgatar um episódio pitoresco, em que o


colega engenheiro Valdir Flores mostrou toda a sua versatilidade e
conquistou de vez a minha terna consideração. Trata-se do Causo
das Bolsas de Estudo do DMAE, ocorrido no ano de 2001, quando os
funcionários foram surpreendidos, às vésperas do período de
matrícula das escolas de Ensino Fundamental e Médio, ao
receberem um comunicado da Administração Popular, grampeado
ao contracheque de outubro, de que havia um pacote de alterações
dos critérios de concessão do Auxílio de Bolsas de Estudos através
da Instrução DG 295/01. Naturalmente, os colegas pais e também
os estudantes, que viam suas vidas serem desorganizadas sem a
menor parcimônia e consideração, se mobilizaram num movimento
legítimo e espontâneo de reação e tentativa desesperada de
reverter esta decisão. Foi assim que, numa assembleia chamada
pelas Administração para tentar acalmar o “burburinho” da massa
se agitando, com a presença de mais de 100 funcionários, foram
apontados os inúmeros equívocos contidos na resolução, tais como:
-A precipitação truculenta de implantação de modificações radicais
sem o mínimo prazo de preparação psicológica e material das
pessoas, que possivelmente teriam que mudar imediatamente de
colégio seus filhos;
49
-A limitação de inscrição de apenas dois filhos como beneficiários
(os pais teriam que escolher quais dos seus filhos seriam excluídos,
teriam que fazer “A Escolha de Sofia”);
- O novo Critério de Sorteio de Bolsas determinava que as bolsas
seriam Integrais até o final do curso do dependente sorteado: este
foi o ponto no qual a assembleia dos servidores decidiu concentrar
a sua rejeição, por considerá-lo excludente, uma vez que reduzia em
mais de 50% o número de beneficiários por ser um critério que dava
tudo para poucos e nada para muitos.
Por ocasião dessa assembleia, da qual a Administração se
retirou depois de se ver veementemente contestada, os servidores
assumiram o comando da reunião e constituíram uma Comissão de
Representantes dos Funcionários (composta por Valdir Flores/DVO,
Silvia Fabbrin/COJ, Antônio Coelho/DVI, Magda Granata/DVO,
Dione Borges/DVR, Denise Regina/DVR, Maria de Fátima
Rodrigues/DVH, Mara Lúcia Diel/SVG, Eduardo Dias/COJ, Iara
Morandi/DVP e Marco Guimarães e eu pela DVM). A Comissão
buscou, inutilmente, por vários dias estabelecer um canal de
comunicação, até conseguir arrombar uma brecha diretamente no
Gabinete do Diretor Geral, através de um ”Ato Público” (com
cartazes e pirulitos) realizado nos Jardins da ETA Moinhos de Vento.
Durante a evolução deste movimento foi se destacando a
liderança carismática do colega Valdir Flores, e se revelando a sua
talentosa capacidade oratória de se comunicar com a massa
reunida, o qual acabou assumindo naturalmente a coordenação
daquela luta; enquanto eu passei a funcionar como uma espécie de
consultor de estratégias de ação do movimento, devido à minha
larga experiência sindical.
O Diretor Geral do Dmae, após finalmente se dignar a ouvir
a nossa reivindicação que pedia para a Instrução ser suspensa para
se estudar formas alternativas de “rateio”, aos invés do critério de
“sorteios”, delegou ao Superintendente Administrativo, na época o
todo poderoso Ricardo Collar (que havia sido cogitado para ser o DG
do DMAE, e acabou ficando apenas no segundo escalão do poder),
para fazer as tratativas e discussões com os funcionários.
50
Nas reuniões manipuladas a Administração insistia em
pautar a discussão dos “Procedimentos Operacionais do Sorteio das
Bolsas”, enquanto em vão a Comissão de Representantes sugeria a
discussão de um “Rateio Escalonado” por faixas salariais. Diante do
impasse, esgotou-se todas as alternativas de se romper com a
intransigência da Superintendência Administrava (incluída a DVH do
Júlio Abrantes). Resultou que a Administração publicou o
Regulamento do Sorteio com ostensiva prepotência, inclusive
posteriormente ao período de inscrições dos candidatos ao
benefício, e com alterações (para pior) dos critérios estabelecidos
inicialmente, restringindo para apenas a “faixa 1” a concessão de
bolsa integral e apenas até a conclusão do respectivo nível de
ensino (Infantil, Fundamental ou Médio).
A Administração petista seguiu atropelando todos como um
tanque de guerra, desenvolvendo uma repressão ao movimento
contestatório, através de proibição expressa para que as chefias
permitissem que funcionários participassem de reuniões sobre as
bolsas de estudos. Espalharam tamanha onda de terror e medo que
conseguiram esvaziar o movimento! Lembro que eu fiquei
tristemente impressionado de como a esquerda era mais eficiente
na repressão aos movimentos dos trabalhadores do que toda a
nossa longa experiência anterior durante a luta pela
democratização do país no período do final da ditadura já
agonizante. Só nos restou publicar uma “Carta Aberta aos
Funcionários”, denunciando todas as arbitrariedades ocorridas no
processo e assimilar o refluxo do movimento.
Confesso que entrei meio de gaiato nesta peleia, pois na
verdade eu queria protestar era contra a extinção da minha bolsa
de estudo na PUC do curso de Jornalismo. Até então, antes deste
tumulto todo, as minhas filhas estudavam em escolas particulares,
mas não conveniadas com as bolsas de estudo do DMAE. Até então
eu preferia pagar e poder escolher livremente a escola do que ficar
condicionado por uma pequena ajuda de custo oferecida pelo
Departamento. Mas, com a proposição da Administração Popular
de oferecer “bolsas de estudo integral e até o final do Curso
51
Fundamental”, resolvi concorrer na loteria deste verdadeiro
“prêmio da sorte grande”, inscrevendo as minhas filhas para se
candidatarem às vagas de bolsas na caríssima e ótima Escola João
XXIII.
O pitoresco é que no famigerado sorteio, nós que éramos
radicalmente contra ele, por ser um critério que dava tudo para
poucos e nada para muitos, fomos sorteados: o Valdir com uma e
eu com duas bolsas, e as nossas mulheres, as Magdas, também
foram sorteadas com uma bolsa cada uma...Provamos que
estávamos certos ficando com tudo entre poucos!
A batalha não acabou por aí, ocorreu que no regulamento
do sorteio, escrito em cima da perna com a soberba de “manda
quem pode e obedece quem precisa”, foi determinado que o Ensino
Fundamental seria dividido em dois sub-níveis: da primeira à quinta
série e da sexta à oitava série. Assim, segundo o entendimento da
Administração, as bolsas sorteadas seriam integrais até o final de
cada um destes sub-níveis, e apenas para os servidores da faixa
salarial mais baixa.
A minha guria menor entrou na primeira série e a maior na
quinta série na nova escola por força do famigerado sorteio, mas foi
preciso que recorrêssemos à justiça para garantir o que estava
determinado na IDG295/01, ou seja, que a bolsa seria integral até o
final do Curso de Ensino Fundamental para os servidores de todas
as faixas salariais. O fato é que somente bem posteriormente é que
perceberam o furo e, através da IDG301 publicada em
outubro/2002, é que modificaram a redação da instrução anterior,
restringindo para apenas a “faixa 1” a bolsa integral até a conclusão
do respectivo sub-nível do Ensino Fundamental (regra que tornou-
se válida para os sorteados dos anos seguintes!).
A primeira vitória foi a conquista de uma “liminar judicial”
e, por fim, a sentença nos dando ganho pelo mérito da causa, com
a qual garantimos o benefício do “grande prêmio” que ganhamos
no sorteio. Assim, por praticamente toda a vida escolar as minhas
filhas tiveram literalmente a “sorte” de estudarem numa boa escola

52
que não teriam acesso se não fosse através das bolsas de estudo:
Valeu DMAE!

29 - O DIREITO DOS ESTUDANTES DA UFRGS NO DMAE

O tema em questão aqui se refere à Lei Complementar nº


133, capítulo que trata “Das vantagens ao funcionário estudante”
em seu artigo 90 que apresenta a seguinte redação: É assegurado o
afastamento do funcionário efetivo, sem prejuízo de sua retribuição
pecuniária, nos seguintes casos:
III – para assistir aulas obrigatórias, em número de
horas de até um terço do regime semanal de trabalho prestado pelo
funcionário, em curso:
§1º - A existência, no Município de Porto Alegre, de curso
equivalente em horário diverso do de trabalho, exclui o direito do
funcionário à vantagem prevista no inciso III, deste artigo.

Em 2010, quando me tornei pela quinta vez “Bixo da


UFRGS”, eu já estava sendo ameaçado de jubilamento (pé na
bunda!) do curso de Filosofia, o qual eu já estava frequentando há
sete anos (de 2003 até 2009). Em quase o dobro do tempo previsto
para um aluno fazer todo o curso, eu havia feito apenas 40% do
currículo, ou seja, menos da metade. Mas em compensação, eu
estava convencido de que já havia adquirido a minha formação
filosófica básica, posto que nunca tinha pretendido ser diplomado
como filósofo: era abstração demais para a minha cabeça! Cursei
as disciplinas obrigatórias de História da Filosofia (grega, medieval,
moderna e contemporânea), Metafísica, Ética, Estética e Análise e
Redação de Textos Filosóficos. Como se não bastasse, cursei
também as disciplinas eletivas de Sociologia Clássica, Psicologia
Geral e Astronomia. Ao todo, completei 15 disciplinas totalizando
84 créditos com aprovação, o que significa cerca de 1.500
horas/aula assistidas.
O uso deste benefício do direito estatutário de estudante,
além de ampliar os meus horizontes culturais enquanto pessoa, me
53
aliviou em cerca de 187 dias úteis (praticamente um ano inteiro
descontados finais de semana e feriados) da carga horária a ser
cumprida dentro dos muros monótonos do serviço burocrático da
repartição pública. Parece muito tempo, até eu me assombrei
quando realizei estes cálculos. Mas se eu tivesse utilizado o limite
máximo permitido de 1/3 da carga horária semanal previsto na
legislação, em sete anos eu poderia ter passado o equivalente a 2,5
anos inteiros assistindo aulas interessantes na universidade; mas
preferi fazer apenas uma disciplina por semestre para poder me
dedicar com profundidade a cada uma delas. Estava de ótimo
tamanho, pois esta é uma lacuna da minha vida que foi preenchida
espetacularmente: Valeu DMAE!

Mas esta questão do direito de sair para assistir aula no


horário de expediente de trabalho nem sempre foi ou é uma
questão pacífica, geralmente há fortes controvérsias de
interpretações jurídicas a cada nova administração que se instala na
cúpula de poder do Departamento. Cabe esclarecer, de antemão,
que desde sempre só era autorizado assistir aulas no horário de
expediente em disciplinas que não fossem oferecidas,
comprovadamente, pela própria UFRGS em outros horários.
Porém, em maio de 2007, de repente foi “indeferido” o meu
já tradicional pedido de redução de carga horária para assistir aulas
em horário do expediente, contrariando os “deferimentos” feitos
em todos os semestres anteriores. Foi indeferido com base num
novo parecer da COJ (Coordenação Jurídica do DMAE), contra o qual
tive que enfrentar uma briga ferrenha através de contestações,
réplicas e tréplicas; recursos em todas as instâncias, peleja que se
alastrou até o Gabinete do Prefeito.
Primeiro, inutilmente enviei uma contestação
argumentativa, citando o conceito de “equidade” de Aristóteles
para combater as “citações de juristas” e os “data-vênias” do
parecer da COJ. No recurso argumentei que a leitura
burocraticamente legalista da COJ não exerce a virtude da
“equidade”, e que está norteada por um princípio equivocado, qual
54
seja, que o “servidor possa optar por um curso pretendido em
horário diverso do de trabalho”, pois não se pode considerar como
uma opção real aquilo que é inacessível financeiramente à sua
realização objetiva por parte do servidor. Não consta que sejam
opções “equivalentes” uma faculdade pública e gratuita e uma
faculdade particular de custo financeiro proibitivo. Adequar-se à lei,
nos termos interpretativos da COJ, seria a trágica opção
shakespeariana entre o “ser ou não ser” mais estudante.
Visando evitar que esta nova interpretação legalista
adotada liquidasse com o espírito da lei 133/85 de propiciar que os
servidores estudem, tornando-a assim letra morta; recorri à
consideração do Diretor Geral do DMAE, uma vez que estava se
tratando naquele processo de uma questão de interesse coletivo
dos servidores, por se tratar de um direito estatutário consagrado.
Quando esgotada esta via pela negativa do DG, propus que o
expediente fosse enviado para a procuradoria do município, mas a
petição foi considerada literalmente “sem relevância” para
demandar tais encaminhamentos.
Todavia, por considerar que o tema do “direito dos
estudantes servidores municipais alunos da UFRGS” tem
significativa relevância de mérito, recorri ao último recurso, que é a
instância da autoridade máxima no âmbito da Prefeitura. Recorri ao
Prefeito, com o intuito de que seja manifestada uma interpretação
oficial que sirva como jurisprudência unificadora dos pareceres no
âmbito de toda a PMPA, relativamente ao tema objeto da petição,
ou seja, sobre a redução de carga horária para assistir aulas
oferecidas exclusivamente em horário do expediente de trabalho
dos servidores, nos cursos diurnos da UFRGS.
Assim, o processo do pedido de redução de carga horária
que protocolei inicialmente em abril de 2007, referente ao primeiro
semestre, teve seu desfecho só no final de setembro, já em meados
do segundo semestre (período em que eu continuei cursando
normalmente em horário de expediente por minha conta e risco). O
desfecho da peleia se deu com o Parecer 66/07 da Assessoria
Jurídica do Gabinete do Prefeito, com o seguinte teor contundente:
55
Esta ASSEJUR/GP considera ter o servidor direito a esse
benefício. Trata-se de utopia admitir nos dias de hoje, que seja
possível a comparação entre uma faculdade privada e a UFRGS,
sendo que a primeira exige pagamento de custos altíssimos,
inversamente a segunda que é gratuita. Bem como não se pode
admitir que esteja privado de frequentar a instituição por ser o
artigo restritivo, tendo em vista que um curso na esfera privada não
é equivalente, porque à luz da interpretação restrita teria de ser
analisado exatamente o significado desta palavra, a qual segundo o
dicionário significa dizer: “de igual valor; aquilo que equivale...”. Por
óbvio não é o caso, a UFRGS não equivale a nenhuma outra
faculdade de Porto Alegre em termos econômicos, visto a
gratuidade do ensino.
Face ao exposto, esta ASSEJURIGP recomenda a V. Exa seja
conhecido e deferido o presente recurso, em face dos fundamentos
acima descritos. É o parecer.
E a COJ, muito a contragosto, ainda resmungando que considerava
que o parecer do GP estava confrontando com o disposto na lei,
teve que elaborar novo parecer sugerindo o deferimento da
redução de carga horária por mim solicitada seis meses antes.
Desde então foi sempre assim a cada novo semestre, faziam o
deferimento por força do parecer superior, mas continuavam
registrando a contrariedade por escrito pelo sapo engolido.
Foi assim que, como Bixo 2010, antecipei o meu
jubilamento em Filosofia. Ao fazer a opção pelo Curso de Letras no
ato da matrícula, iniciei o preenchimento de uma outra lacuna na
minha formação pessoal, que é o domínio das “Letras”, das quais
estou obeso, pois delas sempre me alimentei como um amador
guloso, sem nunca ter me submetido às dietas acadêmicas. Curso
que continuo fazendo agora como aposentado, no mesmo ritmo do
tempo da ativa e igualmente sem pretender diplomação nenhuma.
E foi assim que este ativista solitário da causa sindical, que em
outras épocas já foi um militante agitador de massas, conseguiu no
tapetão garantir a manutenção do direito dos estudantes dos cursos
diurnos da UFRGS para todos no DMAE, modéstia à parte!
56
30 - A VENDA DA FOLHA DE PAGAMENTO

Com a globalização da economia, termos como “excelência


em qualidade, gestão total e gerenciamento de custos” migraram
para os países do terceiro mundo, não em porões de navios como
as antigas pestes medievais, mas por aeroportos internacionais nos
laptops dos empresários e, como vírus, se espalharam pelas bocas
contagiosas dos políticos, até chegar nas novas gerações de
administradores públicos municipais espalhados por estes brasis
sem fim.
Munidos de uma parafernália de indicadores fabricantes de
gráficos, consultorias contratadas a altos custos pelos órgãos
públicos fazem tábua rasa de toda a cultura de administração
pública profissionalizada que tem mantido de pé este país, apesar
da sangria ininterrupta dos cofres públicos feita pela histórica
corrupção dos políticos e suas demagogias. Neste entra e sai de
governos, já estou me aposentando e praticamente nada mudou no
âmago da estrutura da administração pública, apesar de toda a
revolução provocada pela informática. Os problemas gerenciais
continuam sendo escancaradamente os mesmos e permanecem
intocáveis, apesar de todos os discursos modernizantes de
ideologias esquerdistas ou conservadoras. Foi sempre assim: eles
fingem que estão fazendo alguma coisa inovadora, e a gente finge
que acredita.
Agora, em final de carreira, não me compete mais debater
as grandes causas (já fiz isto inutilmente com muito empenho e por
tempo demais), me agrada agora comentar as causas perdidas ou
aquelas mais caricatas e tragicômicas. É o caso da atual obstinação
pela busca de novas fontes de recursos, captando grana quer na
iniciativa privada, terceirizando o que puder (de preferência tudo),
ou mesmo de outros órgãos públicos, especialmente do sistema
financeiro que tem apresentado os maiores lucros (também pudera,
com tantas e elevadas taxas!).
Pois a Prefeitura de Porto Alegre encontrou um modo
inusitado de captar dinheiro para os seus cofres, qual seja, vender a
57
folha de pagamento para o banco público que apresentar melhor
oferta pelo seu lote de milhares de trabalhadores. Venceu a Caixa
Econômica Federal o leilão do lote de escravos municipários. Isto
implica compulsoriamente no desmonte de toda a organização
familiar bancária da vida das pessoas, seus débitos em conta e
financiamentos, o crédito pessoal de cada um devido ao seu tempo
como correntista de um mesmo banco, em suma, toda a liberdade
de opção, essência de uma democracia, foi “amordaçada” pelo
próprio prefeito-poeta que previa uma viração pelo Vento Negro.
Eu, como centenas de colegas (quantos milhares em toda a
prefeitura?), tivemos que manter as duas contas bancárias e arcar
com seus custos, em função de compromissos financeiros de longo
prazo assumidos anteriormente com o Banrisul. Como um lote de
escravos vendidos em praça pública, os servidores municipais
tiveram que obrigatoriamente assinar contrato com o seu novo
Senhor Banqueiro, que chegou prometendo mundos e fundos de
isenções, mas que já mostrou nos primeiros dois anos do seu
reinado o uso do duro pelourinho de suas taxas a chicotear no
lombo dos salários dos servidores municipais.
A Prefeitura se vangloria que arrecadou R$ 80 milhões pela
venda de seu lote de subjugados à CEF, às duras custas dos
servidores que, para manterem seus compromissos bancários em
seus bancos de origem, terão que gastar valores exorbitantes com
taxas de transferências bancárias ao longo dos cinco anos de
duração deste contrato imposto ditatorialmente aos assalariados
municipais. O pior é que este alegado lucro tido como recolhido aos
cofres públicos é uma falácia, pois não foi computado neste cálculo
o valor de uma variável importante, qual seja, que o Banrisul por
ser o banco mais utilizado para o pagamento das taxas públicas
municipais, inclusive as contas de água, não cobrava taxas por estes
serviços, tendo em vista que mantinha a folha de pagamento
inclusive do DMAE. A partir de então o DMAE teve um acréscimo
considerável de custos em suas cobranças de água e esgoto com
taxas deste banco estadual.

58
No final das contas, diante de tantos transtornos e
insatisfações geradas no meio de seus funcionários, cabe ainda
perguntar: será que valeu a pena vender a folha de pagamento dos
servidores municipais como se eles fossem um lote de escravos?...
Este texto, que até aqui escrevi originalmente em março/2008,
quando da imposição da CEF como monopolista da folha de
pagamento da prefeitura, está sendo atualizado hoje por termos
verificado no decorrer do tempo que os nosso prejuízos não foram
só financeiros, mas também na perda da qualidade e da quantidade
dos serviços prestados.
Além de praticamente não existir terminais de
autoatendimento para pagamentos de contas fora das agências
bancárias da CEF pela cidade, os terminais instalados no entorno do
DMAE estão sempre com problemas. Quando não estão com
sistema congelado, estão sem papel ou os seus leitores óticos de
código de barras estão analfabetos ou as máquinas estão
desligadas. Como já é praticamente de costume, hoje percorri
inutilmente os três terminais da redondeza e decidi recorrer ao
recurso especial que a CEF oferece, que é o uso das lotéricas. Esta
opção para pagamento de contas, entretanto, tem a restrição de
funcionar dentro do limite de saques, o que não possibilita o
pagamento de muitas contas e, às vezes, nem uma única conta alta
tipo a do cartão de crédito da própria CEF. Hoje, convenhamos, foi
um caso extremo: a lotérica estava fechada com um cartaz
anunciando “férias coletivas”!...

31 - AS SIGLAS DOS SISTEMAS INFORMATIZADOS


fevereiro/2010
A minha geração é do tempo da pedra lascada no serviço
público, somos da Era da Revolução Mecânica, das geniais máquinas
de datilografia e até das calculadoras das quatro operações
totalmente mecanizadas, antes da incorporação da eletricidade na
genética das máquinas.
A transição para os primeiros computadores, através do
editor de texto “Carta Certa”, do programa de banco de dados
59
“Dbase” e o gerador de planilhas “Lótus”, e ainda o gerador de
interfaces gráficas “Dialog”, foi um processo traumático. Os
computadores, por incrível que possa parecer aos jovens, ainda não
possuíam grandes memórias próprias, não tinham ainda inventado
os poderosos discos rígidos (HDs); tinha-se que introduzir os
disquetes bolachão (os de 5.1/4” flexíveis, antes da última versão
de 3.1/2” também já extintos) para carregar primeiramente o
próprio sistema operacional (DOS), depois colocar o disquete com o
programa que se queria utilizar e, finalmente, introduzir outro
disquete para arquivar o trabalho gerado pelo usuário. É, essa
gurizada não tem noção do que passamos para chegar até aqui: a
Era dos Lap-Tops & Celulares IPhone.
Naturalmente que alguns de nós tiveram mais dificuldade
do que outros para esta adaptação às novas ferramentas de
trabalho, com a agravante que elas evoluíam alucinadamente
rápido, tanto em termos de hardware como de software, até o
mercado mundial ser monopolizado pelos produtos da Microsoft
com o Word, o Excel, o Access e, mais recentemente, com o
PowerPoint.
Em paralelo aos chamados computadores pessoais (PCs),
desenvolveu-se também os sistemas interligados coorporativos
para conectar em rede os microcomputadores, como se chamava
na época. A partir daí foram se instalando no Dmae programas
específicos para os usuários de cada área de trabalho (Terminal
Procempa – AMT - GPA - MAN), os quais se tornaram fonte de um
novo tipo de problema crônico da informática, que é o fato dos
programas não se comunicarem entre si, constituem ilhas de
informações rodeadas de perguntas sem conexão às respostas por
todos os lados. E quanto mais o tempo passava, mais proliferavam
estas soluções segmentadas de manipulação das informações.
Mesmo com o advento mágico da internet, esta tendência
se manteve crescente, tal como podemos visualizar ostensivamente
na página da Intranet do DMAE a lista de Sistemas Informatizados
necessários para realizarmos rotineiramente nossas tarefas
gerenciais: PSI (REM – SDO – GOR - SER), SCA, SIGA, SIGES.
60
Diante das novas e desafiadoras realidades virtuais que se
descortinavam, desenvolveu-se uma cultura de cooperação mútua
entre os funcionários da área operacional, setor mais “chão-de-
fábrica” industrial do Departamento, de modo que aqueles que
tinham maior facilidade de adaptação servissem de “suporte de
informática” aos demais, como um reforço aos cursos básicos que o
Departamento promovia. A propósito, uma das minhas atividades
funcionais atualmente tem sido de “Supervisionar a Gestão dos
Contratos de Terceiros da Manutenção”, ou seja, supervisionar
significa desenvolver e manter controles junto com os gestores,
paralelos aos dos grandes sistemas, dos valores empenhados e
faturados dos contratos da DVM. Em suma, supervisionar quer dizer
“dar suporte técnico informatizado no âmbito interno” para se lidar
com a parafernália de Sistemas e modos operantes peculiar de cada
um deles.
Nos últimos anos, por exemplo, entre outros tantos
sistemas que inventaram, tem um doméstico da Superintendência
de Desenvolvimento denominado SIGA (Sistema de Gerenciamento
Administrativo) que foi determinado que teríamos que utilizá-lo, ou
seja, entrar com os nossos dados de contratos e faturas nele.
Resistimos bravamente por dois ou três anos, por percebê-lo como
sendo um re-serviço totalmente inútil, que não agrega nenhuma
informação consistente na nossa área de trabalho. Mas, como
“ordens são ordens” e “manda quem pode e obedece quem
precisa”, passamos a “jogar” os dados pedidos para dentro do tal
programa, ressentidos como quem carrega água em peneiras morro
acima e não tem pra quem argumentar contra esta determinação e,
ainda, tendo que silenciar sobre esta distorção imposta de
contrabando da área do planejamento e obras para a área
operacional do DMAE.
Este é apenas um exemplo, pois há vários SIGAS que
funcionam como verdadeiros Sistemas Ininteligíveis de Gestação
de Atrofias Sistêmicas, não só pela PMPA afora, mas também, como
pude constatar na Caixa Econômica Federal, por toda a gestão
pública nacional. Persiga os Sistemas: SIGA em frente que atrás vem
61
gente, é a máxima corporativista reinante. SIGA apertando
parafusos que é esta a tua função. SIGA cumprindo ordens, que elas
vêm de cima e lá, como no céu, se imagina que deve haver seres
com capacidades superiores pensando o que realmente é o melhor
para todos.
O problema é que somos de uma geração em que as
decisões estavam no seu âmbito e que fazia com as próprias mãos
os desenvolvimentos das soluções; nós éramos os sistemas e as
engrenagens. Imersos neste nível de envolvimento e conscientes de
que prestávamos um serviço público à comunidade porto-
alegrense, suávamos a camiseta do DMAE pelo sucesso da nossa
equipe de trabalho. Hoje em dia os Sistemas da concepção de
mundo do estilo BigBrother tornam todos meros espectadores das
decisões, e fazem nos sentir pequenos e impotentes diante do
Grande Cabeção do Sistema Central Informatizado.
Como somos de um outro tempo, só nos resta continuar
dando suporte aos colegas enquanto aguardamos o apito final da
nossa participação nesta partida, que já dura 36 longos anos, em
que demos o melhor de nós com dedicação ao clube que servimos.
Iremos, então, para a torcida da galera dos cidadãos de Porto Alegre
e ficaremos torcendo para que a equipe de colegas que segue na
ativa fabricando água potável e manejando o esgoto (neste serviço
essencial para a cidade e para o planeta) SIGA em paz!

32 - QUARTA-FEIRA DE CINZAS
17/fevereiro/2010
Passado o feriadão de carnaval, chegamos à última quarta-
feira de cinzas que tenho que retornar ao serviço, com horário
diferenciado, com pegada ao meio-dia. A bem da verdade, eu
sempre fui rebelado contra este horário da quarta-feira de cinzas
que nos obriga a almoçar às 11 horas da manhã ou antes.
Sistematicamente, como muita gente boa, eu costumava bater o
ponto uns quinze minutos antes do meio-dia e saia para almoçar
num restaurante próximo, para somente depois retornar ao
expediente normal.
62
Neste ano em que a minha mãe faz 86 anos no dia de hoje,
porém, como estou “zen” nesta onda de curtir cada dia como o
derradeiro de sua espécie, resolvi cumprir à risca as determinações
e almocei, como de costume, no restaurante denominado Onze &
meia na Rua Demétrio Ribeiro, mas antes desta hora nominal.
Os relatórios sobre as ocorrências de serviços do
plantonista da manutenção do carnaval dão conta que a coisa foi
tumultuada, tanto que por falta d’água a prefeitura foi obrigada a
fechar os banheiros públicos do sambódromo em plena noite de
desfiles de carnaval. Isso envolve o plantonista dar explicações para
a imprensa, que é como dar nó em pingo d’água, pois é quase uma
calamidade pública aquela multidão tomando tantas
cervejas...Ainda bem que saltei fora a tempo da escala de plantão
dos engenheiros da manutenção!
Sem ressaca, neste verão atípico em que eu não vi o mar
ainda este ano, vamos para uma semana curta até o enterro dos
ossos carnavalesco no próximo final de semana com as escolas de
samba campeãs no Rio e aqui.

33 - O CAMINHO DOS APOSENTADOS DO DMAE

Bons tempo de se correr às pressas para o Gabinete Médico


do Dmae, onde mais se consegue telefonar e poucas horas depois
se estar consultando com um médico(a) de confiança? Nem no
caríssimo plano de saúde da Unimed!... É de relevante importância
dispormos de uma assistência que possibilite, ao levantarmos pela
manhã de uma noite mal dormida, com tosse, gripe ou torção
muscular (etc.), podermos telefonar para o Gabinete e marcar
horário com os nossos colegas médicos que nos acompanham e
monitoram ao longo desta longa jornada de servidores públicos,
dando manutenção em nossos equipamentos biológicos.
Eis que, quem diria, mesmo aposentado em 2012 ainda
disponho desta agilidade de assistência médica, qual seja, a de
consultarmos, recebermos a receita e retirarmos em poucos
minutos a medicação (que já foi gratuita, mas que ainda mantém
63
descontos valiosos e é descontado em folha só no final do mês),
benefício que tem que ser computado no rol dos ganhos de quem
se aposenta pelo Dmae. Então, quando me dirigia para a minha
consulta médica, encontrei o Seu Pereira, ex-colega que está
aposentado há vários anos, que nunca mais tínhamos visto, que me
contou estar com oitenta anos, apenas mais grisalho, mas com o
mesma estampa e o mesmo riso característico...
No Gabinete Médico se encontram as diferentes gerações
de servidores do Dmae, especialmente os que conseguiram se
aposentar pelas leis antigas e que, pelo avançado da idade, mais
necessitam de remédios com descontos. Da janela da sala onde eu
trabalhava podia observar diariamente o que denominamos “o
caminho dos aposentados”, na rua Gastão Rhodes, que é o caminho
que leva do Gabinete Médico, onde são autorizadas as receitas, até
a farmácia Panvel, conveniada para o fornecimento dos remédios,
situada na mesma rua, no posto de gasolina na esquina com a Av.
Ipiranga.
A propósito, como comentei aqui no blog em maio de 2010,
eu havia visto pela janela passar no Caminho dos Aposentados o Seu
Alonso pela última vez, pois pouco tempo depois veio a notícia de
que ele já estava morto e enterrado. Na época comentei que alguns
deles, quando fazem este Caminho dos Aposentados, aproveitam
para visitar os antigos colegas remanescentes que ainda continuam
cumprindo pena ou estão na ativa por opção. Muitos deles, porém,
passam direto e fazem questão de não retornarem neste território
interno da EME (antiga sigla da Manutenção – DVM/GMAN), talvez
por questões emocionais ou por considerarem que praticamente já
não tem mais ninguém do tempo deles ali.
Comentei também que naquela época esteve nos visitando
o Hélio Vieira de Aguiar (vulgo Azeitona), do qual eu (vulgo
Grazziotin) sei o nome completo por termos trabalhados juntos na
mesma sala, como técnicos industriais, por muitos anos,
juntamente com o Ranir Zaniratti Junior (vulgo Grilo) e o Romeu
Flávio Danilo Garcia (vulgo Coringa), este um gênio em mecânica

64
que lamentavelmente o mal de Parkinson aposentou
precocemente.
Também nos visitou naqueles dias e tomou “muitos
cafezinhos” conosco o Engº Valmor, vindo de uma consulta com o
seu psiquiatra (o homem tinha parado de fumar, mas continuava
tomando café pra caramba!), ao qual a colega Catarina elogiou de
viva voz como sendo o melhor engenheiro mecânico que ela
conheceu no DMAE, ao que ele próprio remendou dizendo “mas
depois eu enlouqueci”; e eu complementei: o louco quando sabe
que é louco é por que já está curado! (O problema dele se refere, os
antigos sabem bem, a um caso clássico de amor entre ele como
diretor casado e a sua secretária que, tornado escândalo público, foi
interrompido bruscamente e deixou nele sequelas psíquicas).
Naqueles dias também eu havia encontrado o aposentado
Olírio, vulgo Liquinho, no meio do caminho da Gastão Rhodes, o
melhor centro-avante que o nosso time já teve (estilo Romário), que
é um daqueles que nunca mais entrou na Divisão. Olírio era
radioamador e tinha uma máquina de filmagem com a qual fez a
cobertura do aniversário de um ano da minha filha Luíza, relíquia
entre os meus recuerdos.
-Belos anos, valeu velharia medonha da manutenção!

Naquela postagem, da qual estou fazendo uma espécie de


remake, eu revelava que todo este fluxo de reminiscências me veio
após termos recebido a visita do “Seu Breno das Hidráulicas”, que
nos contou que ele entrou no Serviço de Água em 1949, quando ele
estava terminando de servir ao exército, no tempo que os capatazes
tinham autoridade pra contratar e dispensar operários. Em 1954,
ano em que eu nasci, ele foi promovido como o “capataz mais
jovem” até então. Funcionário que sempre foi respeitado
tecnicamente por toda área operacional, se aposentou com tempo
integral de 35 anos pelo DMAE e trabalhou como “contratado”,
após aposentado, por mais 20 anos, até 2001. O maior orgulho do
Seu Breno, conforme ele nos revelou naquele dia, é ser “o homem
que mais colocou a funcionar hidráulicas”, pois todas as hidráulicas
65
existentes ainda hoje foi ele quem preparou e deu o “start”. Este é
um feito imbatível: -Valeu Seu Breno!
- Valeu doutores Emílio, Lélia, Nilton e Beatriz! Especialmente a Drª
Beatriz que acompanhou a minha Saga Prostática, quando eu desci
ao Inferno dos portadores da doença de câncer, a qual feito a musa
inspiradora do poeta Dante (que também se chamava Beatriz),
diagnosticou que tudo não passava de uma Divina Comédia. Se Deus
quiser eu não vou morrer tão cedo, vou ficar que nem o Seu Pereira,
no mínimo até aos oitenta anos, trilhando o Caminho dos
Aposentados:
-Valeu e continua valendo o Gabinete Médico do Dmae!

34 - VULGOS QUI-QUI-QUI, CACHORRO, BOCA E FAÍSCA

Outro dia, aos passar por mim na esquina da D. Pedro I,


dentro do pátio da Manutenção que visitava naquele dia, o
Cachorro (apelido de um ex-colega soldador) mexeu comigo: O Qui-
qui-qui por aqui! Este é um antigo apelido meu, que ficou restrito
ao pessoal do Setor de Solda e Serralheria, e que me foi dado pelo
Boca de Cinzeiro, outro soldador. O uso dos apelidos era tão
corriqueiro que acabamos não lembrando como eram os nomes dos
nossos colegas de trabalho na Manutenção. O fato inusitado deste
meu apelido de Qui-qui-qui ocorreu durante uma histórica
assembleia geral da AMPA, associação pré-sindical (embrião do
SIMPA), em que eu tenso, como presidente da entidade dirigindo os
trabalhos, gaguejava mais do que nunca: “que-que-que isto, que-
que-que aquilo”, tipo dando nó em pingo d’água...
Eu estava no microfone da tribuna tentando convencer a
categoria, que lotava o plenário da Assembleia Legislativa com mais
de mil municipários, a retornarem ao trabalho depois de três dias
de greve no Governo Collares, nos idos de 1988... Era a primeira
greve depois de vários ensaios em paralisações nos últimos anos da
ditadura. Lá pelas tantas o Boca, grande pé de cana de açúcar
(tomador de caninha), bêbado gritou me apoiando no fundo das
galerias: - É isso aí Qui-qui-qui, apoiado! Seguiu-se uma hilária
66
aclamação geral aprovando o encerramento da greve, garantindo o
reajuste, o pagamento dos dias parados e a consolidação do
movimento sindical dos servidores de Porto Alegre.
De fato, o meu perfil nas redes sociais poderia ser: Vejo mal,
ouço pouco e falo com dificuldades. É, pois uso óculos para longe e
perto, operei um tímpano e sofro de otite, e gaguejo
ostensivamente como uma charme peculiar. O ex-colega Faísca
costumava me chamar carinhosamente de Gaguinho. Quando eu
estava cursando jornalismo (fala sério, fica mal um repórter gago
fazendo entrevistas, né?) cheguei a frequentar o consultório de
uma fonoaudióloga por uns três meses. Consegui parar de dizer
“tlês” (feito o Cebolinha), pois aprendi a soletrar o “três”. Mas não
tive persistência para desenvolver técnicas de domínio da gagueira
(como o notório ex-gago Cláudio Duarte, ex-técnico e jogador do
Internacional), até porque tive que abandonar o jornalismo pelo
corte da bolsa da PUC pelo Dmae.
O Faísca, que tinha uma camioneta e fazia os carretos das
aparelhagens de sons para os atos públicos do municipários, teve
um AVC mas se recuperou das sequelas. Porém teve readaptação
de função, deixou de ser motorista da Manutenção (sem deixar
nenhuma foto nos meus arquivos) e virou operador de subestação
do Dmae: continua correndo atrás das horas-extras...
O Cachorro, há alguns anos atrás, foi assaltado e levou uns
tiros, esteve com o pé-na-cova, mas como um gato com sete vidas,
voltou e continua trabalhando, é o último remanescente dos antigos
do setor de solda (aos quais, vivos e mortos, faço aqui a minha
homenagem!), o único que ainda lembra deste apelido com o qual
eu simpatizava muito, mas que também já está em extinção.
O Boca de Cinzeiro já havia se aposentado antes de mim.
Recentemente soube que ele teve uma perna amputada em
decorrência de excesso de açucar no sangue; dele guardo uma foto
que considero como sendo uma das melhores do meu acervo como
fotógrafo das Caras da Manutenção, captei o imenso sorriso de sua
boca que parecia um cinzeiro de charuto, faltando vários dentes.

67
Hoje em dia eu estou com a visão cada vez pior (devido à
catarata), ouvindo cada vez menos (pela idade) e falando com
dificuldades maiores ainda (pelos lapsos de memória da velhice);
mas em compensação estou escrevendo tudo o que lembro, vejo,
ouço ou falo como sendo o mesmo Qui-qui-qui que sempre fui. Dos
verdadeiros nomes do Faísca, do Cachorro e do Boca eu não lembro
mais, mas em compensação, deles mesmos, dos apelidos e, por
enquanto, do meu nome eu ainda lembro:
- Valeu Vulgos Faísca, Cachorro e Boca de Cinzeiro!

35 - SÍNDROME DA CAIXA DE EMAILS VAZIA

A propósito de e-mails, um pouco antes de me aposentar


recebi um e-mail de um amigo aposentado, do Manoel Geraldo
(vulgo Kiko, único amigo que mantive desde o tempo de
adolescência), que é um gaúcho de Guaíba que hoje vive num
casarão quitado na praia do Campeche, na bela ilha de Florianópolis
(que invejável tédio!), e que se divertia me assustando com a sua
“experiência” no assunto de aposentadoria dizendo:
-Daí, meu amigo Xirú, “quase aposentado”, como está a espera do
DJ (Día de la Jubilación)? Enquanto não chega este dia tão
longínquo leia mais este e-mail, porque, certamente você não vai ter
tantos na sua caixa de mensagens como tens agora que trabalha em
uma companhia pública! É, sim, os aposentados são vítimas, às
vezes ou quase sempre, de um esquecimento por parte das "pessoas
ativas economicamente". Digo estas verdades para que você possa
estar se preparando para tal fato, porque vais passar por isto
certamente.
Por estas e por outras, por via das dúvidas, para não entrar
em pânico na “hora H”, é que passei a montar algumas armadilhas
para manter contatos, através dos meus blogs pessoais, que
partindo deste “Diário de Um AposentaNdo”, que tem um público
alvo e tema específico, remete também para outras temáticas tipo
poesias, crônicas literárias e fotografias de minha autoria.

68
Esta foi a minha estratégia durante o meu último ano na
“ativa”: trabalhar intensamente neste propósito de estabelecer
tentáculos na rede para manter contato com o mundo externo.
Agora, cerca de dois anos após ter me retirado para a minha caverna
de aposentado nas montanhas da Cidade Baixa, feito um Zaratustra,
igual ao meu amigo Samurai do Campeche que eu tanto invejava,
posso dizer que o propósito foi executado com sucesso.
Porém, esta semana aconteceram duas coisas que me
fizeram voltar a refletir sobre emails e a “Síndrome da Caixa Vazia
dos Aposentados”. Primeiro, uma colega de aula da faculdade me
enviou um arquivo sobre Estética de Hegel, não por email como eu
esperava, mas pelo Facebook. Fiquei surpreso. E ontem, depois de
passar mais de uma semana correndo atrás do próprio rabo e sem
abrir meus emails, ao acessar a caixa de correio eletrônico fiquei
sabendo que anteontem “haveria” a reunião que eu próprio havia
solicitado da Diretoria da associação AEAPOPPA (que de fato houve
sem mim). Moral da história, a ferramenta do email não é mais
aquele instrumento poderoso de comunicação de tempos atrás.
Fora do mundo corporativo do trabalho, onde se acessa
diariamente por força das rotinas funcionais, os emails já estão
anacrônicos e, por desuso, se tornaram um serviço ineficiente de
correio eletrônico.
Com o advento das redes sociais, os jovens abandonaram
radicalmente o uso de emails entre eles e, na onda deles que
determinam as tendências tecnológicas, vamos todos migrando
para a plataforma de relacionamentos por redes. No Facebook é
possível visualizarmos seletivamente o que interessa e passar mais
lenta ou rapidamente por cima (rolando a tela) do que pouco ou
nada nos atrai nas postagens dos nossos amigos...Mais prático, não
fica acumulando as mensagens “não lidas” que tanto nos
angustiam, é como um rio de informações, o que passou sem ser
visto vai desaparecendo na linha do horizonte do tempo...
Emails são como os sinais de fumaça, objetos para estudos
antropológicos de tribos em extinção. Assim, pessoal da ativa, se
quiserem convidar ou mesmo convocar um aposentado para algum
69
evento, sem terem a opção do Facebook no Dmae (que fica
bloqueado no horário de expediente), não fique achando que o
recado está dado apenas enviando um email, use o velho e bom
telefone ou uma mensagem de texto para o celular, isso não falha
nunca!

36 - AS FALTAS DA DONA MALVINA


19/fev/2010
O processo de estrangulamento do serviço público se dá
com realizações de carências operacionais por falta de pessoal,
carências que constituem verdadeiros torniquetes que vão sendo
apertados até que todos clamem por uma terceirização de cada
segmento específico das atividades públicas. É o caso do pessoal da
limpeza de escritórios/ banheiros/etc. e dos contínuos das
repartições; tanto que já estamos todos pedindo “por amor de
Deus” que terceirizem estes serviços.
Hoje a Dona Malvina, que é uma raridade, pois faz muito
bem este serviço de limpeza na Divisão de Manutenção, nos
mostrou indignada o processo em que requereu abono de três dias
de faltas ao trabalho ocorridas por “razões de força maior” e que foi
indeferido. Contagiado pela sua indignação com os novos
procedimentos administrativos, em que predomina uma burocracia
que possibilita que pessoas se omitam de tomar decisões, se
escondendo atrás de regras generalizadoras padronizadas e nem
sempre compatíveis com a vida real, me propus a ouvir
detalhadamente os seus motivos e elaborei o seguinte texto em seu
nome para que ela anexasse ao processo requerendo uma
reconsideração daquele despacho:

À DVH
Tomei conhecimento do parecer indeferindo o meu
requerimento baseando-se em argumentos burocráticos sobre
prazos e regras legislativas, sem entrar no mérito da questão,
motivo pelo qual não concordo e apresento um RECURSO conforme
segue:
70
Os três dias de ausência ao serviço foram motivados pelo
fato da minha filha ter baixado às pressas na maternidade por estar
grávida de 8 meses e, por complicações clínicas, teve que ser
submetida a uma cirurgia cesariana, dando origem a um parto
prematuro. A gravidade do quadro pode ser avaliada pelo fato do
recém-nascido ter ficado na UTI por cerca de trinta dias, e a mãe do
nenê, por já ter quarenta anos e constituir um grupo de risco, ter
ficado hospitalizada por cinco dias.
Foi no meio daqueles dias que foram de acompanhamento,
expectativas e até rezas durante dias e noites, devido à grande
aflição familiar, que após comunicar por telefone os motivos da
minha ausência ao meu EQAD, fui orientada para regularizar a
minha ausência ao trabalho junto ao Gabinete Médico. Na ocasião
compareci e expliquei o meu caso ao próprio médico da Perícia
Médica, o Dr. Renato Ferreira, informando que a médica da minha
filha forneceria um atestado, o qual falou que eu já havia perdido o
prazo hábil e que deveria entrar com um processo quando tivesse o
tal atestado.
Como pode se constatar na minha ficha de Qualificação
Básica em anexo ao presente processo, não consta em toda a minha
vida funcional nenhuma falta ao serviço, e isto que eu já possuo
todas as exigências para me aposentar no momento que quiser.
Esperava que este meu histórico de dedicação profissional
orientasse a burocracia do DMAE quando entrei com o presente
requerimento, que pelo menos eu fosse ouvida antes de enviarem
a sentença para no DOPA, o que lamentavelmente não aconteceu,
onde foi publicado o parecer da Equipe de Apoio Técnico-
profissional, o qual em considero injusto e peço reconsideração.
Peço reconsideração por considerar falho o argumento do
parecer que diz que “a servidora não se apresentou à Perícia e o
que o médico informa que na situação médica apresentada o
paciente pode ou não necessitar de acompanhamento familiar,
impossibilitando a verificação da concessão ou não de Licença por
Motivo de Doença em Pessoa da Família”.

71
Sou operária, e em nenhum momento deste procedimento
fui orientada, e deve haver um “Serviço Social” no DMAE para isso,
no sentido de que deveria requerer Licença por Motivo de Doença
em Pessoa da Família. A única orientação que recebi, como já
relatei, é que deveria entrar com um processo anexando o atestado
médico requerendo o abono das “ausências”. Além de ser inverídica
a alegação que eu não compareci na Perícia, o parecer se baseia na
resposta genérica e sem conhecimento de causa do médico da
Perícia, simplesmente ignorando o atestado anexo da Drª Suzane C.
Matte, que estava atendendo o caso no Hospital Divina Providência,
e que afirma com conhecimento de causa que “a paciente necessita
de cuidados e acompanhamentos nos dias 25, 26 e 27 de
novembro/2009”.
Como a própria existência deste processo se deve ao fato
de não ter-se cumprido os prazos e regras burocráticas, o seu
indeferimento argumentando estas mesmas causas, sem entrar no
mérito do caso humano e de suas necessidades e urgências, bem
como de suas decorrentes priorizações e atrapalhações, é o mesmo
que tornar nula qualquer possibilidade de requerimento de “abono
de faltas” por estes motivos.
Portanto, solicito Reconsideração do Parecer Nº 412/2009
motivado, não pelos prejuízos financeiros decorrentes, mas por não
achar justo que a minha ficha funcional fique “suja” com estas três
faltas ao final da minha carreira profissional*.
...........................
* = Toda esta luta para uma servidora com trinta e tantos ano de
serviços prestados à empresa obter três dias de abono no cartão
ponto e notoriamente por razões nobres. Coisa que a chefia
imediata fazia, antigamente, sem o kafkiano “processo” burocrático
atual. E ainda tem muita gente querendo dourar a pílula do “mundo
do trabalho” em serviço público como sendo um paraíso e não uma
prisão... **= Três meses depois de apresentado este recurso, ainda
não houve uma decisão sobre o caso... ***= Mais de um ano depois,
quando eu já estava aposentado, soube que foram abonadas as
faltas da Dona Malvina, aleluia!
72
37 - DA BAIXA À ALTA HOSPITALAR DO MATTOS

Hoje um colega que trabalha na Ferramentaria da


Manutenção me surpreendeu ao me enviar um poema de sua
autoria para que eu “arredondasse” os versos. Acontece que lá por
meados de novembro do ano passado, quando a primavera já
prenunciava o inferno de quente que seria o verão que se
avizinhava, como uma rajada de vento forte chegou a notícia de que
um outro colega, o Eduardo Mattos, tinha sofrido baixa hospitalar
com dores agudas diagnosticadas como pancreatite. Desde então
vinha sendo uma apreensão coletiva no pessoal da manutenção os
ciclos de altos e baixos de seu estado de saúde, com a romaria de
visitas e telefonemas para o hospital. O quadro clínico dele exigia
que ficasse permanentemente sem alimentação sólida, vivendo
somente de soro, acompanhado de longe por nós, sempre na
expectativa de que a cada nova semana ele voltasse a se alimentar,
como um sintoma indicativo de que logo voltaria para casa e para o
convívio do ambiente de trabalho. Assim foi se tornando
angustiante e apreensivo para todos nós esta espera, quanto mais
o tempo passava. Enquanto uns saiam de férias e voltavam, e os
outros saiam de férias neste verão e voltavam, a notícia era sempre
a mesma: o Mattos continua hospitalizado!...
Neste período de quatro longos meses valeu de tudo, de
poesia até rezas e mantras (inclusive eu e a minha mulher
inscrevemos o nome dele pedindo aos budas força para a sua cura,
num ritual no templo budista de Viamão) na torcida pela melhora
do Mattos, quando finalmente o quadro clínico dele melhorou
possibilitando o seu retorno para casa com o reestabelecimento
gradativo de alimentação sólida e, logo-logo, sua volta para o
ambiente de trabalho.
De minha parte, definitivamente eu odeio visitas
hospitalares, velórios e enterros. Tanto que, quando estive
hospitalizado há cerca de dois anos atrás, deixei determinado que
não queria visitas dos colegas. Assim, como não fui visitá-lo no
hospital, perdi a chance de ver o Mattos esbelto devido à enorme
73
perda de peso resultante do longo jejum alimentar. Mas continuo
usando como um talismã energético o chaveirinho que ele me
trouxe de Fortaleza no verão de 2009, e tenho um chaveiro
semelhante de cabeça de cangaceiro, apenas que de Alagoas, que
eu trouxe das férias para presenteá-lo, com a mensagem
subentendida de que realize o seu manifestado desejo de fazer a
sua próxima viagem de férias a Maceió.

38 - AO DIA MUNDIAL DA ÁGUA


Remake de março/2010
O Dia Mundial da Água foi criado pela ONU (Organização das
Nações Unidas) no dia 22 de março na ECO-1992, quando também
divulgou um importante documento, a “Declaração Universal dos
Direitos da Água”: Art. 1º - A água faz parte do patrimônio do
planeta. Cada continente, cada povo, cada nação, cada região, cada
cidade, cada cidadão é plenamente responsável aos olhos de todos.
Art. 2º - O direito à água é um dos direitos fundamentais do ser
humano, é o direito à vida.
O Brasil concentra as maiores reservas naturais de água,
detendo 13% da água do planeta. Apresenta também os mais altos
índices de desperdício, cuja estimativa é que 70% da água potável
seja desperdiçada (na irrigação, indústria e consumo). A meta ideal
da ONU é de 20% de perdas. A projeção é de que até 2030 a falta de
água deverá atingir a metade da população mundial.
Nós, trabalhadores da indústria da água potável,
conscientes de que a água é um bem tão essencial à vida como o ar
que respiramos, nos sentimos responsáveis pelo caráter público e
social da distribuição sem fins lucrativos deste patrimônio, bem
como pelo combate ao seu desperdício. Poder olhar pra trás e
verificar que durante 35 anos nos dedicamos a uma causa tão nobre
como a produção de água potável da nossa comunidade, é um
diferencial que conforta. É claro que não resolve todas as lacunas
do rol de “realizações pessoais” que idealizávamos em nossa
juventude, quando por sucessivos concursos públicos adentramos
nas chicanas de cargos desta fábrica de água entregue à domicílio.
74
Mas o fato do DMAE cada vez mais perseguir a meta de
tratar todo o esgoto antes de devolvê-lo à natureza, para não
causarmos mais poluição à jusante na nossa grande fonte de
captação de água que é o manancial do Guaíba, já tão mal tratado
pelas cidades à montante, também agrega um sentido social e
ecológico ao nosso trabalho de servidor público.
Recuperar realmente a balneabilidade das praias de Pedra
Redonda, Ipanema e Guarujá, já pensou que maravilha? Poder
voltar, como nos nossos tempos de guri, a nadar novamente nestas
praias, seria como podermos entregar aos nossos netos a cidade
com a mesma qualidade de vida que a recebemos dos nossos pais,
apesar do imenso aumento populacional! Eu não alcancei a
realização dessa meta na ativa, mas aposentado espero estar vivo
ainda para poder comemorar esta conquista que será o verdadeiro
“Dia D Glória da Água Dmaeana” dos porto-alegrenses.

39 - O PGQP NO BOLSO DOS FUNCIONÁRIOS


24/março/2010
A gestão anterior, a Administração da Frente Popular,
matou a bimestralidade dos municipários, benefício que consistia
em um reajuste da inflação a cada dois meses (que maravilha!),
benefício este que não resistiu ao congelamento siberiano a que foi
submetida no derradeiro governo petista Tarso-Verne, período de
vacas magras em que ficamos silenciosamente sem reajuste
nenhum. De maneira que a administração do PPS, que pregava nas
promessas de campanha “preservar o que é bom”, achou ótimo
encontrar a bimestralidade já defunta, pois só teve o trabalho de
ouvir a choradeira do velório e providenciar o enterro, antes que
fedesse demais.
A choradeira até que fedeu bastante, pois rendeu uma
greve capitaneada pelos mesmos que tornaram a bimestralidade
uma múmia e que provocaram as perdas salariais, cuja recuperação
dos atrasados passou a ser reivindicado por eles com unhas e
dentes; servindo de bandeira de luta para que pudessem, recém
saídos dos gabinetes do poder, reaprender a antiga militância
75
oposicionista que fora uma especialidade daquela tribo e, com isso,
ocupar novamente este espaço sindical da arena política.
Mas, para um anarquista convertido pelo método da
cabeçada contra o muro como eu, nada como um dia após o
outro...nada como a alternância no poder para se revelar a mesmice
inerente da política partidária em todo o seu espectro de partidos
políticos...
Depois do caso já comentado aqui da Venda da Folha de
Pagamento para a Caixa Econômica Federal, em que a “gestão de
qualidade” gerou lucros para os cofres públicos a partir de 2008, em
troca de prejuízos incessantes impostos ao quadro funcional, em
especial aos correntistas de outros bancos, seguiu-se novas
iniciativas gerenciais da administração Fogaça com igual sucesso,
pois com o mesmo teor de empobrecimento dos servidores
municipais.
Indicadores financeiros do DMAE de hoje indicam que
houve ganhos em 2009 com a redução de custo na folha de
pagamento de pessoal, devido ao fato que o reajuste salarial de
maio/2009 foi parcelado em três vezes. Com esta política salarial os
cofres públicos se fortaleceram diminuindo o fluxo de caixa que
migraria, por direito, para os salários dos seus servidores. A gestão
melhora os seus indicadores gerenciais financeiro em busca do
troféu de Ouro do PGQP (Pessoal sem Grana é Qualidade Patronal).

40 - REVISANDO O PLANO DE FUGA


26/março/2010
Eu perguntei, via e-mail: Mestre Jalba, me mantenha
informado sobre as etapas aposentatórias: primeiro quero saber se
recebestes normalmente o “abono permanência” no final de
fevereiro (que ainda estavas de Licença Prêmio) e se vai cessar já
agora em março. Vê se consegue um tempinho na tua agenda de
aposentado coçador de saco para me responder, que o meu plano
de fuga é cópia xerox do teu: saio de férias em janeiro/2011, volto
um dia para garantir mais um mês de vale refeição e transporte,
peço aposentadoria no PREVIMPA e, no mesmo, dia saio de Licença
76
Prêmio por 30 dias em fevereiro. Se tiver algum furo na tática de
batida em retirada, quero saber! Abraço véio, Celso. E a Voz do
Mestre respondeu:
Olá, caro colega Aposentando!
Você perde o abono permanência a partir do dia do
protocolo do processo de pedido de aposentadoria,
independentemente se está ou não de LP. No final de fevereiro
recebi apenas uma mixaria da diferença de dias e, de março em
diante, "TRANQUILAMENTE", passarei a receber R$0,00 (nada).
Abraço, Jalba.

Daí eu pensei cá com os meus botões (que é este blog): Para


compensar a redução salarial que ocorreria em fevereiro/2011, que
é o mês do pagamento da última parcela do financiamento do meu
carro, bastaria corrigir o plano de batida em retirada simplesmente
invertendo a ordem dos fatores, ou seja, gozando Licença Prêmio
em janeiro e férias em fevereiro. Com esta manobra tática, iria ainda
entrar em fevereiro a grana do Abono Permanência para quitar o
carro (entendendo que por estar de férias não seria retirado o
Abono Permanência, pois férias é férias!); e poderia iniciar em
março a minha jornada de “esperando o Godot”, gozando da
Licença de Esperando o Ato da Aposentadoria no zero-a-zero: sem
o abono permanência e sem o financiamento do carro, conforme o
planejado.
Mas, com a assessoria da secretária Lili, consultamos a
Equipe Técnica de Tempo de Serviços e ba-baus!...A regra é a
seguinte: protocolou o pedido de demissão, perdeu
instantaneamente o bendito do Abono Permanência. É tipo tiro
dado e bugio deitado, sem choro, pois subentende-se que o
aposentando manifestou a sua opção por não mais permanecer
ganhando o abono. Simples assim.
Só me resta revisar o meu plano de fuga: o mês de protocolo
do pedido de aposentadoria, ao invés de ser no início de fevereiro,
deverá ser em março, deslocando as férias de janeiro para fevereiro,
e a derradeira licença prêmio para o mês de março de 2010: sem o
77
abono permanência e sem o financiamento do carro, conforme o
planejado.

41 - RESTRUTURAÇÃO DO DMAE: O FRANKENSTEIN ESPETACULAR

Vivemos na sociedade do espetáculo, onde só interessa o


que vira show. A política é um espetáculo tanto quanto o futebol,
sendo que em ambos é criada uma partidarização simulada para
prender o público como sendo desse ou daquele time ou partido.
Mas os profissionais dos referidos espetáculos (jogadores e
políticos) não são permanentemente de nenhum time ou partido.
O ex-prefeito Fogaça, por exemplo, abandonou o pequeno PPS que
o elegeu prefeito para poder usar agora como seu “avatar eleitoral”
a grande estrutura do PMDB, mas taticamente deixou importantes
aliados encastelados dentro da sua antiga legenda na prefeitura.
A propósito, todos recebemos um e-mail corporativo da
Direção Geral do Dmae, Comunicado nº 51/10, comunicando que
após uma construção que durou 5 anos, reunindo com o SIMPA,
SENGE, ASTEC e lideranças do DMAE, visando a profissionalização
dos cargos de gestão e a valorização dos servidores, estava dando
sequência ao esforço de modernização do DMAE ao dar entrada na
Câmara de Vereadores com o Projeto de Nova Estrutura
Organizacional do Departamento. Comunica, por fim, que agora a
nova etapa do espetáculo será a tramitação parlamentar e no jogo
de cena teatral no plenário da Câmara.
Ao mesmo tempo recebemos também o seguinte e-mail do
sindicato: Colega, convocamos todos(as) os servidores do DMAE
para discutirmos nossas ações referente ao Plano de
Reestruturação do DMAE, encaminhado à Câmara de Vereadores,
sem a devida discussão com a categoria. - Informava ainda que o
“espetáculo da nossa discussão” será no auditório do SIMPA e o
espetáculo das nossas ações será posteriormente no Paço
Municipal.
Entrando um pouco no mérito dessa discussão que agora se
tornou incontornável, está na cara que o DMAE é o projeto piloto e
78
a menina dos olhos da “Gestão Fogaça-Fortunati”, o Dmae é o
equivalente ao Orçamento Participativo da Era Petista. Primeiro
houve a corrida pelos Prêmios de Qualidade-RS do PGQP,
conquistando o de bronze em 2008 e o de prata em 2009. Mas a
carta na manga mais espetacular da atual Administração é a
audaciosa Restruturação do DMAE, que pretende a redução dos 9
níveis existentes de hierarquia de chefias para apenas 5, isto através
da extinção de cerca de 40% das funções de chefias (FG´s, com
direito a incorporação proporcional ao tempo de exercício até o
momento da sua extinção) e mediante a compensação de instituir
as chamadas GDO’s – Gratificação de Desempenho Operacional -
para os chefes de equipes de rua (acabando com as incorporações
de FG’s a partir de então); além de promover a redução pela metade
do número de CC’s, e em 40% a quantidade de Unidades
Organizacionais dentro do DMAE; assim como sentencia a extinção
das CC’s Mistas (casos dos servidores do quadro que exercem CC,
com regra de transição de sobrevivência para os seus atuais
detentores enquanto o forem).
Resumindo, o bordão promocional da Restruturação do
DMAE é que “sem aumentar gastos, e sem provocar perdas salariais
para ninguém”, o projeto realiza a mágica de mexer na estrutura
que até então era tida como “imexível” por todas as administrações
anteriores, mostrando que é possível modernizar a gestão pública
em conformidade com os critérios internacionais de qualidade e
eficiência.
Sabendo-se que a representação teatral parlamentar
obedece ao roteiro prescrito pela maioria dos vereadores, e sendo
majoritária a base de apoio do atual poder executivo municipal:
Adivinhem se o projeto de restruturação do DMAE vai ser ou não
aprovado? É xeque-mate!...
Por enquanto, sem entrar no coro dos contras, avalio que o
projeto tem o mérito de possuir grandes sacadas para soluções dos
impasses históricos no campo das “perdas e danos” salariais
ocorridos nas vãs tentativas de projetos anteriores de
restruturação. Mas, da maneira como está concebido, do ponto de
79
vista de operação e praticidade funcional, está parecido com um
Frankenstein, poderá até funcionar quebrando todos os
paradigmas, mas está muito desengonçado para que se possa
apostar que a criatura inventada vai se levantar e fazer o DMAE
andar melhor do que a velha e arcaica estrutura tem feito há
décadas.
Resta ainda na cartola da arena de espetáculos, nos
bastidores do Paço Municipal, o script com a partitura da
orquestração do “Vento Negro” desta Nova Estrutura, que tem por
música de fundo o Projeto de Reforma do Plano de Carreira, o qual
será exibido no clímax do show, como o parafuso na cabeça do
Frankenstein, para dar-lhe o poder de fazer com que todos dancem
conforme a música. Com o Novo Plano de Carreira haverá o recurso
de ajustes finos no aperto do parafuso que libera mais ou menos
grana conforme o desempenho de cada servidor dentro da nova
estrutura, será um instrumento gerencial econômico como o
chicote foi o instrumento da força na era colonial.
Ainda bem que já estarei fora, assistindo do privilegiado
camarote dos aposentados, quando esta nova estrutura receber o
sopro de vida dos vereadores e começar a botar os pés pelas mãos
para sair do papel e dos gabinetes, onde até agora tem feito shows
para plateias restritas, e cair nas valetas dos dia-a-dia de quem
realmente faz a água potável rolar nos canos e lida com o fétido
esgoto cloacal da cidade. Tomara que o Frankenstein funcione,
posto que já se afigura como inevitável, e tomara que faça um belo
espetáculo por uma longa temporada, posto que pelo meu direito
de “aposentadoria com paridade” também dependerei das
conquistas do pessoal da ativa e sofrerei suas perdas.

42 - O IMPERADOR, O HIPPIE E O MENDIGO

Dentro da DVM tem uma placa indicativa de nome de rua,


fixada na esquina que as paredes dos pavilhões formam no pátio da
Divisão, com os seguintes dizeres na placa: “ Rua D. Pedro I -
Primeiro Imperador e Proclamador da República em 1822”. Quantos
80
de nós nunca perceberam a existência desta placa que desde
remotas eras está ali? E quantos de nós que notamos a placa, nunca
nos perguntamos porque ela está ali onde não há rua nenhuma?...
Hoje, depois de ter notado o envelhecimento do mendigo
Rodrigo, que vive pelas redondezas e que, por tão longa convivência
com o corpo funcional da região da Princesa Isabel, é praticamente
um funcionário do DMAE, me chamou a atenção a tal placa.
Segundo relatos do pessoal remanescente da época do meu
ingresso na Manutenção, but I don’t remember (eu era um hippie
cabeludo, de bornal, vestia bata e calçava tamancos), a tal placa de
rua já estava ali quando eu entrei para a Manutenção em 1978.
Curioso que sou, decidi consultar o oráculo da manutenção
para relembrar detalhes sobre a rua D. Pedro I. Novamente recorri
à Engª Catarina, que tudo viu e tudo sabe, que me explicou que
entre a Seção de Veículos e o Depósito tinha uma rua que unia a Rua
Gastão Rhodes com a Rua São Francisco. As casas desta rua foram
desapropriadas pelo DMAE, e a comunidade que constituía esta vila
foi removida desta região. Com a demolição das casas, a placa do
extinto logradouro público foi resgatada e preservada como parte
da história da Divisão de Manutenção.
O mendigo Rodrigo é como uma alma penada desta
comunidade da extinta rua D. Pedro I, perambulando com suas
tralhas passou a vida inteira vivendo na rua, dormindo nas calçadas
ao relento, delirando na sua demência geralmente amistosa, como
que procurando sua possível família e casa destruída. Rodrigo é
louquinho, mas não rasga dinheiro: -Me dá cinco contos! –
costumava me intimar sempre que me via. Mas o
envelhecimento do Rodrigo reflete o nosso próprio envelhecer, ele
em condições infinitamente mais hostis do que as nossas de
estáveis funcionários públicos, vivendo das escassas esmolas que
lhe jogamos, é um heroico sobrevivente, como nenhum de nós se
imaginaria conseguir, vivendo no reino dos seres famintos como ele
viveu.
Assim, perambulando rotineiramente pela extinta rua D.
Pedro I, em vidas paralelas, eu que entrei no Dmae com pinta de
81
hippie e me tornei um barnabé, e um portador de deficiência mental
tornado mendigo, envelhecemos no mesmo tempo e espaço até
que as paralelas se toquem no infinito de cada um, e todos voltem
a se irmanar no pó de onde viemos, nos misturando inclusive com o
primeiro imperador D. Pedro I do Brasil.

43 - SALVEM AS PROFESSORINHAS COMO A ELIZETE!

“Quando alguém se aposenta o melhor é escrever, ler e


ensinar, e é o que vou fazer.” – Frase do ex-primeiro-ministro da
Itália, Romano Prodi, ao recusar vários convites para ser executivo
de empresas multinacionais. Esta frase eu recortei e coloquei sobre
a minha mesa de trabalho, como um paradigma de valorização do
meu projeto de me dedicar a ler e escrever na minha aposentadoria.
No meu caso, porém, dispenso o objetivo de ensinar, por absoluta
falta de aptidão (apesar de ter exercido com êxito por dois anos a
função num Curso de Eletricidade que ministrei aos colegas da
DVM, curso que a Administração interrompeu por achar longo
demais devido ao método de eu seguir o desenvolvimento das
lições no ritmo dos alunos), mas reconheço o imenso valor que tem
a vocação sacerdotal de ensinar. Salvem as professorinhas do meu
Brasil!
Na coluna de ontem da Martha Medeiros na Zero Hora
Dominical (que às vezes, quando gosto do começo, leio até o fim e
acho boas), ela se perguntava: Como é que vai ser daqui a um
tempo, caso se mantenha este parco vínculo familiar com a
literatura, caso não se dê mais valor a uma educação cultural? De
geração para geração, diminui o acesso ao conhecimento histórico,
artístico e filosófico. A overdose de informação faz parecer que
sabemos tudo, o que é uma ilusão, sabemos muito pouco e os
nossos filhos saberão menos ainda. Quem irá optar por ser
professor não tendo nem local nem salário condizente com o ofício,
nem respeito por parte dos alunos?
Pesquisas educacionais recentes indicam que o fator mais
decisivo para definir o quanto uma criança aprende na escola é a
82
qualidade do seu professor. Descobriu-se que o aluno de um
professor excelente em uma escola ruim aprende mais do que o de
um professor ruim numa escola excelente. Assim, a única maneira
de elevar o aprendizado é ter certeza de que há um professor bom
em cada sala de aula, afirmam as pesquisas.
Outra questão é o nível de quem ingressa no magistério que
não é o ideal. Como a profissão não é financeiramente atrativa, os
mais talentosos, em geral, buscam outras carreiras. Para complicar,
esses cursos de formação para o magistério são ruins.
Este é o ponto onde eu queria chegar, para destacar o
paradoxal que é perceber que justamente as pessoas que adorariam
dar aulas para os “pestinhas” dos nossos filhos estão fora do
magistério, e que elas sofrem por terem que ganhar a vida com
outros ofícios até menos nobres e mais enfadonhos...Como é o caso
da excelente colega e secretária da Divisão de Manutenção, a
Elizete, que é apaixonada pela sala de aula e super qualificada para
tal, tanto que mesmo afastada do magistério sempre buscou
ampliar sua formação acadêmica. Visando um dia poder retomar à
carreira, se atualizou recentemente com o curso de Pedagogia -
Ênfase em Multimeios e Informática Educativa.
Durante um bom período ela até conseguiu conciliar as duas
coisas: trabalhar no Dmae para melhorar o salário e à noite
trabalhar no magistério por vocação. Mas, como de boa intenção o
inferno está cheio, veio a descobrir da pior maneira possível, que
não é permitido pela legislação que se exerça as duas funções: ser
servidor público e professor ao mesmo tempo, mesmo que em
horários diferentes!...Tendo que optar por uma delas, obviamente
perdeu o magistério mais uma vocacionada professora.
Ganhamos nós com o seu convívio de alto astral como
secretária dos engenheiros da DVM e eu, particularmente (que ela
me tem por seu padrinho por ter sido eu quem a trouxe para a DVM
em 1997, quando eu era Diretor da Divisão e a resgatei da ASSEC,
onde havíamos trabalhados juntos), que agora a tenho no cargo
vitalício de madrinha do meu casamento com a Magda: é a nossa
Dinda (junto com o Konrad). Assim como a Lili (apelido carinhoso da
83
Elizete na Manutenção), deve haver milhares de histórias
semelhantes por este Brasil afora, pois sempre a opção por um
ofício de melhor remuneração nunca é pelo de professor.
Contudo, apesar da tendência tucana e americana de aplicar a
meritocracia para valorizar e qualificar o magistério, estudos nos
países com melhor educação, com destaque para a Finlândia,
concluíram que os campeões em qualidade de ensino não premiam
o mérito. O foco está no recrutamento. Para atrair os melhores
profissionais vocacionados, os salários são altos e a carreira
promissora. É tudo feito para que aquelas pessoas que se
destacaram nas escolas de ensino fundamental optem pela carreira
do magistério na universidade. Lá as faculdades de Educação são as
mais concorridas. – Que loucura!...
Enquanto essa realidade dos gelados países nórdicos nem em
sonhos é realizável por aqui nos “tristes trópicos”, a Lili vai buscando
dentro do DMAE se aproximar o máximo possível de sua vocação,
tentando migrar da área operacional para a área de recursos
humanos e, mais especificamente, para a área de treinamentos.
Agora, com a instituição da UNIDMAE – Universidade Coorporativa
do DMAE – (tomara que este nome pomposo signifique alguma
mudança prática na deficiente cultura de treinamento em que o
departamento sempre incorreu) - é notório que esta área está em
alta, com status e influência na atual administração. Avalio que a
UNIDMAE está com cacife político e faro qualitativo para adquirir o
passe desta professorinha que está deslocada em atividades
incompatíveis com os seus talentos de ensinar ao próximo, sempre
com alegria e perspicácia. Mais dia, menos dia, esta guerreira vai
conseguir seus objetivos e, a partir de então, passo a colocar mais
fé que o pomposo nome da área de treinamento dos recursos
humanos do DMAE vá significar uma mudança prática e não apenas
uma maquiagem nominal.
- Valeu Elizete Fátima Maciel dos Santos!

84
44 - A QUESTÃO DA SOCIALIZAÇÃO NO TRABALHO

A minha mulher manifestou, outro dia desses, numa


conversa com um colega nosso de DMAE, que a sua preocupação
sobre a minha aposentadoria não era com relação ao que eu faria
com o tempo, pois o tempo certamente iria continuar faltando pela
infinidade de coisas que eu permanentemente estou interessado
em fazer, a preocupação dela é com a falta que possa me fazer a
socialização com as pessoas no ambiente de trabalho.
Como um engenheiro típico que a tudo quantifica, faz
planilhas, calcula percentuais e produz gráficos, tratei de dissecar
esta questão da socialização no trabalho. Rotineiramente, quer
dizer, praticamente todos os dias, dou um “Oi!” e um “Tchau!” para
as balconistas da Loja de Conveniência em que tomo o meu café da
manhã, depois faço contatos com o pessoal da minha sala. Costumo
dar uns palpites nos bate-papos na sala de cafezinho com os demais
engenheiros (Rogério, Adriano, Tedesco e Álvaro), mas sou dos
menos participativos dessa mesa redonda. Há também a
socialização com os frequentadores da nossa sala, como o Jorge-
Cafú e especialmente o Mattos, que vem religiosamente comer a
tradicional “frutinha” que a colega Catarina parte e reparte todas as
manhãs entre nós, sem ficar com a melhor parte.
Outros polos importantes de socialização na DVM são a
secretária Elizete (Lili), boa de papo, com a sua discípula estagiária
do momento, e a Roda de Chimarrão que se forma na Sala dos
Engenheiros Fernando e o Maiocchi (que não mateia) e dos
Técnicos Industriais Oliveira e Erasmo, onde se achegam os chefes
de equipes de rua ao retornarem ao final da manhã (Roberto e
Marco); além de outros frequentadores mais eventuais do que eu,
tais como o Pedro e o Ciro da Ferramentaria. Nas minhas andanças
pelo Administrativo, onde fica depositada no cofre a máquina
fotográfica, faço discussões políticas com o Vanderlei; e no pátio
converso sobre aposentadoria com alguns contemporâneos de
cabelos grisalhos como os meus, como o colega Hugo que também
é apiário e o nosso fornecedor de mel.
85
Assim, ainda como um engenheiro típico, a conclusão
quantitativa do laudo é de que a minha socialização no trabalho se
resume ao contato diário com cerca de apenas 20 colegas, muitos
deles por poucos minutos e poucos por muitas horas. Amigo
mesmo, de frequentar a casa um do noutro, na Manutenção
nenhum. Qualitativamente, porém, no âmbito do
dimensionamento das possíveis carências afetivas e espirituais,
como em todo laudo de engenheiro, nada consta de conclusivo por
não serem quantificáveis, só o tempo vivido no ostracismo da
aposentadoria revelará a real dimensão desta questão...

45 - FATALIDADES, REALIZAÇÕES & PREDESTINAÇÕES

Um jovem morreu ao perder o controle da motocicleta após


passar por uma grande quantidade de brita que tinha na pista, em
virtude de um buraco mal tapado na Rua Wenceslau Escobar, no
bairro Tristeza. Em entrevista à Rádio Gaúcha o diretor do DMAE, o
engenheiro Flávio Presser, lamentou o acidente que vitimou o
motoqueiro e assumiu que a responsabilidade é do DMAE sobre a
falha no asfalto provisório que pode ter causado a morte.
No Comunicado Interno aos Servidores, o DG relatou que no
dia de hoje (16/04/2010), ocorreu um acidente fatal provocado por
material de repavimentação que se soltou da área de reparo. O
DMAE atende a mais de seis mil solicitações de reparos por mês.
Bastou um com problema para causar a morte de um jovem. Bastou
um para colocar em cheque todo o nosso serviço. Mesmo que seja
uma fatalidade, temos que tirar do episódio alguns ensinamentos...
Com esta morte pesando nas costas da Repavimentação do
Dmae, eu que fui o chefe do “tapa-buracos” por dois anos como
“engenheiro em Cargo em Comissão”, antes de ser nomeado como
efetivo por concurso público, senti um calafrio ao imaginar o drama
do colega que atualmente comanda este serviço.
Naquele biênio 1992-1993, em que eu estava “com todo o
leite pra dar” como engenheiro recém-formado, foi o período em
que talvez tenha realizado o meu melhor trabalho gerencial, onde
86
melhor tenha contribuído para a “melhoria contínua” dos
procedimentos operacionais, visando a otimização dos tempos e
custos da repavimentação executada pelo DMAE. Assumi a função
com uma equipe improvisada de fiscalização dos tapa-buracos,
composta de meia dúzia de esforçados instaladores hidros
sanitários (Kiko, Paulo, Everton, Ronaldo, Inocêncio e o falecido
Carlinhos) chefiados pelo Lidson. Tive a sorte que, imediatamente
após a minha posse, foram nomeados por concurso público cinco
auxiliares de serviços técnicos, todos estudantes ou formados em
engenharia (Tânia, Dayse, Magda, Gil e o Flávio que hoje é o Diretor
da Divisão de Água) para assumirem a função de fiscais de
repavimentação, sendo disponibilizada também uma frota de
veículos para a prestação desse serviço de 24 horas por dia,
inclusive nos sábados, domingos e feriados.
Estávamos todos nas pontas dos cascos pra mostrar
serviço, com a cabeça aberta para inovar, justamente na época em
que se iniciava a informatização dos procedimentos gerenciais. Em
conjunto com os técnicos programadores da Procempa (Antônio e
Paulo Lopes) simulamos e desenvolvemos, dentro do “Sistema-
195” de atendimento ao público, uma rotina que envolvia desde a
pré-medição do capataz na abertura do buraco, passando pela
fiscalização e medição “antes-durante-e-depois” da execução da
repavimentação, até possibilitar a emissão totalmente
automatizada do relatório mensal dos quantitativos e valores a
serem pagos para os respectivos empreiteiros, devidamente
autorizado pelos fiscais de cada distrital. Conseguimos, então,
inverter um processo histórico: ao invés das empreiteiras
apresentarem os pontos a faturar para submeter à fiscalização (o
que era praticamente impossível conferir milhares de buracos sem
o recurso da informatização), o DMAE é que passou a fornecer a
relação de pontos concluídos satisfatoriamente, com os custos
calculados pelo sistema de acordo com o tipo de pavimento,
determinando o total a ser faturado no mês, para que a empreiteira
apresentasse possíveis contestações em tempo hábil para revisão.

87
Lembro, inclusive, de termos feito uma grande campanha
denominada de “Caça Buracos” (claro que em ano eleitoral!), onde
tapávamos tudo que é buraco encontrado que fora provocado pelos
órgãos de Prefeitura, especialmente os do “primo pobre” DEP.
Também desenvolvemos um programa conjunto com a SMOV,
órgão que acaba sempre herdando as “cicatrizes que fazemos nas
vias públicas”, e que por ser a secretaria responsável pela ruas da
cidade, lhe compete reclamar da morosidade, da qualidade
e sobretudo por não possuir controle nenhum sobre a buraqueira
que o Dmae faz diariamente. Abrimos, então, um escritório da
Repavimentação do DMAE na SMOV do Beco do Salso, onde
disponibilizávamos diariamente todos os pontos em aberto, os em
execução e os concluídos para submetê-los à fiscalização dos
especialistas em “obras e viação”. Evidentemente que a SMOV não
teve pernas para fiscalizar tamanha carga diária, e o tal escritório
avançado da Repavimentação do DMAE foi desativado em poucos
meses.
A Repavimentação, naquela época, era um mero setor da
Divisão de Água, apesar de atender não só aos serviços gerados pela
DVA, mas também aos das instalações (DVI), aos do esgoto (DVE) e
aos das obras (DVO); já propúnhamos desde então a elevação deste
setor para o nível de Serviço, com status de Divisão, a exemplo do
SVP e SVG, o que acabará inexoravelmente acontecendo.
- Valeu pessoal da repavimentação da velha guarda!
Mas, como tudo na vida anda em círculos, com altos e baixos,
fiquei muito chocado quando tomei conhecimento, há dois anos
atrás, que o serviço de repavimentação havia regredido aos tempos
das cavernas pré-informatizada-em-redes, que havia retornado
para o controle manual digitado em planilhas de Excel. Esse
cataclisma, semelhante àquele que extinguiu com os dinossauros,
ocorreu desde que o Sistema-195 foi substituído pelo Sistema-115,
no qual não foram contempladas aquelas funções de
gerenciamento em rede dos tapa-buracos que nós havíamos
desenvolvido.

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Ainda bem que nem tudo daquela época foi perdido, pois foi
nesta atividade de chefiar o tapa buracos que, de tanto dar em cima
dos fiscais exigindo desempenho e eficiência, acabei “assediando” a
ruiva fiscal da Distrital Centro, por ela me divorciei e
apaixonadamente a tomei por minha mulher, e desde então temos
sido felizes para sempre enquanto dure. Esta foi uma
repavimentação bem feita, não deu refazer. Foi uma predestinação.
Como nós, Celso e Magda, há dezenas de casais predestinados que
se formaram e juramentaram nos altares, confessionários e
sacristias do “São Dmae Casamenteiro”: Elizete e Roberto, Valdir e
Magda, Milton e Maria, Rosana e Luiz, Aloma e Darci, Melo e Carla,
Marcos e Jovanes, Marisa e Alexandre, Edison e Paula, Ester e
Prado, Ana e André, Mainieri e Geneci, Tupi e Vera, Leontina e
Antônio, Carla Altério e André, Carla Rodrigues e Jorge, Marjorie e
Henrique, Tavanielo e Fantinel...(complemente você esta lista nos
comentários do blog com outros bem sucedidos casais dmaeanos
que conheces).

46 - GUERRA DE TITÃS PELO SENTIDO DA VIDA

Os meus colegas de “cela”, certa vez, cerca de um ano e


meio antes de eu terminar de cumprir a minha sentença e me
aposentar, chegaram empolgados com a palestra empresarial de
neurolinguística motivacional do tipo “auto-ajuda”, promovido pelo
Escritório de Qualidade do Dmae. Esta prática empresarial busca
promover o trabalho ao status de “sentido da vida” das pessoas
modernas, já que a vida perdeu o seu sentido transcendental na
sociedade contemporânea e este lugar está vago. Segundo esta
pseudo corrente filosófica a pretensão de se aposentar com saúde
seria uma negação da vida, uma opção pelo tédio e niilismo!...
A propósito de religião, com a sua sabedoria peculiar o
Dalai-lama diz que “os cientistas são crentes e os budistas são
céticos”, e não o contrário, como se poderia imaginar. A ciência é
crente em suas teorias e hipóteses, já os budistas são ateus. Mas
após também a ciência moderna perder o seu status de potencial
89
candidata a ser o sentido da vida, por não ter conseguido propiciar
a construção de uma sociedade justa e fraterna, a tendência
gerencial pós-moderna é de fazer do trabalho uma espécie de
religião. Com a globalização da economia, as antigas motivações de
vantagens salariais e sociais são coisas do século passado. Como só
resta a perspectiva de perdas e desempregos, os megaempresários
multinacionais (aqueles que no budismo se diz que vivem no mundo
dos deuses, os donos do mundo que têm tudo para serem felizes)
estão querendo canalizar para o trabalho toda a energia devocional
com que os crentes se dedicam voluntariamente aos seus cultos, e
com custo zero.
Neste sentido, os grandes executivos e políticos (que no
budismo se diz que vivem no mundo dos semi-deuses, seres que
vivem guerreando entre si e com os deuses – Guerra de Titãs -
querendo também eles virem a ser do mundo dos deuses, através
do lucro ou de desvios do dinheiro público) estão catequizando as
massas de assalariados com estas palestras motivacionais através
da seita dos Programas de Qualidades, como o PGQP do Sr. Gerdau
no território gaúcho.
Os deuses e semideuses (ricaços, executivos e políticos)
precisam repensar este modelo de civilização motivada pelo
consumismo desenfreado de “supérfluos” tecnológicos que, além
de terem alto custo de danos ao meio ambiente em sua produção,
rapidamente ficam obsoletos e se transformam em lixos não
degradáveis e altamente poluentes. O paradoxo fatal é que se
houvesse uma inclusão social mundial das populações que hoje
vivem em condições sub-humanas, inclusão em que todos os seres
humanos tivessem um padrão classe média de consumo
semelhante ao europeu ou americano (que é a felicidade que todos
almejam), precisaríamos de dois ou mais planetas para sustentar
tais demandas de produção e de descartes de lixo. Neste modelo
vigente, para haver o bem estar de alguns precisa haver a miséria
degradante de muitos.
Todavia, os donos do mundo e seus executivos/políticos
estão buscando incorporar a metodologia da pregação teológica
90
sobre o pessoal que vende sua mão de obra, visando neutralizar a
surrada dialética ideológica da mais valia do senhor-escravo e
patrão-empregado e esquerda e direita, é claro, sempre visando
aumentar a produtividade e o lucro e diminuir o custo.
Assim, vendo a empolgação dos meus colegas com estas
palestras motivacionais de promover o trabalho ao altar de ser o
sentido da vida de cada trabalhador, me sentia triplamente cético
sobre a mistificação do trabalho: por eu ser ateu, ser anarquista e,
na época, ser um aposentaNdo convicto...Cada vez com mais razão
agora, depois de dois anos vivendo a vida integralmente dedicado
às minhas coisas pessoais e familiares, posso dizer aos novos
aposentaNdos: Não caiam neste canto de sereia dessa Guerra de
Titãs, viver com liberdade diária é o verdadeiro sentido da vida, é o
maior barato.
-AposentaNdos do mundo, uni-vos e libertem-se!

47 - OS NOSSOS MORTOS DA DVM


(Remake de julho/2010),
O incêndio na boate Kiss, que deixou 231 pessoas mortas e
mais de 200 pessoas feridas, a maioria jovens estudantes de Santa
Maria, a cidade universitária, chocou o estado, o país e o mundo.
Mortes prematuras em circunstâncias evitáveis por
responsabilizações técnicas sempre nos causam um misto de
comoção pela dor dos familiares, e de revolta pela lógica capitalista
de evitar despesas com dispositivos de segurança. Assim é no lazer
e no ambiente de trabalho das pessoas.
Hoje, com toda esta tensão apreensiva decorrente da
cobertura sensacionalista da mídia sobre a tragédia dos jovens
mortos da verdadeira “câmara de gás” na boate “Kiss da Morte”,
ao ver uma equipe de manutenção da CEEE trabalhando na rede de
alta tensão, me arrepiei só de lembrar das vezes que eu próprio
exerci esta atividade de alta periculosidade...
Com tanta consternação mundial, passei a me lembrar de
acidentes fatais ocorridos no meu ambiente de trabalho, como o
caso do jovem eletricista Ubirajara Teixeira, o Bira, lá pelos anos
91
oitenta e poucos. Na ocasião do acidente do Bira, eu era o técnico
industrial de plantão da DVM durante o final de semana, quando fui
acionado em casa, no turno da noite. Ao chegar ao local, fiquei
sabendo que a equipe da manutenção tinha se retirado do local
para levar um dos colegas ao Pronto Socorro, o qual tinha sofrido
uma descarga elétrica.
Sem maiores informações técnicas de qual defeito estava
ocorrendo na estação, tomei os procedimentos para tentar colocar
em funcionamento os grupos de bombeamento de água; de modo
que sozinho resolvi fechar as chaves seccionadoras de alta tensão
no poste de entrada de energia no pátio da estação de
bombeamento de água bruta do Menino Deus. Quando bati o
último elo-fusível pude ter a dimensão da gravidade do acidente de
trabalho que vitimou o Bira, pois o prédio ficou parecendo um
dragão agitado, cuspindo fogo e soltando baforadas de fumaças
pelas portas e janelas, até que novamente queimassem os fusíveis
de alta tensão do poste onde eu estava trepado na escada e
apavorado com o “cagaço”.
Na minha prática profissional de manutenção
eletromecânica levei muitos cagaços com altos riscos de morte, em
alguns salvo pela sorte e pelo acaso, para poder estar aqui contando
causos. Como o que ocorreu certa feita, quando eu e o Seu Oswaldo
(vulgo Cerração, falecido pai do colega Neblina – agora também já
falecido), capataz de equipe e meu primeiro mestre no trabalho de
campo da manutenção. Estávamos consertando uma chave de
partida de um motor de grande porte da antiga USINA (Estação de
Água Bruta na rua Voluntários da Pátria) quando, por sorte, no
momento em que fomos testar o funcionamento do quadro de
comando elétrico, ao invés de ficarmos, como de costume, com a
portinhola aberta para observarmos o acionamento dos dispositivos
internos, por sorte resolvemos fechar a portinhola para observamos
os aparelhos de medição que estavam fixados nelas (amperímetros
e voltímetros). Ao apertarmos o botão de liga, ouvimos um grande
estrondo dentro do quadro e automaticamente desarmou toda a
estação. Depois de corrermos até a rua no cagaço e voltarmos
92
cautelosamente, quando abrimos a tal portinhola, diante da qual
estávamos os dois com a cara exposta, vimos que pelo lado de
dentro escorria metal derretido que foi projetado em decorrência
do curto-circuito que ocorreu, de modo que se estivéssemos com a
portinhola aberta, estaríamos fritos!...
Naquela noite do acidente de trabalho do Bira, logo em
seguida chegou o colega Barradas (já falecido), que era o
engenheiro plantonista, e juntos colocamos em funcionamento a
EBAB Menino Deus. Depois acompanhamos o caso, junto com a
capataz Jorjão (que era uma fofura de negão de 180 Kg com “barriga
de avental” – hoje também já falecido – o homem que suava num
lado só do corpo), então chefe imediato do acidentado. Bira ficou
sobre observação médica por vários dias no HPS, por apresentar
queimaduras internas devido aos gases quentes que inspirou na
hora que acidentalmente provocou um curto-circuito com as
ponteiras do aparelho com que efetuava medições elétricas
(multímetro manual) e que estava muito próximo do seu rosto. Em
decorrência destas queimaduras internas o Bira faleceu, creio que
poucos dias depois do acidente, sem ter chegado a sair do hospital.
-Valeu Bira!
Vai um “Valeu!” também para tantos outros colegas que
partiram na ativa, sem chegarem à aposentaria, por morte causada
por doença ou acidentes:
- Mortos por doenças: Wander (Louquinho), Paulo Ricardo de
Freitas (Pé de Vento), Araújo (Fofinho), Juarez da Silva (Lagartixa),
Gilberto Santos (João do Pulo), Paulo Rogério (Gato), Gelson Barros
(Barrinho), Eduardo Calesso.
-Mortos por acidentes de trabalho (por choque elétrico e
afogamento, respectivamente): Ubirajara (Bira) e Cláudio Martins
(Careca - que morreu afogado na EBAB Ilha da Pintada)
-Fábio Mentz (Scooby Doo), Roberto Garcia (Poste), Paulo Ricardo
Gonçalves (Ratão): os dois primeiros mortos por acidentes de
automóveis e o último afogado no mar.
Fica um “Valeu!” também para o outro lado, o dos
aposentados da DVM, dos que chegaram a usufruir algum tempo
93
da aposentadoria, mas que já partiram desta vida: o pastor Tio
Pedro (o Amiguinho), Seu Oswaldo (Cerração), Jorjão, Bulbós
(conterrâneo de Herval), Fernando (Manjerona), Alonço (Ratinho-
Miau!), Iracema, Vera (Dona Flor), Hartmut, Joreci (Jacaré), Eny
(Pelicano), Noel Lucas (Mazzaropi), Ciríaco (Mangona), Carlinhos
(Pai herói), James (Mão Pelada), Mário Bernardes (Pantera Cor de
Rosa).
Por último, faço minha homenagem póstuma para a Silvia
Maria Roque de Barros, que faleceu recentemente, em novembro
de 2012, com 45 anos de serviços prestados ao Dmae, que optou
por não se aposentar e continuou na ativa se dedicando ao seu
trabalho até o último dos seus dias: - Valeu Silvia!!!

48 - HOMENAGEM AOS COLEGAS DA ASSEC

Esta postagem, vai em homenagem aos colegas da ASSEC


(Assessoria Comunitária do Dmae) na década de 1990. Quando
terminou a grande epopeia da Intervenção Municipal, para cuja
missão fui designado e relatei neste blog como Ocaso do Montepio,
feito o personagem Ulisses da Odisseia de Homero que ficou à
deriva quando retornava vitorioso da Guerra de Tróia, ao tentar
retornar para o DMAE fiquei três dias sobrevoando sem ter teto
para pousar, mais precisamente sem um local para trabalhar e nem
uma cadeira para sentar. O Nerci Matos, que era o Superintendente
de Operações da época, também oriundo da Divisão de
Manutenção, autorizou que eu ficasse em casa e que telefonasse
diariamente até que ele conseguisse um ancoradouro onde eu
pudesse atracar. No quarto dia lancei âncora numa salinha
apertadinha com mais três colegas na ASSEC.
A ASSEC era um órgão extraoficial, pois nunca existiu no
organograma oficial da empresa, mas foi um apêndice importante
da estrutura operacional do DMAE na Era Petista. A Assessoria
Comunitária, porém, vem de antes do PT, foi implantada pelo
primeiro prefeito eleito, Alceu Collares, no início da
redemocratização do país e sob a coordenação da Drª Alpha,
94
quando este serviço comunitário era denominado de PROSAVI
(Programa de Saneamento de Vilas). Foi quando a administração
pública municipal percebeu a importância de se estabelecer um
relacionamento mais sociologicamente profissionalizado com as
comunidades carentes da nossa cidade.
Meus novos colegas de sala eram dois engenheiros civis
(Marcos Scharnberg e Weber) e um arquiteto (Konrad), mas em
seguida o Weber foi transferido e ficamos em apenas três. Soube
que pouco tempo antes de minha chegada já tinham passado por lá
os engenheiros Souto, que hoje é o Superintendente Operacional, e
a engenheira Sônia, que posteriormente foi minha diretora quando
transitei por breve tempo pela Divisão de Planejamento.
Com os novos colegas de sala, Marcos Scharnberg e o
arquiteto Jorge Konrad, fiquei trabalhando na ASSEC por dois anos
e foi um período de intensos aprendizados mútuos através de trocas
de experiências profissionais e culturais. Com os meus colegas da
sala aprendi a dominar a elaboração de projetos de redes públicas
de água e de esgoto cloacal, período em que inclusive cursei
disciplinas de saneamento no curso de Engenharia Civil da PUC. Em
contrapartida, como eu era recém saído da universidade, já estava
mais familiarizado com os recentes computadores pessoais (PCs),
pois já tinha o meu PC particular a algum tempo para fazer os
trabalhos da faculdade, de forma que pude auxiliar na introdução
dos colegas na nova geração de programas da Microsoft,
especialmente o Excel.
Com os demais colegas da ASSEC trocamos muitos
disquetes, fitas cassete e Cds com músicas da preferência de cada
um: eu com MPB, o Konrad com rock da antiga e o sociólogo Jorge
Maciel Caputo com o repertório cubano, argentino e, sobretudo, o
uruguaio. Nenhum dos três colegas citados está mais trabalhando
no Dmae, sendo que recentemente o JKonrad, que era cedido da
SMOV, não teve sua cedência renovada possivelmente devido ao
seu espírito crítico e de engajamento político. Ele foi descartado
sem a mínima consideração ao seu histórico profissional e à
contribuição qualificada que ele deu com o seu trabalho para o
95
Departamento, com destaque para a elaboração do Plano Diretor
de Esgoto do Dmae.
Éramos um grupo técnico de engenharia cercado por
sociólogos por todos os lados: além do Caputo tinha a Fátima
Silvello, a Antônia, a Lea Maria, a Enid Backes e o figuraço do Roque,
um ex-seminarista oriundo de movimentos igrejeiros junto aos
colonos sem terras, ao qual chamávamos de Padre Roque. Ele era
um radical defensor raivoso de soluções imediatas para as
comunidades carentes dos serviços de água e esgoto, independente
dos estudos de viabilidades técnicas. O Padre Roque achava um
absurdo o departamento gastar dinheiro com aparelhos de ar
condicionado para os seus funcionários, ao invés de gastar este
dinheiro com as pessoas carentes da periferia...
Vivíamos o período de ouro da Orçamento Participativo
(OP), cuja implantação e coordenação geral no âmbito de toda a
prefeitura foi feita, durante os dois primeiros mandatos petistas,
pelo meu falecido irmão Gildo Lima. Nas noturnas reuniões
temáticas do OP, nas mais humildes vilas e comunidades, era
exigida a nossa presença, dos engenheiros do Dmae, para não
deixar que os sociólogos viajassem demais na maionese de seus
devaneios teóricos de realização das demandas reprimidas dos mais
pobres.
Éramos os faróis do realizável, por sermos técnicos e
também petistas ou simpatizantes. Aliás, a princípio, ser no mínimo
de esquerda era um perfil necessário para compor a equipe da
ASSEC, já que este era o órgão que fazia o corpo-a-corpo com as
comunidades em nome da Administração Popular. Mas, por mais
contraditório que possa parecer, o coordenador geral da Assessoria
Comunitária nesta época era o farmacêutico Alceu, direitista
oriundo do PDS do prefeito Dib e que migrou para o PFL quando
Wilson Ghignatti assumiu a Direção Geral do Dmae. Estando prestes
a se aposentar, o Alceu estava transitando bem até entre os pele-
vermelhas petistas que ocupavam territorialmente a ASSEC; o cara
foi coordenador até sair atrás de seu sonho de ficar rico com a venda
de produtos da Amway na sua aposentadoria.
96
Nossa função “politicamente correta” na ASSEC era a de ter
consciência que a água e o esgotamento sanitário são uma
necessidade essencial que precisa ser garantida pelo serviço público
para as pessoas, mesmo que elas não possam pagar. Assim,
contrariando o senso comum do corpo técnico do DMAE,
elaborávamos projetos de extensão de rede de água mesmo sem as
condições mínimas das normas de abastecimentos, de modo que os
usuários ficavam sujeitos a só terem abastecimento durante a noite,
quando baixa o consumo de água pela população e a pressão
consegue alcançar locais mais altos. Com certeza era infinitamente
melhor para estas populações ter um abastecimento com
interrupções diárias, de modo que pelo menos pudessem encher os
seus reservatórios durante a noite, do que não ter nada dia e noite
em respeito às normas técnicas, e ficarem dependendo de
caminhões pipas. Era um posicionamento técnico politizado de
nossa parte.
Segundo depoimento do JKonrad, que ficou mais tempo por
lá, juntamente com o novo colega Luis Fernando Albrecht, depois
que eu saí em 1997 e fui ser Diretor da Manutenção, a ASSEC foi
extinta no início do governo Fogaça, sob a alegação que o seu papel
poderia ser desempenhado pelos setores oficiais da Estrutura do
DMAE. Mais tarde se viu que isto não se realizou, pois a ASSEC não
era simplesmente uma Assessoria Comunitária, ela agregava outros
valores de atuação integrada com educação ambiental e
participação comunitária no planejamento das ações do DMAE.
Durante o meu trabalho na ASSEC, além de comer os
suculentos e inesquecíveis churrascos de ripa de costela assados
pelos colegas Coelho e Paulo Melo da topografia, e de sermos
secretariados sucessivamente pela colegas Kátia da Costa, Lauren
e Elizete, tive a oportunidade de vistoriar e fazer levantamentos em
becos, vielas e vilas que me marcaram muito, que me deram
consciência das péssimas condições de vida em que vivem parcelas
significativas da população porto-alegrense. Vi muitas crianças
brincando de barquinho em esgotos à céu aberto, em compensação
pude projetar e viabilizar a construção de muitos quilômetros de
97
redes de água e de esgoto nestas comunidades da periferia carente
de saneamento básico.

49 - PREPARAÇÃO PARA APOSENTADORIA (PPA)


05/07/2010
A Prefeitura Municipal de Porto Alegre, cujas estimativas é
de que nos próximos seis anos se aposentem seis mil funcionários,
cerca de mil por ano, sendo que somente no DMAE deverá se
aposentar em torno de trezentos servidores por ano nos próximos
três anos, está promovendo uma espécie de curso preparatório
para os seus aposentandos. É o denominado ‘Programa de
Preparação para Aposentadoria (PPA), que promove encontros
quinzenais com três turmas de trinta funcionários em vésperas de
se aposentar, onde são realizadas palestras com uma temática
específica em cada um dos quinze encontros programados de abril
até meados de dezembro de 2010.
No primeiro encontro houve a tradicional rodada de
apresentações, típica das reuniões da “AAA” (Associação dos
Alcoólatras Anônimos), porém num formato mais interativo. Em
duplas, cada um se apresentava para o colega ao lado e depois cada
um apresentava para o grande grupo o colega a partir do que
acabara de ouvir de sua auto apresentação. - Resumindo, a minha
colega ao lado é funcionária da SMED e está decidida a se aposentar
por livre e espontânea vontade até o final do ano, para poder sair
pelo menos seis meses antes que ela seja expulsa do trabalho pela
compulsória de 70 anos de idade. Quer sair, apesar de contrariada,
por suas próprias pernas... Quanto às suas expectativas sobre o
curso, disse que esperava espantar os fantasmas desta transição
para a aposentadoria, durante a qual muitos colegas partem desta
vida logo após se aposentarem...
A coisa mais desconcertante para mim deste primeiro
encontro ocorreu durante o preenchimento de um formulário de
informações gerais sobre hábitos e práticas pessoais, quando me
deparei com a seguinte pergunta: - Quantos dias por semana
ingeres bebida alcoólica: 1,2,3,4,5,6 ou 7? Deixei a questão em
98
suspenso e a levei ressoando como um sino na minha cabeça,
prometendo a mim mesmo ter uma resposta socialmente adequada
para dar até o final do curso... Pois agora já posso responder que
ingiro bebida alcoólica de duas a três vezes por semana e,
sobretudo, eu que havia adquirido o vício de fumar uma única
cigarrilha Talvis por dia, estou completando quatro meses sem
fumar nenhuma cigarrilha!
No encontro da quinzena passada a temática era “O
Aspecto Familiar na Aposentadoria”, em que cada membro devia
levar um familiar para participar da reunião e onde duas
especialistas em Terapia Familiar abordaram (na presença da minha
mulher!) os aspectos de ansiedade, medo e apreensão quando um
casal se aposenta e tem que compartilhar e ficar se olhando durante
muito mais tempo...
Outro tema do PPA foi “Aspectos Psicológicos da
Aposentadoria”, onde um psicólogo novamente iniciou a reunião
promovendo a rodada de auto apresentação, para salientar depois
as relações do trabalho com a identidade da cada um: eu sou
engenheiro do DMAE, eu sou professora, eu sou arquiteto...Nós nos
identificamos com aquilo que a gente faz. Se o “fazer” nos estrutura
uma identidade, o ócio pode nos desconstituir. Ao nos
aposentarmos, quem somos nós quando não somos mais o
engenheiro do DMAE, a professora da SMED ou o arquiteto do Meio
Ambiente?...
O psicólogo estava abordando as diferenças culturais entre
o homem e a mulher, as quais vão repercutir em posturas bem
diferenciadas frente à aposentadoria, quando uma colega do curso
puxou da bolsa um recorte de jornal e comentou sobre a coluna do
Juremir Machado do Correio do Povo de hoje, intitulada “A Mulher
de 70 anos”. O palestrante achou oportuno e solicitou que ela lesse
a coluna para o grande grupo, cujo conteúdo resumidamente nos
aspectos de contraponto feminino-masculino, dizia o seguinte: O
homem mediano organiza sua vida em torno de quatro elementos
que, depois de levá-lo ao topo, terminam por derrubá-lo: a
racionalidade, o utilitarismo, o trabalho e o tempo como valor
99
econômico. Só as mulheres conhecem realmente a importância do
supostamente inútil: produzir-se, em vez de só produzir, consumir,
em lugar de se consumir, gastar e gastar-se, buscar o prazer até o
fim.
Durante a palestra de uma psicóloga sobre “Pós-Carreira”,
recebemos a notícia chocante de que havia morrido num acidente
de trânsito o filho de uma das colegas de curso, a qual havia se
aposentado recentemente e ficava feliz em responder com
convicção de que “não pretendia fazer nada” na sua aposentadoria,
apenas vivê-la intensamente. Momento em que sentimos, da pior
maneira possível, que todo um planejamento de projeto de vida
pode desabar tragicamente de uma hora para a outra.
Mas, a propósito dos planos pós-carreira, o colega Jair
Staruck do DMAE revelou para o grupo que pretende se ocupar com
trabalhos de marcenaria, que há tempos vem montando uma
oficina bem equipada em casa. Nós, o Jair e eu, que descobrimos
que fomos hippies artesões da Praça Dom Feliciano no mesmo
período, no início dos anos 70, vamos nos aposentar juntos como
dois roliços barnabés, quem diria?
Entre as recomendações óbvias para o pós-carreira feitas
pela palestrante, tais como, ler livros, viajar, ter uma religião, ter
amigos de sua faixa etária; destaco as duas seguintes: escreva uma
autobiografia e faça uma lista de 100 coisas para fazer! A
autobiografia já estou desenvolvendo através do blog “Diário de
Obra de Um Aposentando”; mas gostei muito da ideia da lista e
passei a elaborar a minha própria “lista de 100 coisas para fazer
quando estiver aposentado”, a qual está sendo permanentemente
reconstruída e penso que assim ficará, crescendo sempre para
muito além das 100 coisas pendentes por fazer...
Como fechamento conclusivo de sua palestra, o psicólogo
Regis Caputo Krug (que vai criar cavalos de raça quando se
aposentar da PMPA daqui a dois anos) ressaltou que a tendência à
invisibilidade de um aposentado (quando ninguém mais presta
atenção e nem sequer respondem aos seus pedidos, quando vira
um móvel da casa ou uma mala sem alça e sem rodinha) no meio
100
familiar e social é uma consequência direta da pessoa não se
adequar aos novos papéis que estão colocados para ela exercer
nesta nova fase da vida e, principalmente, dela não ter projetos de
atividades criativas em coisas que gosta muito de fazer. Considera
que todos somos potencialmente loucos com fortes dispositivos de
controles que nos permitem operar dentro da normalidade social,
mas que com o avanço da idade os controles vão se afrouxando e
vão aflorando as neuroses de cada um. E o quadro se agrava no
cenário do chamado “sentimento de impunidade da velhice”,
quando o velho passa a se dar a liberdade de fazer e dizer tudo o
que bem entender, por conta de já estar se sentindo cada vez mais
com o pé na cova. A internet e a própria correria da vida moderna
tem agravado a invisibilidade entre pais e filhos e multiplicado a
invisibilidade entre netos e avós vivendo dentro de uma mesma
casa. Reafirma o palestrante que a identidade é “fazer” trabalhos,
mas não mais fazer por obrigação e sim por prazer; caso contrário
há desistência, irritabilidade e depressão. Estudos mostram que um
homem aposentado que não se interessa por fazer nada com gosto
e brilho nos olhos, fica invisível, cai no alcoolismo (ingerindo bebidas
alcoólicas “socialmente” sete dias por semana) e morre em quatro
anos!...
Anos depois, em junho/2013, não foi só o Brasil que tremeu
de cabo a rabo com os manifestos dos jovens indignados com a
hipócrita politicagem brasileira; eu também tremi ao aceitar
participar como um aposentado a ser entrevistado no PPA2013
(Programa de Preparação para Aposentadoria) promovido pela
SMA, programa dedicado a todos os servidores da Prefeitura de
Porto Alegre em fase de pré-aposentadoria.
O encontro, mediado pela jornalista Cida Lopes, tinha
também como entrevistado o bombeiro João Batista que, após se
aposentar da Brigada Militar, estudou e se tornou psicanalista
terapêutico: grande figura e exemplo! O debate com os
aposentaNdos do PPA2013 reuniu, portanto, um representante dos
que gostavam muito do trabalho que faziam e que desenvolveram
outra atividade profissional após a aposentadoria, e eu, que cumpri
101
burocraticamente a minha sentença de 38 anos de trabalho de
maneira satisfatória, sem grandes realizações profissionais, e quero
usufruir do meu tempo livremente sem o vender mais como mão
de obra em troca de dinheiro. Foi um debate que empolgou a
galera!

50 - PITINGA, O TEU POVO TEM ÁGUA!

A Imperadores do Samba é a grande campeã do Carnaval


2014, a escola ganhou com o tema sobre o Luis Fernando Veríssimo
e, o mais incrível, conseguindo levar o escritor como destaque de
um carro alegórico na passarela. Mas a vermelho e branco ganhou
por apenas um décimo da União da Vila do IAPI. A Estado Maior da
Restinga ficou em terceiro lugar homenageando a cantora Elis
Regina, que era do bairro IAPI... Sem Elis na passarela, o puxador de
samba agitou as arquibancadas soltando o grito de guerra da escola:
-Tinga, teu povo te ama!
Por falar em Tinga (da escola, não do jogador de futebol que
foi vítima de manifestações racistas latino-americanas por ser
negro), me veio recordações da minha vivência na Vila Pitinga, no
final da Lomba do Pinheiro e divisa com Viamão. Lembro que
quando eu já tinha entrado na reta final rumo à bandeirada da
aposentadoria, dei início ao processo de “feng-shui” no meu local
de trabalho, que mais ou menos equivale ao “Sistema 5S” do PGQP,
ou seja, de examinar as tralhas guardadas e engavetadas a fim de
desovar as cargas desnecessárias, caducas e inúteis. A cultura
milenar oriental do feng-shui visa otimizar as energias, evitando-se
o desperdício energético despendido para carregarmos nas costas
coisas sem uso e sem previsão de serventia.
Sozinho eu ocupava dois módulos gaveteiros, de 4 gavetas
em cada um, e mais um armário com 5 prateleiras, atrolhadas de
papéis (relatórios, polígrafos, manuais, etc.); isto depois de ter
repassado meses antes um outro armário ao colega Álvaro, que
retornava a ocupar a nossa sala, depois de exercer na sala ao lado a
função de Diretor da Manutenção por cerca de três anos. Como o
102
Jack estripador, resolvi começar por partes, tendo por meta chegar
ao final do ano de 2011 com todas as gavetas e prateleiras dos
armários totalmente esvaziadas para o momento da despedida da
minha sala, da minha mesa e dos meus colegas de trabalho.
Começando de baixo para cima nas prateleiras do armário, decidi
atacar de imediato uma caixa que continha uma tarja de
identificação escrito PITINGA.
Nesta caixa estavam arquivados estudos e projetos de um
trabalho pioneiro no âmbito do DMAE, que foi o de exploração de
águas subterrâneas. Com apenas dois ou três meses decorridos da
minha formatura na Engenharia de Minas da UFRGS em 1992, antes
mesmo de ser nomeado como Cargo em Comissão (CC) no DMAE,
havia recebido a incumbência do Engº Valdir Flores, então diretor
da Divisão de Planejamento, de preparar a licitação de um estudo
geológico visando um mapeamento e identificação de locais
propícios para a perfuração de poços artesianos, bem como a
contratação da execução destes poços com as suas respectivas
redes de distribuição para a comunidade da Vila Pitinga.
Os ânimos da população estavam exaltados naquela região
da cidade devido à permanente falta de água. Geologicamente a
cidade de Porto Alegre situa-se sobre o Escudo Cristalino Sul-
Riograndense, que é formado por rochas ígneas plutônicas;
simplificando, por rochas graníticas ( no popular, os granitos dos
paralelepípedos dos calçamentos). Para a utilização de água
subterrânea captada em rochas cristalinas, que não são tão boas
reservadoras de água como as rochas sedimentares, os poços
tubulares profundos visam a obtenção de água nos locais e
profundidades em que o substrato granítico apresenta falhas e
fraturas geológicas, gerando vazios propícios para o acúmulo das
águas do lençol subterrâneo.
Para podermos localizar o local exato onde há maior
ocorrência de falhas geológicas (regiões em que a rocha está
fraturada e com grandes fissuras), contratou-se um Mapeamento
Geológico de Prospecção Geofísica na região da Vila Pitinga. O
método de prospecção geofísica consiste basicamente de, uma vez
103
identificado num mapa geológico as áreas mais propícias da região
em estudo, se cravar eletrodos metálicos de 50 em 50 metros e
medir a resistividade elétrica da rocha entre eles, traçando um perfil
que permite a identificação das zonas de rochas fraturadas e da
presença de água. Portanto, não é mais com a lendária forquilha de
galho de árvore que metafisicamente se faz a localização onde
perfurar os poços; se bem que ainda há muitos prefeitos do interior
que querem escolher o local onde o poço de abastecimento de água
da cidade deve ficar, para que possa ter maior visibilidade política.
Foi uma experiência muito interessante eu poder usar de
imediato os meus conhecimentos acadêmicos de Engenheiro de
Minas, e ficar por semanas inteiras fazendo expediente nos matos e
morros da zonal sul, junto com o pessoal da empresa que foi
contratada para executar o serviço sob minha fiscalização técnica.
Resultou que perfuramos três poços de cerca de 80 metros de
profundidade dentro e no entorno da Vila Pitinga, localizada no final
da Lomba do Pinheiro, próximo da Restinga; sendo dois poços com
capacidade de produção de 3m3/h e um de 10m3/h de água captada
de aquíferos confinados nas rochas, com isso podemos passar a
dizer: - Pitinga, o teu povo tem água!
Um sistema de abastecimento por água subterrânea, para
manter o equilíbrio ambiental que permita a recuperação cíclica do
nível estático do manancial de água do aquífero, não pode operar
24 horas por dia. Ocorreu, então, que na região da Pitinga, que
inicialmente tinha 200 ligações cadastradas, (tomando uma média
de 4 pessoas por residência, cerca de 800 pessoas passaram a ter
água regularmente), com a novidade da regularização do
fornecimento de água na região, naturalmente houve um explosivo
aumento da população. Em 1995 foi necessário perfurar mais um
poço e ainda conceber um “Projeto de Setorização e Alternância no
Abastecimento do Sistema de Poços da Vila Pitinga”, que consistia
em fazer manobras de 12 por 36 horas (alternando o fornecimento
hora para a zona baixa (Vila Pitinga- 250 lotes) e hora para as zonas
altas ao longo da Rua João Antônio da Silveira (170 lotes) e, ainda,
no período noturno parar o sistema para recuperação do aquífero.
104
A ingrata incumbência de fechar e abrir a água diariamente, que era
hostilizada pelos respectivos setores da comunidade que iriam ficar
sem água nas próximas horas, ficou a cargo do saudoso colega
Telmo da DVT (falecido na ativa). - Valeu Telmo!
Com o sucesso desta experiência, em 1995 o DMAE me
incumbiu de contratar o mapeamento hidro geológico e a
prospecção geofísica da Estrada das Quirinas. Resultou que
perfuramos mais dois poços tubulares nas Quirinas (um com vazão
de 15 m3/h!) e construímos um reservatório no sistema, que passou
a abastecer regularmente com água subterrânea a comunidade de
100 lotes do Jardim Monte Carlos, e também podemos passar a
dizer: - Quirinas, o teu povo tem água!
O abastecimento público com água de captação
subterrânea na zona sul foi adotado como uma solução emergencial
provisória, até a realização das obras projetadas pelo DMAE de
Interligação do sistema da Restinga com a Lomba do Pinheiro. Como
de fato aconteceu, a região passou a ser abastecida (tanto a Pitinga
quanto as Quirinas) pela Restinga, com água captada em Belém
Novo. Mas, por mais de dez anos, estas comunidades foram
abastecidas através de poços tubulares de água subterrânea, até
que estes poços foram desativados, e a partir daí podemos passar a
dizer: - Porto Alegre, 100% do teu povo tem água!

51 – CAUSOS DA RODA DE CHIMARRÃO NA MANUTENÇÃO

A roda de chimarrão é uma das tradições nativistas que mais


caracterizam o espírito de confraternização e proseador dos
gaúchos. Desde o patrão à peonada de estância, desde os diretores
aos operários do Dmae, todos se irmanam passando de mão em
mão o mate amargo. A expressão “roda de chimarrão” vem da
gauchada em torno do fogo de chão, mas prevaleceu no sentido
figurado da cuia que roda de mão em mão respeitando sempre a
mesma sequência.
Eu que já tomei chimarrão em antigas rodas formadas por
gente que já se aposentou há muito tempo atrás, por último
105
participava de rodas formadas pelos filhos desse pessoal, tais como
o Marco Bica e o Lazzarin, filhos do Fernando Manjerona e do Sady
Raposão. Naturalmente que a roda vai se renovando em novas
gerações de funcionários da manutenção, e volta e meia retorno lá
para matear com: Fernando, Oliveira, Erasmo (que faleceu em
2016+), Ioni, Arraché, Ciro, Pedro, e os novos servidores que através
de concursos públicos vão se achegando na roda...
A rotina operacional das equipes de manutenção é a mesma
desde sempre, ou seja, as turmas saem de manhã cedo para
executarem serviços nas estações de bombeamento e tratamento
do DMAE, e começam a retornar para a DVM depois das onze horas
para o almoço e bicar um mate. Assemelha-se à rotina dos
gaudérios que saiam a cavalo para as lidas do campo e voltavam
para matear no galpão à espera da boia. Assim, tradicionalmente o
pessoal que trabalha internamente, especialmente as chefias que
distribuem os serviços para as equipes de rua, preparam o
chimarrão depois das onze horas e, na medida que as equipes vão
retornando, novos mateadores vão se agregando à roda. Enquanto
os capatazes fazem o relato dos serviços executados e das
eventuais pendências da manhã, o chimarrão vai lavando as tripas
para esperar o rango da peonada.
Como em toda a roda de chimarrão sempre são contados
causos e projetos de vida para a aposentadoria, contados mais ou
menos assim:

O CASO DO CACHORRO COM SETE VIDAS


O Ori, vulgo “Cachorro”, foi assaltado há vários anos atrás
e, ao reagir, levou um tiro no abdome a queima-roupa. Esteve
literalmente com o pé-na-cova, pois os ladrões que roubaram o
fusquinha dele, na fuga passaram com o carro por cima da sua
perna. Mas, que nem gato, o Cachorro se reabilitou e voltou a
trabalhar. Há poucos anos atrás gastou mais uma de suas muitas
vidas, desta vez num acidente de trabalho. Ocorreu que uma
marreta de ferro de 5kg caiu de uns sete metros de altura sobre sua
cabeça, numa estação de bombeamento de esgoto do DMAE. Por
106
sorte, pois ele conta que nem viu o perigo e estava sem capacete, a
marreta pegou de “raspão” no supercílio, provocando um corte
superficial e meia dúzia de pontos no HPS. Se pega de cheio,
estraçalhava a cabeça do Ori e acabava com todas as vidas que ele
por ventura possa ainda dispor, era game-over! Porém, com mais
sorte que juízo, segue o jogo das Sete Vidas do Cachorro que não
quer saber de se aposentar...

O FAZENDEIRO DO MEL
O Meleiro Hugo (o Pilha Fraca), estava pensando em se
aposentar junto comigo, e já tinha o seu projeto do que fazer após
a aposentadoria: se dedicar ao apiário, atividade que normalmente
já lhe proporcionava duas colheitas ao ano de 600 kg de mel, nas
florações de outono e primavera. Às vezes, quando a floração é
muito boa, “dá sobre-caixas” (que é uma terceira colheita no verão).
Para acessar os sítios desabitados onde o Hugo tem suas caixas de
abelha, ele costuma ir armado de espingarda 12, e conta que fica
com a arma engatilhada enquanto a mulher abre os portões e
portas das instalações prediais, tendo em vista que as casas
seguidamente são invadidas por vadios da região. O Hugo dizia que
estando aposentado vai cuidar melhor e dar manutenção às
estruturas das colmeias que ficam distribuídas num raio de 5 km. Na
época ele já tinha encomendado 15 mil mudas de eucaliptos para
plantar nos sítios dos seus abelheiros, para aumentar a
produtividade. Já estava também estabelecendo entrepostos de
distribuição da sua produção de mel nas diversas divisões do DMAE,
treinando colegas para servirem de intermediários mediante
recebimento de comissões nas vendas. E ainda assim, com toda esta
programação de atividades dele para após aposentadoria, ele me
revelou que estava sentindo um “medinho” por estar se
aproximando a data da aposentadoria, ao mesmo tempo que me
interrogava se não ocorria o mesmo comigo...
-Normal, respondi, é um salto no escuro sem volta! Dá um frio na
barriga, dá medo....

107
Hoje, aposentado, o meleiro Hugo me conta que anda
viajando tudo o quanto pode por este Brasil imenso; o Pilha Fraca
recarregou as pilhas e está voando mais que as suas abelhas!
O SORTEIO DA TELEVISÃO
O Romeu (o Buldogue) compunha comigo (o Grazziotin)
mais o Hélio (o Azeitona) e o Ranyr (o Grilo) os “Quatro Cavaleiros
do Pátio”, técnicos industriais que chefiávamos as seções da
manutenção na década de oitenta (Veículos, Preventiva, Mecânica
e Elétrica, respectivamente). Trabalhamos na mesma sala por mais
de uma década em perfeita harmonia, eles foram meus mestres e
ajudaram a formatar o órfão de pai que eu era na pessoa
humanizada que me tornei. O Romeu, com toda a sua aplicação e
excelência profissional, apesar de ter cara de sisudo, era um baita
gozador, adorava empulhar aos desavisados. Certa época tinha um
estagiário de engenharia mecânica, um guri de origem italiana do
tipo que busca levar vantagem em tudo, o Moretti, que no fundo
era um baita de um ingênuo e filhinho de mamãe. Acontece que no
refeitório da Manutenção havia uma televisão que já estava velha e
dando defeitos. Como era da cultura da Divisão, foi feita uma
“vaquinha” de contribuições entre os funcionários e foi adquirido
um novo aparelho. Ao ver chegar a caixa com a nova televisão, em
pleno mês de dezembro, o Moretti quis saber para quem era o
receptor. Com a rapidez e perspicácia que era própria do Romeu,
ele inventou que a TV era para ser sorteada na festa de natal da
DVM. Logo entrou todo mundo na onda, alimentando a expectativa
do estagiário “olho grande”. Não deu outra, no churrasco natalino
em que tradicionalmente, como locutor ao estilo Sílvio Santos era
eu que promovia os sorteios dos prêmios. Cabe registrar que os
comes e bebes da festa e os prêmios eram adquiridos com o fundo
recolhido durante o ano inteiro de cada participante, cobrado
mensalmente pelo falecido Alonço, o Camundongo.
A propósito de apelidos, tem os vulgos oficiais, que são ditos
diretamente para o dito cujo; mas têm aqueles que são apenas
sugeridos ou falados pelas costas. O Camundongo era chamado
diretamente de Miau (sugerindo o Camundongo), e o Buldogue era
108
referido sorrateiramente por medo que o Romeu, com suas
bochechas de buldogue, ficasse brabo e mordesse. Mas era só cara
de brabo, o Romeu Flávio Danilo Garcia (nome múltiplo como o
próprio cara, mas não necessariamente nesta ordem) era um
amigão e um gênio em mecânica, mente brilhante que tristemente
a doença de Parkinson fez ele se aposentar muito, muito, muito
precocemente!
Então, voltando ao sorteio natalino, o último e mais
importante presente sorteado na noite foi a dita televisão e o
felizardo ganhador, é claro, foi o estagiário Moretti. Que felicidade
de criança a dele ao receber o presente que tanto almejava!...Não
lembro se deixamos ele levar para casa e descobrir sozinho que
dentro da caixa estava a velha e sucateada TV valvulada, ou se o
poupamos desse vexame familiar com a sua mamãe...
- Valeu Romeu, Hélio e Ranyr pelos muitos mates e causos
exemplares!

52 - FAROESTE MATUNGO
13 de maio/Zumbi/2010
Tem bagulho bom aí! Saiu dois filmes simultâneos sobre o
Renato Russo, um sobre a vida dele (Éramos tão jovens) e o outro
com o roteiro baseado na letra da música Faroeste Caboclo, canção
consagrada pelo lendário grupo roqueiro Legião Urbana. Assisti
apenas ao segundo, e achei que o roteiro acertou a mão nas
adaptações para a linguagem cinematográfica, mas foi sacanagem
deixarem a música tema para rodar só depois do fim, “fazendo todo
mundo dançar” lendo os nomes dos créditos até a última letrinha!...
A propósito de faroestes, tem vivente que é contador de
história nato, que sabe levar o suspense e manter o ouvinte atento
na oralidade. Mas geralmente estes proseadores têm o defeito de
alongarem e enfeitarem com detalhes demais o causo. E, pior do
que isto, costumam emendar uma aventura na outra, num prosear
sem fim. Este é o caso do Gervásio, mais conhecido como o
Matungo, colega eletromecânico da DVM e morador do topo da Vila
São José, criado no alto do Morro da Cruz, que é um conhecido
109
ponto de tráfico e bandidagem em que nem a polícia pacificadora
entra, onde o faroeste corre solto, e que se tornou célebre por ser
o tradicional local da crucificação do Cristo na encenação da via-
sacra da procissão da Semana Santa. Lá, até o Cristo todo ano baila!
Quando o Gervásio puxa conversa e engrena, eu costumo
delimitar de antemão: um causo por dia! Outro dia ele me contou
rapidinho um dos seus infindáveis causos inéditos. Relatou o causo
do Fala-fanha, sujeito que morava na vizinhança e que teve a sua
mãe agredida durante um assalto por um vagabundo do morro
cheirador de crack. Conta o Matungo que, conforme o próprio Fala-
fanha teria lhe contado (técnica de proseador para poder relatar na
primeira pessoa com maior emoção), uma vez localizado o
malandro num boteco das redondezas, o Fala-fanha enfiou o cano
do seu revólver calibre 38 na boca do ladrãozinho agressor de sua
mãe e detonou, sem dó nem piedade.
Depois, quando o pistoleiro já tinha virado as costa para ir
embora, ele foi questionado pelo seu irmão, que ajudava na
vingança: E se o danado não morrer do tiro? - O Fala-fanha não teve
dúvida, voltou e degolou a agonizante vítima, depois virou-se
respondendo ao seu mano: esse vai morrer com certeza! Depois
saíram a passo... – E o corpo, eu perguntei? - O defunto foi dado
como queima de arquivo pela polícia, pois o cara tinha longa ficha
corrida, complementou o Matungo narrador. Como disse, tem
vivente que é nato trovador repentista de ficções em prosa,
aventuras como esta do Morro da Cruz ele contava uma atrás da
outra...
O Gervásio Matungo também é um aposentando, mas com
“n” minúsculo, fechou as condições para se aposentar em 2010, mas
não consegue se decidir, por não saber o que vai fazer depois.
Concluiu que os seus antigos biscates, de consertar refrigeradores e
televisores, estão em baixa no mercado. O cara era do tempo dos
aparelhos de rádios e TVs valvulados e, como eu também fui
“fuçador” em eletrônica, denominei de “vulcão” o monte de peças
e sucatas de chassis que ele tinha no pátio da casa dele, o qual
funcionava como um depósito a céu aberto, para serem
110
aproveitadas em seus consertos. O Matungo contabiliza que tinha
prejuízos atendendo à freguesia do Morro da Cruz, pois ficou
“engatado” com tantos refrigeradores e televisões, de clientes que
mandaram consertar e que não foram buscar, que chegou a pensar
em abrir um brique de aparelhos usados em casa. Mas, pondera o
ex-biscateiro, que nem pra isso dá mais, pois os eletrodomésticos se
tornaram descartáveis, com o incentivo do governo para que as
pessoas troquem os aparelhos velhos por modernos, que têm
menor consumo de energia elétrica.
A exemplo dos “coiotes” que servem de guia aos
“cucarachos” que tentam imigrar clandestinamente nas fronteiras
dos EUA, o Matungo também nos serviu de “coiote” quando
recorremos, em desespero de causa pela enxaqueca crônica da
minha mulher, a um tratamento espírita com o Dr. Queirós, médium
incorporado que atende justamente no “olho do furacão” do Morro
da Cruz. Somente acompanhado de um nativo da vila para nos
arriscarmos a subir à noite até o centro espírita do renomado
médium, no topo da morro, onde sempre tinha fila de pessoas para
serem atendidas, feito o SUS. As enxaquecas da minha mulher
continuam até hoje, mas nos valeu muito a experiência vivida no
território do Faroeste Matungo.
Conforme conta o folclore interno da DVM, após a
ocorrência do caso do acidente de trabalho fatal do jovem
eletricista Ubirajara Teixeira, o colega Bira, quando entregaram para
a viúva os objetos pessoais que o falecido tinha no armário do
vestiário da Manutenção, deu problemas de infidelidades
póstumas, pois lá havia cartas de casos extraconjugais...talvez até
com a vizinha. Conforme conta o Matungo, algum tempo antes do
acidente fatal, ele foi fazer uma visita na casa do Bira e, por engano,
entrou na casa do lado, de estranhos, como se fosse pessoa íntima.
Mas, por extremo azar, o tal vizinho do Bira estava desconfiado que
a sua mulher estava lhe traindo e, ao ver aquele negão entrar bem
faceiro em sua casa, caiu de pau em cima do Matungo. O Gervásio
não teve nem tempo de entender o que é que estava acontecendo,
o duelo foi desigual, foi pego pelas costas. O fato é verídico, pois
111
acompanhamos o drama do colega nos dias seguintes, já que o
estrago foi tanto que ele passou uma semana no hospital: todo
quebrado e deformado por inchaços e hematomas. Quase cegaram
de vez o Matungo!
Mas o causo mais pitoresco, que ele não se cansava de
contar, é o susto que ele deu num guri no banheiro coletivo de um
camping da Barra do Ribeiro, onde costumava passar as férias
pescando. Percebendo que o garoto ficou assustado com o lance
dele retirar a chapa dentária da boca para escovar os dentes na pia,
só de sacanagem, ele retirou também o seu olho de vidro (prótese
que usa no seu imperceptível olho cego), e pediu para que o guri o
ajudasse segurando o seu olho um pouquinho; o menino saiu
correndo apavorado!...
- Valeu Matungo, exímio narrador da “realidade fora da lei” que viu
de perto, enriquecida pela sua oralidade dramática, sem nunca se
deixar amedrontar ou envolver pela bandidagem: -Valeu Gervásio!

53 - O CARIMBADOR MALUCO

O Valdecir conta que fez concurso público na década de


1980, pensando que era para ser operador de estação do Dmae.
Contudo, quando chegou para fazer a prova prática na Divisão de
Manutenção, ficou muito assustado quando lhe deram um
caminhão com um enorme guincho para operar, coisa que ele nunca
tinha feito antes na vida. Só então ficou sabendo que o tal concurso
na verdade era pra operador de máquinas, melhor dito, que as tais
máquinas não eram as das estações, e sim máquinas de veículos
automotores de grande porte, tais como retroescavadeiras,
empilhadeiras e guinchos. Mesmo assim, por falta de concorrentes,
acabou sendo aprovado e nomeado para o cargo.
Conforme desenvolvia o seu aprendizado prático de
Operador de Máquinas, o Valdecir começou a se envolver em vários
acidentes de trânsito. Foram tantas as ocorrências que lhe valeram
o apelido de “Carimbador Maluco” (referência as carimbadores de
preço dos supermercados daquela época inflacionária que vivíamos
112
no Brasil com o Sarney na presidência do país). O Valdecir
“carimbava” com batidas de trânsito todos os veículos da frota do
Dmae que ele pegava para operar.
Os mais notórios destes acidentes do “Carimba” (apelido
carinhosamente reduzido do Valdecir) foi quando ele conseguiu
cortar os cabos do computador central do DMAE, época em que o
computador era imenso e ocupava uma sala inteira na Hidráulica
Moinhos de Vento; e quando ele realizou o feito inédito de capotar
o caminhão guincho fazendo-o cair dentro de uma valeta. Na
verdade (ele próprio me corrigiu quando citei estas ocorrências), o
caminhão não caiu dentro da valeta, e diz que só capotou por exímia
perícia dele, uma vez que a valeta estava desbarrancando e, para
não deixar o caminhão cair sobre as colegas que estavam dentro,
ele fez uma manobra com a lança do guincho para provocar a
capotagem, de forma que o caminhão deitou atravessado sobre a
valeta. Caso contrário, afirma ele, teria matado vários colegas
soterrados. Faz sentido...
Com o passar do tempo, com décadas de experiência, o
Carimbador se tornou um cara dedicado ao serviço e que, sempre
bem humorado, vivia dando seus palpites para os engenheiros e
chefias de como melhorar operacionalmente as coisas. Geralmente
com ideias mirabolantes.
Ele também deu pra engordar nos últimos anos. Mesmo
sendo baixinho, chegou a pesar 153 kg, estava aponto de explodir
como a Dona Redonda da novela Saramandaia. Ficou identificado
pelas redondezas como o Buda. O Carimba não deixou por isso
mesmo, resolveu tomar uma atitude e fez uma cirurgia do
estômago: caiu para 80 quilos, reduziu quase a metade do seu peso
anterior. Mas o Carimbador Maluco continuou ocupando o mesmo
grande espaço como uma figurinha “joia rara” no álbum dos
personagens lendários da manutenção do DMAE. -Valeu Carimba!

113
54 - O PAULO BUGIO FEZ 60 ANOS

Quando eu soube que o Paulo da Rosa, mais conhecido


como o Bugio, estava de aniversário e se tornando sexagenário, logo
tratei de telefonar pra casa dele para lhe felicitar pela chegada da
velhice. O Paulo Bugio se aposentou às vésperas da reforma da
previdência do Governo Lula, creio que no finalzinho de 2003;
lembro que foi uma “chuliada” e que ele escapou por alguns dias da
exigência de 60 anos como idade mínima para os funcionários
públicos se aposentarem.
Depois das felicitações de praxe, lhe falei do meu “blog de
um aposentando”, pedi o email dele para enviar o link do blog e
tratei de fazer com que me lembrasse detalhes de sua história
pessoal entre nós na DVM:
- Mas e aí negão, como é que foi mesmo esta bosta que deu nas tuas
pernas?
-Então, um dia eu estava com o Ciriaco (o Mangona!) pintando a
cancha do pátio aí da DVM, quando eu senti que a minha perna ficou
dormente.
- E tu soube do triste fim do Ciriaco?
- Pois é, soube que depois que perdeu a filhinha ele pirou e se
enforcou!
-É, o Mangona entrou em depressão, não aguentou a
aposentadoria; ele que era o xerife do pátio! Mas e daí, quando deu
a bobeira na perna tu fostes no médico?
- No dia seguinte fui até o Gabinete Médico do DMAE e consultei
com o médico Ivoi (o AAS , apelido referente à aspirina que ele
sempre receitava para tudo)...
-E doía a perna? – Perguntei ao telefone.
- Eu senti uma dor tipo do ciático, mas depois de medicado com
analgésico até voltei a jogar bola no time do pessoal da
manutenção. Mas um dia, no início de 1982, fui levantar da cama e
a perna esquerda bobeou total, depois foi a direita também. Daí em
diante deixei de ter dores, perdi a sensibilidade; a não ser a dor das
realizações de punções na medula para exames médicos.
114
- Chegaram a algum diagnóstico conclusivo?
- Não, o laudo final falava em “lesão medular sem causa
determinada”, e o médico falou que pode ter sido um choque
anafilático nos nervos que tenha tirado a sensibilidade das minhas
pernas.
- O pior foi aquela fase em que ficastes de cadeira de roda, não é
mesmo?
- Pois é cara, foram muitos meses de fisioterapia até que a perna
direita voltou praticamente ao normal. Então eu comecei a andar
de muletas e me livrei da condição de cadeirante. Depois que eu
dominei as “muletas tipo canadense”, usadas com o apoio nas duas
mãos para não forçar a coluna, é que eu consegui voltar a trabalhar
aí com vocês, até me aposentar por tempo de serviço e não por
invalidez!
- É verdade, foi uma passagem interessante aquele período que
viestes trabalhar por cerca de 20 anos de muleta, quando deixastes
de sair com as equipes de rua e ficastes fazendo os serviços de
retaguarda técnica no escritório...E aquelas consultas a centros
espíritas que o Danilo (o Sebinho) te levava de um lado para o
outro?
- É, todo o pessoal da DVM me deu muita força, no trabalho e com
as caronas diárias para eu ir trabalhar sem precisar pegar ônibus de
muletas; o Sebinho me deu o maior apoio me levando nas sessões
de terapia e nos centros espíritas em busca de um milagre que
acabou não acontecendo...
- E hoje, qual é a situação do velho Bugio fazendo 60 anos?
- A perna esquerda ficou ainda com movimentos involuntários, eu
tenho que me cuidar para ela não me derrubar quando corcoveia.
Mas, dentro de casa, onde eu tenho onde me apoiar em caso de
emergência, consigo caminhar sem muletas. O perigoso aqui são os
netos me derrubarem...
-Valeu sexagenário Paulo da Rosa Bugio!

115
55 - O “APITA JOÃO!”
19/12/2010
O João, que estava entre aqueles aposentados
desaparecidos há muitos anos, outro dia reapareceu. O encontrei
no “Caminho dos Aposentados”, na trilha que leva do Gabinete
Médico do Dmae até a farmácia Panvel conveniada mais próxima,
que fica no posto de gasolina na Av. Ipiranga. O cara trabalhava no
refeitório da DVM, num tempo em que a cozinha fazia café com leite
pela manhã para oferecer para todos os funcionários que
quisessem. Nessa época a cozinha também fornecia café preto em
térmicas para todos os setores e equipes, tanto pela manhã quanto
pela tarde, e até para o pessoal em serviços extraordinários
noturnos e de finais de semana.
Naquele tempo, antes do Prefeito Collares acabar com o
fornecimento de café para os servidores (medida tomada com
estardalhaço, como sendo uma grande economia para os cofres
públicos), o refeitório era um local de encontro e de recreação da
peonada. Era onde se jogava dominó e carteados rapidinhos, nos
intervalos do trabalho. É, havia intervalos do trabalho! A coisa era
super ordenada, havia horários limites para tudo: para encerrar o
café da manhã, para a hora do lanche matinal e do vespertino (que
ocorriam no meio de cada turno de expediente) e para abrir o
refeitório para o almoço. Fora destes horários o refeitório ficava
fechado para os demais servidores que não trabalhassem na
cozinha. Na época do João, era a Vera, hoje já falecida, quem fazia
o café para todos e também o almoço para aqueles que contribuíam
financeiramente para a compra dos mantimentos.
Então, todos estes horários para abertura e fechamento do
refeitório eram anunciados por uma sirene que soava no pátio de
DVM. Como na década de 80 ainda não havia automações
eletrônicas, a tal sirene era acionada manualmente pelo João.
Assim, quando se aproximavam os respectivos horários de liberar o
refeitório para o livre acesso da peonada, o pessoal começava a
gritar, pelas portas dos pavilhões, por pura algazarra coletiva, até a
sirene apitar:
116
- Apita João!
O João, que no Dmae trabalhava como auxiliar de serviços
gerais com a nobre função de apitar a sirene e levar as garrafas
térmicas para os escritórios, costumava fazer biscates como garçom
em bares e eventos noturnos. Seguidamente, portanto, ele vinha
trabalhar “virado”, direto da sua atividade de garçom e aproveitava
para recuperar o sono durante os horários em que o refeitório
estava fechado. Costumava dormir deitado nos bancos de madeira
entre as mesas. Então, para não correr o risco do dorminhoco
perder a hora de apitar a sirene, o pessoal começou a tradição de
gritar o que depois virou um folclore:
- Apita João!
Com o passar do tempo veio a inexorável evolução
tecnológica, e a sirene foi então conectada diretamente ao relógio
ponto, de forma que ela passou a apitar automaticamente, sem
precisar mais da intervenção do João. Contudo, pelo divertido
espírito de gozação, permaneceu o ritual de anunciar os horários de
abertura do refeitório com os gritos pipocando pelo pátio:
-Apita João!
Mas o João passou a se irritar com aquela ”zoação” pro seu
lado todo o santo dia nos horários de se liberar o refeitório para a
peonada, e começou a responder aos gritos:
- Quem apita é a mãe!
Por um longo período ainda se ouvia esta trova no páteo da
DVM:
- Apita João!
- É a mãe!
Assim, o João acabou incorporando a sua função como um
apelido, e passou a ser conhecido como “O Apita João!”.
Quando o vi eu gritei do outro lado da rua abanando para
ele:
-Apita João!
-É a mãe! – Respondeu ele, rindo com sua boca nua escancarada.
Então conversei rapidamente com o Apita João no Caminho
dos Aposentados, ele disse que continuava atuando como garçom.
117
Mas vendo ele tão envelhecido e completamente sem dentes, saí
convencido que com a decrepitude da idade a gente não apita mais
nada mesmo...
-Valeu Apita João!

56 - INVENÇÕES COM O HARTMUT E O JOÃOZINHO


23/01/2012
Eu estava ficando convencido que já havia contado aqui todos
os causos pitorescos ocorridos durante as três décadas que convivi
diariamente com o pessoal da manutenção do DMAE, pelo menos
aquelas histórias que ficaram gravadas em mim e que volta e meia
eram ressuscitadas em conversas nas rodas de chimarrão ou com
alguém daquela época. Mas hoje me ocorreu, como uma bolha que
emerge na memória das profundezas do poço estagnado do tempo,
o episódio da automatização do portão da EME (sigla antiga da
Divisão de Manutenção), causo que merece ser contado.
Estávamos no final da década de 1970 do século passado,
ainda não se falava em automação, mas já estava se popularizando
as automatizações, especialmente as de portões de indústrias e
condomínios, com acionamentos por meio de chaves ou se
apertando um botão. Recém saído do curso técnico de eletrônica,
cheguei na área de manutenção querendo não só mostrar serviço
como aplicar aquelas teorias todas estudadas na Escola Técnica
Parobé. Estava, então, fazendo estágio no que era chamado de
“Laboratório da Seção Elétrica”, junto com o João Urbano (o
Joãozinho vulgo Cocadinha, que está aproveitando a aposentadoria
faz muitos anos!) que era uma espécie de faz tudo eletromecânico,
além de biscatear como relojoeiro nas horas vagas.
Automatizações de sistemas através de circuitos não
eletrônicos (antes da era dos controles remotos), apenas com
chaves contactoras eletromagnéticas era, a meu ver, a parte mais
criativa do ofício; a parte que eu mais gostava de fazer, onde
podíamos inventar à vontade. Lembro, por exemplo, que
automatizei o acionamento do gerador de energia elétrica movido
à gasolina para suprir a iluminação predial e das oficinas da DVM
118
quando faltasse a energia fornecida pela concessionária CEEE. Não
resultou muito útil, mas funcionava. Fui membro da geração do
silício, mas nunca cheguei a Steve Jobs ou Bill Gates; o máximo que
montei foi o rádio que ouvíamos no laboratório, feito com uma
dúzia de componentes comprados na Av. Alberto Bins.
Então, o chefe da elétrica na ocasião era o saudoso
engenheiro Paul Emil Hartmut Ghëring (outro já falecido que
aproveitou por pouco tempo a aposentadoria), alemão que falava
com sotaque germânico e que era irmão do Horst, também
engenheiro elétrico e destacado projetista do Dmae. Sei que eu
tinha bolado um sistema motorizado de acionamento para fechar e
abrir o portão de entrada de veículos do pátio da manutenção, que
consistia num cabo de aço que enrolava e desenrolava num tambor.
Montamos toda a traquitana, o Joãozinho e eu, ligamos o motor que
através de uma polia transmitia o movimento por uma correia para
a polia do tambor que enrolava o cabo de aço para um lado ou para
o outro, conforme se queria fechar ou abrir o portão. Tudo
calculado e bem feitinho, mas no primeiro teste quase arrancamos
o portão devido à alta velocidade que o mecanismo funcionou.
Estávamos ainda atônitos com o fracasso e sem sabermos
exatamente qual foi o nosso erro, quando o Dr. Hartmut (naquela
época chamávamos os engenheiros de “Doutor”) que assistia tudo
fumando sem parar exclamou:
- Posso dar uma ideia?...Desmancha tudo!...
- Desmanchar tudo, Doutor?...
Esta expressão do Hartmut “Posso dar uma ideia? Desmancha
tudo!” se tornou clássica na manutenção, sempre que se queria dar
um palpite sobre algum serviço. De fato, seguindo a ideia dele,
introduzimos um redutor de rotação no sistema e o portão da EME
foi o primeiro a ser automatizado em todo o DMAE, com o guarda
acionando o dispositivo através de botoeira instalada dentro da sua
guarita, especialmente nos dias de frio e chuva.
Em órgãos públicos todas as iniciativas pessoais têm o bônus
e o ônus. Como mérito, nos sentíamos orgulhosos de sermos
pioneiros na modernidade de termos o portão automatizado; o
119
nosso ônus é que ninguém queria botar a mão para consertar
quando dava problema no sistema, éramos sempre chamados para
fazer a manutenção: - Vão lá consertar aquele portão de vocês!
Naquela época estávamos estudando no laboratório da
elétrica como resolver o problema do alto ruído de vibração que os
contactores Siemens de grande porte faziam (por vibração dos seus
contatos elétricos acionados por bobinas com eletroímãs), quando
o Hartmut, sempre fumando, deu a ideia de adicionarmos no
circuito um retificador para corrente contínua na bobina do
contactor. Fizemos a experiência e funcionou muito bem: o
roncador virou silencioso! Levamos a ideia para o escritório da
Siemens que aparentemente não se mostrou muito interessada,
porém, tempos depois, os novos contactores já vinham da fábrica
com o dispositivo de “corrente contínua” acoplado.
Grandes figuras. O Hartmut vivia pedindo para o Cocadinha
fazer “serviçinhos” pessoais, dado que o cara, enquanto relojoeiro,
era muito habilidoso e caprichava nos acabamentos. Então era um
tal de “Joãozinho preciso isso de ti, Joãozinho preciso que me faça
aquilo”...até que um dia o alemão entrou esbaforido na sala e
exclamou:
- Joãozinho preciso do teu sangue!
-Quer até o meu sangue Doutor?!?...(era para doação pra um
parente doente).
-Valeu Hartmut e João Urbano!

57 - CAFURINGA: O HOMEM QUE FALA SOZINHO


28/05/2012
Faz muito tempo que eu queria escrever uma matéria sobre
o meu ex-colega de trabalho Jorge Cafuringa, pois este blog ficaria
incompleto sem o registro desta figura emblemática do quadro dos
servidores da manutenção de equipamentos do Dmae. Desde o
início eu estava esperando a inspiração de um gancho literário que
me desse a abordagem adequada para enfocar bem o personagem,
mas até ontem nada de muito interessante havia surgido.

120
Eu havia pensado em começar contando de quando nós
dois, jovens colegas de Dmae, frequentamos juntos o Cursinho Pré-
Vestibular Mauá, no tempo dos professores Édison de Oliveira e
Túlio, de português e matemática respectivamente, ano em que
nenhum de nós passou no vestibular da UFRGS, e que ele foi fazer o
curso de engenharia mecânica na PUC, enquanto eu fiquei tentando
mais algumas vezes até conseguir entrar na engenharia da
faculdade federal.
Também cogitei de resgatar como introdução o trecho da
matéria que publiquei aqui no blog (em dez/2010) sobre a grande
incidência de ”pais e filhos” trabalharem como colegas no Dmae,
em que eu citava o Cafuringa: “tem os casos de filhos de pais de
outras divisões do Dmae, tais como os numerosos irmãos Jorge
Cafu, Aurélio Charuto e Victor da DVM (irmãos da Isabel (Bela) da
DVA) que são filhos do Getúlio (falecido boêmio e tocador de
cavaquinho da DVA)”.
Outra abordagem que pensei em fazer foi a futebolística.
Teria tudo a ver fazer o texto com o enfoque de futebol, pois o Jorge
ganhou este apelido de Cafuringa (nome de um antigo jogador
profissional famoso) por ser um ponteiro direito muito rápido e
habilidoso, que marcou época na vasta galeria de conquistas de
troféus dos sucessivos times de futebol de campo que se formaram
na manutenção, os quais até hoje sempre têm tido pelo menos um
dos seus irmão jogando e ele atuando como técnico e/ou cartola.
Outras vezes pensava que o central numa matéria sobre o
Cafuringa deveria ser os entrelaçamentos que nossas vidas
profissionais tiveram desde o início de nossas carreiras. Isso ocorreu
especialmente porque a DVM se caracteriza por ser o único lugar do
DMAE onde os funcionários praticamente não mudam de local de
trabalho ao longo de toda a vida profissional. As mesmas pessoas
acabam convivendo por décadas consecutivas, devido às
especificidades técnicas dos ofícios e cargos que só existem na
Manutenção. Em verdade nossa história se entrelaça desde antes,
pois tivemos a mesma origem de formação técnica, que foi a Escola
Parobé, e onde o Cafuringa posteriormente tornou-se professor e
121
permanece lecionando. Ainda assim, tanto ele como eu estivemos
trabalhando em outras divisões por alguns anos, ele na Divisão de
Esgotos e eu na Divisão de Água e na de Planejamento, e ambos
voltamos para o nosso lugar natural e de origem no Dmae, que é a
Manutenção.
Outra alternativa considerada foi abordar o seu gosto
especial pelo leva-e-traz de coisas que alguém ouviu contar sobre o
fulano ou/com a fulana em tais ou quais causos ou fofocas, que no
fundo todo mundo gosta. Todavia, é sabido que para as histórias
contadas pelo Cafú tem que se dar muito desconto, pois que ele não
aumenta só um ponto, costuma incrementar temperos
apimentados e hipóteses de duplo sentido para dar maior emoção
e impacto ao causo. Esses disse-me-disse do Cafuringa podem ser
verídicos ou podem ser de origem fictícia ou inventada por ele
mesmo, nunca se sabe ao certo...Nisso consiste o seu sucesso como
revelador de supostas intimidades alheias, posto que é feito sem
maldade e com a sua autêntica ingenuidade.
Pensei ainda em relembrar algumas passagens nossas,
quando já estávamos os dois formados em engenharia, e fizemos
juntos estudos preparatórios para o concurso de engenheiro do
DMLU. Estudávamos na minha casa e nos plantões de final de
semana no DMAE, concurso que ele, por ser muito festeiro naquela
época, infelizmente acabou não conseguindo aprovação. Queria
relembrar de como, décadas depois, como Diretor da DVM, eu fui
chefe do Cafuringa e tentei inutilmente conseguir um Cargo em
Comissão pra ele, posto que ele não era petista e eram tantos
companheiros esperando a boquinha, tantos que sistematicamente
uns tiravam férias pra outros de fora assumirem.
Certamente que teria que comentar que participei de sua
festança de casamento, e falar de como acompanhamos à distância,
por duas décadas, os nascimentos e crescimentos de nossos
respectivos filhos, os meus divórcios e a fatalidade do recente
falecimento da esposa e grande coordenadora da vida familiar do
meu amigo. Que sacanagem do destino, deixou órfãos dois
adolescentes e o próprio Cafú!...
122
Contudo, eu sempre ficava com a sensação de que nada
disso captava o essencialmente peculiar no Jorge Cafuringa, que
ficava faltando alguma coisa, até que a crônica da Martha Medeiros
publicada na ZH de ontem com o título “Falando Sozinho” me deu o
gancho que faltava para a elaboração da minha postagem sobre o
Cafú. A cronista conta que, alertada por suas filhas, teve que
sucumbir às evidências e admitir que fala sozinha. Diz que, sem
perceber, o pensamento sai pela boca e não raro gesticula, mas que
não chega àquele nível de maluquice que acomete andarilhos que
falam num volume tão audível que a gente chega a se perguntar se
estariam mesmo sozinhos.
Agora, com o testemunho da Martha Medeiros, eu próprio
já posso assumir que também falo sozinho em casa, e posso
escrever sem melindres nesta crônica que o Cafuringa é desses que
falam a altos prados e gesticulam com empolgação pelas ruas.
Quem o conhece sabe, é folclórico vê-lo discutindo consigo mesmo,
isso é uma peculiaridade dele e desde sempre foi assim. Mas, como
hoje em dia é até muito comum vermos pessoas falando sozinhas,
às quais supomos que estão falando em celular com fones de ouvido
camuflados, ninguém mais estranha o Cafuringa em seus
monólogos andarilhos. Finalmente posso escancarar, pois que
agora tenho referência de gente famosa para poder afirmar: Cafú,
nós que falamos sozinhos somos normais! Segundo a Martha
Medeiros falar sozinho é um ato de generosidade, pois vá saber o
estrago que causaríamos se falássemos tudo, olho no olho. Melhor
soltar as frases ao vento...
- Valeu meu irmão negão!

58 - O ARMANDINHO DENTISTA

Hoje, parece que abriram os portões de todos os asilos de


velhinhos, pois não parou de aparecer ex-colegas no Caminho dos
Aposentados. Primeiro visualizamos o Olírio Liquinho passando pela
calçada, abrimos a janela e gritamos para ele entrar, ao que
respondeu lacônico:
123
- Não, se não vamos começar a relembrar e a ficar tristes! – E seguiu
rumo ao Gabinete Médico.
Depois usamos o mesmo expediente para o Nelson Schunck
(pai do colega César Amarelinho) que entrou voluntarioso e nos
contou detalhes da sua rotina de cuidar da esposa doente. Diz que
começa suas atividades cedinho da manhã e fica envolvido com
todas as lidas da casa, inclusive a feitura da comida, o dia todo. Não
tem tempo pra nada!
Em seguida apareceu o Gazo, um boa vida super bem
conservado e humorado. Como eu, ele também é um homem
casado que vive em casa separada da mulher (cinquentona como a
minha); mas estranhamente para mim, porém, diz ele que sequer
viajam juntos!...
Ao mesmo tempo apareceu o aposentado Mezari, pedindo
para fazermos uma cópia da sua receita médica na nossa impressora
multifuncional. Na verdade ele nunca foi dos quadros da
manutenção, mas sempre jogou no time da EME (antigo nome da
DVM), onde formou uma linha de zaga histórica com o Paulo
Chatinho e o Juarez Lagartixa. Provocado, o Mezari lembrou a
escalação completa do time, desde o goleiro Haroldo (o pai da miss
Deise) até o centroavante Olírio.
Por último, apareceu o Armando Severo, vulgo Armandinho
Dentista, que estava desaparecido há mais de quinze anos. Ele era
um cara popular no meio operário, especialmente pela
camaradagem com que desenvolvia o seu trabalho; até que na
década de 1980 começamos a puxá-lo para participar da militância
sindical, que na época estava em plena ascensão e efervescência.
Nesta época ainda prevalecia a unidade sindical, o
movimento era independente das ideologias partidárias. O
Armandinho era uma figura vinculada com o então prefeito João Dib
do PDS, nomeado pela ditadura, mas que naquele período de
transição da abertura democrática no país acabou se envolvendo
em várias epopeias sindicais junto conosco, as emergentes forças da
esquerda pmdebistas, pedetistas e petistas.

124
Juntamente com o Joel Emer, o Ivo Deboita, a Fátima Silvello
e eu, o Armandinho participou da composição de uma chapa para
associação ASDMAE, tendo ele como candidato a presidente. O
nosso propósito na época era romper com o assistencialismo da
entidade, que era presidida há décadas pelo hoje saudoso Seu
Pinheiro, e transformar a associação numa organização combativa
e engajada no movimento de sindicalização dos servidores públicos,
que até então era proibido pelo regime autoritário.
Ganhamos a eleição e, com uma administração austera do
Joel como tesoureiro, passamos a desenvolver uma nova dinâmica
de mobilização dos servidores do Dmae em prol do movimento pré-
sindical de constituição da AMPA (Associação dos Municipários de
Porto Alegre) que mais tarde, fortalecida, se auto converteria no
SIMPA.
Todavia, conforme a democratização avançava, a
conjuntura ia modificando a correlação de forças no movimento
dos servidores. Com a eleição do Prefeito Collares e a ascensão do
PDT ao governo, os quadros militantes do partido naturalmente
foram guindados para cargos da administração do DMAE, e o
Armandinho foi ficando meio sozinho na ASDMAE, uma vez que eu
estava assumindo como presidente da AMPA (antes dela se
transformar no SIMPA), devido ter havido vacância do cargo (O
presidente Rigotti foi ocupar um cargo no governo do Estado com o
Pedro Simon).
Só hoje pude reconstituir esta passagem do final do
mandato do Armandinho na ASDMAE, tamanha era a loucura da
minha entrega pessoal ao movimento naquela época. Naturalmente
ele relembrou um episódio que adora comentar comigo, caso
ocorrido numa assembleia geral dos municipários no Colégio
Rosário, em que deu uma brigalhada e destituíram a mesa diretora
em que ele estava como representante da Asdmae. Quando
literalmente viraram a mesa que ele tentava segurar! Pois agora ele
nos contou que depois daquilo ele havia sido convencido a se filiar
no PDT e posteriormente a se candidatar a vereador pelo partido.
Porém, como mais adiante o então diretor Diretor Geral, Carlos
125
Petersen, resolveu também se candidatar ao cargo de vereador pelo
PDT, aos poucos o Armandinho foi sendo coagido a recuar da sua
candidatura, de tal forma que foi convidado a sair do DMAE para
deixar o campo livre. Foi quando, repentinamente, ficamos sabendo
que o Armandinho tinha sido transferido para o DMLU.
Com o final do mandato do Armandinho começou a
desgraça da ASDMAE, foi a partir da ascensão democrática de um
operário corrupto eleito ao poder, um tal de Arildo. O cara roubou
o que deu tão escancaradamente que teve que pedir demissão e
sair fugido do DMAE. Diz o Armandinho que o Arildo foi visto como
carroceiro posteriormente. Depois disso, a associação dos
servidores do Dmae vem minguando de mão e mão, cada vez mais
depauperada...
Tem males que vêm pra bem, diz o dentista, posto que no
DMLU passou a trabalhar meio turno apenas e, assim, pode
desenvolver o seu consultório particular que, após a sua
aposentadoria, tem sido a sua ocupação principal com grande
clientela. Como empreendedor nato, também desenvolveu duas
casas de geriatria na Cidade Baixa e, aos 68 anos de idade, o
baixinho está muito bem de vida, graças à Deus!
Curioso, citei o caso da mulher do vice-presidente da Dilma,
o Temer que acabou de assumir o cargo aos 70 anos de idade
exibindo sua jovem mulher ex-miss de 28 anos (a Carla Bruni
tupiniquim!), e perguntei brincando se ele estava na mesma onda:
- Quase, a minha mulher tem 33 anos. Mas já estou me separando
hoje!
Todos na sala ficamos abismados:
-Hoje? Por quê? Quer uma mais nova?
- Ela é muito ciumenta!... (caímos na risada!)
O Armadinho é uma Temeridade, o Temer que se cuide.
- Valeu Armandinho!

126
59 - DEMISSÕES A BEM DO SERVIÇO PÚBLICO
Agosto/2010
Essas chuvaradas de verão pelo pais todo, enchentes,
deslizamentos e mortes...Estas inundações no entorno do DMAE
nas ruas Gastão Rhodes e Princesa Isabel fazem a gente ficar com
cara de “abobados da enchente” olhando a chuva pela janela e
relembrando causos...As más línguas sempre comentam que a
carreira de funcionário público é absolutamente estável, que
ninguém vai pra rua, que ninguém é demitido por mais vagabundo
e por mais besteiras que faça. Por vagabundagem, depois do estágio
probatório, realmente nunca vi acontecer nenhuma demissão.
Geralmente os acasos mais problemáticos são os de alcoolistas, que
são classificados como doentes portadores de dependência química
e ficam batendo o ponto e dormindo pelos vestiários. Mas quanto
às besteiras, não é bem assim. Conheço pelo menos dois casos de
“demissão a bem do serviço público”.
Num desses casos, pelo que se soube de boca em boca, o
Geraldão, que trabalhava na seção administrativa da DVA, naquele
verão estava exercendo a chefia da Seção em substituição à Neusa,
que estava em férias. Ocorreu que o seu colega Normando procurou
a chefia substituta para que registrasse na folha ponto daquele mês
determinado número de horas extras, “como de praxe”.
Inocentemente e tentando se preservar de escorregar em possíveis
“cascas de bananas” durante seu breve exercício da chefia, o
Geraldão submeteu o pedido do Normando à aprovação prévia da
diretora da Divisão. Surgia aí o estopim da maior bomba de
“escândalo administrativo” que tive conhecimento em toda a minha
carreira de servidor público, a qual ao ser detonada deixou pelo
menos três vítimas com gravíssimas sequelas para o resto de suas
vidas.
A direção da DVA, que desconhecia a “prática de praxe”, ao
investigar o assunto descobriu que havia um esquema de corrupção
instalado no seu setor administrativo. Aperta daqui, pergunta dali e
revelou-se como mentor do esquema o Alemão Valter (que já fora
chefe do administrativo por muito tempo) e como operadora a
127
Neusa. Ambos eram pessoas muito bem conceituadas por todos: o
Valter era um sujeito empreendedor (numa época sei que teve uma
loja de floricultura e picaretava com vendas de carros usados) e a
Neusa era uma pessoa seríssima e dedicada ao trabalho. O
Normando, que era um auxiliar administrativo, o peão da jogada,
entrou de carona nesta mamata para fazer o serviço sujo, na qual
mamaram os três por muito tempo...até que a teta explodiu como
uma bomba!
O esquema de corrupção consistia em acrescentar cerca de
cem horas extras para cada um na Folha Ponto, após ela ser
assinada pela Direção (que nesta época era exercida pela Engª
Susana), e antes da Folha ser enviada para a Seção de Pagamentos
da DVH. Resultou da instalação de uma Comissão de Sindicância um
relatório que determinou a abertura de um Inquérito
Administrativo, e o inquérito sentenciou a demissão sumária dos
três envolvidos “a bem do serviço público”.
Deu pena de ver, pois eram todos funcionários da velha
guarda, tanto que durante o processo o Valter aposentou-se e,
quando todos pensavam que ele tinha se escapado do castigo, salvo
pelo gongo, teve a sua aposentadoria revogada em decorrência da
sentença de demissão. Ficaram todos desempregados....
O único outro caso semelhante que tive conhecimento foi o
ocorrido com o Engº Bins. Consta que um funcionário desafeto dele
teria documentado com fatos & fotos e denunciado o desvio de
caliças (e outras “coisitas”) de obras do DMAE, desvios que o Bins
fazia para uma obra de sua propriedade. Não soube de maiores
detalhes, mas no final do processo o ex-colega, já careca de tanto
tempo de trabalho, também foi demitido “a bem do serviço
público”. Mas, segundo comentários recentes, parece que o Bins fez
um novo concurso público e estaria prestes a ser readmitido como
engenheiro na Prefeitura de Porto Alegre...Será?...Será que o cara
deu uma de político experto e se demitiu antes de ser cassado do
cargo?...

128
60 - SE FICAR OU CORRER O BICHO PEGA IGUAL?
julho/2010
Ontem houve comemoração com vinho chileno Casillero
Del Diablo (malbec!) e telepizza da Oca de Savóia, alusiva à data de
28 de julho de 2010; com direito a queima de um charuto cubano
Romeo y Julieta, em cujo selo a dedicatória faz homenagem ao
grande acontecimento desta data. No dia de hoje se configura o
direito adquirido da absolvição do jugo do trabalho: data a partir da
qual passo a dispor da minha Carta de Alforria para usá-la no
momento que quiser. Fechei ontem o número cabalístico 95, da
minha idade somada ao meu tempo de serviço, finalmente!
Agora estou definitivamente na reta da bandeirada final de
chegada no Grande Prêmio da Aposentadoria. Recebi a minha
última vantagem de fim de carreira, o meu último “avanço trienal
de 5%” em maio/2010, não restando mais nada o que acrescentar
aos meus vencimentos, só surgem pela frente cada vez mais
ameaças de perdas salariais, as quais não são poucas e vêm de todos
os lados.
Daqui pra frente passo a correr pelo resultado com o
regulamento embaixo do braço, como se diz no futebol, pois já
incorporei todas as vantagens previstas e tenho a minha carta de
alforria guardada na manga como um coringa no jogo de carteado.
Qualquer coisa, se o bicho for muito feio e der pra correr sem que o
bicho pegue, corro que nem o Jalba até o Previmpa e cadastro o
meu pedido de aposentadoria imediatamente!
Recentemente já apareceram bichos bastante feiosos, mas
que não ameaçaram o suficiente para me botar em pânico, mas
quase, como foi a ameaça de corte da insalubridade em decorrência
da implantação do novo laudo da perícia na DVM. Passado o susto
inicial, a racionalidade voltou a imperar e, por enquanto, parece que
tudo serenou sobre esta ameaça de perda salarial às portas da
aposentadoria.
Mas a SMA comunicou em seu informativo online que o
“Comitê de Política Salarial da prefeitura reuniu-se com
representantes do Sindicato dos Municipários de Porto Alegre
129
(Simpa) para nova rodada de conversações. Dentre os temas
tratados, o Simpa mostrou especial preocupação com a ação civil
pública movida pela Promotoria de Defesa do Patrimônio Público da
Capital, sobre o cálculo de concessão das gratificações adicionais e
por regime especial (RTI e RDE) dos servidores municipais de
determinadas autarquias. O governo enfatizou, durante a reunião,
que o tema da ação também é uma preocupação do executivo
municipal. “O governo, através da Procuradoria Geral do Município,
está buscando a defesa jurídica para preservar os vencimentos dos
servidores. A prefeitura foi notificada para prestar informações ao
juiz”.
Quando a gente menos espera, às vezes, surgem os piores
monstros. Como parece ser o caso desta ameaça do “Exterminador
do Efeito Cascata” lançada pelo Ministério Público Estadual, que
considerou irregular o cálculo de gratificações concedidas a
servidores públicos municipais de Porto Alegre. Quebrando em
miúdos, o tal efeito cascata que pretendem exterminar se refere à
incidência do Regime de Dedicação Exclusiva (de 100%) sobre os
avanços adicionais (de 15% e 25%) e às funções gratificadas
incorporadas. Consideram que há vantagens incidindo sobre
vantagens, o que constituiria um efeito cascata. É o anúncio de um
rombo bem maior do que todas as outras ameaças de perdas
anteriores, e ainda é extensiva a todos ativos e inativos. O promotor
também pede a revisão de todos os benefícios já concedidos
anteriormente. É pouco?...
O pior, é que o bicho que estão pintando é do tipo que não
adianta correr para o Previmpa e se esconder no pijama de
aposentado que ele pega igual!...

61 - AEAPOPPA: RELATO DE UMA ELEIÇÃO


Nov/2010
No começo de outubro fomos convocados, em caráter
emergencial, para uma Assembleia Geral da AEAPOPPA (Assoc. dos
Empregados Autárquicos e Pessoal de Obras da Prefeitura de Porto
Alegre), onde se instalou o maior quebra-pau entre o tesoureiro da
130
entidade, que tinha tomado a iniciativa de convocar a assembleia,
e o presidente da entidade, que compareceu acompanhado de uma
advogada para melar o encontro. Depois de meia hora de muita
gritaria, impropérios e empurra-empurra, após várias tentativas de
reinício da reunião, finalmente chegou-se a um acordo: aquilo não
seria mais uma assembleia e sim um “encontro de sócios da
entidade que se reuniram, sem poder de deliberação, para se
informarem do que estava acontecendo na associação”.
Foi só então que recebemos no “Auditório Tatuzão” três
notícias: a notícia ruim, a boa e a péssima. A ruim é que o presidente
havia feito um empréstimo pessoal, usando o nome da associação,
e que por não pagamento foi protestado e levou ao congelamento
das contas bancárias da entidade por determinação da justiça,
impossibilitando até o repasse para a UNIMED! A boa é que o cara
já tinha quitado o débito (que estaria em torno de R$ 80.000,00) e
que já se havia normalizado os repasses para o convênio com o
plano de saúde. E a péssima, é que já estava extinto o mandato da
atual diretoria da AEAPOPPA desde junho, portanto há mais de três
meses, o que caracterizaria uma vacância e uma falta de
legitimidade da atual diretoria, de tal forma que o sistema bancário
estava se negando a operar com os atuais detentores dos cargos
diretivos. Assim, novamente os repasses das contribuições para a
UNIMED estavam ameaçados, e continuariam na corda bamba até
que se realizassem novas eleições para a diretoria da associação, e
até que se tenha uma radiografia da real situação financeira da
entidade (não se descartando a possibilidade de serem encontrados
outros “rombos”).
Sei que no final da tal assembleia que, dos gritos e
empurrões, virou um encontro de colegas, eu estava novamente
metido numa comissão de articulação de um processo eleitoral de
uma associação, depois de conseguir ficar por muitos anos com
abstinência desta cachaça política, eu que fui completamente
viciado nisso.
Mas esta minha dependência química era uma coisa de outra época,
tempo em que havia um idealismo romântico na militância
131
comunitária, sindical ou partidária, uma vaga ilusão de que a
consciência de classe marxista faria a diferença no sentido de que
um mundo melhor seria possível...
Na década de 80, com a visão de unificação combativa da
classe trabalhadora, fui um dos que orquestraram a fusão de duas
associações que congregavam os servidores do DMAE: a ASDMAE
(da qual eu participava do grupo diretivo) & AEAPOPPA. Todavia
prevaleceram os interesses corporativos dos dirigentes da
AEAPOPPA que se perpetuaram.
No início da década de 2000, já como um mero associado,
migrei do quadro social da ASDMAE para o da AEAPOPPA,
juntamente com um grupo de colegas que tinham plano
empresarial de saúde da UNIMED, os quais se mobilizaram para
realizar esta migração, tendo em vista que o convênio ficara
ameaçado pelos descontroles administrativos das novas diretorias
daquela entidade.
Agora, no início da década 2010, os descalabros gerenciais
atingiram também a diretoria da AEAPOPPA, e novamente o grupo
de servidores que possui o plano de saúde da UNIMED teve que se
mobilizar para garantir a continuidade do convênio empresarial
com desconto em folha de pagamento para a associação que
repassa a verba.
Durante as semanas seguintes realizamos reuniões
semanais da comissão, meio que andando em círculos, sem termos
os meios legais estatutários para desencadearmos o processo
eleitoral na AEAPOPPA, e com tendência de parte do grupo para
acionar o Ministério Público visando uma intervenção na entidade.
Em vista da urgência da situação que deixava a associação
praticamente à deriva, avaliei que esta via poderia ser muito
demorada e tomei a iniciativa de chamar o atual presidente para
uma conversa reservada, com o intuito de que ele próprio
estabelecesse o processo eleitoral de acordo com um calendário
que a comissão decidisse... Em troca acenei com uma vaga
possibilidade de saída honrosa para ele deste beco sem saída em
que os corruptos mal sucedidos se metem...
132
Total, depois de estar dentro de um barco que está
afundando, só resta remar numa desesperada tentativa de
alcançarmos terra firme antes do naufrágio se consumar. O pior é
que, depois de tocado o alarme de que está entrando água nos
porões do navio, muitos se agarram na primeira boia que alcançam
e correm pra salvar sua pele o quanto antes. É o que passou a
acontecer, uma vez perdida a credibilidade na gestão da associação
responsável pelo convênio, muitos associados imediatamente
buscaram outra entidade com maior confiabilidade e iniciaram as
tratativas burocráticas para promover a migração dos seus
respectivos planos de saúde. Com isso, por medo de riscos futuros,
estes colegas estavam jogando ao mar vantagens que este nosso
plano tem, especialmente devido à sua antiguidade, vantagens pela
quais avaliei que valia a pena remar contra o naufrágio antes de
abandonar o navio. Ainda assim, mesmo que se consiga realizar a
travessia desta tempestade e estabilizar o rumo da AEAPOPPA, os
danos morais de credibilidade na associação já estão feitos; só
restava apostarmos num processo eleitoral que resultasse numa
composição de chapa que resgate a confiabilidade perdida.
Fomos estão para uma segunda Assembleia Geral,
convocada pelo presidente da AEAPOPPA, para nomeação da
Comissão Eleitoral e aprovação do calendário do processo de
eleição da nova diretoria da entidade; desta vez sem tumultos.
A nossa capacidade de mobilização de pessoal, tanto para a
assembleia quanto para compor os cargos da nominata de uma
chapa para concorrer, continuava muito fraca. Nas reuniões
seguintes da comissão, conforme íamos percebendo que não
adiantava esperar que novos nomes caíssem milagrosamente de
paraquedas do céu para compor a chapa, muito a contragosto
começamos a disponibilizar nossos nomes, mas inicialmente lá na
retaguarda, na suplência do Conselho Fiscal...Depois, antes que me
visse forçado a me comprometer mais ainda, avancei colocando o
meu nome a disposição para o cargo de secretário. Assim, aos
poucos, fomos saindo da retaguarda e assumindo posições na
chapa, na medida que passamos a constituir um grupo interessante,
133
potencialmente forte, posto que bastante plural em suas
concepções e experiências de mundo, mas com uma unidade na
luta: Salvar a AEAPOPPA pelo plano de saúde da UNIMED!
Visto que já havia se inscrito a Chapa 1 da situação,
homologamos a nossa como Chapa 2 na disputa eleitoral, com cerca
de duas semanas de campanha pela frente. Partimos de imediato
para a elaboração de nossas estratégias logísticas, tais como
elaboração de panfletos e de camisetas; bem como de mobilizarmos
via e-mails e telefonemas a nossa principal base de apoio que são
os sócios que têm o convênio da UNIMED. Todavia, conscientes de
que a associação é bem maior do que este universo restrito, que há
vários outros convênios (com lojas, supermercados e farmácias) que
são utilizados por grande parte da base social da AEAPOPPA, base
esta que a chapa oponente se reivindicava única representante,
também partimos para uma campanha corpo-a-corpo em todas as
Divisões do DMAE.
Foi como reviver os velhos tempos, entrar em sala por sala,
pátio por pátio, descobrindo novos recantos e relembrando tantos
outros nunca mais visitados...Confesso que foi uma bela revelação
o candidato a presidente da minha chapa, que encontrou o espaço
aberto para soltar o seu talento de conversar convincentemente
com as pessoas, de forma a fazê-las acreditar que uma solução seria
possível. Eu até comentei com o Antônio da Motta, que ele me fazia
lembrar o tempo que eu andava assessorando o Olívio Dutra na
campanha nos idos de 1982, em que eu tinha que puxar o candidato
pelo braço para podermos cumprir a agenda que tínhamos pela
frente...
No final, a nossa chapa denominada Chapa Renovação,
paradoxalmente composta em sua maioria por homens de cabelos
brancos e mulheres experientes, chegou fortalecida na eleição
realizada no dia 26/Nov/2010 e acreditando na vitória. Claro que
restou algum medinho de que começasse a chegar caminhões com
levas de operários, com a cabeça feita para votarem em defesa dos
convênios, já que a grande plataforma da Chapa 1 foi difundir o
susto inverídico de que íamos acabar com os convênios com as lojas.
134
Transcorrido o dia da votação, num chove-não-molha que ia
do nebuloso ao sol aberto, dia feito de contatos para fazermos com
que os eleitores se deslocassem até a urna na sede da associação
(onde pela primeira vez na sua história se fez fila de votantes), ao
final da tarde chegou o grande momento da verdade, o da apuração
dos votos.
Com um público recorde que atingiu a participação de 35%!
dos associados, o escrutínio dos 225 votos depositados na urna
consagrou 46 votos para a Chapa 1 (20%) e 179 votos para a Chapa
2 - Renovação (80%), nos dando uma avassaladora VITÓRIA!!!!!!!!...
Contudo, passadas as comemorações pela conquista desta
vitória democrática, num processo que acabou por fortalecer a
própria associação, pois conseguiu despertar seu corpo social do
torpor alienante da inércia, principalmente por ter havido duas
chapas e uma disputa construtiva entre elas (Com as nossas
congratulações aos colegas da Chapa 1!), é hora do mais difícil: de
arregaçarmos as mangas para mudarmos a realidade!
Assim, cerca de dois meses após aquele dia em que fui
ingenuamente participar de uma Assembleia que virou reunião de
colegas, estou comprometido com um mandato de quatro anos
como secretário de uma diretoria de uma entidade de classe, isto às
vésperas da minha aposentadoria...Eu que pensei que ia sair ileso,
livre e solto...

62 - O TOCADOR DE VIOLINO DA MANUTENÇÃO

Uma figura que se tornou folclórica no imaginário do


pessoal da manutenção foi o professor Cattini, que ministrou cursos
de gerenciamento de manutenção para as chefias da DVM, lá pelos
remotos anos noventa. Durante as aulas ele costumava fazer
perguntas a um aluno aleatoriamente e, conforme o cara respondia,
o professor fazia gestos de que estaria tocando violino...Com isto
ele queria dizer que a resposta dada era um “solo de violino”, o que
pra ele significava a popular “enrolação”, modernamente conhecida
como “enrolação”.
135
Assim a expressão “tocar um violino” ficou consagrada na
manutenção, sendo usada quando se quer elaborar ou responder
algum parecer “espinhoso”, daqueles que é preciso dizer algo
contundente sem deixar escrito mais do que o estritamente
essencial para não melindrar nem se complicar.
Devido a esta minha vocação literária reprimida de escritor
(que estou aproveitando para “soltar a franga literária” neste blog),
cada vez mais fui assumindo esta função de “tocador de violino”, ou
seja, de escrever textos por encomenda quando surgiam pepinos de
grande porte que a manutenção precisava levantar a bola ou
responder matando a jogada. Assim, acabei me tornando o tocador
de violino oficial da DVM.
Esta semana caiu na minha mesa a encomenda de elaborar
um texto para responder aos questionamentos da Ouvidoria da
Prefeitura, em função de que um grupo de funcionários da DVM
teria procurado refúgio lá, em defesa de suas vantagens que
julgavam ameaçadas pelas reestruturações operacionais que estão
sendo implantadas na Manutenção. Foi somente então, buscando
me municiar de argumentos para elaborar a minha tocata de
violino, que fui informado das pendengas que estavam rolando
entre o “pátio” e os “gestores”; já que não estou mais na linha de
frente de chefiar pessoal e sim na retaguarda como uma assessoria
técnica. Sabia apenas que estava em andamento uma
reestruturação nos regimes de turnos de trabalho (que pretendia a
extinção do regime de turnos diurnos de 12hs de trabalho por 36hs
de folga) e na composição das equipes de manutenção (tanto
elétrica quanto mecânica) que passariam a ser mistas, ou seja,
eletromecânicas.
A minha sinfônica violinística para a ouvidoria informava
que houve a criação de uma comissão reunindo servidores da DVM,
da Divisão de Recursos Humanos, da Diretoria Geral e da
Consultoria Jurídica para a reestruturação dos regimes de horário
de trabalho, visando melhor atender a população de Porto Alegre.
Que a referida comissão reunida com representante do SIMPA
decidiu que vão ser mantidas dez equipes em regime de turnos
136
12x36h de trabalho, sendo que oito equipes diurnas e duas
noturnas. Seis das equipes diurnas em regime de turnos terão uma
composição mista (eletricistas e mecânicos), e duas equipes serão
constituídas genuinamente para serviços elétricos de alta e baixa
tensão. Em regime de Trabalho Integral normal trabalharão seis
equipes, sendo quatro equipes de composição mistas para
atenderem preferentemente as Estações de Tratamento de Água
(ETAs), e duas equipes constituídas genuinamente para serviços de
mecânica pesada.
Concluo a tocada de violino sugerindo que a Ouvidoria pode
depreender que a reclamatória apresentada pelos servidores
resulta sendo uma precipitação compreensível, provocada pela
ansiedade deles verem seus paradigmas de trabalho sendo objeto
de um estudo de reestruturação operacional. Todavia, o
procedimento de sucessivas rodadas de discussões tem mostrado
que a questão está evoluindo em conjunto com o sindicato para um
projeto coletivo de melhoria contínua dos serviços de manutenção
prestados pelos profissionais da DVM.
Mas cá entre nós, o resumo da história contada no popular
e na perspectiva de um ex-sindicalista, é que como o pessoal que
trabalha em turnos diurnos, em regime de 12x36, trabalha um dia e
folga o dia seguinte, eles se tornaram biscateiros nos dias de folga e
reforçaram assim significativamente a renda familiar. Havia, pois,
dois bodes mal quistos colocados na reestruturação da DVM: o da
extinção dos turnos diurnos e o de misturar elétrica com mecânica
em turmas mistas que atendam qualquer tipo de serviço. O bode
das turmas mistas já vem de longa data sendo apregoado e
rejeitado pelo pessoal, os quais se articulam por pavilhões no pátio
em defesa de seus interesses. De longe o bode dos turnos é com
certeza o que mais federia se fosse mexido. Uma vez pressionados
por duas proposições indesejáveis, as lideranças forçaram uma
abertura de negociação, tencionaram por todas as frentes possíveis,
a sindical e inclusive a da Ouvidoria, e acabaram aceitando o bode
das equipes mistas para evitar o mal maior, o fedorento bode da
extinção dos turnos diurnos (das 8hs às 20hs).
137
A tradição de mobilização dos funcionários da DVM é
notória e conhecida. Modéstia à parte, mas tem um pouco da minha
contribuição nesta consciência de classe e espírito de luta coletiva,
devido ao tempo em que eu atuava na militância sindical tendo
como base o chão de fábrica da manutenção. Vários diretores da
DVM já ficaram com profundas olheiras tentando articular com o
pátio e os pavilhões certas medidas antipáticas que precisavam
implantar e, alguns, acabaram caindo do cargo nocauteados pelo
movimento das massas, tal como eu próprio...É, eu já provei do meu
próprio veneno!

63 - MINHAS FILHAS GANHARAM BOLSAS DE ESTUDO DO DMAE

Trato aqui de resgatar um episódio pitoresco, em que o


colega Valdir Flores mostrou toda a sua versatilidade e conquistou
de vez a minha terna consideração. Trata-se do Causo das Bolsas de
Estudo do DMAE ocorrido no ano de 2001, quando os funcionários
foram surpreendidos, às vésperas do período de matrícula das
escolas de Ensino Fundamental e Médio. Na ocasião receberam um
comunicado da Administração Popular, grampeado ao
contracheque de outubro, de que havia um pacote de alterações
dos critérios de concessão do Auxílio de Bolsas de Estudos através
da Instrução DG 295/01.
Naturalmente, os colegas pais e também os estudantes, que
viam suas vidas serem desorganizadas sem a menor parcimônia e
consideração, se organizaram num movimento legítimo e
espontâneo de reação e tentativa desesperada de reverter esta
decisão. Foi assim que, numa assembleia chamada pelas
Administração para tentar acalmar o “burburinho” da massa se
agitando, com a presença de mais de 100 funcionários, foram
apontados pelos servidores os inúmeros equívocos contidos na
resolução, tais como:
-A precipitação truculenta de implantação de modificações radicais
sem o mínimo prazo de preparação psicológica e material das

138
pessoas, que possivelmente teriam que mudar imediatamente de
colégio seus filhos;
-A limitação de inscrição de apenas dois filhos como beneficiários
(os pais teriam que escolher quais dos seus filhos seriam excluídos);
- O Critério de Sorteio de Bolsas Integrais até o final do curso do
dependente, foi o ponto no qual a assembleia dos servidores
decidiu concentrar a sua rejeição, por considerá-lo excludente, uma
vez que reduzia em mais de 50% o número de beneficiários por ser
um critério que dava tudo para poucos e nada para muitos.
Por ocasião dessa assembleia, da qual a Administração se
retirou no meio, depois de se ver veementemente contestada, os
servidores assumiram o comando da reunião e constituíram uma
Comissão de Representantes dos Funcionários (composta por Valdir
Flores/DVO, Silvia Fabbrin/COJ, Antônio Coelho/DVI, Magda
Granata/DVO, Dione Borges/DVR, Denise Regina/DVR, Maria de
Fátima Rodrigues/DVH, Mara Lúcia Diel/SVG, Eduardo Dias/COJ,
Iara Morandi/DVP e Marco Guimarães e eu pela DVM). A Comissão
buscou, inutilmente, por vários dias estabelecer um canal de
comunicação, até conseguir arrombar uma brecha diretamente no
Gabinete do Diretor Geral, através de um ”Ato Público” (com
cartazes e pirulitos) realizado nos Jardins da ETA Moinhos de Vento.
Durante a evolução deste movimento foi se destacando a
liderança carismática do colega Valdir Flores, e se revelando a sua
talentosa capacidade oratória de se comunicar com a multidão
reunida, o qual acabou assumindo naturalmente a coordenação
daquela luta; enquanto eu passei a funcionar como uma espécie de
consultor de estratégias de ação do movimento, devido à minha
larga experiência sindical.
O Diretor Geral, após finalmente se dignar a ouvir a nossa
reivindicação de que a Instrução fosse suspensa para se estudar
formas alternativas de “rateios” aos invés do critério de “sorteios”,
delegou ao Superintendente Administrativo, na época o todo
poderoso Ricardo Collar (que havia sido cogitado para ser o DG do
DMAE, e acabou ficando apenas no segundo escalão do poder), para
fazer as tratativas e discussões com os funcionários.
139
Em reuniões manipuladas em que a Administração insistia
em pautar a discussão dos “Procedimentos Operacionais do Sorteio
das Bolsas”, enquanto em vão a Comissão de Representantes
sugeria a discussão de um “Rateio Escalonado” por faixas salariais,
esgotou-se todas as alternativas de se romper com a intransigência
da Superintendência Administrava (incluída a DVH do Júlio
Abrantes). Resultou que a Administração publicou o Regulamento
do Sorteio com ostensiva prepotência, inclusive posteriormente ao
período de inscrições dos candidatos ao benefício, e com alterações
(para pior) dos critérios estabelecidos na Instrução, restringindo
para apenas a “faixa 1” a concessão de bolsa integral até a conclusão
do respectivo nível de ensino (Infantil, Fundamental e Médio).
A Administração Popular seguiu atropelando todos como
um tanque de guerra, desenvolvendo uma repressão ao movimento
contestatório, através de proibição expressa para que as chefias não
permitissem que funcionários participassem de reuniões sobre as
bolsas de estudos. Espalharam tamanha onda de terror e medo que
conseguiram esvaziar o movimento. Lembro que eu fiquei
tristemente impressionado de como a esquerda era mais eficiente
na repressão aos movimentos dos trabalhadores do que toda a
nossa longa experiência anterior durante a luta pela
democratização do país no período do final da ditadura já
agonizante. Só nos restou publicar uma “Carta Aberta aos
Funcionários”, denunciando todas as arbitrariedades ocorridas no
processo e assimilar o refluxo do movimento.
Confesso que entrei meio de gaiato nesta peleja, pois na
verdade eu queria protestar era contra a extinção da minha bolsa
de estudo na PUC do curso de Jornalismo. Até então, antes deste
tumulto todo, as minhas filhas estudavam em escolas particulares,
mas não conveniadas com as bolsas de estudo do DMAE. Eu preferia
pagar e poder escolher livremente a escola do que ficar
condicionado por uma pequena ajuda de custo oferecida pelo
Departamento até então. Mas, com a proposição da Administração
de oferecer “bolsas de estudo integral e até o final do Curso
Fundamental”, resolvi concorrer na loteria deste verdadeiro
140
“prêmio da sorte grande”, inscrevendo as minhas filhas para se
candidatarem às vagas de bolsas na caríssima e ótima Escola João
XXIII.
O pitoresco é que no famigerado sorteio, nós que éramos
radicalmente contra ele, por ser um critério que dava tudo para
poucos e nada para muitos, fomos sorteados: o Valdir com uma e
eu com duas bolsas, e as nossas mulheres, as Magdas, também
foram sorteadas com uma bolsa cada uma...Provamos que
estávamos certos ficando com tudo entre poucos!
A batalha não acabou por aí, ocorreu que no regulamento
do sorteio, escrito em cima da perna com a soberba de “manda
quem pode e obedece quem precisa”, foi determinado que o Ensino
Fundamental seria dividido em dois sub-níveis: da primeira à quinta
série e da sexta à oitava série. Assim, segundo o entendimento da
Administração, as bolsas sorteadas seriam integrais até o final de
cada um destes sub-níveis, mas apenas para os servidores da faixa
salarial mais baixa. Para os demais níveis haveria novos sorteios
todos os anos, o que significava ficar sujeito à tortura de trocar as
crianças de colégio a cada ano!
A minha guria menor entrou na primeira série e a maior na
quinta série na nova escola por força do famigerado sorteio, mas foi
preciso que recorrêssemos à justiça para garantir o que estava
determinado na IDG295/01, ou seja, que a bolsa seria integral até o
final do Curso de Ensino Fundamental para os servidores de todas
as faixas salariais. O fato é que somente através da IDG301
publicada em outubro/2002 é que foi modificada a redação da
instrução anterior, restringindo para apenas a “faixa 1” a bolsa
integral até a conclusão do nível de ensino, subdividindo o Ensino
Fundamental em dois sub-níveis (portanto, válida para os novos
sorteados!).
A primeira vitória foi a conquista de uma “liminar judicial”
e, por fim, a sentença nos dando ganho pelo mérito da causa, com
a qual garantimos o benefício do “grande prêmio” que ganhamos
no sorteio: por praticamente toda a vida escolar as minhas filhas
tiveram literalmente a “sorte” de estudarem numa boa escola que
141
não teriam acesso se não fosse através das bolsas de estudo do
DMAE.

64 - OS CAMPEÕES DE TUDO
08/2010
Na entrega da Taça Libertadores da América 2010 ao
campeão, realizada ao final do jogo em que o Inter venceu por 3x2
ao time Chivas do México no estádio da Beira Rio (Já pensou mudar
o nome para Estádio Beira Lago? – Nem pensar!), as medalhas
foram colocadas no peito dos atletas colorados e a taça foi entregue
ao capitão da equipe pelo lendário Pelé, que se apresentou trajando
um vistoso paletó vermelho em homenagem aos “campeões de
tudo”.
Guardadas as devidas proporções, igualmente na entrega
de premiação do Campeonato de Futebol Sete do Dmae 2010,
Categoria Máster, realizada no campo de futebol sete do SESC, as
medalhas foram colocadas no peito dos atletas do time da DVM e
as taças de “campeões de tudo” foram entregues ao capitão da
equipe pelo lendário ex-jogador Emerson, que foi da seleção
brasileira em duas Copas do Mundo(1998 e 2006) e pelo Grêmio foi
campeão da Libertadores de 1995 e do Campeonato Brasileiro de
1996.
A DVM foi a “campeão de tudo” no campeonato porque,
além de ganhar a Taça de Campeão, também conquistou a Taça de
Goleador (Américo) e a Taça de Goleiro Menos Vasado (Ederson). A
vida é assim mesmo, enquanto o Pelé recebe cachê milionário para
ser o mestre de cerimônia no estádio lotado e televisionado para o
mundo todo, o Emerson faz os seus biscates por cachês bem
menores e em competições com menor repercussão na mídia.

65 - A GRANDE FAMÍLIA: PAIS & FILHOS & CASAIS NO DMAE

Certa vez o Engº Souto, então Superintendente de


Operações, disse que a DVM se caracterizava por ser o único lugar
do DMAE onde os funcionários praticamente não mudam de local
142
de trabalho ao longo de toda a vida profissional. Constituem uma
vivência familiar, pois as mesmas pessoas acabam convivendo por
décadas consecutivas, devido às especificidades técnicas dos ofícios
e cargos que só existem na Manutenção. Naturalmente que, como
todas as famílias, na DVM tem as suas brigas e intrigas, seus causos
folclóricos e grandes gestos de companheirismo e solidariedade que
constituem a memória coletiva do grupo funcional da manutenção,
cuja memória coletiva tenho procurado resgatar através das
crônicas deste blog.
Analogamente costuma-se dizer que o Dmae é uma grande
família. Refletindo sobre a sacada do tema, constatei que além
desta vertente da convivência prolongada, mais duas contribuições
sociológicas confirmam literalmente esta tese de Grande Família do
Dmae. Uma trata-se do fenômeno do trabalho simultâneo de pais &
filhos e a outra o casamento entre colegas.
Para melhor visualizar quantitativamente esta realidade
sociológica de “família do ambiente de trabalho”, resolvi listar
todos os casos e achei impressionante a grande quantidade de “pais
& filhos” que trabalharam na DVM. Vejam vocês os seguintes casos
de filhos & pais respectivamente: o Neblina é filho do Oswaldo
Cerração, o Lazzarin Lobão é filho do Sady Raposão, o Daniel é filho
da Eny Pinóquio, o Isaias e o Eliseu são filhos do Pedro Amiguinho,
o Reis e o Luis Olavo são filhos da Olavo Marrequinha, o Adriano é
filho do Paulo Chatinho, o César Amarelinho é filho do Nelson
Shunck, o Marco Cadela é filho do Fernando Manjerona (e sobrinho
do Ernani, ex-Conservação), o Werner Fiapo é filho do Olírio
Liquinho...
Ainda tem mais os casos de filhos de pais de outras divisões
do Dmae, tais como os numerosos irmãos Jorge Cafu, Aurélio
Charuto, Victor (irmãos da Bela da DVA) que são filhos do Getúlio
(falecido boêmio e tocador de cavaquinho da DVA); tem também o
Fernando e o seu irmão Cláudio da DVL, os quais são tios da Ruth
da DVO e são filhos do Luis Ouriques (falecido desenhista que criou
o logotipo oficial do Dmae). Assim, fica registrado nos anais que a
história da Divisão de Manutenção de Equipamentos Operacionais
143
do Dmae foi construída por gerações de trabalhadores que
literalmente passaram de pai para filho a continuidade desta obra
familiar.
Mas esta ocorrência de “pais & filhos”, se considerada no
âmbito de todo o DMAE, incluindo “pais & mães para filhos &
filhas”, é muitíssimo maior e se constitui numa realidade que nem
temos a real dimensão. Todavia podemos iniciar aqui um processo
interativo de enumeração dos casos conhecidos para também
constarem nos anais da história do Dmae. Começando com o caso
dos Lidsons (Lidson pai & Lidson filho) em que a mãe Janete
também é dmaeana, seguindo com a Rosana e Raul filhos do
aposentado Rui Pacheco, a Elisa Lautert filha da Ingrid, o Jalba que
é filho do Ébio da Rosa que até já virou nome de reservatório do
Dmae, o Eduardo que é filho do Antônio Barros Northefleet; tem
também o filho do Coelho aposentado que é o Coelho da DVL (filho
de coelho, coelho é!)....
Na época da postagem original desta crônica de “pais &
filhos”, em 2010, que estou fazendo um remake aqui para juntar
com o tema dos “casais dmaeanos”, uma mensagem da Rosana
Oliveira da Rosa informou que o seu irmão (Raul) que é mestre de
obras, também é funcionário há 18 anos. Ela contribuiu mais com
mais os seguintes “pais & filhos & irmãos”: A familia Mackenzie que
é grande, o pai Seu Pedro é aposentado e os filhos são o Jorge
Renato e o Pedro Sergio (ambos Mestre de Obras), mais o Paulo
(leiturista) e o João Alexandre (DVC). O mestre de obras Adroaldo
também é aposentado e os seus filhos são Cláudio (continuo DG ou
COJ) e tem outro que é guarda municipal do Dmae. O André Monks
tem o pai Luiz Alberto (DVI). Tem o Zé (Guarda) que o pai é
aposentado. Tem o João Reus (Repavi) que o pai é é o aposentado
seu Inocêncio. Tem muito mais, conforme eu vou lembrando eu me
manifesto...(Valeu, Rosana!)
Esta característica de Grande Família do corpo funcional do
Dmae não só vem de pais para filhos trabalhando simultaneamente
na autarquia, como também se forma pelo viés dos casais de
namorados que se formam no ambiente de trabalho. Eu próprio,
144
quando exercia a atividade de chefiar a Repavimentação, de tanto
dar em cima dos fiscais exigindo desempenho e eficiência no tapa
buracos do Dmae pela cidade, acabei “assediando” a ruiva fiscal da
Distrital Centro, e apaixonadamente a assumi como minha mulher.
Desde então temos sido felizes para sempre, pois foi uma
repavimentação bem feita que não deu refazer.
Estas predestinações escritas nos mapas astrológicos, como
o encontro de Celso e Magda, há em dezenas de outros casais
predestinados que se formaram e se juramentaram nos altares,
confessionários e sacristias pagãs do ambiente de trabalho, sob às
bênçãos do “São Dmae Casamenteiro”, tais como: Elizete e Roberto,
Valdir e Magda, Milton e Maria, Rosana e Luiz, Aloma e Darci, Melo
e Carla, Marcos e Jovanes, Marisa e Alexandre, Edison e Paula, Ester
e Prado, Ana e André, Mainieri e Geneci, Tupi e Vera, Leontina e
Antônio, Carla Altério e André, Carla Rodrigues e Jorge, Marjorie e
Henrique, Tavanielo e Fantinel...
Como esta lista é de uma postagem feita alguns anos atrás,
é bem possível que alguns desses casais já estejam desfeitos, bem
como deve haver tantos outros novos casais já tenham se formado
neste período...

66 - CORAL & CURTAS NO DMAE


Dezembro/2010
O mês de dezembro é festa e festa! Na DVM coincide a
confraternização natalina com a comemoração do aniversário da
Eng.ª Catarina que, neste ano, foi desmembrado com um almoço na
Galeteria Bella Mamma e um bolo de tarde, simplificadamente.
Mas no âmbito do DMAE, é preciso que se reconheça, à
parte as diferenças ideológicas, que as confraternizações tem sido
uma característica bem elaborada da atual administração. Eu
mesmo, que não costumava frequentar estes atividades sociais
coorporativas, dado a minha atual situação pré-nostálgica de
“aposentaNdo”, venho me propondo a prestigiar tais eventos como
uma forma de vivenciar mais intensamente estes últimos meses de
convivência entre os colegas do DMAE.
145
Foi neste espírito que me fantasiei de gaúcho (de
bombacha, alpargatas e lenço vermelho no pescoço) e fui comer um
carreteiro e bailar no CTG da Azenha (onde fiz fiasco: dancei meia
música com a Vanilda e outra meia música com a Malvina e,
cansado, deixei-a no meio do salão!). Nesta onda de participar de
tudo, quase fui no jantar sofisticado que o DMAE promoveu de final
de ano na sede do Clube Sogipa, cheguei a comprar os ingressos e
tudo, mas com que roupa que eu vou?...
A meu ver, o que tem sido um diferencial interessante,
depois do sucesso da Ginástica Laboral já comentado aqui, são os
eventos promovidos no âmbito cultural. O Coral do DMAE, por
exemplo, é um salto definitivo na qualificação artística dos
funcionários, é um golaço de placa! Eu já assisti ao coral cantando
numa atividade dentro do pátio da DVM: é emocionante ver aquelas
caras manjadas, que jamais imaginarias fazendo aquilo, soltando a
voz com talento e técnica. E saber que estão quase
profissionalizados, fazendo shows pela cidade, não é o máximo? Eu
não fui assistir, mas fiquei encantado com as imagens que
produziram sobre o “Show Natalino em comemoração ao
aniversário do DMAE”, realizado à noite nos Jardins do Moinhos de
Ventos. Beleza pura!
Outra atividade que resolvi conferir, antes de me aposentar,
é o “Ciclo de Cinemas – Curtas ao meio dia no DMAE”. Criado em
2007, com o objetivo de proporcionar uma melhoria na qualidade
de vida dos servidores por meio da cultura e do entretenimento no
horário do intervalo (quando sabidamente prolifera a prática do
alcoolismo!). Programado com uma sessão mensal em locais
itinerantes, fui assistir à sessão de cinema de dezembro que se
realizou na região da Princesa Isabel.
Confesso que, apesar de achar uma ideia genial, não
acreditava que funcionaria devido aos contratempos inerentes do
horário do meio dia; achava que para conciliar teria que abdicar do
almoço. Por via das dúvidas tratei de me informar previamente com
a colega Sílvia Fabbrin, que está na coordenação do evento. Grande

146
foi a minha surpresa ao saber que eram distribuídos cachorros
quentes com refrigerantes durante as sessões!
- Quantos cachorros quentes para cada um? – Indaguei, guloso.
- Até agora não tem havido reclamações, todos têm comido à
vontade. Respondeu a Sílvia.
- Então tá, que bom, resolvido o problema do rango vou assistir.
E fui meio temeroso pela minha fome canina habitual no
almoço. Fui no dia 17 de dezembro/2010 no Auditório da CNL, cuja
programação era de passar dois filmes baseados em textos do livro
de contos “Mistérios de Porto Alegre” do Moacyr Scliar (Hotel dos
Corações Solitários e Aventuras no Carnaval); além de um
documentário bem-humorado sobre o Twitter, a nova coqueluche
de relacionamentos virtuais na Internet.
A boa qualidade dos filmes dispensa comentários, pois os
dois primeiros foram produzidos pela RBS-TV, no padrão global de
produção, mas na linguagem irreverente própria dos curtas, que são
contos cinematográficos. Gostei muito dos personagens solitários
do Hotel do Scliar.
Além do programado, passou o curta Os Batedores, que são
jovens vagabundos batedores de carteira do centro de Porto Alegre,
excelente Curta!
A programação inicial previa que após a projeção dos filmes
haveria um debate com Goida e André, críticos e membros do Clube
de Cinema de Porto Alegre. Mas, com a inclusão de um filme extra,
o tempo ficou curto para tantos curtas, e acabou ultrapassando o
horário do meio-dia, que vai até as 13h30m. Foi bom e ao mesmo
tempo foi uma pena, pois foi ótimo ver o filme extra e foi uma pena
não ter dado tempo para o debate com quem entende da matéria.
Fica pra próxima vez, fiquei com o gostinho de “quero mais”!
O evento “Curtas ao meio dia no DMAE” é um sucesso
também de público, o auditório estava completamente lotado (com
mais de 50 pessoas), e o esquema todo montado pela DVH
funcionou perfeitamente bem, disponibilizando inclusive
transporte para o local do evento. Eu que sou um crítico ferrenho,

147
desde sempre, das práticas teóricas dos recursos humanos, tenho
que aplaudir estas duas iniciativas: Coral & Curtas no DMAE.
Quanto à minha fome canina? – Ficou completamente
saciada! Comi vários cachorrinhos gostosíssimos e, realmente,
todos comeram à vontade e continuou sem haver reclamações.
Valeu mesmo, não deixem de curtir a temporada 2011 do Ciclo de
Cinemas – Curtas ao meio dia!

67 - CURTA: OS SOBREVIVENTES DA GARGANTA DO DIABO

Ontem foi meu dia de celebridade, tive os meus “cinco


minutos de fama”, que é o tempo de duração do filme curta
metragem que produzi para ser apresentado na programação do
Curtas ao meio dia no DMAE. Trata-se de uma iniciativa que convida
os funcionários a participarem das comemorações dos 50 anos do
DMAE, através da produção de um curta. Aconteceu do nosso curta,
Os Sobreviventes da Garganta do Diabo, ter sido o primeiro a ser
apresentado nesta modalidade e foi exibido antes do filme oficial da
programação. Foi neste clima de tapete vermelho que sorridente
bati a foto de “nós, os cineastas”: Pedro Zimmermann, Goida e eu!
Pedro Zimmermann, premiado roteirista e diretor
cinematográfico de longas e curtas metragens gaúchos, prestigiou o
evento e propiciou um debate sobre o seu emocionante curta Mapa
Mundi, que tem como protagonista nada menos que Walmor
Chagas, que é feito vinho, quanto mais velho melhor. Também
prestigiou o evento o Goida, que é um contagiante cinéfilo, sujeito
que fez crítica cinematográfica por várias gerações através das
colunas dos jornais portoalegrenses. Durante 36 anos foi o titular de
cinema de Zero Hora, além de ter atuado no Jornal do Comércio e
acumulou prêmios regionais e nacionais. Esteve à frente da
Comissão Organizadora do Festival de Cinema de Gramado ao longo
de 29 anos, entre 1976 e 2005.
Os Sobreviventes da Garganta do Diabo, é um curta
documentário que narra um acontecimento verídico, contado e
interpretado pelos próprios sobreviventes, que produzimos
148
amadoramente filmando na máquina de fotografia Sony de 7.2
megapixels da DVM e editado no programa Movie Maker da
Microsoft. Contudo, o filme agradou ao público pela surpreendente
naturalidade e realismo quase fantástico com que o ator-narrador
(o Walmor Chagas da DVM!) conta um acidente de trabalho, dos
tantos a que estão sujeitos os funcionários da manutenção de
equipamentos pelos porões das hidráulicas e pelas subestações do
DMAE.
Depois do sucesso desta estreia de sala lotada, você
também poderá assistir ao nosso curta no You Tube buscando pelo
nome.

Making off do curta Os Sobreviventes da Garganta do Diabo


Tempos atrás aconteceu mais um acidente de trabalho com
o nosso pessoal, dos tantos que já tomei conhecimento durante a
minha longa vivência na manutenção de equipamentos do Dmae,
alguns até fatais. Mas a forma detalhadamente emocionante como
um dos sobreviventes contava o episódio dramático me chamou a
atenção e me levou a tomar a iniciativa de gravar em áudio o seu
relato. Posteriormente, percebendo o potencial literário do
material que tinha nas mãos, pensei em editar esta matéria prima
de alguma maneira para aproveitá-la futuramente.
Pois bem, com o advento do blog Diário de Um
AposentaNdo, a ideia que me veio foi de disponibilizar o áudio do
sobrevivente Marco Cadela (nome real e apelido do protagonista da
história) através de um link no blog, a exemplo do que já havia feito
com coleções de fotografias e até com os clipes que produzi do
show que assisti do Paul McCartney. Todavia, depois de muito
pesquisar, não encontrei o procedimento para se postar apenas o
áudio, uma coisa simples que, no entanto, não é possível nem no
Youtube nem no Picasa.
Diante do impasse, decidi produzir um filmezinho no
programa Movie Maker, fazendo rodar as coleções de fotos do
DMAE e da DVM, enquanto o narrador contava suas peripécias de
como sobreviveu na Garganta do Diabo ao acidente de trabalho que
149
quase o matou afogado. Beleza, mas deu um trabalhão imenso, pois
a narrativa tinha cerca de meia hora de duração. Depois de semanas
trabalhando no projeto durante as noites de folga dos
compromissos familiares, finalmente a coisa se aprontou e fiz o
upload para o Youtube, função na qual o computador ficou a noite
toda rodando. Na manhã seguinte, ansioso para dispor do link de
acesso ao clipe, o Youtube informava na tela que o arquivo tinha
sido excluído por ser muito longo, estava com 1GB!
Tudo bem, não desisti. Resolvi editar o arquivo dividido em
duas partes, mais um trabalhão medonho, e tentei novamente
colocar no Youtube. Mesmo assim o arquivo foi rejeitado por ser
muito longo. Então desisti, pois não daria para ir esquartejando
infinitamente a gravação do áudio. Já havia me conformado em não
disponibilizar na internet o material e apenas fazer uma cópia num
DVD do clipe de meia hora com as fotos, para o narrador e eu
guardarmos de lembrança.
Mas eis que, inesperadamente, surgiu a convocatória para
que os servidores produzissem filmes de curta metragem para
serem passados na programação oficial dos “Curtas no Dmae ao 1/2
dia”, como uma atividade especial em comemoração aos 50 anos do
Departamento. Não tive dúvidas, era a chance de eu desengavetar
aquele projeto dos Sobreviventes da Manutenção.
A solução era gravar novamente, agora com áudio e vídeo,
uma versão mais compacta da narrativa, para obedecer o
regulamento de que os “curtas” podem ter no máximo cinco
minutos de duração. Pensei em fazer a filmagem seguindo um
roteiro mínimo: Somos uns sobreviventes, vem comigo que te
mostro o porquê – Deslocamento até o local do acidente (de
lambuja o diretor faz uma aparição relâmpago à la Hitchcock) –
Ambientação das condições de risco no trabalho de manutenção
nos porões do DMAE e o relato do acidente.
Ocorreu que, sem estar previsto no script, o roteiro foi
muito enriquecido pela coincidência de encontrarmos no local o
“anjo da guarda” que salvou os sobreviventes e que completou o
relato confirmando a dramaticidade da situação em que se viu
150
envolvido e que, por instinto de humanidade, teve os ímpetos
adequados para agir como salva-vidas.
O título inicial do curta no roteiro era Os Sobreviventes da
Manutenção, fazendo uma referência a que provavelmente a
maioria do pessoal da DVM tenha vivenciado algum episódio grave
de risco de acidente de trabalho, como eu próprio que já relatei
aqui meus cagaços mais sérios. No fundo, somos todos veteranos
sobreviventes da guerra diária do ofício de manutenção dos
equipamentos operacionais do DMAE: o show da água nas torneiras
da população não pode parar!
No final, até o nome do filme foi alterado quando, na edição
das cenas gravadas, percebi que o próprio Marco já tinha proposto
um título muito mais impactante em seu relato, ao dizer que
pretendia escrever com tinta amarela naquele local: Garganta do
Diabo.
- Valeu Marco Bicca, sobrevivente ator revelação; cada diretor de
cinema tem o Walmor Chagas que merece!

68 - RELÓGIO PONTO ELETRÔNICO

O Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) expediu portaria


polêmica que disciplina o ponto eletrônico, exigindo que os
aparelhos Registradores de Ponto emitam comprovantes, elemento
considerado indispensável pra garantir a segurança jurídica e a
bilateralidade nas relações de emprego, para coibir a grande
sonegação de horas extras. O Ministério rebate como
improcedentes as reclamações de que o tempo gasto na impressão
do comprovante provocaria filas demoradas no ponto, e que o
registrador eletrônico representaria um alto custo para as
empresas.
É a mesma problemática de falta de transparência e da
impossibilidade de fiscalização das urnas eleitorais eletrônicas, das
quais o Brasil tanto se orgulha de ser o pioneiro. Não é à toa que
nem os norte-americanos, que notoriamente estão vários anos-luz
na nossa frente em informática, aderem a tal sistemática e
151
preferem o método tradicional de contar voto por voto de papel,
pois que possibilita o pedido de “recontagem”. Num teste de
inviolabilidade, um grupo de estudantes da UnB (Universidade de
Brasília) conseguiu invadir a urna brasileira e mapear a sequência
dos votos registrados na votação simulada, conseguindo determinar
quem votou em quem, e quando, o que é muito preocupante.
Todavia, a implantação do ponto eletrônico no DMAE, que
já estava bem adiantada, com dezenas de relógios registradores de
ponto “biométricos” (por impressão digital) instalados nos diversos
locais de trabalho, fracassou bem antes desta portaria do Ministério
do Trabalho decretar sua obsolência (dizem que por incompetência
da empresa contratada para implantar o serviço, cujo contrato teria
sido rompido). Os novos relógios, assim como apareceram nas
portarias dos prédios do Dmae, sumiram sem serem inaugurados, e
não se falou mais nisso. O fato é que, mesmo depois da Direção
Geral publicar na intranet a portaria dos procedimentos, as regras
de tolerâncias de atrasos, as competências de abonos das
respectivas chefias hierárquicas e de treinar por meses um ponto
paralelo com alguns poucos funcionários, simplesmente não houve
nenhuma manifestação comunicando que o projeto estava
suspenso ou cancelado.
Mas foi dupla sorte a implantação do ponto eletrônico ter
fracassado, sorte para o Departamento que teria mesmo que trocar
os parelhos por modelos que emitam comprovantes impressos.
Maior sorte ainda foi a minha, pois como vou me aposentar
escaparei de ter que me submeter a esta espécie de tornozeleira
eletrônica, utilizada em presidiários de regime semiaberto ou em
liberdade condicional, e que agora passam a algemar também os
trabalhadores aos seus locais de trabalho, com roletas registrando
a movimentação diária de cada um. Mas cedo ou mais tarde o
relógio ponto eletrônico vem aí, e os cartões ponto serão relíquias
do século passado, símbolos de uma fase mais amigável da
exploração do homem pelo homem no capitalismo, mas até lá já tô
fora do sistema presidiário trabalhista!

152
69 - QUANDO OS ENGENHEIROS COMEÇARAM A BATER PONTO
NO DMAE

Por incrível que pareça, até meados da década de 90 todos


nós assinávamos um ponto autobiográfico na DVM. Nunca vi este
tipo de relógio-ponto em algum outro lugar do DMAE, penso que é
uma raridade jurássica exclusiva da manutenção e que a maioria
das pessoas não deve nem saber o que é isso. Pois eu explico: O
ponto autobiográfico consiste num aparelho externamente
semelhante ao relógio-ponto de cartão tradicional, apenas que, ao
invés de utilizar cartões ponto individualizados, o aparelho é
dotado de um rolo de uma fita de papel. Cabe esclarecer que
dispomos de relógios-pontos tradicionais em dois modelos, os
antigos, que são acionados manualmente por uma alavanca, e os
modernos, que são acionados eletricamente quando penetrados
pelo cartão-ponto. Pois o ponto autobiográfico é do tipo acionado
manualmente, e quando o servidor abaixa a alavanca se abre uma
portinhola metálica que permite acessar a um trecho da fita de
papel onde o acionamento da alavanca imprimiu o horário da
“batida”, e onde o servidor escreve a sua rubrica com caneta e o
seu respectivo número de matrícula. Simples?... Complexo?...
Exótico?... Mais seguro, com certeza, contra “o mal do século
passado” no mundo trabalhista, que era a falcatrua de um
trabalhador presente bater o cartão-ponto de outro ausente.
Todavia, o serviço de conferência do ponto nas fitas
quilométricas extraídas deste aparelho autobiográfico era algo
completamente insano. Imagine que o pessoal do administrativo
(...Alonço, depois, a Vanilda, e atualmente, o Rubem), para fechar o
ponto de um único servidor no dia seguinte, teria que rodar aquelas
fitas imensas e localizar as quatro rubricas de entrada e saída
normais diárias, e mais a entrada e a saída da hora-extra do dito
cujo...É só fazer uma conta simples: como o corpo funcional da
DVM sempre foi de cerca de 150 funcionários, nas fitas de um dia
tinha cerca de 600 rubricas (4x150) e mais, digamos que com 30
servidores em horas-extras por dia, 60 rubricas de serviços
153
extraordinários (2x30); diariamente totaliza 660 rubricas escritas
numa ordem de chegada aleatória na fita de papel dos registros
biográficos do ponto.
A racionalização deste serviço de controle do ponto, muito
antes do advento do computador e do Excel, foi desenvolvida em
uma gigantesca planilha que denominávamos o Jogo da Velha. Com
os nomes dos funcionários na primeira coluna e os dias do mês
correspondendo às colunas seguintes, o Jogo da Velha consistia que
o administrativo ia identificando cada rubrica sequencialmente na
fita biográfica, e ia marcando um traço na célula correspondente ao
“servidor x dia do mês”, de modo que se aparecesse uma retângulo
(quatro traços) o cara estava com o ponto cheio. Barbada, né? O
problema mesmo era o cômputo das horas extras, isto eu nunca
entendi direito e muito menos saberia explicar agora pra vocês.
Hoje em dia, por incrível que pareça, o relógio ponto
autobiográfico continua funcionando na DVM, mas apenas para
controle presencial das horas extras; o cara tem que bater os dois
cartões: o tradicional e o autobiográfico para mostrar que
realmente estava na área e não teve o seu ponto batido por outro.
O correlato eletrônico do ponto autobiográfico mecânico é
o prometido relógio biométrico, que é acionado mediante as
impressões digitais de cada um, que não ficará mais sujeito às
possíveis falsificações das rubricas biográficas ou do simples “um
bater o ponto do outro”. Sobretudo seu sistema de conferência e
totalização de horas extras será computadorizado, adeus jogo da
velha!
Mas, ainda durante este período de transição em que
estamos vivendo, foi desenvolvido o método voyeur de controles
visuais de quem está batendo mais de um ponto, através da
instalação de câmeras de televisionamento. Método este que não
tem se mostrado eficiente para este fim, talvez seja útil para fins de
segurança...ou de bisbilhotagem da vida dos membros da grande
casa do BigBrotherDmae...ou para outras questões próprias dos
tempos modernos...

154
Lembro que quando entrei como escriturário no DMAE, os
engenheiros não batiam ponto, estavam liberados desta
humilhação proletária. Este paraíso durou até o início da década
de 90, quando na Era Petista iniciou-se a saga do Universo em
Desencanto dos engenheiros que, até então, eram os todo-
poderosos do Departamento. É, acreditem ou não, houve uma
época em que por todo o território portoalegrense predominava a
espécie dos engenheiros, hoje ameaçada de extinção por seus
predadores naturais, com a ascensão dos procuradores e advogados
na cadeia alimentar dos benefícios municipais.
Naquele tempo antigo, todos nós arigós, subespécies não
técnico-científicos, queríamos ser engenheiros e usufruir das
regalias desses semideuses. Os engenheiros dispunham de um carro
locado com motorista para fazer o leva-e-traz de casa para o Dmae,
e vice-versa, tanto na pegada de manhã como ao meio dia e na saída
do expediente. Era uma vida de senador, conforme eu imaginava
para me motivar a terminar o meu curso de engenheiro, enquanto
pegava quatro ônibus por dia, pois eu ainda não tinha carro. É de
se imaginar também, pelo que se conhece do bicho homem, que
alguns engenheiros abusavam, e estendiam estes benefícios para
levar e trazer a mulher do supermercado e do cabelereiro, as filhas
do colégio e até convocavam estes carros locados para passearem
alguns finais de semana com a família...
Depois os tempos mudaram, a poderosa Associação dos
Engenheiros do Dmae (AED) teve que ceder o seu lugar para as
demais classes de técnicos científicos, misturando-se com eles
mediante o surgimento da ASTED no Dmae. Por sua vez, também a
ASTED se extinguiu por ter que se diluir no grande buraco negro de
todos os técnicos científicos da prefeitura, numa tentativa
desesperada de unificação na ASTEC, na luta de todos contra a
ideologia bem sucedida dos Procuradores e Advogados de que
“cada cargo deve lutar por si” em busca de suas vantagens.
Sei que quando eu finalmente consegui me formar e
assumir o cargo de engenheiro em 1992, via concurso público, já
não havia mais nada daquele antigo glamour no cargo de
155
engenheiro do Dmae. Havíamos caído na arena comum dos mortais:
correndo no seu próprio carro para bater o “santíssimo ponto”
quatro vezes por dia, no horário e sem atrasos para não ter que
beijar a mão da chefia em troca de um mísero abono no
cartão...Decaímos até o limite do orgulho profissional da nossa
função social, o qual tem nos levado a reagir e sair na luta dos
Capacetes Brancos pelo recebimento de uma “Verba de
Responsabilidade Técnica” (mas isso é tema para uma outra matéria
no blog!).
Enquanto tudo isso acontecia no Planeta Dmae, em termos
de mega evolução tecnológica na gestão dos horários de efetivo
trabalho dos seus servidores, a maioria dos demais planetas do
Sistema Solar da Prefeitura Porto-alegrense permaneceu na
romântica e humanística gestão do início da era industrial, da
assinatura pura e simples no lendário Livro Ponto.

70 - ESTRATÉGIAS DE PRÉ-APOSENTADORIA
agosto/2010
Há várias estratégias consagradas de como se migrar da
ativa para a aposentadoria, todas desenvolvidas intuitivamente por
cada um, conforme suas peculiaridades pessoais.
Uma estratégia muito comum é a dos que acumulam Licenças
Prêmios (LPs) por muitos anos para as usarem no final da carreira.
Um caso extremo deste perfil típico foi o do Seu Joãozinho da DVA,
que foi trabalhando até o último dia, ao fazer 70 anos caiu na
compulsória sem tirar as suas várias LPs acumuladas. Depois,
magoado por ser mandado embora por força da lei, solicitou que
pelo menos suas LPs fossem “compradas” pela Administração,
como uma forma de reconhecimento e compensação à sua vida
dedicada quase que integralmente ao DMAE. Não levou nada, suas
LPs foram perdidas.
Há, no meu ver, várias problemáticas nesta estratégia de
acumular LPs. A primeira problemática é o próprio perfil de quem
não goza LPs por vários anos seguidos, pois é um forte indicativo de
se tratar de alguém dependente do meio ambiente profissional e
156
que não encontra o que fazer, quando fica por muito tempo fora do
trabalho.
Alguns adotam a tática de usufruírem de todas as LPs
emendadas no período imediatamente anterior ao da
aposentadoria, como uma forma de antecipá-la. Esta é uma prática
bem comum e se constitui numa cultura desenvolvida em função do
pessoal ter ficado sempre na expectativa de que num “belo dia” a
Prefeitura voltaria a “comprar” as LPs, o que há décadas não
acontece. Significa dizer que muitos colegas acumularam várias LPs
que podem totalizar até um ano ou mais de licença para gozarem.
Uma variável deste procedimento é, ao invés do gozar todas LPs de
forma consecutiva, preferirem a estratégia de usufruí-las em meses
alternados: trabalhar um mês e folgar outro, ou folgar dois, etc.
Uma problemática dessas estratégias de “batida em
retirada” do trabalho através de usufruir de licenças prêmios
seguidas, é que há o risco de se ficar numa situação funcional
fragilizada, ficando sujeito inclusive a ser hostilizado por alguns
colegas (por não sermos nem uma coisa nem outra – nem se está
aposentado e nem se está mais desenvolvendo plenamente as
atividades, as quais passam a sobrecarregar os outros). Corre-se o
risco de ser prejudicado por uma chefia adversa por ter deixado de
exercer atividades que garantiam benefícios como gratificações
tributárias, insalubridade, incentivo técnico, etc. É, portanto, uma
tática de alto risco às vésperas de se levar tudo para sempre no
soldo de aposentado!
Há uma outra variável desta mesma estratégia de LPs
acumuladas, que foi a adotada pelo ex-colega Jalba, qual seja, de
gozar dois ou três meses consecutivos, ao longo do ano anterior ao
da data prevista de “baixa do quartel dos barnabés”, para servir
como um ensaio prático da vivência de aposentado; guardando
apenas um mês de LP para usar quando entrar efetivamente com o
pedido de aposentadoria no PREVIMPA.
A minha estratégia, porém, tem sido sempre de gozar as LPs
anualmente, gozando-as por trinta ou quinze dias como férias de
inverno, de forma que se acabe uma LP quando já vou adquirir a
157
próxima, sem jamais deixar acumular LPs. Assim, por uma lado
fiquei limitado, pois não teria como antecipar nem como ensaiar a
minha aposentadoria ficando vários meses em casa; porém, por
outro lado, fiquei livre para sair a qualquer momento a partir de
28/julho/2010, se alguma situação de “alto risco” surgisse de perda
salarial, sem correr o risco de ter que abrir mão de LPs acumuladas,
se me deparasse diante da necessidade de uma saída de
emergência.
É preciso que se registre que estamos vivendo tempos
conturbados de desconstrução dos chamados “direitos adquiridos”
(Tarso Genro, quando Ministro da Justiça, já disse que não existe
direito adquirido!). O meu planejamento inicial, registrado aqui
neste blog, era de que sairia de férias no início de fevereiro de 2011.
Por este cronograma, eu não voltaria mais a trabalhar depois de
entrar em férias, pois protocolaria o meu pedido de aposentadoria
no primeiro dia do retorno das férias e emendaria uma licença
prêmio em março, para ficar na Licença Aguardando Aposentadoria.
A partir de 1º abril estaria aguardando a oficialização da
aposentadoria em casa, definitivamente sem retorno...
Mas o tal Abono Permanência (11% de acréscimo no salário)
pesa, é um anzol que está fisgando todo mundo que está meio
atrapalhado financeiramente. E quem não está, não é mesmo?
Especialmente no retorno das férias, quando sempre volto
completamente falido, sem grana, operando no negativo do cartão
e pagando juros. Normalmente só consigo me reabilitar com a
restituição do Imposto de Renda (no primeiro lote!)...ou com a
antecipação da restituição na rede bancária....
Assim, como cada um sabe onde o sapato lhe aperta, não
há uma estratégia melhor do que a outra, você é quem decide qual
será a sua estratégia pré-aposentadoria e o momento certo de
saltar fora. No meu caso, daqui pra frente, após pagar a última
parcela do financiamento do carro no contracheque de
fevereiro/2011, nada mais está previamente definido, apenas está
certo que volto para trabalhar o mês de março inteiro. Pra diante
vou avaliar mês a mês: com cuidado para não sair correndo e
158
cambaleando por falta de dinheiro, mas não tão cuidadoso para não
cair na cilada de ficar trabalhando 8 horas por dia por menos de 10%
do meu salário! Meu “Sonho de Liberdade” é outro...

71 - O PRIMEIRO ANIVERSÁRIO DO BLOG

O blog Diário de Um AposentaNdo completou um ano de


existência hoje, dia 2 de fevereiro/2011. Em verdade eu comecei a
escrever alguns meses antes, mas só iniciei as publicações em
fevereiro de 2010, pra ter alguns textos sempre de reserva para
publicar. Como diria o Lula: “Nunca antes na história deste”
Departamento se desenvolveu um Programa Preparatório de
Aposentadoria tão amplo e completo como o desenvolvido neste
blog. Aqui temos tratado de todos os assuntos pertinentes, e até
alguns que nem parecem tão relacionados com este importante rito
de passagem na vida da gente, que é o de passarmos de “ativo” para
“inativo” (ninguém merece uma terminologia dessas!).
Quando tive a ideia de desenvolver estas crônicas, em
forma de diário-memorialista, relatando observações cotidianas
dos últimos meses da minha carreira de servidor público municipal,
jamais imaginei que teria fôlego literário para produzir tamanho
volume de textos. Olhando hoje o resultado deste intenso
envolvimento com a produção textual, acho impressionante o fluxo
inesgotável desta vertente de inspiração que faz brotar diariamente
novos temas e ideias de abordagens e de ilustrações fotográficas
para as postagens no blog.
É inevitável que, neste momento, o engenheiro que ainda
há residual em mim (que tem sido o meu Lado A) busque
quantificar numericamente os méritos do blog. Com mais de 115
postagens em 12 meses, significa que produzi cerca de 10 postagens
por mês! Ufa!...São, no mínimo, dois textos por semana. Não é
pouca coisa, as noites foram curtas para conciliar tanta vontade de
escrever com a necessidade de dormir. Os finais de semana foram
ocupadíssimos, sem tempo nenhum para leituras: foi um ano de
colheitas literárias!
159
O mais impressionante foi o crescente número de acessos
mensais ao blog. A frequência iniciou tímida, na ordem das dezenas;
subiu para além de uma centena no primeiro semestre, e depois foi
aos saltos, dos duzentos e pouco para quatrocentos e tanto e,
estourando a boca do balão, em dezembro atingiu a marca de 650
acessos mensais! E agora em janeiro, que era previsível um período
de baixa, por estar a metade do funcionalismo municipal em férias,
estamos atingindo a mesma marca (O Facebook que se cuide!).
Mas o verdadeiro indicador do êxito do blog, que
demonstra que o blog atingiu em boa parte o seu público alvo é a
totalização de 3.700!!!! acessos registrados em seu contador ao
longo deste seu primeiro ano de existência.
À parte o ufanismo natural de quem saiu recentemente, não
do armário, mas das gavetas em que guardou os seus escritos a vida
inteira, e passou a ter alguma visibilidade do seu lado B (literário, no
meu caso), é preciso que se mantenha o discernimento de que
“acessos” não significa “leitores”, muitos são acessos de mera
“bisbilhotagem” de internautas navegando à deriva. Todavia,
certamente obtive mais leitores do que poderia imaginar obter
algum tempo atrás, antes do advento da internet com suas
ferramentas de relacionamentos, especialmente do mundo
maravilhoso dos blogs.
Poder publicar os escritos é uma forma de “realização
pessoal” agora possível a todos, pois agora também está ao alcance
dos solitários escritores amadores, os não profissionalizados; assim
como as partidinhas de futebol com os amigos realizam aos
jogadores amadores, mesmo aos barrigudinhos e aos que nunca
jogaram grande coisa. Contudo, por esta experiência deu para
dimensionar a dificuldade que deve ser a vida de um jornalista,
como o Juremir Machado, para alimentar uma coluna de crônicas
diariamente no jornal e, credo!, ainda publicar uma outra crônica
diária na internet. Ainda bem que desisti do curso de jornalista e de
querer ser cronista, mas talvez pudesse pegar alguns biscates como
free-lancer (desde que com tempo bastante para desenvolver as
matérias, e sem limitação de espaço para que eu possa fazer do
160
tamanho que quiser: isso só em blog!)... Definitivamente nunca tive
pique para desenvolver produção literária contra o tempo, preciso
deixar os escritos por alguns dias decantando para que,
magicamente, surjam flashes de modificações de detalhes ou de
grandes acréscimos, chegando às vezes a modificar o próprio tema
ou a abordagem sobre o assunto...É uma loucura masturbativa
mental!
Mas, certamente, nem todos os seguidores do blog Diário
de Obra de Um AposentaNdo perceberam que este meu Lado B (de
escritor) tem o seu próprio Lado B, o que vem a ser o meu Lado C,
que é o meu lado poeta. Para quem não percebeu ainda que no
menu do blog, na seção Minha Lista de Blogs, tem dois links para os
meus blogs de poemas (Elos e Indagações), aviso que estão
perdendo o melhor de mim!...Estão perdendo as ilustrações
artísticas feitas pela minha filha.
Por sua vez, este meu Lado C tem o seu lado B, que é o meu
lado fotógrafo. Este meu lado da fotografia, que vem a ser o meu
Lado D, também tem seus links no Menu do blog na seção Minhas
Fotos no Picasa. São várias centenas de fotos envolvendo a
temática do DMAE em seus mais variados ângulos de percepção,
captadas na labuta do dia-a-dia nos últimos anos. Modéstia à parte,
mas tem algumas fotos imperdíveis: confira!
Assim, guardada as proporções, feito um Fernando Pessoa
com suas múltiplas personalidades artísticas, estou me colocando
completo no blog; e como diz o maior poeta da língua portuguesa:
Sê todo em cada coisa. Põe quanto és no mínimo que fazes.
Em comemoração a tudo de bom que foi 2010, estou indo
de férias com a família para Fernando de Noronha. Mas, caríssimos
leitores, manterei vocês ocupados com novas postagens para serem
conferidas no blog durante o mês de fevereiro. Não podemos deixar
a peteca cair, precisamos manter o vínculo em 2011 que é o “Ano
D”, o ano da aposentadoria, só não sabemos ainda qual será o “Dia
D”.
Em março eu volto, não me deixem só! Neste
BigBrotherDmae que é transmitido aqui no blog Diário de Um
161
aposentaNdo, você vai acompanhar o momento decisivo no
“paredão” que vai me mandar para casa, e vai ficar sabendo dos
desdobramentos da vida de um ex-barnabé lá fora no mundo...além
de outras historinhas que rolaram nos edredons do Dmae...

72 - O QUE UM APOSENTADO FAZ COM O SEU TEMPO?

Cada pessoa conhecida que encontro vem sempre com a


mesma pergunta: O que estás fazendo com o teu tempo?! Falam
exclamativamente como quem diz: Como estás conseguindo ser o
tempo todo o senhor do teu tempo, sem ter um esconderijo onde
bater o ponto e se esconder para deixar que o tempo da tua vida
escoe por oito horas diárias, com um breve intervalo para o almoço,
de segunda à sexta-feira?! Ui, que medo que se criou do tempo
disponível na aposentadoria!...
Respondo pacientemente da mesma maneira a todos, que
é uma deliciosa sensação de liberdade não precisar mais se adiar e
agora ter que decidir a cada momento o que fazer com o seu tempo.
Estar aposentado implica numa mudança de ritmo e de estilo de
vida, em não ficar mais no superficial que a pressa exigia, sempre
deixando para fazer e aprofundar as coisas depois, mais adiante...O
depois já chegou, é agora: ando pelas ruas batendo fotos das cenas
da vida cotidiana, como das garças da Av. Ipiranga e os grafites de
street art nos muros das ruas!
Contudo, sinto que há falta de concretude nesta minha
descrição de como é a vida pós-aposentadoria. Principalmente por
que tenho me dado conta que somente agora o blog Diário de Obra
de Um aposentaNdo chegou no âmago de sua temática principal.
Até então, vínhamos tratando das expectativas tensionadas pelo
medo do desconhecido do além da vida rotineira do local de
trabalho, e pelo filão de postagens de memórias coletivas e pessoais
contadas por mim, um personagem dessas histórias. Muitos de nós
há de ter pensado que o blog já cumpriu a sua função, que já teria
se esgotado em seus surpreendentes mais de 7.000 acessos.
Confesso que vinha analisando honestamente esta hipótese, mas
162
acabo de concluir pelo contrário, que agora é que o blog pode vir a
ser realmente útil para os novos “aposentaNdos”, mostrando que
há vida e como é ela além do horizonte do cartão ponto. No fundo,
o que as pessoas realmente estão interessadas é saber como se faz
para desmistificar este mito da “figura do aposentado de pijama
sentado em frente à televisão e enchendo o saco da família com sua
inutilidade”.
Esta nova etapa do blog, todavia, vai exigir que eu consiga
retratar esta realidade desconhecida com concretude suficiente
para que os leitores consigam visualizá-la, isso talvez exija um
talento para escrever não disponível em mim. Será preciso mostrar
mais do que simplesmente descrever com adjetivações a vida de um
aposentaNdo, com N maiúsculo!...
Bueno, vamos lá tentar! A nova empreitada consiste
basicamente em responder a uma única questão que permeia geral
todas as perguntas: O que fazer com tanto tempo livre, para não
cair no tédio e na depressão? Estou recém completando dois meses
consecutivos de liberdade incondicional, maio e junho. É cedo ainda
para se ter domínio de como vai funcionar a longo prazo, se em
algum momento vai surgir o tal monstro do fundo do lago do tédio
para me amedrontar, como quase todo mundo acredita que, mais
cedo ou mais tarde, vai acontecer...
Penso que o medo da vida a ser vivida só acontece com
quem teve medo de viver a vida já vivida antes, que a viveu
confinada nas rotinas coletivas sem garantir espaço para
desenvolver sua individualidade e que perdeu de vista a criança que
foi. Sou daqueles, como o Saramago, que diz: Quando me for deste
mundo sairei de mão dada com a criança que fui.
Concretamente, a minha estratégia básica de preparação
para a aposentadoria foi nunca ter deixado de ser um estudante
universitário (sou calouro de 1979!). Depois de já formado em
engenharia, quando eu estava às vésperas de me aposentar com
apenas 51 anos de idade, antes de entrar em vigor a lei antiga do
Fernando Henrique (que passava a exigir 53 anos de idade mínima),
eu fiz vestibular para Filosofia e frequentei este curso por sete anos,
163
até ser ameaçado de jubilamento pela UFRGS. Assim, quando
novamente às vésperas de me aposentar com 56 anos (pelas novas
leis do FHC e do Lula), em 2010 fiz novo vestibular (junto com a
minha filha!), agora para o Curso de Letras, no qual estou cursando
no terceiro semestre ainda as disciplinas do primeiro, posto que
fazia apenas uma cadeira por semestre (o limite que era permitido
em horário de expediente!).
Devido a esta estratégia básica, atualmente a minha rotina
de aposentado contempla três idas ao Campus do Vale (na fronteira
com Viamão!) para assistir aulas de “Español I” às 8 horas da manhã.
Logo, não é como se poderia imaginar, que eu ficaria dormindo até
bem mais tarde todos os dias. Assim, por três dias tenho acordado
e saído no mesmo horário de sempre. Em compensação, pelo
menos sobram dois dias na semana para eu dormir até mais tarde,
né?... Sim, mas não até muito tarde, até às 8 ou 8,30 - senão
atrapalha o apetite do almoço que continua tendo o horário rígido
estabelecido pelo trabalho da minha mulher.
Depois das aulas costumo tomar um café-expresso
enquanto leio o jornal calmamente numa cafeteria, ao invés de
voltar correndo para bater o ponto, o que me dá diariamente a
sensação de ser um pássaro libertado da gaiola. Não se trata de uma
mera metáfora adjetiva, se trata realmente de uma emoção
orgânica de liberdade sentida de fato.
Durante pelo menos duas tardes por semana tenho
procurado fazer caminhadas úteis, tipo ir até o centro para quebrar
algum galho e voltar, ou ir até a Padaria da Nona, em frente ao
campo do Grêmio, para comprar o lanche, ou outras voltas úteis,
para evitar a monotonia de caminhar na esteira sem sair do mesmo
lugar. Donde cheguei à conclusão que moro a meia hora de
caminhada de distância de tudo, até do cinema do campus central
da UFRGS, onde já fui assistir ao filme Cidadão Kane, no festival
sobre Orson Welles, em pleno horário de expediente e grátis, não é
o máximo? Estou ligadão na agenda cultural matutina e vespertina
da cidade...

164
A feitura deste blog é uma ocupação prazerosa que ocupa
tempo, muito tempo! Primeiro na elaboração dos textos, como esta
tarde agora em que estou escrevendo esta matéria sobre o tempo;
e outro tanto do meu tempo ocupo “blogando” propriamente, ou
seja, editando no blog os textos com a busca das figuras e fotos para
suas ilustrações. Escrever é a minha compulsão, e sempre o texto
mais recente é o mais importante do que os outros que já foram os
mais importantes ontem e anteontem, e todos tentam furar a fila
de espera para postagem no blog. Muitos textos conseguem furo na
publicação pela atualidade do tema, tipo o texto sobre a greve dos
municipários que tinha que ser publicado na época da greve, senão
perdia o impacto e o interesse de ser notícia quentinha.
Também tomei providências para oferecer outras opções
de ocupação do meu tempo, tais como aumentar
consideravelmente a capacidade do meu provedor de banda larga
na internet, para poder acessar mais e melhores conteúdos da rede
mundial; como também tratei de adquirir acesso ilimitado aos
canais fechados de televisão, para ter a possibilidade de finalmente
conhecer o que está sendo disponibilizado nesta infinidade de
canais. Por enquanto, só encontrei tempo de assistir aos jogos de
futebol do meu time, o Internacional; nem ao canal TVEspañola
consegui assistir ainda para reforçar minhas aulas de español.
Tudo bem, somando e subtraindo e tirando os “noves
foras”, sobra algum tempo que tem que ser otimizado com
racionalidade para que eu possa dar conta, gradativamente, da
minha “Lista de 100 coisas para fazer da aposentadoria”.

73 - LISTA DE 100 COISAS PARA FAZER NA APOSENTADORIA

No Programa de Preparação para Aposentadoria (PPA)


foram feitas muitas recomendações, algumas um tanto óbvias para
o pós-carreira, tais como: ler livros, viajar, ter uma religião, ter
amigos de sua faixa etária. Mas me chamaram mais a atenção as
duas seguintes: escreva uma autobiografia e escreva uma lista de
100 coisas para fazer!
165
A autobiografia já estou desenvolvendo através do blog
“Diário de Obra de Um AposentaNdo”; mas gostei muito da ideia da
lista e na época elaborei a minha própria “lista de 100 coisas para
fazer quando estiver aposentado”. Coisas do tipo: Ler Ulisses de
Joice, Tristes Trópicos de Lévi-Strauss, Rayuela de Cortázar (em
espanhol), Don Quijote de Cervantes (em espanhol), Obra Completa
de Pablo Neruda (em espanhol), Obra Completa de Shakespeare.
Editar Livro de Poemas ELOS, Livro de Poemas OBSERVATÓRIO.
Digitar e editar os poemas antigos, do tempo dos manuscritos.
Revisar e editar o meu livro Crises e os meus textos do Jornalismo.
Converter o blog Diário de Um AposentaNdo em Livros. Estudar
espanhol e italiano. Criar o blog BRECHÓ DE POEMAS. Viajar pra
Europa, Caribe, África e Ásia...
Cinco anos depois de aposentado, cerca de 60% da lista de
100 Coisas foram realizadas, 20% estão em andamento e 20%
continuam pendentes por falta de tempo.

74 - AGORA EU SOU UM APOSENTADO!


19/out/2011
Agora não tem mais jeito, vou ter que mudar a mensagem
que deixei como resposta automática no meu correio eletrônico
coorporativo do DMAE, de ausência temporária por LAA (Licença de
Aguardando Aposentadoria). Com o Ato publicado no DOPA do dia
18/10/2011, vou precisar atualizar a mensagem nos seguintes
termos: CAROS COLEGAS, a partir de 03/outubro/2011 estarei em
AUSÊNCIA DEFINITIVA, posto que foi publicado o meu ATO DE
APOSENTADORIA INTEGRAL E COM PARIDADE!!!!!!!
A partir de então, a rotina do estreante beneficiário do
sistema de previdência consistirá em esperar o contracheque
chegar pelo correio em casa, e receber o salário sempre no último
dia útil do mês.
O rito de passagem é sumário, a pessoa é comunicada por
correspondência em casa para ir pegar no guichê o seu “kit-
aposentado”, o qual consiste no original do “Ato de Aposentadoria”,
juntamente com a edição do Diário Oficial de Porto Alegre (DOPA)
166
em que ele foi publicado, e também vem junto o “Cartão de
Aposentado do Previmpa” do novo inativo.
As instruções sobre a nova forma de recebimento do salário
também são sucintas: no primeiro mês haverá dois contracheques,
um do órgão de origem do aposentado até a data da aposentadoria
e o outro do Previmpa, complementando o mês. Neste último
contracheque do órgão de origem é pago também a parte
proporcional ao 13º salário que lhe compete, sendo que o restante
vai ser pago pelo Previmpa no final do ano. Para fins de declaração
de imposto de renda, portanto, os aposentados novatos deverão
buscar os extratos das duas fontes de rendas: órgão de origem e
Previmpa.
A partir de então, a rotina do estreante beneficiário do
sistema de previdência consistirá em esperar o contracheque
chegar pelo correio em casa, e receber o salário sempre no último
dia útil de cada mês.
Mas cá entre nós, falando sério, ganhar o Ato de
Aposentadoria, com todos os “penduricalhos salariais” que eram
passíveis de incorporação por direito estatutário (Nível Superior,
progressão letra D, 14 avanços, 25% de adicional, Função
Gratificada de Diretor, dedicação exclusiva, insalubridade máxima e
gratificações de produtividade e incentivo técnico), é algo como
obter um bilhete sorteado com o grande prêmio sendo pago em
parcelas reajustáveis garantidas pelo resto da tua vida. É uma
comemoração que merece um charuto cubano Cohiba legitímo...
Com sombra e água fresca, a nova realidade será ficar
encostado no Previmpa pelo resto da vida, torcendo para que ele
siga forte e saudável, para sempre nos sustentar sem perdas no
nosso poder aquisitivo, e com longevidade bem maior do que a
nossa, no mínimo maior do que as dos nossos descendentes
pensionistas....amém!
Foram 35 anos de convívios no DMAE, VALEU
PESSOAL!!!!!...Uau, consegui: agora eu sou um felizardo
aposentado!

167
75 - BLOGAR OU PUBLICAR LIVROS?
07/08/2011
Naturalmente que toda a pessoa que gosta de escrever
almeja ter um livro seu publicado. Eu gosto de escrever e desejo
publicar um livro escrito por mim (antes que livro vire raridade feito
disco de vinil). Mas também tenho a noção do quanto de fantasioso
é este desejo, pois publicar um livro é criar um “elefante branco” de
difícil distribuição. Que grande realização pessoal é esta de publicar
um livro para ficar encalhado ou para ser distribuído
(gratuitamente!) entre os familiares e amigos convocados para a
sessão de autógrafos?...
Ainda bem que a informática desenvolveu o mundo
maravilhoso dos blogs, onde caras como eu (que gostam de
escrever sem pretensões de se profissionalizarem nem de se
tornarem bem sucedidos cronistas de jornais) podem bater sua
bolinha como amadores da várzea das letras, com a possibilidade de
alguma galera de internautas acessarem seus escritos. Nos blogs os
caras como eu podem publicar seus escritos e ficarmos chuleando
possíveis leitores à deriva no ciberespaço, sem precisarmos pagar o
mico de ficarmos com centenas de livros encalhados em casa, ou
entulhando as estantes (sem ser lidos) pelos coitados dos nossos
amigos e parentes.
Contudo, publicar um livro com distribuição e público leitor
garantido é o que todo o ”escrevinhador” sonha. No último mês
este blog bateu o seu próprio recorde de acessos, ultrapassou 1.100
visitas mensais: Uau, público leitor temos! A propósito, aguardem
que em breve relatarei o resultado das tratativas que estou
articulando junto a diretoria do Dmae, visando a publicação de um
Livro dos AposentaNdos da PMPA, contendo uma seleção de
crônicas deste blog, para ser distribuído gratuitamente no Kit do
Previmpa e pela SMA no Curso de Preparação para Aposentadoria.
Não é uma boa ideia? Então, mas vou precisar do apoio de todos
vocês nesta cruzada difícil para acessar aos meios de produção,
168
batalha que já dura alguns meses. Depois eu conto timtim por
timtim...tomara que com uma boa notícia no final!

76 - LANÇAMENTO DO BLOG BRECHÓ DE POEMAS


Antologia de poemas antigos com pouco uso e seminovos – Junho/2012

Fazer maus poemas é muito


mais satisfatório do que ler
os poemas mais belos –
Hermann Hesse

Neste blog BRECHÓ DE POEMAS vou publicar


alternadamente poemas selecionados de cada um dos meus 8 livros
inéditos e confeccionados artesanalmente por mim, e mais os
versos que forem brotando a partir de 2012 para o futuro 9º volume
da minha bibliografia poética.
As ilustrações do blog serão compostas de fotos de
grafitismos e street art (arte de rua) que tenho tirado pelas ruas
porto-alegrenses, ao longo dos últimos cinco anos, e também pelos
muros e painéis de várias cidades e de diferentes países, por onde
quer que eu ande no mundo, e que constituem uma “coleção de
obras de street art”, muitas das quais só existem hoje nas minhas
fotografias. Só por suas ilustrações já valerá a pena visitar o blog
BRECHÓ DE POEMAS, caro leitor internauta.
No Brechó, cumprindo mais um item da minha “Lista de 100
coisas para fazer na aposentadoria”, abrirei o baú de antiguidades
de Meus livros de poemas escritos desde os 14 até os atuais 58 anos
de idade, que são os seguintes com os respectivos períodos e
simbologias que serão adotadas nas postagens: 1 – GERMINAÇÃO
(G/1968-1975) = Livro que é uma seleta de dois outros: REUNIÃO DE
VINTE ANOS + BECO SEM SAÍDA. 2 – FLORESTA ENCANTADA
(FE/1974-1985). 3 – QUESTÃO DE ORDEM (QO/1980-1984). 4 –
SOBRAS (S/1974-1984). 5 – KANTOS (K/1985-1995). 6 – POETAR
(P/1996-1999). 7 – INDAGAÇÕES (I/1999-2007). 8 – ELOS (E/2008-
2011). 9 – OBSERVATÓRIO (O/2012-...)

169
A sorte da minha geração de aposentaNdos é que a
informática desenvolveu o mundo maravilhoso dos blogs. Assim, os
novos aposeNtados, com N maiúsculo, estão trocando a tediosa sina
caricata de ficarem operando o controle remoto em frente da
televisão pelas navegações virtuais nas redes de relacionamentos e,
principalmente, publicando conteúdos e habilidades de suas longas
experiências de vida...
Acompanhe o blog BRECHÓ DE POEMAS, consuma em dose
homeopática um poema semanal, faz bem para o espírito e não
engorda o corpo, as vezes até dói mas não custa nada, é só fazer um
clic com o mouse no link http://celsoletras3.blogspot.com.br/.

77 - O “CASE DVM” & O DIA QUE ANDEI DE BALÃO

No processo de reestruturação do DMAE a administração


formou grupos de trabalho por Divisão: G1 para o grupo formado
pelo Diretor Geral e Superintendentes, e assim por diante, sendo
que o grupo da DVM foi batizado de G5. Nesta semana o G5
retornou de mais uma dessas infinitas reuniões para as quais os
gestores de cada divisão são convocados, com a determinação de
que a Equipe de Apoio Administrativo (EQAD) deve ser pulverizada,
cujas funções serão extintas na nova estrutura.
Desde o início do mês de setembro/2011 foi instituída a
nova estrutura operacional da DVM, ou seja, que passou a ser
composta de três coordenações (Programação dos Serviços
Preventivos, Manutenção e Equipamentos Móveis), deixando de
existir separadamente as tradicionais seções de serviços elétricos e
de serviços mecânicos. Iniciaram também as reformas dos prédios
da DVM, obras que visam adequar a estrutura física da Divisão à
nova estrutura funcional, pensada a partir de seus processos
operacionais.
A proposição da administração é que a reestruturação da
DVM se torne um “CASE”, linguagem utilizada nos meios de “gestão
de qualidade” para significar um “exemplo de sucesso” a ser
divulgado como estímulo mobilizador junto às outras divisões que,
170
por acaso ou outros motivos, ainda se encontrem resistentes às
reformas em andamento pela atual gestão do DMAE.
Esta questão de extinção dos EQADs (Equipes
Administrativas), que por muitos é entendida como de extermínio
da função dos assistentes administrativos, é uma bandeira
emblemática da reforma proposta, ideia que a administração
defende com unhas e dentes, exigindo que a pulverização dos
detentores deste cargo seja executada imediatamente.
Essa “quebra de paradigma”, como costumam dizer os próprios
autores do projeto de reestruturação, ainda é de difícil assimilação
para todo o corpo funcional do DMAE: como vai operar cada Divisão
do Departamento sem um núcleo administrativo que cuide da
burocracia funcional, tais como folha ponto, horas extras, licenças
médicas ou de gozos, etc.?...A resposta que a Administração tem
na ponta da língua de seus representantes é que os assistentes
administrativos não vão ser extintos e sim pulverizados, quer dizer,
suas atividades vão ser descentralizadas e serão exercidas
diretamente junto aos coordenadores de cada área.
Entenderam?...Nem eu!
Pois é, esta reestruturação é um típico caso de quebra de
paradigma que só vendo acontecer pra ver no que vai dar. Como já
comentei numa postagem anterior no mês de julho/2010
(Reestruturação: o Frankenstein Espetacular), é um Frankenstein ao
qual eu pretendo assistir de camarote como aposentado. Resta
saber se vai ser um filme trágico, cômico ou de final feliz. Cabe
lembrar, porém, que a criatura literária original do Frankenstein se
voltou contra o seu criador...
A propósito destas novas ferramentas gerenciais utilizadas
pela atual Administração do DMAE, em março/2010 postei aqui no
blog uma matéria intitulada “A Última Nova Missão de Melhorias”.
Referia-se ao lançamento do Circuito de Melhoria Contínua (CMC),
num prestigiado evento no auditório do Instituto Goethe, com
intervenção criativa de um grupo teatral e direito a um qualificado
cofee-break aos participantes das 39 equipes, que envolviam mais
de 150 funcionários, cerca de 10% do corpo funcional da empresa.
171
Pois bem, em novembro/2010 foram promovidos eventos de
encerramento do CMC, com a realização de duas Feiras de
Resultados, uma para o público interno sob o nome de “Dia da
Excelência”, e uma feira na Redenção para o público externo, para
a população porto-alegrense.
Há que se respeitar a iniciativa devido ao brilhantismo da
ideia da melhoria contínua, que é simples e muito interessante, se
resume a criar a seguinte cultura: a equipe identifica um problema
em sua área de atuação, elabora em conjunto um projeto para
solucionar este problema e implanta esta solução, com o apoio
logístico da empresa. Fácil?...Poderia ter sido, se o foco fosse
resolver o problema, mas o foco principal do CMC era a utilização
da metodologia (de identificação, quantificação e desenvolvimento
de um plano de ação para solucionar o problema), conforme os
instrumentos gerenciais que somente a consultoria contratada
dominava e deles fez um bicho de sete cabeças. Para resumir, no
final do trabalho do CMC resultou, a muito custo, apenas uma dúzia
das 39 equipes iniciais, a maioria debandou. A debandada só não foi
geral porque alguns grupos de trabalho persistiram visando
realmente solucionar o problema que eles tinham identificado,
apesar das metodologias desnecessariamente complicadas que
obrigatoriamente tinham que aplicar para poderem seguir adiante.
Concretamente, o problema que a equipe da Manutenção
se propôs a resolver foi sistematizar o armazenamento e o
manuseio do estoque de pneus reservas da frota de veículos do
DMAE. A solução era simplesmente se adquirir prateleiras
apropriadas para o armazenamento ordenado, visando a redução
de riscos de acidentes de trabalho no manuseio e a melhoria das
condições higiênicas do ambiente de trabalho, que ficava sujeito a
infestações de ratos no meio dos pneus caoticamente amontoados.
Todavia, quase que chegamos à conclusão, pelas metodologias e
ferramentas gerenciais, que o melhor era deixarmos como estava,
pois a relação custo/benefício não identificava o nosso problema
como significativo... Era como ter que escrever uma tese de
mestrado para mostrar a importância do pingo no i!
172
Contudo persistimos, e como desde o início já
encaminhamos o pedido de compra das referidas prateleiras, no
final do Circuito de Melhoria Contínua, nas Feiras de Resultados,
acabamos fazendo sucesso com a exposição de nossos pneus
gigantescos e as intermináveis explicações técnicas do Jorge Luiz
Cafuringa aos visitantes da nossa estande.
Mas o que resultou deste episódio do CMC como
definitivamente marcante na minha vida, foi que durante a Feira de
Resultados para a Sociedade, em pleno domingo numa grande
tenda no Bric da Redenção, havia um balão gigante fazendo
publicidade da Unisinos ao lado da nossa exposição, oferecendo
um curto passeio grátis, uau!: foi o dia em que andei de balão!...

78 - VERGONHA: O DMAE NÃO SEPARA O SEU LIXO SECO!

Nos últimos 50 anos a população mundial duplicou e o


consumo de água quadruplicou. Há um crescimento exponencial da
população e a demanda de água cresce ainda mais devido ao
aumento de consumo.
É altamente meritória a campanha publicitária do Dmae
com a frase “Eu bebo água da torneira”. Água servida direto das
hidráulicas de tratamento, como a distribuída nos copinhos
plásticos envasados pelo próprio DMAE, é beleza, sem problemas.
Pelo menos em Porto Alegre não resta dúvida sobre a qualidade da
água potável distribuída no abastecimento público. Todavia, nós
todos sabemos que pode haver problemas nas canalizações e no
armazenamento da água nos reservatórios coletivos de
condomínios e de residências particulares.
Uma questão que teve grande repercussão na internet foi
a divulgação de um vídeo sobre a “história da água engarrafada”,
lixo que se tornou um monstro contaminador do planeta a partir da
demanda gerada de plásticos. A questão, em última análise, se
tornou crucial devido a destinação inadequada do lixo plástico
gerado pelas garrafas descartáveis de água mineral que assumiu
volumes catastróficos.
173
A propósito, o prefeito Fortunati lamentou o fato de a
cidade ainda não separar bem seus resíduos. Apenas 100 quilos de
lixo seco são separados entre mil toneladas de resíduos domiciliares
recolhidos ao dia em média. "Isso quer dizer que a maior parte das
pessoas não faz o seu dever de casa. Temos que fazer mais",
convocou o prefeito. Que feio, senhor prefeito, pois nem a própria
prefeitura faz o seu dever de casa! Este é um tema que estava na
minha pauta desde o início deste blog, aguardando um “gancho”
para manifestar a minha indignação pelo fato do DMAE até hoje não
ter implantado uma infraestrutura para a separação do lixo seco.
Um órgão de saneamento público, que busca a qualificação dos seus
processos gerenciais, não se comprometer com a destinação dos
lixos que produz, é como dar uma declaração pública que não está
minimamente comprometido com proteção do meio ambiente e
com o combate à degradação do planeta. Todo o esforço de
reestruturação por processos desenvolvido no DMAE resulta como
a velha e surrada pregação demagógica: façam o que digo mas não
façam o que faço!
Seguidamente sofro ironias dos meus colegas, que me
chamam de Rodrigo (referente ao mendigo que coleciona garrafas
plásticas no bairro Santana) por causa do meu hábito de recolher as
garrafas plásticas que trago diariamente com a sobra de água
mineral que compramos (minha mulher e eu) em nossos almoços
pelos restaurantes da cidade (onde não bebemos refrigerantes!), a
fim de levá-las vazias para poder dar em casa o devido
encaminhamento como lixo seco reciclável na coleta seletiva.
Lamentavelmente já estivemos mais próximos do que agora
de adotarmos uma cultura de consciência ecológica junto ao quadro
funcional do Departamento. No final da década de 90, época em
que eu era Diretor da DVM, lembro que chegamos a implantar
tonéis de lixo diferenciados para lixo seco e lixo orgânico nas
dependências da Divisão. Todavia, como não havia coleta de lixo
seco no bairro, dependíamos da DVE disponibilizar o caminhão de
carregar container para transportar o lixo seco até um centro de
triagem. Como um dia não tinha caminhão disponível e no outro
174
faltava motorista, tanto furou o esquema, que regredimos todos à
estaca zero do descrédito e da irresponsabilidade ecológica.
Mais de dez anos se passaram e nada foi feito. Outro dia,
em outubro de 2010, vibrei de contente ao ver um comunicado na
Intranet, anunciando que o “DMAE começa campanha para
separação de resíduos”. Busquei saber mais sobre o assunto, como
seria o processo e de que forma poderíamos nos integrar e
contribuir...Que nada, tomei um banho de água fria: era balela!
Ainda não existe a chamada vontade política, por parte da atual
administração (como também não houve das anteriores!), de
realmente fazer a coisa acontecer, o que é um absurdo.
Sei que há elogiáveis iniciativas isoladas de colegas em
algumas divisões tentando fazer o que é possível, sem o apoio
logístico institucional necessário. Calculo que cerca de 90% dos
resíduos sólidos produzidos no DMAE sejam caracterizados como
lixo seco, entretanto, contribuímos com todo este volume de
material para entulhar por centenas de anos os aterros sanitários e
os lixões, ao invés de estarmos fazendo o dever de casa que o
prefeito cobrou dos cidadãos porto-alegrenses.
De minha parte, vou continuar fazendo o meu tema de casa
em relação ao lixo gerado por mim, vou ter que carregar meu lixo
seco do Dmae pra casa até me aposentar.

79 - DESCONTOS NO FINAL DO SEGUNDO TEMPO


jan/2012
O reajuste de 14,13% no salário mínimo a partir de janeiro de
2012, passando para R$ 622,00 o piso salarial que alguém pode
receber no país, é a continuação de uma política que, em sete anos do
governo Lula (2003-2010), fez o salário mínimo crescer 5,8% em média
no ano, atingindo um incremento real acumulado de quase 60%.
Beleza pura, aplausos para o governo!
“Porém, mas porém, há um caso diferente” (como diz o samba
pra Portela do Paulinho da Viola) que marca a vida de muita gente: A
correção de 6,08% das aposentadorias e pensões para quem ganha
acima de um salário-mínimo (repondo apenas a inflação oficial que é
175
menor que a da realidade) gerou revolta entre os beneficiários,
especialmente para os que recebiam pouco mais que o piso. Essa
política de aumentos estará levando todos os aposentados do INSS a
ganharem somente o salário-mínimo dentro de pouquíssimo tempo.
A perversidade do vampirismo governamental é que o teto (o
maior valor pago como salário de aposentado pelo INSS) também vem
sendo rebaixado. Desde 1991, quem se aposentou com 10 salários
mínimos, que era o teto lá, hoje está ganhando apenas 6, que é o teto
atual, e acumula uma perda de 4 mínimos todo o mês. Puta
sacanagem, vaias para o governo!
Analisando estes números de descontos no final do segundo
tempo da vida da gente (e dando graças a Deus que este absurdo
limitador de teto salarial arbitrário “ainda não” prevaleceu para os
funcionários públicos!) fiquei pensando que a vida da gente é como o
campeonato nacional de futebol disputado por pontos corridos e
jogado em dois turnos. No primeiro turno jogamos fora de casa, no
campo do adversário, que é o estádio do patrão que paga o nosso
sustento, onde precisamos ser ofensivos e eficientes para fazermos
nosso pé de meia com uma boa campanha; no segundo turno jogamos
em nossa própria casa, como aposentados, e aí precisamos
administrar os pontos ganhos fora e atuarmos com o regulamento
embaixo do braço, retrancados e sem firulas, jogando apenas pelo
resultado que nos mantenha fora da zona de rebaixamento na tabela
de classificação social.
Já que não podemos mais almejar o título de campeão, de ficar
rico e viver da rendas dos títulos, e sequer temos fôlego para darmos
espetáculo buscando grandes novas conquistas de rendimentos
financeiros, suamos a camiseta no segundo turno da vida apenas para
nos mantermos na elite da primeira divisão, sem rebaixamentos
salariais, de forma que possamos, “com a barriga cheia e o coração
contente” deitar a cabeça no travesseiro e dormirmos em paz, até
dependuramos de vez as chuteiras e criarmos asas nos pés.

176
80 - CHÁ E ELEIÇÕES DE CHEFIAS NO DMAE
Jan/2013
Hoje, lendo a Revista da Astec de dezembro de 2012, fiquei
sabendo que o DMAE foi a única instituição pública agraciada com
o prêmio “Top Ser Humano – Categoria Empresa”, conferido pela
Associação Brasileira de Recursos Humanos. Desta vez o DMAE
participou com o case “Gestão por Competências como ferramenta
para o desenvolvimento de líderes em instituições públicas”. Diz a
matéria na revista que os resultados, medidos por meio da Pesquisa
de Clima Organizacional, demonstraram que evoluiu a avaliação que
os servidores fazem das suas lideranças e gestores.
A propósito, lá pelo final de 2010 fui “convocado!” a
participar de uma Oficina de Preparação para Avaliação do
Desempenho Funcional, atividade promovida pela UNIDMAE (que é
a antiga seção de treinamento da DVH rebatizada com o pomposo
título de Universidade Corporativa do DMAE, com reitora e tudo!).
O objetivo principal era “Avaliar para Desenvolver”, pois o resultado
da avaliação constituiria um Plano de Desenvolvimento Individual
(PDI), obtido por meio de reuniões de consenso entre o gestor e o
servidor, que estabeleceriam ações de desenvolvimento com o
suporte institucional da DVH, digo, UNIDMAE...
Resumindo, o método determinava que todo mundo seria
submetido a uma avaliação por sua respectiva chefia. O
questionamento do público-alvo da oficina, e o meu inclusive, era
que estas avaliações seriam apenas de cima para baixo, ou seja, as
chefias não iam também ser avaliadas por seus subordinados?
Como este processo de avaliação estava gerando uma tensão tão
grande entre avaliados e avaliadores, questionava-se a validade de
fazer tanta agitação para resultar em pífios planos de treinamentos
que, na melhor das hipóteses, atingiriam menos de 10% do quadro
funcional. Seria como mover uma montanha para aproveitar um
punhado do seu conteúdo e ainda deixar relações degradadas no
ambiente pelo método!
A réplica dos instrutores da oficina era de que, justamente
por esta avaliação ser “apenas para fins de treinamento”, seria uma
177
oportunidade de se retirar a tensão entre as partes e treinar práticas
de avaliações, por ser um indicador operacional consagrado de
gestão de pessoal, portanto necessário para a qualificação do
DMAE. É o famoso “CHA de Competências”: Conhecer, ter
Habilidade de fazer e ter Atitude de querer fazer (Conhecer-
Habilidade-Atitude = CHA). Seria o momento mágico, consideram os
acadêmicos da Unidmae, de aparecerem os problemas que estão
embaixo do tapete do condicionamento hierárquico...
Por sua vez, esta tensão entre chefias e subordinados me
reportou a uma passagem marcante da história recente do DMAE,
que foram as famigeradas “Eleições de Chefias do Dmae”. Oh! Meu
Deus! Não é tão recente assim, foi em 1989, já faz mais de 20 anos!
Parece que foi ontem...

81 - AS ELEIÇÕES DE CHEFIAS NO DMAE

Naquela época, foi no ano em que o Partido dos


Trabalhadores assumiu pela primeira vez a Prefeitura de Porto
Alegre (que se estenderia por longos quatro mandatos), eu era a
referência petista de maior tradição na militância sindical no DMAE.
Na ocasião tive que me contentar em indicar nomes para serem
superintendentes e diretores, por que eu próprio não podia assumir
por não ter curso superior completo. Por ironia, eu ainda não tinha
completado o curso de engenharia justamente por causa da minha
militância de entrega total à causa político-partidária, e sequer
tínhamos quadros partidários para preencher os cargos naquela que
foi a primeira vitória eleitoral petista para cargo executivo no
Estado.
Contudo, eu fui trabalhar no primeiro escalão, na tropa de
elite do Diretor Geral Guilherme Barbosa, compondo um grupo de
assessoria especial, reunindo na mesma sala as seguintes figurinhas:
O Dieter como assessor técnico (o cara que no segundo mandato
assumiria como DG com a eleição do Guilherme para vereador), o
Eron Estrela como assessor jurídico, eu como assessor sindical e a
Fátima Silvello como assessora comunitária.
178
Passado o medo do novo, medo de desestabilizar a
administração pública por falta de experiência dos novos quadros
petistas, de repente, o DG fez um acordo com o SIMPA, vale dizer,
com o colega Édson Zomar (que havia se revelado nos últimos anos
como uma nova grande liderança sindical dos setores mais
operários do Departamento), para a realização de eleições de
chefias em todas as Divisões do DMAE. Podem imaginar que alarido
repercutiu pelos corredores e pavilhões do DMAE o anúncio desta
decisão. A casa caiu! Imediatamente os superintendentes
apresentaram pedido de demissão coletiva. Era a revolução
operária que estava por chegar. Como diria o Nei Lisboa: 89 foi
bala!...
Foram realmente momentos revolucionários aqueles,
houve assembleias gerais no Auditório Araújo Viana para aprovação
do Regimento Eleitoral Único do DMAE, e foram estabelecidas
Comissões Eleitorais eleitas em cada Divisão: Era a República
Soviética do DMAE. Até os cargos em comissão mistos ficaram
sujeitos à votação. Estas comissões funcionavam como sovietes
(conselhos operários), com poder de organizar internamente quem
estaria vinculado a quais chefias nas quais poderia votar e ser
votado, comissões estas vinculadas ao Soviete Supremo, que era a
Comissão Coordenadora, com três membros indicados pelo Fórum
de Representantes, um membro pelo SIMPA e o outro pelo DG. No
processo eleitoral houve a eleição da instância máxima que era o
Fórum de Representantes (O Politburo), o qual era composto por
delegados eleitos em Assembleias Gerais das Divisões, cujo critério
de proporcionalidade era que para cada 50 funcionários da Divisão
indicavam um representante. Foi uma loucura formidável!
No DMAE as eleições foram realizadas em todos os níveis de
chefia até o Diretor de Divisão inclusive, para um mandato de um
ano. E, depois de eleito, se o Diretor Geral quisesse cassar o
mandato de um chefe teria que submeter seus argumentos ao
Soviete Supremo e a uma Assembleia Geral da Divisão do dito cujo.
Era a democracia participativa do assembleísmo da Grécia Antiga
funcionando no meio operário pós-moderno.
179
Qualquer pesquisa de clima no quadro funcional daquela
época indicaria o ambiente feito um caldeirão que ferveu muito
naquele três meses em que decorreu todo o processo eleitoral.
Havia muita tensão entre as chefias em exercício, as quais se viam
ostensivamente ameaçadas pelos seus subordinados que se
insubordinavam por conta do movimento bolchevique de tomada
do poder: através do voto os oprimidos seriam eleitos como os
novos chefes! As coligações eleitorais naturalmente recorriam ao
apoio de entidades de classe, como o próprio SIMPA, para
desenvolver estratégias visando os cargos mais concorridos, como
os de Seção, Serviço e Diretor de Divisão. O jogo ficou pesado em
alguns locais.
Tudo isso dava gosto de ver acontecendo, por ser até então
inimaginável. Vivíamos permanentemente sob forte emoção
revolucionária devido à tensão que havia entre as várias facções e
visões ideológicas que se infiltravam, com seus interesses, nas
disputas por espaços de cargos dentro da administração petista.
Contudo, apesar da experiência da realização de eleições de
chefias em todo o DMAE ter sido muito valiosa em seus
ensinamentos sociológicos, se mostrou demasiadamente intensa
no acirramento dos ânimos e desestabilizadora da rotina
operacional. Certamente que não era coisa para se realizar todos os
anos, como queria a índole de militância revolucionária das jovens
lideranças petistas municipárias, que eram oriundas recentes do
movimento estudantil. Mas resultou sendo uma coisa para não se
realizar nunca mais!
Sei que depois desses episódios da Comuna do DMAE, e ter
mantido a minha função de chefia de seção no voto, voltei a me
dedicar à causa de conseguir o meu canudo de curso superior
completo. Isso após ter ficado por dez anos marcando passo, por
dar prioridade ao movimento de organização da classe trabalhadora
na redemocratização do país. Diploma que de fato consegui: com
apenas mais dois anos focados no curso me formei em engenharia
pela UFRGS finalmente!

180
Confesso que foi duro ver oportunistas se locupletando e
ver quem construiu a ideia do petismo desde a sua fundação ficar
de fora, chupando o dedo e assistindo a coisa toda, pelo que
tínhamos dedicados vários anos da nossas vidas, se deturpar... Mas
isto já é uma outra história que me levou à minha desfiliação do PT
dez anos depois, por ocasião da reforma da previdência do “Lula Lá”
presidente, que eu conto um dia desses para vocês.
Avalio que a decisão do Diretor Geral de acatar a proposta
de realização de eleições de chefia no DMAE se deu por um
interesse estratégico dele em provocar a ruptura do forte
corporativismo estabelecido no Departamento. Penso que o
Guilherme Barbosa sentiu a necessidade de abrir espaço para os
servidores mais alinhados ideologicamente com a visão petista, os
quais tinham ficado à margem devido à cultura vigente de que o DG
escolhe os superintendentes e estes indicam os diretores e assim
por diante. Como os superintendentes eram da Velha Guarda, sem
vinculações petistas, nada mudou, ficaram os mesmos chefes. Com
as eleições, além de conseguir dar um outro perfil na composição
das chefias, de cima abaixo, pois até os superintendentes
demissionários foram substituídos, a nova administração passou a
dominar com absoluto controle todo o quadro funcional. Nem
precisaria mais de sua antiga assessoria sindical, que era eu. Foi
quando voltei de fato para exercer a minha função no meu local de
trabalho na DVM.
Assim, uma vez conseguido o seu objetivo, não era mais de
interesse da administração petista tumultuar sua gestão com novas
eleições de chefias; de modo que nunca mais se falou neste assunto
e tudo voltou à “normalidade” da calmaria de antes daqueles dias
que pareciam tão revolucionários.
Por isso, quando hoje os novos gestores falam em avaliação
funcional de chefias, os mais antigos tremem nas bases e torcem o
nariz, pois sabem que vem confusão por aí...

181
82 - O ÚLTIMO DIA COM AS CARAS DO DMAE
03/2011
Esta semana eu literalmente queimei arquivos ateando fogo
em uma sacola imensa de papéis recolhidos das minhas prateleiras
e gavetas do meu local de trabalho no DMAE. É impressionante
como se junta papeladas inúteis que se vai carregando na espera de
surgir uma boa oportunidade de descarte que não chega nunca.
Agora é a hora, às vésperas da aposentadoria, do feng-shui final, de
limpar e desovar tantos os arquivos físicos quanto os virtuais
contidos no disco rígido do computador.
Queimei na churrasqueira do meu apartamento docs e
carnês de pagamentos de contas, extratos bancários e canhotos de
talões cheques, em suma, papeis que contém dados pessoais que
ninguém mais se anima a jogar simplesmente no lixo, com medo
que possam cair em mãos de marginais golpistas.
Vinha me dedicando também a rastrear pasta por pasta dos
meus arquivos digitais no computador do DMAE, selecionando o
que deve ser repassado para os colegas que vão dar continuidade
nos serviços que me competia fazer e, cautelosamente, deletei mais
de 1.000 arquivos caducos como lixo eletrônico. Nesse processo dos
últimos dias, é claro, vinha preparando o kit de viagem para a
aposentadoria, empacotando os arquivos que me interessam levar
como “recuerdos”, especialmente o dossiê de fotos das caras dos
colegas e de locais do DMAE.
Para a bagagem da viagem adquiri uma mala grande, ou
seja, comprei um HD-Externo de 120GB para acomodar meu breve
histórico de registros digitais. Breve sim, pois, por incrível que
pareça, faz pouco mais do que uma década apenas que dispomos
de computadores individualizados, embora pareça que já faz muito
mais tempo, ou até que sempre tivemos este recurso, desde
criancinhas. Faz menos tempo ainda que dispomos de máquinas
digitais de fotografias: bem diz o ditado que o tempo da era da
informática parece que voa aceleradamente!
Paradoxalmente, porém, para a minha casa eu levo todas as
fotos. Mas para fins de doação como acervo da DVM, este breve
182
histórico se constituiria numa verdadeira imensidão de arquivos
que armazenei na memória do meu computador, pois são milhares
de fotos dmaeanas batidas por mim. Motivo pelo qual tive que fazer
uma seleção drástica, deletando grande parte, para poder
disponibilizá-las como um produto minimamente interessante a um
herdeiro deste legado, no caso, escolhi o colega Carlos Maiocchi
Casagrande para quem repassei a herança deste arquivos digitais de
fotos das estações de bombeamento do Dmae..
Sobre hoje, o meu último dia de trabalho, evitando ao
máximo me tornar emotivo, apenas registro que o dia transcorreu
normal, sendo que ontem houve uma confraternização dos
aniversariantes da DVM do mês de abril, onde brindamos com
champanhe a minha alforria! Está ainda na programação do meu
“bota-fora” fazermos futuramente um tradicional churrasco no
campo de futebol sete da Catumbi, com uma pelada de futebol do
pessoal do pátio, o que possivelmente seja objeto de uma
postagem posteriormente aqui no blog. Nunca se sabe...
Neste último dia ainda tive a oportunidade de participar do
ato público do Movimento pela VRT (Valorização pela
Responsabilidade Técnica) dos Engenheiros, realizado na esquina
do meu local de trabalho, onde pude despedir-me de vários colegas
e exibir com sucesso a camiseta que havia ganho de presente na
festinha do dia anterior do amigo Konrad, com os dizeres: Eu fui,
DMAE!
A última hora do último dia dediquei a percorrer os diversos
recantos da Divisão de Manutenção (que está em obras e revirada
como um campo de batalha), despedindo-me individualmente de
cada colega, deixando claro que não vou desaparecer, pelo
contrário, vou ficar revoando feito um fantasma o local onde viveu,
pelo fato da minha mulher continuar trabalhando no DMAE por
mais alguns anos e eu ser o seu motorista e, também, pelo meu
vínculo de ser membro da diretoria da associação AEAPOPPA.
No final do expediente tratei com especial solenidade o
último movimento desta formidável ópera de cumprimento da
sentença trabalhista do tempo de serviço para se ganhar direito a
183
uma aposentadoria integral, qual seja, o ato solene da última batida
de cartão ponto. Fiz questão de registrar fotograficamente, com as
testemunhas oculares e companheiros de sina, este momento
culminante em que se abre definitivamente a algema eletrônica do
cartão ponto e se rompem as grades das janelas pelas quais assistia
passar os dias, as semanas, os meses, os anos...a vida.
Carreguei comigo todas as tralhas que acumulei durante
todo esse tempo no meu reduto inicial e final, que foi a manutenção
de equipamentos do DMAE (com um breve hiato devido a minha
passagem pelas Divisões de Água e de Planejamento, como
engenheiro recém-formado); bem como carrego as fortes
influências de formação humanísticas das várias gerações de
colegas com quem convivi no Departamento.
Estou partindo do convívio diário com os colegas, mas não
vamos perder o contato, pois certamente há vida depois da
aposentadoria, e eu serei uma voz no além a relatar como se dá esta
transição do mundo dos ativos para o mundo dos inativos. O Blog
Diário de Um AposentaNdo continuará vivo, fique ligado!
Assim, cumprido o ritual do derradeiro dia útil deste mês
de abril de 2011, rumando para a liberdade incondicional da
disponibilidade do tempo do resto da minha vida, em comemoração
ao meu último dia de servidor público municipal em atividade, vou
disponibilizar exclusivamente para os leitores do blog, como uma
homenagem póstuma, a minha coleção favorita de fotos, acervo
que cobre mais de dez anos de convívio com os colegas dmaeanos,
fotos em close dos colegas, coleção que chamo de “As Caras do
DMAE”: - VALEU DMAE!!!!!!!!

83 - A HORA DE PENDURAR AS CHUTEIRAS


Maio/2011
Como eu dizia em minhas “Reflexões sobre Estratégia de
Pré-Aposentadoria”, postada aqui em janeiro/2011, cada um sabe
onde o sapato lhe aperta, não há uma estratégia melhor do que a
outra, você é quem decide qual será a sua estratégia pré-
aposentadoria e o momento certo de saltar fora. No meu caso,
184
daqui pra frente, após ter pago a última parcela do financiamento
do carro no contracheque de fevereiro, nada mais está previamente
definido. Voltei das férias em fevereiro para trabalhar o mês de
março inteiro e, pra diante, ir avaliando mês a mês: com cuidado
para não sair correndo e cambaleando por falta de dinheiro, mas
não tão cuidadoso para não cair na cilada de ficar trabalhando 8
horas por dia de graça por medo da vida no além-Dmae! Meu
“Sonho de Liberdade” é outro...
O certo é que na “Hora H” do “Dia D” de pendurar as
chuteiras todo mundo fica sujeito a “amarelar”. Por falar em
amarelar, o exemplo mais emblemático do momento, de quem
pendurou as chuteiras literalmente sem amarelar desta vez, é o
jogador de futebol Ronaldo Fenômeno. Ele se declarou faceiro por
finalmente ter conquistado os finais de semana livres, mas
reconheceu que vai sentir falta até das concentrações que ele
odiava tanto e, é claro, vai sentir falta nas tardes de domingo da
adrenalina dos estádios lotados vibrando com seus gols fantásticos.
Assim, é possível que eu também venha a sentir falta até
das manhãs de sábados e domingos em que acordava cedo e ficava
enjaulado no meu local de trabalho para fazer os plantões de
engenheiros, em troca de alguns trocados a mais no salário. A
propósito, faz mais de um ano que deixei de fazer estes plantões,
seguindo a lógica do Jalba que se aposentou antes de mim, que era
preciso ir se desprendendo destes penduricalhos salariais que a
gente não vai levar na aposentadoria, visando evitar a sensação de
um rombo financeiro na hora H de pendurar as chuteiras. Registro,
para que seja de domínio público, que esta estratégia tem uma
vantagem que eu nem havia computado, qual seja, de que se recebe
a média das horas extras nos períodos de férias e de licença-prêmio.
Portanto, no mole, faturei uma graninha extra sem precisar fazer
horas-extras em pelo menos duas férias e duas LPs neste período!
Ronaldo Fenômeno de repente declarou, com lágrimas no
rosto: Depois de mais uma lesão, eu refleti muito em casa e decidi
que era o momento de pendurar a chuteira. Perguntado pela
Patrícia Poeta em qual posição, entre os dez maiores jogadores
185
brasileiros de todos os tempos ele se colocaria, Ronaldo Fenômeno
respondeu:
- Falando de atacantes, o Pelé foi muito superior. Acho que eu
estaria entre o segundo e o terceiro, modéstia à parte...
Eu também, depois de ter adquirido direito à alforria em
julho de 2010 e de ter planejado sair somente depois de fevereiro
de 2011, para não sentir a sensação de rombo financeiro com o
corte imediato da grana do Abono Permanência, refleti muito e
decidi que era chegado o momento de eu pendurar a chuteira.
Francamente, sem falsa modéstia, sei que nunca incorporei
completamente o capacete branco de engenheiro, não estive entre
os melhores (até porque nunca tive este EPI de fato), em toda a
minha passagem profissional. Mas, mesmo sem explorar todo o
meu potencial, dei pro gasto, joguei a minha bolinha sempre pra
equipe e, quando surgia oportunidade, fazia algumas jogadas
espetaculosas de efeito na área gerencial de gráficos e relatórios.
Concordo plenamente com o agora ex-craque Ronaldo
Gordo, mas julgo que talvez o Zico pudesse concorrer na segunda
posição, com suas penetrações na área adversária. Mas nada que
se compare às emocionantes arrancadas do Ronaldo, entortando os
zagueiros e sendo, como o Romário, um exímio matador de
goleiros, porém com mais estética atlética que o baixinho. A força,
agilidade e beleza nos movimentos, como teoriza a professora de
filosofia da arte, Kathrin Rosenfield, sobre a inteligência corporal
momentânea que se revela como inspirações artísticas nas jogadas
dos craques de futebol, tais como Pelé, Maradona e Garrincha.
Ronaldo fez 352 gols em 18 anos de carreira, entre eles muitos
golaços de placa: verdadeiras obras de arte.
Considero que também fiz alguns poucos golaços nos meus
36 anos de carreira de servidor público, tais como a fundação da
entidade pré-sindical dos servidores municipais denominada
Associação dos Municipários de Porto Alegre (AMPA), a Intervenção
no Montepio para desmantelar a quadrilha que atuava por lá, a
implantação dos sistemas de poços artesianos na Pitinga e nas
Quirinas, a informatização dos serviços de repavimentação do
186
DMAE na década de 90 e a gestão por indicadores de eficiência na
DVM....
A minha hora de pendurar as chuteiras também chegou,
em verdade eu já estava jogando no tempo complementar da
prorrogação do prazo. Sei, é claro, que eu também vou sentir falta
até do relógio-ponto que eu tanto odeio e, nas tardes de domingo,
vou sentir falta da indesejada proximidade da manhã de segunda-
feira que retoma a eterna rotina semanal do mundo do trabalho...
Mas, chegou a Hora H do Dia D e eu também estou declarando,
sem ter sido nenhum fenômeno (mas dando pro gasto da
sobrevivência): Eu Fui, Dmae!...
Vou ao Previmpa protocolar o meu pedido de
aposentadoria e não volto mais pra trabalhar no Dmae, pois estarei
gozando os meus últimos 30 dias de licença prêmio e depois
continuarei em casa por conta da Licença Aguardado Aposentadoria
até o Ato Final!...

84 - MEU ALVARÁ DE SOLTURA & A GREVE

Conforme o alvará de soltura expedido pelo memorando nº


68/2011, a partir de hoje, dia 02/junho/2011, estará em liberdade
condicional o detento matrícula 699140 do pavilhão DVM do Dmae,
por cumprimento integral da pena de prestação de serviços para a
comunidade do município de Porto Alegre. O procedimento da
instituição é emitir um novo memorando a cada mês, se não houver
despacho em contrário pelo Tribunal de Contas, até que seja
certificada a alforria de libertação em definitivo desta mão de obra
assalariada.
Em depoimento, o cidadão que ora é reintegrado em regime
integral à sociedade cultural da cidade, após usufruir de um período
de adaptação por trinta dias em Licença Prêmio, declara que os dias
têm sido curtos para tantas coisas boas a serem feitas, e que não
sabe como é que conseguia encaixar o “horário de expediente” no
seu cotidiano.

187
Os municipários aprovaram, na assembleia geral da
categoria realizada dia 19/maio/2011, greve em tempo
indeterminado por 18% Já! Mais de 3.000 municipários lotaram o
Centro de Eventos do Parque Harmonia e rejeitaram a proposta do
governo, que apenas repõe a inflação pelo IPCA (6,51%) e dá
aumento no vale-alimentação de 0,78 centavos de real.
O fim da greve dos municipários coincidiu com o
recebimento do meu primeiro contracheque de aposentado, e este
a gente nunca esquece. O Jalba, que tinha tudo calculadinho com
duas casas decimais, quando se aposentou no início do ano passado,
comentou que o impacto do primeiro mês foi surpreendente até pra
ele. Uma coisa é falar de números genericamente, outra bem
diferente é ver os números do teu contracheque sem o valor do
abono permanência e sem o auxílio alimentação (nunca tinha dado
importância para essa merreca!).
Ainda bem que sempre tem um ”ainda bem”, pois ainda
bem que, com uma vitória histórica da greve dos muncipários que
atropelou o “abusado do Buzzato” como interlocutor da
administração e negociou diretamente com o prefeito Fortunati,
conseguimos um reajuste com aumento salarial, a título de
reposição de parte das perdas salariais da categoria. Com os 7%
conquistados na greve de 8 dias recupero parte das perdas no meu
salário devidas ao meu pedido de aposentadoria, perdas estas que
deixarão de existir quando sair a portaria do Previmpa, uma vez que
estar oficialmente aposentado implica em passar a pagar a
previdência apenas sobre o valor que exceder o teto previdenciário.
A minha mensagem aos novos aposentaNdos é que fiquem
espertos, pois este rito de passagem é cheio de nuanças nebulosas.
- Valeu a luta companheiros municipários grevistas!

85 - SE APOSENTAR OU NÃO? VOCÊ DECIDE!


04/10/2011
Por estas coincidências da vida, numa mesma manhã recebi
dois telefonemas sobre o ato de aposentadoria, com os quais intuí
de cara que este episódio iria render uma crônica como tema deste
188
blog. Primeiro veio a notícia que uma colega de serviço, que havia
requerido a aposentadoria junto comigo, em maio de 2011, e que
também estava em licença de Aguardando o Ato desde então,
tinha desistido de se aposentar e estava retornando ao trabalho.
Tratei logo de fazer uma entrevista por telefone com ela para saber
os motivos da sua mudança de planos, depois dela ter tido a
experiência de cerca de cinco meses como “aprendiz de inativa”, e
ela disse:
- Achei que estava, mas não estava preparada para me aposentar.
Levada pelas circunstâncias funcionais momentâneas, acabei me
precipitando e pedindo a aposentadoria. Nos primeiros dois meses
parecia que tudo corria bem, mas logo comecei a perceber que não
estava me adaptando ao novo ritmo de vida. Também pudera, fui
morar num lugarejo no interior do interior, só eu e o meu marido
no meio do nada; a vizinhança mais próxima ficava a uma boa
caminhada, assim como a padaria e o mercado. A única socialização
que me restava era a visita eventual das minhas filhas; eu já andava
falando até com os bichos da casa. Então comecei a ficar deprimida,
triste, arrependida de ter abandonado a minha rotina de trabalho e
de convívio com os colegas. Parece mentira, mas passei a sentir
saudade até da rotina. Sentia falta da correria do vai-e-vem de todos
os dias, de segunda à sexta, que tanto valorizam as folgas dos finais
de semana. A verdade é que não planejei nada para fazer depois de
aposentada e me dei mal. Por sorte, como ainda não havia sido
publicado o Ato de Aposentadoria, ainda pude voltar atrás
cancelando o meu pedido e retornei ao trabalho. Agora vou me
preparar melhor, vou fazer um planejamento para exercer alguma
atividade quando eu decidir novamente me aposentar...
O outro telefonema que recebi naquela manhã foi do
Previmpa, comunicando que enviariam para a publicação o meu
Ato Aposentadoria; que não iriam adiar a publicação, conforme eu
havia solicitado. Não se trata, como pode parecer no contexto deste
texto, que eu também estivesse vacilando e querendo desistir do
meu pedido de aposentadoria. O que aconteceu foi que, diante da
proposta do prefeito ao Movimento dos Capacetes Brancos, de se
189
comprometer a pagar um abono de R$ 500,00, retroativo à maio,
somente aos servidores ativos de nível superior vinculados ao CREA,
comecei a articular com os meus contatos para retardar
burocraticamente o meu rito de passagem do quadro dos ativos
para o dos inativos. Claro que eu estava torcendo para botar a mão
nesta bolada, preciso urgentemente arrecadar recursos (ou
economizar, que me é difícil!) para realizar o meu sonho de
aposentado: viajar para a Europa!
Esta onda de indicadores de eficiência gerencial (de
qualidade total na administração pública), está influenciando e
modificando de fato a cultura do servidor público. Vejam vocês, a
pouco tempo atrás criticávamos o Previmpa por sua extrema
morosidade que levava mais de um ano entre o pedido e o Ato de
aposentadoria; hoje, decorrido apenas cinco meses do meu pedido,
eles me telefonam irredutíveis e me colocam contra a parede:
“vamos enviar o teu processo para a publicação, a não ser que
decidas desistir do pedido de aposentadoria e retornes ao trabalho”!
A moral da história dos dois telefonemas é que há um
momento crucial em que você pode repensar se vai continuar ou
desistir do processo de aposentadoria: Você decide! Cada um sabe,
ou aprende depressa durante a Licença Aguardando Aposentadoria,
o que é melhor para si nesta fase da vida em que, geralmente, os
filhos já bateram asas e deixaram o ninho dos pais vazio. Alguns
optam, com plena convicção, só serem aposentados
compulsoriamente; outros se arriscam com um salto no escuro,
sendo que alguns desses se adaptam com facilidade e outros não,
mas nem todos os que se arrependem conseguem perceber o seu
erro em tempo hábil de cancelarem o pedido de aposentadoria.
Depois do Ato publicado, não tem mais volta, tarde piastes!
Mas há também os que não só planejaram como se
prepararam para esta travessia, que esperaram ansiosamente por
este novo ciclo de suas vidas e que passam a vivenciar intensamente
cada momento com a alegria de quem obteve a libertação da
sentença de apenas sobreviver e que passou a viver integralmente
a sua existência. Como sinto que me enquadro neste último grupo,
190
naturalmente que a possível bolada de grana prometida pelo
prefeito para os ativos não é moeda de troca bastante atraente para
me fazer desistir do “nirvana” que representa para mim o estar
aposentado.
A conclusão da moral da história dos dois telefonemas é
que esta febre de eficiência do Previmpa, de minimizar o tempo de
tramitação do processo de aposentadoria, deve ser contida de
forma a se manter na faixa de seis meses de demora, de modo que
a experiência do rito de passagem para a “inatividade” possa ser
assimilado e, se for o caso, com tempo hábil para ser abortado por
quem não se adaptar ao mundo dos aposentados.

86 – LUTA DAS RESPONSABILIDADES TÉCNICAS – O INÍCIO

O prefeito Fortunati, que no seu primeiro mês no cargo já


acumula duas mortes nas costas (a ocorrida em abril/2010, do
jovem Vavá eletrocutado na parada de ônibus que estava com as
ferragens energizadas, na Av. João Pessoa em frente à UFRGS, e a
do motoqueiro que se acidentou na repavimentação de um buraco
do DMAE), declarou que os acidentes foram causados “por falhas
humanas”, mas que não irá proteger ninguém de suas
responsabilidades, custe o que custar. Em entrevista à Rádio Gaúcha
o diretor do DMAE, o engenheiro Flávio Presser, lamentou o
acidente que vitimou o motoqueiro e assumiu que a
responsabilidade é do DMAE sobre a falha no asfalto (massa fria
provisória) que pode ter causado a morte.
Em decorrência da recente manifestação do prefeito José
Fortunati na imprensa (ZH de 19 de abril) sobre falhas em serviços
públicos da prefeitura que ocasionaram a morte de dois cidadãos, o
Sindicato dos Municipários de Porto Alegre (SIMPA) denuncia a
política de gestão adotada na Capital, que promove o sucateamento
dos órgãos públicos e terceiriza serviços. O SIMPA contesta o
posicionamento do prefeito municipal, pois ele desconsidera a
precariedade dos serviços prestados pelas empresas terceirizadas,
que exploram a mão de obra contratada com salários aviltantes e
191
utilizam materiais de péssima qualidade como forma de ampliar
seus lucros.
Sobre um outro assunto pertinente, que é o famigerado
salário mínimo profissional dos engenheiros, na revista do CREA-RS
de abril tem uma matéria com a seguinte chamada de capa: Piso
salarial em órgãos públicos pode virar lei. Relata que a Lei 4.940/66
foi aprovada pelo Congresso Nacional, estabelecendo o Salário
Mínimo Profissional (SMP) para a área de engenharia.
Aproveitando este clima de tensão na opinião pública da
cidade, não para de chegar em nossas caixas de correio eletrônico
mensagens de mobilização para o ascendente movimento de
mobilização dos engenheiros da Prefeitura, chamando para
reuniões e assembleias, com o apoio do SENGE-RS (Sindicato dos
Engenheiros), tendo por pauta a reivindicação da VRT: Verba de
Responsabilidade Técnica, de valor mensal equivalente a 2,5 (duas
vírgula cinco) vezes o valor do vencimento básico inicial desse cargo,
que será incorporada aos proventos de aposentadoria do
engenheiro, arquiteto, agrônomo e geólogo...
Como um engenheiro aposentando que sou e, para sempre,
com paridade com a categoria ativa (será extensivo aos já
aposentados e aposentaNdos?), faço eco a este movimento
parafraseando o velho Marx:
- Engenheiros de toda a PMPA, UNÍ-VOS!!!

87 - ASTEC & OS CAPACETES BRANCOS

A Revista da ASTEC, edição de dezembro/2010, colocou em


seu editorial a necessidade da associação rever seus caminhos que
se norteavam pela unidade dos técnicos científicos, para poder
responder ao novo desafio, que são os movimentos profissionais
particularizados dentro dos municipários porto-alegrenses. Por
deliberação de Assembleia Geral, a ASTEC ficou na saia justa de
apoiar esses movimentos organizados e, paradoxalmente, lutar pela
conquista da isonomia salarial dos técnicos científicos. Entrou,
assim, no coorporativo Feirão da PMPA de reivindicações
192
profissionais particularizadas, onde tem banca dos engenheiros,
banca dos arquitetos, dos administradores, da gestão, dos médicos,
dos advogados, dos fazendários e banca dos Assistentes Sociais que
agora buscam o cumprimento da jornada de trabalho de 30 horas
semanais para a categoria, sem redução de salário, conforme lei
federal.
Os Procuradores e Advogados conquistaram o ganho de 3,5
salários básicos, além dos salários comum a todos os técnicos
científicos, para exercerem as mesmas funções que sempre
exerceram, a título de gratificação especial. No comecinho de 2011,
ainda conseguiram que a Prefeitura pague a anuidade de seus
respectivos órgãos de classe, no caso OAB, requisito exigido para
que todos os técnicos científicos possam exercer a função para as
quais foram concursados. Aos outros profissionais, médicos,
engenheiros, etc, nada! A partir destes movimentos, a ideologia
instituída é a luta de todos contra todos os outros que não são de
sua mesma classe profissional?
A propósito deste tema dos procuradores, postei um texto
neste blog onde eu dizia, em março de 2010: Esta semana haverá
uma solenidade promovida pelo Prefeito com a ASTEC (Assoc. dos
Técnicos Científicos), para a assinatura de concessão da chamada
“Integralidade da GIT” - Gratificação de Incentivo Técnico - que até
agora atingia o valor de 90% do salário básico do cargo inicial de
Nível Superior. A partir de fevereiro/2010 passará a ser dado a
integralidade (mais 10% para integrar os 100%) como um “cala a
boca” para não chiarmos contra os 2,5 salários básicos ganhos
recentemente pela classe dos advogados da Prefeitura e, também,
para esquecermos dos Procuradores e Agente Fiscais que já ganham
3,5 salários básicos como gratificações especiais. É como diz o velho
ditado: de penduricalho em penduricalho vamos engordando o
nosso salário!
Penso, enquanto um ex-sindicalista, que se o Marx tivesse
a premonição de futuro do que seriam as relações trabalhistas no
século XXI, iria se revirar no caixão! A luta de classes é entre os
próprios trabalhadores, é de classe contra classe profissional. Com
193
um barulho desses, para dormir sossegado só se aposentando para
esperar pra curtir a copa alienadamente!
...
Lembro que eu entendia que, após a conquista parcial da
GIT (Gratificação de Incentivo Técnico), o surgimento da ASTEC foi a
chancela de que “o sonho de unidade no SIMPA tinha acabado”.
Relembro isso com todo o respeito aos mentores da ASTEC, na
época liderados pelo cara que eu considero que foi a mais
importante liderança sindical da nossa geração de barnabés
municipais, o Luis Fernando Rigotti: bom orador, articulador
carismático, e construtor da AMPA, do SIMPA, da ASTEC e do
PREVIMPA. É este mesmo cara que agora, como presidente do
PREVIMPA, é hostilizado pelo sindicato e pela ASTEC por ter rasgado
algumas bandeiras do movimento. Já vimos este filme acontecer em
todos os níveis e instâncias políticas deste país!...
Eu não aderi à ASTEC na época, e nem havia me associado
até às vésperas de me aposentar, cedi mais em razão de que em
mim começou a prevalecer a minha índole anarquista, pois passei a
desacreditar em absolutamente todas as instituições humanas,
após o desencanto com as organizações sociais que eu havia
ajudado a construir: Simpa e PT...O Simpa havia caído nas mãos de
uma direita mafiosa e o PT...é melhor nem comentar, deixar pra lá!
Mas, como técnico científico, ainda que tardiamente,
precisei reconhecer que as leis de Newton continuavam vigorando,
e que toda reação ainda é causada por uma ação. A orientação
partidarizada que o nosso sindicalismo assumiu, após a transição do
movimento plural da AMPA para o do sectarismo ideológico petista
semeado no SIMPA, fez com que o surgimento da ASTEC (e o
refortalecimento político das várias associações coorporativas dos
servidores) fosse uma reação divisionista natural da física dos
movimentos.
Depois veio o Sarney, o Collor,...e na dialética histórica a
democracia perdeu o seu poder mágico de mobilizar as pessoas em
causas institucionais do bem coletivo baseado na consciência de
classe. Junto com o Muro de Berlim caiu por terra a esperança de
194
uma sociedade mais justa e igualitária. Como dizia a canção do
Gilberto Gil: O sonho acabou, e foi pesado o sono pra quem não
sonhou...
Assimilando os novos tempos, por sugestão da Margareta
Baumgarten, então brilhante primeira presidentA da ASTEC, no meu
final de carreira tive que dar o braço a torcer e me associar, pois
reconheci que a entidade qualificou politicamente a classe dos
técnicos científicos, e que se consolidou como um fórum importante
para aprofundar o debate das questões de interesse geral dos
servidores municipais porto-alegrenses. Nas lutas junto e misturada
com a categoria dos municipários, a ASTEC completou sua
maioridade mostrando ao que veio: 18 anos de intensas atividades
e mais de mil sócios!

88 - OS CAPACETES BRANCOS E A BATALHA FINAL


28/11/2011
No evento de comemoração dos 80 anos da estátua do
Cristo Redentor no RJ, realizado no mês de outubro, foram
inaugurados dois bustos de bronze ao pé do monumento que é uma
das maravilhas do mundo moderno: o busto do bispo que a
encomendou e, por incrível que pareça, o busto do engenheiro que
construiu a obra!! Finalmente lembraram do engenheiro que
construiu aquela obra fenomenal e impressionante com a
tecnologia precária da época. É praticamente uma pirâmide
tupiniquim.
Este é um sinal cultural dos novos tempos, tanto que no
embalo das obras dos PACs (Planos de Aceleração do Crescimento)
e da Copa do Mundo no Brasil, os cursos de Engenharia estão entre
os mais procurados no próximo vestibular da UFRGS. Somados, nos
16 cursos de Engenharia oferecidos, a quantidade de inscritos
cresceu e está atrás apenas da medicina em número de candidatos.
Mas na prefeitura de Porto Alegre a tendência de
valorização dos profissionais da área de engenharia (arquitetura e
agronomia) ainda vinha enfrentando resistências. Por aqui ainda
prevalecem fortes resquícios de uma administração arraigada
195
culturalmente à concepção tecnocrata “jurídico-fazendária”, ou
seja, de valorização de quem meramente arrecada e executa
cobranças, em detrimento de quem produz benefícios e presta
serviços diretos para os contribuintes.
Nos últimos tempos temos visto movimentos sociais
fantásticos pelo mundo afora, especialmente os possibilitados
graças à globalização do mundo em redes de relacionamentos pela
internet. Temos visto revoluções e guerras civis repentinas em
pleno mundo árabe muçulmano, com a chamada Primavera Árabe,
onde nada mudava a milênios; temos visto até levantes de protestos
espontâneos dos jovens “Indignados” no coração da União
Europeia, lutando por democracia real no Velho Mundo. No Novo
Mundo temos visto enfretamentos da população contra o
capitalismo no Movimento Ocupe Wall Street nas praças e ruas dos
EUA; temos visto os jovens brasileiros marcharem contra os
aumentos abusivos nos transportes públicos e sofrerem violências
pelas tropas de repressão, igualzinho aos tempos de ditadura...
Inclusive aqui, no extremo sul do Brasil, na capital do pampa
gaúcho, temos visto o Movimento dos Capacetes Brancos, em que
os Engenheiros, Agrônomos e Arquitetos da Prefeitura de Porto
Alegre levantam a cabeça e fazem “capacetaços” em atos públicos
para protestarem pela não implantação da Verba de
Responsabilidade Técnica (VRT), que visa a equiparação salarial da
classe com os Procuradores do Município. A exemplo dos demais
movimentos citados, que estão se proliferando ao redor do planeta,
os Capacetes Brancos da Prefeitura também se articulam pela
internet e atingiram um grau de mobilização inédito na categoria.
Conseguiram implantar objetivamente novas ações de lutas, tais
como: Operação Liberação Zero (não liberar: trâmites
administrativos, processos, aprovações, licenciamentos, vistorias,
fiscalizações, contratos, medições, habite-se, etc.); Operação Não
Comparecer (não comparecerem em Reuniões, Conselhos, Grupos
de trabalho, etc.); Não Atendimento de Telefone Funcional (fora do
horário de expediente e, em algumas datas pré-estabelecidas pelo
movimento, não atender telefones também dentro do horário de
196
expediente); Atos de Capacetaços (preferencialmente em eventos
públicos de comparecimento do Prefeito). Como sou ex-militante
sindical e partidário, gosto de ficar observando as novas
ferramentas que estão sendo introduzidas nas velhas e eternas lutas
sociais. Fico analisando e vibrando com suas eficiências nas lutas
sociológicas de classe aqui e mundo afora.
Lutando como leões do Paço Municipal, o Movimento dos
Capacetes Brancos vinha mobilizando há seis meses estes
servidores públicos municipais em “capacetaços” pela cidade,
gritando por valorização profissional da categoria. Enquanto faziam
barulhos com buzinaços para serem ouvidos, o executivo municipal
fazia ouvidos surdos de mercador, como quem só queria barganhar
sistematicamente e gastar o tempo visando desarticular o
movimento pelo cansaço. Como mais um sinal cultural afirmativo
dos novos tempos, finalmente esta realidade começa a ser
transformada na Prefeitura de Porto Alegre. Graças ao Movimento
dos Capacetes Brancos, a classe conseguiu obter uma proposta que,
mesmo não atingindo plenamente a isonomia salarial almejada com
os procuradores, consagra como vitoriosa a bandeira de luta
conquistando um avanço significativo na redução das distorções
salariais entre os técnicos científicos de nível superior. Finalmente o
governo acatou abranger também os inativos: os aposentados
receberão integralmente essa nova gratificação denominada de
GAM de mais um salário básico (sendo uma parte fixo + parte
variável, considerando a parte variável como cumprida em 100%
pelos aposentados) desde que estivessem no cargo nos últimos dez
anos.
Na amadurecida Assembleia Geral da categoria que votou
pela aceitação da proposta da Administração, computou-se como o
principal saldo do movimento, além da vantagem financeira que
não é pouca, a capacidade de união e de mobilização dos capacetes
brancos. Atitudes corajosas como o “Liberação Zero” e o botar a
cara em incontáveis atos públicos, contando com lideranças
totalmente comprometidas com os interesses comuns do
movimento (Valeu Eng° Adinaldo do Dmae!), devolveram aos
197
profissionais dos capacetes brancos a dignidade cidadã de serem
novamente agentes interlocutores de suas próprias carreiras.
Reconquistaram a capacidade de pautar discussões com a
Administração municipal daqui pra frente, seja quem for que estiver
no poder!
- Valeu Capacetes Brancos, nossos heróis, os cabeças brancas
aposentados agradecem!

89 - O DOPA VERDE
29/10/2011
Recentemente o Diário Oficial da Porto Alegre (DOPA), que
tinha uma tiragem determinada para ser distribuída entre os
setores de todas as Secretarias e Departamentos, de modo a dar
transparência e manter informados os seus servidores dos atos e
despachos governamentais, também deixou de existir fisicamente e
passou a ser uma publicação virtualmente “verde”, para poupar
papel e evitar desmatamentos.
Dava gosto de ver os colegas lendo atos e portarias, dos
“designa, cessa, nomeia, lota e até os pune, exonera”; de minha
parte eu sempre lia apenas as matérias culturais de capa e
contracapa, mas ficava sabendo pelos demais das “novidades”. O
jornal DOPA passava de mesa em mesa, cada um o rubricava como
lido e passava adiante, percorrendo inclusive vários setores. Isso
acontecia desde sempre, de antes do DOPA, quando já era tradição
nos órgãos das repartições na época em que eu comecei a trabalhar
na Secretaria Municipal da Fazenda – Divisão de Tributos
Imobiliários em 1974, quando o Diário era ainda um Boletim
Informativo impresso em folhas de papel ofício grampeadas.
Agora, virtual, é como se tivesse deixado de existir.
Culturalmente se destinava um momento do dia para folhear o
DOPA a fim de se poder passá-lo adiante para o próximo leitor.
Agora, como o que não é visto não é lembrado, o DOPA tornou-se
absolutamente inútil para os servidores, não gasta papel mas
também não serve mais ao que se destinava.

198
Na verdade o DOPA passou a funcionar como um arquivo
morto, ou seja, temos que descobrir por outros caminhos
transversos em qual edição foi publicada tal ou qual portaria ou ato,
e depois fazer a busca para acessar online. Deixou de ser uma fonte
de informação e, em nome de poupar talvez os papeis mais bem
usados e aproveitados da administração (que não recicla sequer
seus próprios papeis descartados no lixo!), o DOPA passou a ser um
mero recurso de pesquisa, um google da burocracia municipal.
Por baixo do poncho de proteção do verde patronal sempre
tem alguma armadilha tipo “pega-bobo”, de desinformação
sistemática da plebe rude. Tanto é assim que o ato da minha
aposentadoria foi publicado no dia 18/10/2011 e ninguém do
DMAE ficou sabendo até que eu divulgasse aqui no blog; nos tempos
em que o DOPA era impresso em papel isso jamais aconteceria,
sempre alguém espalharia a novidade. Assim, sabe-se lá quantas
coisas vão passar por baixo do poncho verde sem que ninguém fique
sabendo que já foi “dopado”. Hein?...

90 – NEUSA, A ACOLHEDORA DE GATOS DE RUA

Tempos atrás, quando eu e a Magda ainda trabalhávamos


no DMAE, certo dia vimos um motorista de veículo terceirizado do
Departamento pegando um gato que estava justamente embaixo
do nosso carro. Ele nos contou que uma mulher tinha acabado
de parar o carro dela ali e desovado uma ninhada de quatro gatos
e fugido, quase atropelando os filhotes. Compadecido, ele havia
recolhido os outros três gatinhos e colocado atrás de umas lajes que
estavam encostadas no muro da Colégio São Francisco na rua
Princesa Isabel, e para lá levou este último que faltava recolher.
A Magda, que era conhecida como “gateira” por comprar
rações para alimentar os gatos que povoam o pátio da Divisão onde
trabalhava, me encarregou de fornecer ração para os novos órfãos,
já que ela estaria ausente naquela tarde. Ela, que naquela época
tinha um casal de gatos em casa (o negro Félix e a tigrada Pitchuca,
sem contar a tartaruga Rafa), determinou isso porque sabia que eu
199
sempre carregava (e ainda carrego) rações no porta-malas do carro
para os gatos e cachorros do estacionamento onde eu alugo um
box, perto da minha casa.
Havia, então, no meu estacionamento uma dúzia de gatos e
filhotes de uma linhada recente, além de dois cães (o Boby, um
dobermann, e o velho Mickey, um cocker que já estava na “capa da
gaita”). Depois houve várias gerações de gatos: a da Fia, a do
Chumbinho e a do Vacariano e a da Xuxa. O problema do apego no
acolhimento de animais de longevidades bem inferiores às nossas
são as perdas por doenças, cujas mortes se tornam doloridas
lembranças. De toda esta bicharada, hoje só restam vivas a Pitchuca
e a Xuxa, como duas gatas velhinhas e manhosas.
Mas, voltando aos novos órfãos do Dmae, eles aparentavam
ser bem tratados e terem uns cinco meses de idade. Estavam em
pânico ao se verem, de repente, largados no mundo para se
tornarem “gatos-de-rua” e cada um por si. Então, penalizado com
os bichinhos, decidi recorrer a uma das protetoras de animais mais
renomada daquela nossa área de trabalho, a “Neusa dos Bichos”,
para quem relatei o ocorrido e a localização do refúgio dos gatos.
No dia seguinte liguei declarando que “eu tirava o chapéu pra ela”,
ao saber que os órfãos estavam morando dentro do carro dela
(transformado numa quitinete móvel), já que no seu apartamento
há outros gatos com os quais daria briga por domínio do território
se levasse os filhotes para lá. No budismo se fala muito em
compaixão e desapego, mas a atitude da Neusa de dar guarita
provisória aos quatro bichos, até encontrar um lar adotivo para eles,
é coisa de monja muito evoluída, sacerdotisa já em estado de
iluminação!
No outro dia recebi a notícia que os bichanos fizeram a
transição do quitinete para o apartamento da Neusa, e que dois
deles já haviam sido adotados pelos colega Luís Fernando Albrecht.
A partir de então, formamos uma rede online de divulgação para
acolhimento dos outros dois gatinhos órfãos, com a adesão da
expert Maria Cristina Abott . Procuramos quem estivesse
interessado em adotar aqueles gatinhos que, de uma situação de
200
risco, e a partir de uma iniciativa solitária de um motorista anônimo
que os acolheu, por força do destino, estavam justamente sob o
nosso carro que, por sorte, somos amigos da Neusa e que, por
compaixão dela, os bichanos passaram de abandonados a
residentes em uma casa-lar de passagem. A corrente do bem de
proteção e acolhimento dos animais de rua teve um final feliz.
- Valeu Neusa Rocha!

91 - GALOS DE ENCRUZILHADAS NO DMAE


31/10/2011
Matar animais em sacrifícios religiosos vem de tempos mais
remotos do que matar por entretenimento público nas arenas
romanas, vem do Velho Testamento bíblico, desde quando Abraão
ia sacrificar seu filho Isaac a pedido de Deus que, na última hora,
diante de tamanha prova de fé, trocou o sacrifício humano pelo de
um cordeiro...
A Câmara de Vereadores de Porto Alegre autorizou o
sacrifício de animais em cultos de origem africana, aprovando o
projeto de lei complementar que alterou o Código Municipal de
Limpeza Urbana que classificava como ato lesivo a deposição em
locais públicos de animais mortos utilizados em cultos de religiões
africanas e da umbanda. No texto do código municipal, o depósito
de animais mortos ou partes deles em via pública previa multas para
os infratores.
O autor do projeto complementar, então vereador
Guilherme Barbosa (PT e ex-Diretor Geral do Dmae), alegou que o
texto do Código Municipal de Limpeza Urbana confrontava com a
Lei Orgânica do Município de Porto Alegre (LOM), que determina
liberdade para o funcionamento de cultos, igrejas e o exercício do
direito de manifestação cultural coletiva. O vereador lembrou ainda
que, de acordo com a Constituição Federal de 1988, a liberdade de
consciência e de crença é inviolável e o livre exercício dos cultos
religiosos é assegurado, assim como a proteção aos locais de culto
e as suas liturgias.

201
Há, porém, controvérsias sobre estes argumentos
“teologicamente corretos”, uma vez que prevalece em vários
estados e cidades do Brasil a premissa da higiene e saúde pública
nas vias urbanas, que restringem o exercício dessa liberdade de
culto ao âmbito privado das seitas, em respeito à liberdade de ir e
vir dos cidadãos, sem terem que conviver com carniças em
putrefação que tornam fedorentas e intransitáveis as encruzilhadas
de algumas ruas da cidade.
Os funcionários do DMAE que trabalham nos prédios do
bairro Santana conhecem bem o que é conviver com este problema
de despachos na encruzilhada da Av. Princesa Isabel com a Rua Dr.
Gastão Rhodes. Eu, que trabalhei na região por mais de trinta anos,
no mínimo uma vez por mês presenciei velas acesas em oferendas
religiosas nesta esquina (em que eu passava quatro vezes por dia),
geralmente contendo animais sacrificados e bebidas alcoólicas,
comidas e charutos e, naturalmente, muito fedor!
Certa vez eu assisti pessoalmente o alto risco que a pessoa
que estava fazendo a oferenda corria ao, não contente em colocar
junto ao meio fio da calçada, como era costume, enfrentou o
incessante fluxo de carros até conseguir colocar uma galinha e velas
acessas bem no meio da pista de rodagem da Av. Princesa Isabel. É
mole? Naturalmente que os carros passaram perigosamente por
cima das velas acesas, sujeitos a incendiarem, até destruírem
completamente com o despacho. Mas o pior foi que, de tantos os
pneus dos veículos passarem por cima, o cadáver da galinha
praticamente virou partículas de fósseis impregnados junto aos
paralelepípedos da rua; e a região toda até o colégio São Francisco
ficou tomada pelo fedor de carniça podre. Por muito tempo os
funcionários do Dmae e as crianças do colégio tiveram que suportar
as consequências prejudiciais à saúde pública do exercício de
liberdade de culto daquele único cidadão!
Assim como a fé move montanhas, ela também faz as
pessoas cometerem loucuras, provocando tanto guerras religiosas
como casos pitorescos, como o de um certo despacho em que o
sujeito colocou um galo vivo amarrado como oferenda. Alguém se
202
apiedou do bichano e o soltou no pátio do jardim cercado em frente
à Divisão de Água do Dmae.
A Magda, servidora do Dmae que trabalha numa sala com
janela justamente para aquela esquina favorita dos despachos, que
já tem cadastro no DMLU e talvez seja a maior solicitadora do
serviço de “recolhimento de cadáveres de animais da via pública”
de Porto Alegre, passou a levar milho pro galo, que se aquerenciou
naquele território gradeado em que ficava protegido dos cães
noturnos. Assim, vários outros funcionários simpatizaram com o
galo solitário que até ganhou o nome de Romário e, por brincadeira
de alguém, andava ciscando pelo jardim portando pendurado no
pescoço um crachá de servidor do Dmae!
Romário, após viver dois meses naquele cercado, protegido
como talismã do sobrevivente de corpo fechado, foi ficando
audacioso dono do terreiro e começou a bicar as pessoas que
invadiam o seu território. Por causa disso, lá pelas tantas, ele foi
doado por consenso para um dos funcionários que tinha um
galinheiro em casa. Romário foi então viver no equivalente ao
paraíso islâmico, onde tinha várias galinhas disponíveis para cobrir.
Marrento, Romário abusou da sorte na vida boa e andou bicando o
pai do seu dono, que era diabético e sofreu muito para curar os
ferimentos causados pelo sobrevivente do despacho e metido a
galo de rinha. Foi então que o Romário cumpriu sua sina de servir
de oferenda, mas não foi para os deuses ou pais de santos e orixás.
Sacrificado, o galo foi feito galinha pra panela e acabou servido ao
molho pardo num almoço dominical aos mortais comuns da família.

92 - MENSAGEM A UM JOVEM ENGENHEIRO


05/01/2012
Prezado Celso, encontrei seu Blog "DIÁRIO DE OBRA DE UM
APOSENTANDO" e achei sua iniciativa muito bonita. Eu o parabenizo
por isso. Cheguei até seu blog quando procurava no Google
informações à respeito do trabalho dos engenheiros no DMAE,
interesse que me surgiu por eu ser engenheiro e ter prestado o

203
último concurso do DMAE. Foi natural tentar descobrir "no que eu
estava me metendo": É bom trabalhar no Dmae?
Caro Jovem Engenheiro, o que posso dizer é que o DMAE é
o melhor lugar para se trabalhar em toda a Prefeitura de Porto
Alegre, tem a melhor estrutura por ter arrecadação própria das
taxas de água e esgoto. Quanto a política salarial, geralmente os
reajustes anuais obedecem aos índices de inflação. Mais
recentemente, graças ao “Movimento dos Capacetes Brancos”, os
engenheiros e arquitetos conseguiram obter uma proposta que,
mesmo não atingindo plenamente a isonomia salarial almejada com
os procuradores do município, consagrou como vitoriosa a
bandeira de luta ( que era de 2,5 básicos) conquistando um avanço
significativo de 1 salário básico.
A grande vantagem é a tal "estabilidade no emprego" do
serviço público. Trabalhando direitinho, sem se matar muito e sem
fazer besteiras, até aqui tem dado pra se planejar a longo prazo e
até pensar na aposentadoria, sem medo das crises de mercado e
seus desempregos. É uma rara oportunidade para quem pretende
continuar estudando, como parece ser o seu caso e também foi o
fator determinante para a minha permanência no DMAE, após eu
ter me formado engenheiro. Durante toda a minha carreira
profissional nunca parei de frequentar algum curso universitário,
sem nunca pretender me formar em mais nenhum: fiz engenharia
civil e jornalismo na PUC e na UFRGS fiz filosofia e atualmente faço
Letras. Mas, por outro lado, como alguém já disse, se pretendes
ganhar muito dinheiro na vida, se queres ficar rico não entre no
serviço público, só os corruptos conseguem realizar esta mágica.
Até aqui, sobre estes questionamentos, penso que estava
conseguindo esclarecer o jovem candidato a servidor público
dmaeano, até com algum tom professoral do alto dos meus
experientes cabelos brancos. Mas comecei a ficar embaraçado
quando ele naturalmente entrou com perguntas sobre o adicional
de insalubridade e o plano de previdência dos municipários.
Agora, Jovem Engenheiro, já começo a gaguejar... O
adicional de insalubridade é questionado a cada nova eleição para
204
a prefeitura, novos laudos de perícias são contratados pelas novas
administrações e a angústia de saber “quem vai perder quanto e
quando” se repete num ciclo permanente. São ócios do ofício de
órgãos públicos, onde nada é o que é de fato, tudo depende de
interpretações políticas e ideológicas.
Quanto à questão da previdência, que era um caos, depois
de muitos anos empurrando com a barriga, finalmente foi criado em
2002 o instituto PREVIMPA, Departamento que assumiu o encargo
das aposentadorias e pensões, para o qual cada servidor público
municipal contribui com 11% do seu salário. Resolveu-se o caos!
Porém, apenas os servidores “dinossáuricos” ainda tem
aposentadoria integral. Após a última reforma da previdência
pública, quem foi admitido no serviço público depois de 2003 não
mais terá aposentadoria integral nem paritária com os da ativa, terá
vencimentos definidos por exotéricos cálculos das
contribuições...com perdas é claro, mas ainda (até a próxima
reforma da previdência que o governo já anuncia como necessária)
sem teto salarial limite pra ser pago pela prefeitura!
Valeu Jovem Engenheiro pela oportunidade que me deu de
desabafar sobre estas questões municipárias. Espero não ter te
assustado muito. Fico torcendo para que sejas chamado no
concurso para assumir o cargo de engenheiro do Dmae e aí: Você
decide!

93 - UM ANO SEM CARTÃO PONTO


25/junho/2012
No mês de maio/2012 completei um ano de alforria do
tirânico relógio ponto, quando adquiri de fato o direito à liberdade
plena ao entrar em Licença de Aguardando Aposentadoria (LAA),
apesar de somente em outubro/2011 ter sido publicado legalmente
o meu ATO DE APOSENTADORIA INTEGRAL E COM PARIDADE. É,
portanto, hora de fazermos algumas reminiscências dos temas e
aflições compartilhados neste “Diário de Um AposentaNdo”.
Como eu já disse aqui, é cedo ainda para se ter domínio de
como vai funcionar a longo prazo a vida de aposentado, se em
205
algum momento vai surgir o tal monstro do fundo do lago do tédio
para me amedrontar, como quase todo mundo acredita que, mais
cedo ou mais tarde, vai acontecer... Penso que o medo da vida a ser
vivida só acontece com quem teve medo de viver a vida já vivida
antes, que viveu confinado nas rotinas coletivas sem garantir espaço
para desenvolver sua individualidade, e que perdeu de vista a
criança que foi. Sou daqueles que, como o Saramago, diz: Quando
me for deste mundo sairei de mão dada com a criança que fui.
Por enquanto tenho transcrito aqui neste blog uma boa
nova aos aposentaNdos: Não há tempo ocioso na aposentadoria,
pelo contrário, falta tempo. Tenho mostrado que os aposentados
pós-modernos têm dois mundos para povoar: o cyberespaço da vida
virtual no computador e o espaço mundano da vida real. Acreditem,
falta tempo! Alguns comentam que é depois de decorrido um ano
que o diabo torce o rabo e solta o seu enxofre depressivo nas ventas
dos novos aposentados. Pode até ser, não convém contar vantagens
antes do tempo, mas o bicho está me parecendo manso, um capeta
domesticado...
Pelo jeito o bicho anda solto mesmo é no Dmae, com a tal
da reestruturação, projeto que passou de contrabando no pacote
da essencialidade transformada em Gratificação por Desempenho
de Atividade Essencial, o GDAE do Star Wars, que está promovendo
uma guerra de uns funcionários contra os outros. Tenho visto muito
alvoroço, mas estou como todo mundo por lá, esperando baixar a
poeira para entender melhor o que vai resultar de tanto rebuliço.
Fico só assistindo do camarote VIP dos aposentados. Digo VIP por
que devido à paridade dos aposentados com os da ativa, a
Gratificação de Alcance de Metas (GAM) conquistada pelos
engenheiros também entrou no meu contracheque com 100% das
metas alcançadas: Valeu a luta dos capacetes brancos!
Talvez o pulo do gato da tranquilidade em que se processou
a minha transição para a tribo dos chamados “inativos” tenha sido
o fato de eu ter iniciado um ano antes, com este blog, o meu
processo de luto e despedida prévia das rotinas e colegas servidores
do Dmae e da PMPA. Quando chegou o momento eu já estava leve
206
e solto das amarras para voar pela nova vida, livre da tortura do
relógio ponto batendo no limite para a tolerância do vermelho no
cartão.
Para quem não lembra (ou chegou depois!) de uma
postagem de dezembro de 2010, recordo que no Programa de
Preparação Para Aposentadoria (PPA), o qual frequentei antes de
me aposentar e recomendo a todos, foram feitas muitas
recomendações, algumas um tanto óbvias para o pós-carreira, tais
como: ler livros, viajar, ter uma religião, ter amigos de sua faixa
etária, etc. Mas duas recomendações me chamaram a atenção:
Escreva uma autobiografia e escreva uma lista de 100 coisas para
fazer!
Escrever é a minha compulsão. A autobiografia eu já estava
desenvolvendo através deste blog, mas gostei muito da ideia da lista
e elaborei então a minha “Lista de 100 coisas para fazer quando
estiver aposentado”.
Hoje, das 100 coisas da minha lista, 21% dos itens já estão
realizados e 16% se encontram em andamento. Nada mal para o
primeiro ano, sobretudo se considerarmos que a “Minha Viagem
dos Sonhos para a Europa” foi realizada neste período, que era o
projeto de maior custo financeiro da lista. E a melhor notícia é que,
pelo andar da carruagem, esta minha lista vai levar mais alguns anos
para ser inteiramente realizada e, melhor do que isso, é que a lista
tende a crescer com “Outras coisas para fazer na aposentadoria”...
Como eu disse, escrever é a minha compulsão. Por isso
preciso reconhecer que grande parte desta sensação de felicidade
plena que a vida de aposentado tem me proporcionado se deve ao
êxito do blog Diário de um AposentaNdo, se deve à sua carinhosa
acolhida pela categoria dos municipários, especialmente pelo
quadro funcional do DMAE. No blog já ultrapassamos aos 14.900
acessos em dois anos e meio de existência e realizamos a incrível
façanha de mais de 1.100 visitas num único mês!!!
Então, com este grande potencial de possíveis leitores,
andei sonhando com a publicação de um “Livro do Diário do
AposentaNdo da PMPA”, contendo uma seleção de crônicas deste
207
blog, para ser distribuído gratuitamente no Kit do Previmpa, para os
novos aposentados, e pela SMA no Curso de Preparação para
Aposentadoria. Naturalmente que toda a pessoa que gosta de
escrever almeja ter um livro seu publicado. Eu gosto de escrever e
desejo publicar um livro escrito por mim (antes que livro vire
raridade feito disco de vinil). Mas também tenho a noção do quanto
de fantasioso é este desejo, pois publicar um livro é criar um
“elefante branco” de difícil distribuição. Que grande realização
pessoal é esta de publicar um livro para ficar encalhado ou para ser
distribuído gratuitamente e nem ser lido, entre os familiares e
amigos convocados para a sessão de autógrafos?
Contudo, publicar um livro com esquema de distribuição
(pelo Previmpa) e com público leitor garantido (os aposentados da
PMPA) é o que todo o ”escrevinhador” sonha... Não era uma boa
ideia a publicação do “Livro do Diário do AposentaNdo da PMPA”?
Eu acreditei que era, e travei uma cruzada inglória para tentar
acessar aos meios de produção, foi uma batalha que durou vários
meses, da qual já revelei os detalhes sórdidos na primeira postagem
deste livro.

94 - NOVA FASE DO BLOG: PRÓ-LIVRO DO DIÁRIO!


26/junho/2012
Desta batalha toda por busca de patrocínio cultural para o
projeto do livro “Diário de Um AposentaNdo do DMAE”, contendo
uma seleção de crônicas deste blog, relatados aqui em postagens
anteriores, resultou de positivo a constatação de que não é uma
tarefa fácil nem rápida selecionar as crônicas que iriam compor o
livro. Primeiro porque é preciso que se faça a leitura de todas as
cerca de quase trezentas postagens e, as escolhidas, precisariam ser
revisadas e muitas condensadas para se adequarem ao formato de
livro. Relendo as postagens constatei que alguns textos são
abusivamente extensos.
Outro saldo que ficou deste decepcionante episódio de
descaso do poder público com as manifestações artísticas de seus
servidores, foi o de ficar constatado que no primeiro ano de
208
existência do blog foi o período em que foram postadas a maioria
absoluta das crônicas; justamente quando ainda havia poucos
leitores. Fui com tanta sede de escrever ao pote do blog que
publiquei, em média, mais de dois textos por semana, era um
verdadeiro massacre aos pobres leitores!
Como ninguém costuma retroceder para fazer leituras de
postagens antigas de blogs, a conclusão óbvia é que a maioria das
matérias postadas no blog continuam inéditas para grande parte
dos atuais leitores do Diário de Um AposentaNdo. Por estas e por
outras, é que a nova fase do blog que vamos desenvolver, daqui por
diante, vai ser o de irmos publicando “remakes” de algumas
crônicas selecionadas do blog, visando a longo prazo a edição de um
livro mesmo que seja artesanal. Quero deixar o registro da geração
dos servidores municipais do momento histórico da travessia entre
dois séculos (XX e XXI), e dois milênios (1900 e 2000), vivendo a
transição da ditadura para a democracia brasileira. Nós que, dos 50
anos de existência do Dmae, por cerca de 40 anos contribuímos
para a construção de sua história.
O importante agora é formatarmos uma seleta de crônicas
do blog de maneira interativa, recebendo o envio de sugestões das
postagens preferidas dos leitores do blog, as quais serão postadas
novamente, já repaginadas condensadamente, junto com os novos
textos que forem surgindo. Vamos fazer uma “Antologia” das
crônicas pertinentes ao mundo demaeano, e os textos mais
literário-político-filosóficos e os de cunho pessoal serão editados
em separado. Vamos caracterizar fortemente esta nova fase do blog
como “Fase pró-Livros do Diário de Um AposentaNdo”.
Assim, lá pelas tantas, estaremos com os projetos de livros
prontos e na espera de uma oportunidade para a publicação; nem
que pra isso tenhamos que futuramente fazer uma “vaquinha
online” (Crowdfunding, traduzido como Financiamento
colaborativo) entre as pessoas interessadas em ter um volume
como recordação de seu ambiente de trabalho. Quem sabe a nova
gestão municipal, a ser eleita este ano, tenha mais sensibilidade
literária e banca a edição do livro?... Não tá morto quem peleia!
209
95 - DOIS ANOS SEM CARTÃO PONTO

Em maio/2013 completei dois anos de alforria do tirânico


relógio-ponto, quando adquiri de fato o direito à liberdade plena ao
entrar em Licença Aguardando Aposentadoria (LAA), embora
somente em outubro/2011 tenha sido publicado legalmente o meu
ato de aposentadoria integral e com paridade.
De lá pra cá tenho feito muitas reminiscências de episódios
e personagens pitorescos, bem como de temas e aflições da
categoria municipária, que tenho compartilhado com os leitores
deste “Diário de Um AposentaNdo”. É muito difícil que exista outro
aposentado que frequente tanto o seu ex-local de trabalho quanto
eu. Mas não vou lá só para torturar os cativos do cartão-ponto com
a minha exuberante liberdade. A minha presença é tão assídua na
frente do DMAE, acontece pelo menos duas vezes por dia, que só
falta eu bater ponto no quarteirão entre a Divisão de Água (DVA) e
a Divisão de Manutenção (DVM). Rotina esta que terá continuidade
por mais um ano, até que a minha mulher também se aposente. Até
lá, quando então perderei o contato cotidiano com o mundo
dmaeano, vocês terão que me engolir desenvolvendo o tema dos
“aposentaNdos” do DMAE aqui no blog.
Mas o mundo global gira muito rápido, e a gente que está
dentro dele nem percebe. As coisas vão mudando tanto, que aos
poucos vamos perdendo a identidade vital que tínhamos com elas:
já nem se bate mais o relógio-ponto que é agora é com impressão
digital, e já nem existe mais a DVA nem a DVM (Divisão de
Manutenção) que agora é GMAN. Quando me aposentei, há apenas
dois anos atrás, ter a progressão letra D (de Dinossauro) era o topo
da carreira; hoje já existe as letras E & F (sabe-se lá de que bicho).
Por isso, seguidamente anoto algum tema que está rolando entre
os servidores municipais atualmente, como suas lutas e
movimentos, pensando em desenvolver o assunto aqui no blog, mas
acabo sempre fazendo reminiscências de eventos correlatos
ocorridos no passado, quando os vivi no ardor da batalha ou no
tédio da rotina.
210
A questão da Reestruturação do DMAE, por exemplo, que
eu postei aqui em meados de 2010 como sendo um “Frankenstein
Espetacular”, quando era ainda apenas um projeto visto com
antipatia pelos servidores. A então audaciosa Reestruturação do
DMAE pretendia a redução dos 9 níveis existentes de hierarquia de
chefias para apenas 5, isto através da extinção de cerca de 40% das
funções gratificadas (FG´s), bem como dos EQADs (Equipes
Administrativas), entre outras coisas, como desmembrar todos os
processos funcionais numa reengenharia para remontar um novo
organograma operacional vinculante do gerenciamento conjunto
de água e esgoto no Departamento.
Chamei de “Frankenstein Espetacular” por que vivemos na
sociedade do espetáculo, onde só interessa o que vira show. A
política é um espetáculo tanto quanto o futebol, sendo que em
ambos é criada uma partidarização simulada para atrair o público
como sendo desse ou daquele time ou partido. Mas os profissionais
dos referidos espetáculos (jogadores e políticos) não são
permanentemente de nenhum time ou partido.
Como mágicos, tirando coelhos da cartola, no meio do show
ilusionista pegaram a reivindicação dos servidores de
“Essencialidade 110% Já!” e misturaram com uma Gratificação por
Desempenho de Atividades Essenciais – GDAE – passando de
contrabando a aprovação da desengonçada reestruturação, como
uma criatura inventada para fazer o DMAE andar melhor do que a
velha e arcaica estrutura que vinha funcionando há décadas.
Hoje, assisto do privilegiado camarote dos aposentados,
esta nova estrutura que recebeu o sopro de vida e começou a botar
os pés pelas mãos, ao sair do papel e dos gabinetes para cair nas
valetas do dia-a-dia de quem realmente faz a água potável rolar nos
canos subterrâneos e lida com o fétido esgoto cloacal da cidade.
Ouço vozes ao longe de resistência, ouço murmúrios, queixas e até
elogios pelo fato da nova estrutura ter ressuscitado a figura das
Unidades Distritais (UOD).
Os que eram Superintendentes viraram Diretores, os que
eram Diretores viraram Gerentes, os que eram chefes de seções
211
(gerentes?) viraram Coordenadores, os que eram chefes de setores
(coordenadores?) viraram Equipes, e os que eram efetivamente
chefes de equipes...viraram abóbora?!...
Tomara que o Frankenstein funcione, espero que a
Reestruturação faça um belo espetáculo por uma longa temporada,
posto que pelo meu direito de “aposentadoria com paridade”
também dependerei das conquistas do pessoal da ativa e sofrerei
suas perdas.
Outro exemplo é a própria GDAE (Gratificação por
Desempenho de Atividades Essenciais), comemorada como uma
conquista importante para todos os demais servidores, na brecha
aberta pela GAM (Gratificação de Alcance de Metas) concedida aos
Capacetes Brancos (engenheiros e arquitetos) meses antes. No
final, ambas gratificações serviram de moeda de troca, não houve
nem o reconhecimento da “essencialidade” nem o reconhecimento
da responsabilidade técnica (VRT) reivindicados pelos respectivos
segmentos dos servidores dmaeanos.
O valor da GDAE de 32% do vencimento básico inicial do
cargo como parte fixa + 68% como parte variável a título de
desempenho e produtividade, que em 2012 atingiu apenas 9,8% da
meta e correspondeu ao incremento salarial de 6,67% no salário
básico do cargo, é uma questão controversa: não correspondeu às
expectativas dos funcionários que lutaram por esta conquista? No
exílio do inativo, de quem não está mais confinado no burburinho
do horário de expediente, ficam cada vez mais distantes tais
problemáticas funcionais, e vai se tornando complicado emitir
opinião e avaliar. O fato é que se a GDAE não rendeu os 110%
reivindicado como essencialidade, pelo menos já deu um lucro no
bolso de 38% sobre o básico. Por outro lado, este lucro está
represando a aposentadoria de muita gente, pois para incorporar a
GDAE na aposentadoria ela tem que ser recebida por dois anos
consecutivos no exercício do cargo. Em 2014 deverá haver uma
debandada de novos aposentados com a GDAE incorporada, e no
meio do bando levantando voo rumo ao Previmpa estará inclusive
a minha mulher, finalmente!
212
Assim, tenho recebido emails e visto faixas com
reivindicações específicas de classes de servidores, as quais já não
compreendo o contexto em que se manifestam e se articulam
enquanto movimentos sindicais:
- Operários: Padrão 4 JÁ!
- Operador de Subestação: Padrão 6 JÁ!
-Assistentes Administrativos: Padrão 8 JÁ!
Penso que está se criando uma bandeira de luta pela
elaboração de um novo Plano de Carreira, perfeito. Lembro que em
2010 já existia nos bastidores do Departamento também o script de
um Projeto de Reforma do Plano de Carreira, o qual iria se encaixar
como clímax do show, feito o parafuso na cabeça do Frankenstein
da Reestruturação do DMAE. Este Plano de Carreira tinha a
concepção de implantar novos conceitos de carreiras para os
servidores, criava distintos campos de carreiras: a gerencial e tecno-
operacional, se bem me lembro..
Com aquele Novo Plano de Carreira, afinado para fazer com
que todos dancem conforme a música, haveria o ajuste fino no
aperto do parafuso que libera mais ou menos grana conforme o
desempenho de cada servidor dentro da nova estrutura. Seria um
instrumento gerencial econômico visando promover maior
eficiência do serviço público, do qual as gratificações GAM & GDAE
são meros embriões de proveta.
O tal plano de carreira que ficou engavetado na
Administração, esperando a hora de entrar em cena, parece estar
ouvindo o clamor das massas para emergir na pauta de negociações
de uma campanha salarial...e também ser aprovado de contrabando
como uma moeda de troca.
No fundo, como a gente vai se tornando um estranho no
ninho, o que interessa mesmo para um aposentado é o índice de
reajuste e que seja pago sem parcelamentos:
- À Luta Companheiros!

213
96 - BALNEABILIDADE AO GUAÍBA, JÁ!

Outro dia, entre tantos figurões políticos disputando


visualização pública, assisti na TV as explicações técnicas do ex-
colega engenheiro Valdir Flores sobre o PISA. O Programa Integrado
Socioambiental (Pisa), maior obra de saneamento da história de
Porto Alegre, estava sendo entregue oficialmente à população com
grande estardalhaço pela presidenta Dilma Rousseff e pelo prefeito
José Fortunati, contando com a presença do governador Tarso
Genro. Estavam presentes todos os demais caciques políticos com
direito a tirar um proveito no palanque da inauguração da Estação
de Tratamento de Esgoto Serraria (ETE), evento que marcou o início
das operações deste projeto que amplia a capacidade de
tratamento dos esgotos na Capital de 27% para 80%. O
funcionamento desta estrutura vai coletar o esgoto vindo da Ponta
da Cadeia (centro e zona norte da cidade), Ipiranga (zona leste),
Cavalhada, Cristal, Ipanema e Serraria (zona sul); mas inicialmente
a ETE deve operar bem abaixo do seu potencial para efetuar ajustes
nos procedimentos operacionais até 2015.
Recordo que lá pelos idos tempos de 2010, todas as
primeiras quintas do mês a Universidade Corporativa do DMAE
(UNIDMAE) promovia um Ciclo de Palestras Técnicas. No mês de
agosto daquele ano participei pela primeira vez do ciclo, fui ouvir a
palestra de apresentação do Projeto Integrado Socioambiental
(PISA). A palestra foi ministrada pelo então colega Engº Valdir
Flores, que depois se aposentou pelo Dmae e continuou como
gestor do audacioso projeto que pretendia tratar 80% do esgoto
cloacal de Porto Alegre até 2012. A ETE Serraria, que teve a
construção iniciada justamente lá em 2010, foi inaugurada agora
com atraso devido aos percalços de acidentes de trabalho com
morte e de alterações técnicas, e teve o custo total de R$ 670
milhões (com recursos do PAC do Governo Federal). Com este
conjunto de obras, o cidadão dá a descarga no seu vaso sanitário no
centro da cidade e o bagulho vai viajar por várias estações de
bombeamento, por cerca de 19 km. No final, para atalhar o

214
percurso, a porcaria evacuada pelo cidadão vai percorrer um longo
trecho em tubulações submersas no fundo do Guaíba até chegar
finalmente na ETE no bairro Serraria, onde será devidamente
tratada de modo que volte a ser simplesmente água, sem resíduos
fecais.
A ideia básica do projeto apresentado em 2010 era
realmente impressionante: coletar o esgoto da cidade que é
reunido no Gasômetro, na Estação Ponta da Cadeia e, ao invés de
continuarmos jogando o esgoto bruto no Guaíba, conduzi-lo
canalizado em tubos de aço pela Av. Beira Rio até o Hipódromo do
Cristal. Ali haveria uma estação de bombeamento e um mirante
elevado como atração turística, dotado de um sistema de
abatimento de gases para minimizar o mal cheiro do esgoto aos
visitantes, que do mirante poderiam admirar o pôr do sol no Guaíba.
Na data do aniversário da Capital, 26 de março de 2014, a prefeitura
efetivamente inaugurou esta parte do conjunto de obras
integrantes do Pisa, a chaminé de equilíbrio do Sistema de
Esgotamento Sanitário com o Mirante do Cristal, instalado ao lado
do BarraShoppingSul no Cristal. O mirante foi destacado pela
Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental (Abes-RS)
como uma solução criativa que aproxima a população do tema
saneamento básico.
A grande inovação do projeto apresentado, para a época,
era a condução do esgoto por tubulação subaquática e ancorada por
mergulhadores no leito do Guaíba. Somente após um tratamento
terciário do esgoto que geraria lodo ativado, vale dizer,
descontaminado, é que devolveríamos a água devidamente tratada
ao seu manancial de origem. Estimativas atuais dão conta que a
capacidade total da Estação de Tratamento de Esgoto Serraria
inaugurada só vai ser atingida após decorridos 15 anos, em função
da migração lenta e gradual das ligações residenciais de esgoto do
sistema fluvial para este de coleta exclusivamente cloacal. De
qualquer forma o Pisa passa a ter singular importância na história
da cidade, porque tem potencial para triplicar a capacidade de
tratamento de esgotos, de 27% para 80%, e promover uma
215
expressiva melhoria na qualidade de vida dos moradores. Resta
monitorarmos os resultados na expectativa de recuperarmos de
fato a balneabilidade do Guaíba.
Na época da palestra, lembro que restavam ainda algumas
questões ambientais a serem resolvidas, tais como: - O que fazer
com os 150 m3/dia de lodo que o sistema de tratamento vai gerar?
– O que fazer com o gás poluente que o tratamento de esgoto libera
para o ambiente?... Estudos estavam sendo feitos para o
aproveitamento do gás como uma alternativa para gerar energia
elétrica para o funcionamento da própria ETE Serraria, ou para a
secagem do lodo que reduziria o seu volume para cerca de
30m3/dia... Desses pormenores as notícias da mídia sobre a
concorrida inauguração em ano eleitoral não comentaram nada.
Contudo, registrei aqui mesmo no blog, em 2010, que sairia mais
tranquilo para o meu retiro de “inativo”, como aposentaNdo que
ainda era na ocasião, pois sabia que o mega projeto de saneamento
(que envolvia altas granas) estava em boas mãos. Sempre considerei
que o Engº Valdir Flores, que já foi meu chefe por duas vezes, era
um dos técnicos mais completos e versáteis do Departamento. Por
isto acreditei que desta vez a coisa ia acontecer, e aconteceu: foi
inaugurado o PISA com letras maiúsculas!
De lá pra cá, à equipe de técnicos do Pisa foram se somando
boas cabeças da ativa (Farias, Carla...) e, especialmente, agregando
engenheiro(a)s que iam se aposentando e que tinham grande
domínio da área de saneamento cloacal (Jovenil, Paulo Kessler,
Sérgio, Nina...). Tanto que, a título de brincadeira interna, dizia-se
que Pisa significava “Programa de Incentivo Social aos
Aposentados” (kkkk). A missão impossível desta tropa de elite do
Dmae foi, no simbólico, nada menos do que recuperar a
balneabilidade das praias de Pedra Redonda, Ipanema e Guarujá. Já
pensou o que significa a gente poder voltar, como nos nossos
tempos de guri, a nadar novamente nestas praias? Seria como
podermos entregar aos nossos netos a cidade com a mesma
qualidade de vida que a recebemos dos nossos pais, apesar do
imenso aumento populacional. Eu não alcancei a realização desta
216
meta em atividade no Dmae, mas aposentado espero estar vivo
ainda para poder comemorar este verdadeiro “Dia D’Glória” porto-
alegrense, o dia de podermos mergulhar novamente em plena
prainha do Gasômetro sob um pôr-do-sol, sonho meu!...

97 - QUANDO SOMOS PAIS DE NOSSOS PAIS


12/out/2013
Com muita sorte, nós aposentaNdos vivemos o rito de
passagem de nos tornarmos os pais de nossos pais, salvo os casos
de orfandades repentinas e precoces em que os pais não morrem
de velhice generalizada, e nos deixam sem termos tempo e
condições de lhes darmos a merecida atenção antes deles partirem
de nossas vidas. Fabrício Carpinejar captou poeticamente esta
passagem em sua crônica “Pai de meu pai: ...É quando aquele pai
que segurava com força nossa mão já não tem como levantar
sozinho. É quando aquele pai, que antigamente mandava e
ordenava, hoje só suspira, tudo é longe. É quando aquele pai, antes
disposto e trabalhador, fracassa ao tirar sua própria roupa. É
quando aquela vida que nos gerou depende de nossa vida para
morrer em paz. O que um pai quer apenas ouvir no fim de sua vida
é que o seu filho está ali, ao seu lado.”
Em 2011 eu construí as condições exigidas para abrir uma
passagem para o portal do domínio do meu tempo, com o ganha-
pão garantido pela aposentadoria do engenheiro que fui, e tenho
me dedicado a ser um pouco pai de minha mãe. O mesmo
fenômeno cármico está ocorrendo com a minha mulher, que em
agosto de 2013 conquistou o direito trabalhista à alforria da sina de
ter que cumprir cargas de trabalhos diários para garantir o seu
sustento, podendo se aposentar a qualquer momento que
quisesse. Contudo, para a Magda sair sem perdas financeiras, que
é o que todo mundo almeja, faltava ainda ela conseguir incorporar
a recém criada Gratificação por Desempenho de Atividade Essencial
(GDAE) ao salário, para tanto faltariam mais doze meses de
trabalho, até julho de 2014.

217
Porém os astros conspiraram pela soltura em caráter de
emergência das suas amarras trabalhistas, com a vida se
encarregando de fazer surgir-lhe uma demanda familiar
emergencial. Exigida pelas circunstâncias, necessitou propiciar um
processo de dignidade ao seu pai que, caducando, se dirige
atrapalhado para a fatídica barreira dos noventa anos de idade. O
Seu José Rolim, o pai da Magda, entrou derrapando no triste
purgatório da falta de autonomia da quarta idade (a velhice senil),
quando precisamos ser pais de nossos pais; conforme a inspirada
crônica do Carpinejar: Fase de retribuir o amor com a amizade da
escolta.
O Seu Gugo, apelido e nome da loja do pai da Magda, foi um
comerciante durante toda a vida, e há mais de quarenta anos esteve
atrás de um mesmo balcão comprando de fornecedores e vendendo
para consumidores na sua loja na Avenida Alberto Bins. Decaiu, ao
longo do tempo, do comércio de novidades estrangeiras para o de
peças de fogão a gás e liquidificadores. Ele precisava ser convencido
gradativamente de que era chegado o momento de fechar as
portas, liquidar o estoque, desocupar a loja alugada e dar baixa na
sua pessoa jurídica, registrando o óbito de sua empresa com toda a
dor do luto de quem está morrendo junto como pessoa física. Era
preciso abandonar a vizinhança que povoava a sua vida de vozinho
solitário. E alguém precisava fazer isto por ele e com ele, de forma
que o seu luto incapacitante fosse elaborado da melhor maneira
possível. Para cumprir esta missão, a Magda surpreendeu a todos
os seus colegas do Dmae, antecipou em um ano o seu pedido de
aposentadoria e, com isso, abriu mão de vantagens financeiras que
teria pelo resto da vida. Coube à filha ser mãe de seu pai, coube à
ela cuidar de Seu José.
Assim, todas as planificações que fizemos pré-
aposentadoria podem ser atropeladas (o que pode acontecer com
qualquer um de nós), e de repente nos vermos lançados numa
grande missão com integral envolvimento físico e emocional.
Quando a mente envelhecida penetra dentro de uma
névoa, quando os olhos já não distinguem com nitidez a realidade
218
tomada de vultos e esquecimentos, quando a audição enfraquecida
isola a velhice senil numa ilha de silêncio, quando as pernas
cambaleantes provocam tombos perigosos e tudo fica longe, é
quando a perda de autossuficiência dos nossos pais os tornam
nossos filhos. Isso é um ônus e um prêmio, pois só acontece para
aqueles que têm a sorte grande de ainda terem seus pais vivos, e
isso todos gostaríamos de ter para sempre. A propósito, Carpinejar
sentencia: Feliz do filho que é pai do seu pai antes da morte, e triste
do filho que aparece somente no enterro e não se despede um pouco
por dia.
Li em algum lugar que a última fronteira da vida é quando
nos tornamos órfãos adultos, quando ficamos sem pai nem mãe,
quando não há mais nenhuma geração se interpondo entre nós e a
morte. É quando nós passamos a ser a bola da vez, é quando se inicia
o rito do prelúdio do fim. É quando nós, os recém ou quase idosos,
que já fomos pais de nossos pais, provavelmente nos destinamos
para o derradeiro rito de passagem existencial, que é o de também
nos tornarmos filhos dos nossos filhos antes de partirmos desta
vida, queiramos ou não!...

98 - MANIFESTO AOS ASSOCIADOS DA AEAPOPPA


Dez/2014
Menos de um mês após a criação do Dmae, ocorrido em
15/dezembro/1961, a AEAPOPPA (Associação dos Empregados
Autárquicos e Pessoal para Obras da Prefeitura de Porto Alegre) foi
fundada em 12/janeiro/1962, tendo como presidente fundador
Armênio Ferreira de Souza. Assim como o DMAE foi criado por
exigências bancárias para viabilizar empréstimos no BID para
investimentos em saneamento na capital, a AEAPOPPA também foi
criada para propiciar empréstimos e financiamentos através de
convênios com lojas, supermercados e farmácias aos servidores do
novo Departamento que nascia.
Na década de 1960 a diretoria fundadora consolidou a
entidade junto ao quadro funcional do Dmae. No início de década
de 1970, o então presidente da associação (gestão 1970-1971),
219
Manoel Pedro Teixeira, instituiu um “Livro de Atas e Registros”,
registrado no Cartório do Registro Especial, que constitui uma
verdadeira relíquia histórica da trajetória dos “50 anos da
AEAPOPPA” que se comemora em janeiro de 2012. Resgatando este
importante legado manuscrito de próprio punho da organização dos
trabalhadores públicos municipais porto-alegrenses, prestamos
nossas devidas homenagens às lideranças classistas que
construíram esta entidade que desde a sua fundação tinha por sua
finalidade estatutária “defender os interesses profissionais e de
classe, pugnar pela melhoria da situação de seus associados,
lutando junto às autoridades competentes e dentro das normas
legais, pelos direitos individuais e coletivos de seus associados e da
classe”.
Em 1999 houve a transferência da sede da associação da rua
Mostardeiro para a Rua 24 de Outubro (na antiga Escolinha do
Dmae). Em 2005 consta a mudança do endereço da sede da rua 24
de Outubro para a Rua São Luiz nº 510, mediante a solicitação da
SMED para a desocupação imediata do prédio da Escolinha de
madeira junto às quadras de tênis da burguesia do bairro Moinhos
de Vento.
O biênio 2000/2001 foi o período em que migraram para a
AEAPOPPA vários conveniados da UNIMED que tinham o contrato
de saúde através da associação ASDMAE, a qual se encontrava em
dificuldades financeiras por desvios e deficiências administrativas.
Para essa gestão da Aeapoppa foi eleito como presidente Lidson
Bassani, sendo que esta composição diretiva da entidade se
reelegeu sucessivamente para os quatro biênios seguintes
(2002/2003, 2004/2005, 2006/2007, 2008/2009).
Neste momento convém resgatarmos o histórico recente
descrito aqui no blog como “Relato de Uma Eleição”, quando em
2010 eclodiu uma crise interna da diretoria anterior e veio ao
conhecimento público dos associados a grave situação financeira da
AEAPOPPA, em decorrência das ações irregulares atribuídas ao
então presidente da entidade. Devido à pressão do quadro social as
eleições foram convocadas, na maior mobilização de todos os
220
tempos na associação. Compareceram nas urnas 225 associados,
sendo que com 80% dos votos foi eleita a chapa Renovação,
composta por Antônio da Motta Gonçalves como novo presidente,
tendo como vice-presidenta Silvia Fabbrin, como tesoureira Ângela
Vargas e por mim como secretário, e mais os respectivos suplentes
e membros do Conselho Fiscal, para um mandato de quatro anos.
Hoje, completando o quarto ano de mandato da gestão
2010/2014, exercido com austeridade e transparência, a atual
diretoria conseguiu restabelecer o equilíbrio financeiro da
associação que, inicialmente, estava com débito de cerca de cem
mil reais, e que vai entregar a entidade com patrimônio financeiro
superior a este valor, recurso que está sendo investido e gerando
rendimentos. Possibilitamos assim que a AEAPOPPA comemorasse
o seu “Cinquentenário em 2012” com orgulho de sua trajetória e
realizações do passado, bem como com vigor para realizar
conquistas importantes no futuro.
Depois de recuperarmos a AEAPOPPA e o Plano de saúde
Unimed do colapso financeiro, também revisamos o estatuto da
Associação com o intuito de corrigir as distorções e garantir a
lisura, transparência e anuência de todos atos administrativos. A
atual diretoria visou preservar os direitos de todos associados em
detrimento dos desvios de verbas e o nepotismo até então
institucionalizado na entidade, inclusive reduzindo o prazo dos
mandatos de quatro para dois anos para as futuras diretorias
eleitas.
Neste momento, a atual Diretoria em final de mandato
declara que a sua missão, assumida em caráter emergencial lá em
2010, foi cumprida com sucesso, e conclama a todos os associados
da Aeapoppa, especialmente aos conveniados da Unimed, a se
mobilizarem novamente para comporem e elegerem uma nova
diretoria também comprometida em manter a vitalidade da
entidade para todos os associados e do plano de saúde para os
conveniados.
Fizemos a nossa parte, a Aeapoppa do futuro é você quem
faz!
221
99 - OS QUATRO DINOSSAUROS DA MANUTENÇÃO
2009&2010&2012
Ontem voltei a almoçar na churrascaria Grelhatus com os
meus ex-colegas de trabalho da Manutenção do Dmae, desta vez
comemorativo ao 59º aniversário do Álvaro. No próximo mês (em
dezembro/2012, se não acabar o mundo!), a Catarina completará o
mítico 69 anos de idade e vai entrar na contagem regressiva da
aposentadoria compulsória...
Lembro que no dia 30/12/2009 foi o último dia de trabalho
do aposentaNdo Jalba, pois ele conquistou a sua liberdade por bom
comportamento, após cumprir duas ampliações de pena
implementadas por reformas da previdência. O colega Álvaro
somente naquele mês atingiu o status de Dinossauro com D
maiúsculo, ou seja, além de já ter a função gratificada de Diretor
incorporada ao salário e ser letra D na progressão final do Plano de
Carreira, passou a receber também o Abono Permanência.
Significava, portanto, que ele acabava de ter cumprido o tempo de
serviço e a idade mínima para se aposentar pelo critério de
proporcionalidade, como nós, mas que só então estava
conquistando a integralidade e a paridade com o pessoal da ativa.
Exceção na sala já era a Catarina que, esbanjando tempo de serviço
e de idade além das exigências legais, preferiu continuar
trabalhando e agora passará a ser perseguida diariamente pelo
fantasma da aposentadoria compulsória dos 70 anos.
Na ocasião eu tive a iniciativa de tirarmos uma foto dos
quatro colegas de sala reunidos, à qual sugeri dois títulos diferentes:
“Os 4 Cavaleiros do Apocalipse na Sala de Extermínio” ou “Os 4
Dinossauros na Sala de Extinção”. A pose da foto foi montada junto
à mesa do Jalba, de modo que aparece ao fundo o quadro
pendurado na parede com a foto dos aposentados da Manutenção
reunidos na festa de 30 anos da DVM em 1997. Aquela foto no
quadro na parede, conforme costumávamos brincar, funcionava
como uma cartela de bingo que, conforme cada um dos seus 29
aposentados fotografados iam morrendo, marcávamos na cartela
do bingo com uma cruz virtual: já se tinha notícia de pelos menos 7
222
falecidos naquela época, quantos mais terão morrido? Agora é nós,
os quatro dinossauros, que vamos nos tornando a nova cartela de
bingo da vez através da foto tirada naquele dezembro de 2009...
Assim, a partir daquela data começou a se desmantelar
uma equipe de engenheiros que cumpriu pena juntos por dez anos,
na mesma cela, prestando serviços à comunidade, e por mais de três
décadas trabalharam juntos no mesmo presídio semiaberto de
assalariados da empresa de saneamento público porto-alegrense. A
mesa em frente à minha passou a ficar vazia, o cara saiu e não voltou
nunca mais. A minha cela sofreu a sua primeira defecção definitiva,
abriu suas grades para o voo do sonho de liberdade do Jalba, sonho
de simplesmente servir à família e ficar “amando”: a mando dos
filhos, a mando dos cachorros da casa e dos pastores da igreja
Assembleia de Deus...
Na manhã seguinte da despedida do Jalba, quando entrei na
sala e me deparei com a mesa dele definitivamente vazia de sua
presença, perguntei com saudosa inveja: Cadê o Jalba?!....Na tarde
daquele mesmo dia recebi o seguinte e-mail sarcástico do ex-
colega: “Bom dia de TRABALHO! Está em anexo o meu protocolo
do pedido de aposentadoria. Não fiques com inveja, tranquilize-
se que o teu dia está próximo. sds, Jalba”.
Após cerca de oito meses em "Licença de Aguardando o
Ato", foi decretada a alforria em definitivo do ex-colega Jalba que
conquistou a sua liberdade plena com a publicação do seu ato de
aposentadoria com tudo de bom que se tem por direito (com
provento integral e com paridade aos servidores da ativa): que era
o meu sonho de consumo, o qual acabei conquistando também!
-Valeu Mestre Jalba! Quanto aos outros dinossauros da nova cartela
do bingo, Catarina e Álvaro, não perdem por esperar suas
respectivas homenagens mais adiante neste blog...

223
100 - A MADRINHA DA MANUTENÇÃO DO DMAE
2009&2010&2012
Comentei aqui que em outubro/2010, que ninguém no meu
local de trabalho lembrou que era a data de aniversário de fundação
da DVM, data em que a Divisão de Manutenção completava 43 anos
de existência. Até mesmo a eng.ª Catarina, única remanescente dos
fundadores, quem sempre promovia algum tipo de celebração para
esta data, esqueceu daquela vez e, quando lembrada por mim,
acrescentou:
-Não temos nada o que comemorar, estão destruindo com a
Divisão!
A data era conhecida de todos, até poucos anos atrás, por
que a senha de acesso ao antigo sistema de manutenção MAN era
061067 (do tempo que era uma senha única para todos os
usuários!), senha alusiva à data de inauguração da Divisão de
Manutenção.
Em termos organizacionais, avalio que há três momentos distintos
marcantes a serem destacados nesta longa história desde a EME
(antiga sigla da Manutenção: Engenharia-Manutenção-
Equipamentos) até a DVM. O primeiro grande momento foi já na
fundação estrutural e operacional, com a visão progressista de
gestor público do mentor da Divisão, o Engº Lourenço Melchiona. O
“Cacique”, como era conhecido, contratou um serviço de
consultoria para desenvolver os Planos de Manutenções
Preventivas dos equipamentos eletromecânicos das estações de
tratamento e bombeamento do DMAE, bem como o organograma
funcional dividido entre equipes de Manutenção Corretivas e
Preventivas.
Já nesse período de implantação e consolidação do serviço
de manutenção de equipamentos operacionais do Dmae, na década
de 60, se destacou o trabalho de uma jovem engenheira elétrica.
Pioneira, enquanto mulher numa área até então exclusivamente
masculina, a Engª Catarina se destacou por ser literalmente muito
elétrica em suas atividades (como é até hoje), e também por sua
simpatia e empatia com o pessoal das turmas das oficinas e das
224
equipes de rua, tanto que passou a ser tratada carinhosamente por
todos como “A Madrinha”.
O segundo grande momento foi na década de 80, que com
o boom da informatização de todos os procedimentos que já se
praticavam manualmente, como emissão de Ordens de Serviços e
Relatórios Gerenciais, foram transpostos para o sistema MAN,
desenvolvido e aprimorado continuamente pela PROCEMPA na
plataforma “DOS”. A Madrinha foi a grande condutora do enorme
“trabalho formiguinha” que se fez necessário para digitar todas as
características técnicas de todos os equipamentos na nova
ferramenta de trabalho que passou a ser o tal de computador,
através do uso do programa MAN.
O terceiro grande momento da DVM foi na década de 90,
quando se visou modernizar o programa que estava operando numa
plataforma tornada obsoleta, sendo feitas diversas buscas no
mercado de softwares especializados em manutenção de
equipamentos, mas que nenhum se igualava ao velho MAN. Acabou
que o colega técnico industrial (e micreiro nas horas vagas), Eduardo
Mattos, foi desenvolvendo o sistema SIGES, como uma réplica das
funções do antigo MAN, mas em linguagens atualizadas para a
moderna plataforma operacional do Windows.
Também nesta transição a atuação da Madrinha da DVM foi
fundamental, tanto na concepção funcional quanto na nova
migração dos dados, agora do sistema MAN para o SIGES. Ela é
quem gerenciava a confiabilidade dos dados e concebia os
relatórios que o novo sistema devia emitir.
Com o tempo o SIGES foi ampliando suas fronteiras em
interfaces com as outras Divisões e se consagrou como um sistema
institucional do DMAE, em que pese a dolorosa perda do poder
pátrio do seu autor sobre a sua criação (que se deu no seco, por
desapropriação unilateral do direito de autoria do colega Eduardo
Mattos, sem vaselina).
Assim, a partir do final de década de 90, o antigo MAN
passou a “sobreviver” somente no computador da Engª Catarina,
mantido em cativeiro como um dinossauro sobrevivente da
225
avalanche provocada pela entrada no mercado do novo sistema
operacional Windows. O MAN vive, mas em estado de coma, sendo
alimentado seletivamente em conta-gotas unicamente pela mãos
de sua tutora, com uma dieta de dados mínimos para manter os
seus sinais vitais de fóssil pré-histórico vivo, por ainda manter
informações operacionais que não migraram para o SIGES.
A Catarina nos faz lembrar que nos tempos antigos a DVM
já tinha som ambiental nas salas, bem como serviço de autofalantes
para aviso nos pavilhões e no pátio; e foi também a primeira divisão
do Dmae a adotar, por iniciativa própria, o uso de uniformes e EPIs,
inclusive capacetes.
Mesmos antes da Era da Informática, a DVM já mantinha
um cadastro dos equipamentos de cada estação do DMAE, com
anotações de seus respectivos históricos de manutenções
corretivas e preventivas realizadas, através de anotações feitas nas
fichas dos respectivos equipamentos instalados, fichas estas que
ficavam arquivadas em pastas individualizadas de cada estação do
DMAE. Estas pastas constituíam, portanto, o grande banco de dados
dos equipamentos operacionais da era pré-informatização, as quais
sempre foram fruto da dedicação pertinaz da Egª Catarina. Até hoje
“as pastinhas da Catarina”, como são conhecidas, continuam sendo
atualizadas por ela como uma espécie de backup, para o caso da
necessidade de acessar informações mediante falta de energia
elétrica para acionar os computadores, pastas estas que também
funcionam como uma espécie de laptop para serem levadas inloco
nos trabalhos de campo.
Para que pudesse haver todo este controle gerencial, desde
sempre ficou a cargo da própria DVM fazer a colagem das placas de
numeração patrimonial dos equipamentos operacionais conforme
vão sendo adquiridos pelo Dmae. Cadastro este que serve de base
inclusive para fins contábeis de incorporação ao patrimônio do
Departamento, fornecendo dados cadastrais para o Serviço
Patrimonial (SVP), uma vez que há mais de cinco mil equipamentos
operacionais entre motores, bombas, transformadores, etc.
Também este monitoramento para patrimonização e cadastro no
226
SIGES dos novos equipamentos desde sempre tem contado com a
dedicação concentrada da Madrinha da DVM, e com sua capacidade
de mobilização do pessoal e, não raras vezes, através de suas
ásperas cobranças, sem perder a ternura jamais.
Na última década a Madrinha da DVM assumiu o
gerenciamento de todas as contas com energia elétrica do DMAE,
que totalizam cerca de R$ 20 milhões/ano e se constitui num dos
maiores gastos financeiros do Departamento. Este monitoramento
visando a minimização de custos com energia elétrica em cada
unidade operacional ou administrativo do DMAE, resultou num
trabalho reconhecido e que tem servido de modelo para os outros
órgãos da Prefeitura.
Eu trabalhei com a Madrinha desde 1978, praticamente por
cerca de trinta anos, descontado um breve período que me afastei
da DVM. Quando eu ainda era estudante de engenharia, era ela
quem fazia as traduções, do inglês para o português, dos meus
polígrafos técnicos sobre mineralogia. Nos últimos doze anos temos
trabalhado direto na mesma sala, chegamos a dividir por alguns
anos o mesmo computador. Talvez a nossa melhor obra conjunta,
tocada a quatro mãos, tenha sido a elaboração de vários volumes
de Instruções de Manutenções Preventivas para os novos
equipamentos adquiridos pelo DMAE.
Brigávamos muito, a Catarina e eu, por sermos os dois de
temperamentos fortes e de pavio curto, mas sempre prevaleceu a
minha admiração e carinho por tudo o que ela representa na vida
de todos nós, membros das várias gerações da grande família que
compõem a história da DVM.
Contudo, talvez o que mais me faça falta agora como
aposentado, são as frutinhas (maçãs e peras) que a Madrinha trazia
de casa e repartia igualmente entre os seu afilhados mais próximos
todas as manhãs pontualmente às 9:30hs, sem ficar com a melhor
parte...
- Valeu Catarina Reina Cànovas, peço sua benção Madrinha!

227
101 –O ÚLTIMO ANIVERSÁRIO DA MADRINHA DA DVM NO DMAE
Dezembro/2011
Ontem almoçamos na galeteria Bella Mamma em
comemoração do aniversário de 69 anos da Engenheira Catariana,
minha ex-colega da “sala dos dinossauros da manutenção”. Um
alerta importante, que pode ser útil para outros colegas
aposentaNdos nesta mesma situação, é que se até a data do
aniversário de 70 anos não tiver sido publicada a portaria da
aposentadoria, o servidor é aposentado compulsoriamente,
perdendo as vantagens de “integralidade e paridade”! Como o
tempo de demora entre o pedido e o ato de aposentadoria pode
demorar até seis meses, significa que até meados de junho de 2012
a Catarina deve protocolar no Previmpa o seu processo de
despedida do Dmae, depois de 44 anos de inestimáveis serviços
prestados ao Departamento e à comunidade porto-alegrense.
A partir de agora a Engenheira Catarina é definitivamente
uma aposentaNda. Ser um aposentaNdo significa viver cada dia no
trabalho como sendo o último dia com aquele número de cada mês
vivido no ambiente profissional. Rompem-se os monótonos elos
desta longa corrente de dias, semanas e meses, que parecem ser
infinitamente contínuos e que sedimentam como sendo o tempo de
serviço computados na ficha funcional de cada um. Cada dia passa
a existir como um elo diferenciado, por ser o derradeiro de sua
espécie que é definida pelo número do dia vinculado ao nome de
cada mês.
Ser um aposentaNdo no último ano é viver cada dia como
se fosse o último, é andar prestando atenção em cada detalhe da
mesma trajetória tantas vezes repetida distraidamente. É bom
prestar atenção enquanto se está na ativa, fazer um luto prévio, pra
não sermos contagiados pelo saudosismo melancólico depois,
quando já não estivermos mais revivendo esta rotina. Estou
convencido que o propagado tédio associado à vida de aposentado
é uma invenção do sistema capitalista, feita para amedrontar e
assim poder explorar por mais alguns anos os trabalhadores.

228
No seu próximo aniversário a Catarina com certeza estará
fora do Dmae. Portanto, amanhã será o último dia 20 de dezembro
em que ela se submeterá ao relógio ponto, este será o último
natal...todos os dias de um aposentaNdo passam a ser o último dia
de cada dia na ativa...AposentaNdos, aproveitem cada dia como
uma compartilhada despedida alegre com os colegas e prepararem
uma saída sem luto para um novo e definitivo desafio: viver
livremente do relógio ponto!
- Valeu muito Catarina Reina Cánovas, com sua benção Madrinha!

102 - A MADRINHA DA DVM SE APOSENTOU, ACREDITEM!


Agosto/2013
Esta semana o Fotógrafo da Manutenção voltou à
ação para cobrir um evento especialíssimo, a festa de homenagem
aos 45 anos de serviço da Engenheira Catarina, a Madrinha da DVM,
que protocolou neste mês de agosto/2013 o seu pedido de
aposentadoria no Previmpa, premida pela ameaça da
aposentadoria compulsória por idade com data marcada para antes
do final deste ano. A Eng.ª Catarina dedicou mais de uma década
além do tempo regulamentar exigido para se aposentar, e vai se
afastar do seu ambiente de trabalho contrariada por saber que
ainda tinha muito a contribuir ao Dmae, órgão que ela ajudou a
consolidar desde os seus primórdios com um nível de excelência em
saneamento público em âmbito nacional.
| Complemento aqui o que escrevi no texto denominado “A
Madrinha da DVM”, em que contava que, em termos
organizacionais, houve três momentos distintos marcantes a serem
destacados nesta longa história da Catarina como engenheira da
Manutenção do Dmae. Agora já são quatro os momentos
marcantes, sendo que o protagonismo da Eng.ª Catarina veio desde
os remotos tempos da EME (antiga sigla de Engenharia de
Manutenção), que eu também peguei e passou por todo o meu
tempo na ativa, ainda como DVM (Divisão de Manutenção). Mas ela
se estendeu na ativa até a recente reestruturação do Dmae para
GEMAN (Gerência de Manutenção), que vem a ser o seu quarto e
229
derradeiro momento histórico, a era de extinção dos últimos
Dinossauros.
Contudo, como acertadamente ela não quer que se
promovam fortes emoções no exato momento do último dia de sua
pioneira, longa e destacada carreira profissional, o festejo em sua
merecida homenagem foi antecipado para hoje de forma a não ser
curtido sob o clima dramático da despedida. Pelo contrário, foi uma
festa alegre de agradecimento de todos os que tiveram o privilégio
de conviver com a Engenheira Catarina. Festa em reconhecimento
aos longos anos de sua dedicação e amadrinhamento às várias
gerações de membros da grande irmandade dos servidores da
Manutenção de Equipamentos do Dmae.
Para encerrar esta homenagem, insisto para que fiquem
com a certeza da minha admiração e carinho por tudo o que a
Engenheira Catarina representa na vida de todos nós, membros das
várias gerações da grande família que compõem a história da DVM
(da EME à GMAN); e peço que compartilhem os meus
agradecimentos a ela por tudo:
- Valeu Eng.ª Catarina Reina Cánovas, abençoada seja Madrinha!

103 – O ÚLTIMO DIA DA ÚLTIMA SEMANA DO ÚLTIMO ANO


11/11/2013
A última semana de “ativo” de um aposentando, como foi o
caso da Catarina agora, é destinada literalmente ao bota-fora de
pastas e da imensa quantidade de papéis recolhidos das nossas
prateleiras e gavetas do local de trabalho. É impressionante como
se junta papeladas inúteis, coisas que se vai carregando na espera
de surgir uma boa oportunidade de descarte, o que não chega
nunca. Esta é a hora, às vésperas da aposentadoria, de se fazer o
feng-shui final, de limparmos e desovarmos tanto os arquivos físicos
quanto os virtuais.
É tempo também de se dedicar a rastrear, pasta por pasta
dos arquivos digitais no computador do DMAE, cautelosamente
selecionando o que deve ser repassado para os colegas que vão dar
continuidade nos serviços que competia ao aposentando. Nesse
230
processo dos últimos dias, é claro, também se vai preparando o kit
de viagem para a aposentadoria, empacotando os arquivos que
interessam levar como “recuerdos”, especialmente o dossiê em
mídias de fotos das caras dos colegas e dos locais do DMAE.
No último dia de trabalho, evita-se ao máximo ser emotivo.
Lembro que no meu último dia, por desígnios dos astros, tive a
oportunidade de participar de um ato público de protesto do
Movimento dos Capacetes Brancos dos Engenheiros, realizado na
esquina do meu local de trabalho, onde pude despedir-me de vários
colegas.
A última hora do último dia, geralmente, o aposentaNdo se
dedica a percorrer os diversos recantos da Divisão de Manutenção,
despedindo-se individualmente de cada colega. No final do
expediente, tem a especial solenidade do último movimento desta
formidável ópera de cumprimento ritual para se ganhar o direito a
uma aposentadoria integral, atualmente o ato solene da última
dedada no relógio ponto digital!
Carrega-se consigo as tralhas que acumulamos durante
todo esse longo tempo no nosso reduto onde passávamos 40 horas
semanais; bem como carregamos as fortes influências de formação
humanísticas das várias gerações de colegas com quem convivemos
no Departamento. Então, partimos do convívio diário com os
colegas, acreditando que há vida depois da aposentadoria, nesta
transição do mundo dos ativos para o mundo dos inativos.
O evento do último dia de trabalho da Madrinha da “EME-
DVM-GMAN”, no dia 11 de setembro/2013, talvez não por acaso
coincida com a data da queda das torres gêmeas, pois a Eng.ª
Catarina sempre foi o pilar técnico e afetivo que fundamentou
estruturalmente a área de manutenção de equipamentos do Dmae.
A profecia era de que o local seria emparedado e deixaria
de existir quando o último dos dinossauros da sala se aposentar e,
ao sair, apagasse a luz. Resta ainda o Último Dinossauro para se
fazer cumprir a satírica profecia...
Assim, cumprido o ritual do último dia da última semana do
último ano de trabalho, rumamos para a liberdade incondicional da
231
disponibilidade do tempo integral do resto das nossas vidas, sempre
repetindo como um mantra íntimo de agradecimento:
-Valeu pessoal, valeu DMAE!!!!!

104 – A EXTINÇÃO DO ÚLTIMO DINOSSAURO


jun/2014
Éramos quatro na sala, os quatro dinossauros na jaula de
extinção. Com a aposentadoria do Jalba, ficamos em três. Depois,
com a minha saída para o mundo encantado dos “inativos”,
restaram apenas dois na cela do Jurassic Park. Por último, com a
saída da Engª Catarina, tinha restado apenas o Álvaro como o último
Dinossauro ainda não extinto da espécie de engenheiros pré-
históricos da Manutenção do Dmae.
A Catarina e o Jalba eram vinho de pipas de outras safras,
mas o Álvaro e o Engº Souto (meu último Superindendente), mais o
Engº Rogério de Menezes (meu último Diretor de Manuntenção) e
eu, todos entramos no Dmae no mesmo concurso público para o
cargo de Escriturário em 1976. Por isso tínhamos matrículas quase
sequenciais, tipo os dos números dos Irmãos Metralha.
Agora a satírica profecia já pode se cumprir, todos já
estamos “extintos da ativa”, pois acaba de também ser extinto o
Último Dinossauro: todos já percorremos os ritos dos aposentaNdos
até o dia D.
Em meados de 2014 fui fazer a minha primeira visita na
nova GMAN, por ocasião do “bota fora e da extinção”, por
aposentadoria, do Último Dinossauro da minha antiga sala, o Álvaro
Neto, em seu último turno de trabalho. O Alvinho se caracteriza por
ser um benemérito polemista e grande frasista, adora jogar “cascas
de bananas” nas conversas, como costumava dizer o colega
Tedesco, para provocar escorregadias discussões. O último
dinossauro é um insuperável conversador ao telefone, capaz de
manter diálogos de duração intermináveis, sempre calma e
repetidamente, feito pingo d’água, até conseguir se fazer entender
e ter a visão do outro bem entendida. Como jurássico é possuidor
de um talento raro para a diplomacia, vai comendo o mingau pelas
232
beiradas, vai cozinhando o galo com sua risadinha de hiena esperta
e sua paciência de monge tibetano e, via de regra, de tanto “rodear
o toco”, acaba costurando outras alternativas não pensadas
anteriormente no debate, por mais acalorado ou sonolento que o
assunto seja. Nunca ninguém viu alguém conseguir tirar o Álvaro do
sério, do seu jeito bonachão de ser, com seu contagiante bom
humor de dinossauro de desenho animado.
O cara é um exímio negociador, tanto com fornecedores e
empreiteiros, como com os próprios funcionários, pois tem
paciência e o dom de ouvir. Lembro de um caso que considero o
mais emblemático da habilidade que o Álvaro tem para desatar nós
cegos se fazendo de desentendido, e fazendo com que o
interlocutor repita até a exaustão o argumento do seu ponto de
vista, mesmo que seja a formulação de um simples pedido. O caso
emblemático trata-se de uma reivindicação antiga dos Técnicos
Industriais da Manutenção, que sempre era recolocada na pauta de
qualquer discussão das escalas mensais de plantões para finais de
semana e feriados, que consistia na alegação de que eles não
tinham a obrigação de ficarem “à disposição” para atenderem
chamadas de atendimentos noturnos, muito menos nas
madrugadas. A tradição, desde sempre na Manutenção, é que os
plantonistas ficassem em casa, sem ingerir bebidas alcoólicas, à
disposição para chamadas emergenciais a qualquer hora, pois pode
ser que uma hidráulica esteja parada por defeito e bairros inteiros
fiquem sem água. É uma atividade essencial de utilidade pública!
Sob esta bandeira de luta, as novas gerações de técnicos
industriais, mais esclarecidos e sindicalmente politizados, faziam
fortes trincheiras de enfrentamento com os engenheiros da DVM,
fazendo ostensiva questão de não serem encontrados nos horários
que deveriam estar de “sobreaviso à disposição” em casa sem
ganhar nada! Esta bronca se arrastava a mais de uma década, talvez
duas, passando por vários Diretores (inclusive por mim), até que, na
Direção do Engenheiro Álvaro, com seu jeitão de moscão, de quem
não está entendendo nada, fez com que finalmente as lideranças
conseguissem explicar que não estavam reivindicando que fosse
233
autorizado o pagamento de “sobreaviso”, por saberem que isso não
está legalmente previsto, mas queriam simplesmente que na escala
de plantão fosse explicitado que eles estavam sendo convocados
desde às 17h30 de sexta-feira até às 8hs de segunda-feira (para
possível entrada na justiça futuramente?). Ah, é só isso?...Fácil, caso
resolvido! A partir de então passou a ficar explícito nas escalas dos
técnicos industriais, a exemplo do que já era mencionado para os
engenheiros de plantão, que a convocação se estende às 24 horas
dos dias escalados dos plantonistas. Pronto, dissolveu-se o conflito
e todos depuseram as armas pela ação diplomática de quem
provoca a repetição psicanalítica, até que seja ouvido o verdadeiro
sentido do que as pessoas estão querendo dizer e que, via de regra,
não são bem entendidas.
O Alvinho é um gremista atípico, pois apesar de ser fanático
o suficiente para ser associado e assistir às partidas no campo e
ainda carregar um adesivo com o emblema do Grêmio na traseira
do seu carro, ele é o maior crítico do seu próprio time. Suas análises
futebolísticas sempre destacam mais as deficiências do que as
vantagens da equipe tricolor, ao que ele chama de realismo de
quem olha o futebol com racionalidade. Por exemplo, ele é um cara
que faz muito tempo que vem alertando que o goleiro de seleção
Vitor é muito bom de chutes de dentro da área, aí ele é um gato e
pega tudo; mas bolas de longe, chutadas da intermediária, ele aceita
quase todas! E não é que ele tem razão...
Nunca ninguém viu alguém conseguir tirar o Álvaro do sério,
do seu jeito bonachão de ser, com seu contagiante bom humor
mesmo sendo um benemérito polemista, geralmente a partir de
temas que recolhe na sua imensa bibilioteca cultural que é
composta exclusivamente pelo canal Discovery e pelo History
Chanel da televisão fechada. Pra comprovar este perfil de fisgador
humorístico de polêmicas forjadas, basta acessar o perfil do Alvinho
no facebook, onde consta que a sua preferência política é a “direita
mais extremada”, com a casca de banana da foto de Ronald Reagan.
Os colegas petistas beliscam direto!

234
Como disse, o Alvinho é também um grande frasista, adora
lançar no ar frases que generalizem atitudes e situações universais,
tais como:
-Os políticos não são seres de outro planeta, são como a gente
deste planeta. Eles saem de entre nós.
-O macaco só não fala de esperto, para não ser feito escravo pelos
humanos.
- O tempo é um esmeril! (Referindo-se à deterioração física das
pessoas com a idade).

105 – A ÚLTIMA CASCA DE BANANA DO ÚLTIMO DINOSSAURO

O último dos Dinossauros, como já comentei aqui, é um


jurássico que vai jogando cascas de bananas para os incautos
escorregarem e ele dar a sua risadinha de hiena esperta. Então,
saibam todos da última casca de banana deixada por ele: o Álvaro
está se aposentaNdo, não só com o status de Dinossauro com D
maiúsculo, mas também levando as letras E e F (algo como
Dinossauro Especial Fortificado), letras de progressão criadas como
vantagens após a minha aposentadoria. Os novos Dinossauros
extintos são mais graduados e mais bem pagos do que os que
deixaram de ser ativos até 2011...escorreguei direto nesta casca!
Participando do evento da saideira “dedada” do Álvaro no
relógio ponto biométrico do Dmae, no seu último turno de trabalho,
ele me fez entender que o tal direito de “paridade com o pessoal da
ativa”, conquistado em lei pelos aposentados, era uma falácia. Só
agora em junho/2014 me caiu a ficha, cerca de dois anos depois,
que no pacote da Reestruturação do Dmae em 2012, além da
concessão de Gratificação por Desempenho de Atividade Essencial
(GDAE), passou de contrabando outra coisa. O acordo aprovado
pelos vereadores estabeleceu também mudanças no Plano de
Carreira: Ampliação da Progressão Funcional, criando mais duas
referências (letras E e F) para serem concedidas a quem completar
24 e 30 anos de serviço, respectivamente. Os aposentados
anteriormente em “final de carreira”, por serem uma espécie já
235
extinta de dinossauros, fósseis inativos, ficaram de fora; terão que
buscar na justiça o direito à paridade com os servidores ativos para
também passarem da letra D (Débil) para a F (Fortificado). Mas os
especialistas alertam que as chances são mínimas, pois a lei de
exclusão dos aposentados é clara e torna a “paridade entre ativos e
inativos” realmente uma falácia!
Assim, de forma indolor, aconteceu a extinção do último
Dinossauro da Manutenção do Dmae. Dizíamos que o último que
saísse devia apagar a luz e emparedar a “Sala dos Dinossauros”, o
que acabou de acontecer metaforicamente. Agora sou um
“estranho no ninho” daquele Jurassic Park da Manutenção do
Dmae, o qual estará para sempre emparedado nas lembranças e
memórias das várias gerações de servidores que por lá passaram,
que ficarão confinados nas minhas centenas de crônicas
memorialistas escritas aqui.
Extingue-se assim o sentido e a motivação da existência
deste blog “Diário de Um AposentaNdo do Dmae”, blog que por
quatro anos e meio esteve entretendo vocês com historinhas deste
mundo encantado perdido no tempo, ocorridas numa tal de DVM
na Terra do Nunca mais do Dmae. Como dizia o mecânico-filósofo
Alvinho: O tempo é um esmeril!

106 – UM ESTRANHO NO NINHO DO DMAE & O FIM DA AFM

Tudo mudou depois da reestruturação do Dmae ocorrida


em 2012, nada mais é como antes. Houve total mudança dos nomes
dos órgãos internos e muitas trocas de locais de trabalho com fusão
de atividades distintas. Um aposentado da Velha Guarda vai ter
grande dificuldade para localizar o que restou de sua antiga tribo de
trabalho. A Divisão de Manutenção, tratada como um “Case
Especial Piloto”, se manteve integralmente no mesmo lugar, mas
deixou de ser DVM e virou GMAN.
Na ocasião do “bota fora e da extinção” do Último
Dinossauro, o Álvaro Neto, em que fiz a minha primeira visita na
nova GMAN, fui utilizar o banheiro do vestiário das equipes de
236
manutenção. O local foi reformado recentemente conforme os
critério da OHSAS (sigla em inglês de Sistema de Avaliação da Saúde
e Segurança do Trabalhador), e fiquei impressionado com o que vi.
Normalmente os vestiários dos peões se assemelham a cenas de
presídios, com toalhas velhas e fardamentos encardidos e puídos
estendidos nas portas dos armários. Mas, acreditem, no “Case
Piloto GMAN” estes problemas se acabaram.
E não é só isso, agora cada funcionário simplesmente joga a
toalha e os fardamentos sujo numa tulha, no coletor de roupas para
a lavanderia, e os recebem semanalmente de volta em seus
respectivos escaninhos numerados, tudo lavado e passado no
capricho. Quem imaginaria uma coisa dessas há tempos atrás?...
Mas quem consegue imaginar esta realidade, não só num “Case
Piloto”, mas acontecendo em todo o Dmae e, quiçá, em toda a
Prefeitura?...
Assim, os vínculos com o antigo ambiente de trabalho de
um aposentado vão se rompendo, pois o inativo já faz parte de uma
realidade pré-histórica que deixou de existir. A questão da
“Assistência Médica”, por exemplo, fez com que eu mantivesse um
vínculo com uma associação do Dmae, a Aeapoppa, por quatro anos
após me aposentar, por causa do Plano de Saúde da Unimed. Quase
quarenta anos se passaram durante a minha carreira profissional, e
a questão da Assistência Médica continua na mesma embromação
por parte da Prefeitura. Atualmente o problema tem sido agravado
com buscas de alternativas esdrúxulas, como opção de vincularem
os municipários ao Instituto de Previdência do Estado (IPE) ou, pior,
o Dmae patrocinar um convênio, feito nas coxas, com uma clínica
particular, o Centro Clínico Gaúcho, em detrimento da Associação
dos Funcionários Municipais (AFM), que há décadas presta
atendimento médico aos servidores. A AFM vinha conseguindo
manter o Hospital Porto Alegre atendendo os servidores, apesar da
sonegação dos repasses das verbas devidas pelo Dmae, como órgão
patronal que devia garantir os direitos trabalhistas dos municipários
de terem assistência médica.

237
Hoje, definitivamente desiludido diante da “Morte
Anunciada da AFM”, estou migrando para o Plano de Saúde da
Unimed conveniado com o Sindicato dos Engenheiros (SENGErs).
Portanto, estou perdendo também este vínculo com o Dmae
através da Aeapoppa.
Soltaram-se todas as amarras e vínculos, tornei-me um
estranho no ninho do Dmae, em que entrei um jovem com 20 anos
e saí praticamente um idoso com 57 anos de idade...é página virada
que já faz parte de uma vida passada.

107 - A ILUSÃO DA PARIDADE NA APOSENTADORIA


18/07/2014
Depois da postagem anterior, Um Estranho no Ninho do
Dmae, em que escrevi: “Extingue-se assim o sentido e a motivação
da existência deste blog “Diário de Um AposentaNdo do Dmae”,
blog que por quatro anos e meio esteve entretendo vocês com
historinhas deste mundo encantado perdido no tempo.” – fiquei
pensando em escrever uma “Apologia Final do Blog”, falando de sua
importância para a minha vida de aposentaNdo, da receptividade
nos municipários com cerca de 30 mil acessos, para encerrá-lo em
alto astral e Ibope.
Mas a problemática da “paridade”, levantada na última
crônica, me mostrou que sempre haverá novos temas de relevância
e que seria burrice minha fechar esta janela de comunicação afetiva
com a minha categoria de servidores públicos municipais. Assim,
vocês terão que continuar me engolindo, apenas que em doses mais
eventuais aqui, mas não ficarão isentos do assédio do meu outro
blog de “Crônicas Avulsas no Tempo...”.
Como me mostrou o engenheiro-mecânico-filósofo e último
dinossauro Alvinho: A paridade dos aposentados com os servidores
da ativa é uma falácia! Agora, após acessar ao texto da Lei 11.253
de 4/4/2012, eu diria que o conceito de paridade é a propagação da
ilusão romântica de um direito, que na realidade nunca se realiza.
Senão, vejamos. o pessoal da ativa ganhou duas progressões a mais,
as referências E e F com a nova lei. A questão é saber por que os
238
aposentados anteriormente com a letra D, que saíram em “final de
carreira”, ficaram de fora. É por serem uma espécie já extinta de
dinossauros e serem fósseis inativos? E a paridade? Resposta: A
paridade morreu, por que era uma ilusão romântica.
A prova desta manobra excludente dos “velhinhos” está nas
mudanças contidas no pacote da Reestruturação do Dmae em 2012:
Ampliação da Progressão Funcional, criando mais duas referências
(letras E e F). Nos artigos destinados à adequação dos detentores
ativos da referência D, a lei estabelece que fica assegurado o
enquadramento na referência E a quem tiver 9 anos ou mais na letra
D; e enquadramento na referência F a quem tiver 18 anos ou mais
na letra D, “na data de publicação desta lei”. Significa que, se os
detentores ativos da referência D não cumprirem as exigências na
data de publicação da lei, vão cair na vala comum de concorrer às
progressões com os novatos. Portanto, não migram mais
automaticamente para a letra seguinte, quando completarem os 9
e os 18 anos exigidos respectivamente para a referências E e F..
Na visão romântica de paridade que nos foi incutida,
qualquer vantagem nova atribuídas aos ativos teria que
automaticamente ser concedida aos inativos. Se ganharam letras E
e F os servidores ativos que estavam na letra D, o mesmo teria que
acontecer com todos os aposentados em igual condição, certo?
Errado, pois como diz a canção dos Engenheiros do Hawai, o crime
perfeito não deixa suspeitos, e a lei é clara! A lei estabelece que fica
assegurado o enquadramento na referência E ao inativado com
direito à paridade que tenha percebido, “enquanto ativo”, por 9
anos ou mais na letra D; e enquadramento na referência F a quem
tiver percebido por 18 anos ou mais na letra D, “na data de
publicação desta lei”. Significa que, se os detentores inativados da
referência D não cumprirem as exigências na data de publicação da
lei, nunca mais terão oportunidade de progredir, nem mesmo
quando completarem os 9 e os 18 anos exigidos respectivamente
para as referências E e F. Quem está na ativa, e não cumpriu as
exigência na data da lei, ainda tem o recurso de ir adiando a
aposentadoria até cumprir as exigências das novas progressões de
239
final de carreira. Mesmo assim, muitos servidores em atividade
acabarão se aposentando sem ganhar as respectivas letras novas,
mesmo cumprindo, depois da data da lei, os tempos exigidos para
acessar cada uma delas, pois terão que concorrer entre si pelas
progressões. Os inativos não contemplados sim ficaram
definitivamente de fora, até mesmo para os que faltaram apenas
alguns dias para cumprir as exigências.
A moral da história é que a paridade, tal como a
concebíamos, era realmente uma ilusão romântica, agora falecida.
A paridade, nua e crua, significa apenas ter direito aos benefícios
concedidos, como se estivéssemos na ativa naquele exato
momento. Se eu estivesse na ativa na data da lei não ganharia a
referência E, e muito menos ganharia a F, por não somar 9 anos de
letra D. Se a lei fosse de hoje e eu me aposentasse agora, eu já
ganharia pelo menos a letra E. Mas, como inativo não progride,
ficarei chupando o dedo o resto da vida. Assim, sem a ilusória
paridade, os Dinossauros extintos recentemente são mais
graduados e mais bem pagos do que os que se aposentaram até
2011. A lei de 2012 é dura e sem medidas paliativas de transição,
maldosamente fecha a porta atrás de si. Quem entrou, entrou;
quem não entrou, não entra mais. A não ser que alguma nova
jurisprudência nos devolva a ilusão romântica da paridade...

108 - A EMPULHAÇÃO DO ABONO PERMNANÊNCIA

Uma outra polêmica mais antiga, que o Último Dinossauro


Extinto lançou antes de eu me aposentar, era uma verdadeira casca
de banana pra gente escorregar, dizia respeito à derradeira
estratégia de aposentadoria. Dizia ele que, ao contrário do que eu e
a maioria dos aposentaNdos pensa, é mais vantajoso primeiro se
gozar o último mês de licença prêmio e depois entrar com o pedido
de aposentadoria e ficar trabalhando os 30 dias previstos de espera
para poder entrar de Licença LAA (de Aguardando Aposentadoria).
A vantagem, segundo o Álvaro, é mais um mês da grana do Abono
Permanência que faturamos. Faz um certo sentido a tese do
240
polemista, pois tem lógica o seu argumento de que na renda anual
ter-se-á mais um mês de Abono Permanência. Alega ainda que, pra
quem já ficou 39 anos esperando para se aposentar, um mês a mais
não é nada! Sentencia que considera abrir mão dessa grana uma
burrice do sujeito aposentaNdo que tem o direito de optar por
gozar o mês de Licença Prêmio em casa, e só pedir depois a
aposentadoria enquanto trabalha mais trinta dias.
O argumento do Álvaro tem lógica, por isso conseguiu
estabelecer uma certa polêmica, mas não considerei que fosse um
bom argumento. O meu questionamento para ele sempre naquela
época foi o seguinte: acho que é melhor não ganhar a grana sem
trabalhar do que não ganhar a grana trabalhando! Explico: se entrar
de licença prêmio e pedir a aposentadoria no mesmo dia, fico trinta
dias sem trabalhar e sem ganhar a grana do abono permanência e
estou livre. Pela tese dele, se eu aguardar trabalhando os trinta dias
regulamentares depois de pedir a aposentadoria, vou ficar
trabalhando sem ganhar o famigerado Abono Permanência. Pela
lógica dele, do acúmulo financeiro, o mais vantajoso é ficarmos
faturando o abono permanentemente e não nos aposentarmos
nunca! Esta, inclusive, tem sido a opção de um número cada vez
maior de colegas que vão ficando indefinidamente...Mas não foi o
nosso caso!
Contudo, a questão deste anzol do Abono Permanência,
que tem fisgado cada vez mais gente para ficar trabalhando oito
horas por dia por mera terapia ocupacional, como veremos mais
adiante, tem outros aspectos que exigem a atenção e o estudo
reflexivo dos aposentaNdos. Primeiro, que existe uma decisão
patronal deliberada que, no momento que um servidor pedir a
aposentadoria, significa que ele está declarando que não está mais
interessado em permanecer e que está abrindo mão do abono, o
que implica no seu corte imediato. Não precisaria ser assim, pois
isto implica em perdas, posto que o processo de aposentadoria
ainda é moroso. Já não demora mais de um ano, como no tempo do
colega Jalba, mas que pode demorar cerca de quatro meses, ou
mais, dependendo do caso. Durante este período o servidor poderia
241
estar “permanecendo” no trabalho a fim de ganhar o abono e evitar
os prejuízos decorrentes da morosidade processual no PREVIMPA.
Para esclarecer um outro aspecto deste assunto, antes de
me aposentar em 2011, fui pessoalmente até o instituto de
Previdência Municipal de Porto Alegre (Previmpa), com a esperança
de que a portaria de aposentadoria, saísse quando saísse, fosse
retroativa à data do pedido de aposentadoria. Acontece que
quando o abono é cortado dos nossos salários, significa que
começamos a pagar integralmente os 11% da previdência, até que
saia a bendita portaria. A lei, porém, estabelece que só se deve
pagar os 11% de previdência sobre a parcela salarial que exceder ao
piso de R$ 3.300,00. Assim, enquanto não for publicada a portaria
de aposentadoria, os aposentaNdos ficam pagando
“indevidamente” 11% também sobre este piso, o que equivale a um
prejuízo na época de R$363,00 mensais no nosso bolso (cerca de
meio salário mínimo!). São perdas causadas por conta da
morosidade institucional do Previmpa e da “sacanagem” patronal
que, mesmo tendo culpa na morosidade do processo por ser quem
repassa as informações funcionais dos aposentaNdos, corta de
imediato a opção do requerente continuar trabalhando e ganhando
o abono até a oficialização legal da aposentadoria. Ou seja, ao pedir
a aposentadoria o sujeito é impelido a saltar fora!
Lamentavelmente, conforme fui informado nos guichês do
Previmpa, a aposentadoria não é retroativa, portanto não temos a
chance de recuperar este dinheiro pago ao fisco
desnecessariamente. É de salientar, com todas as palavras, que isso
só ocorre por imposição dos procedimentos gerenciais da
administração municipal, a qual finge não perceber o prejuízo que
está causando aos seus servidores em final de carreira. É com esta
mesquinhez que trata os seus funcionários que a PMPA espera
ganhar o prêmio de ouro no Programa Gaúcho de Qualidade
Pública, o PGQP neoliberal do Gerdau!
Na época até tentei falar pessoalmente com o então
presidente Rigotti do Previmpa, o meu ex-colega de militância
sindical, para registrar o meu protesto pela anormalidade deste
242
quadro que está estabelecido como uma coisa inerente e normal.
Porém, como das outras vezes que tentei, não consegui furo na
agenda para conversar com o agora Poderoso Chefão. Mas, quando
dei de cara com a portaria da aposentadoria do Rigotti sendo
publicada no Diário Oficial Municipal, imediatamente enviei um e-
mail provocativo ao novo “véinho aposentado”:
- Véio, aposto que o trâmite burocrático da aposentadoria do
presidente do Previmpa foi muiiiito mais rápido do que será o meu!
Ao que o malandro (que sempre foi bom de latinha!) me
respondeu:
- Quero te dizer que estamos trabalhando pra demorar cada vez
menos. Quando entramos em 2005, demorava em torno de dois
anos do pedido até a concessão da aposentadoria. No último mês a
média de tempo foi de 97 dias. Queremos até o fim do ano baixar
dos 60 dias. Isto quer dizer que quem tem toda a documentação do
cadastro previdenciário atualizado pode ter sua aposentadoria em
30 dias, porém os desorganizados fazem a média ficar mais alta .
Portanto, véinho, dá uma olhada no teu cadastro. Assim, se o teu
pedido sair rápido não me acuse de querer me livrar de ti depressa...
arggh!...Beijo.
Contudo, não é feito só de lamentos este tema do corte do
Abono Permanência. Por incrível que pareça, este corte também
tem o seu lado positivo. Como o Abono deixa de entrar no contra-
cheque na coluna das vantagens salariais (o que já era uma outra
sacanagem que nos faz pagar imposto de renda sobre o abono!),
logo haverá uma redução do desconto do IRPF, o que implicará um
acréscimo no líquido que compensará as perdas provocadas pela
morosidade no PREVIMPA e, depois do ato final, será um ganho
permanente no salário que somado ao desconto do piso da
previdência, praticamente equivale ao próprio Abono. No final da
história, analisando bem, o Abono Permanência resulta como sendo
uma grande “empulhação” para a “barnabezada” ficar trabalhando
praticamente de graça!
Polêmicas à parte, mas nestas cascas de banana do Alvinho
eu não caio e nem vou mais escorregar, contudo vou sentir falta.
243
Como ele próprio costuma dizer, “preteou o olho da gateada!”, pois
terminou o nosso tempo de dmaeanos.
-Valeu Mestre Álvaro Silveira Neto!

109 - PLANO DE CARREIRA & EFEITO CASCATA


Novembro/2014
Saiu a Revista da Astec, edição especial de Outubro/2014,
em comemoração aos 20 anos da Associação dos Técnicos de Nível
Superior do município de Porto Alegre, e eu estou na revista com
um artigo escrito por mim sobre “As Empulhações do Abono
Permanência & Paridade”.
Eu não aderi à Astec na época em que foi fundada no
movimento pela GIT, e nem havia me associado até às vésperas de
me aposentar. Entendia que as buscas por gratificações
particularizadas era entrar no jogo divisionista das administrações.
Os governos são adeptos da máxima maquiavélica de “dividir para
governar”, sempre preferiram desenvolver uma política de
remuneração por gratificações, concedendo vantagens a grupos de
profissionais e achatando os reajustes salariais para todos o corpo
funcional. Política que após duas décadas resultou no
desmantelamento do Plano de Carreira, cujos salários básicos quase
não se diferenciam mais. Paciência, o velhinho rançoso aqui é do
tempo em que se fazia movimento com unidade sindical da
categoria na AMPA, a associação dos municipários, construída na
luta pela redemocratização do país (da qual eu fui presidente da
diretoria de fundação|) e que, logo que a nova legislação permitiu a
sindicalização dos servidores públicos, se constituiu no primeiro
sindicato de municipários do Brasil, o SIMPA.
Mas, como um técnico científico, ainda que tardiamente,
precisei reconhecer que as leis de Newton continuavam vigorando,
e que toda reação ainda é causada por uma ação. Especialmente
quando a maçã de Newton caiu na minha cabeça, no Movimento
dos Capacetes Brancos iniciado em 2010, em que os Engenheiros,
Agrônomos e Arquitetos da Prefeitura de Porto Alegre fizeram
“capacetaços” em atos públicos. Protestavam pela implantação da
244
Verba de Responsabilidade Técnica (VRT), que visava a equiparação
salarial da classe com os Procuradores do Município, cuja
mobilização acabou conquistando a Gratificação de Alcance de
Metas (GAM), inclusive para nós, os cabeças brancas que já
aposentaram o capacete. Assimilando os novos tempos, por
solicitação da Margareta Baumgarten, então brilhante primeira
mulher presidenta da ASTEC, no meu final de carreira tive que dar o
braço a torcer e me associar na entidade. Reconheci que a
associação qualificou politicamente a classe dos técnicos
científicos, e que se consolidou como um fórum importante para
aprofundar o debate das questões de interesse geral dos servidores
municipais portoalegrenses.
Parabéns Astec pelos seus 20 anos de intensas atividades de
lutas sociais, técnicas e culturais. Eventos, trabalhos técnicos, lutas
e festejos que estão presentes nesta edição da Revista da Astec, que
resgata um pouco da história (integralização de 100% da GIT em
2010) e contextualiza as bandeiras de lutas e pautas atuais, tais
como o Plano de Carreira e o Efeito Cascata.
O ano de 2010 está na origem de todas estas questões,
como veremos a seguir. Sei disso por que em julho de 2010 se
consagrava o meu direito adquirido à absolvição do jugo do
trabalho: data a partir da qual eu poderia dispor da minha Carta de
Alforria para usá-la no momento em que quisesse. Havia fechado o
número cabalístico 95 da previdência, da minha idade somada ao
meu tempo de serviço, e poderia me aposentar finalmente. Havia
recebido dois meses antes a minha última vantagem de fim de
carreira, o meu último “avanço trienal de 5%”, não restando mais
nada o que acrescentar aos meus vencimentos. Pelo contrário, só
surgiam pela frente cada vez mais ameaças de perdas salariais, as
quais não eram poucas e vinham de todos os lados.
A partir de meados de 2010, ainda trabalhei mais seis meses
pela esmola do “Abono Permanência”, mas com o regulamento
embaixo do braço. Assim, se surgisse um bicho muito feio, antes que
o bicho me pegasse eu correria até o Previmpa para cadastrar o meu
pedido de aposentadoria, onde pensava que ficaria protegido pelo
245
ferrolho do “direito adquirido”. Casualmente naquela época
surgiram dois bichos papões das vantagens adquiridas bastante
feiosos, que ameaçaram os aposentaNdos o suficiente para nos
colocar em pânico. Um foi a ameaça de corte da insalubridade em
decorrência da implantação do novo laudo da perícia no Dmae.
Passado o susto inicial, a racionalidade voltou a imperar e tudo
serenou sobre esta ameaça de perda salarial às portas da
aposentadoria. O outro bicho papão, o do Efeito Cascata, foi
anunciado pela própria SMA em seu informativo online: Há uma
ação civil pública movida pela Promotoria Pública sobre o cálculo de
concessão das gratificações adicionais e por regime especial (RTI e
RDE) dos servidores municipais.
O “Exterminador do Efeito Cascata”, bicho que se fez de
morto de lá pra cá, agora ressurgiu de sua hibernação, faminto por
devorar as vantagens salariais dos municipários. A pendenga se
refere ao fato que o Ministério Público considerou irregular o
cálculo de gratificações concedidas a servidores públicos municipais
de Porto Alegre. Trocando em miúdos, o tal efeito cascata que
pretendem exterminar se trata da incidência dos Regimes de
Dedicação (RDI e RDE) sobre os avanços adicionais (de 15% e 25%)
e sobre as funções gratificadas incorporadas. Consideram que há
vantagens incidindo sobre vantagens, o que constituiria um efeito
cascata. Foi, já naquela época, o anúncio de um rombo bem maior
do que todas as outras ameaças de perdas anteriores, algo em trono
de 30% do salário de perda. E o malvado promotor pedia a revisão
de todos os benefícios já concedidos anteriormente aos servidores
ativos e também aos inativos. É o tipo de bicho papão que não
adiantaria correr para o Previmpa e se esconder no pijama de
aposentado, o danado iria pegar igual!
A prefeitura foi notificada naquela ocasião para prestar
informações ao juiz. O governo, através da Procuradoria Geral do
Município, dizia estar elaborando a defesa jurídica para preservar
os vencimentos dos servidores. Bueno, quatro anos depois aquelas
assombrações, que julgávamos mortas e enterradas, reaparecem
como zumbis nos meus e-mails me convocando para um seminário
246
promovido pela Astec, no dia 29 de outubro/2014, cuja pauta era o
Plano de Carreira e o Efeito Cascata.
Junto com meus colegas de diretoria da Aeapoppa fui no
seminário, fui para me beliscar e conferir se o monstro acordou
mesmo e se vai me pegar também. Quanto ao Projeto de Plano de
Carreira, fiquei sabendo que também esta discussão se arrasta
desde 2010, num longo lenga-lenga de etapas de projeto básico,
entrevistas, diretrizes, e diagnósticos para chegar, sabe-se lá
quando e como, na construção de uma proposta de plano de
carreira de ascensão por competências, cuja elaboração está a
cargo de uma empresa de consultoria contratada. Já vi este filme
várias vezes e sempre acaba em nada!
Sobre a questão do efeito cascata, foi esclarecido que em
2010 o Ministério Público entrou com ação liminar contra o
município (processo 1.10.0165223.2 no site do Tribunal de Contas),
arguindo que as gratificações começassem a ser pagas sem o efeito
cascata (os regimes de trabalho não incidindo mais sobre os avanços
adicionais e funções gratificadas). Na época a liminar foi negada,
com o juiz acatando a defesa de que RDI e RDE têm nome de
gratificação mas não são, em essência são renumeração das 20
horas de acréscimo na carga horária de trabalho semanal. E tudo
continuou igual. Contudo o Ministério Público entrou com recurso
e o Tribunal de Justiça julgou procedente, determinando que fosse
cumprido no município a eliminação do efeito cascata. Esta é a
notícia ruim, a administração acabou de entrar com uma apelação
pedindo o efeito suspensivo, até que seja julgado em instância
superior. Mas o caso vai para o STF que, em casos análogos, já se
manifestou contrário a este tipo de efeito cascata, e tem mandado
cortar o pagamento de uma vantagem incidindo sobre outra
vantagem.
Portanto, sem margem de dúvida, é só uma questão de
tempo, e calcula-se que de 20% até 30% dos vencimentos de muita
gente vai ser engolido logo logo por este bicho papão dos salários
dos servidores municipários. A expectativa é de que a administração
municipal faça alguma mágica para evitar esta desgraça que está
247
anunciada há mais de quatro anos. É preciso que o governo
apresente uma saída, um “plano B” rapidamente! Por enquanto o
truque que a Prefeitura estava ensaiando era o de tirar da cartola
de um novo Plano de Carreira algumas pombas brancas para
compensar as perdas de quem fosse atingido quando a cascata
secar. Contudo, pelo andar da carruagem, este projeto está dando
a pinta de ser mais um Plano de Carreira, como tantos outros
contratados, a ser engavetado por falta de um consenso mínimo nos
métodos e nas diretrizes, sobretudo por desembocar para votação
em final de mandato e em ano eleitoral, lá por 2016. Até o Simpa
parece que já saltou fora de remar nesse barco!
O tal seminário da Astec pelo menos nos deu um motivo
para festejarmos: Não há o pedido de efeito retroativo no acórdão,
assim não teremos que devolver tudo o que recebemos desde 1998
(quando uma emenda na nova Constituição enquadrou como ilegal
o efeito cascata), uma vez que o tribunal considerou que os
funcionários receberam de boa fé as “irregularidades”.
E também ficamos sabendo no seminário de uma outra
notícia melhor ainda, pelo menos para nós aposentados: Os inativos
e pensionistas, por não constarem na petição inicial do Ministério
Público, ficavam excluídos dos efeitos da sentença desta ação;
podendo virem a ser questionados em outra ação futura. O Lobo
Mau vai primeiro papar os porquinhos ativos, que estão mais
gordinhos com a ração fortificante fornecida a partir de 2012, com
a Ampliação da Progressão Funcional que criou duas novas
referências (letras E e F) e que destruiu com a ilusão de paridade
que haveria entre os ativos e os inativos Dinossáuricos.
Assim, o bicho papão do efeito cascata não vai pegar os
aposentados que correram pra dentro do pijama no ferrolho do
Previmpa, ou seja, os aposentados vão continuar ganhando as
gratificações de regimes de trabalho incidindo sobre avanços e
funções gratificadas (por enquanto)!...Já o pessoal da ativa, não
querendo ser alarmista, mas é bom que se mexam rápido que o STF
é fogo, já colocou muita gente graúda em cana: o bicho vai pegar
mesmo!
248
Com as boas notícias, entrei no clima da gostosura de festa
com jantar dançante do aniversário pelos 20 anos da Astec, da qual
participei pela primeira vez esperando dançar agarradinho à moda
antiga com a minha mulher, dois pra lá e dois pra cá...mas, apesar
de ser um “baile de coroas”, só rolou música de ritmo bate estaca.

110 - GREVE CONTRA O EFEITO CASCATA DE PERDAS SALARIAIS


Maio/2015
Aposentado não faz greve? Uma ova! Aposentado não vota
pela greve em Assembleia Geral, mas faz a greve acontecer
participando de alguma maneira na sua construção, pois também
irá se beneficiar das conquistas do movimento dos municipários ou
sofrer as perdas de sua derrota. Desde a greve anterior, de maio de
2011, contra este mesmo Fortunati, estou fora da ativa do
movimento e inativo do trabalho. Minha forma de participação
passou a ser a de fazer o registro e divulgação das bandeiras de
lutas da categoria aqui, no blog Diário de Um AposentaNdo.
Igualzinho como agora, em 2011 os municipários em luta
decidiram entrar em greve por tempo indeterminado a partir de
meados de maio. Também lá, mais de 3.000 municipários lotaram
o Centro de Eventos do Parque Harmonia e rejeitaram a proposta
do governo, que apenas propunha repor a inflação pelo IPCA. Agora
tem o agravante de querer parcelar até maio de 2016 o pagamento
do reajuste proposto de 8,17% do IPCA. Com o índice conquistado
na greve de 8 dias de 2011, os 7% (0,5% acima da inflação), eu
recuperei parte das perdas pré-aposentadoria no meu salário.
Agora, mais uma vez, contra a política salarial deste mesmo
prefeito Fortunati, os municipários em luta, decidiram entrar em
greve a partir de 20 de maio de 2015, Greve contra o Efeito Cascata
de Perdas Salariais! Que monstro é este que vem ameaçando os
municipários há vários anos, todo mundo já está careca de saber: os
regimes de trabalho (RTI/RST/RDE) não podem mais incidir sobre os
avanços adicionais (de 15% e 25%) e nem sobre as funções
gratificadas incorporadas!!! Mas o que nunca ficou muito claro, por
sua complexidade, é o conteúdo da proposta de solução bancada
249
pelo SIMPA. Proposta esta que promete matar o monstro do Efeito
Cascata sem prejuízo para a categoria e sem ônus algum para a
administração do Fortunati. Então, é sobre esta proposta que vou
buscar fazer uma contribuição para o movimento, no sentido de
tentar fazer uma explanação didática para a categoria desta solução
que o prefeito tem se negado a considerar. Negativa esta que só
uma greve forte poderá reverter!
A categoria já recusou o remendo provisório sugerido pelo
prefeito de conceder um “Abono” para compensar as perdas no
atual momento, mas que como sabemos abono não é salário e não
é incorporado na aposentadoria. Em contrapartida, vejamos então
em detalhes a tal proposta elaborada por atuário colega nosso e
apresentada na mesa de negociação pelo SIMPA, que é resultado de
um estudo de todas as variáveis salariais para resolver o impasse da
decisão judicial, que ainda está sob recurso liminar no STF. São
artifícios compensatórios propostos que realmente podem
solucionar o imbróglio das perdas salariais de até 30% que o corte
do chamado “Efeito Cascata” causará aos municipários. A proposta
busca definir compensações salariais para os dois dilemas centrais
do corte do efeito cascata: os regimes de trabalho sobre os avanços
adicionais e sobre as funções gratificadas incorporadas.
Primeiro, em relação a exclusão do regime de trabalho
sobre os “avanços adicionais de 15% e 25%”, a proposta
compensatória do SIMPA prevê que o funcionário, enquanto
convocado para o regime especial de trabalho, passaria a ter direito
a uma compensação remuneratória em percentual progressivo
aplicado sobre o vencimento básico do seu cargo. Esta
compensação seria calculada com base numa Tabela Progressiva de
Percentuais de Regime de Tempo Integral(RTI) e Regime de
Dedicação Exclusiva (RDE), que é proporcional ao tempo de serviço
público do funcionário (RTI progressivo de 50% até 117% e RDE
progressivo de 100% até 235%). Com esta modalidade estabelecida
em lei municipal, criando regimes progressivos de trabalho em
decorrência do tempo de serviço, morreria o famigerado Efeito

250
Cascata sem causar perdas nem danos para nenhum dos lados,
servidores e Prefeitura.
Em relação ao segundo dilema, o da exclusão da FG/CC
incorporada do Adicional de Tempo de Serviço e do Regime Especial
de Trabalho, a proposta elaborada é mais complicada de explicar:
Sugere tabelas com a definição dos valores das FG/CC acrescidos de
percentuais compensatórios para os respectivos regimes de
trabalho. O mecanismo concebido para obter as compensações de
forma que todas as remunerações de FG/CC migrem como os
mesmos valores atuais foi o de referenciá-las em um único “fator”.
Tipo assim, os valores das FG/CC “sem adicional de 15% ou 25%”
para RDE seriam tomadas como “Fator de Referência” de 100% de
cada nível de FG Incorporada. Em RDE os valores das FGs
incorporadas do respectivo nível seriam de 130% do fator de
referência para quem tem adicional de 15% e de 150% do fator para
quem tem adicional de 25%. Algo simples assim e que funciona.
Adotando os artifícios desta proposta muito bem articulada,
ficaríamos livres do maldito efeito cascata, realizando-se uma
solução mágica de não haver perdas salariais para os funcionários
nem ônus para a administração municipal. Portanto, fica claro que
basta ter vontade política para resolver este imbróglio, o que parece
não ser o caso. Pelo contrário, o prefeito parece querer empurrar
com a barriga o problema até os “capa-preta” do STF baterem o
martelo e decretarem o corte imediato, para que ele cumpra com
prazer a sangria de até 30% nos salários dos servidores municipais e
ainda com um debochado discurso de algoz inocente, dizendo que
estará apenas cumprindo determinação judicial!...
Aposentado não faz greve, mas pode tentar contribuir para o
fortalecimento consciente do movimento: participe!

PS.: A greve durou 15 dias e resultou vitoriosa, a proposta foi


adotada e o Monstro do Efeito Cascata foi definitivamente morto e
enterrado.

251
111 - OS SONHOS FRUSTRADOS DE DOIS APOSENTADOS DO
DMAE

Entre os meus guardados trazidos no meu kit de


aposentando, encontrei uma preciosidade simbólica, uma folha do
Boletim Interno do Departamento, datado de novembro/2002, em
que se anunciava a “realização do sonho dos funcionários”, a
construção de um campo de futebol do Dmae. No Boletim o
Carlinhos Comelli, grande desportista e querido por todos os
colegas, é entrevistado na empolgação do início da terraplenagem
do campo no terreno da ETE Navegantes, junto ao Humaitá e perto
do que hoje é a Arena do Grêmio. Dava gosto de ver os planos que
ele fazia para o uso do campo em campeonatos e peladas internas
das Divisões do Dmae. A obra dos sonhos dos servidores avançou
mesmo, chegou a ser colocada a grama e creio que até as goleiras
foram instaladas...mas não chegou haver a esperada festiva
inauguração.
De fato o sonho dmaeano existia e persiste, pois alguns
departamentos da Prefeitura de Porto Alegre têm centros de
esportes e lazer para os seus funcionários, tais como o Ginásio com
quadra de Futebol de salão do Demhab e a invejável sede com salão
de festas e campos de “futebol sete” da SMOV, perto do Veleiros do
Sul. Paradoxalmente o Dmae, chamado de “primo rico” dos órgãos
municipais, nunca conseguiu nenhuma coisa nem outra, nem
ginásio coberto e muito menos sede social para oferecer aos seus
servidores, tem apenas um campinho de futebol sete em cima do
reservatório de água Catumbi. Pois o artilheiro Carlinhos, que
recebeu cartão verde na época para “chutar e cabecear e fazer o
golaço”, se aposentou frustrado sem realizar o sonho de inaugurar
o campo Todeskão.
Conforme relata a reportagem, o Diretor Geral na ocasião
era o Todeschini, daí o apelido dado ao campo de Todeskão.
Acontece que, como ele estava bancando a obra com um projeto
“feito nas coxas”, antes mesmo de construir os prometidos
vestiários, banheiros e churrasqueiras no entorno do campo, a
252
Direção teve que abandonar a obra que foi embargada,
caracterizando mais um desperdício do dinheiro público. Como o
Carlinhos, eu também me aposentei frustrado por causa do
Todeschini, não pelo campo inacabado devido à sua localização
inadequada, ao lado dos tanques de decantação dos esgotos
cloacais da ETE Navegantes. Minha frustração foi com a ascendência
relâmpago de um obscuro petista vindo do DEP que assumiu o
DMAE em 2001 e, durante a campanha eleitoral de 2004, conseguiu
o feito inédito de colocar cartazes em, literalmente, todos os postes
do município, sendo dois cartazes por poste (um para cada lado da
rua até nas zonas mais rurais), e se eleger como o vereador mais
votado daquele pleito. Minha frustração foi como “ex-petista”, que
eu já era na época, por perceber que dali pra diante podia se esperar
de tudo daquele partido que dediquei muitos anos da minha vida
construindo. Mas "nem que a vaca tussa" eu imaginaria que os
"malfeitos" descambariam para o Mensalão e o Petrolão!...
O fato é que o sonho do Carlinhos se realizou mas não se
concluiu. O campo de futebol para os servidores do DMAE chegou a
existir, mas não foi concluído. A obra foi interditada por exigência
da saúde pública, pois com tanques da estação de esgotos ao lado a
grama estaria permanentemente contaminada com coliformes
fecais. Por isso, qualquer arranhão que os atletas sofressem por
queda no gramado seria uma fonte de infecção séria e de contágio
de doenças graves. O meu sonho também se realizou, a posse em
2003 do Lula Lá, mas não se concluiu pelo contágio da corrupção do
poder, grave doença crônica que infecciona o país e frustra os
sonhos dos brasileiros.

112 - HISTÓRICO E RISCOS DAS APOSENTADORIAS NO PREVIMPA


Julho/2015
Mais uma vez se confirmou o meu acerto em me filiar, às
vésperas de me aposentar, na Associação dos Técnicos Científicos
(Astec), para me manter informado das questões da categoria dos
municipários. Desta vez fui convidado a participar de um oportuno
seminário promovido pela associação, O REGIME PRÓPRIO DE
253
PREVIDÊNCIA EM PORTO ALEGRE, realizado dia 16/julho/2015. Para
um aposentado nada é mais oportuno do que conhecer o que é e
como funciona o órgão que ficou responsável pelos pagamentos dos
seus proventos pelo resto da vida, sobretudo por estar sempre com
um pé atrás, com medo que o Previmpa acabe antes que o
aposentado. Tudo é muito recente, essa realidade de Regime
Próprio de Previdência Social (RPPS) da Prefeitura se configurou em
2001/2002, em decorrência da promulgação da Constituição de
1998. A criação dos RPPS visava estruturar a responsabilidade fiscal
dos municípios e Estados, cujos gastos com pessoal ativos e inativos
(e pensionistas) se tornara, no discurso oficial, um descalabro
insustentável para o dinheiro público.
Minha geração é do tempo que tudo ficava na conta
patronal da Prefeitura que, em contrapartida deste ônus, tinha o
bônus de não precisar recolher recursos permanentemente para
um fundo previdenciário, podendo assim seguir gastando sem se
preocupar com o futuro desta bola de neve que crescia com o
tempo. O Montepio dos Funcionários Municipais recolhia 4,75%
compulsoriamente de todos os barnabés e se encarregava de pagar
60% do salário do falecido como pensão aos dependentes dos
servidores falecidos, enquanto que o pagamento da aposentadoria
aos inativos (ainda vivos) era feito exclusivamente às custas dos
cofres públicos. Durante o processo de transição daquele sistema
antigo para este novo, com a criação do Previmpa que passou a
pagar 100% como pensão, eu atuei como protagonista na Comissão
de Intervenção que deu o tiro de misericórdia no Montepio em
1994, desmascarando com auditorias as falcatruas e
incompetências gerenciais e administrativas que ocorriam naquela
entidade há 20 anos atrás...Cruzes, o tempo voou!
Com o advento do Regime Próprio através do Previmpa,
houve a chamada “segregação de massas”, dividindo o quadro
funcional em dois grupos: o pessoal ativo mais antigo (ingressos até
2001, que hoje totalizam cerca de 12.000) foram classificados como
em Regime de Partição Simples, e o pessoal ativo mais jovem
(ingressos após 2001, que hoje totalizam cerca de 6.000) foram
254
classificados como em Regime de Capitalização. Os jovens ficam
sujeitos a um “regime solidário”, onde todos pagam e todos são
responsáveis pelo uso adequado dos recursos “capitalizados” no
Fundo de Previdência, para que este possa garantir os benefícios
(sem paridade em relação aos ativos) previstos a longo prazo. Já o
pessoal mais antigo, por não ter havido contribuição patronal
anterior a 2001, permanece tendo o respaldo complementar dos
cofres públicos municipais para o pagamento dos seus proventos e
benefícios com paridade. Mas a discussão das recorrentes reformas
de previdências, sempre em pauta no Congresso Nacional, é de que
para um Regime Próprio de Previdência Social ser eficiente
precisaria, segundo cálculos atuariais, ter uma relação de 4 ativos
para 1 inativo. Acontece que o Previmpa, com 16.700 ativos e 8.700
inativos, estaria com uma relação de apenas 2 ativos para cada
aposentado. Será que já disparou o alarme de perigo para o futuro
das aposentadorias e pensões da classe municipária porto-
alegrense?!?...
Por enquanto, como dizia o Chaves no Chapolin Colorado,
“não criemos pânico”, pois até 2024 o Previmpa continuará
arrecadando mais do que gasta, ano em que se aposentarão os
últimos servidores antigos, espécie em extinção de ativos do Regime
de Partição Simples que contam com o suporte da Prefeitura. Até lá
os cofres do Previmpa estarão acumulando recursos no seu Fundo
de Previdência, que já contabiliza atualmente cerca de 1 bilhão de
reais em aplicações financeiras, sendo possível que chegue aos 2
bilhões nos próximos dez anos. É o período de formação da
necessária gordura de reserva pra queimar quando chegar o tempo
de vacas magras, o período de despesas maiores que as receitas que
se anunciam para depois de 2024. Para profissionalizar a Gestão de
Fundos, o Previmpa constituiu um Comitê de Investimentos
(composto por economistas, atuário, advogado e conselheiros) que
têm por meta atuarial atingir um rendimento anual de IPCA + 6%
nas aplicações dos recursos. Meta que tem sido atingida, em que
pese a dificuldade crescente em função do agravamento da atual
crise econômica e política do país. De qualquer maneira é meio
255
assustador termos que incorporar essas atividades de capitalistas
especuladores do mercado financeiro, atribuição de alto risco para
se obter a rentabilidade das aplicações dos investimentos do nosso
Fundo Previdenciário do Previmpa. Fundo este que é feito da
contribuição solidária de todos, em cuja gestão financeira corremos
o risco de falharmos por incompetência gerencial na missão de
garantirmos as aposentadorias e pensões das atuais e das futuras
gerações da família municipária. Portanto, especialmente os jovens
municipários, fiquem espertos e de olho no Previmpa!
A propósito, no seminário da Astec o coordenador de
investimentos e aplicações financeiras do Fundo Previdenciário do
IPERGS, relatando a Experiência do IPE/RS, alertou que os fundos
de previdências não têm blindagem contra prefeitos ou
governadores aventureiros que queiram botar a mão na grana ou
contra a sua extinção. Informou também que lá no IPERGS eles
estão fazendo aplicações, não só em papéis especulativos do
mercado financeiro, mas também na economia real (tipo
construção de um hotel no Rio de Janeiro e duplicação de uma
estrada Estadual em troca de 100 anos de arrecadação do pedágio).
Tendência esta, de aplicações no mercado real, que o Comitê de
Investimentos do Previmpa também manifestou interesse em
começar a desenvolver, ou seja, de investir em empresas ou
projetos onde, através de seus respectivos conselhos e diretorias,
os membros do Comitê possam interferir diretamente na gestão dos
recursos. É nós correndo os riscos do empreendedorismo
capitalista!
Por outro lado, o próprio presidente atual do Previmpa
manifestou sua preocupação com discussões que permeiam o
Congresso Nacional e que se configuram como possíveis reformas
previdenciárias iminentes na esfera pública. Uma questão é a que
se refere ao chamado “Teto Previdenciário de Aposentadorias”
(hoje em R$ 4.600,00 que existe no Regime Geral do INSS) e que,
mais cedo ou mais tarde, também deverá ser inserido nos regimes
próprios dos municípios e Estados para acabar com a
“integralidade” salarial, acabar com o benefício dos servidores de
256
se aposentarem ganhando o valor do último contracheque.
Portanto, especialmente os que estão em contagem regressiva para
se aposentar, fiquem ligados que os políticos do legislativo ou do
executivo podem puxar o teu tapete na última hora!
Outra questão bastante recorrente é a pensão por morte,
que a Medida Provisória 664 da Presidenta Dilma recentemente
reformatou no Regime Geral de Previdência. Agora é exigido dois
anos de casamento (ou união estável), e a pensão vitalícia somente
será concedida para cônjuges a partir de 44 anos de idade. A medida
praticamente acabou com o benefício de pensão por morte para
cônjuges jovens. Estabeleceu uma escala gradativa que inicia com
apenas três anos de pensão por morte para cônjuges de 21 anos de
idade e, que vai sendo acrescido de mais três anos por grupos de
faixas etárias, até o máximo de 15 anos de pensão para cônjuges de
39 a 43 anos de idade. O mais intrigante é que o valor das pensões
passou a ser de 60% do salário do falecido para cônjuges sem filhos
dependentes e mais 10% por cada filho dependente, até o máximo
de 100%. Digo intrigante porque 60% era justamente o questionado
valor das pensões que o Montepio pagava antigamente, e o atual
presidente do Previmpa aconselha que discutamos esta
problemática internamente na categoria municipária, para não
sermos pegos de surpresa por alguma nova lei. Portanto,
especialmente os velhos inativos, fiquem vivos que o sustento da
viúva não está garantido para sempre. Também os viúvos que
buscam consolos “viagrosos” em mulheres jovens, fazendo
“casamentos de enfermaria” com suas enfermeiras no leito da
morte, fiquem vivos que a pensão da viuvinha pode não rolar!

113 - A VOZ DA EXPERIÊNCIA DOS APOSENTADOS NO PREVIMPA

Gerou grandes expectativas a ideia inicial da direção do


Previmpa de destinar um espaço físico na nova sede da entidade
com o objetivo de aprofundar os vínculos com os aposentados, e de
construir este núcleo buscando a participação deles através de

257
encontros no Projeto Voz da Experiência: Diálogos e Saberes entre
Aposentados.
Para um universo de cerca de 8 mil inativos, todos dispersos sem
saberem uns dos outros depois de uma vida de trabalho em
conjunto por muitos anos, era previsível que tantas demandas
reprimidas de reencontros gerassem enormes expectativas para a
construção de um espaço de convivência e interação destinado aos
aposentados.
Já no primeiro encontro, de “Acolhimento, Apresentação e
Levantamento das Expectativas”, se percebia o “brilho nos olhos de
alguns ao reverem antigos colegas de trabalho”. De um modo geral
todos colocaram que esperavam que o espaço dos aposentados na
nova sede do Previmpa propicie atividades ocupacionais, lúdicas,
artísticas e sobre seus direitos sociais; bem como encontros entre
eles e trabalhos de apoio aos aposentados deprimidos, aos inativos
que têm tido dificuldade em se adaptar afastados da convivência
dos seus colegas de serviço.
A questão que se coloca para a continuidade destes diálogos da
“voz da experiência” com a “voz dos gestores do Previmpa”,
primeiro é que tipo de espaço físico estão pensando destinar. Como
foi mencionado nos encontros, o costumeiro das associações é
fornecer uma sala minúscula para os aposentados e que eles “se
virem nos 30m2”. Outra questão é que tipo de espaço gerencial vão
disponibilizar, ou seja, se vão manter uma equipe técnica, como a
que está desenvolvendo este projeto, para dar apoio e fornecer os
meios de implementação das propostas acolhidas no grupo dos
aposentados.
Mas, como o estágio atual do projeto é o de “solte seus sonhos”,
que sonhar não custa nada, idealizei as seguintes expectativas:
- Um espaço físico amplo, gerenciado juntamente com os técnicos
do Previmpa por um grupo de aposentados eleito em encontros
presenciais e com comissões de atividades artísticas e sociais com
palestras semelhantes as do PPA; bem como de inclusão digital na
internet disponibilizando computadores e treinamentos específicos
para a terceira idade.
258
- Um espaço físico que funcione também como de encontros
ocasionais, ou seja, que seja atrativo de se estar, para que se tenha
aonde ir quando se for no centro da cidade. Para tanto, idealizo um
espaço não isolado e confinado, pelo contrário, que poderia conter
a cafeteria para todo prédio e seus funcionários, mas que
disponibilizasse recantos com estantes de livros e revistas
(mediante campanhas de doações), jogos de mesas (xadrez, dama,
dominó, etc.).
- O futuro Grupo deverá promover encontros de aposentados por
secretarias e departamentos, usando a estrutura de informática do
Previmpa para divulgar; bem como dispor de verbas para comes e
bebes e animações para agregar os inativos.
- O futuro Grupo poderá promover megas eventos destinados a
todos os aposentados, como o realizado pelo próprio Previmpa no
Araújo Viana com o Guri de Uruguaiana.
Pessoalmente espero que resulte destes diálogos um grupo
de trabalho, reunindo aposentados e técnicos do Previmpa, visando
sistematizar e apresentar à diretoria da entidade não só as
expectativas e sonhos construídos coletivamente nestes encontros,
mas também para monitorar, desde já, a definição e a ocupação do
espaço físico que será destinado aos aposentados. Queremos
construir realmente juntos este espaço de convivência e interação
na futura sede.
.....
P.S: A Voz da Experiência foi solta em meados de 2015, mas até
agora, no início de 2017, não teve eco. A questão do espaço físico
deixou de ser o foco e os encontros passaram a ser chamados para
palestras e eventos sócio recreativos. Calei minha voz da
experiência e saltei fora desse grupo de encontros de inativos.

114 - CRÔNICA DA MORTE ANUNCIADA DA AFM


Julho/2016
Sobre a eterna pendenga da assistência médica dos
servidores municipais, as administrações dos dois Josés (Fogaça e
Fortunati) jogaram todas as suas fichas, com o apoio do Sindicato
259
dos Municipários (SIMPA), no Convênio com o Instituto de
Previdência do Estado (IPE). O projeto até foi aprovado pela Câmara
de Vereadores mas foi protelado pelo próprio IPE que se encontra
em crise, à beira da falência.
A prefeitura, enquanto agente patronal, ao invés de
contribuir com um percentual relativo a cada servidor, criando um
fundo de assistência, preferiu economizar e sempre repassou
apenas uma verba no valor de “quanto bem entender” a título de
“Convênio” com a AFM, para cobrir exclusivamente as necessidades
de hospitalização dos servidores. Resumindo, o famigerado
Convênio que a prefeitura oferecia através da AFM não possibilitava
sequer o diagnóstico e o acompanhamento médico prévio, cobria
somente os custos após a internação. A prefeitura sempre pagou o
mínimo: pagava só pro funcionário literalmente ter aonde cair
morto!
Por estas e por outras é que cerca de 70% dos municipários
recorriam aos planos de saúde oferecidos no mercado, arcando
sozinhos com os custos sem nenhuma contrapartida patronal da
Prefeitura. É preciso lembrar que antigamente não havia SUS, não
havia esta universalização de alguma possibilidade de assistência
médica para todos, por mais precária que seja. Assistência médica
era oferecida só para os contribuintes do INSS, e como os
municipários não contribuíam (e não contribuem!)
compulsoriamente com nenhum instituto, por mais absurdo que
isso possa parecer, eram quase indigentes. Eram “quase” porque,
com a inauguração do “Hospital Porto Alegre” (HPA) em 1978 pela
Associação dos Funcionários Municipais (AFM), os municipários em
geral passaram a ter recursos médicos quando baixados no hospital.
Contudo, para consultar o servidor tinha que se associar na AFM e
pagar uma mensalidade que lhe dava direito a consultas médicas e
baixa hospitalar pra toda família (pais e filhos).
Este verdadeiro “pau de sebo”, que sempre foi a questão da
Assistência Médica dos municipários, transpassou todas as
administrações durante a minha longa carreira profissional. Eu
comecei a trabalhar na prefeitura em maio de 1974, na Secretaria
260
Municipal da Fazenda e fiz outro concurso público para o DMAE em
1976. Pesquisando no Google agora, descubro que o prefeito da
época do meu ingresso era o Thompson Flores (1969-1975). Como
eu era muito alienadamente jovem, só assimilei quem era o prefeito
nas gestões do prefeito Guilherme Socias Villela (1975-1983). Mas
foi no mandato do prefeito João Antônio Dib (1983-1985) que
participei, como liderança sindical representando o Dmae, de um
longo “Seminário de Elaboração Coletiva de um Projeto de
Assistência Médica para os Municipários”. Contudo, não resultou
em nada de prático o seminário. Não houve avanços nem mesmo
posteriormente na Comissão Paritária, na gestão do prefeito Alceu
Collares (1986-1988), o primeiro prefeito eleito democraticamente
após mais de 20 anos de ditadura militar, quando participei como
presidente da AMPA (associação pré-sindical, embrião do SIMPA) de
discussões sobre a assistência médica, tendo do outro lado da mesa
de negociação a Dilma Rousseff (na época Dilma Linhares e
secretária municipal). Foi assim também durante a longa era petista
de 16 anos no comando da administração de Porto Alegre (com os
prefeitos Olívio Dutra, Tarso Genro, Raul Pont e João Verle). O
petismo chegou a estabelecer data para extinção do Convênio com
a AFM, por considerar o Convênio ilegal (alegando que era dinheiro
público injetado em entidade privada sem licitação), e prometia
criar um novo mecanismo institucional que atendesse aos anseios
da classe dos trabalhadores do município...mexeu, mexeu, fedeu e
também escorregou no pau de sebo e desistiu.
Ruim com o Convênio, bem pior sem ele. Em 2014 o prefeito
Fortunati deu o tiro fatal firmando um convênio com o Plano Verte
- Saúde (e o Dmae com o Centro Clínico) para quem quiser e possa
pagar. Assim, gradativamente foram estrangulando até encerrar o
fluxo de verbas para o Convênio de assistência com o Hospital Porto
Alegre. Com esta atitude o governo municipal sentenciou A Morte
Anunciada da AFM.
As dificuldades financeiras que a AFM passou a enfrentar
sem os repasses do Convênio com a prefeitura, a partir do segundo
semestre de 2015, causou a descontinuidade da assistência
261
hospitalar dos servidores mais humildes que só tinham o Hospital
Porto Alegre (HPA). Para que os pais velhinhos, dependentes
agregados dos servidores, continuassem a ter direito à
hospitalização, tivemos que associá-los como “contribuintes
hospitalares” e pagarmos mensalidades por cada um deles.
De lá pra cá a crise financeira e administrativa da AFM se
agravou muitíssimo, as faltas de pagamento dos salários
provocaram movimentos grevistas dos funcionários do Hospital
Porto Alegre, paralisações que se tornaram notícias constantes nos
jornais da capital, bem como as especulações sobre a venda do
hospital.
Agora, em junho de 2016, a AFM comunicou aos associados
que havia celebrado um “contrato de parceria com o Instituto de
Saúde e Educação Vida – ISEV – para garantir a continuidade
operacional do Hospital Porto Alegre no atendimento ao seu quadro
social”. Mais recentemente, no dia 8 de julho/2016, estive no HPA
pra solicitar um exame de laboratório pra minha mãe e,
casualmente, presenciei uma assembleia dos funcionários no pátio
do hospital. Contando com participação do sindicato SINDISAÚDE-
RS, relataram que ninguém sabia nada das condições do tal contrato
celebrado com o instituto ISEV, empresa administradora de vários
hospitais pelo interior do Estado, que passa a ser o proprietário do
hospital em troca de assumir as dívidas do mesmo. Os funcionários
se manifestavam indignados por não ter vazado ainda nenhuma
informação sobre as questões trabalhistas de interesse deles, tais
como o pagamento dos seus salários atrasados. Reclamavam do
absurdo de sequer saberem quem é o patrão deles neste momento
e não saberem nada sobre a continuidade dos seus empregos.
Constatei então, com pesar, a situação de extrema insegurança do
quadro funcional do hospital e das famílias destes trabalhadores da
saúde.
Eu sou sócio da AFM a exatos 40 anos e, nas últimas duas
décadas, passei a ter também um plano da UNIMED em benefício
dos meus filhos (pela cobertura em âmbito nacional e melhores
recursos hospitalares). Mas mantive a AFM pela minha idosa mãe
262
que, por sua idade avançada, teria um custo inviável em qualquer
outro plano de saúde. Declaro aqui, em reconhecimento à
qualidade da equipe médica que atende (ou atendia) pela AFM, que
mesmo após eu possuir também o plano de saúde da UNIMED,
continuei consultando os mesmos médicos da AFM, apenas que
talvez com marcações de consultas em especialistas de forma mais
rápida pela UNIMED, mas a um custo muito maior. Declaro também
que a facilidade de se fazer consultas emergenciais com clínicos
gerais plantonistas que havia na AFM não se encontra em nenhum
outro convênio de assistência médica. Foi uma pena.
Deixo aqui meu derradeiro registro de desalento e desabafo
de quem ouviu a mesma ladainha das administrações municipais
por cerca de quarenta anos, de gestões que passaram sem
assumirem suas obrigações patronais. E agora, sem o convênio e
sem o Hospital Porto Alegre, com A Morte Anunciada da AFM, não
me restou outra alternativa a não ser de também migrar a minha
mãe para um plano de saúde da Unimed. Depois de cumpridos os
prazos de quatro meses de carência, como tantos outros
municipários estarei deixando de ser associado da AFM,
lamentavelmente. Espero sair antes que A Morte Anunciada da
AFM, entidade hoje com 93 anos de existência, se concretize
definitivamente, de modo que a minha mãe, hoje com 92 anos de
idade, continue tendo assistência hospitalar por muito mais tempo
na Unimed.

115 - O ÚLTIMO CONTRACHEQUE EM PAPEL


07/08/2016
Recebi por email o seguinte comunicado do DMAE, datado
de 14/07/2016: Informamos que dentro das medidas de contenção
de despesas adotadas pela Administração Municipal e seguindo as
tendências da modernização administrativa, que proporcionam o
uso da tecnologia para o acesso à informação e o zelo pelo quesito
da sustentabilidade, a partir deste mês de julho, os contracheques
dos servidores estarão disponíveis somente pelo portal RH
24HORAS. Não serão mais distribuídos na versão impressa. A
263
medida abrange todos os servidores do Dmae, inclusive
aposentados e pensionistas do Previmpa. O fim do contracheque na
versão impressa irá gerar economia financeira.
Economia para quem, Cara Pálida? As tendências de
modernização com o uso da tecnologia para o acesso à informação
e o zelo pelo quesito da sustentabilidade tem servido para jogar nas
costas da população os custos pela impressão das nossas contas
com os códigos de barra das lojas e dos cartões de crédito, enquanto
estes estabelecimentos entulham nossas caixas de correio com
impressos inúteis de propagandas de seus produtos. Agora também
os contracheques dos servidores, este importante documento do
histórico dos benefícios e descontos trabalhistas, foi tornado
supérfluo e opcional: quem quiser e puder que providencie o seu.
É o uso da tecnologia como um processo elitista de
hierarquização pela desinformação dos excluídos do mundo digital.
No perfil social dos municipários, como dos brasileiros em geral, é
grande o contingente de servidores e aposentados que não têm
acesso ao domínio digital, especialmente os de baixa escolaridade e
os idosos. Diante das dificuldades impostas pela Administração para
a obtenção dos seus contracheques, muitos acabarão tendo
suprimido o seu direito a receber o extrato mensal do fruto do seu
trabalho. Desinformados, os trabalhadores podem ser facilmente
prejudicados por erros de lançamentos de vantagens ou por
descontos indevidos.
Eu sempre guardei cuidadosamente os meus
contracheques, desde 1974, quando ingressei na Prefeitura por
concurso público na Secretaria Municipal da Fazenda – Divisão de
Tributos Imobiliários, cuja nomeação nunca se efetivou, e que
recebíamos salário por “Verba de Terceiros”, como se autônomos
fôssemos e, ainda por cima, nos faziam pagar ISSQN.
Arquivados cronologicamente, tenho também os
contracheques de 1976, quando fiz outro concurso e ingressei no
Dmae no cargo de escriturário. Como verdadeiros documentos
históricos da minha carreira funcional, revendo minha coleção de
contracheques, constato que em 1979 fui promovido, também por
264
concurso público, para o cargo de Auxiliar de Serviços Técnicos.
Depois, em 1987, fui nomeado para o cargo de Técnico industrial
numa reforma do plano de carreira, por eu possuir o diploma de
Técnico em Eletrônica do Parobé.
A História do país também pode ser lida nos nossos
desbotados contracheques. E para aqueles Caras Pálidas que dizem
que atualmente vivemos a maior crise econômica do Brasil, fiquem
impressionados com a vertiginosa montanha russa dos valores do
meu salário entre os anos de 1985 e 1995. Viajem comigo: quando
ingressei na Prefeitura na década de 1970 a moeda era o Cruzeiro
(Cr$), e cheguei no ano de 1986 ganhando Cr$ 3.347.360,00 quando
entrou o Cruzado (Cz$) . A inflação era uma espiral tão louca que,
quando a moeda passou a ser o Cruzado Novo (NCz$) em 1989, eu
era um marajá e não sabia, estava recebendo Cz$ 7 milhões e, com
a reforma, meu salário ficou em NCz$ 1 mil. E a doideira continuou,
pois quando ressuscitaram o Cruzeiro (valendo 1 NCz$) como
moeda oficial do país em 1990, eu ganhava cerca de 40 mil
Cruzeiros e, antes da nova reforma que instituiu o Cruzeiro Real
(CR$) em 1993, eu era um multimilionário pois cheguei a receber
Cr$ 43.223.625,00. Isso mesmo: 43 milhões de cruzeiros! Mesmo
antes da reforma de 1994 que instituiu o Real (no valor de 2.750
cruzeiros reais) eu ainda era um milionário e não sabia, pois
ganhava mais de 1 milhão de cruzeiros reais e, a partir de então sim,
caí na real de proletário, com o corte de três zeros no meu salário
em Reais. Portanto, pra quem conviveu com uma inflação de 100%
ao mês, falar que vivemos hoje a pior crise é Golpe!
Nessa viagem nostálgica que fiz em meus velhos
contracheques, verifiquei que foi em 1992 que passei a exercer a
função de engenheiro nomeado em Cargo em Comissão pelo
Governo Petista, e fui nomeado definitivamente engenheiro por
concurso público no final de 1993.
Nos meus contracheques consta que no ano de 1997 passei
a exercer a função gratificada de Diretor da Divisão de Manutenção,
registro que muito me honra por ter sido o local onde trabalhei por
quase quarenta anos.
265
Constato que é a partir de meados de 2011 que os meus
contracheques passaram a ser emitidos pelo Previmpa e enviados
pelo Correio, quando passei a constar como um engenheiro
aposentado.
Assim, com este último contracheque emitido em papel e
referente ao mês de junho de 2016, sou forçado a encerrar minha
coleção de originais que registram, mês a mês, não só toda a minha
carreira profissional, descrevendo detalhadamente quando ganhei
cada avanço e progressão até a letra D, as horas extras que fiz e os
meus empréstimos no Montepio, como também mostra quando
vendi licença prêmio e dias de férias e a partir de quando passei a
gozá-las integralmente. Os contracheques constituem um
verdadeiro livro de nossas vidas, um diário de bordo desta
longuíssima viagem que fizemos cruzando maus tempos para
pescarmos o nosso sustento até, finalmente, atracarmos no
idealizado porto alegre dos aposentados.
Agora a minha coleção de contracheques, que abrange 41
anos, passa a ser uma relíquia preciosa dos tempos em que o zelo
patronal era por garantir o acesso facilitado a todos os
trabalhadores às informações de sua vida funcional. Coisa que
paradoxalmente não acontece mais na pós-modernidade da era da
informática, onde tudo e até a informação é líquida, está ao alcance
de alguns e escapa entre os dedos de muitos.

116 - OCASO DO MONTEPIO DOS MUNICIPÁRIOS

Como já foi comentado anteriormente, é no Gabinete


Médico que se reencontram as diferentes gerações de
trabalhadores do Dmae. Um belo dia de 2010 aconteceu de eu estar
no saguão de espera para consultar com a Drª Beatriz, quando
sentou ao meu lado um aposentado, um ex-colega não só de
trabalho, mas também de militância político-sindical e de
aprendizagem de vida. Logicamente que nossas reminiscências
comuns passaram por reconsiderações críticas de nossas antigas
ideologias políticas: ele um brizolista ferrenho e eu, naqueles
266
remotos tempos de 1994, ainda era um petista “lulista-olivista”
quase fanático.
Fizemos, então, uma releitura conjuntural do grave
confronto que vivenciamos de lados opostos, após uma longa
militância sindical em que atuamos conjuntamente. Refiro-me ao
episódio em que fiz parte de uma Comissão de Intervenção,
decretada pelo então prefeito Tarso Genro, que destituiu a diretoria
do Montepio dos Funcionários Municipais de Porto Alegre
(MFMPA). Acontece que este meu ex-colega exercia a presidência
do Montepio justamente naquele momento histórico, havia
assumido o cargo apenas 17 dias antes (eu nem sabia!); era mais um
que ingenuamente servia de “Testa de Ferro” ao grupo mafioso que
operava na entidade. Que azar, fiquei muito surpreso ao saber em
pleno front, que o presidente que eu estava destituindo era o meu
amigo Joel Emer! Relembramos a dramaticidade da estratégia do
ato de posse da Comissão de Intervenção, que se deu através de
invasão de surpresa do prédio (acompanhados apenas de dois
guardas municipais desarmados!) e pela ocupação da sala da
diretoria da instituição com o Decreto do Prefeito em mãos.
Recapitulamos juntos a longa agonia da diretoria deposta que se viu
forçada a buscar a reintegração de posse na justiça comum, o que
só foi conseguir cerca de seis meses depois de iniciada a
intervenção.
Aqui faço um remake dando asas ao livre relembrar de
alguns aspectos deste episódio ocorrido a partir de maio de 1994,
que talvez tenha sido o fato mais controverso em que me envolvi
em toda a minha vida. Nesta ocasião, através do Decreto Nº
11.003/94, foi formada uma “tropa de elite petista” para constituir
a tal Comissão Administrativa Provisória, com especialistas
designados em cada área: um economista na presidência (Everton
da Fonseca), um procurador na Diretoria Administrativa (Rogério
Favreto, que depois seria o Procurador Geral da Prefeitura e hoje é
desembargador!), um economista na Diretoria Financeira (Roger
Keller), na Tesouraria uma fiscal da Fazenda Municipal (Marilene
Iurkfitzg), e eu do Dmae na Secretaria Geral, como especialista na
267
política sindical da categoria dos municipários. Nos sentíamos como
o grupo do Fidel Castro tomando Sierra Maestra para libertar a Ilha
e devolvê-la ao povo. – Doce ilusão!...
A comissão foi investida com o objetivo de fazer valer a Lei
Orgânica que determinava a realização de Eleições Diretas para a
Diretoria do Montepio, e cumprir a Lei 751/94, recém criada pela
Câmara Municipal, que estabelecia as Eleições Diretas para a
Diretoria e também para uma Assembleia Constituinte a fim de
elaborar um novo Estatuto para o Montepio. Até então a eleição da
Diretoria sempre fora realizada indiretamente pelo Conselho cuja
renovação era lenta e gradual, 1/3 a cada dois anos. O fato é que
várias gerações de municipários ensaiaram chapas de oposição ao
Conselho, mas com o uso feudal do voto à cabresto, o mesmo grupo
se manteve sempre no poder, por décadas desde a fundação da
entidade.
Foi um cerco total para acabar com o castelinho dos “Donos
do Montepio”, onde a Comissão de Intervenção foi o Cavalo de Tróia
que invadiu o território dominado pelo inimigo. O Montepio era
nesta época uma poderosa instituição financeira, com contribuições
compulsórias de todos os servidores e outro tanto dos cofres
públicos, sua arrecadação era cerca de 810 mil dólares mensais. Era
uma verdadeira mina de ouro, por mais besteiras e trampolinagens
que os administradores fizessem, sempre entrava mais dinheiro
para tapar os rombos. Eram folclóricas as filas que se formavam em
torno da quadra da sede da entidade todos os inícios de meses,
onde se realizavam cerca de 4 mil empréstimos mensais aos
servidores municipais. Portanto, eu entrei nessa briga consciente
que, para devolver o Montepio ao controle democrático dos
barnabés e arigós, era necessário um plano radical de tomada do
poder.
Justamente neste período da Intervenção, a Diretoria do
Montepio estava construindo o Shopping Olaria, o que foi um
banquete para se pegar falcatruas de arrepiar e de
superfaturamentos, tudo a partir de auditorias que deram origem a
várias ações ajuizadas e liminares. Uma dessas liminares foi
268
suspendendo o repasse de milhões para a maior de todas as
loucuras que pretendiam cometer: o tal de Projeto SISA (Sistema
Integrado de Saúde e Assistência) que envolvia a construção de um
hospital (megalomaníacos!), para entrarem no ramo de assistência
médica e quebrar com a AFM e o Hospital POA, com vista de
abocanharem a arrecadação compulsória destinada para a
Previdência prevista pela nova Constituição (antes da criação do
PREVIMPA).
O fato é que durante os seis meses de gestão da Comissão
Provisória realizamos a maior de todas as eleições já promovidas
dentro da classe municipária, com mais de 10.000 votantes no
primeiro turno e com seis chapas concorrentes. Daí em diante foi
uma guerra de liminares na justiça, a primeira devolvendo a direção
da entidade para antiga diretoria. Esse foi um período difícil que,
afastados da direção e sem a máquina do Montepio, tivemos que
bancar o segundo turno da eleição na clandestinidade (apenas com
um apoio encolhido e assustado do governo municipal) e ainda com
a diretoria que reassumiu irada, procurando minar e desacreditar o
processo. Aos trancos foi concluído o segundo turno da eleição em
que disputaram a chapa do Darvin Ribas e a do Paulo Müzel,
resultando vencedora a segunda, a chapa alinhada com a
Adminstração Petista.
A partir de então ocorreram outras brigas de liminares
judiciais, travadas para que a diretoria democraticamente eleita
pudesse tomar posse num montepio que, a estas alturas, já estava
literalmente tomado de seguranças (capangas realmente armados)
para não possibilitar invasões no latifúndio que o grupo considerava
de sua propriedade particular.
Durante este período de intervenção, que durou um
semestre, não recebemos nenhum centavo dos cofres do Montepio
(ao contrário do que faziam as Diretorias anteriores que se
presenteavam com altos salários adicionais aos seus de servidores
municipais). Com o cargo de Secretário, além de assumir a função
do “Tio Hugo” (onde havia filas no chamado “beija mão” para a
concessão de empréstimos além das margens de disponibilidade
269
dos servidores); eu fiquei também encarregado da “comunicação
com a Categoria”. Sozinho escrevia, editava, publicava (tiragem de
15.000 exemplares) e distribuía (nos gabinetes dos Secretários e
Diretores de Departamentos para redistribuírem) o Boletim
Informativo do Montepio em quatro páginas A4... Durante esta
batalha do exército de um homem só eu realizei completamente o
meu lado de jornalista (mais do que nos tempos da AMPA).
Ao final de dezembro/94, demos por concluída com êxito a
Comissão de Intervenção, uma vez cumprida a missão de promover
as Eleições Diretas no Montepio. Porém, com muito puxa-e-
empurra judicial, a nova diretoria e o novo Conselho Deliberativo
Estatuinte, conseguiram tomar posse somente através de liminar
em 10/janeiro/1995; mas foram depostos por outra liminar menos
de trinta dias depois. Foi um mandato relâmpago que consistiu no
último sopro de vida antes do final “Ocaso do Montepio” que
resultou na sua agonizante morte por “insolvência judicial”. Foi o
fim dessa pseudo entidade de previdência (posto que pagava
apenas e precariamente as “pensões das viúvas” sem arcar com as
aposentadorias dos municipários)!
A decantada fortaleza do Montepio era, na verdade, um
castelo de areia, não restou nada aproveitável, nem mesmo o seu
patrimônio em imóveis. A entidade resultou como um buraco negro
que engoliu tudo o que arrecadou da família municipária; com a
gangue operadora do esquema se metamorfoseando em
“cooperativa financeira de crédito” (COOPERPOA) para continuar
engambelando os mais incautos e necessitados. Avalio que a
intervenção valeu a pena, pois sem essa devassa realizada na caixa
preta que era o Montepio não se criariam as condições objetivas
para a concepção do PREVIMPA, órgão criado como uma instituição
independente daquela estrutura totalmente corrompida e falida a
ponto de implodir; ao contrário do que até então a forte
propaganda do Montepio fazia a categoria acreditar. Graças à
desmistificação e ao “Ocaso do Montepio” é que as gerações atuais
e futuras de municipários podem usufruir e planejar uma

270
aposentadoria com maior confiabilidade na competência da gestão
dos fundos de pensão e previdência geridos pelo PREVIMPA.
- Membros da Comissão Administrativa Provisória do Montepio,
Valeu!

117 - MUNICIPÁRIOS AMPARADOS NA AMPA

No dia Primeiro de Maio, Dia do Trabalho, em décadas


passadas era dia de muitas manifestações e agitados protestos dos
trabalhadores por todo o Brasil. Mas as lutas por direitos
trabalhistas continuam, haja visto que a categoria profissional das
empregadas doméstica só agora em 2013, conquistou o direito de
regulamentação da sua jornada de trabalho em 44 horas semanais,
sendo o restante considerado legalmente como horas extras, e não
mais como trabalho escravo.
A propósito, registramos aqui no blog que as manchetes dos
jornais no final de 2009 anunciavam “sensacionalmente” que uma
Comissão Especial na Câmara dos Deputados havia aprovado a PEC
da redução da jornada de trabalho de 44 para 40 horas semanais,
sem diminuição dos salários. Porém, constato hoje que a tal emenda
constitucional (PEC 231/95), continua há 18 anos tramitando, sendo
que ainda tem de ser aprovada em dois turnos na Câmara e depois
apreciada pelo Senado. Mas até hoje a redução da jornada de
trabalho sequer entrou na pauta de votação em nenhuma das duas
casas legislativas. Pelo jeito vai demorar muito ainda, se é que vai
um dia se tornar uma realidade, coisa que a AMPA já conquistou na
Prefeitura de Porto Alegre faz muito tempo...
Explico, especialmente aos jovens municipários que sequer
ouviram falar da AMPA, o porquê desta minha reminiscência dos
feitos dos meus tempos de “militante agitador de massas” na
Associação dos Municipários de Porto Alegre (AMPA). Relembro
que por dois anos a entidade teve “existência de fato” antes de
obter o seu registro legal. Se consolidou na luta, promovendo
combativas e inovadoras formas de mobilização dos servidores
municipais porto-alegrenses, isso sob uma ditadura em que o
271
servidor público não podia nem chiar! Promoveu um impactante
“movimento tartaruga” histórico, seguido de grandiosas
assembleias no auditório do Colégio Rosário e estridentes atos
públicos aos gritos de “Dib: sacana, devolve a nossa grana!” no Paço
Municipal. Era o governo do prefeito João Dib (o último dos biônicos
nomeados pelo regime do golpe militar), quando em outubro de
1985 foi legalmente fundada a nossa entidade pré-sindical AMPA,
no auditório da Câmara de Vereadores que ficava ainda no Edifício
José Montauri (na Prefeitura Nova).
Na diretoria provisória da AMPA, eleita nesta ocasião para
organizar o quadro social e realizar eleições diretas, eu era o
segundo vice-presidente. Acontece que dois meses depois da
fundação, o Rigoti, que era militante do PMDB, se demitiu do cargo
de presidente da AMPA, ao ser nomeado para um cargo em
comissão com a vitória do Pedro Simon para o Governo do Estado.
Três meses depois, era a vez do segundo vice-presidente, José
Cláudio Penteado, que recém havia assumido a presidência,
apresentar a sua demissão por ter sido nomeado para uma diretoria
da Fazenda Municipal do Governo do Alceu Collares, o primeiro
Prefeito eleito diretamente que estava assumindo.
Foi assim que, voltando das férias alegre e faceiro com as
águas de março de 1986, tive que segurar aquele rabo de foguete:
assumir a presidência da AMPA, para não deixar a peteca cair. Neste
mesmo mês a categoria entrou numa campanha salarial histórica
para a unidade sindical dos municipários. Em abril foi editada a
“Carta de Abril” onde, pela primeira vez, todas as entidades
reconheceram a AMPA como a legítima representante da classe
municipária. Até então cada associação puxava para o seu lado e as
administrações fomentavam a divisão para governar. Depois de dois
dias de paralisação massiva diante do Paço Municipal e de realizar
um Ato-Show “Vamos Botar a Boca no Mundo” na Esquina
Democrática, com a pressão foi constituída uma “Comissão
Paritária”, entre a AMPA (com o Tibério Bagnati, Avelino Rodrigues,
Edson Zomar e eu) e a Administração com a participação da Dilma
Linhares (que na época não era ainda Rousseff e era do PDT) e todo
272
o primeiro escalão do governo, para discutir uma pauta de
reivindicação de 11 itens, os quais foram total ou parcialmente
atendidos.
É lógico que, como sempre, o reajuste salarial foi
insatisfatório! Mas cabe destacar, e aqui entra o porque as
manchetes dos jornais sobre a jornada de trabalho das empregadas
domésticas me evocaram o que eu sempre computei como a maior
conquista do nosso movimento sindical até hoje, que foi a redução
da jornada de trabalho de 44 para 40 horas dos operários e
celetistas da Prefeitura! (Além de conquistarmos o início do
fornecimento do Vale Transporte para os funcionários de todas as
secretarias e departamentos).
Em setembro/1986, com a AMPA politicamente
reconhecida e sua representatividade consolidada junto à
categoria, estruturalmente organizada com sede alugada e com
desconto em folha dos seus associados, foi promovida a eleição
direta da nova diretoria que foi empossada com a missão de
transformar a AMPA no Sindicato dos Municipários – SIMPA, assim
que a legislação da ditadura em processo de abertura permitisse.
Consta que fomos a primeira categoria de funcionários públicos a
constituir legalmente sindicato no país, graças às atividades da
AMPA que tinha nos deixado preparados, com a Greve do Lixo em
1988, para a sequência de duas greves, já como SIMPA, que
casualmente tiveram a duração de 21 dias nos anos seguintes.
Ninguém se lembra mais, mas antigamente trabalhávamos
todos 44 horas semanais na PMPA, fazíamos 45 minutos a mais por
dia, até as 18:15 horas, para não trabalharmos nas manhãs dos
sábados. Esta realidade mudou para os servidores estáveis do
quadro por volta de 1982, mas permaneceu para os servidores
celetistas, que naquela época eram em grande quantidade. O que
ainda hoje nos dá a dimensão da grandeza daquela conquista dos
municipários lá em 1986, é que 27 anos depois, mesmo com a
democratização e após a Era FHC e, em plena Era Lula/Dilma, os
trabalhadores regidos pela CLT no Brasil ainda continuam

273
hasteando a bandeira de luta de redução da carga horária de 44
para 40 horas semanais.
Fica aqui a minha homenagem aos bravos companheiros
daqueles duros e saudosos tempos de lutas, especialmente aos
colegas que compunham a Diretoria Provisória da AMPA: Ana Lúcia
D´Angelo da SMED (que posteriormente realizou a transformação
da AMPA em sindicato, sendo a última presidente da associação e a
primeira presidente do SIMPA em 1989), a Etel Gutterres da “SMEC”
(cuja casa funcionou por muitos anos como a sede da entidade e
que, posteriormente, veio a ser a mãe das minhas filhas), a Carmem
Dreyer do DEMHAB, o Padilha da SMOV, o Grego Vassili da SMF, o
Beltrão do DEMHAB e o Avelino Rodrigues da SMSSS, entre outros
menos alinhados mas igualmente importantes construtores do
movimento com autonomia política, por reunir simpatizantes de
todos os partidos. - Valeu Velha Guarda da AMPA!

118 - LIVRO DO REGATE HISTÓRICO DA FUNDAÇÃO DO SIMPA

Bernardo Alves Corrêa escreveu um livro muitíssimo legal


como sua tese de mestrado na UFRGS em 2015, resgatando a
extraviada história do Movimento dos Municipários, desde o seu
nascimento nos anos de redemocratização do país na década de
1980. Com habilidade de pesquisador conseguiu reunir relatos e
dados históricos desde a fundação da associação pré-sindical AMPA
até as gestões atuais (2013) do SIMPA. A obra, que se desenvolve
em cinco capítulos, conseguiu dar a devida abrangência teórica e
dimensão sociológica da organização e trajetória do sindicalismo no
serviço público brasileiro, sempre sem perder o foco minucioso das
lutas, estratégias, conquistas e reveses específicos de cada etapa do
movimento dos municipários.

Achei que valia muito compartilhar com os leitores do blog


algumas passagens do livro “Revitalização Sindical em Tempos de
Terceirização – Resgate da experiência do do SIMPA de 1988-2013”
do sociólogo Bernardo, especialmente os relatos contidos no
274
capítulo quatro desse estudo acadêmico do caso da História da Luta
dos Municipários de POA. Na época fiz uma postagem no blog com
colagens de trechos scaneados do livro. Mas só agora, na edição
desta versão pra PDF do meu livro Memórias do Blog, percebo que
a versão impressa do livro ficou com uma lacuna por não constar
um texto sobre este importante resgate histórico do movimento
sindical dos servidores da PMPA, falha que tento corrigir fazendo
uma resenha da obra a seguir.

O professor e autor de sociologia da USP, Rui Braga,


comenta na contracapa do livro do Bernardo que “em sua bela
pesquisa sobre o valente e pioneiro Sindicato dos Municipários de
Porto Alegre (SIMPA), o livro avança sobre o tema atual das
terceirizações no setor público e já desponta como uma referência
para os estudiosos do mundo do trabalho contemporâneo.”

No capítulo quatro do seu livro, Bernardo trata da questão


da “Terceirização & Ação Sindical”, resgatando a chamada “Greve
do Lixo em 1988”, na gestão do prefeito Collares, como a ação
fundadora do Simpa. Em sua pesquisa de campo o autor entrevistou
várias lideranças sindicais, membros da direção do sindicato dos
municipários de cada período histórico, citando os seguintes
depoimentos: João Ezequiel e Veridiana Machado (gestão 200-13),
Carmem Padilha e Almerindo Cunha (gestões 2006-13), Edson
Zomar (gestão 1993-95), Elizabete Tomasi (gestão 1991-93), Mário
Fernando (gestões 1991-13 e 2006-13), Ana D´Ângelo (primeira
presidente fundadora do Simpa 1988-1991) e Celso Lima (euzinho
aqui, presidente fundador da AMPA 1984-1988).

Uma das figuras de ilustração inseridas no livro é a cópia dos


meus arquivos pessoais, que ainda guardo como relíquias, do
Relatório Da Diretoria Provisória da Ampa, que eu próprio elaborei
na época da transição para deixar à primeira diretoria eleita pelo
mandato estatutário, com Ana D´Ângelo de presidenta, que
275
cumpriu a missão de transformar a AMPA em SIMPA numa
assembleia Geral da categoria em 1988. Como figuras ilustrativas do
livro também entraram duas fotos em que eu apareço fazendo
discurso no microfone, uma num ato público na Esquina
Democrática e a outra foto nas escadarias do Paço Municipal com
os municipários reunidos numa gigantesca manifestação para a
época.

Dos meus arquivos pessoais que forneci aos pesquisador, o


Bernardo inseriu como ilustração no livro de sua tese de mestrado
em sociologia também a capa de um documento que publicamos
na época como “Manifesto aos Municipários”, no qual a AMPA
conseguiu congregar as associações dos municipários das diferentes
secretarias e departamentos, unificando a luta e o movimento pré-
sindical da categoria sob sua direção, até que em 1988 a nova
Constituição permitisse a sindicalização dos servidores públicos e a
transformação da AMPA em SIMPA.

O autor conta que o efeito de caos que a Greve do Lixo


gerou na cidade levou o prefeito Collares a decretar “calamidade
pública”, teve forte impacto num ano eleitoral que acabou por
eleger pela primeira vez um governo petista, o prefeito Olívio Dutra.
A partir daí a terceirização dos serviços do DMLU foi intensificada e
se alastrou por todos os órgãos da prefeitura. Estas e outras
questões, como os desafios da ação sindical diante da terceirização
dos serviços e a questão da independência politico-sindical. Neste
tema, aborda com profundidade a problematização de como os
membros do sindicato eram majoritariamente petistas num
governo do PT, conjuntura esta que fragmentou a unidade da
categoria. Isto possibilitou que uma corrente burocrática de direita
tomasse a direção e implantassem na entidade práticas criminais e
antissindicais na gestão de Cézar Pureza (1996-2006), grupo que por

276
uma década dominou e estagnou o Simpa e o movimento dos
municipários.

O pesquisador sociólogo configura no seu livro que houve


uma “Refundação do Simpa” em 2006, quando os municipários
organizados no Fórum de Entidades, com representantes das
associações da PMPA, que assumiu a direção de fato numa greve no
governo Fogaça em que o movimento venceu a máfia do Pureza que
acabou sendo preso, retomando o sindicato para a luta da
categoria.

119 - AS JUSTAS RAZÕES DA MAIOR GREVE DOS MUNICIPÁRIOS

Já em setembro, em plena primavera, na pior das hipóteses


a categoria dos municipários deveria estar lutando pelo seu reajuste
salarial referente a sua data base que era em maio de 2017,
reivindicando alguma reposição tipo 5% (INPC). Entretanto, após a
posse do prefeito Marchezan, que escolheu os servidores
municipais para serem o bode expiatório de sua gestão, ao invés do
negociar o reajuste dos funcionários, decidiu reduzir os salários em
3% , através de um projeto de aumento da contribuição
previdenciária de 11% para 14%, sem apresentar nenhum cálculo
atuarial que justificasse o aumento, declarado desnecessário pelo
próprio Previmpa. O chamado pacote de maldades do prefeito
contra os municipários recorreu à usual estratégia liberal de
parcelamento do pagamento dos salários, sem sequer considerar a
possibilidade do reajuste a que teriam direito. Não satisfeito com a
sangria nos vencimentos dos servidores, o prefeito partiu para um
ataque brutal sobre as conquistas trabalhistas visando a destruição
do plano de carreira da categoria, encaminhando um projeto que
visa acabar com os adicionais por 15 e 25 anos de serviço.
Marchezan decidiu também promover a precarização dos
pagamentos dos regimes de trabalho de cada funcionário, os quais
ficariam sujeitos a renovações anuais e submetidos ao crivo
ideológico do partido que estiver no poder, subvertendo
277
eticamente a autonomia técnica do quadro funcional que ficaria
refém dos interesses partidários em detrimento dos interesses
públicos. Pretende simplesmente exterminar com o regime de
dedicação exclusiva dos técnicos de nível superior, regredindo aos
tempos que o serviço público era um biscate e um cabide de
emprego para os profissionais liberais. Marchezan foi muito além
no seu enfrentamento decretado pela administração municipal
contra aqueles que deveriam ser vistos como aliados do gestor na
prestação de serviços para a população, decidiu que quer acabar
numa tacada só também com a Licença Prêmio, terminar com o
direito à incorporação das Funções Gratificadas e até proibir as
substituições de chefias em férias e também mudar os avanços
salariarias de trienais para quinquenais. O cara entrou de sola com
o seu pacote de desvalorização dos servidores municipários, além
de cortar até 50% dos vencimentos no conjunto dos seus projetos
de destruição do serviço público municipal, usando a velha tática de
sucatear para privatizar, pretende vender o Dmae e transformar a
água numa mercadoria de negócio lucrativo para os empresários e
proibitiva para a população de baixa renda. Com a finalidade de
destruir com o serviço público, o prefake seguiu sapateando com
infâmias na mídia sobre a dignidade de uma categoria que tem
consciência de sua função social de servidores públicos da
comunidade porto-alegrense.
A esta altura do ano, às vésperas do verão que promete ser
o pior de todos os tempos para a classe trabalhadora, a categoria
municipária já havia esgotado seus esforços para a abrir um canal
de discussão com o novo prefeito sobre a real situação financeira da
prefeitura de maneira transparente, que certamente não é a de
terra arrasada e falida que lhe interessa propalar. Diante da
intransigência e radicalismo do Marchezan no seu objetivo de fazer
do sacrifício dos servidores municipários sua plataforma de
afirmação e projeção política, pouco se interessando pelos
consequentes prejuízos na qualidade dos serviços prestados ao
povo de Porto Alegre que o elegeu, a única alternativa que nos
restou foi o recurso extremo da fazermos uso da principal
278
ferramenta de luta da classe trabalhadora que é a greve. Greve pelo
fim do parcelamento dos salários, greve pela retirada dos Projetos
de Leis que eliminam direitos conquistados na Lei Orgânica e no
Estatuto dos servidores e, para voltarmos à normalidade das
relações trabalhistas de discussão sobre as perdas salariais, greve
pelo reajuste salarial de 2017. Quem semeia vento colhe
tempestades: agora é Greve dos Municipários a partir de
05/10/2017!
Hoje, em 13/11/2017, completamos 40 dias de greve com
lutas diárias em todas as frentes de batalha, em fantásticas
caminhadas de protestos, em concentrações no Paço Municipal e
na Câmara de Vereadores, nos inúmeros piquetes transformados
em acampamentos e pontos de discussão dos locais de trabalho. O
movimento incorporou as redes sociais como ferramenta de luta,
especialmente em grupos do WhatsApp, com centenas de
membros, como fórum de debates, informações e convocações
para os atos do calendário de lutas em cada secretaria e
departamento da prefeitura. A avaliação predominante do
movimento é de uma vitória tática que forçou o prefake Marchezan
recuar no seu propósito de destruir com o plano de carreira, visando
precarizar a prestação dos serviços públicos para a população e com
isso escancarar as portas para a privatização dos bens essenciais
(água, saúde e educação) como mercadorias lucrativas para os
empresários que patrocinaram sua eleição. Neste embate, tanto a
categoria municipária como a população e os próprios vereadores
perceberam a extrema intransigência e truculência nos trâmites do
prefeito tucano para enfiar goela abaixo de todos o seu pacote de
projetos de maldades contra os servidores municipais, tanto que só
lá pelo vigésimo dia de greve, por intermediação dos vereadores,
ele resolveu conceder uma reunião para uma rodada de negociação
que não negociou absolutamente nada, apenas fez demagogia para
a mídia com obviedades.
Quando completou um mês, a greve se radicalizava cada
vez mais diante da absoluta falta de consideração debochada por
parte do prefake que, inclusive, neste período se ausentou por
279
vários dias da cidade para participar de um congresso político do
reacionário MBL em São Paulo, buscando se fortalecer com outros
gestores da direita privatizassionista e entreguista do Estado,
movimento que está se proliferando sob o governo golpista do
Temer com suas retrógradas reformas, a trabalhista-escravagista e
a da previdência pra trabalhos forçados perpétuos. Com a conquista
da compreensão dos porto-alegrenses de que os propósitos de
Marchezan eram injustos, de pretender reduzir em até 50% dos
salários dos servidores, também os vereadores perceberam que o
prefake é um prepotente, com o qual não vai se desenvolver nunca
uma negociação trabalhista minimamente democrática com o
sindicato. No impasse, a Câmara de Vereadores assumiu o
protagonismo de pretender derrotar em plenário os projetos
malignos da administração que, acuada diante da iminente derrota,
adotou a tática de retirar o principal projeto, o de acabar com os
regimes de trabalho, numa manobra para assim manter a corda no
pescoço dos municipários e apostar no desgaste por cansaço do
grevistas.
Com isso, cresceu o isolamento do prefake entre os
vereadores, depois de já ter perdido a batalha pela reforma do IPTU,
de ter contra si uma liminar da ilegalidade do parcelamento dos
salários, de ser reconhecida a legalidade da greve que impossibilita
o desconto dos dias parados, de a justiça ter decretado a nulidade
do aumento da previdência dos municipários de 11% para 14% de
autoria da atual gestão, vitórias estas que foram conquistadas pelo
movimento estrategicamente bem liderado pelo Simpa. E, para
decretar a derrota final do Marchezan, numa atitude inédita, 22
vereadores de vários partidos assinaram um documento se
comprometendo a não votarem a favor de nenhum projeto que
retire direitos conquistados na longa história de lutas dos
municipários. Com este compromisso, no vácuo da covarde omissão
do prefake, os vereadores assumiram o protagonismo nas
negociações para restabelecer a normalidade nos serviços públicos
para a população e ganharam credibilidade para solicitarem aos

280
trabalhadores do município que suspendam a greve e retornem ao
trabalho.
Justamente neste momento crucial da greve,
demonstrando absurdo descompromisso e irresponsabilidade com
a coisa pública, o prefake abandonou a cidade em viagem para a
Europa, para fazer um roteiro turístico por vários países, às custas
dos cofres públicos, levando alguns vereadores da sua base de
apoio, e deixando Porto Alegre paralisada no impasse por não se
submeter a sentar democraticamente numa mesa de negociação
com os trabalhadores.
Diante da intransponível intransigência autoritária e a falta
de habilidade para gerenciar conflitos que o prefake demonstrou, a
categoria sensibilizou a opinião pública e obteve o respaldo da
Câmara de Vereadores para frearmos as perdas salariais contidas no
pacote de maldade do Marchezan. Numa histórica Assembleia
Geral, com milhares de combativos servidores em luta, a categoria
decidiu “Suspender a Greve”, por avaliar que ao completar 40 dias
de paralisação estava computando várias vitórias importantes,
nesta que foi a mais longa e forte greve dos municipários, tanto em
duração quanto em adesão e militância ativa pelas ruas fazendo a
interlocução direta com os cidadãos da capital. Decidiu suspender a
greve mas se manter em “Estado de Greve”, acumulando o saldo
organizativo do movimento e de tomada de consciência de que
estão travando uma luta de classe que certamente se estenderá
pelos três anos restantes do mandato deste desgoverno. Em estado
de greve se manterão mobilizados contra as retaliações e os
assédios desta gestão que veio para destruir com o serviço público
em benefício da exploração dos empresários empreiteiros que
comandam este país, com propinas e corrupção de toda ordem,
pela ganância de privatizarem o patrimônio público da nação.
O permanente Estado de Greve dos servidores não vai
permitir que o filhote da ditadura se crie em cima dos municipários:
#foramarchezan!

281
II – MEMÓRIAS PESSOAIS
Do blog Diário de Um AposentaNdo

Índice:

1 - LULA E EU: OS FILHOS DO BRASIL


2 - CAMINHANDO CONTRA O VENTO NUM RETROPICALISMO
3 - DA FEBEM À FASE: OS FILHOS DA FLORESTA
4 - OS BIXOS DO LISTÃO DA UFRGS
5 - RELATO DE UMA EMOÇÃO FORTE
6 - O CASO DO SUMIÇO DA DEDÉ
7 - EM MEMÓRIA DA FÁTIMA SILVELLO
8 - RESGATE DE UM MINEIRO FEITO PELA ETEL
9 - COTIDIANO EM BODAS DE PORCELANA COM A MAGDA
10 - A CLASSE MÉDIA VAI À EUROPA
11 - MEMÓRIAS DA VIAGEM DOS SONHOS
12 - MINHAS TANTAS VIDAS NESTA EXISTÊNCIA I
13 - MINHAS TANTAS VIDAS NESTA EXISTÊNCIA II
14 - MINHA PRIMEIRA PREMIAÇÃO LITERÁRIA
15 - A LÍNGUA ESCRITA NA MINHA VIDA

282
II – MEMÓRIAS PESSOAIS
Do blog Diário de Um AposentaNdo

1 - LULA E EU: OS FILHOS DO BRASIL

Ao assistir “Lula, o filho do Brasil”, o filme patrocinado por


grandes empreiteiras e que foi lançado no ano eleitoral de 2010,
prometendo ser uma peça chave naquela campanha de sucessão
presidencial do Lula, para mobilizar os sertões sem fim, irrigados
pela distribuição de renda do “Bolsa Família”, não pude evitar de
me comover às lágrimas. Assim como eu, milhares de brasileirinhos
por estes brasis a fora se identificaram com aquela história pessoal
como sendo, em parte, a filmagem de suas próprias vidas. Mas, no
meu caso, achei que valia explorar este tema como uma crônica
literária sobre as nossas semelhanças de trajetórias e as grandes
diferenças de desfechos.
Como o Lula, eu e minha família também viemos do interior,
migrando da miséria do campo para a pobreza da cidade grande.
Também vivenciamos o drama de ter um pai alcoólatra e de sermos
oito filhos: quatro homens e quatro mulheres. Sendo que ocorreu
com o meu pai praticamente o mesmo que aconteceu com o pai de
Lula, morreu longe da família, no ostracismo, em outra cidade.
Como o Lula eu também tive um professor que, por me
julgar inteligente e diferenciado dos demais colegas de internato
público estadual (FEBEM), se interessou em me adotar. Igualmente
esclareci a ele que não estava interessado em ter outra família, que
preferia continuar vivenciando com a minha família, mesmo que
fosse apenas durante as férias de verão, com todas as penúrias de
sua pobreza, do que usufruir do conforto de uma família adotiva.
Assim como para o Lula, que o primeiro vislumbre da
política teria ocorrido numa assembleia esvaziada do sindicato,
quando sentiu que a militância da agitação político-sindical era um
ímpeto forte e inevitável na sua vida; para mim foi numa assembleia

283
tensa dos estudantes da UFRGS em greve no início da década de 80,
antes da redemocratização do país.
Como o Lula, eu também me envolvi com militância político-
partidária e sindical, nesta ordem, portanto na ordem contrária dele
que foi do sindicalismo para a construção do partido. Fui seguindo
suas pegadas, após acatar seu chamado para a construção de uma
ferramenta política para a classe trabalhadora, o PT, ele expoente
no ABC paulista e eu anônimo no núcleo de base comunitário do
bairro Jardim Botânico, no lendário Núcleo JB. Depois eu me joguei
de corpo e alma, por cerca de dez anos, abandonei a faculdade pela
construção de uma consciência de classe sindicalista na minha
categoria funcional dos muncipários. Lula era o nosso grande ícone
nacional que pregava, naquela época, autonomia e unidade sindical
sem aparelhamento partidário!
Como o Lula, eu também tive um período de grande
consumo alcoólico (detalhe omitido pelos marqueteiros do filme).
Juntamente com outras lideranças e militantes, costumávamos ficar
até altas horas de beberagem nos bares fazendo análises e
comentários políticos das disputas internas e externas do partido e
do sindicato. Inclusive até tomei umas cervejas e cachaças com o
próprio Lula na casa do meu falecido irmão, na campanha eleitoral
de 1982, e muitos tragos com o Olívio Dutra, com o qual fiz
campanha nas vilas com o meu fusca e que, quando prefeito,
compareceu para prestigiar a minha festa de formatura como
engenheiro da UFRGS.
Como o Lula, guardadas as proporções, eu também percorri
uma trajetória de ascensão como liderança e dirigente sindical, no
meu caso como presidente fundador da associação pré-sindical dos
municipários portoalegrenses, a AMPA (embrião do SIMPA, pois
naquela época funcionário público ainda não podia constituir
sindicato).
Como ocorreu com o Lula, do meu primeiro casamento não
ficou nenhum filho. Apenas que para mim o seu término foi menos
trágico, não fiquei viúvo e sim divorciado no litigioso. Mais do que o
Lula, que no seu segundo relacionamento conjugal teve só uma
284
filha, a Lurian (que os marqueteiros estrategicamente omitiram a
sua existência no filme), no meu segundo relacionamento eu tive
duas filhas.
Assim como o Lula, o meu terceiro relacionamento conjugal
também está sendo com uma mulher que já tinha um filho (que
passou a ser o Meu Garoto em uma feliz realização de pai), mulher
com quem eu também continuo a minha humilde caminhada por
esta vida.
Assim como o Lula vivenciou a experiência de convencer a
categoria em greve de que é hora de voltar sem a vitória, para não
ter que voltar depois derrotados e humilhados; eu também
vivenciei o engolir sapo de uma negociação tensa e matreira com o
prefeito Collares, em que tive que defender o retorno ao trabalho
em uma assembleia com milhares de colegas, mesmo sendo
chamado de “traíra”, como no filme, pelos porra-loucas radicais
new-petistas; eu também obtive o voto de confiança da categoria.
Como o Lula, eu também tenho um diploma do SENAI,
apenas que não é de torneiro-mecânico, é de tipógrafo, ofício
praticamente extinto, mas que também envolvia o risco da perda de
dedos nas guilhotinas motorizadas de cortar papel. Felizmente,
embora tantas semelhanças entre nossas trajetórias, aqui começam
as grandes diferenças de desfechos. Mantive as minhas mãos
intactas.
Lula e eu somos aposentados: ele com uma aposentadoria
especial das vítimas da ditadura, e eu por tempo de serviço e idade.
Lula e eu recebemos aposentadorias integrais, o equivalente ao
último salário na ativa; ele como metalúrgico e eu como servidor
público. Lula conquistou sua aposentadoria aos 51 anos de idade;
eu também poderia ter me aposentado com esta idade se ele não
tivesse estabelecido posteriormente a idade mínima de 60 anos em
sua Reforma da Previdência Pública como mandatário da nação.
Talvez a grande diferença dos desfechos de nossas trajetórias é de
que, ao contrário do Lula e por culpa dele, me desvinculei do PT e
do engajamento partidário, tornei-me #umsempartido!

285
Assim como o Lula dedicou postumamente à sua mãe o seu
diploma de presidente do Brasil ao colocar o PT no poder (naquela
maravilhosa celebração da democracia que foram as cenas de sua
posse, cenas que faltaram constar no encerramento do filme), eu
também dediquei à minha mãe o meu diploma de engenheiro pela
UFRGS. Lula em sua posse como presidente já era órfão de pai e
mãe; enquanto eu, por sorte de desígnios do destino, ainda usufruo
da convivência com a minha velhinha mãe de 90 anos. Estou,
portanto, mais verdadeiramente para filho do Brasil do que ele.
Lula, como Getúlio Vargas, já entrou para a História deste país como
pai dos pobres, pois em seu governo transformou 20 milhões deles
em uma nova classe média de consumo.

2 - CAMINHANDO CONTRA O VENTO NUM RETROPICALISMO

Sempre quando ouço os lero-leros político-partidários dos


velhos e novos picaretas fazendo apologias românticas e ilusionistas
da democracia, me lembro dos meus estudos do filósofo Nietzsche,
o destruidor de ídolos.
A elaborada teoria nietzschiana da genealogia da moral,
resumindo, diz que a modernidade ocidental-cristã derrubou as
virtudes pagãs da cultura grega e instituiu uma moral de escravos. É
nesta perspectiva que os movimentos de jovens, tanto o estudantil
quanto o hippie, se rebelaram contra a moral repressora na década
de 60, e por isso são tidos como nietzschianos. O filósofo bigodudo
gostava de associar ao deus Apolo (deus da beleza, perfeição,
harmonia, equilíbrio e razão) as pessoas que se têm por
politicamente certinhas; e ao deus Dionísio (das festas, do vinho, da
exacerbação dos sentidos e excessos) os malucos psicodélicos que
se jogam na vida de ponta cabeça.
Mas a história oficial, como sempre, é contada pelo
apolíneos (os politizados), e todas as conquistas de transformações
sociais, culturais e de costumes conquistadas naquele período são
atribuídas, a meu ver equivocadamente, aos estudantes rebeldes de
maio de 68. O saldo histórico que ficou não foi político, está aí o
286
FHC, o Lula & Dilma (ícones da esquerda dos anos 70) e a Rebelião
dos Vinte Centavos para comprovar que nada de essencial mudou
na política; a grande mudança que houve foi cultural (artes e
costumes), que é o campo em que os hippies tencionaram com uma
vivência alternativa prática (dionisíaca) e não meramente teórica e
discursiva, como o povo que #foiprarua em junho/2013 para
manifestar indignação geral com a política que não representa mais
ninguém, só seus patrocinadores.
Agora, com a avalanche de condenações de jovens que
protestavam mascarados em várias capitais do país, enquadrados
pela nova lei do Crime Organizado ou pela velha lei de Segurança
Nacional; e com a Ordem de Prisão dos condenados no Mensalão,
que está colocando na cadeia nossos apolíneos figurões do panteão
da esquerda revolucionária, parei para refletir para compreender
melhor a minha própria trajetória de vida: Meus heróis morreram
de overdose e os meus líderes estão no poder e na prisão!...
Na década de 60, eu estava no lado dionisíaco da história,
com uma pequena mochila nas costas, pegava a estrada pedindo
caronas e fazendo artesanatos para sobreviver. Vivenciei
comunidades hippies e festivais de música, drogas e rock’n’roll até
no Uruguai, paraíso das drogas livres na época; enquanto a
juventude apolínea fazia as barricadas nas ruas de Paris.
Na década de 70, alienadamente curtia o tropicalismo com
“Alegria, Alegria”, dionisiacamente caminhando contra o vento sem
lenço e sem documento; enquanto apolineamente a juventude
engajada se lançava na luta armada da guerrilha urbana contra a
ditadura militar.
A partir dos anos 80 eu migrei para o lado apolíneo da
história, me tornei um militante engajado na construção de um
sindicalismo com consciência de classe e de um partido de luta dos
trabalhadores, enquanto o lado dionisíaco virava punk-anarquista...
Na virada de 2000, virada de século e de milênio, voltei a
procurar a minha essência dionisíaca, mas o máximo que consegui
foi tornar-me um rebelde sem causa: voto nulo! Recorri, então, ao
estudo da apolínea filosofia clássica, tribo em que sempre me senti
287
como um estranho no ninho do meio acadêmico apolíneo. Passei a
correr, como Proust “Em busca do tempo perdido”, atrás das
minhas vinculações dionisíacas com a arte, especialmente com a
literatura e a poesia, que se mantiveram minhas fiéis escudeiras
contra “a cultura de rebanho de apenas sobreviver, que é feito um
caracol que se enterra em seu próprio casco”, como esbravejava
Nietzsche.
A partir da década de 2010 voltei para o lado dionisíaco do
mundo, caminhando contra o vento sem horário e sem cartão-
ponto, como um aposentado libertário em busca do tempo
apolineamente perdido...num RE-TROPICALISMO:
Quando eu soltar as amarras / E sair singrando / Pela vida / Sem
horários / Sem destino / No caminho imenso / Do tempo que me
restar... / Vou novamente / Caminhar contra o vento / Com lenço /
E com documento / Nos bolsos e nas mãos / Pra mostrar / Que ainda
sou eu / Que estou a caminhar / Que eu ainda / Estou caminhando
/ Contra o vento / E com documento / Pra provar.

3 - DA FEBEM À FASE: OS FILHOS DA FLORESTA

Sem querer me comparar à candidata presidencial Marina


Silva, que só se alfabetizou aos 16 anos de idade, eu só consegui me
desvencilhar do curso primário e ingressar no ginásio também aos
dezesseis. Por consequência deste atraso, sem querer entrar no
detalhe de suas causas pedagógicas, só fui concluir o curso científico
(o atual ensino médio) aos 21 anos de idade e ingressar na
universidade apenas quatro anos depois, e demorei 12 anos
patinando para conseguir o canudo de engenheiro. Definitivamente
não sou um bom exemplo de aplicação escolar para os meus filhos,
a não ser o de ser persistente.
A propósito, um tema político que está pegando fogo na
mídia e na Assembleia Legislativa é o projeto 388/2009 que trata da
descentralização da FASE – Fundação de Atendimento Sócio-
Educativo do RS (a minha antiga FEBEM). Através do projeto o
Executivo pretende vender a área no Morro Santa Tereza, em Porto
288
Alegre, onde ficam situados vários prédios de grande porte da FASE,
na base do morro junto à avenida Padre Cacique, que o governo
pretende alienar de cima a baixo.
Este assunto me diz respeito por várias razões, mas
especialmente por envolvimento afetivo e sentimental. A área em
litígio político é o terreno onde brinquei a minha infância, dos oito
aos dezesseis anos de idade, como interno da FEBEM. Lá
dispúnhamos de todos os tipos geográficos de recantos: mata
cerrada, rio nativo na “selva”, onde brincávamos de Tarzan saltando
de cipó por sobre as águas (tão fundas que uma vez morreu um
garoto afogado: ficou trancado nos galhos caídos no fundo do riacho
represado), morros verdes com capins e flores silvestres, penhascos
escavados em saibreira (onde já praticávamos o moderno ski-bunda
morro abaixo), um campo de futebol tamanho oficial e, sobretudo,
uma vista ampla do perfil do centro da cidade e do pôr do sol no
Guaíba.
Nesse cenário cinematográfico brincávamos, como era
costume das crianças daquela época, de bolinha de gude, de pião
(de um rachar o pião do outro), de pandorga (de colocar gilete no
rabo para fazer a pandorga do outro ir à Bahia), de jogo de taco, de
fazer partidas de “balãozinho” com bolas de meia (preenchidas com
panos), de jogar bilboquê (no qual até hoje sou habilidoso), em
correr dirigindo aros de ferro com uma guia de arame torcido, de
correr dirigindo pneus de automóveis (sem roda e sem câmera) com
uma guia feito de um toco de madeira; e também de brincar de
mocinho e bandido e de índios, fazendo bandos contra bandos ou
tribos contra tribos, com fundas (bodoques) ou lanças feitas de
galhos de árvore. Era uma espécie de pré paintball, lembro que
várias vezes saí ferido destes combates de brincadeirinha entre a
gurizada do internato.
O ELO DO ÉDEN PERDIDO - E pensar que eu próprio / Que hoje vivo
desta forma aburguesada / Quando guri, nadava solto no rio /
Andava descalço nos matos / E nos morros cobertos de geada /
Vivia como índio, em orfanatos / Bebendo, no chão, água de
vertente / Sonhando em crescer para virar gente... / E pensar que
289
eu era um filhote de animal humano / Naturalmente feliz no existir
cotidiano, sem pensar.

No DOPA - Diário Oficial de Porto Alegre – do dia 29 de abril


de 2010 - saiu uma matéria de capa noticiando que o município
inaugurou mais dez casas-lares que abrigarão até oito crianças e
adolescentes em cada uma, com a presença de um casal social
selecionado pela FASC – Fundação de Assistência Social e Cidadania.
Ainda sobre este assunto, foi publicada uma matéria no correio do
Povo do dia 11 de junho, cujo título é “internato está em vias de
extinção”. Diz que a tendência das instituições é transformarem os
internatos em escolas profissionalizantes, sendo que os internatos
no Estado só deverão funcionar para abrigar menores infratores
com períodos de internação definidos pela justiça. Nos demais casos
os internatos não são mais considerados adequados devido à
exclusão do ambiente familiar. Estas instituições estão se tornando
escolas de turno integral e, no final do dia, a criança volta para casa,
como é o caso da Escola Pão dos Pobres, que está realizando esta
mudança.
Este assunto também me diz respeito por várias questões,
pois eu participei (como cobaia) do projeto pioneiro experimental
de implantação de casas-lares em substituição aos grandes
internatos públicos, onde a individualidade das crianças ficava
diluída na tribalização institucional. Tendo vivido no internato
desde os sete anos de idade, somente aos dezesseis anos consegui
ser aprovado no famigerado exame de “admissão ao ginásio”,
justamente no ano que estavam selecionando uma turma de
internos para serem transferidos para uma casa-lar que seria
inaugurada na avenida Alberto Bins, no centro da cidade. Posso
testemunhar que a ideia do projeto de casas-lares é muito boa,
funcionou muito bem, pelo menos quando o perfil dos menores
reunidos seja propositivo; como foi o caso do nosso grupo. Pena
que, sem nenhuma explicação, o projeto foi abortado cerca de um
ano e meio depois, e todos fomos despejados; os que não tinham
família onde se refugiarem, foram jogados literalmente na rua.
290
Vivenciamos um drama que, para muitos de nós, jovens carentes,
deve ter sido muito traumatizante.
Uma reportagem publicada sob o sugestivo título “Meninos
Condenados”, relata que de 162 meninos que estavam internos em
2002 na FASE, 135 foram presos, destes 114 foram condenados e 48
morreram. A matéria conclui que a “Fase segue sem recuperar”,
mostrando que 91% dos ex-internos que deixaram a casa nos
últimos dois anos se tornaram suspeitos de crimes. Poderia ser
melhor, mas posso garantir por experiência própria que muitos
saíram das matas da FEBEM, na Padre Cacique, e procuraram
continuar sempre ampliando seus horizontes e conquistando novos
domínios culturais...
Por isso, penso que é preciso dar especial realce, não aos
91% da FASE pós-FEBEM que reincidiram na violência, mas sim aos
9% que se salvaram, graças ao trabalho da instiuição, pois tiveram
uma oportunidade de sobrepujar as dificuldades e fazer prevalecer
seus valores pessoais, como eu próprio (modéstia à parte!). Os
tempos são outros, não sei avaliar se a FASE piorou em relação à
FEBEM do meu tempo, ou foi o perfil dos internos que migrou da
carência para o da deliquência pelo agravamento da exclusão social
nos grandes centros urbarnos. Mas sei que pode haver poucos
adolescentes de classe média na FASE, mas que certamente há
muitos cidadãos na classe média que são oriundos da FEBEM, e com
muito orgulho!
A exemplo da Marina Silva, que saiu da floresta amazônica
abrindo trilhas na mata e continuou sempre ampliando sua visão de
mundo com o seu talento, guardada as proporções, eu saí das matas
da FEBEM da Padre Cacique e também procuro continuar sempre
ampliando a minha capacidade de conquistar novos domínios
culturais. Apesar dos pesares, sobretudo no âmbito das carências
afetivas, fiquei com uma boa recordação da infância pobre (mas
sem miserabilidade) que vivi na tribo dos Filhos da Floresta do
Morro Santa Teresa, tanto que desde aquela época escrevo
poemas, pra não perder a ternura da poesia da vida jamais.

291
Assim, cresci na adversidade adotando estratégias de
sobrevivência, desde a infância coletivizada e sem individualidades
das grandes instituições de internatos púbicos, e chego na velhice
como um FALSO BRILHANTE: Com alma primitiva culturizada / tenho
a rudeza do diamante bruto / sem assimilar os trejeitos da society /
vim tropeçando pelos salões / até virar seixo rolado / em anel de
brilhante lapidado / que não puxa fio da meia de ninguém.

4 - OS BIXOS DO LISTÃO DA UFRGS


28/janeiro/2010
Ontem o meu turno da manhã foi todo de tensas
expectativas, pois de meia em meia hora eu entrava no site da
UFRGS para espiar se já tinham publicado antecipadamente o Listão
dos Aprovados no Vestibular 2010, o qual estava prometido para as
11 horas. Mas foi mesmo na hora marcada que conferi, primeiro
que a minha filha estava no listão (Uau!), e depois que eu também
estava (ufa!). Chamar de dupla alegria é pouco, pois a aprovação
dela constar no Listão vale muito, muito mais, não tem múltiplo
para quantificar.
Com este resultado, modéstia à parte, é o quinto vestibular
que consigo aprovação na UFRGS. Primeiro foi em Engenharia de
Minas (1979) escolhido ao acaso por apresentar maior facilidade de
acesso dentro das engenharias; o segundo foi justamente em Letras
(1981) que eu pretendia estudar, em um segundo curso, uma língua
estrangeira, mas no qual nem me matriculei quando soube que as
aulas eram lá no Campos do Vale (eu não tinha carro na época). O
terceiro foi em Engenharia Elétrica, faculdade que era desde o início
o meu projeto profissional, já que havia feito o curso técnico de
eletrônica no Parobé. Mas acabei enchendo o saco da elétrica e
retornei, em 1988, para o curso de Engenharia de Minas que estava
trancado, o qual se revelou muito bom de ser cursado pelos seus
fundamentos geológicos. Assim, finalmente consegui me formar
como engenheiro de minas em 1991, treze anos após ter ingressado
na faculdade, atraso que é devido ao fato de coincidir com este

292
período o meu intenso envolvimento com a militância política,
sindical e partidária.
Depois veio a minha fase de passar em vestibulares da
PUCRS, beneficiado pela vantagem de estudar, sem custo algum,
pelo convênio do DMAE-PUC. Primeiro em Engenharia Civil (de 1993
até 1999), para fazer disciplinas de saneamento e de língua inglesa;
depois cursei Jornalismo de 200 até 2001, até que o departamento
baixou nova diretriz vetando o acesso às bolsas aos funcionários que
já fossem formados em algum curso superior.
Foi então que, após passar um ano cumprindo o horário
integral de 8 horas diárias em 5 dias de mesmice por semana,
sentindo falta da regalia de usufruir do “direito de estudante” de
sair para assistir aulas e aprender alguma coisa durante o
expediente, passei no meu quarto vestibular na UFRGS em 2003 e
passei a frequentar o curso de Filosofia. O meu objetivo nunca foi o
de me formar, de ser um filósofo, e sim de ter a oportunidade de
fazer uma leitura orientada dos principais filósofos e escolas
filosóficas, visando adquirir autonomia neste gênero de leitura. Esta
meta foi satisfatoriamente concluída com a disciplina de Estética II
no último semestre de 2009. A partir de agora passaria a ser difícil
achar novas disciplinas interessantes disponíveis no curso de
filosofia, mas eis que surgiu esta oportunidade da preparação do
vestibular da minha filha.
Desta vez, que espero que seja a última, decidi ouvir a voz
da minha própria experiência e assumir pra mim mesmo que a coisa
que eu mais gostei de fazer durante toda a minha vida foi escrever.
Como escrever é literatura, logo o curso é Letras! Pelo aristotélico
silogismo filosófico concluo, com fundamentos lógicos, que já sei o
que quero ser quando crescer: escritor.
Ao contrário de mim, espero que a minha filha acerte de
primeira na UFRGS o que ela quer ser quando crescer: Socióloga,
pois ela já abandonou no primeiro semestre o curso de artes
plásticas que havia iniciado na UDESC em Florianópolis no ano
passado.

293
E, mantendo a tradição, mandei fazer uma faixa de dois
metros de comprimento dizendo “Valeu Luiza – Ciências Sociais e
Celso – Letras – BiXos 2010 - UFRGS”, comprei um conjunto de
vidros coloridos de têmperas e fizemos a Festa das Tintas lá em casa,
com um pintando a cara do outro e sendo pintado pelos parentes,
com direito a comes-e-bebes e, claro, cobertura fotográfica dos
“bixos” para a posteridade familiar: do primeiro ingresso dela e do
meu quinto na UFRGS!
Depois da sensação de ser “bixo” junto com a minha filha
no Listão dos Aprovados no Vestibular 2010 da UFRGS, o evento
festivo da matrícula no curso de Letras teve o seu lado melancólico.
É que encerrou-se ali o meu ciclo de estudos filosóficos, e o corte
deste cordão umbilical acadêmico com a filosofia deixou uma
espécie de sensação de vazio no meu peito, após o rompimento
irreversível com este curso que tanto contribuiu para fundamentar
de modo consistente o aspecto filosófico da vida na minha formação
pessoal. Talvez o vazio se deva ao fato que agora não alimento as
mesmas expectativas e carências vitais em relação ao curso de
Letras do que alimentava quando iniciei na filosofia. Tomara que eu
seja surpreendido e que esta licenciatura se revele tão boa de ser
cursada como se revelou o curso de Engenharia de Minas, em que
eu não botava a mínima fé (graças ao qual ganhei o meu sustento e
que está me propiciando um bom gozo na minha aposentadoria).
Assim, no período de matrículas dos biXos 2010, que
ocorrerá agora na segunda quinzena de fevereiro, sou eu quem vai
comunicar à Universidade que estarei antecipando o meu
jubilamento em Filosofia. Ao fazer a opção pelo Curso de Letras no
ato da matrícula, estarei iniciando o preenchimento de uma outra
lacuna na minha formação pessoal, que é o domínio das “Letras”,
das quais estou obeso, pois delas sempre me alimentei como um
amador guloso, sem nunca me submeter às dietas acadêmicas.

294
5 - RELATO DE UMA EMOÇÃO FORTE

Outubro/2010
No último semestre de 2010 cursei a disciplina de Produção
Textual no curso de Letras que estou frequentando na UFRGS, no
qual me foi solicitado relatar um caso de emoção forte que eu tenha
vivido e eu escrevi o seguinte texto:
Um caso de emoção forte aconteceu comigo quando um
exame de sangue serviu de sinal de alerta, o qual foi seguido de uma
biópsia que me arrastou feito um tsuname “por mares nunca dantes
navegados”...
O primeiro impacto do anúncio da má notícia diagnosticada
como sendo a difamada doença incurável denominada câncer, foi
de experiências em estreitos canais dolorosos que nos arrastam e
nos debatem em suas margens feitas de pontiagudos diagnósticos
rochosos. Com rapidez alucinante me arrastaram do pacífico
oceano da vida saudável, em que até então eu velejava em suaves
ondas de calmarias, no rumo certo de um grandioso horizonte
ensolarado, e me levaram até o agitado oceano do instinto de
sobrevivência, em que se rema contra tudo: contra a correnteza, as
ondas e o horizonte, e contra o rumo certo e inevitável do grande
final de tudo o que é mortal.
O diagnóstico de uma doença incurável divide a vida em
dois: a alegre naturalidade do antes e a angustiante resignação do
depois. No primeiro dia do resto da minha vida, que se delineava
como sombria a partir daquele momento divisor de águas,
naturalmente que uma profunda tristeza se instalou no íntimo da
minha família, onde desandou uma avalanche de lágrimas
convulsivas de desolação. Com a mente e o corpo doídos e os ossos
moídos por me sentir suportando pessoalmente a finitude humana,
desesperadamente busquei me resignar com a minha sorte e os
meus azares, e passei a compartilhar a alegria de ainda estar junto,
no aqui e agora, com os amigos, amores e familiares, aproveitando
para ensinar e aprender a dizer adeus...

295
Pela primeira vez em minha vida a morte e o medo da morte
se colocaram como uma questão real e objetiva, não mais apenas
como uma poética metáfora de quem encontra uma pedra no meio
do caminho, mas como quem cai inesperadamente num abismo e
precisa encontrar uma saída durante o curto período de queda livre
que dispõe, antes de se despedaçar no chão.
Por isso, no segundo dia do resto de nossas vidas passei a
viver uma segunda vida com hiper-realismo, onde cada detalhe do
dia, da paisagem e cada pessoa ganhou especial significação e
transcendental poesia. No segundo dia do que restou da minha vida
a sentença diagnosticada já nem parecia tão fatal...
Foi assim que no terceiro dia dos restantes da gente, após
ter batido com a besta de frente, esse monstro de sete cabeças
virou um moinho, um obstáculo a ser removido do caminho, um
alvo de guerra neste quixotesco enfrentamento que exige perícia e
rapidez nos movimentos. Ao terceiro dia desta andança de triste
figura tocou de decidir o local, a data e a postura. Tocou de
encontrar um escudeiro treinado em operar, um médico
especialista que inspirasse confiança, domínio e tino, nas mãos de
quem, cegamente, devia apostar a sorte do meu destino...
Outras questões e medos povoam, como fantasmas, nossas
mentes e corações aflitos nesta conturbada passagem, onde cresce
o medo do desconhecido além pós-morte, na tensa expectativa de
que o mal possa ser curável e não fatal...No meu caso, a opção
adotada foi pela intervenção cirúrgica através da técnica de
“videolaparoscopia”, sem cortes, por apresentar melhores
condições de pós-operatório e maiores possibilidades de
minimização das possíveis sequelas.
Concluído o procedimento, após o período de
hospitalização, em que fiquei como um ser do filme “Matrix”,
entubado no soro, no dreno e na sonda que se carrega pra casa
como uma cruz; e sobretudo com uma ansiosa expectativa no
resultado do exame laboratorial anatopatológico, que indicaria se o
bicho tinha sido totalmente extirpado ou se o danado já havia se

296
espalhado para outras regiões do corpo; voltei para casa com a
recomendação que é preciso convalescer...
Agora, completando três anos de pós-operatório, uma vez
constatado o êxito da extirpação radical e total do câncer que estava
absolutamente confinado, ainda que haja a recomendação de um
monitoramento em exames periódicos ao longo de dez anos, a
medicina finalmente diagnosticou a cura em definitivo do câncer
deste organismo vivo denominado Celso Afonso Machado Lima.
Vocês vão ter que me engolir!

6 - O CASO DO SUMIÇO DA DEDÉ

Ocasionalmente o aposentado Gaspar Farroupilha da Rosa,


ex-capataz de equipe da manutenção preventiva, do qual fui chefe
como técnico industrial, aparecia para fazer uma visita aos colegas
remanescentes de sua época. E ele sempre resgatava uma história
pitoresca que ocorreu envolvendo nós dois, à qual resisti em relatar
no blog mas o faço agora pra sua versão impressa por seu caráter
de conteúdo biográfico.
Lá pelo início da década de 1980, não havia celulares ainda,
só transmissão de voz por rádio nas viaturas das equipes da
manutenção e, para os técnicos industriais plantonistas dos finais
de semana, era utilizado o Bip (dispositivo eletrônico que era
acionado pela concessionária telefônica mediante um pedido da
empresa contratante do serviço), aparelho que fazia um ruído tipo
“bip-bip” acendendo uma luzinha para que o portador do Bip
telefonasse para a empresa e atendesse ao chamado de alguma
emergência. Era costume da peoanada do Dmae inventar em casa
algum chamado de emergência para se soltar na farra e passar a
noite fora. Este não era o meu perfil, sempre fui do tipo fiel até que
se prenuncie o fim de uma relação... Era o que estava ocorrendo
naquela ocasião em que o Gaspar era o capataz da equipe de
plantão (que cumpria dez horas no local de trabalho nos sábados e
domingos), e eu era o técnico industrial de plantão (que ficava à

297
disposição em casa com o Bip para ser acionado nos casos
emergenciais mais complexos).
Na época eu estava casado com a Dedé (Jussara Haddad),
casamento no civil e religioso que ocorreu em 1975, aos meus 21
aninhos de idade. Ela foi a minha primeira namorada (que conheci
no meu primeiro baile, no SENAI) e foi quem finalmente acabou com
a minha virgindade em 1970, em plena Copa do Mundo do
tricampeonato brasileiro transmitida ao vivo pela TV (a copa, não o
ato sexual). Nunca foi um caso de amor romântico, a Dedé era
simplesmente a única fêmea que caiu na rede do jovem macho
recém saído do longo período masturbativo do internato masculino
da FEBEM. Depois de um período de encontros e desencontros com
muitos bons momentos amorosos, eu precisava sair da casa da
minha mãe e aluguei uma peça na Cidade Baixa. Como a família da
Dedé idealizava o seu casamento por ela ser órfã de pai e a sua mãe
adoentada já estar ameaçando partir de uma hora pra outra, resolvi
abraçar a ideia indo morar na Vila Farrapos, na casa delas, juntando
o útil ao agradável (ter casa e mulher com comida e roupa lavada).
A Dedé era boa gente mas muito louca, legítima geminiana com
duas caras; sua família não sabia do seu lado B, mas eu sim. Mesmo
assim, como na época não existia divórcio, decidi casar de uma vez
para nunca mais poder cair nesta cilada e, se havia alguém que
merecia este “prêmio” era a Dedé, por ter me propiciado uma
travessia do celibato aos prazeres sexuais juvenis.
Quando da ocorrência do caso pitoresco que o Gaspar
gostava de relembrar, nos primórdios da década de 1980, Dedé e eu
(e a sogra que não tinha morrido ainda) já não morávamos mais na
casa delas (casa que reformei toda, demolindo e fazendo outra
nova), tínhamos nos mudado para o apartamento emprestado pelo
meu irmão Gildo Lima no bairro Jardim Botânico. Então, com mais
de dez anos de relacionamento conjugal sem filhos, o casamento já
não estava resistindo aos novos tempos de engajamentos políticos
e se criaram as condições que prenunciavam o seu fim... foi quando
ocorreu o caso da infidelidade acionado pelo Bip.

298
Na ocasião eu já andava querendo arrastar asa pra qualquer
mulher que caísse na minha alçada, e caiu na rede uma que
propiciou esse episódio. Como eu estava de plantão, combinei que
ia simular uma acionada do Bip quando eu estivesse junto com a
Dedé e iria até o orelhão mais perto e ligar pra ela (a amante), como
se estivesse telefonando para o Dmae, combinando em linguagem
cifrada que estava indo para atender ao “seu chamado de
emergência”. Tudo correu bem conforme o planejado, fomos para
um motel e curtimos uma noite inteira juntos, só love até o
amanhecer. Na volta, dei em casa a desculpa clássica usada pela
peonada, que tinha havido um enorme problema de abastecimento
de água lá na longínqua Hidráulica de Belém Novo, que pra resolver
tivemos que virar a noite e blá, blá, blá...
Antes de contar o final da história, para que não façam mau
juízo de mim, convém dizer que depois deste caso de infidelidade
bipada, o meu casamento com a Dedé durou pouco tempo, durou o
tempo suficiente para ocorrer a morte da mãe dela (Dona Ana) no
apartamento onde estávamos morando por último, na Rua
Riachuelo, e que foi emprestado por uma tia dela. Mas o fim não foi
sem dramas, no processo de separação a Dedé tomou até uma
overdose de remédios e foi hospitalizada para fazer lavagem
estomacal. Para poder conduzir o processo de separação que havia
descambado para a chantagem emocional de ameaças de suicídio,
decidi contratar uma psiquiatra para fazermos terapia de casal. Foi
então que em 1985, em plena sessão de terapia, eu declarei que
estava saltando fora do barco naquele momento e que o
responsável para dar suporte psicológico para ela não fazer besteira
seria o próprio psiquiatra e saí batendo a porta do consultório.
Peguei o meu carro e sumi de circulação, fui para a minha terra natal
que nem consta ainda nos mapas, São Diogo, um vilarejo de
campanha na fronteira com o Uruguai, onde nem eletricidade tinha.
Voltando ao caso da infidelidade, a Dedé, que não era boba
nem nada, fez que engoliu o meu blá, blá, blá numa boa e, no
mesmo dia, enquanto eu dormia descansando da noite de trabalhos
forçados, foi até o Dmae e procurou pelo capataz de plantão, que
299
no caso era o Gaspar, e quis saber do serviço que deu durante a
noite anterior, perguntando por mim como se eu não tivesse
voltado ainda da empreitada. Matreiro, o Gaspar logo percebeu que
tinha sacanagem na jogada e desconversou o que pode, meio
atrapalhado com contradições por não ter havido nenhum serviço
de emergência naquela noite. Sem convencer muito a Dedé, ele
confirmou a falsa ocorrência de manutenção e disse que eu havia
saído fazia pouco tempo dali e que deveria estar chegando em casa
e blá, blá, blá....
Tempos depois, decidi me separar e deu o maior fuzuê, até
umaoverdose de medicamentos a Dedé tomou para criar clima
tendo que fazer lavagem estomacal. Não adiantou, peguei o carro e
sumi no mundo, rumo à campanha onde nasci em São Diogo, na
fronteira com o Uruguai. Quando voltei da minha terra natal, depois
de vários dias andando a cavalo pelos campos e respirando ar limpo
sob o céu estrelado próximo da cabeça, a poeira tinha baixado e a
Dedé tinha mudado de postura radicalmente. Decidiu aceitar a
separação e ir de mala e cuia viver na Bahia: e foi mesmo! Ela sumiu
definitivamente, tanto que anos depois tive que fazer um processo
judicial e o juiz declarou o divórcio à revelia da Dedé que continua
em lugar incerto e não sabido.

7 - EM MEMÓRIA DA FÁTIMA SILVELLO

No início da década de 1990 fui trabalhar na ASSEC, que era


um órgão extra-oficial, pois nunca existiu no organograma oficial da
empresa, mas foi um apêndice importante da estrutura operacional
do DMAE na Era Petista. Meus novos colegas de sala eram dois
engenheiros civis (Marcos Scharnberg e Weber) e um arquiteto
(Konrad). Éramos um grupo técnico de engenharia cercado por
sociólogos por todos os lados: o Caputo, a Fátima Silvello, a Antônia,
a Lea Maria, a Enid Backes e o figuraço do Roque, um ex-seminarista
oriundo de movimentos igrejeiros junto aos colonos sem terras, ao
qual chamávamos de Padre Roque.

300
Antes desse período em que trabalhamos juntos na ASSEC,
a Fátima Silvello e eu moramos no mesmo bairro quando éramos
respectivamente estudantes de sociologia e de engenharia,
convertidos para as lutas sociais de redemocratização no Brasil no
início da década de 1980. Nos mobilizamos no Núcleo Jardim
Botânico para a construção de um Partido dos Trabalhadores (dos
sonhos), e para o fortalecimento da consciência de classe de toda
uma geração de servidores do DMAE que passava a se organizar
sindicalmente como a Categoria dos Municipários. Belos tempos
utopicamente revolucionários e amorosos aqueles!...
Hoje eu fui ao cinema assistir ao “Filme dos Espíritos”, onde
pude chorar bastante em luto da Fátima Silvello, que desencarnou
e estava sendo velada e sepultada naquele mesmo horário. Agora,
sob o efeito da mensagem do espiritismo contida no filme, de que
há vida após a morte, fico refletindo sobre o ensinamento budista
de que temos muitas vidas e mortes numa mesma existência. A
Fátima foi protagonista numa das minhas vidas passadas, numa
época em que eu saía chamuscado e arisco do meu primeiro
casamento, quando mergulhamos juntos na militância sindical.
Belos tempos de sonhos utópicos aqueles!
Os dois jovens estudantes, de sociologia e de engenharia,
convertidos para as lutas sociais de redemocratização no Brasil no
início da década de 1980, constituíram os pilares de aglutinamento
de toda uma geração de servidores do DMAE que passavam a se
empenhar na organização da categoria dos municipários. Fizemos
de instrumento de luta e conscientização setorial a Associação dos
Servidores do DMAE (ASDMAE), mas tendo sempre como
perspectiva maior a construção da Associação dos Municipários
(AMPA) como uma entidade pré-sindical, até que a legislação
federal permitisse a sindicalização dos funcionários públicos. Belos
tempos utopicamente revolucionários aqueles!...
Muito trabalhávamos juntos na elaboração dos boletins,
jornais e cartazes do movimento, eu entrava com o texto e ela com
a arte e diagramação, desenhista profissional e criativa que era, e
ambos fazíamos o corpo-a-corpo da distribuição. Juntos fazíamos
301
muito barulho! De tanto nos identificarmos e nos misturarmos, nos
envolvemos afetivamente um com o outro, mas tímidos e ariscos,
ninguém tomava iniciativa, até vivenciarmos literalmente o corpo-
a-corpo numa temporada mágica no Rio de Janeiro, num
apartamento em Jacarepaguá, cedido pelo amigo Marco Arildo do
Trensurb (Valeu Marco!). Foram momentos que me fizeram voltar a
acreditar que a felicidade pode existir num relacionamento. Belos
tempos utopicamente românticos aqueles!
Depois, pelos desígnios insondáveis do existir, nos
perdemos daquela vida de envolvimento afetivo pra renascermos
em outras. Por peripécias do destino, para possibilitar que não
deixássemos nada mal resolvido nesta existência, posteriormente
trabalhamos juntos na mesma sala da Assessoria do Diretor Geral
Guilherme Barbosa, no início da era petista na Prefeitura, e
voltamos a trabalhar juntos na Assessoria Comunitária do Dmae
(ASSEC), ambos como Cargos em Comissão. Participamos juntos, a
socióloga e o engenheiro, de trabalhos comunitários de
saneamento nas vilas e das históricas reuniões noturnas do
Orçamento Participativo sob a coordenação do meu irmão Gildo
Lima, também já falecido. Belos tempos utopicamente
construtivistas eram aqueles!...
Os últimos contatos que tivemos foi há poucos anos atrás,
antes dela se aposentar definitivamente do Dmae, por ocasião da
obra de drenagem que ela fiscalizava no pátio da minha Divisão de
Manutenção. Depois soube que estava doente e passei a lhe enviar
emails com links de acesso para o blog e hoje, 23/outubro/2011,
soube que a “companheira Fátima Silvello” não está mais entre
nós...Que coisa, hein?!...
Espero que os espíritas e os budistas tenham razão e que
existam realmente reencarnações e renascimentos cármicos, para
que possamos aproveitar evolutivamente as convivências que
tivemos com pessoas especiais (como a Fátima foi para mim) em
nossa vida atual.
- Belos tempos, valeu companheira Fátima Silvello!

302
8 - RESGATE DE UM MINEIRO FEITO PELA ETEL

12/Out/2010
Na grande aldeia global midiática que é o mundo hoje em
dia, ficamos todos sofrendo solidários com a tragédia da explosão
de uma mina na Turquia, onde morreram mais de 300 mineiros.
Enquanto engenheiro de minas que sou, me sinto um sobrevivente
como os 33 mineiros que ficaram por 69 dias soterrados numa mina
subterrânea de cobre e ouro no Chile em 2010, cujos trabalhos de
resgates acompanhamos dia a dia feito um reality show; me sinto
irmanado com a aflição dos sobreviventes como sendo de meus
companheiros de trabalho. Digo isto por ter tido a experiência de
ficar oito horas por dia durante um mês numa mina subterrânea
semelhante, e saber muito bem a sensação que a gente sente ao
estar lá embaixo, trabalhando entre vultos humanos tisnados que
mais aparecem assombrações, e sob a ameaça constante de um
soterramento inesperado.
Com o curso de engenharia de minas tive o ganho cognitivo
de ter estudado mais a fundo a geologia do planeta em que vivemos,
a loucura que é saber que o miolo da terra é em realidade a figura
metafórica do inferno, um caldeirão incandescente onde todas as
rochas estão derretidas, e que o globo terrestre é uma panela de
pressão cujas válvulas de escape são os vulcões. É punk! Logo
compreendi que naquela vida de mineiro em que estagiei, que mais
se assemelhava a trabalhar no inferno (nas subterrâneas Minas do
Leão de carvão a 120 m de profundidade) ou no purgatório (nas
minas de ferro a céu aberto da Vale do Rio Doce em Itabira, MG),
não conseguiria nunca encontrar um Paraíso para trabalhar, até
porque não há mineração nas nuvens
A minha decisão na juventude de qual o curso superior
deveria optar no momento de fazer o concurso vestibular, a bem da
verdade, inicialmente se deu pela escolha tática de um menor grau
de dificuldade de acesso entre os cursos de engenharia da UFRGS,
uma vez que pretendia o curso de engenharia elétrica que naquela
época era concorridíssimo. Este foi o acaso da condição de eu ser
303
um aprendiz de mineiro ao me tornar um aluno de Engenharia de
Minas. Mas, apesar de depois eu conseguir migrar para a área de
elétrica-eletrônica, através de outro vestibular, acabei me
decepcionando com o conteúdo do curso (talvez por já ter a
formação básica de eletrônica da Escola Técnica Parobé), e decidi
retomar e concluir o curso de Engenharia de Minas, que era
geologicamente interessante de se estudar.
Sem poder contar com esta perspectiva de almejar um
paraíso para exercer o meu ofício de mineiro, tratei logo de buscar
novas atividades que me oferecessem pelo menos um oásis cultural.
Por isso, durante os últimos vinte e cinco anos me tornei um
aprendiz de várias outras atividades. Estudei jornalismo na PUC
(enquanto durou a bolsa de estudo que o Dmae me fornecia),
depois novamente na UFRGS passei a estudar filosofia (de 2001 até
2009, devido ao meu jubilamento da faculdade). A partir de 2010
passei a ser aluno do curso de Letras da UFRGS, onde continuo até
agora, sempre sem a mínima pretensão de conquistar outro canudo
de formatura. Estudo apenas para ampliar a minha formação
pessoal: faço por prazer e curso somente as disciplinas que me
interessarem e nada mais, sem estresse.
Mas sempre reconheço como “bendito” o canudo de
Engenharia de Minas, pois aproveitei ao máximo o título de
engenheiro para ganhar “o pão de cada dia” trabalhando no DMAE,
por mais de 35 anos, com a fabricação de água potável, que não
deixa de ser um minério líquido aflorante a céu aberto e que ocorre
em jazidas denominadas rios ou lagos, cuja gênese se dá nas
nuvens. Portanto, a água é a obra prima perfeita para ser o paraíso
como local de trabalho de um engenheiro de minas, e o Dmae foi o
meu.
Igualmente reconheço sempre como “bendita” a minha ex-
mulher Etel que me deu todo o apoio durante o meu longuíssimo
curso de engenharia, posto que fui bixo da UFRGS em 1979 (no
tempo da Dedé)! Mas o curso só deslanchou mesmo quando a Etel
entrou na minha vida no burburinho da militância sindical e
partidária a partir de 1986, em cuja casa funcionou por muitos anos
304
a sede da Ampa, a entidade progenitora do Sindicato dos
Municipários, assim como ela que veio a ser a progenitora das
minhas filhas. Neste período ela trabalhava como professora de
esportes da SMED nas praças do município e foi protagonista da
criação da Secretaria Municipal de Esportes (SME). O meu tão
almejado canudo da Universidade finalmente chegou justamente
no ano de nascimento da nossa primeira filha, a Luíza, em 1991.
Porém, de pouco valeria o diploma de engenheiro de minas
se não fosse pela “bendita” insistência da Etel para que eu me
inscrevesse no concurso para engenheiro do DMLU, que viria a ser
o último na modalidade de ter uma prova única para todas as
especialidades de engenheiros, admitindo inclusive engenheiros de
minas. O impedimento que me inibia para me inscrever no concurso
no final de 1991, era que naquele ano tinha havido uma greve na
UFRGS e a diplomação dos formandos só ocorreria em abril de 1992.
Bendita Etel que insistiu para que eu solicitasse na faculdade um
documento atestando que eu já estava habilitado como engenheiro,
mesmo porque as nomeações do concurso seriam depois daquela
data e até lá eu já teria o canudo nas mãos para assumir o cargo;
isso se passasse no concurso, é claro.
“Bendito” também o professor Jair Hope que, por sorte, era
ao mesmo tempo o Diretor do Departamento de Minas e o
professor da cadeira que eu estava cursando naquele semestre, e
que era a única que faltava para eu me formar. Ninguém melhor do
que ele para atestar que eu já havia cumprido todo o currículo e
que, portanto, estava habilitado como engenheiro e que aguardava
apenas a data formal do evento de formatura para recebimento do
respectivo diploma, atestado que ele mesmo elaborou e levou para
o Coordenador do COMCAR assinar. Deu tudo certíssimo, entrei na
última chance de um engenheiro de minas ser concursado para a
Prefeitura de Porto Alegre e, melhor ainda, pude ser aproveitado no
próprio Dmae, onde eu já trabalhava na época por mais de 15 anos,
e para onde fui nomeado engenheiro em agosto/1993.
Não só por estes motivos práticos, mas por tudo o mais que
a Etel representou na minha vida afetiva, de me fazer voltar a
305
acreditar no amor com admiração por outra pessoa, não posso
deixar de registrar aqui uma espécie de homenagem em vida para
esta mulher, transcrevendo um poema que fiz durante a nossa
relação conjugal:
FACES DA LUA
Lá no escuro da noite escura
onde o passado arquivou todos os dias
surgiu no céu um brilho de luz distante
a Lua Nova me fez criança de alegria
A luz da Lua Crescente foi crescendo
com a esperança e eu próprio que crescia
fui descobrindo seus verdes segredos
e alimentando a paixão que nos unia
E quando a Lua de luz se fez Cheia
da minha cama eu avistava o novo mundo
como um adolescente que por vida anseia
senti-me forte, lindo e fecundo
Porém a luz da Lua foi Minguando
no mundo velho que ao novo resistia
e a razão, já adulta, foi pensando
e me perdendo da luz que me movia...
....................
Por tudo isso, é que me sinto um pouco como os mineiros
chilenos e os poucos que restaram na mina turca, um sobrevivente
do inferno dantesco que é o ambiente de trabalho de uma mina
subterrânea, apenas que por sorte consegui sair antes que qualquer
soterramento me aprisionasse naquele suado ofício de ganhar o
pão com o minério que o diabo amassou. Ainda bem que, com a
ajuda da Etel, pude ir ganhar a vida “com sombra e água fresca” no
escritório com ar condicionado de uma fábrica municipal de água
potável em plena capital gaúcha. Sou, portanto, um urbano
engenheiro de minas que esteve por décadas soterrado apenas pelo
cumprimento do tempo de serviço, mas que finalmente será
resgatado em 2011 para a superfície livre da aposentadoria, como
um ex-engenheiro!
306
9 - COTIDIANO EM BODAS DE PORCELANA COM A MAGDA

agosto/2011- fev/2013
A cada ano cresce o número de pessoas que optam por
morar só e não compartilhar o controle remoto. Este assunto foi o
tema de uma matéria de várias páginas no caderno Donna do jornal
Zero Hora (17/02/2013). Entre 2000 e 2010, o aumento foi de 68%
no Brasil, segundo o IBGE. No ranking das cidades com mais pessoas
morando sozinhas tem Herval (minha cidade natal!) em primeiro
lugar nacional, e Porto Alegre é a capital com maior proporção dos
chamados domicílios únicos.
Em fevereiro de 2013, Magda e eu, estamos comemorando
Bodas de Porcelana, 20 anos de um cotidiano casamento morando
em casas separadas. Segundo as estatísticas, esta modalidade de
relacionamento afetivo conjugal está se tornando “normal” entre os
casais pós-modernos, pessoas que não abrem mão de ter um
espaço só seu e, ao mesmo tempo, ter uma relação amorosa
monogâmica.
É muito difícil que exista outro aposentado que frequente
tanto o seu antigo local de trabalho quanto eu. Faço isso não
“porque não tenha mais nada o que fazer” ( tenho uma Lista das 100
Coisas para fazer na aposentadoria!) ou por ter saudade depressiva
dos colegas; nem por sentir falta do cafezinho compartilhado com
bolachinhas ou da roda de chimarrão; pois nem deu tempo ainda
pra tanta carência. Tampouco vou lá só para torturar os cativos do
cartão-ponto com a minha exuberante liberdade! O motivo da
minha assídua presença, que acontece pelo menos duas vezes por
dia (que só falta eu bater ponto no quarteirão) é a minha mulher. A
Magda é a culpada por eu ter que manter parcialmente a mesma
rotina das últimas duas décadas, mesmo depois de estar
aposentado.
A propósito, “Todo dia ela faz tudo sempre igual”, como
dizia a música Cotidiano do Chico Buarque, mas eu não mais “me
sacudo às seis horas da manhã”, posto que eu já estou aposentado
e ela ainda está cumprindo pena trabalhista. A Magda e eu
307
moramos em casas separadas, vivemos uma nova modalidade de
relação conjugal em que “o sorriso pontual e o beijo com a boca de
hortelã” se dá no carro, com eu a conduzindo nas idas e vindas do
seu trabalho.
Estou no meu terceiro casamento, sou quase especialista no
assunto. No ímpeto da paixão de quererem ficar juntos o tempo
todo, a tendência dos casais é que um se mude de mala e cuia para
dentro da casa do outro. No casamento convencional, “toda noite
ela diz pra’eu não me afastar”, até o cara se sentir asfixiado e,
numa reação de legítima defesa, saltar fora.
Entretanto, já faz vinte anos que vivemos
harmoniosamente, com cada na sua casa, com espaço físico e
tempo para nos dedicarmos às nossas individualidades e
peculiaridades. Eu com esta minha compulsão por escrever, e ela
com o seu estudo de piano; de modo que valorizamos
qualitativamente nossos momentos de convivência familiar.
Assim, aproveitamos os momentos em que estamos juntos,
que não são poucos, procurando viver prazerosamente e com
alegria, pois é um estar junto sem o estigma da rotina geralmente
estabelecida nos casamentos convencionais de que trata a canção
do Chico, na qual o cara “todo dia pensa em poder parar, pensa
em dizer não, depois pensa na vida pra levar e se cala com boca de
feijão...”. No nosso cotidiano se pode parar, pensar e diariamente
dizer “não”.
É claro que surgem ruídos na comunicação, como em todos
os casais, mas aí cada um tem o escurinho do seu quarto e o silêncio
do seu travesseiro para refletir e desarmar o espírito, pelo tempo
que precisar, para depois poder voltar a investir na relação. Evita-
se, com isso, os desgastes mais graves que uma convivência
obrigatória num momento de atrito conjugal que pode causar: “me
aperta pr'eu quase sufocar, e me morde com a boca de pavor.”
A cultura popular é sábia ao dizer que a vida dos amantes
clandestinos é mais excitante, nem tanto por ser às escondidas e
mais por eles se encontrarem apenas nos momentos de prazer.
Analogamente, os casais que vivem em casas separadas são como
308
amantes publicamente declarados ou como namorados
permanentes: “Meia-noite ela jura eterno amor”.
Por isso o nosso cotidiano conjugal é bastante peculiar, até
pelo fato de que moramos propositadamente apenas uma quadra
de distância um do outro e trabalhávamos na mesma empresa,
ainda que não no mesmo prédio, mas no mesmo quarteirão.
Portanto, além de almoçarmos juntos todos os dias em restaurantes
buffets, “às seis da tarde como era de se esperar, ela pega e me
espera no portão” da empresa e geralmente também jantamos na
companhia um do outro.
Mesmo sem nunca termos pensado em “juntarmos os
trapos” para morarmos juntos, por “essas coisas que diz toda a
mulher” sobre o glamour do casamento enquanto declaração de
amor, nos casamos legalmente através da Declaração de União
Estável em 2008, e seguimos “com boca de paixão” a vivência do
nosso cotidiano amor de um casal que vive em casas separadas.
Mas garanto que é por pouco tempo que vou manter esta
rotina de aposentado frequentador assíduo do seu ex-local de
trabalho, sabem porquê?... Por que daqui mais um ano a Magda
também vai se aposentar (data que foi adiada por um ano para ela
poder incorporar no salário a nova gratificação de essencialidade do
Dmae - GDAE), quando ambos estaremos, finalmente, livres para
voarmos juntos por outras rotinas e horários, numa aposentadoria
familiar integral, mas ainda assim em casas separadas, rumo às
Bodas de Prata e Bodas de Ouro... Para a Magda escrevi este poema:

RUIVA AURORA
Viver, sempre surpreende
ao navegante errante
que pensa que da terra
do ar e do mar já conhece tudo
O mundo se renova a cada instante
e se revela em novas velas no horizonte
Pra vida adentro, pro mundo afora
aprisionei a luz intensa desta Ruiva Aurora
309
e naveguei por mares nunca dantes navegados
fiz-me amante das alquimias: álibis forjados
e sustentei toda a leveza do ser amado.

10 - A CLASSE MÉDIA VAI À EUROPA


18/março/2012
Classe média, eu? A ideia de ser uma “Nova Classe Média”
surpreende moradores tanto da Rocinha no Rio quanto do Morro
São José e da Vila Restinga em Porto Alegre, bem como de milhares
de favelas por este Brasil afora. Dentro de casinhas apertadas tem
uma televisão de tela plana de 29 polegadas equipada com serviço
de TV por assinatura. Tem som, freezer, geladeira, computador e
videogame. Na laje, tem um extenso varal com roupas da moda e
uma lavadora de última geração, tudo comprados em parcelas a
perder de vista. Este é o perfil de uma família típica da nova classe
média brasileira, segundo pesquisa divulgada pela Fundação Getúlio
Vargas (FGV).
De acordo com esse estudo, na última década dezenas de
milhões de brasileiros deslocaram-se da base para o miolo da
pirâmide social. Até há pouco tempo classificados como pobres ou
muito pobres, eles melhoraram de vida e começam a usufruir vários
confortos típicos de classe média. Sua ascensão social revela o
maior fenômeno sociológico brasileiro: pela primeira vez na
História, a classe média passa a ser maioria no Brasil.
Enquanto os membros da chamada nova classe média (com
renda familiar de 2 a 10 salários mínimos) estão começando a viajar
agora, estão andando de avião e se hospedando em hotéis pela
primeira vez, naturalmente deslumbrados pela novidade. Eu quase
me convenço que fui promovido socialmente para a elite
econômica (classes A e B).
Classe alta, eu? A ideia contrabandeada pela mídia ilude
muita gente da antiga classe média tradicional, consumidora voraz
e entediada de todos estes produtos que tanto deslumbra a nova
Classe C. O certo é que o de trás empurra o da frente e a fila anda:
enquanto a nova classe média descobre o turismo nacional, a antiga
310
classe média se encoraja e vai desbravar a Europa, lazer que era
exclusividade da elite.
Elite, eu? Sei apenas que, deslumbrado, estarei realizando
agora em abril/2012 o meu sonho de consumo de fazer um roteiro
turístico pela Europa Ibérica: Barcelona, Madri, Lisboa, Sevilha,
Algeciras, Tânger (África!), Granada e Paris. É um merecido prêmio
que me dou (pacote parcelado em dez vezes e pegando dinheiro
vivo emprestado para converter em euros) por ter tido persistência
suficiente para conquistar a tão almejada aposentadoria.
Europa, a primeira vez a gente nunca esquece!

11 - MEMÓRIAS DA VIAGEM DOS SONHOS

Fui, vi e voltei inflado. Estou mesmo sentindo o meu peito


estufado com as antiguidades e novidades que encontrei na
realização da minha “viagem dos sonhos”, programada desde a
muito tempo como um evento comemorativo pela conquista em
definitivo da libertária aposentadoria. Memórias de viagens é um
”gênero literário”, cabe ao estudante de Letras exercitar sempre
que tiver oportunidade. Esta é, pois, uma ótima chance.
...Depois de andarmos por Lisboa, pisar na África e circular
por quase toda a Espanha, de Madri voamos por sobre “os telhados
de Paris”, rumo à última e a mais complicada etapa da viagem: o
francês, a barreira do idioma. Paris tem uma dúzia de lugares
obrigatórios para o turista se fotografar neles, coisa que se faz
tranquilamente em três dias. A classe média brasileira invadiu a
Europa, especialmente Paris pelo seu nostálgico glamour chic. Entre
estes membros da classe média que estão indo atualmente à
Europa, se metendo de pato à ganso, tem o grupo dos “folgados”,
aqueles que juntam uma poupança todo mês e têm uma gordurinha
pra queimar...e navegam tranqüilo pelo Rio Sena. Tem outro grupo
que, para manter a pose em cima dos saltos, como eu, contam os
trocados no final de cada mês para não entrarem no saldo negativo
e não terem que pagar juros exorbitantes aos membros da classe
alta, aos banqueiros que são os agiotas donos do mundo capitalista
311
pós-moderno sem ideologias. Mas todos nós, os membros da classe
média brasileira na Europa, visitamos a Igreja de Notre Dame e não
damos esmolas para os corcundas pedintes do seu entorno.
O fato é que a gente fica amarrado em Paris, se prometendo
um dia voltar com mais tempo, e dá vontade de chavear este
compromisso acrescentando mais um cadeado aos milhares que
existem na ponte François Mitterrand sobre o Rio Sena...
Agora, caindo na realidade da minha classe social, entendo
perfeitamente por que se atribui o status de “realização de um
sonho” ao ato de se realizar grandes viagens, faz todo o sentido
quando ao voltar se totaliza os gastos e se percebe que pagamos,
para duas pessoas, o valor de um carro mile zero-Km (um Clio da
Renault ou um Ka da Ford) pra nos misturarmos com a elite por três
semanas.
De repente o fim da festa se anuncia, é hora da gente voltar
antes de virarmos abóbora novamente. Já?...Nem compramos
ainda as lembrancinhas para os parentes e amigos... Não há nem
vestígios de guilhotinas, foram substituídas por obeliscos e torres
nos souvenirs e nas praças. Distraídos, regado a vinhos,
champanhes e muita cerveja espanhola (Olé!), passamos a abstrair
as dificuldades de adaptação com as comidas pelos dois
continentes, quatro países e dez cidades que visitamos.
Mas, chegado o dia da viagem de 24 horas, o dia de
voltarmos para o nosso saudoso feijão preto com arroz e carne,
iniciamos a retirada em Paris às 5 horas da manhã de lá (que pelo
fuso horário de 5 horas no Brasil seria meia noite), com duas
conexões previstas (uma em Madri e outra em São Paulo).
Chegamos em casa à meia noite, que na Europa seria 5 horas da
manhã do dia seguinte, 24 horas depois, dá pra entender?...
Mas, retomando o que iniciei dizendo: Fui, vi e voltei
inflado. Valeu muito ter ficado endividado!

312
12 - MINHAS TANTAS VIDAS NESTA EXISTÊNCIA I

A Primeira e Maior Metade da Vida


Quem é você? - É o primeiro questionamento didático
formulado no curso para “aposentandos” (PPA) que a Prefeitura
está ministrando para preparar o pessoal que está em vias de se
aposentar, visando preparar-nos para a nossa “nova vida”. E as
respostas de auto-definição dos “idosos alunos” sempre começam
pela profissão ou cargo de cada um: eu sou engenheiro, arquiteto,
professor...e trabalho em determinado lugar.
As profissões e ofícios constituem universos específicos,
com seus ambientes, linguagens, rotinas e personagens
contextualizados no tempo e no espaço. No transcorrer das etapas
da vida, é comum irmos mudando de profissão na busca de
melhores salários e realização pessoal. Agora, com os meus cabelos
brancos, quando estes períodos em que exercemos distintas
profissões são relembrados à distância no tempo, parecem
episódios de outras vidas que vivenciamos ao longo desta
existência.
Quem sou eu? – Já fui muitos e diferentes eus.
No meu caso, o meu primeiro ofício foi o de gráfico, que
durou dos meus treze aos dezoito anos, se bem me lembro.
Comecei como ajudante geral da tipografia, uma espécie de Office-
boy; depois passei a ser “impressor auxiliar”. O impressor de
máquinas elétricas de operação manual era o cara que colocava
com a mão direita e simultaneamente retirava com a mão esquerda
folha por folha (de tamanho até duplo-ofício) de uma espécie de
mandíbula de ferro que se abria e se fechava ininterruptamente
movida por motor elétrico, onde se imprimia como se fosse um
gigantesco carimbo mecânico. Bastaria um vacilo do impressor, com
relação ao tempo do ciclo de abre e fecha da mandíbula, para os
dedos de suas mãos serem esmigalhados até a espessura de uma
folha de papel.
Só sei que passei por esta etapa e mantive todos os dedos
intactos, inclusive do perigo maior que era a guilhotina elétrica,
313
onde o impressor cortava as folhas de papel nos tamanhos
desejados. Da minha experiência de auxiliar de impressor, evolui
para impressor oficial de máquinas planas horizontais rotativas, que
possibilitavam a impressão de folhas grandes tipo jornal, sem mais
a ameaça das mandíbulas de ferro aos dedos do impressor.
Mas nesta minha existência como gráfico não exerci apenas
o ofício de impressor, aos poucos fui migrando para a profissão de
tipógrafo. Tipógrafo era o cara que juntava, letra por letra, os tipos
móveis feitos de metal (os mesmos com os quais Gutenberg
inventou a impressa em 1450) e montava manualmente os textos
das páginas para serem impressas, tais como cartões de visita, notas
fiscais, folhetos de propaganda e pequenas revistas e jornais de
entidades profissionais. Como tipógrafo não fiquei apenas como um
amador, fui buscar especialização no curso profissionalizante do
SENAI (onde o estudante ganhava metade de um salário mínimo ao
longo de todo o ano, de uma empresa que o contratava e onde o
estudante estagiava nas férias escolares: tenho carteira de trabalho
de menor assinada por dois anos pela Livraria do Globo, onde
trabalhou Érico Veríssimo!), pois pretendia seguir carreira no
parque gráfico e ascender ao mais bem pago ofício do ramo que era
o de “linotipista”. Linotipo era uma máquina sofisticada com teclado
e com uma caldeira de derreter barras de chumbo, uma espécie
extinta pré-histórica de computador, onde o linotipista fazia o
mesmo trabalho que o tipógrafo fazia manualmente letra por letra,
apenas que já expelia frase por frase inteiras em linguetas de
chumbo. Era uma máquina fantástica!
Mas, antes de eu poder realizar o meu sonho profissional,
veio o cataclisma evolutivo da impressão offset que, praticamente,
extinguiu com todos os ofícios dinossáuricos das gráficas; restando-
me apenas a vaidade de ter sido em uma vida passada como o
Machado de Assis: um tipógrafo.
Na era seguinte, da eletroeletrônica, naturalmente que
reencarnei na minha adolescência direto no oficio de eletricista,
buscando de imediato uma profissionalização na Escola Técnica
Parobé. Esta foi uma vida de buscar entender como as coisas do
314
mundo moderno funcionavam: do rádio à televisão, do telefone à
geladeira e do automóvel ao avião. Andei perseguindo os elétrons
pelas bobinas de fios dos transformadores e motores que movem a
civilização para um progresso tecnológico que, na época, migrava
do suporte eletromecânico para o eletrônico. De eletricista progredi
para técnico em eletrônica, e continuei a perseguir, na era do silício,
os elétrons que migravam dos circuitos valvulados para os
transistorizados e, rapidamente, destes para os circuitos integrados
e para o mundo pós-moderno dos chips.
Ao mesmo tempo que compreendi os mecanismos digitais
da modernidade, também compreendi que a aceleração
avassaladora com que este universo se movia e se renovava era
absolutamente incompatível com a essência contemplativa de
minha alma. Não cometi nenhum suicídio, mas tratei de me
transportar para uma outra vida em que eu me integrasse com mais
harmonia.
A minha vida seguinte como um jovem adulto, já num
mundo de acelerados progressos tecnológicos e de grandes
ameaças destrutivas do planeta, foi dedicada ao estudo e
compreensão das entranhas da Terra. Busquei compreender
geologicamente os seus sedimentos fósseis, sua ígnea formação
magmática e suas metamorfoses através do estudo da exploração
de suas jazidas minerais, ou seja, reencarnei como um aprendiz de
mineiro, materializado como um aluno de Engenharia de Minas da
UFRGS.
Após formado, já como adulto, aproveitei ao máximo o
título de engenheiro e de técnico em eletricidade para ganhar o
sustento da vida trabalhando no DMAE por 35 anos com exploração
de água, o que não deixa de ser um minério líquido aflorante a céu
aberto na capital gaúcha.

315
13 - MINHAS TANTAS VIDAS NESTA EXISTÊNCIA II

A Segunda e Menor Metade da Vida


Ah! Os 50 anos que me espreitavam logo ali adiante, atrás
das placas de sinalização de quilometragem desta auto-estrada de
altíssima velocidade em que escoamos nossas vidas, já ficou para
trás. Seus grandes olhos, outrora ameaçadores, já não se parecem
tão impiedosos e cruéis. Nem os cabelos estão tão brancos, nem a
pele está tão enrugada e nem a energia está tão esgotada, como eu
imaginava que estaria quando o visualizava de muito longe deste
ponto da linha do tempo. Naturalmente que para um jovem
adolescente o horizonte longínquo dos 50 anos já significaria a
extrema velhice do fim da vida, principalmente naquela época,
antes das academias de musculação, das cirurgias plásticas, dos
silicones e dos jeans que unificaram as indumentárias e
rejuvenesceram a aparência de todas as faixas etárias. Imagine o
que significava esta barreira do tempo para a minha geração que
teve a forte influência literária do livro O Lobo das Estepes, de
Herman Hess, cujo personagem central se havia prometido a
libertação das mazelas desta vida através do suicídio quando
chegasse aos 50 anos. Eu próprio reli este livro várias vezes, em
diferentes décadas de minha vida, mas não pretendo relê-lo agora
para não dar mole aos fantasmas do passado.
Como eu ainda nem consegui resolver o que eu quero ser
quando eu crescer, uma coisa é certa, ao invés de fazer uma simples
adaptação tipo “o que eu quero ser quando envelhecer?”, no
mínimo preciso reformular esta crucial questão para: afinal, quem
sou eu? O que eu realmente preciso para ser feliz nesta vida? Ao
invés de suicídio, estou planejando um renascimento para uma
nova vida com a vantagem de poder aproveitar este corpo, esta
vivência e esta identidade de Celso, sem precisar reaprender todo o
básico de novo, desde o bê-á-bá, em outra encarnação. Mesmo
assim é preciso agir rápido, pois esta segunda metade da vida é
geralmente menor que a primeira, pois poucos conseguem chegar
aos 100 anos!
316
Quem sou eu? Eis a questão! Como eu sou, como os outros
me veem e como eu gostaria de ser? Até então tenho sido um
personagem mais Kafkiano do que Shakespeariano, me debatendo
pela sobrevivência entre os pilares urbanos de uma sociedade
medíocre, oferecendo a mais valia do meu tempo em troca de
comida, diversão e arte. Mas será que, para quem sou eu, isto é
felicidade? Após quase meio século de convivência íntima comigo
mesmo (nem tão íntima assim), ainda não posso afirmar
peremptoriamente que sei quem sou eu, mas algumas necessidades
básicas minhas eu já posso enumerar com convicção. Não são
muitas, mas estas poucas já definem algumas características
peculiares da minha individualidade. Por ser uma “consciência
solitária no universo”, tenho prescindido de interagir mais
profundamente com as pessoas em geral, tem me bastado ter uma
interação com uma única pessoa que me beije a boca, faça sexo
comigo e que seja interlocutora inteligente e crítica para longas
conversas. Pareço ser uma Consciência simples e modesta? É, mas
o beijo e o sexo do qual preciso não são nada simples nem
modestos, pois eles precisam preencher todo o éter da solidão
partilhada a dois, no silêncio que há entre as longas conversas que
também não são nada simples e nem sempre tão amigáveis. E o
amor? Também neste campo tenho algumas pistas recolhidas pelo
caminho, pois a vida tem me propiciado a experiência do amor
incondicional, esta relação umbilical com os filhos, em
contraposição ao amor conjugal que é extremamente condicionado
e até conjuntural, conforme pude perceber nos três casamentos
que já tive até o momento. Se ontem fomos almas gêmeas, hoje
podemos ser dois estranhos, quiçá, inimigos...
Ao entrar na segunda metade da minha existência, num
tempo em que a humanidade toda estava se interligando pela rede
de internet através da informática e a automação estava
substituindo a mão de obra humana nas fábricas e escritórios, o
meu espírito assustado quis compreender melhor o pensamento
humano e, para tanto, conduziu a minha existência seguinte à de
engenheiro para o outro extremo, me levou a estudar filosofia por
317
dez anos. Queria saber o porque pensamos o que pensamos sobre
as coisas; saber o que é o pensamento, o que é o eu que pensa e o
que é o corpo que contém o eu que pensa.... Haja Sócrates, Platão,
Aristóteles, Descartes, Kant, Hegel, Nietzsche, Wittgenstein, Sartre
e tantos outros para me fazerem compreender com serenidade as
perspectivas possíveis de compreensão do sentido da vida e do
desespero humano diante da morte.
Quem sou eu hoje? Sou este ser composto pela experiência
acumulada de todas estas existências anteriores, que já foi tantos
outros “eus”, mas que mantém o fascínio e a persistência de
continuar construindo a sua identidade e cada vez mais revelando
as habilidades e as preferências naturais do seu verdadeiro eu (se é
que haja algum eu definitivo e permanente). Hoje como aluno do
Curso de Letras, trago a expectativa de que a Literatura possa vir a
ser a minha última existência, a que me possibilitará um estágio
prático no Paraíso Ficcional das Ideias de inspirações divinas
vivenciadas aqui mesmo na Terra. Caso contrário, se não for na
literatura o último estágio de evolução do meu eu, por quantas
vidas mais terei que perambular para assumir outras existências?
Quantos outros “eus” terei ainda que ser?...
Quem sou eu? – Um aposentaNdo que vive a expectativa de
a partir de meados de 2011 ter tempo disponível para finalmente se
dedicar ao que, mal ou bem, sempre fez ao longo de todas as suas
existências: ler e escrever!
Quem serei eu nos próximos anos? Um aposentado (ex-
engenheiro) estudante de letras.

14 - MINHA PRIMEIRA PREMIAÇÃO LITERÁRIA


26/NOV/2011
No mês de agosto passado, recebi um email institucional da
UFRGS comunicando sobre o “Concurso de Contos Caio Fernando
Abreu”, promovido pelos Institutos de Letras e de Artes em
conjunto com a Associação Gaúcha de Escritores (AGES). Logo
contos, pensei. Faz muito tempo que eu não me aventuro mais a
escrever ficção. Era uma chance de eu jogar a isca, pra ver se
318
beliscava alguma coisa! Mas como o prazo de inscrição era curto,
lembrei de imediato da crônica “Grenal Sem Fim”, que havia
publicado aqui no blog e que, mal ou bem, tem um pseudo
personagem que transpassa toda a narrativa e que, portanto,
poderia ser considerada como um conto. Tratei logo de providenciar
as sete cópias que eram exigidas para serem apreciadas pela
Comissão Julgadora quando, desatento, só então percebi que era
necessário inscrever no mínimo dois contos cada autor.
Tive que vasculhar no meu baú de escritos, dispersos em
arquivos, digitais ou em papéis datilografados, atrás de algum conto
antigo para preencher a cota. Encontrei dois textos da década de
noventa, o “Conquista Urbana” e o “Por um fio de Cabelo”. A julgar
pelo meu gosto, para cumprir a cota de dois contos no Concurso
Caio Fernando de Abreu, inscreveria os textos “Grenal Sem Fim” e
“Conquista Urbana”. Mas quem inscreve dois, inscreve três; era
permitido inscrever até quatro contos por autor. Foi o que fiz,
convencido desde o início que os dois últimos textos foram
garimpados apenas para atenderem ao regulamento. Joguei as três
iscas achando que deste mar não saía peixe. Imaginem, o concurso
era aberto a todos os alunos de graduação e pós-graduação,
docentes e servidores da UFRGS; em suma, se destinava ao universo
que reúne a maior densidade de praticantes da seita satânica de ler
e escrever, os chamados ratos de bibliotecas e livrarias.
Não acredito em bruxas, mas milagres acontecem. Em
meados de novembro, logo após o encerramento da Feira do Livro,
recebi um telefonema do Instituto de Letras me comunicando que
eu havia sido premiado com “Menção Honrosa” no concurso e que
estava sendo convidado para uma solenidade de premiação no
Palácio Piratini do Governo do Estado...Eu?...Não é trote?... Palácio
Piratini? Que chic!...
Passado o eufórico estado de surpresa, veio a pergunta:
qual texto foi o premiado? Não fiquei sabendo naquele momento.
Minha mulher apostava que o prêmio tinha sido dado ao conto “Por
um fio de Cabelo” e eu continuava convencido que o “Grenal Sem
Fim” era o único que tinha potencial para que a Comissão Julgadora
319
mordesse a minha isca. Assim foi que, feito num baile de conto de
fadas, penetrei fundo pelos imponderáveis ambientes de castelos
medievais do Palácio Piratini, pelos pátios com vistas para a Catedral
e para o Guaíba, até acessar ao mitológico Galpão Crioulo do
Palácio, local tradicional dos festejos dos detentores do poder
gaúcho de cada momento histórico.
Então, feito a Gata Borralheira, de repente eu estava
inserido de igual para igual com os grandes escritores gaúchos que
são ou foram membros da diretoria da AGES. Na mesa principal,
como cicerones, o Governador e escritor Tarso Genro e o Secretário
de Cultura e escritor Luiz de Assis Brasil e, entre os atuais diretores
da entidade, a professora Jane Tutikian, patrona da Feira do Livro
2011, que fizeram seus discursos enquanto jantávamos peixe
assado no espeto com espumantes e vinhos da safra gaúcha. O
microfone ficou liberado ao público e nomes dos fundadores e
destacados escritores e poetas sócios da AGES foram lembrados e
homenageados, tais como Celso Pedro Luft, Ivette Brandalise, Ivo
Bender, Kenny Braga, Laci Osório, Luiz Antônio de Assis Brasil, Luiz
Coronel, Luiz de Miranda (primeiro presidente da Associação), Luiz
Pilla Vares, Lya Luft, Mário Quintana, Moacyr Scliar e outros tantos,
alguns presentes e outros já falecidos.
A bem da verdade, esta pompa cerimonial toda não se
destinava exclusivamente ao concurso de contos da UFRGS/AGES,
mas principalmente à premiação, com uma escultura de Lília
Manfrói, dos Vencedores do tradicional “Prêmio AGES Livro do
Ano”, em que é feita a eleição em várias modalidades pelos sócios
da entidade. Por sorte nossa, os novatos que entramos de gaiato no
navio, calhou de participarmos deste encontro especial, justamente
quando a AGES estava comemorando seus 30 anos de existência, e
todos os escritores e poetas presentes estavam animados com o
fortalecimento e o prestígio denotados pelo atual Secretário
Estadual da Cultura, que é do meio.
Recebi o meu diploma de Menção Honrosa das mãos da
presidenta da AGES, Maria Eunice, e os cumprimentos do Luiz de
Assis Brasil e do governador Tarso Genro na mesa do cerimonial. Saí
320
deste ambiente encantado com a promessa de que as obras
vencedoras vão ser publicadas em livro. Mais uma vez a intuição de
leitora e revisora da minha mulher funcionou mais do que a minha,
o conto premiado foi mesmo o “Por um fio de cabelo”. Mas antes
que a minha carruagem voltasse a se transformar na abóbora real
da minha rotina de poeta e cronista blogueiro e de mero aspirante
ao status de escritor com livro publicado, saí pelas escadarias do
palácio sonhando com a habilitação de poder vir a ser um membro
da intelectualidade gaúcha, de vir a ser um sócio da AGES.
Espero que esta premiação sirva de respaldo qualitativo
para que consigamos que o DMAE seja o patrocinador para a
publicação do almejado livro de crônicas deste blog “Diário de
Obras de um AposentaNdo”, assim como certamente vai servir de
estímulo para que eu volte a escrever contos para um próximo
blog... me aguardem!

15 - A LÍNGUA ESCRITA NA MINHA VIDA

A língua escrita, até a minha adolescência, era uma mera


codificação da língua falada feita para que pudéssemos estudar as
coisas da vida e do mundo, tais como história, geografia e até
matemática, que eram os temas que realmente importavam para
passarmos de ano no colégio. Escrever só servia para copiar as coisas
que as professoras escreviam aos montes no quadro. Para tanto,
além de decorarmos as fórmulas de cálculos, as datas dos grandes
acontecimentos e os nomes dos países e suas respectivas capitais,
tínhamos que também saber as regras da gramática para não sermos
reprovados e termos que estudar todas as fórmulas, datas e nomes
de novo por causa das malditas leis gramaticais da língua portuguesa
culta. Então inventei o seguinte maçete de decoreba que me foi
muito útil nos concursos e vestibulares: as palavras Proparoxítonas
são acentuadas quando terminadas em “Uns Xiru(s) não L(um)ã Ps”.
No meu “adolescer” no final da década de 1960, a partir dos
meus quinze anos de idade, busquei ter um ofício pra ganhar a vida
e fui ser tipógrafo formado pelo SENAI: manusear a língua escrita
321
juntando, letra por letra, os tipos móveis feitos de metal, inventados
pelo Gutenberg antes da “descoberta” do Brasil. Tipógrafo, como foi
Machado de Assis, trabalhei em gráficas montando manualmente
os textos das páginas para serem impressas, tais como cartões de
visita, notas fiscais, folhetos de propaganda e pequenas revistas e
jornais de entidades profissionais.
Nesta época, de tanto ouvir música popular brasileira no
radinho de pilhas, passei a decorar as letras das canções (a maioria
das quais eu sei as letras de memória até hoje), foi quando comecei
a me interessar em também escrever alguns versos. Eis que surgiu a
língua escrita como um instrumento de manifestação pessoal na
minha vida, com todos os seus dilemas de certo e errado, de como
é que se escreve tal palavra e quais suas concordâncias e regências
em gêneros, número e grau. Total, como eu não tinha acesso a livros
e dicionários, intuitivamente escrevia versos do mesmo jeito e
formatos das letras das canções. Tanto fazia para mim se escritos
“certos ou errados”, pois meus versos estavam mesmos destinados
a serem engavetados num arquivo morto de sensações pessoais
registradas no papel, como anotações de uma terapia de autoajuda
para compreensão do mundo.
A partir da primeira metade da década de 1970, depois que
saí do internato, onde estudei o curso primário, da onde fui para o
mundo aberto conquistado pela prova que havia de admissão ao
curso ginasial, um vestibular da época. Entrei no Senai, e daí para o
curso técnico científico de segundo grau, sempre em escolas
públicas, quando passei a ter acessos a livros e a desenvolver o gosto
também pela leitura de jornais. Nos jornais procurava ler sobre
política no CooJornal e Pasquim, mas não entendia quase nada. Nos
livros, inicialmente me interessei pelos dos poetas modernistas, os
quais me mostraram que eu sempre estive intuitivamente certo por
achar que se exigir métricas em poemas era um absurdo, uma forma
elitista de não permitir que qualquer um se lançasse a escrever
poesias como se poeta fosse. Foi quando adquiri a minha primeira
máquina de datilografia e passei a organizar os meus escritos em
livretos tipo fanzine, o que continuo fazendo artesanalmente até
322
hoje. Ainda na juventude, com um pouco de leituras de escritores
como Eça de Queiroz e Graciliano Ramos, peguei gosto por me alçar
a escrever também contos, crônicas e diários; igualmente todos
destinados ao arquivo morto dos meus escritos engavetados.
No vestibular em 1979 preferiria Jornalismo ou Letras, mas
fiz a minha opção de ser engenheiro para ganhar a vida e me tornei
bixo da UFRGS, mas só me formei uma década depois, devido aos
meus envolvimentos prioritários em militâncias políticas. Nesse
período, em que ocorria a luta pela redemocratização do país na
década de 1980, exerci intensas atividades de escritas elaborando
as atas do Núcleo de Base Jardim Botânico de fundação do Partido
dos Trabalhadores, e nos boletins informativos do movimento de
sindicalização da categoria dos municipários de Porto Alegre.
Evidentemente que, durante toda a minha carreira de
engenheiro, até me aposentar no início da década de 2010, mantive
viva na clandestinidade a minha relação artesanal com a língua
escrita, sempre produzindo versinhos e textos pro baú da gaveta.
Por outro lado, sempre busquei agregar as funções de escrever
relatórios e pareceres de engenharia, como uma especialidade
funcional minha, nas quais eu juntava o útil ao agradável, por
aproveitar o meu lado B, o meu gosto pelo manuseio com as letras
e pelo uso da língua na escrita como uma ferramenta de trabalho.
Inclusive até cursei gratuitamente Jornalismo na PUC durante
alguns semestres, mas tive que abandonar o curso devido ao fim da
bolsa do convênio com a empresa que eu trabalhava, mas saí
convencido que a língua escrita do jornalismo não era a minha praia.
O engavetamento compulsório dos meus escritos de fato só
deixou de ocorrer depois do surgimento do mundo maravilhoso dos
blogs no século XXI do novo milênio, quando a internet possibilitou
o desengavetamento geral, na medida em que democraticamente
qualquer indivíduo passou a poder colocar os seus textos artesanais
na roda virtual de possíveis leitores internautas. Desde então, caras
como eu (que gostam de escrever sem pretensões de se
profissionalizarem como poetas e nem de se tornarem bem
sucedidos cronistas de jornais ou escritores) já podem bater sua
323
bolinha como amadores da várzea das letras, agora com a
possibilidade de algum público do ciberespaço acessar seus escritos.
Sou um exemplo desse milagre, pois até os meus blogs pessoais, de
prosas e poemas, especialmente o “Diário de Um Aposentando”, já
tiveram mais de 50 mil acessos. Quem diria, desengavetei meus
escritos e realizei o meu sonho “impossível” de ser lido.
Posteriormente à minha aposentadoria, novamente como
estudante, mas finalmente como estudante do Curso de Letras da
UFRGS, tive até um momento de celebridade literária no final de
2011, quando fui premiado com “Menção Honrosa” no “Concurso
de Contos Caio Fernando Abreu”, promovido pelos Institutos de
Letras e de Artes da UFRGS, em conjunto com a Associação Gaúcha
de Escritores (AGES), numa pomposa solenidade de premiação no
lendário Galpão Crioulo do Palácio Piratini, com as diplomações
entregues pelo Governador do Estado Tarso Genro e pelo Secretário
de Cultura, o escritor Assis Brasil.
A propósito, desde quando entrei na Letras em 2010, eu
vinha acompanhando a polêmica sobre “preconceito linguístico”
gerado pelo livro Por Uma Vida Melhor, patrocinado pelo MEC e
destinado ao Ensino de Jovens e Adultos (EJA). Houve um debate
nacional na mídia e nas redes sociais sobre o preconceito linguístico
no Brasil. Tanto que as dicas dos cursinhos para os exames do ENEM
na época era de que “Aquele que engole os esses, que não conjuga
o verbo na segunda pessoa e que flexiona o verbo haver no plural
está falando português também, embora em uma variedade distinta
da norma culta.” Desde então fiquei com esta pulga do preconceito
linguístico coçando atrás da orelha e fui buscar ajuda nos mestres
universitários nas colunas de jornais (nos professores Juremir
Machado, Moreno, Fischer e Paulo Guedes).
Foi assim, trilhando pelas pegadas dos mestres
universitários, sem acatar acriticamente seus “carteiraços de
especialistas”, mas precisando desesperadamente afrouxar o
sufoco do “crachá de preconceituoso linguístico” que tinha ficado
enroscado no meu pescoço, que naquela época acabei comprando
o tal livro divisor de águas do Marcos Bagno, Preconceito Linguístico
324
– O que é, como se faz. O cara tripudiou, escancarou o meu
preconceito enrustido em túnica de bom samaritano; me deu nos
dedos, feito uma palmatória! Doeu, mas o convencimento da minha
“culpa” foi feito com bons e contundentes argumentos.
O professor Paulo Coimbra Guedes, o maior militante em
pesquisa da UFRGS em oralidade na língua escrita, respeitado
nacionalmente e autor de vários livros sobre as nuanças das escritas
reais dos brasileiros, usos que vão muito além das equivocadas e
bitolantes regras gramaticais tradicionais, diz que “estilo” é o que
transgride o uso. Mestre engajado, que foi um fervoroso militante
em aula e nos atos de protestos de rua contra o Golpe Parlamentar
na presidenta Dilma ocorrido naquele semestre, em sua avaliação
final da disciplina sobre este meu texto “A Língua Escrita na Minha
Vida”, ao devolver o meu trabalho com a nota A, comentou em
classe sinteticamente como é seu estilo: O Celso é um militante da
escrita! - Baita elogio, valeu mestre Paulo Guedes por me dar asas
pra voar livremente para além das grades das regras tradicionais da
escrita.

325
ÍNDICE GERAL DA VERSÃO IMPRESSA ORIGINAL:
MEMÓRIAS DO BLOG DIÁRIO DE UM APOSENTANDO MEMÓRIAS DO BLOG DIÁRIO DE UM APOSENTANDO MEMÓRIAS DO BLOG DIÁRIO DE UM APOSENTANDO
I - MEMÓRIAS PESSOAIS II - MEMÓRIAS MUNICIPÁRIAS III - MEMÓRIAS LITERÁRIAS
Índice: Índice: Índice:
1 - O LIVRO DO BLOG DIÁRIO DE UM APOSENTANDO 1 - BARNABETISMO DMAEANO 1 - AS DIFERENTES IRMÃS GÊMEAS
2 - AVISO PRÉVIO 2 - CONSULTA JURÍDICA 2 - ODISSEIA COTIDIANA
3 - UM SONHO DE LIBERDADE 3 - BANCO DE PRAÇA 3 - ODISSEIA DOS ETERNOS GRENAIS
4 - 50º ANIVERSÁRIO DO AMIGO KONRAD 4 - O CABALÍSTICO NÚMERO 95 4 - O FILÓSOFO DO AMOR & OS EVENTOS PAPO-CABEÇA
5 - CINQUENTENÁRIO 5 - SENTENÇA CUMPRIDA 5 - A MALDIÇÃO DAS RENÚNCIAS DOS PREFEITOS
6 - O FOTÓGRAFO DA MANUTENÇÃO 6 - UMA CATEGORIA EM EXTINÇÃO 6 - COPA DO MUNDO SEM MANDELA
7 - AS GARÇAS NO DMAE 7 - QUASE UMA GRANDE FAMÍLIA 7 - JOGOS INFANTIS DE ADULTOS
8 – - DOIS DIAS DE FOLGA 8 - A ÚLTIMA NOVA MISSÃO 8 - A PRIMEIRA PRESIDENTA DO BRASIL
9 – VOLTA CONTENTE DAS FÉRIAS 9 - NATAL E METAS FÍSICAS 9 - TROPA DE ELITE 2: O INIMIGO AGORA É OUTRO
10 - O ÚLTIMO DIA DE CADA DIA 10 - O ACHADO DE NATAL 10 - ATEUS, O MOVIMENTO DOS SEM FÉ
11 - A VOLTA DO FÓRUM SOCIAL MUNDIAL 11 - BRINDE AO APOSENTANDO 11 - FILMES PARA ENXAQUECAS ESPIRITUAIS
12 - AVISO DE JUBILAMENTO 12 - A REVELAÇÃO DO MESTRE 12 - A ALIENAÇÃO ESTÓICA DE UM APOSENTADO
13 - PLANO CONTRA O TÉDIO NA APOSENTADORIA 13 - A VIRADA DE ANO 13 - A ÚLTIMA TOURADA EM BARCELONA
14 - OS BIXOS DO LISTÃO DA UFRGS 14 - DESOBEDIÊNCIA CIVIL AO CREA 14 - PAIXÃO NACIONAL: NINA CONTRA CARMINHA!
15 - O ALVORECER DE UM LITERATO 15 - O MEU PEDIDO DE DEMISSÃO 15 - O TATU DA COPA E A DEMOCRACIA PARTICIPATIVA
16 - OS APOSENTADOS PRÉ-DIGITAIS & OS PÓS-MODERNOS 16 - A MALDIÇÃO DA INSALUBRIDADE E DAS HORAS-EXTRAS 16 - LUPICÍNIO FOI ASSIM: UM SAMBISTA DE BOMBACHAS
17 - BUDISMO, MEDITAÇÃO & PÃES QUENTINHOS 17 - AR CONDICIONADO GRÁTIS 17 - AS VOZES DAS RUAS EM JUNHO DE 2013
18 - NÓS E O ANIVERSÁRIO DA NOSSA CIDADE 18 - O DIREITO DOS ESTUDANTES DAS UFRGS NO DMAE 18 – PELA LEGALIZAÇÃO DA MACONHA
19 - DO NÚCLEO-JB AO VOTO VERDE 19 - A VENDA DA FOLHA DE PAGAMENTO 19 - OS CERCOS DE LISBOA E DE PORTO ALEGRE
20 - COMO PEÇAS DO QUEBRA-CABEÇA DA VIDA 20 - MUNICIPÁRIOS AMPARADOS NA AMPA 20 - UM FURACÃO EM NOSSAS VIDAS
21 - OS NOSSOS GUIAS DE FÉRIAS EM MACEIÓ 21 - AS SIGLAS DOS SISTEMAS INFORMATIZADOS
22 - O CASO DO SUMIÇO DA DEDÉ 22 - QUARTA-FEIRA DE CINZAS
23 - EM MEMÓRIA DE FÁTIMA SILVELLO 23 - O CAMINHO DOS APOSENTADOS DO DMAE
24 - RESGATE DE UM MINEIRO FEITO PELA ETEL 24 - VULGOS QUI-QUI-QUI, CACHORRO, BOCA E FAÍSCA
25 - COTIDIANO EM BODAS DE PORCELANA COM A MAGDA 25 - OCASO DO MONTEPIO DOS MUNICIPÁRIOS
26 - O PARADOXO DO TEMPO 26 - SÍNDROME DA CAIXA DE EMAILS VAZIA
27 - DA FEBEM À FASE: OS FILHOS DA FLORESTA 27 - AS FALTAS DA DONA MALVINA
28 - AS CINZAS DO SARAMAGO E AS MINHAS 28 - ASTEC & OS CAPACETES BRANCOS
29 - LULA E EU: OS FILHOS DO BRASIL 29 - DA BAIXA À ALTA HOSPITALAR DO MATTOS
30 - CAMINHANDO CONTRA O VENTO NUM RETROPICALISMO 30 - AO DIA MUNDIAL DA ÁGUA
31 - O DIA QUE EU VI UM BEATLE 31 - O PGQP NO BOLSO DOS FUNCIONÁRIOS
32 - MINHAS FILHAS GANHAM BOLSAS DE ESTUDO DO DMAE 32 - REVISANDO O PLANO DE FUGA
33 - O PRIMEIRO ANIVERSÁRIO DO BLOG 33 - RESTRUTURAÇÃO DO DMAE: O FRANKENSTEIN ESPETACULAR
34 - O DIA EM QUE VI UM RINPOCHE 34 - O IMPERADOR, O HIPPIE E O MENDIGO
35 - RELATO DE UMA EMOÇÃO FORTE 35 - SALVEM AS PROFESSORINHAS!
36 - O MEU DISCURSO DE REI GAGO 36 - A QUESTÃO DA SOCIALIZAÇÃO NO TRABALHO
37 - MINHAS FÉRIAS DE FINAL DE CARREIRA 37 - FATALIDADES, REALIZAÇÕES, RETROCESSOS & PREDESTINAÇÕES
38 - MINHAS TANTAS VIDAS NESTA EXISTÊNCIA I 38 - RESPONSABILIDADES TÉCNICAS – O INÍCIO
39 - MINHAS TANTAS VIDAS NESTA EXISTÊNCIA II 39 - FAROESTE MATUNGO
40 - NÓS, OS EXPURGADOS DO PT 40 - GUERRA DE TITÃS PELO SENTIDO DA VIDA
41 - O ROL DOS MEUS POEMAS FAVORITOS 41 - OS NOSSOS MORTOS DA DVM
42 - O SENHOR DAS MOSCAS VOLANTES 42 - HOMENAGEM AOS COLEGAS DA ASSEC
43 - OFICINAS LITERÁRIAS EM HORÁRIO DE EXPEDIENTE 43 - PREPARAÇÃO PARA APOSENTADORIA (PPA)
44 - O QUE UM APOSENTADO FAZ COM O SEU TEMPO? 44 - PITINGA, O TEU POVO TEM ÁGUA!
45 - LISTA DE 100 COISAS PARA FAZER NA APOSENTADORIA 45 - A RODA DE CHIMARRÃO DA MANUTENÇÃO
46 - OS APOSENTADOS PRÉ-DIGITAIS & OS PÓS-MODERNOS 46 - O CARIMBADOR MALUCO
47 - AGENDA DE JULHO DE UM APOSENTADO 47 - O PAULO BUGIO FEZ 60 ANOS
48 - A ESTÉTICA DO FRIO: 30 ANOS DE MÚSICA NA REITORIA 48 - O “APITA JOÃO!”
49 - CRÔNICA DA FALTA DE ASSUNTO 49 - INVENÇÕES COM O HARTMUT E O JOÃOZINHO
50 - ELIS VIVE EM MEUS DELÍRIOS 50 - CAFURINGA: O HOMEM QUE FALA SOZINHO
51 - AGORA EU SOU UM APOSENTADO! 51 - O ARMANDINHO DENTISTA
52 - BLOGAR OU PUBLICAR LIVROS? 52 - DEMISSÕES A BEM DO SERVIÇO PÚBLICO
53 - MINHA PRIMEIRA PREMIAÇÃO LITERÁRIA 53 - SE FICAR OU CORRER O BICHO PEGA IGUAL?
54 - DESEJOS PARA 2012 54 - AEAPOPPA: RELATO DE UMA ELEIÇÃO
55 - LEITURAS DE UM APOSENTADO DESORIENTADO 55 - O TOCADOR DE VIOLINO DA MANUTENÇÃO
56 - MUSICAS FAVORITAS PRA SE OUVIR NO CARRO 56 - MINHAS FILHAS GANHAM BOLSAS DE ESTUDO DO DMAE
57 - A CLASSE MÉDIA VAI À EUROPA 57 - OS CAMPEÕES DE TUDO
58 - MEMÓRIAS DA VIAGEM DOS SONHOS 58 - A GRANDE FAMÍLIA: PAIS & FILHOS & CASAIS NO DMAE
59 - LANÇAMENTO DO BLOG BRECHÓ DE POEMAS 59 - CORAL & CURTAS NO DMAE
60 - CHEGA 60 ANOS! 60 - CURTA: OS SOBREVIVENTES DA GARGANTA DO DIABO
61 - NELSON RODRIGUES: O REACIONÁRIO INTELIGENTE 61 - RELÓGIO PONTO ELETRÔNICO
62 - O NOVO VELHINHO DA FEIRA DO LIVRO 62 - QUANDO OS ENGENHEIROS COMEÇARAM A BATER PONTO NO DMAE
63 - LER ULISSES: AS OLIMPÍADAS DE UM APOSENTADO 63 - REFLEXÕES SOBRE ESTRATÉGIAS DE PRÉ-APOSENTADORIA
64 - DESEJOS PARA 2013 64 - O “CASE DVM” & O DIA QUE ANDEI DE BALÃO
65 - CASAS GERIÁTRICAS: PRA LÁ VAMOS TODOS? 65 - VERGONHA: O DMAE NÃO SEPARA O SEU LIXO SECO!
66 - QUANDO SOMOS PAIS DE NOSSOS PAIS 66 - DESCONTOS NO FINAL DO SEGUNDO TEMPO
67 - O URSO HIBERNADO NO TEMPO 67 - CHÁ E ELEIÇÕES DE CHEFIAS NO DMAE
68 - CANCÚN - O CARIBE DOS BRASILEIROS 68 - AS ELEIÇÕES DE CHEFIAS NO DMAE
69 - MEUS CAMINHOS DO CENTRO DE PORTO ALEGRE 69 - O ÚLTIMO DIA COM AS CARAS DO DMAE
70 - FECHOU-SE A CORTINA: RONALD RADDE & PEDRO WAYNE 70 - A HORA DE PENDURAR AS CHUTEIRAS
71 - A LÍNGUA ESCRITA NA MINHA VIDA 71 - MEU ALVARÁ DE SOLTURA & A GREVE
72 - CARTA PARA O MEU NETO LER QUANDO CRESCER 72 - SE APOSENTAR OU NÃO? – VOCÊ DECIDE!
73 - OS CAPACETES BRANCOS E A BATALHA FINAL
74 - AGORA EU SOU UM APOSENTADO!
75 - O DOPA VERDE
76 - ACOLHEDORA DE GATOS DE RUA
77 - GALOS DE ENCRUZILHADAS NO DMAE
78 - Mensagem a Um Jovem Engenheiro
79 - UM ANO SEM CARTÃO PONTO
80 - NOVA FASE DO BLOG: PRÓ-LIVRO DO DIÁRIO!
81 - DOIS ANOS SEM CARTÃO PONTO
82 - REAJUSTES & PORTABILIDADES SALARIAIS
83 - BALNEABILIDADE AO GUAÍBA, JÁ!
84 - MANIFESTO AOS ASSOCIADOS DA AEAPOPPA
85 - OS QUATRO DINOSSAUROS DA MANUTENÇÃO
86 - A MADRINHA DA MANUTENÇÃO DO DMAE
87 - O ÚLTIMO ANIVERSÁRIO DA MADRINHA DA DVM NO DMAE
88 - A MADRINHA DA DVM SE APOSENTOU, ACREDITEM! (III)
89 - O ÚLTIMO DIA DA ÚLTIMA SEMANA DO ÚLTIMO ANO
90 - A EXTINÇÃO DO ÚLTIMO DINOSSAURO
91 - A ÚLTIMA CASCA DE BANANA DO ÚLTIMO DINOSSAURO
92 - UM ESTRANHO NO NINHO DO DMAE & o FIM DA AFM
93 - A ILUSÃO DA PARIDADE NA APOSENTADORIA
94 - A EMPULHAÇÃO DO ABONO PERMNANÊNCIA
95 - PLANO DE CARREIRA & EFEITO CASCATA
96 - GREVE CONTRA O EFEITO CASCATA DE PERDAS SALARIAIS
97 - OS SONHOS FRUSTRADOS DE DOIS APOSENTADOS DO DMAE
98 - HISTÓRICO E RISCOS DAS APOSENTADORIAS NO PREVIMPA
99 - A VOZ DA EXPERIÊNCIA DOS APOSENTADOS DO PREVIMPA
100 - CRÔNICA DA MORTE ANUNCIADA DA AFM
101 - O ÚLTIMO CONTRACHEQUE EM PAPEL

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