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OMIrEDeniOsS Educacao e valores Ulisses F. Araujo Josep Maria Puig Dados Internacionais de Catalogacao na Publicacao (CIP) (Camara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Aratijo, Ulisses F. Educagao e valores : pontos e contrapontos / Ulisses F. Aradjo, Josep Maria Puig; Valéria Amorim Arantes, organizadora. — Sao Paulo : Summus, 2007. — (Colecao pontos e contrapontos) Bibliografia. ISBN 978-85-323-0335-6 1. Desenvolvimento moral 2. Educagao moral 3. Valores (ética) I. Aradjo, Ulisses F. II. Puig, Josep Maria. III. Arantes, Valeria Amorim. IV. Titulo. V. Série. 06-9265 CDD-370.114 indice para catalogo sistemético: 1. Educagao em valores éticos : 370.114 LB. ed Compre em lugar de fotocopiar. Cada real que vocé da por um livro recompensa seus autores e 0s convida a produzir mais sobre o tema; incentiva seus editores a encomendar, traduzir e publicar outras obras sobre o assunto; @ paga aos livreiros por estocar e levar até vocé livros para a sua informacao e o seu entretenimento. Cada real que vocé da pela fotocépia nao autorizada de um livro financia um crime e ajuda a matar a producao intelectual em todo o mundo. Aprender a viver - Josep Maria Puig OG SAG) sisson eR RT (Ohni patny la inenalidad it essere eee ater Nem acabados nem programados Quatro éticas para aprender a viver Aprender a ser... 0.2.2.0... 0200 c ee ee eens Aprender a conviver Aprender a participar ... . Aprender a habitar o mundo . . ax Compartilhamos alguma qualidade moral? ............. 76 Aprender a viver num mundo plural, multicultural e global 2.22... ee eee eee 76 E conveniente e possivel uma educagio em valores PRAT ASAIO SAINI Sones sce. aysesessncenesenstaenempetsensmecrsenensceds 77 Compartilhamentos minimos: enraizamento e abertura para o outro Dinamismo da intersubjetividade Gomoxediicarem valores? oawsccun maaan mend Vi ivas d 4 | para 0 OD ago “eis mond Bes REG 8 ete wed Seca Via interpessoal Via curricular... . . Via institucional . . . 4 Bs Para um projeto de educacdo em valores .............. 99 Dez propostas Referéncias bibliogrificas .. . . PARTE Il - Pontuando e contrapondo........... 107 Ulisses FE Aratijo Josep Maria Puig PARTE Ill - Entre pontos e contrapontos......... 141 Ulisses F Araujo Josep Maria Puig Valéria Amorim Arantes Apresentacdo Valéria Amorim Arantes* Na educagéio moral ndo se trata de mostrar modelos, porque a reprodicao, a cépia ¢ a fotocépia matam a vida. Adela Cortina, O fazer ético: guia para a educacao moral, Sio Paulo: Modema, 2003, p. 71 O binomio educagao ¢ valores, presente no titulo desta obra, re- mete-nos as complexas e controversas relagGes do ser humano con- sigo mesmo e com a sociedade em que vive. Compreender 0 que so valores e como cada um e todos os seres humanos se apropriam da cultura e se inserem eticamente no mundo faz parte do rol de preocupagées daqueles interessados em estudar 0 citado bindmio e * E docente da graduagio ¢ da pos-graduagio da Faculdade de Educagio da Universidade de Sao Paulo e coordenadora do Ciclo Basico da Escola de Artes, éncias e Humanidades da Universidade de Sio Paulo. 9 VALERIA AMORIM ARANTES (ORG.) suas possiveis relacdes. Afinal, os valores seriam inatos, herdados ge- neticamente, transmitidos pela cultura ou resultariam de interagdes complexas entre as pessoas e o mundo/cultura em que elas vivem? Tal indagacao, apesar de nio ser recente, permanece atual e ocupa © centro das atengdes de psicdlogos, socidlogos, filésofos, edu- cadores, pais e todos aqueles preocupados com a formagio ética das hovas geragdes ¢ a construgio de sociedades mais justas E no que tange 4 educagdo moral? Como concebé-la, entio? Longe de ser algo dado de antemao, a educagio moral conce- bida como processo de construgao visa formar sujeitos que pen- sem, julguem, criem, critiquem, elaborem, reconhegam, decidam por si mesmos etc. Admitir essa vertente aut6noma da moralidade humana nio significa, porém, negé-la como produto cultural ¢ social. Trata-se de reconhecé-la como um processo complexo, constituido de diferentes aspectos — sociais, culturais, psiquicos, politicos ete. —, ¢ as imameras relagdes entre todos eles. E nessa perspectiva que nasce o didlogo entre os autores Ulisses Aratjo, professor livre-docente da Universidade de Sao Paulo, e Josep Puig, catedratico da Universidade de Barcelona (Espanha), no livro que ora lhes apresento. Seguindo a proposta editorial da colegdo Pontos e Contrapon- tos, Educagao e valores, este terceiro livro da série foi escrito em trés etapas diferentes e complementares, ¢ levou aproximadamente um ano para ser concluido. Na primeira, que corresponde a Parte I, cada um dos autores produziu um texto apresentando e susten- tando seus pontos de vista sobre a tematica em questio. Apés leitura cuidadosa e critica sobre o texto de seu parceiro de dialogo, coube a cada um deles formular quatro questées que, de alguma maneira, pontuassem davidas e/ou eventuais dis- 10 EpuCAGAO E VALORES: PONTOS F CONTRAPONTOS cordancias sobre as idéias contidas no referido texto. De posse de tais questdes, era o momento de o autor esclarecer, explicar, defender, demarcar, rever, repensar e/ou reconsiderar suas idéias, com 0 objetivo claro de pontuar e/ou contrapor as colocages de seu interlocutor. Essa foi a segunda etapa do trabalho, cujo pro- duto esta na Parte II da obra. Por fim, a terceira etapa do trabalho consistiu na elaboragao, por parte da coordenadora da colegio e mediadora do diilogo, de quatro perguntas comuns para os dois autores. Tais perguntas, preparadas com base nos pontos convergentes ¢ divergentes do didlogo até aquele momento, compdem, juntamente com as res- pectivas respostas dos autores, a Parte III da obra. Na primeira parte do livro, Ulisses Araujo elegeu, como pon- to de partida, discorrer sobre os processos psicolégicos da cons- trucao de valores. Tais processos, situados na interface da psicolo- gia com a educagio, foram abordados 4 luz de teorias da complexidade, que sustentaram, também, suas reflexdes sobre os procedimentos e estratégias educacionais. Josep Puig, por sua vez, iniciou seu texto discorrendo sobre a origem da moralidade e o concluiu apresentando-nos propostas concretas para arraigar a educacdo em valores nas instituicGes escolares. Neste percurso, instiga-nos a pensar, no contexto de uma sociedade plural, multi- cultural e global, na conveniéncia ou nio de termos, na busca de uma vida melhor, critérios morais comuns. Demarca, também, os diferentes A4mbitos de intervencdo que um projeto de Educacao em Valores deve contemplar. Na segunda parte do livro — Pontuando e contrapondo -, entre outras questées, Ulises Aratijo sugere a Josep Puig que adentre o ambito psicolégico dos valores, interrogando-lhe so- 1 aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. EDUCAGAO E VALORES: PONTOS FE CONTRAPONTOS Cada reflexio e didlogo estabelecidos durante a producao deste volume exigiu dos autores disposi¢io e competéncia para transitar por diferentes disciplinas e campos do conhecimento. Mais ainda, exigiu-Ihes coragem para fazé-lo sem ter 0 caminho definido previamente. Parafraseando Edgar Morin, Ulisses Aratijo ¢ Josep Puig aceitaram fazer 0 caminho enquanto se caminha. Ness construcao de valores, a influéncia da afetividade em tais proces- caminhar, debateram os processos psicologicos que levam a sos, o papel da religiao na educagio moral, o relativismo e 0 uni- versalismo moral, 0 conceito de inteligéncia moral e, ainda, a eterna crise de valores de que algumas pessoas afitmam padecer a sociedade contemporanea. Produziram, portanto, muito mais que um texto sobre educacio em valores. O titulo tem, pois, o intuito de fazer jus a um didlogo cons- truido de forma ampla e complexa. Um diadlogo que aponta limi- tes, pontos e contrapontos sobre temas fundamentais para a cons- trugio de uma educago que vise 4 formagio ética ¢ moral das futuras geracdes. Um didlogo que nos permite relacionar edu- cagio e valores. Mas, acima de tudo, um diilogo comprometido com a busca de uma vida mais digna, justa ¢ feliz para todos nés. PARTE | Educacao e valores Ulisses F Ararijo Josep Maria Puig A construgao social e psicoldgica dos valores Ulisses FE Aratijo Introducgao Escrever um texto sobre educacdo em valores é uma oportunida- de impar de sistematizar idéias, projetos e pesquisas que venho publicando nos Ultimos anos tendo essa tematica como foco cen- tral. Fazé-lo em formato de dialogo com o professor Josep Puig torna este trabalho ainda mais significativo, por ser ele um dos au- tores mais importantes nesse campo do conhecimento e uma das referéncias das minhas agées educacionais no Brasil. Pelo proprio objeto do estudo em questio, educagio ¢ valo- res, embora varios caminhos pudessem ser seguidos, 0 texto sera 7 VALERIA AMORIM ARANTES (ORG.) construido na intersec¢do entre a psicologia e a educagao, minhas areas de formagio e de atuagdo académica. Entendo que a psico- logia fornece elementos importantes para a compreensao da na- tureza e da vida humana em suas relagdes com o mundo social, natural e cultural em que vivemos, ¢ tais conhecimentos sio fer- ramentas fundamentais para aqueles que se preocupam com a educacio ética das novas geragdes. Entender o funcionamento psicolégico do ser humano e como cada pessoa se relaciona con- sigo mesma e com o mundo 4 sua volta pode ajudar na constru- ¢40 de procedimentos e estratégias educativas mais “eficientes” que permitam a construgao efetiva de valores éticos desejiveis por uma sociedade que almeja alcangar a justia social, a igualda- de ¢ a felicidade para cada um ¢ todos os seres hamanos. Para atingir esses objetivos, sera trilhado um caminho que se inicia com a discussio dos processos psicolégicos de construgao de valores. Tais processos serao abordados, na seqiiéncia, 4 luz de teorias de complexidade que trazem novas perspectivas para 0 es- tudo das relagdes do ser humano consigo mesmo e com o mun- do externo. Por fim, decorrentes do modelo conceitual adotado, serao trazidos procedimentos e estratégias educativas que permi- tam propiciar a construgio de ambientes éticos na escola e em suas inter-relagdes com a comunidade de seu entorno, permeados por preocupagées e acdes que promovam a democracia, a cidada- nia ¢ os direitos humanos. Penso, com isso, contribuir para que a educacio em valores ocorra diariamente na vida das pessoas, e nio apenas por meio de ages isoladas e fragmentadas nos diversos espagos da vida social. Espero que 0 resultado atenda as expectativas de leitores e leitoras da obra e que sua publicagdo, bem como o debate que dela decor- 18 EDUCAGAO E VALORES: PONTOS FE CONTRAPONTOS rera, contribua para o fortalecimento da pratica educativa das pes- soas que entendem que a educa¢ao deve pautar-se cotidianamen- te em valores de democracia, de ética e de cidadania. O que sao e como sao construidos os valores? O ponto de partida para essa discussio deve ser 0 processo psi- colégico de construgao dos valores. Afinal, uma grande questo que cerca esse tema é como cada ser humano se apropria de de- terminados valores e nao de outros. Para exemplificar, por que algumas pessoas sio violentas e outras nio? Por que algumas vi- vem para servir aos demais e outras sio egocéntricas e s6 agem em seu proprio interesse? Entender como se dao esses processos constitutivos da natureza humana é uma meta da psicologia que pode influenciar a elaboracio de modelos educativos mais ade- quados 4 realidade psicolégica dos seres humanos e¢ aos objetivos da sociedade, Minha referéncia inicial para essa discussio é 0 trabalho do psicdlogo e epistemdlogo sui¢o Jean Piaget e um texto pouco di- vulgado fora do meio “piagetiano”, porque resulta das anotacdes de um curso ministrado por ele na Universidade de Sorbonne, em Paris,no ano académico de 1953/54: “Les relations entre Vaffectivité et Vintelligence dans le développement mental de V’enfant” (1954). Ao falar de valores, Piaget refere-se a uma troca afetiva que 0 sujeito realiza com o exterior, objetos ou pessoas. Nesse sen- tido, para ele os valores ¢ as avaliag6es que fazemos no cotidia- no pertencem 4 dimensio geral da afetividade e o valor é resul- 19 VALFRIA AMORIM ARANTES (ORG.) tado, é construido com base nas projegdes afetivas que o sujeito faz sobre objetos ou pessoas. Tentando definir em linguagem bem simples, valor é aquilo de que gostamos, que valorizamos e, por isso, pertencente 4 dimen- sao afetiva constituinte do psiquismo humano.Ainda nao estamos nos referindo, portanto, a valores morais. Em outra perspectiva, podemos assumir 0 pressuposto episte- molégico interacionista e construtivista trazido por Piaget de que os valores sio construidos nas interacdes cotidianas. Com esse principio, o autor recusa tanto as teses aprioristas de que os valo- res sdo inatos quanto as teses empiristas de que eles sio resultan- tes das pressdes do meio social sobre as pessoas. Nessa concep¢io, de um construtivismo radical, os valores nem estao predetermi- nados nem sao simples internalizagoes (de fora para dentro), mas resultantes das agdes do sujeito sobre 0 mundo objetivo e subje- tivo em que ele vive. E essa idéia de um sujeito ativo que permite entender 0 prin- cipio de que os valores so resultantes de projegdes afetivas feitas nas interag¢des com o mundo, em oposi¢io 4 idéia de simples in- ternalizacio dos valores, sofrida por sujeitos “passivos”, moldados pela sociedade, pela cultura e pelo meio em que eles vivem. E a agio do sujeito (representada pelo principio de projecao afetiva) que nos ajuda a entender por que duas pessoas vivendo em um “mesmo” ambiente podem construir valores tio diferentes uma da outra. Se o processo fosse de simples internalizagio a partir da so- ciedade e da cultura, teriamos maior homogeneidade nos valores das pessoas, 0 que nao se constata na realidade. Partindo de tais pressupostos e de outros estudos e pesquisas que venho desenvolvendo, passei a redefinir as idéias de Piaget, aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. EDUCACAO E VALORES: PONTOS E CONTRAPONTOS atrativas ¢ dinamicas, banaliza a violéncia quando elege como he- réis personagens que sao assassinos; quando normaliza a prostitui- ¢4o feminina e o culto a determinados padrées estéticos; quando apresenta de forma acritica casos de corrup¢io. Se tais valores sio transmitidos em linguagens dinamicas € interessantes, como a da televisdo, da internet e dos videogames, e apresentados como for- mas legitimas para atingir os objetivos de consumo alimentados pelos jovens, podemos pensar que aumentara a probabilidade de que se tornem alvo de projecGes afetivas positivas desses jovens sejam por eles valorados. Partindo de idéias ja publicadas (Aratijo, 1999; 2002) e de au- tores como Piaget (1954), Brown (1996), Blasi (1995) La Taille (2002; 2006) ¢ Damon (1995), entendemos que os valores ¢ con- travalores construidos vio se organizando em um sistema de va- lores e se incorporando 4 identidade das pessoas, 4s representagdes que elas fazem de si. Para Piaget (1954), por exemplo, originados do sistema de re- gulacées energéticas que se estabelece entre 0 sujeito e o mundo externo (desde o nascimento), a partir de suas relagdes com os objetos, com as pessoas e consigo mesmo, os valores vio se cons- tituindo lentamente em um outro sistema que, com o tempo, aca- ba se distinguindo do sistema de regulagSes energéticas, tornan- do-se mais amplo e estavel. Essas valoragSes mais estaveis levario os sujeitos a definir normas de ago que serio organizadas em es- calas normativas de valores e, de uma certa forma, forcario sua consciéncia a agir de acordo com eles. Blasi (1995) acredita que os valores estio integrados em siste- mas motivacionais e emocionais que, por sua vez, fornecem a ba- se para a construgao da identidade e do autoconceito do sujeito. nN o VALERTA AMORIM ARANTES (ORG.) Quando a compreensio da moral adquire uma forca motivacio- nal, torna-se possivel levar o individuo a integrar seus valores mo- rais num sistema motivacional. Damon (1995, p. 141) afirma que “para alguns, valores morais sao, desde a infancia, centrais na concep¢ao gue tém de si; para outros, a moralidade permanece periférica em relagdo ao que pensam ser”, Na mesma dire¢io, La Taille (1996, p. 104) diz que “a grande motivacao das condutas morais seria a preservagio da identidade pessoal, e a auséncia de motivacio ou motivagao fraca para seguir regras morais seria justamente decorrente de uma identidade pessoal construida com outros valores”. Essa idéia de que os valores morais podem ser centrais ou pe- rifericos na representacao que o sujeito tem de si € muito pro- missora para se compreender a relacio entre os valores (como ele- mentos pertencentes ao sistema afetivo) e a agio das pessoas. Na tentativa de sintetizar essa discussio, entendo que no pro- cesso de desenvolvimento psicolégico, durante toda a vida, 4 me- dida que nossos valores vio sendo construidos, eles se organizam em um sistema. Nesse sistema de valores que cada sujeito cons- trdi (e que no fundo constitui a base das representag6es de si), al- guns deles se “posicionam” de forma mais central em nossa iden- tidade e outros, de forma mais periférica. O que determina esse “posicionamento” é a intensidade da carga afetiva vinculada a de- terminado valor (ou contravalor) construido. Logo, nossos valores centrais so aqueles que, além de construidos com base na a¢io projetiva de sentimentos positivos, tem uma intensidade de senti- mentos muito grande. Por outro lado, construimos alguns valores cuja intensidade de sentimentos ¢ pequena e, por isso, estao “po- sicionados” na periferia de nossa identidade. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. EDUCAGAO FE VALORES: PONTOS EF CONTRAPONTOS Existem pessoas que sentem vergonha de um ato desonesto, mas nao de ser pobres, porque valores como ter dinheiro e¢ posic¢ao social nio sao centrais na identidade delas. O importante para elas é ser honestas. HA pessoas, entretanto, para as quais o im- portante na vida, o que elas valoram fortemente, é ter dinheiro, é estar bem vestido, é ter beleza fisica. Muitas vezes, para essas mes- mas pessoas, a vida humana nao tem valor, e, se precisarem matar para conseguir dinheiro, o farao sem nenhum sentimento de cul- pa ou vergonha. E bom ressaltar que © funcionamento psicolégico é bem mais complexo do que esses exemplos. Basta pensar nos milhares de coisas de que gostamos e valorizamos para perceber a intricada teia de possibilidades que constitui o nosso sistema de valores. Assim, as caracteristicas do nosso sistema de valores, relativos 4 di- mensio afetiva, sio bastante flexiveis e maleaveis ou, como tenho dito, fluidas. De fato, a construgdo do nosso sistema de valores e da nossa identidade esta calcada em principios de incerteza e de indeterminagio que fazem com que o posicionamento mais cen- tral ou periférico dos valores dependa dos vinculos destes com os contetidos especificos Mais importante ainda, tais caracteristicas fazem com que o nosso sistema de valores e a nossa identidade nao sejam rigidos, pois podem variar constantemente em fungio dos contextos e das experiéncias. No entanto, quanto maior for a carga afetiva envol- vida no valor, mais central ele se “‘posicionara” na identidade do sujeito e menos flexivel ou fluido sera. Espero ter deixado clara a idéia central de que cada ser huma- no constréi um sistema de valores com base nas interagSes que ele estabelece com o mundo e consigo mesmo, desde 0 nasci- aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. EDUCAGAO F VALORES: PONTOS EF CONTRAPONTOS pode nao roubar para nao desestabilizar seu equilibrio psiquico ou para nao ter os sentimentos morais (como vergonha ¢ culpa) que decorrerio da agao de violar um valor que lhe é essencial. Mas tudo é relativo, dependendo da intensidade da fome e das condig6es externas do alimento: quem 0 possui; a possibilidade de ser pego, ou nao, roubando; o tipo do alimento disponivel. Esses sio exemplos de situagdes que podem influir no tipo de juizo e de agio do nosso personagem. Ele pode decidir roubar ou, de- pendendo da situacio, encontrar outras op¢ées. Em outro trabalho, Edgar Morin afirma que a “complexidade fundamental de um sistema é associar em si a idéia de unidade, por um lado, e a de diversidade ou multiplicidade, do outro, que em principio se repelem e se excluem” (2002, p. 135). Tal complexidade depende da organizacao, gerada pelo encadea- mento das relagSes entre componentes ou individuos que pro- duzem um sistema ou unidade complexa, dotada de qualidades des- conhecidas para os componentes ou individuos. A organizacio liga de mancira inter-relacional os elementos, o que assegura a solidarie- dade ¢ a solidez referentes as ligagdes (Morin, 2002, p. 133). Existe, portanto, uma reciprocidade circular entre inter-relacdo, organiza- ¢40 e sistema. Essa mesma relagio talvez possa ser mais bem compreendida no exemplo que Morin (2002, p. 77) apresenta sobre 0 grande jo- go, que envolve a desordem, a ordem e a organiza¢ao. Pode-se dizer jogo porque ha as pegas do jogo (elementos mate- riais), as regras do jogo (imposi¢Ges iniciais e principios de inte- racio) e 0 acaso das distribuigées e dos encontros. No inicio, es- te jogo é limitado a alguns tipos de particulas operacionais, 31 aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. EDUCACAO E VALORES: PONTOS EF CONTRAPONTOS entender que os valores sio construidos com base nas projecdes de sentimentos positivos que os sujeitos fazem sobre objetos e/ou pessoas e/ou relagdes e/ou sobre si mesmos, devemos considerar que a escola preocupada com a educagio em valores precisa assu- mir uma nova forma de organizag4o curricular, das relagdes em seu interior e com a comunidade de seu entorno. Propostas educacionais coerentes com tais principios devem buscar reorganizar os tempos, os espagos e as relagdes escolares por meio da inser¢do, no curriculo e no entorno escolar, de con- tetidos contextualizados na vida cotidiana de alunos relacionados com 0s sentimentos, as emocées ¢€ os valores éticos desejaveis em nossa cultura. Assim, 0 universo educacional em que os sujeitos vivem deve estar permeado por possibilidades de convivénc valores éticos e instrumentos que facilitem relagdes interpessoais cotidiana com pautadas em valores vinculados 4 democracia, 4 cidadania e aos direitos humanos. Com isso, fugimos de um modelo de educacdo em valores baseado exclusivamente em aulas de religido, moral ou ética e compreendemos que a constru¢ao de valores morais se da a todo instante, dentro e fora da escola. Se a escola e a sociedade propiciarem possibilidades constantes ¢ significativas de convivio com temiticas éticas, havera maior probabilidade de que tais va- lores sejam construidos pelos sujeitos. Mas nao apenas isso, pois falta considerar nesse modelo o pa- pel ativo do sujeito do conhecimento. Por isso, complementan- do as bases para essa educagdo em valores, defendo 0 principio de que a construcio dos conhecimentos e de valores pressupde um sujeito ativo, que participa de maneira intensa e reflexiva das aulas; um sujeito que constréi sua inteligéncia, sua identida- aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. EDUCACAO FE VALORES: PONTOS FE CONTRAPONTOS dos especificos dos artigos desse documento, com vistas a sua formagio ética € a transformagio do mundo em que vivem. A importancia do lazer, do direito 4 diversidade de pensamento e de crenga, do respeito nas relagdes interpessoais, do direito 4 mo- radia, satide e educacio sao exemplos de tematicas que envolvem a construgao da cidadania e poderiam ser 0 eixo vertebrador do curriculo escolar. Como desenvolver 0 curriculo partindo desses pressupostos? Incorporando os referenciais de teorias da complexidade, da transversalidade, do construtivismo e do protagonismo dos estu- dantes na producao de novos conhecimentos. Para isso, podemos buscar novas met4foras para representar a organiza¢ao curricular, como a do rizoma ou das redes neurais, e assumir a pedagogia de projetos como um caminho possivel. Os projetos como estratégia pedagdgica A palavra “projeto” deriva do latim projectus e significa algo que é langado para a frente. No caso do ser humane, ao ser Iangado no mundo ao nascer ele vai se constituindo como pessoa por meio do “desenvolvimento da capacidade de antecipar agées, de eleger, continuamente, metas a partir de um quadro de valores historica- mente situado, e de lancar-se em busca das mesmas” (Machado, 2000, p.2). Para compreender seu significado geral, o autor apon- ta trés caracteristicas findamentais de um projeto: * A referéncia ao futuro. «A abertura para 0 novo. *A acio a ser realizada pelo sujeito que projeta 4 aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. EDucaGAO E VALORES: PONTOS E CONTRAPONTOS * As relagées entretecem-se, articulam-se em teias, em redes construidas social e individualmente, e em permanente estado de atualizacao. * Em ambos os niveis — individual e social — a idéia de conhecer assemelha-se a de enredar. Outra caracteristica da rede é que ela “contrapde-se direta- mente 4 idéia de cadeia, de encadeamento ldgico, de ordenagio necessaria, de linearidade na construgao do conhecimento, com as determinacées pedagdgicas relacionadas com os pré-requisitos, as seriagSes, os planejamentos ¢ as avaliagdes” (Machado, 1995, p. 140). Complementando os pressupostos que nos ajudam a com- preender a metifora da rede, Machado recorre 4 metafora do hi- pert ‘0, proposta por Pierre Lévy (1993, p. 25), quando afirma que “o hipertexto é talvez uma metafora valida para todas as esfe- ras da realidade em que significacSes estejam em jogo”. Aponta, entio, os seis principios que Lévy chama de conformadores do hi- pertexto e que podem ser transportados para caracterizar a meta- fora do conhecimento como rede. Sao eles: * Principio da metamorfose — a rede esta em constante construcao e transformacao e, a cada instante, pode-se alterar os feixes que compéem os nds, atualizando o desenho da rede. * Principio da heterogencidade — os nos € as conexdes de uma rede sio heterogéneos, significando que existe uma multiplicidade de possibilidades de interligacao entre eles. Apenas como exemplo, nessas ligacdes, que podem ser légicas, afetivas, analégicas, senso- riais, multimodais, multimidias, sio utilizados sons, imagens, pa- Javras e muitas outras linguagens. 45 aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. EDUCACAO E VALORES: PONTOS E CONTRAPONTOS logo e a participacao coletiva em decisdes e acordos participati- vos. Por fim, acreditam na importancia do protagonismo das pes- soas para enfrentar os conflitos e entendem que tal processo deve enfocar ndo apenas as emogGes, intencdes e cren¢as dos partici- pantes, mas também os dominios simbélicos, narrativos e dialogi- cos como o meio pelo qual se constroem e se transformam sig- nificados e praticas, permitindo o aparecimento de identidades, mundos sociais ¢ novas formas de relagio. Programas educativos que assumam a perspectiva de trabalhar os conflitos e os problemas humanos como um elemento essen- cial de sua organizagio curricular podem, de acordo com Sastre e Moreno (2002, p. 58): Formar os(as) alunos(as), desenvolver sua personalidade, faze los(as) conscientes de suas ages e das conseqiiéncias que acarre- tam, conseguir que aprendam a conhecer melhor a si mesmos(as) e as demais pessoas, fomentar a cooperacio, a autoconfianga a confianga em suas companheiras e seus companheiros, com base no conhecimento da forma de agir de cada pessoa, e bene- ficiar-se das conseqiiéncias que estes conhecimentos lhes pro- porcionam. A realizacio destes objetivos leva a formas de con- vivéncia mais satisfatérias e 4 melhoria da qualidade de vida das pessoas, qualidade de vida que nio se baseia no consumo, e sim em gerir adequadamente os recursos mentais... intelectuais emocionais — para alcangar uma convivéncia humana muito mais satisfatoria. O trabalho com assembléias escolares complementa a perspec- tiva que acabamos de discutir de novos paradigmas em resolugao 49 aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. EDUCACAO E VALORES: PONTOS CONTRAPONTOS viver durante boa parte de seu dia com valores, crencas, desejos, his- torias ¢ culturas diferentes. Em vez de se tentar homogeneizi-la eli- minando as diferencas e os conflitos, podemos usar a instituicdo es- colar para promover 0 desenvolvimento das capacidades dialégicas e os valores de nao-violéncia, respeito, justiga, democracia, solida- tiedade e muitos outros. Mais importante ainda é nao fazé-lo de forma tedrica, mas na pratica, a partir dos conflitos diarios. Diferentes tipos de assembléia escolar Entendidas as necessidades cotidianas de democratizacio das rela- ¢es escolares € o papel das assembléias no trabalho educativo, es- tas podem ser organizadas em trés niveis distintos: nas salas de au- la, na escola e entre os profissionais que atuam no espago da escola. Seus principios, também, podem ser facilmente emprega- dos em uma quarta perspectiva, que sio os programas que visam levar familias e comunidades a se aproximar da escola e de seu projeto educativo. Dessa forma em cada instituigao podem ocor- rer quatro tipos de assembléias simultaneamente, cada uma com objetivos especificos. O que chamo de assembléias escolares compde-se de assem- bléias de classe, assembléias de escola, assembléias docentes e as- sembléias da comunidade. No entanto, neste t6pico apresentarei as caracteristicas das trés primeiras, deixando as assembléias da co- munidade para 0 préximo t6pico, quando explicarei como pro- mover 0 trabalho com valores envolvendo a comunidade. Assembléia de classe A assembléia de classe trata de tematicas envolvendo o espago especifico de cada sala de aula. Dela participam um docente e aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. EDUCAGAO E VALORES: PONTOS E CONTRAPONTOS O cerne desta proposta é tornar os recursos da cidade, do bair- TO ¢, prioritariamente, do entorno da escola espagos de aprendi- zagem e de promogio e garantia de direitos, deveres e cidadania. Um documento importante para essa concepgio é a “Carta das Cidades Educadoras”, chamada de “Carta de Barcelona” (Gadotti, 2004), de 1990. Nesse documento, afirma-se que a ci- dade educadora é um sistema complexo, em constante evolugio, que sempre dara prioridade absoluta ao investimento cultural e¢ a formacdo permanente de sua populacio. Ela sera educadora quando reconhecer, exercitar ¢ desenvolver, além de suas funcdes tradicionais, uma fun¢do educadora, quando assumir a intengdo e a responsabilidade de formacio, promogio e desenvolvimento de todos os seus habitantes, comegando pelas criangas ¢ pelos jovens. Dentre os principios constituintes dessa carta destacamos qua- tro que consideramos centrais a esta proposta e os quais a cidade educadora deve favorecer: 1) a liberdade e a diversidade cultural; 2) a organizacao do espaco fisico urbano, colocando em evidéncia © reconhecimento das nec idades de jogos ¢ lazer; 3) a garantia da qualidade de vida em um meio ambiente saudavel e de uma pai- sagem urbana em equilibrio com seu meio natural; 4) a conscién- cia dos mecanismos de exclusdo ¢ marginalidade que os afetam. Tomando por referéncia essas discussdes, acreditamos que es- tudar formas de ampliacdo dos espagos educativos, rompendo os limites fisicos dos muros escolares, pode ser um bom caminho pa- ra uma educacao em valores éticos e democraticos que visam 4 cidadania. Reforgar a importancia da articulagio entre sujeito ¢ cultura/sociedade na construgdo da cidadania, e de relagGes mais justas e solid4rias no seio da comunidade em que se vive pode in- dicar possibilidades para o desenvolvimento de ages educativas aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. EDUCAGAO E VALORES: PONTOS E CONTRAPONTOS “posicionam” de forma mais central em nossa identidade; outros, de forma mais periférica. O que determina esse “posicionamento” é a intensidade da carga afetiva vinculada a determinado valor. As caracteristicas de nosso sistema de valores sao bastante flexiveis, maleaveis e mesmo fluidas, e podem variar constantemente em fungado dos contextos e das experiéncias. Esse modelo nos leva a entender que os processos de constru- ¢a0 de valores e de funcionamento psicolégico sio incertos e aleatérios, apontando limites para as interven¢des educacionais: a sociedade ¢ a escola deixam de ter controle sobre a construcao de valores, limitando-se a exercer influéncia em tais processos. Assim, o papel da escola é buscar estratégias que aumentem a probabili- dade de que determinados valores éticos sejam alvo de projegdes afetivas positivas de seus alunos. Ancorado na perspectiva de teorias de complexidade, e ado- tando o conceito de unidade complexa, a proposta apresentada para enfrentar essa questao é criar um ambiente ético de convi- vio, na escola ¢ fora dela, pautado em valores de ética, democra- cia, cidadania e direitos humanos. A criagio desse ambiente pode se dar por trés tipos de agao in- dependentes mas complementares: a) a insergo transversal ¢ inter- disciplinar de contetidos de natureza ética no curriculo das esco- las; b) a introducio de sistemdticas que visem 4 melhoria e 4 democratiza¢io das relacdes interpessoais no dia-a-dia das escolas; c) uma articulacdo dessas agdes com a familia e com a comunida- de onde vive a crianga, de forma que tais preocupagées nao fi- quem limitadas a espagos, tempos e relagées escolares. Enfim, a busca de modelos educativos dialégicos, pautados em valores como democracia, justi¢a, solidariedade ¢ outros mais 61 aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. Aprender a viver Josep Maria Puig Introdugao A intengio deste capitulo ¢ apresentar uma perspectiva sobre a educagio em valores. Para isso, pareceu-nos adequado desenvol- ver quatro temiticas encadeadas que consideramos fundamentais € que, espero, déem uma visio abrangente sobre esta questao. Na primeira parte, “Origem da moralidade”, sio apresentadas as grandes finalidades da educa¢do em valores ou, dito de outro mo- do, as aprendizagens éticas fundamentais que hoje deveriamos as- segurar. Na segunda parte, “Compartilhamos alguma qualidade moral?”, tentaremos estabelecer os dinamismos morais que, além 65 aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. VALERIA AMORIM ARANTES (ORG.) a participacio contrapGe-se 4 dependéncia e 4 incapacidade. Par- ticipar pressupée ser livre num duplo sentido: nao estar submeti- do a nenhuma forma de dominagao e ser capaz de utilizar os re- cursos necessirios para intervir na vida piblica. Em segundo lugar, a participacdo nao se esgota nas votacdes, mas se expressa de for- ma plena na deliberagdo que procura conjuntamente as melhores op¢des, avalizadas por boas razdes e sustentadas pela anuéncia dos implicados no assunto que esta sendo debatido. Em terceiro lugar, a participacao pressupde uma democratizagio real do conheci- mento; o saber ndo € uma propriedade privada dos especialistas nem um produto académico inerte que é transmitido aos jovens. O saber é um elemento ativo que deve nos permitir formar uma opiniio o mais fundamentada possivel sobre as questées que nos afetam. O saber tem de servir para entender melhor o mundo e ser um elemento a mais na valorag3o e¢ na decisio das questées que nos afetam. Finalmente, em quarto lugar, participar pressupde cer- tas virtudes: nao é possivel que a participacio democritica esteja viva sem a forga exercida pelas virtudes dos cidadios ativos. Sem o compromisso com os interesses do conjunto da sociedade nio é possivel participar corretamente, mas também sao necessirias ou- tras virtudes, como a solidariedade, a responsabilidade, a tolerancia € 0 profissionalismo. Nio podemos encerrar esta parte sobre a aprendizagem da convivéncia sem falar de duas quest6es que hoje sio fundamen- tais: a convivéncia multicultural e a convivéncia planetaria.A pri- meira questio pede um duplo esforgo: detectar valores comuns as diferentes culturas ¢ favorecer a criacdo de novas formas de convivéncia. Quanto 4 segunda questo, a convivéncia planetiria, ela nos coloca um dilema bem conhecido: somos a favor de uma 73 aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. EDUCAGAO F VALORES: PONTOS E CONTRAPONTOS Compartilhamentos minimos: enraizamento e abertura para o outro Se defendemos uma educagio em valores que tenha um nticleo comum para todo mundo, sera necessirio estabelecer uma reali- dade compartilhada sobre a qual possamos fundamentar a propos- ta. Portanto, a questio basica deste capitulo pode ser formulada dizendo que estamos procurando alguma realidade que seja co- mum a todos os seres humanos, independentemente das circuns- tancias historicas e socioculturais. Uma realidade humana univer- sal que permita detectar dinamismos morais compartilhados que ajudem a conduzir a vida moral individual e harmonizar a con- vivéncia coletiva. Partindo de uma perspectiva educativa, pensamos que “o que é compartilhado” nos dard base suficiente para construir uma pro- posta de educacao em valores para todo mundo, o que nao signi- fica uma educago uniforme, mas unicamente uma educagio com um fundo comum. O que compartilhamos se nio compartilharmos religido, me- tafisica ou projeto politico? O que compartilhamos se num mundo multicultural e global a adesdo a uma sociedade ~ que tampouco é homogénea — nao nos da nenhuma seguranc¢a mo- ral universalizavel? O que compartilhamos se a confianga em um. eu originario e fonte de certeza moral tornou-se também tio discutivel? Temos alguma coisa em comum que nos permita construir um projeto moral para todos, ou teremos de nos con- formar com a universalidade do proveito econdmico e do rela- tivismo moral ¢ cultural? No entanto, parece que nés, humanos, partimos de uma ex- periéncia inicial que é universalmente compartilhada que pode- 80 aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. EDUCACAO E VALORES: PONTOS E CONTRAPONTOS ma em um poderoso instrumento moral e em uma pauta de va- lor que é compartilhada por qualquer sujeito capaz de falar’. A terceira forma de abertura para os demais se produz pela par- ticipacdo em projetos de interven¢io no mundo natural ou social. Neste espago de relagio ha uma série de procedimentos conjun- tos que nos permitem propor intervencées sobre a realidade com © intuito de otimizi-la. A medida que a realiza¢io de projetos conjuntos se da por mecanismos de coopera¢ao entre todos os par- tcipantes e é orientada para uma transforma¢do otimizadora da realidade, 0 trabalho em projetos compartilhados se converte tam- bém num forte dinamismo moral e num espago compartilhado de valores para qualquer ser humano". Repito que esses dinamismos da intersubjetividade, além de estabelecerem modalidades concretas de relagio, permitem defi- nir procedimentos de acdo moral, fixar objetivos desejaveis e es- tabelecer elementos de critica e de transformagao da realidade. O afeto, o diilogo e a cooperacgao sio procedimentos ou ferramen- tas que nos ajudam a lidar com as dificuldades sociomorais que a vida pode nos apresentar. Além disso, esses trés procedimentos morais trazem implicita uma finalidade moral, um felos. Cada um deles aponta para certos horizontes de perfei¢io: amizade e amor quanto ao afeto, compreensio e acordo no que se refere ao di logo e cooperagao e transformacdo no trabalho com projetos. Conseqiientemente, todos tém a capacidade de se converter num 13.A obra de Jiirgen Habermas em seu conjunto findamentou amplamente os aspectos que temos enunciado. No entanto, vale a pena destacar os seguintes volumes: Habermas, 1987 ¢ 1998a ¢ b. 14. Dworkin, 1996, 84 aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. EbUCACAO E VALORES: PONTOS E CONTRAPONTOS Mas para que se produza uma relacao educativa auténtica nado basta uma sucessio de encontros. Apesar de importante, é neces- sdrio que 0 encontro encerre uma clara iniciativa do educador para acolher, reconhecer e aceitar 0 educando’’. Nao se trata de encontrar-se para escrutar ou dominar, mas para demonstrar que 0 educando estava sendo esperado, para se poder manifestar que te- mos confianca em suas possibilidades, para cuidar dele e ajuda-lo cm tudo que for possivel, para ouvi-lo por uma escuta sem fil- tros e, finalmente, para aceita-lo tal como ele é. Essa abertura pa- ra o outro nio deve ser confundida com uma atitude passiva ou dominada pelo destino, mas sim como uma abertura combativa, disposta a entregar-se na ajuda, que v4 além dos contatos tingi- dos pela indiferenga ou pelo legalismo. Quando se consegue uma relagao de acolhida e reconhecimento, sio langadas as bases para a entrada no mundo social. A socializacdo depende de alguém que esteja disposto a acolher ¢ reconhecer, que esteja disposto a vincular-se afetivamente. Neste ponto, chegamos ao limiar dos dois movimentos mo- rais que se produzem em toda relagdo humana constituida. Estamos nos referindo a responsabilidade pelo outro ¢ ao respei- to que geta obrigacio. No primeiro movimento aludimos 4 res- ponsabilidade incondicional do educador para com 0 educan- do. A relacgio educativa pressupde uma responsabilidade ética do adulto para com o jovem, responsabilidade que nio se limita a nenhuma condi¢ao que possa eximi-la. O outro, através de sua corporeidade — as expressOes faciais —, mas indo além dela, mos- 17. Duch, 1997, pp. 15-37. 18. Levinas, 2000. 88 aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. EDUCAGAO F VALORES: PON s CONTRAPONTFOS Construir uma cultura moral de centro que impregne valores nos alunos Fazer com que os alunos vivenciem os centros educacionais co- mo verdadeiras comunidades democraticas de aprendizagem, convivéncia e animacio. E preciso explorar todas as conseqiién- cias da convicgao de que educar nao é unicamente instruir, mas oferecer uma experiéncia significativa que prepare para a vida co- mo cidadio. Portanto, nés, educadores, precisamos nos ver como cristalizadores dos valores no meio; temos de fazer de cada esco- la um ambiente rico em praticas e atividades educativas que cumpram seus objetivos ¢ a0 mesmo tempo expressem ¢ fagam viver em valores; e propor como trabalho cooperativo os projetos de pesquisa, a mediacgdo de conflitos, as assembléias de classe, os contratos pedagogicos, as festas ¢ celebragées € muitas outras pra- ticas educativas a serem imitadas ou inventadas. Precisamos, en- fim, criar uma cultura escolar que realmente embeba de valores 08 nossos alunos. Isso significa dedicar esforgo ao planejamento ¢ a realizagdo dessas atividades. A participagao como a melhor escola de cidadania A cultura das instituig6es educacionais deveria reforcar de manei- ra muito acentuada a participagdo dos alunos, para serem muito mais protagonistas do que so agora. Devem sé-lo no Conselho Escolar e, sobretudo, em outros espacos nio tio formais onde possam ter um papel menos testemunhal e mais ativo. Devem participar das diferentes instancias das escolas, desde o nivel da classe, por meio das assembléias, até a escolha dos membros para formar um Conselho de Representantes, com atribuicdes ¢ res- ponsabilidades como incentivar a associagao de alunos e a orga- 101 aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. VALERIA AMORIM ARANTES (ORG.) A questio fundamental colocada pela pergunta é clara: como se produz a apropriagio de valores? A apropriagao de valores pressu- poe dois aspectos diferentes: de um lado, a aquisigdo de valores; de outro, a ativasao de valores. Vejamos cada um desses aspectos. A aquisigéo de valores € um processo de aprendizagem pelo qual lidamos com os valores de uma comunidade, que inclui tanto os valores transmitidos de modo consciente quanto os transmitidos de modo informal. Desse processo resulta um su- jeito que tem uma parte, talvez boa parte, dos valores presentes em sua comunidade. Mas 0 que significa “ter valores” ¢ como se produz sua aqui- sicio? Ter valores significa possuir um conjunto de habitos de refle- xao. Significa estar disposto a repetir comportamentos desejaveis, algo proximo das virtudes, mas, além disso, comportamentos de- sejaveis que assumimos nio apenas por té-los aprendido, 0 que se- ria apenas um habito mecanico, mas porque temos a convicgao de que devemos manifesta-los. Uma convic¢do que surge da consi- deracao reflexiva das emogées e das razes que avalizam os habi- tos de valor. Portanto, os valores sio habitos que aprendemos — comportamentos que podemos repetir —,mas que, além disso, tor- namos nossos, considerando e avaliando — refletindo — as motiva— ¢Ges que nos sio oferecidas pelas emogoes e pelas razGes. Como se adquirem os habitos de reflex4o? Eles sao adquiridos participando de priticas socioculturais, sejam_priticas escolares que pretendem transmitir valores de modo intencional — 0 que acontece, por exemplo, nas assembléias escolares ou nas sesses de orienta¢io —, sejam praticas sociais que transmitem valores com pouca ou sem nenhuma inten¢do — 0 que ocorre nas atividades de cria ‘Ao, nos ritos de entrada numa institui¢io, nas festas sociais 110 aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. EDuCAGAO E VALORES: PONTOS F CONTRAPONTOS mico: nao convém destinar tempo a essas questdes em prejuizo de uma educa cdo cientifico-técnica que capacite cada individuo pa- Ta 0 sucesso profissional que, por sua vez, impulsionard o desen- volvimento do conjunto do pais. Acredito que as razbes aduzidas pela postura neoliberal estao equivocadas. Primeiro, porque a educagao civico-moral nao pre- tende converter-se numa inculcacdo ideoldgica que invada todas as parcelas da vida pessoal, mas quer apenas oferecer uma base co- mum _a todos os cidadaos, que favoreca a convivéncia civica e a vi- da moral, mas deixe espago para as legitimas opgdes ¢ diferengas pessoais. Trata-se de uma educacio de minimos que deixe espago para o desenvolvimento de uma concepgio pessoal de maximos. Segundo, embora a vida social esteja regulada por normas que pautam a conduta dos cidadaos, de modo algum elas cientes para garantir uma convivéncia justa e democratica entre sao. sufi- eles. Os valores e as virtudes necessarios para conseguir uma cor- reta convivéncia democratica nao sio adquiridos por acaso nem podem ser deixados unicamente por conta da responsabilidade de processos que exergam maior ou menor coagao. A democra- cia requer uma educagio intencional dos cidadios para que ad- quiram as virtudes ¢ os valores que a sustentem. A democracia nao esta garantida apenas por leis, necessita também da vontade civica dos cidadaos, dos habitos do coragdo que lhe dio sentido e fundamento e que nao sido adquiridos de modo incidental. A democracia requer educacao. Terceiro, a formagio profissionalizante ¢ sem davida impor- tante, mas nao deve excluir a educagao civico-moral simplesmen- te porque o beneficio econdmico nao deveria por em diivida a formagio pessoal — ndo podemos prescindir de uma educagao in- aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. VALERIA AMORIM ARANTES (ORG.) nossa cultura nos tltimos séculos. Esse modelo permitiu a cons- trugdo de grandes projetos cientificos ¢ filos6ficos que almejavam a universalidade, representada em um modelo determinista e me- canicista do mundo, pautado também pelas idéias de progresso e de uma teleologia com dire¢ao linear do desenvolvimento do ser humano e do universo. No fundo, imaginava-se que, do mesmo modo que poderiamos controlar e dirigir a natureza, poderiamos controlar e dirigir o desenvolvimento humano. Assim, “naturalmente”, a cultura e 0 pensamento ocidentais levam as pessoas a buscar tais pressupostos nos processos psicolé- gicos, sociais e educativos. O funcionamento psicologico pode ser determinado e, com a idéia de progresso, é possivel estabelecer um desenvolvimento linear que levara a humanidade e¢ cada ser humano a construir determinados valores, que so universais e tendem a ser hierarquicamente superiores 4 medida que o tempo passa. Os processos educativos, entendidos na perspectiva do mé- todo cientifico, devem criar as condi¢Ges para que as metas sociais almejadas sejam atingidas.A expectativa é que a sociedade, as pes- soas € as aulas “funcionem” em parametros de certeza e de deter- miina¢do, sem espago para a incerteza nas relagdes em sala de au- la ¢ nos planejamentos pedagdgicos. Sinceramente, creio que esse modelo cultural, reforgado por algumas religides, tira a responsabilidade de docentes e jovens na construg¢ao social da justiga e da cidadania. Afinal, o caminho ja esta previamente determinado, temos “certeza” de que um dia 0 Bem triunfara e que iremos todos ao paraiso. Podemos deixar o mundo e a histéria seguirem seu caminho “natural”, pois ele in- depende de nossos esfor¢os. Falar de incerteza e de indetermina- ¢4o nos processos psicolégicos, sociais ¢ educativos é romper 130 aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. EDUCACGAO E VALORES: PONTOS CONTRAPONTOS Para nao ficarmos com experiéncias isoladas, ¢ importante que essas preocupagées entrem ao mesmo tempo na pauta politica do pais e de cada comunidade. Lentamente, ao longo do processo de redemocratizacio do Brasil, isso vem acontecendo. Mas estamos longe do ponto em que nossa sociedade assuma a construgdo de valores éticos e democraticos como prioridade. Nem mesmo a educacao é ainda prioritaria. Todas as escolas, publicas e privadas, assumem em seu proje- to politico-pedagogico 0 objetivo de uma educagio em valores voltada para a construcdo da ética e da cidadania. No entanto, a maioria delas nio desenvolve agSes concretas nessa dire¢gio, a nao ser agGes pontuais e vinculadas ao que se entende como curri- culo oculto. A aprovacio dos Parametros Curriculares Nacionais em 1996, contendo a ética e os principios de transversalidade como um dos seus pressupostos, por ser um proposta de Estado, trouxe o tema para o centro do debate educacional. Mas, passados dez anos, ain- da nao chegou ao curriculo das escolas nem das universidades. Por exemplo, até hoje, praticamente nenhum curso de pedagogia ou de formacao de professores (pelo menos nas principais univer- sidades publicas brasileiras) assumiu esses temas como finalidades da educagio nem, ao menos, introduziu disciplinas sobre ética, ci- dadania e direitos humanos em seus curriculos. Como achar que os profissionais formados ali serao capazes de introduzir esses te- mas em suas comunidades escolares? Outro fato significativo a considerar é que os livros sobre es- sa temitica ndo tém boa vendagem no Brasil. Entio, embora exista um discurso de valorizagdo do tema, levantado até mes- mo pela descrenga com a forma tradicional da politica brasilei- 137 aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. EDUCACAO E VALORES: PONTOS E CONTRAPONTOS jeto moral universalizavel ou devemos nos conformar com a uni- versalidade do beneficio econémico ¢ do relativismo moral e cul- tural? Do nosso ponto de vista, os seres humanos partem de uma experiéncia que é universalmente compartilhada: 0 enraizamen- to a uma forma de vida particular e a abertura aos demais Em primeiro lugar, os seres humanos compartilham uma pri- meira realidade comum: 0 enraizamento a uma forma de vida particular. Ninguém escapa 4 fusio com um mundo vital, embo- ra seja totalmente dbvio que existe uma multiplicidade de mun- dos vitais diferentes. Portanto, é universal a imersio numa manei- ra de viver e é universal a diferenca no contetido material dessa socializacio. Ou seja, compartilhamos a necessidade de pertencer a uma maneira particular de entender o mundo. Nao ha possibi- lidade de romper com a socializagao num ethos moral singular, e nao é nada bom tentar isso. Este primeiro aspecto, o enraizamento universal a diferentes contetidos de socializaco, abre para nés obrigagées morais muito claras ¢ tarefas educativas consideraveis. Ele nos pede o reconhe- cimento e 0 respeito as diferentes formas de vida e pontos de vista morais, pede-nos também um esforgo de compreensio das dife- rentes posigdes e pede-nos finalmente uma vontade de critica e de autocritica que torne possivel a aprendizagem moral interpes- soal e intercultural. Portanto, trata-se de dar valor ao uso moral da pluralidade e das diferengas. Em segundo lugar, nés, seres humanos, partimos de outra rea- lidade comum: a abertura ¢ a criagao de lagos com os outros. De fato, desde o primeiro olhar da mie para o bebé, para chegar a ser e para ajudar a ser é imprescindivel viver uma variedade de rela- g6es intersubjetivas. Nos, humanos, nao nos fazemos sozinhos, 145 aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. VALERIA AMORIM ARANTES (ORG.) porque a vida produz constantemente novas experiéncias que nos interpelam. Um dos objetivos principais da educacio moral e civica é inocular responsabilidade para fazer frente 4 atualida- de sem repostas prontas. Ulisses: De minha parte, considero que alguns dos pressupostos da teoria do caos, embora referenciados em modelos cientificos de areas bem distantes das humanidades, ajudam a entender os processos de construc¢ao e de educa¢do em valores. A teoria do caos foi proposta nos anos de 1960 e 1970 por au- tores como Ilya Progogine e E. Lorenz para explicar, entre outras coisas, a complexidade, as mudangas nos sistemas e os aspectos nao-lineares da realidade. No fundo, 0 caos busca articular, diale- ticamente, ordem e desordem em um mesmo sistema. De acordo com Dyke e Es cohotado, citados por Colom (2004, p. 95), embora a teoria do caos tenha surgido no campo das ciéncias naturais, também pode ser aplicada na compreensao da dinamica das estruturas e dos fendmenos sociais, politicos e econdmicos. Assim, Colom afirma que “tanto a fisica como a qui- mica, a biologia e também as ciéncias sociais indicam-nos que a matéria da qual ¢ constituida a realidade nio esta ordenada nem obedece a leis de certeza; ao contrario, elas descobrem situagdes caéticas, complexas, nio-previsiveis, mas que, no entanto, dao uma visio ordenada do universo”. Dentre os pressupostos classicos dessa teoria, as condigGes ini- ciais dos sistemas, ou dos fendmenos, sio altamente sensiveis aos resultados que se obtém adiante. De acordo com Colom (2004, p. 99), citando Copeland, essa sensibilidade 4s condic¢des iniciais pode ser exemplificada com uma situacao em que se soltam duas aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. Qual a origem da moralidade? E possivel educar em valores? Coma se dao os processos de construgao e/ou apropriacao de valores? Qual o papel da educacao nesses processos? Como formar moralmente os alunos? Podem, a escola e os educadores, ensinar valores? Quais deles devem ser transmitidos? Neste livro, Ulisses F. Araujo e Josep Maria Puig discorrem e dialogam sobre essas e outras questées. No transcorrer da obra, debatem os processos psicolégicos que levam a construcao de valores, a influéncia da afetividade em tais processos, o papel da religiao na educagao moral, 0 relativismo e o universalismo, 0 conceito de inteligéncia moral e, ainda, a eterna crise de valores de que algumas pessoas afirmam padecer a sociedade contemporanea. De forma instigante e competente, os dois autores apontam limites, pontos e contrapontos para o tema, contribuindo para capacitar profissionais da educagao preocupados com a formagao ética e moral das futuras geragées. ISBN 85-323-0935-8 978-85-923-0335. | 885329303356!

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