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384 Vicente, E.; De Marchi, L. ; Micó Sanz, J. L. Estud. mensaje period.

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provaria decisiva para o desenvolvimento da indús- disso, merecem destaque entre os artistas do período
WULDIRQRJUi¿FDORFDOQRVDQRVVHJXLQWHV os integrantes do chamado “Clube de Esquina”, do
Outro fator fundamental na reorganização da pro- estado de Minas Gerais (região Sudeste) que teve em
GXomRIRQRJUi¿FDQR%UDVLOpRSDSHOTXHDJUDYDGRUD 0LOWRQ1DVFLPHQWRVXD¿JXUDFHQWUDO24. Cabe ressal-
Som Livre passaria a assumir nesse mercado. Criada, WDU DLQGD R IRUWDOHFLPHQWR TXH D YHUWHQWH URPkQWLFD
FRPRYLPRVQR¿QDOGRVDQRVSHOD5HGH*ORER da MPB recebe através, principalmente, da presença
de Televisão, a gravadora tinha como principal fun- de um maior número de intérpretes femininas num
ção cuidar das trilhas sonoras (nacionais e interna- espaço antes ocupado predominantemente por can-
cionais) das telenovelas da emissora. Para tanto, ela tores-autores. Nesse processo, além da presença des-
desenvolveria um modelo de negócio sui generis: ao tacada de nomes já consagrados como Elis Regina,
invés de contratar artistas para seu elenco, aliou-se 0DULD%HWkQLDH*DO&RVWDWHUHPRVRVXUJLPHQWRGH
às grandes gravadoras multinacionais, sobretudo, novos nomes como Simone, Zizi Possi Amelinha,
para inserir artistas dessas empresas nas trilhas sono- Elba Ramalho e Fafá de Belém, entre outras.
ras das telenovelas. Com a popularidade obtida pela No caso de artistas brasileiros ligados ao rock,
Rede Globo ao longo do período22, não impressiona nota-se uma grande oscilação entre os anos 1960 e
que a Som Livre tenha se tornado uma das maiores 1970. Alguns artistas lograriam alcançar grande êxito
vendedoras de discos do mercado brasileiro (Morel- de crítica e de público, ainda que pontual, como Secos
li, 2009, 70). A simbiose entre tais gravadoras foi & Molhados, Rita Lee e Raul Seixas. Porém, a maior
bastante produtiva. Não apenas nomes da MPB e da parte da produção musical roqueira no Brasil se daria
Jovem Guarda se tornaram mais conhecidos do pú- numa cena underground que, inspirada inicialmente
EOLFRHPJHUDOFRPRWDPEpPDVFROHWkQHDVLQWHUQD- pelo rock progressivo e, a seguir, pelo punk rock, co-
cionais ajudaram a aumentar as vendas de repertório meça a se articular de forma mais intensa durante a
estrangeiro no país, ainda que não o tenham feito em virada da década. Um dos pioneiros dessa cena foi
proporções que garantissem seu predomínio junto ao Luiz Carlos Calanca, proprietário da loja de discos
público consumidor. %DUDWRV $¿QV, localizada na Galeria do Rock, em
A partir da segunda metade dos anos 1970, a pro- São Paulo, que criou em 1982 um selo com o mesmo
GXomRIRQRJUi¿FDFUHVFHUiGHPDQHLUDVLJQL¿FDWLYD nome da loja, pelo qual gravaram Ratos de Porão,
segmentando-se em alguns importantes nichos de Voluntário da Pátria, Nau, As Mercenárias, Gueto,
mercado. Como aponta Renato Ortiz (1988), entre 365, Fellini, Akira S. e Arnaldo Baptista, entre outros
1967 e 1980, o consumo de toca-discos cresceu 813% (Dias, 2000). Acompanharam a iniciativa de Calan-
(Ortiz, 1988, p. 127). Isto fez com que, conjugado ca selos como Ataque Frontal, WopBop, Woodstock
DRLQFHQWLYR¿VFDOjSURGXomRGHP~VLFDEUDVLOHLUD e Rock Brigade, de São Paulo; Heavy Discos e Point
RIDWXUDPHQWRGDVHPSUHVDVIRQRJUi¿FDVDXPHQWDVVH Rock, do Rio; e Cogumelo, de Belo Horizonte (Dez
1.375%, entre 1970 e 1976 (Idem, p. 127). Segundo anos de ousadia, 1988). Essas inciativas antecipam a
dados da ABPD citados por Morelli (2009, p. 86), grande eclosão que transformaria o rock, mais do que
o mercado de discos no país crescera 7% em 1970, a MPB, no principal referencial da música brasileira
19% em 1971 e 26% somente no primeiro semestre na década seguinte.
de 1972. Entre 1965 e 1972, de acordo com a mesma
fonte (Morelli, 2009, p.86), o crescimento nas vendas
do setor foi de 400%. $EXVFDSHOR³SRSXODU´QDVGpFDGDVGHH
Em termos estéticos, uma já diversa MPB se tor- 1990
na mainstreamMXQWDPHQWHFRPDP~VLFDURPkQWLFD
VREUHWXGRQD¿JXUDGH5REHUWR&DUORVRUHFRUGLVWD A década de 1980 foi marcada, no Brasil e na Amé-
de vendas de discos das décadas de 1960 e 1970. No ULFD/DWLQDHPJHUDOSHODLQÀDomRDFHOHUDGDHSHODV
caso da MPB, ainda que seu centro de produção e constantes crises econômicas que lhe valeram o tí-
FRQVXPRHVWLYHVVH¿[DGRQRFKDPDGRHL[R5LRH6mR tulo de “década perdida”. À crise do milagre econô-
Paulo, ele passará a contar com artistas de diferentes mico brasileiro (Singer, 1980), no caso da indústria
regiões do país, especialmente da Nordeste23. Além IRQRJUi¿FD VRPDYDVH XPD FULVH PDLV HVSHFt¿FD
do setor e de alcance mundial, que teria seu período
22
As telecomunicações tinham um papel estratégico na política dos mi- mais agudo aproximadamente entre os anos de 1979
litares. Como sustenta Renato Ortiz (1988), a intelligentsia militar en-
tendia que os meios de comunicação de massa funcionavam como um H /RSHVS ,VVRVLJQL¿FDGL]HUTXH
cimento social moderno, sendo uma arma estratégica para veicular uma após anos seguidos de crescimento expressivo do
propaganda favorável ao regime assim como um discurso de crítica aos mercado de discos, a década é marcada pela dimi-
seus adversários – o comunismo e o nacional-desenvolvimentismo. A nuição drástica dos investimentos. Segundo as me-
maneira pela qual os militares decidiram estabelecer o controle sobre os
meios de comunicação foi, contudo, singular: ao invés de estatizarem mórias de André Midani (2008), em 1980, o mer-
HVWDo}HVGHUiGLRRXWHOHYLVmRFRPR9DUJDV¿]HUDUHVROYHXVHDSRLDU cado brasileiro de discos, que crescera 10% no ano
empreendimentos privados que estivessem totalmente aliados ao regi- anterior, teve uma retração de 30% (Midani, 2008,
me. As Organizações Globo se dispuseram a ser esse agente e gozaram p. 199). Já Márcia Dias (2000) observa que, com
de enormes benefícios ao longo da ditadura civil-militar.
23
Através, principalmente, de representantes de estados como Ceará um cenário econômico tão inconstante, tornara-se
(Belchior e Fagner), Pernambuco (Alceu Valença e Geraldo Aze-
vedo), Alagoas (Djavan) e Paraíba (Zé Ramalho, Amelinha e Elba 24
O “Clube” era também formado por Beto Guedes, Lô Borges, Toni-
Ramalho). nho Horta e o grupo 14 Bis, entre outros nomes.
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difícil para as grandes gravadoras realizarem seu Lulu Santos (WEA) e Léo Jaime (CBS), entre outros
planejamento costumeiro e, para as independentes nomes.
locais, a atividade se msotrava praticamente inviá- Vários desses artistas, especialmente Legião Ur-
vel (Dias, 2000, p. 77). O cenário negativo levou EDQD3DUDODPDVGR6XFHVVR7LWmV,UDH&D]X]D¿-
D XPD PDLRU FRQFHQWUDomR GR VHWRU IRQRJUi¿FR zeram canções voltadas também para a crítica social,
com muitas das empresas independentes fechando enfocando questões como corrupção, desigualdade,
ou sendo absorvidas por majors (Dias, 2000; De crise econômica e violência policial, entre outras26.
Marchi, 2016; Vicente, 2014). De fato, as grandes Além disso, a música e o comportamento dos artistas
gravadoras acabariam concentrando tanto a função tendiam a confrontar a moral conservadora que fora
de lançar estrelas da música popular quanto novos dominante durante a ditadura num país que agora
artistas com potencial para o mercado mainstream. caminhava lentamente para um processo de abertu-
Em razão disso, os empresários do setor busca- ra política (que só teria sua efetiva conclusão com a
ram racionalizar o funcionamento das gravadoras, eleição presidencial de 1990)27.
explorando mercados populares, mas que eram Deve-se destacar que, embora o grupo de artistas
desprezados pelas majors, em ações integradas de acima não seja formado exclusivamente por nomes
marketing e a redução dos custos. Nas palavras de do Rio e de São Paulo, as duas cidades, juntamente
um empresário do setor: “A palavra risco foi aboli- com Brasília (Legião Urbana, Paralamas do Sucesso
da do vocabulário” (Os tempos mudaram…, 1982), e Capital Inicial) responderam pela quase totalidade
R TXH VLJQL¿FDYD GL]HU TXH DV JUDYDGRUDV UHGX]L- dos artistas citados. Além disso, todos eram contrata-
riam drasticamente seus elencos e as apostas em dos das majors ou da Som Livre.
novos nomes da MPB. Ao mesmo tempo, passariam A última estratégia da década foi a introdução do
a buscar novas alternativas musicais, adequadas à CD (Compact Disc) a partir de 1988, o que reforça-
nova realidade do mercado e às faixas mais jovens ria o papel central das grandes gravadoras no merca-
de público, já mais distantes da tradição da MPB. do musical brasileiro. Aliás, é importante notar que
Duas grandes vertentes do mercado musical brasi- o processo de concentração de capital que se anun-
leiro da década materializarão essas perspectivas: a ciava na década de setenta, concretiza-se então: em
música infantil e o rock. 1988, as principais gravadoras atuantes no mercado
No caso da música infantil, à parte alguns projetos brasileiro seriam as multinacionais CBS, RCA-Ario-
envolvendo nomes da MPB desenvolvidos na déca- la, Polygram, WEA e a EMI-Odeon, sendo a única
da de 197025, tratava-se de mercado que nunca fora brasileira a Som Livre (DIAS, 2000, p.75).
H[SORUDGRGHIRUPDPDLVLQFLVLYD1DQRYDFRQ¿JX- Embora a década de 1990 tenha começado, assim
ração da indústria, no entanto, os programas infan- como a anterior, sob o signo da crise, importantes
tis da televisão passaram a ser desenvolvidos com a PXGDQoDVLUmRDOWHUDUQmRDSHQDVDGLQkPLFDGDHFR-
participação das gravadoras e os seus apresentadores. nomia ao longo da mesma, como a própria estrutura
Assim, Turma do Balão Mágico (CBS), Trem da Ale- GDLQG~VWULDIRQRJUi¿FD
gria (RCA), Angélica (CBS), Mara (EMI) e, muito Em primeiro lugar, dá-se início de um longo pe-
especialmente, Xuxa Meneghel (Som Livre), torna- ríodo de estabilidade econômica no país a partir do
ram-se algumas das grandes estrelas da música dos Plano Real (1994), que permitiu um rápido cresci-
anos 1980, com a apresentadora do “Xou da Xuxa”, mento do consumo depois de todos os percalços da
da Rede Globo, chegando a ser apontada como “a década perdida e do início dos anos 199028. Por con-
maior vendedora de discos da América Latina, ba- ta da crise econômica, a popularização dos CDs só
tendo Roberto Carlos e Júlio Iglesias” (Crianças, o ocorreu a partir de 1992 e a substituição de formatos,
mercado dos milhões, 1989). associada à ascensão econômica das classes C e D
$VLWXDomRGRURFNGHQWURGDLQG~VWULDIRQRJUi¿FD garantiu um forte crescimento de vendas da indústria.
era semelhante. Apesar dos nomes citados no tópico O período também marcou o início da popularização
anterior, o gênero aparentemente não recebera uma de equipamentos digitais para a produção musical, o
atenção destacada da indústria desde o surgimento que levou à terceirização dos estúdios das grandes
da Jovem Guarda. Agora, uma importante geração de
artistas emergia da cena underground para o mains- 26
Essa crítica dos roqueiros se diferenciava um pouco daquela feita no
período da MPB, quando a denúncia à censura e à repressão eram os
tream. Esse foi o caso de bandas como Blitz (EMI),
temas mais frequentes. Com o abrandamento da censura, os roquei-
Kid Abelha & Os Abóboras Selvagens (WEA), Barão ros também puderam utilizar uma linguagem muito mais incisiva e
Vermelho (Som Livre), RPM (CBS), Ultraje a Rigor direta em suas canções, enquanto os artistas da MPB tiveram que re-
(WEA), Os Paralamas do Sucesso (EMI), Magazine correr a uma linguagem mais obliqua, metafórica ou, como Gilberto
Vasconcellos (1977) a denominou, uma “linguagem da fresta”.
(WEA), Legião Urbana (EMI), Titãs (WEA), En- 27
Nesses termos, entendemos que possa ser estabelecido um paralelo
genheiros do Hawaii (BMG), Capital Inicial (Poly- entre o rock brasileiro dos anos 1980 e a La Movida Madrileña já
Gram) e Ira! (WEA), bem como de artistas solo como TXHWDPEpPQHVVHFDVRDLQÀXrQFLDGRSXQNHR¿PGDGLWDGXUDIR-
Lobão (RCA), Cazuza (PolyGram), Ritchie (CBS), ram importantes fatores para o seu surgimento e repercussão (Fouce,
2002, p. 14).
28
Marcado pela turbulência política e econômica do governo de Fer-
25
Como as trilhas sonoras das séries televisivas infantis Vila Sésamo nando Collor de Mello, primeiro presidente brasileiro eleito pelo
(Som Livre, 1973) e Sítio do Pica-Pau Amarelo (Som Livre, 1975), voto popular desde 1962. Collor tomou posse em 1990 e, sob grande
da peça teatral de Chico Buarque Os Saltimbancos (Philips, 1977) e pressão popular oriunda da crise econômica e de inúmeras denúncias
dos especiais televisivos A Arca de Noé I e II (Ariola, 1979 e 1980). de corrupção, sofreu impeachment em 1992.
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gravadoras e ao concomitante surgimento de diversos Um outro fenômeno musical baiano dos anos
pequenos estúdios de gravação por todas as regiões 1990, a chamada Axé Music, pode ser situada dentro
do país (Vicente, 2014). desse processo de regionalização da produção. Vin-
Como uma das consequências desses dois proces- culadas aos trios elétricos que animavam o carnaval
sos, tivemos o início do declínio do eixo Rio/São Pau- de rua da cidade de Salvador, várias bandas e artis-
lo enquanto espaço hegemônico de produção musical. tas do período alcançaram grande sucesso no cená-
Novos selos musicais independentes surgiram em todo rio nacional, destacando-se entre eles Daniela Mer-
o Brasil e especializados nos mais diferentes gêneros cury (Sony), Chiclete com Banana (BMG), Netinho
musicais, permitindo que a música regional passasse a (PolyGram), Banda Cheiro de Amor (PolyGram),
ser, cada vez mais, gravada e consumida localmente. A Ara Ketu (Sony), Banda Eva (PolyGram) – de onde
LQG~VWULDIRQRJUi¿FDDGHTXDQGRVHjVSUiWLFDVGHSDt- mais tarde surgiria Ivete Sangalo – e Asa de Águia
ses centrais, passou a terceirizar diversas de suas ativi- (Sony).
dades, especialmente as de produção e de prospecção Porém, o gênero musical mais privilegiado por
de novos artistas, estabelecendo parcerias para a dis- esse processo de regionalização, certamente foi o da
tribuição e divulgação de muitos selos independentes música sertaneja, estabelecida, como vimos, desde
(Dias, 2000; De Marchi, 2016). Buscava, assim, uma longa data na indústria, porém sempre relegada em
exploração mais sistemática da diversidade musical do relação aos gêneros urbanos. A partir de 1990, ele
país, o que permitiu uma maior presença, no contexto viverá seu grande momento de consagração através
nacional, de artistas vinculados a demandas identitá- de duplas como Chitãozinho & Xororó (PolyGram),
rias locais (Herschmann, 2011). Leandro & Leonardo (Continental), Zezé di Camar-
Entre os muitos exemplos desse processo, des- go & Luciano (Copacabana), João Paulo & Daniel
tacamos o ocorrido no próprio contexto do rock. Se (Continental) e Gian & Giovani (BMG), bem como
nos anos 1980, a quase totalidade dos artistas brasi- da cantora Roberta Miranda (Continental). O sucesso
leiros de maior destaque desse gênero eram brancos do sertanejo talvez também explique a absorção das
e de classe média, a cena agora era renovada princi- duas últimas grandes gravadoras brasileiras tradicio-
palmente por nomes ligados a identidades negras e nais por majors: a Copacabana teve boa parte de seu
periféricas. Esse foi o caso de bandas como O Ra- catálogo e artistas absorvidos pela Sony em 1992,
ppa (Warner), Planet Hemp (Sony) e Cidade Negra enquanto a Continental foi adquirida pela Warner em
(Sony), entre muitas outras. Além disso, Recife, ca- 1994.
pital do Estado de Pernambuco (Região Nordeste), 7DPEpPRSDJRGHXPVXEJrQHURFRQWHPSRUkQHR
tornou-se um dos mais importantes polos da música do samba, tornou-se um dos principais produtos des-
underground do país através do Festival Abril pro sa indústria. Já não se tratava mais de um samba liga-
Rock e do Movimento Manguebeat que, ligado a um do aos morros do Rio de Janeiro, mas de uma produ-
bairro da periferia da cidade, deu visibilidade a de- omRGHVWHUULWRULDOL]DGDHUHVVLJQL¿FDGDQDVSHULIHULDV
zenas de bandas, com destaque para Chico Science de cidades como São Paulo, Minas Gerais e Salva-
& Nação Zumbi (Chaos/Sony) e Mundo Livre S/A dor, de onde surgiram grupos como Só Pra Contra-
(Banguela/Warner). Entre as bandas recifenses as- riar (BMG), Negritude Jr. (EMI), Art Popular (EMI),
sociadas ao Manguebeat PLVWXUDYDPVH LQÀXrQFLDV Gera Samba (depois rebatizado É o Tchan do Brasil,
da black music, do rock e do pop internacionais, do PolyGram) e ExaltaSamba (EMI), entre outros.
samba, da MPB e de gêneros musicais locais como o É importante notar que, fora dos gêneros citados,
maracatú e o cavalo marinho. DDEXQGDQWHHGLYHUVL¿FDGDSURGXomRIRQRJUi¿FDGR
Também no cenário da música negra tivemos im- período não encontrou abrigo nos elencos das gran-
portantes mudanças. Se, nos anos 1970 e 1980, os ar- des gravadoras, que se dedicavam somente às “es-
tistas que poderiam ser vinculados a uma black music trelas”, de acordo com o jargão desse mercado para
brasileira (como Jorge Benjor e Tim Maia) foram, de grandes vendedores de discos. Por outro lado, ela
um modo geral, “acomodados” sob o guarda-chuva possibilitou o fortalecimento de uma nova produ-
da MPB, agora a cena adquiria maior autonomia e omRIRQRJUi¿FDLQGHSHQGHQWHQRSDtVTXHSDVVRXD
se tornava mais regionalizada. O funk carioca ganha- contar com gravadoras mais bem estruturadas, como
va projeção nacional tanto através do estilo Melódi- Trama, Biscoito Fino, Deck Disc, Indie Records e
co de Claudinho & Buchecha (Universal) e Pepê & $WUDomR )RQRJUi¿FD HQWUH RXWUDV (VVD UHRUJDQL-
Neném (EMI) quanto do chamado Batidão de Bonde zação do setor independente, depois de décadas de
GR7LJUmR 6RQ\ -iRUDSGH6mR3DXORVHD¿UPDYD predomínio quase absoluto das majors, foi consagra-
através de grupos como o independente Racionais da pela criação da Associação Brasileira da Música
MC’s. Na Bahia, grupos musicais vinculados a pro- Independente – ABMI, em São Paulo, em 2001, que
jetos sociais como Olodum (Sony/Columbia) e Tim- chegou a reunir dezenas de selos independentes (Co-
balada (Universal), entre outros, marcavam o que foi meça articulação…, 2001).
GH¿QLGRSRU$QWRQLR5LVpULR  FRPRD³UHDIUL- $GHVFHQWUDOL]DomRGDSURGXomRIRQRJUi¿FDDOLD-
canização da Bahia”. E São Luís, capital do Estado da à adoção do CD como único produto dessa indús-
do Maranhão (norte do Brasil), tornava-se conhecida tria no país, foi decisiva para promover mais um ciclo
como a “capital brasileira do reggae”, estabelecendo de crescimento desse mercado. Entre 1990 e 1999,
uma ponte com a sonoridade do Caribe. contabilizou-se um crescimento de 114,38% em ven-
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das de unidades de CD e DVD (De Marchi, 2016). tria, na chegada ao país de majors internacionais e na
$VVLPDLQG~VWULDIRQRJUi¿FDEUDVLOHLUDH[SHULPHQ- concentração econômica do setor. Finalmente, tenta-
tava o momento mais lucrativo de sua história: em PRVHQIDWL]DUDTXHVWmRJHRJUi¿FDWHQWDQGRDUWLFXODU
1996, ela venderia 99.8 milhões de unidades, arreca- fenômenos políticos, econômicos, sociais e culturais
dando US$ 1.394,5 milhões, voltando a ser um dos TXH¿]HUDPGRHL[R5LRGH-DQHLURH6mR3DXORRHSL-
seis maiores mercados de discos no mundo (IFPI, centro de uma indústria cultural brasileira.
1998, p. 56). A apresentação de tal cenário passa pela com-
Sem embargo, a ampla produção musical resul- SUHHQVmR GH TXH PHVPR TXH R DSDUHQWH UHÀX[R GD
WDQWH GD GHVFHQWUDOL]DomR GD SURGXomR IRQRJUi¿FD LQÀXrQFLDGDVmajors passe uma ideia de superação
não pôde ser contida na estrutura produtiva ainda do modelo industrial tradicional no setor, ele não sig-
fortemente controlada pelas grandes gravadoras mul- QL¿FD QHFHVVDULDPHQWH XPD VXSHUDomR GH UHODo}HV
tinacionais. A partir do momento em que a internet se de força tão longamente estabelecidas ou do quadro
coloca como opção de distribuição de arquivos digi- de concentração econômica que foi uma das mais
tais em formato MP3, nota-se uma rápida migração duradouras características do setor ao longo de sua
em larga escala para o entorno digital. Isso causou história. Nesse sentido, entendemos que a análise de
IUDWXUDVIXQGDPHQWDLVQRFRPpUFLRIRQRJUi¿FREUDVL- fenômenos mais recentes na música brasileira como
leiro no alvorecer da era digital, com consequências o movimento Fora do Eixo, o tecnobrega do Pará, o
que se estendem até o presente. funk carioca, o rap paulista, a presença quase hege-
mônica do sertanejo universitário nas rádios do país,
bandas-empresas como Móveis Coloniais de Acaju e
&RQVLGHUDo}HV¿QDLV O Teatro Mágico ou ainda as novas práticas de con-
sumo de música pelas redes digitais de comunicação,
Buscamos apresentar nesse texto um breve histórico somente podem ser compreendidas como grandes
GRGHVHQYROYLPHQWRGDLQG~VWULDIRQRJUi¿FDEUDVLOHL- inovações no cenário cultural do país ao se levar em
ra ao longo do século XX correlacionando suas dife- conta esse contexto histórico.
rentes fases com os artistas e gêneros musicais que se $¿QDO VXD LPSRUWkQFLD UHVLGH HP TXH HOHV UHID-
destacaram em cada período. zem diversas fronteiras: entre o eixo Rio-São Paulo e
Nosso olhar sobre esse percurso buscou enfatizar o restante do país, entre o mainstream musical e suas
três questões. Em primeiro lugar, o desenvolvimen- margens, entre a comunicação de massa e a comuni-
to conjunto de diferentes aspectos da indústria de FDomRGLJLWDOHPUHGH6XDLPSRUWkQFLDpGHWDORUGHP
FRPXQLFDomR Mi TXH DV LQWHUDo}HV HQWUH IRQRJUD¿D que permite aos agentes que formam essa indústria
rádio, cinema e televisão ajudaram, como vimos, a questionarem a legitimidade de suas tradicionais ins-
consolidar a presença hegemônica da música nacio- tituições (lojas de discos, as gravadoras, os discos fí-
nal junto aos consumidores brasileiros e, durante boa sicos, a ABPD, a legislação de direitos autorais, entre
parte do século, a garantir o predomínio da tradição outras), abrindo um novo horizonte de possibilidades
musical urbana, vinculada ao eixo Rio-São Paulo, so- tanto estéticas quanto comerciais (novos modelos de
bre a tradição dita regional. Em segundo, a questão negócio).
WHFQROyJLFDMiTXHDVWUDQVLo}HVGRVVLVWHPDVPHFk- Com esse movimento, esperamos ter dado subsí-
nicos para elétricos, nos anos 1920, o surgimento dos GLRVDSHVTXLVDVIXWXUDVHDSRQWDGRXPDELEOLRJUD¿D
/3VQRVDQRVHGR&'QR¿QDOGRVDQRV especializada para pesquisadores interessados na mú-
tiveram um forte impacto na organização da indús- sica e na indústria da música no Brasil.

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