Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Kankinkankan boudou
Kankinkankan boudou
Kankinkankan boudou
Kankinkankan boudou
NIHAD «Não quero morrer!» «Não quero morrer!» É a frase mais imbecil que já ouvi!
O HOMEM Por favor, deixe-me ir embora! Não sou daqui. Sou fotógrafo.
NIHAD Fotógrafo?
O HOMEM Sim... de guerra... fotógrafo de guerra.
NIHAD Eu também sou fotógrafo. Chamo-me Nihad. Fotógrafo de guerra. Olha. Fui eu que
fotografei tudo isto.
NIHAD mostra-lhe uma série de fotografias.
NIHAD Não. Não é belo. Quase sempre julga-se que são pessoas a dormir. Mas não. Estão
mortas. Fui eu que as matei! Juro.
O HOMEM Acredito.
O que é que está a fazer?! Não me mate! Eu podia ser seu pai, tenho a idade da sua mãe...
NIHAD torna a levantar-se e faz pose, com a espingarda a servir de microfone. Ajusta os
auriculares e liga o walk-man. E imita uma bateria.
One, two, three, four!
Sonoriza as 32 batidas de bateria de Roxane, dos The
Police, fazendo nin, nin, nin, nin...
e depois canta a canção, deturpando a letra.
NIHAD de espingarda com a máquina fotográfica presa do cano, dispara.
Surge uma primeira fotografia de um homem a correr.
NIHAD desloca-se e volta a disparar.
Surge uma fotografia do mesmo homem mortalmente atingido.
So?
No, I don't shoot women like Elizabeth Taylor. Elizabeth Taylor is a strong actriz. I like her
very much and I don't want to kill Elizabeth Taylor. So, when I see a woman like her, I don't
shoot her...
You don't shoot Elizabeth Taylor.
No, Kirk, sure not!
Thank you, Nihad.
Welcome, Kirk.
(Salto temporal)
NIHAD Não contesto nada do que foi dito no meu julgamento sobre esses anos. As pessoas
que disseram que eu as torturei, é verdade, torturei. E aqueles que me acusam de ter
matado, matei. Aliás, quero agradecer-
-lhes, pois eles permitiram-me fazer fotografias de uma grande beleza. Aqueles que
esbofeteei e aquelas que violei tinham sempre um rosto mais comovente depois da
bofetada e depois da violação do que antes de eu ter feito isso. Mas o essencial, o que eu
quero dizer, é que o processo que me moveram foi chato, aborrecido, mor-tal. Não havia
música suficiente. Então vou cantar-vos uma canção. Digo isto porque é preciso
salvaguardar a dignidade. Não sou eu que o digo, é uma mulher, aquela a quem chamavam
a mulher que canta. Ontem, ela veio falar-me de dignidade, cara a cara. Salvaguardar o que
nos restava de dignidade. Eu reflecti, e achei que ela tinha razão. Que este julgamento era
uma chatice! Sem ritmo e sem nenhum sentido do espectáculo. Para mim, o espectáculo é
a minha dignidade. Desde sempre. Nasci com ele. Creio que o encontraram no balde onde
me colocaram quando nasci. As pessoas que me viram crescer sempre me disseram que
esse objecto era um vestígio das minhas origens, de certa forma da minha dignidade, visto
que, segundo a história, ele me foi dado pela minha mãe.
Um pequeno nariz vermelho. Um nariz de palhaço. O que significa isto? A minha dignidade
é uma careta deixada por aquela que me deu a vida. Essa careta nunca me largou. Então
deixem-me assumi-la e cantar-vos uma canção que eu compus, para salvaguardar a
dignidade do terrível contratempo.