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GELLNER, E. Nações e Nacionalismo
GELLNER, E. Nações e Nacionalismo
fhe gape de reproduedo. Aus! vate Be et Genética social ‘A reprodugao de individuos e grupos sociais pode set Ievada a cabo através do ensino um-a-um, ou pela experiéncia, ‘ou através do chamado método centralizado, Existem, com “Relé Dor, ie Diploma Disease Los 196. Pana atgem ds (oe ete tents min fear, nck Gol, cae ona Sec Cage, 1988 (0 dR) 51certeza, muitas formas mistas e intermédias de desempenhar essa fungao; no entanto, é preferivel adiar esta preocupagio para depois da discussio destas duas possibilidades radicais, por assim dizer, polates. yar ans O método_um-a-um,ou_pela_experiéneia, é aplicado quando uma familia, uma unidade de parentesco, aldeia, segmento tribal ou outra unidade igualmente pequena acolhem as criangas no seu seio e as transformam em adultos relativa- mente semelhantes aos da geragao anterior. Este facto di-se, finalmente, depois de terem sido admitidas e obrigadas a par- tilhar a vida da comunidade e de terem sido submetidas a mais alguns métodos especificos, como a formagio, priticas, nor- mas, ritos de passagemn, etc. Desta forma, a sociedade ¢ a.suia cultura so perpetuadas. ai © método de reprodugio centralizado & aquele_em, que” uma agéncia educativa. ou_de formagio,. que difere da comunidade local, complementa significativamente (ou em casos extremos substitni por completo) 0 método dessa comunidade, responsabilizando-se pela preparacao dos jovens em causa e entregando-os, por fim, 4 sociedade mais vasta pata que desempenhem ai as suas fungdes uma vez terminado © proceso de treino. Uma versio fadical deste sistema atingin um grau elevado de perfeigao e eficacia no Império Otomano. Sob os regimes janizaro e devshirme eram obti- dos rapazes jovens sob a forma de impostos obrigatérios as populagdes conquistadas ou adquiridos como escravos. Estes eram sistematicamente preparados para a guerra e para cargos administrativos e, de preferéncia, totalmente desma- mados e afastados das familias e comunidades de origem. A classe alta britinica, com a sua confianga em. colégios internos desde as primeiras idades, praticava, e em parte continua a praticar, uma versdo menos completa deste sistema. Por vezes, podem mesmo ser encontradas variantes deste sistema em sociedades agrdrias pré-alfabetizadas e relativa- mente simples, 52 As sociedades constituidas por subcomunidades podem ser divididas entre aquelas em que estas tiltimas podem, se ne- cessitio, reproduzir-se a si proprias sem a ajuda do resto da sociedade e aquelas em que a complementaridade e a interde- pendéncia reefprocas sao tais que néo podem fazé-lo, De urna maneira geral, os segmentos ¢ as comunidades rurais da sociedade agratia podem auto-reproduzir-se_independente- mente, O conceito antropoldgico de uma Sociedade segmen- tada engloba precisamente esta ideia: 0 «segmenton representa apenas uma variante menor da sociedade mais vasta, da qual faz parte, podendo fazer em menor escala tudo o que € feito pela unidade maior. ‘Além disso, devemos_distinguir entre auto-suficiéncia econémica ¢ educativa, no. sentido. de capacidade de auto- -reprodugio. Sem di ida, os estratos governantes de uma sociedade agraria dependem do excedente extraido do resto da sociedade, mas podem, apesar disso, ser bastante auto-sufi- cientes do ponto de vista da edueagao. A ordem social pode dar origem a outros tipos de falta de auto-suficiéncia, como os que tornam as comunidades dependentes de especialistas em rituais extemnos ou da concessio de noivas vindas de outras comunidades. O que nos interessa aqui & a eapacidade educa cional, ¢ no econémica, da auto-reprodugao do grupo. Exis- tem numerosas formas complexas, mistas e intermédias de reprodugio de grupos. Quando os senhores feudais enviam os filhos para a corte local, meio-aprendizes e meio-teféns, quando os mestres aceitan aprendizes que nao sio seus filhos, etc., estamos, evidentemente, na presenga de (ais sistemas mistos. —<.), De um modo geral, a situagiio da sociedade agréria parece “seguinte: a grande maioria da populagao faz parte de unidades auto-reprodutoras, que,, na. yerdade, educam os jovens para fazerem o trabalho, sem dificuldades, como parte integranie da forma como lidam coma vida, sem dependerem muito, ou mesmo nada, de qualquer perito em educagao. 33Apenas uma minoria da populagio recebe formagiio especiali- zada. Faro parte desta sociedade um ou mais estratos de edu- cadores a tempo inteiro, os quais se reproduzirao, admitindo aptendizes e prestando servigos a tempo parcial de tipo tera- péutico, ritual, admoestagao, secretariado, etc., para o testo da comunidade, Pode ser itil distinguir entre o treino imitativo e intracomunitétio, dando-Ihe 0 nome de aculturagio, e 0 exo- treino (por analogia com exogamia) especializado, que pro- cura especialistas fora da comunidade e designa essa educagi como adequada. fea MANN _ Um esitato muito importante na sociedade ‘iprocletrada sio os letrados*, aqueles que sabem let e podem difundir a inistrugio e que, desta forma, constituem uma das classes de especialistas nessa sociedade. Por vezes, podem formar uma associagao ou ser integrados numa organizagio. Como a escrita, regra geral, desde cedo ultrapassa a utilizagao mera- mente técnica na elaboragio de arquivos e adquire um signi- ficado moral e teolégico, os letrados sio, quase sempre, muito mais do que simples técnicos da escrita. Q que estd em causa nfo & apenas o facto de eserever, mas também que estd escrito, pois na sociedade agréria a proporgao do sagrado em telago ao profano, no reino da escrita, tem) tendénoia a pesar mais a favor do primeito. Nestas citcuns-"p tanclas, aqueles que sabem ler e escrever so especialistas, wf mas sio mais do que isso: fazem parte da sociedade e, ao\""” mesmo tempo, pretendem ser a voz da sua totalidade. A'sua especializagao diz algo, algo de especial, talvez mais do que os escultores de madeira e outros estilistas, e muito mais do que os latociros. * No original, aclerks»; em francés, dirse-ia ueleresy 30 por «clérigos», visto estes terem em portugh nota és uma conctagdo religiosa ime- data, Poder-se-ia seguir o exemplo do tradutor de La trahison des elercs de Julien Benda, que optou por A traigdo dos intelecinais, Preferimos, todavia, eletrados» 5 conolagées inederas do termno wintelectuals, (N. do R) nas niio pode trduzir- 54 Spy ORLY ~” Os especialistas sio muitas vezes.temidos.ou desprezados neste tipo de sociedades. Os letrados podem ser vislos de forma ambivalente, mas o seu estatuto, em geral, é bastante elevado. So especialistas e ao mesmo tempo fazem parte da sociedade, mas pretendem também, como dissemos, ser a voz da totalidade. Encontram-se numa situago intrinsecamente paradoxal. Os peritos em Iégica ocupam-se, no sen arsenal de quebra-cabegas, supostamente profundos e importantes, do patadoxo do barbeiro: numa aldeia podem dividir-se todos os homens entre os que se barbeiam a si proprios e aqueles que fazem a barba no barbeiro. E quanto ao proprio barbeiro? Fara parte do primeiro ou do segundo grupo? Deixemos esta uestio para os peritos em légica. A verdade, porém, & que of, Ietrados estdo, de cesta forma, na situagio do barbeiro. Repro- duzem o préprio grémio, formando os novos candidatos, mas também dao um pouco de formagao ou prestam servigos a0 resto da sociedade. Serd que se barbeiam a si préprios ou nao? |Bsta tensio € os respectivos problemas (que nfo sto apenas /16gicos) acompanham-nos € ndo sdo faceis de resolver. y,, . 08 Finalmente, a sociedade moderna resolve este quebra-Hie f -eabegas transformando fodos em «lettados», fazendo desta icialmente universal uma classe realmente univer- ns por ela. A educagio vinda do exterior (exo-educagdo) transyip4 y, my forma-se, assim, na norma universal, de modo, que, ningué do ponto de vista cultural, faz a barba a si proprio. A so- ciédade iidderna é aquela em que qualquer subcomunidade, abaixo da dimensio daquela que é capaz de manter um sis- tema educacional independente, j4 nfo pode auto-reproduzir, -se. A propria reprodugio de individuos totalmente sociali zados passa a fazer parle da divisio do trabalho, deixando a sub-comunidades de desempenhar essa tarefa. Sao assim as sociedades modernas desenvolvidas. Mas por' que é que tém de ser assim? Que destino as impele nesta di- recgio? Para repetir a questio anterior, por que é que o ideal, 35 hida alfabetizagao e educagio universal é considerado com esta seriedade pouco habitual e fora do comum? Parte da resposta foi dada e est relacionada com a énfase attibuida a mobili- dade ocupacional, a uma divisio do trabalho instével e em amudanga répida, Uma sociedade em que todo o sistema polf- tico e, de facto, a cosmologia e a ordem moral estio baseados, em Ultima andlise, no crescimento econdmico, no Danegeldd progressivo e universal, na esperanga de um aumento cons- ‘ante das satisfagées, cuja legitimidade depende da capacidade de manter ¢ realizar esta expectativa, uma tal sociedade estd sujeita, portanto, & necessidade de inovagiio e, por isso, a uma estrutura ocupacional em mudanga, Consequentemente, os homens, de uma geragio para outra e, muitas vezes, no tempo de uma vida, devem estar preparados para serem redistribui- dos por novas tarefas. Dai, em parte, a importéncia da forma- so genética e 0 facto de a pequena parte extra de formagao, exigida por quase todas as ocupagdes, néo ser excessiva e, além disso, ser incluida em manuais compreensiveis para fodos os que detém a formagio genérica da sociedade, (Enquanto esse pequeno extra pouco representa, o miicleo genérico comum e verdadeiramente essencial é fornecido a un nivel bastante elevado, talvez nfo quando comparado com os «cumes» intelectuais da sociedade agraria, mas certamente quando comparado com a média habitual de outros tempos.) No entanto, a mobilidade e a reciclagem nao sio as tinicas que dao origem a este imperativo. B tambéin o conteido da maior parte das actividades profissionais. O trabalho na so- cledade industrial nao significa deslocar a matétia, O para- digma do trabalho ja nao é o arar, colher e debulhat. Princi- \Palmente, 0 trabalho j4 nao representa a manipulago dos | objectos, mas dos significados. Geralmente, implica a troca de mensagens com outras pessoas ou a manipulagao dos con- roles das maquinas. A quantidade de pessoas que se dedicam a0 trabalho sobre a Natureza, aplicando directamente a forga fisica humana aos objectos naturais, esté a diminuir constan- 56 temente, A maior parte das ocupagées, se nao implicam real- mente o trabalho «com pessoas», implicam 0 controle de botées, interruptores ou alavancas, que precisam de ser com- preendidos e que podem, uma vez mais, ser explicados segundo uma linguagem standardizada, it Pela primeira vez na histéria do homem, uma comunicagio explicita e relativamente precisa é utilizada de forma geral, difusa e significativa. Nas comunidades locais fechadas do mundo agrério ou tribal, o contexto, 0 tom, 0 gesto, a persona lidade e a situagio representavam tudo. Tal comunicagao ocotria sem a ajuda de uma formulagao exacte, para a qual os locais nao tinham gosto nem aptidio. A explicitagao e as sub- tilezas de uma formulagao precisa e orientada por regras eram deixadas para os advogados, tedlogos ou especialistas em rituais, fazendo parte dos respectivos mistérios, Entre familia- res de uma comunidade fechada, a explicitagéo teria sido pedante ¢ ofensiva, raramente sendo imagindvel ou inteligivel ‘A Tinguagem humana deve ter sido utilizada durante geragdes sem fim em tais comunidades intimas, fechadas e dependentes do seu contexto, ¢ s6 durante muito poucas ‘geragdes foi utilizada por professores e juristas, bem como por todos os tipos de puritanos conceptuais que evitavam o con- texto, Tendo em conta que evoluiu num meio que de maneira alguma exigia este desenvolvimento e que nfo o seleccionava favoravelmente quando se manifestava, é intrigante que una instituigao, como a linguagem humana, tivesse este potencial para ser utilizada como um «cédigo elaborado», segundo a frase de Basil Bernstein, como um instrumento formal e descontextualizado, Esta questao levanta problemas idénticos aos colocados pela existéncia de capacidades (por exemplo, matematicas) que, durante a maior parte do perfodo de exis- féncia da humanidade, no tinham qualquer valor de sobre- vivéncia e, portanto, nao poderiam ter sido directamente pro- duzidas pela seleogio natural. A existéncia de uma Tinguagem adequada para tal utilizagio formal e descontextualizada é um 37problema semelhante, mas é também, sem diivida, um facto, Esta potencialidade, qualquer que seja a sua origem e expli- cago, aconteceu estar presente. Finalmente, surgiu um novo lipo de sociedade — que esta agora a tomnat-se global — na qual esta potencialidade realmente se desenvolyeu e na qual se toma dominante e indispensavel. ee | Para resumir esta discussio: surgiu uma sociedade baseada numa’ tecnologia muito poderosa e na expectativa do ctesci- mento prolongado, que exige uma divisio do trabalho méyel uma comunicagio continua, frequente ¢ exacta entre estra- ‘ nhos, envolvendo uma partitha de significado explicito, emi- tido através de um idioma standardizado e, se necessério, escrito. Por um conjunto de razées convergentes, esta socie- dade deve ser exaustivamente exoeducacional: cada individuo. 6 formado por especialistas, e no apenas pelo grupo local, se é que, de facto, possui algum. Os seus segmentos e unidades — esta sociedade é, contudo, grande e variivel e, em com- Paragio com as sociedades agrarias tradicionais, possui pou- cas estruturas internas — nao tém, simplesmente, capacidade ou recursos para reptoduzirem o seu préprio pessoal. O nivel de instrugo e de competéncia técnica num meio de comuni- éagio standardizado, numa moeda conceptual comum, tal como exigido aos membros desta sociedade se quiserem ser devidamente empregados e gozar de uma cidadania total ¢ real, é tao elevado que, simplesmente, ndo pode ser fornecido pelas unidades de parentesco ou locais. Apenas pode ser fornecido por algo que se assemelhe ao sistema educacional «nacional» modemo: uma piramide em cuja base encontramos as escolas primarias, ditigidas por professores formados nas escolas secundétias, dirigidas por professores formados nas universidades, orientados pelos produtos das escolas com graus mais elevados. Esta pirdmide fornece-nos o critério para a dimenséo minima de uma unidade politica possivel. Nenhuma unidade que seja demasiado pequena para conter esta piramide pode funcionar devidamente. As unidades nio 58 podem set mais pequenas do que esta. Em vérias circuns- tancias, funcionam também constrangimentos que impedem que estas sejam demasiado grandes, mas isso é outro assunto. facto de as subunidades da sociedade ja nao serem capazes de se auto-reproduzir, de a exoeducagio constituir a norma obrigatéria, de esta educagao servir de complemento (embora nao a substitua totalmente) a aculturagao localizada, é de grande importéncia para a sociologia politica do mundo modero, As consequéncias, por estranho que patega, rara mente (ém sido compreendidas ou tomadas em consideragao, on sequer analisadas. Na base do sistema social modero encontra-se, no 0 carrasco, mas 0 professor. Nao é a guilho- tina, mas 0 (devidamente intitulado) doctorat d'état que cons- titui a principal ferramenta e 0 simbolo do poder do Estado. O monopélio da educacao legitima é agora mais importante ¢ mais central do que o monopélio da violéncia legitima. Quando se compreende isto, entio pode também ser com- preendido o imperativo do nacionalismo, bem como as raizes gue tem, nao na natureza humana enquanto tal, mas num certo tipo de ordem social em vias de generalizacao. st Contrariamente @ crenga popular, ou. mesmo erudita, 0 nacionalismo nao possui quaisquer raizes profundas na mente humana; Supée-se que esta se tenha mantido inalterada du- rante muitos e muitos milénios da existéncia da raga humana eqne nao tenhia melhorado nem piorado durante a era relativa- mente breve muito recente do nacionalismo. Nao se pode inyocar um substrato geral para explicar um fenémeno espect- fico. © substrato dé origem, & superficie, a muitas possibili- dades. O nacionalismo, a organizagao de grupos humanos em grandes unidades de educagao centralizada e culturalmente homogénea, nao é sendo uma delas e, por sinal, muito rara, Aquilo que € essencial para a sua verdadeira explicagao é a identificagio das suas raizes especificas. Sé estas podem explicé-lo devidamente. Desta forma, os factores especificos sobrepéem-se a um substrato humano universal e comum, 59SOCHHSHSHOTOHOHHOHHOHSSCHOHTOHOVOHEO alismo mergulham efectivamente, de \s requisitos estruturais distintivos da sociedade industrial. Esta tendéncia nfo é fruto, nem da aber- tag ideoldgica, nem do excesso emocional. Embora aqueles que, em geral, nele participam, quasé sem excepgio, nao compreendam que fazem, o movimento é, no entanto, a manifestagao exterior de uma adaptagio profunda e inevitavel na relagio entre organizagio politica e cultura A era da cultura erudita universal . ai _ Recapitulemos as caracteristicas gerais_e centrais da so- cledade industrial. Entre os seus pré-requisitos funcionais en- contram-se a alfabetizagio universal e_um-elevado. grande sefisteaga umérica, técnica e geral. Os,sens membros so e devem ser méveis e estar prontos para mudar de uma activi- dade para outra e possuir esse treino genérica que thes pos- sibilite seguir os manuais e as instugdes de uma nova activi- dade ou ocupagio. No decorrer do trabalho devem comunicar constantemente com uma grande quantidade de outras_pes- Soas, com as quais nao tém muitas vezes qualquer ligago prévia e com as quais a comunicagao deve, consequentemente, ser explicita, em vez de depender do contexto. Devem também, ser capazes de comunicar através. de mensagens esctitas, i pessoais, descontextualizadas, destinadas aqueles a quem sio ditigidas. Assim, estas mensagens devem ser transinitidas no mesmio meio de comunicagao linguistico e grafico comum e standardizads. O sistema educacional que assegura este feito social desenvolve-se ¢ fotna-se indispensével, mias deixa, a0 mesmo tempo, de deter 0 monopélio do acesso a palavra escrita: a clientela é coextensiva & sociedade em geral’e a pos- sibilidade de substituigio de individuos dentro do sistema por Outros diz respeito ao sistema educacional, tanto ou mais que a qualquer outro segmento da sociedade, Alguns professores 60 e investigadores muito importantes podem ser talvez.inicos e insubstituiveis, mas © professor médio ou 0 mestre-escola podem ser substituidos, com a maior das facilidades e muitas vyezes com pouco ou nenhum prejuizo, por individuos que nao estejam na carreira docente. GOR Quais siio as consequéncias de tudo isto para a sociedade e para os seus membros? Tipicamente, para a maioria dos homens, a sua capacidade de emprego, seguranga e auto- estima depende agora da «educago», e os limites da cultura ‘em que foram educados so tarnbém os limites do mundo em que podem respirar moral e profissionalmente. A educagiio do homem é, sem diivida, o investimento mais valioso e, de facto, it/ h confere-Ihe a sua identidade. O homem moderno nao é leal als um monarca, a uma terra ou a uma fé, 0 que quer que isto queira dizer, mas sim a wma cultura. B, de uma forma geral, castrado, A condigio de mameluco tornou-se universal. Nenhuns lagos importantes o unem a um grupo de parentesco, nem interferem entre ele e uma comunidade cultural mais vasta e anénima, din "vt, © reverso do facto de sé uma cultura transmitida pelo ensino conferir utilidade, dignidade e auto-estima ao homem industrial, em vez de uma cultura popular, é 0 facto de nada mais o poder fazer numa dimensfo comparivel. Seria imitil fingir que os antepassados, a riqueza e as relagdes sociais nfio sao importantes na sociedade modema e que, pot vezes, no siio até fonte de orgulho para aqueles que deles beneficiam. De qualquer modo, as vantagens asseguradas dessa forma sao muitas vezes desvalorizadas e, na melhor das hipoteses, vistas, de modo ambivalent. E interessante perguntar se a difusio da ética do trabalho ajudou a gerar este estado de coisas on se, pelo contririo, é um resultado dele. Continuam a existir pessoas indolentes e que vivem dos rendimentos, mas nio 0 ‘ostentam, 0 que é, por si s6, muito significativo. E importante que a sobrevivéncia desses privilégios e dessa ociosidade se tenha tornado hoje em dia discreta, preferindo a obscuridade 614 ostentagio, tendo estes de ser trazidos a luz por investiga. dotes persistentes, empenhados em desmascarar a desigual- dade escondida sob a superficie. O mesmo ni acontecia no passado, quando o privilégio da inactividade era digno de orgulho e ostentagao, como ainda continua a existir nas sociedades agrétias subsistentes ou em sociedades que continuam a manter o ethos da vida pré-indus- trial. Curiosamente, 0 conceito de consumo ostentatério foi inventado por um membro orientado para o tabalho de uma sociedade viciada no trabalho, Thorstein Veblen, escandal zado por aquilo que observou como sobrevivéncias de uma cra pié-industrial e predatéria. A superficie igualitaria, orien- tada para o trabalho e para a carreira, da sociedade industrial é tio significativa como as desigualdades nas suas profunde- zas, Afinal de contas, a vida é geralmente vivida a superficie, mesmo que algumas decisées importantes sejam, por vezes, tomadas nas profundezas. A classe docente é agora, em certo sentido, mais impor- fante — é indispensdvel — e, noutro, muito menos, tendo perdido o monopédlio do acesso & sabedoria cultural contida Mas escrituras. Numa sociedade em que todos sao castrados “pela identificagdo com o cargo profissional ea formagao, eem que quase ninguém tira grande partido ou seguranga dos seus lagos de parentesco, os letrados que se dedicam ao ensino ja nao tém qualquer privilégio no acesso aos cargos administta- fivos. Quando todos se transformaram em mamelucos, estes deixam de predominar na burocracia, Finalmente, a burocracia pode recrutar 0 seu pessoal na populagao em geral, sem precisar de recear a chegada de dezenas de primos inde- sejéveis sempre que um novo membro seja admitido. A exossocializagao, a educagao propriamente dita, é agora @ norma virtualmente universal. Os homens adquirem as capacidades e sensibilidades que os tornam aceitveis para os seus semelhantes, que 0s preparam para assumirem cargos na sociedade e os transformam naquilo «que eles so», ao serem 62 entregues pelos grupos de parentesco (hoje em dia nor- malmente, como se sabe, a familia nuclear) a uma mequina educacional que, sozinha, 6 capaz de fornecer a ampla gama de formagées exigidas pela base cultural genérica. Esta infra- -estrutura educacional é grande, indispensavel e cara, A sua manutengao parece ultrapassar a capacidade financeira mesmo das organizagoes maiores e mais ricas da sociedade, como as grandes corporagdes industriais. Estas concedem muitas vezes habitagdo, actividades desportivas, clubes de lazer, etc., aos empregados, mas nao Ihes dio educagao escolar senao em casos especiais. (Podem subsidiar as despesas escolares, mas isso é outro assunto.) O homem da organizagéo trabalha e brinea com-a organizagao, mas os filhos ainda frequentam escolas estatais ou privadas. Em suma, esta infra-estrutura educacional é, por um lado, demasiado grande e dispendiosa para qualquer organizacio, excepto para a maior de todas, que 0 Estado, Por outro lado, 0 Estado é também o tinico com forga suficiente para contro- Jar uma fungao tao essencial. A cultura deixou de ser apenas © -adomo, a confirmagio ¢ a legitimagao de um sistema social mantido também por constrangimentos mais dristicos e coer- civos. A cultura é agora 0 meio necessério de comunicagio ‘comum, o elemento mais importante ou talvez, melhor ainda, a almosfera comum minima, no seio da qual os membros da sociedade podem, sozinhos, respirar, sobreviver ¢ produzir. Para cada sociedade, tal sistema tem de ser aquele em que todos possam respirar, falar e produzir, tem de ser a mesma cultura, Além disso, agora tem de ser uma cultura erudita (letrada, mantida pela formago), jé nao pode ser uma cultura popular ou tradigio diversificada, local ¢ iletrada. Deve, porém, haver um organismo que assegure que esta cultura letrada e unificada esteja, de facto, a ser produzida de forma eficaz e que o produto educacional nfo seja de ma qualidade, Apenas o Estado pode assegurar isso. Mesmo nos paises em que alguns sectores da educagio esto a cargo de 63organizagées privadas ou religiosas, o Estado é responsavel 4 pelo controle de qualidade na mais importante das industrias, a manufactura de seres humanos vidveis e utilizéveis. A Igreja centralizada — esse Estado-sombra do tempo em que os Estados europeus cram nao sé fragmentados, mas também socialmente fracos — lutou pelo controle da educacéo, mas essa luta revelou-se va, a nao set quando a Igreja agiu em nome de uma cultura erudita englobante e, desta forma, indi- Tectamente em nome de um novo Estado nacionalisia, Houve um tempo em que a educagio era uma inchistria doméstica, quando os homens podiam ser feitos por uma jaldeia ou por um ela. Esse tempo foi-se para sempre, (Na | educagao, a pequenez pode agora ser bonita se for, disfargada~ mente, parasitiria da grande dimensio.) A exossocializagiio, a Produgio ¢ reprodugao dos homens fora da unidade familiar local, constitui agora 2 norma e assim tem de ser. O impera- tivo da exossocializagio é a principal pista para pereeber por sue é que o Estado e a cultura tém agora de estar relaciona- los, enquanto no passado a ligagao era fraca, acidental, diver- sificada, remota e muitas vezes minima, Agora é inevitivel. E. isto que o nacionalismo representa. E essa a razio por que ¢-vivemos numa era de nacionalismo, 64 4. A transigao para a era do nacionalismo Os passos mais importantes da discussio ja foram dados. A humanidade esta ireversivelmente destinada & sociedade industrial e, portanto, a uma sociedade cujo sistema produtivo se baseia na ciéncia e na tecnologia cumulativas. $6 isto pode sustentar o mtimero actual e previsto de habitantes do planeta © oferecer-Ihes a perspectiva de um tipo de nivel de vida que © homem de hoje considera como adquirido ou a ele aspira A sociedade agriria ja nao constitui uma opcao, pois a sua restauragq condenaria simplesinente a grande maioria da populagao a morrer de fome, sem falar na pobreza, tertivel ¢ inaceitavel, que recairia sobre a minotia de sobreviventes. Desta forma, é imitil discutir, do ponto de vista pritico, os eneantos e os terrores que acompanham, cultural e po- liticamente, a era agrétia: muito simplesmente, nao estio disponiveis. Nao compreendemos devidamente o leque de ‘opsdes disponiveis para a sociedade industrial, e talvez nunca © compteendamos; mas compreendemos alguns dos aconteci- mentos_essenciais-quea-acompanham. O tipo de homo- geneidade cultural exigida pelo nacionalismo é um deles, pelo 65