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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

Coordenadoria Geral de Especialização,


Aperfeiçoamento e Extensão

Os games enquanto jornadas semióticas

Tese de Conclusão do Curso


de Especialização em
Estéticas Tecnológicas
da Pontifícia Universidade Católica
de São Paulo - PUCSP

Aline Carelli Salgado Antunes


2013
2

Banca Examinadora

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_________________________________________

_________________________________________
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Sumário


Introdução ..................................................................................................................................... 4
O advento do ciberespaço e as linguagens líquidas ...................................................................... 6
Sobre o lúdico, o jogo e o jogar .................................................................................................. 10
Relevância cultural, pesquisa e mercado .................................................................................... 13
Classificações e a hibridização das linguagens ............................................................................ 15
Games: características fundamentais ......................................................................................... 18
Narratologia versus Ludologia ..................................................................................................... 22
Possibilidades de experiências nos games .................................................................................. 27
Diferentes possibilidades existentes ........................................................................................... 30
Primeiridade em Flower: o acaso extático .............................................................................. 32
Secundidade em EyePet: a relação com a realidade ............................................................... 41
Terceiridade em Heavy Rain: o autoconhecimento ................................................................ 50
Reflexões finais ........................................................................................................................... 64
Referências das imagens ............................................................................................................. 67
Bibliografia selecionada .............................................................................................................. 70
Anexos ......................................................................................................................................... 73
Fichas técnicas dos games analisados .................................................................................... 73
Vídeos demonstrativos ........................................................................................................... 74
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Introdução

A pesquisa partiu do pressuposto de que os games – ou jogos eletrônicos – têm


em sua recepção a possibilidade inerente de proporcionar àquele que o experimenta – o
gamer – uma vivência que vai além do simples entretenimento. Qualidades como a
contemplação, o acaso extático, as relações de identidade e até mesmo o aprendizado e
o autoconhecimento são possíveis consequências do ato de jogar, a depender
principalmente de dois fatores: o objetivo primeiro dos desenvolvedores quando propõe
seu game e a relação que o próprio gamer – “usuário final” – tem com o gameplay.
Ao mencionar o objeto “game” enquanto foco da pesquisa, busca-se recortar a
análise de jogos construídos a partir de (e para) suportes tecnológicos – eletrônicos ou
computacionais. Vale ressaltar que, dentro desses parâmetros, existem três tipos
distintos: games para consoles (cujo funcionamento depende exclusivamente de
consoles de videogames; ex. PlayStation, xBox, Wii, DS); games para computador (cujo
funcionamento depende exclusivamente do processamento em microcomputadores
pessoais); e games para arcades (vulgo “fliperamas”1, que são máquinas cujo console e
monitor são integrados). Para esta pesquisa, limitou-se o estudo a três games
desenvolvidos para consoles – mais especificamente, para o Playstation 3, da Sony.
A escolha de cada game foi determinada pela análise semiótica de sua
recepção, onde cada um deles tem um aspecto predominante diferente. Conforme será
devidamente explicitado oportunamente, o primeiro é Flower, game cuja predominância
de recepção se encontra na categoria fenomenológica de C. S. Peirce, denominada de
primeiridade e sua ênfase, - no acaso, no icônico. O segundo é Eyepet, que se encontra
na secundidade, em sua relação com a realidade, sua indicialidade. O terceiro é Heavy
Rain, game predominantemente narrativo e, portanto, no domínio das leis e do
arbitrário, o simbólico.
Através da análise de cada um dos games selecionados, busca-se refletir acerca
das possibilidades de recepção que suas jornadas permitem. O objetivo é demonstrar
que essas possibilidades de recepção permitem experiências únicas a cada indivíduo,


1
“Fliperama é a designação utilizada para as máquinas criadas no final do século XIX nos Estados
Unidos (pinball), que consistem de dois ou mais flippers (braços) com a função de rebater uma bola –
que, à medida em que se encosta em pinos, plaquetas e outros objetos, acumulam pontos – de volta para a
mesa de jogo sem deixa-la passar por entre os dois flippers, nem cair em canaletas laterais. No Brasil
acabou se tornando a designação genérica para arcades (e, em alguns casos, para toda espécie de games),
bem como para o tipo de estabelecimento onde normalmente se encontra uma grande concentração dessas
máquinas” (NESTERIUK, 2009: 26).
5

que podem variar desde a satisfação contemplativa de um cenário bem resolvido a uma
reconstrução de identidade por parte de um personagem-herói bem elaborado.
Atualmente, vive-se o apogeu da história dos videogames. Santaella, em seu
livro Mapa do Jogo, apresenta de forma muito relevante a importância cultural (e
econômica) atual dos games. Segundo ela, os games são hoje “os grandes estimuladores
e responsáveis pelo avanço tecnológico da indústria do entretenimento, aproveitando-se
das pesquisas de ponta, ao mesmo tempo em que as disponibilizam com grande
rapidez” (SANTAELLA, 2007: 407). Um bom exemplo disso são os títulos lançados
que fazem uso da tecnologia da realidade aumentada – como o jogo EyePet, que será
analisado – e do mapeamento de ambientes e pessoas – que ocorre nos jogos
desenvolvidos pela Microsoft compatíveis com seu dispositivo sensorial Kinect, para o
console xBox.
Além de estimular avanços tecnológicos, outro fator importante é a sua posição
na economia: dentro da indústria do entretenimento, os games estão em primeiro lugar –
acima até mesmo do cinema. Já na indústria mundial, eles ocupam a terceira posição,
atrás apenas da indústria bélica e da automobilística.
Já ao focar a atenção para o meio acadêmico, as estatísticas são bastante
desanimadoras. Os games ainda sofrem um forte menosprezo crítico, sendo vistos como
algo banal, vulgar e nocivo, principalmente por estimular comportamentos agressivos e
a violência – fato erroneamente postulado e divulgado nas mídias em geral.
Vale citar a opinião de Marcus Bastos, quando ele diz que “é possível supor
que o século XXI terá, na prática de jogar por meio do computador, uma forma de
entretenimento tão dominante quanto os formatos audiovisuais foram no século XX”
(2009: 148), fato este que a própria economia do entretenimento já começa a
comprovar. E mais ainda, Henry Jenkins (apud BASTOS, 2009: 148) diz que “o
problema com a maior parte dos jogos contemporâneos não é que sejam violentos, mas
sim que sejam banais, formulaicos e previsíveis”.
Um dos objetivos deste trabalho é justamente apresentar – através da análise
semiótica – três games que caminham na contramão da crítica de Jenkins e, com essa
reflexão, alimentar e expandir essa área de pesquisa ainda tão carente, não só no Brasil,
como no mundo.
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O advento do ciberespaço e as linguagens líquidas

Com a finalidade de melhor embasar a análise semiótica dos games propostos,


será apresentada uma breve contextualização do universo digital atual, com foco nas
teorias de jogos e, mais especificamente, de games. De início, deve ser mencionado que
esse contexto é definido por ciberespaço, e se encontra no domínio das linguagens
líquidas. Nele, “linguagens antes consideradas do tempo – verbo, som, vídeo –
espacializam-se nas cartografias líquidas e invisíveis do ciberespaço, assim como as
linguagens tidas como espaciais – imagens, diagramas, fotos – fluidificam-se nas
enxurradas e circunvoluções dos fluxos” (SANTAELLA, 2007: 24).
Outro aspecto essencial para melhor compreender o contexto das futuras
análises é a noção de desconstrução do sujeito. Antes, na cultura impressa, o indivíduo
era visto como um ser autônomo e racional, possuidor de uma identidade fixa e estável.
Com o advento da cultura digital, esse indivíduo torna-se múltiplo, descentrado, com
uma identidade instável. Santaella reforça, no entanto, que o que se multiplicou não foi
o sujeito, mas sim a realidade: “o efeito das novas mídias, tais como internet e realidade
virtual, entre outras, é potencializar as comunicações descentralizadas e multiplicar os
tipos de realidade que encontramos na sociedade” (SANTAELLA, 2007: 92).
A variedade de práticas na rede – com o uso de e-mail, programas de bate-papo
online e videoconferências, por exemplo – constituiu “um sujeito múltiplo, instável,
mutável, difuso e fragmentado, uma constituição inacabada, sempre em projeto”
(SANTAELLA, 2007: 92). No entanto, a tendência à instabilidade é uma característica
da subjetividade e do ego humanos, o qual apenas encontrou no ciberespaço o melhor
meio de representação.
No domínio do ciberespaço, o indivíduo encontra-se submerso no reino do
simbólico, livre de sua fisicalidade: agora, seus significados são diretamente
relacionados às suas descrições puramente virtuais. A autora considera que, ao invés de
identificação, o melhor termo que definiria a relação homem-ciberespaço seria o de
incorporação, uma vez que nele “não existe o distanciamento necessário entre o sujeito
e aquilo a que ele pode se identificar – a identidade é a ele incorporada, entra-se na pele
do outro, tornamo-nos o outro” (SANTAELLA, 2007: 96).
A principal novidade do ciberespaço, portanto, não consiste na multiplicação
identitária do sujeito – visto que a identidade humana é, por natureza, múltipla – e sim
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na possibilidade de manifestação dessa multiplicidade. No ciberespaço, o indivíduo


encontra a possibilidade de experimentar, como forma até mesmo de brincadeira, todas
as faces de sua múltipla identidade.
Janet Murray, em seu clássico Hamlet no Holodeck, diz que ao possibilitar
inúmeras manifestações das identidades do sujeito, o ciberespaço concretiza um desejo
ancestral humano: viver fantasias em universos ficcionais. Por ser um meio
participativo e imersivo, o ciberespaço tem a capacidade de satisfazer esse desejo
humano da forma mais completa possível, pelo menos até o atual momento: “com
detalhes enciclopédicos e espaços navegáveis, o computador pode oferecer um cenário
específico para os lugares que sonhamos visitar” (MURRAY, 2003: 101).
A autora define, então, as duas características mais importantes do ciberespaço:
a imersão e o agenciamento. Por imersão, Murray considera toda e qualquer
experiência prazerosa na qual o indivíduo é transportado para um lugar simulado,
independentemente do conteúdo ficcional do qual é constituído. Ambientes simulados
por computador são por ela definidos como possíveis “lugares encantados” e podem
proporcionar a estrutura necessária para uma visita de imersão. Neles, a tela do monitor
funcionaria como uma quarta parede e o controle – mouse, teclado, joystick entre outros
– como um objeto liminar que permite entrar e sair da experiência (MURRAY, 2003:
109).
Outro aspecto determinante para uma experiência de imersão bem-sucedida é
pela autora definida como a “criação ativa da crença”. Segundo ela, a tendência de um
indivíduo imerso em um ambiente simulado é a de acreditar na possível existência desse
ambiente, ao invés de questionar ou duvidar. “Por causa de nosso desejo de vivenciar a
imersão, concentramos nossa atenção no mundo que nos envolve e usamos nossa
inteligência mais para reforçar do que para questionar a veracidade da experiência”
(MURRAY, 2003: 111). Vale ressaltar que o indivíduo que segue o caminho contrário –
da dúvida e da descrença – é aquele não consegue extrair uma experiência estética
satisfatória de ambientes simulados. No ato de jogar, trata-se do famoso “estraga-
prazeres”.
Um dos elementos mais comuns dos ambientes simulados é a representação do
indivíduo imerso através de um personagem virtual – um avatar. Para Murray, esse
avatar funciona como uma máscara indicadora do limiar, a qual separa participantes de
não-participantes e também cria as fronteiras da realidade imersiva. Através da máscara,
o indivíduo declara estar representando um papel e não agindo como si próprio.
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A segunda característica importante do ciberespaço, segundo Murray, é a


capacidade de agir, ou seja, o agenciamento. A autora diz que, quanto mais bem
resolvido o ambiente de imersão, mais ativo um indivíduo deseja ser no momento de
interação. A agência, mais do que a capacidade de agir, é também definida pela
capacidade gratificante de assistir aos resultados das próprias ações e escolhas tomadas.
No computador, o indivíduo pode encontrar um universo que é alterado de forma
dinâmica de acordo com sua participação (MURRAY, 2003: 128).
A forma de agência de ambientes digitais é principalmente determinada pela
navegação espacial, a qual desperta o prazer humano “da exploração e das repetidas
chegadas”. Esse prazer pode ser apresentado pelos ambientes simulados através de duas
formas diferentes, cada uma com um poder narrativo próprio: pelo labirinto
solucionável e pelo rizoma emaranhado.
O primeiro, o labirinto solucionável, é também pela autora definido como a
“casa maluca”2, a qual incorpora a narrativa clássica de contos de fadas. Composto por
perigo e salvação, nele o indivíduo encontra-se no confronto entre encontrar o caminho
(problema cognitivo) e enfrentar o assustador e o desconhecido (problema emocional
simbólico). Essa forma de narrativa é bem apropriada para o ambiente digital, uma vez
que a história encontra-se relacionada à navegação do espaço. Essa forma, no entanto,
apresenta um problema: por apresentar muitas vezes uma solução exclusiva, ou seja,
uma única saída, pode ser muito limitante: “o desejo de agência nos ambientes digitais
deixa-nos impacientes quando nossas opções são tão limitadas. Queremos uma estrada
aberta, com vasta liberdade para explorar e mais de um caminho para chegar em
qualquer lugar” (MURRAY, 2003: 132).
A segunda forma, a do rizoma emaranhado, é pela autora definido como “o
hipertexto narrativo pós-moderno”. Ao explorar um ambiente rizomático, encena-se
uma história de perambulações, de atração por rumos conflitantes, de constante abertura
para a surpresa, de uma sensação de impotência para se orientar ou encontrar uma saída,
mas tal história é também estranhamente reconfortante” (MURRAY, 2003: 133). Numa
narrativa rizomática, o leitor encontra-se protegido da situação de irreversibilidade da
morte, uma vez que a própria narrativa não precisa terminar em um ponto específico.


2
Por “casa maluca”, Murray define qualquer jogo computacional de quebra-cabeça baseado num labirinto
no qual o jogador é levado através de um espaço disposto em múltiplas camadas, “que lembra vagamente
um palácio das ‘Mil e Uma Noites’”. (MURRAY, 2003: 130) O termo se refere às atrações geralmente
presentes em parques de diversões, nas quais os participantes também são convidados a explorar diversos
ambientes, como um labirinto de surpresas.
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Outra das características principais que diferenciam a narrativa “casa maluca”


da rizomática é o fato de que na última não existe o problema limitante da saída única.
Nela, a história é constituída por uma multiplicidade de enredos significativos, que
giram em torno de um núcleo de ação ou violência. Ao apresentar diversas soluções que
dependem unicamente das escolhas e atuações do indivíduo nela imerso, essa
multiplicidade de enredos enriquece a narrativa, que é pelo indivíduo reconstituída a
partir de perspectivas diferentes. “Reconstituir a situação a partir de perspectivas
diferentes leva a um contínuo aprofundamento da compreensão do leitor sobre o
ocorrido, aprofundamento esse que pode resultar num sentimento de resolução capaz de
levar em conta a complexidade da situação e de manter o momento do choque
inalterado e ainda central” (MURRAY, 2003: 135). Nesse caso, a narrativa é
desvendada como fragmentos de um quebra-cabeça.
Outro aspecto interessante de ser ressaltado que intensifica tanto a imersão
quanto o agenciamento do indivíduo é o prazer de solucionar problemas. Os enigmas
mais satisfatórios são aqueles em que o indivíduo deve investir um raciocínio lógico do
mundo real no mundo virtual; como consequência, pode-se dizer que todos os jogos,
eletrônicos ou não, podem ser experimentados como dramas simbólicos, onde o próprio
indivíduo é o protagonista da ação simbólica: “Nos jogos (...) temos uma oportunidade
para encenar nossa relação mais básica com o mundo. (...) os jogos são ações rituais que
nos permitem encenar simbolicamente os padrões que dão sentido às nossas vidas”
(MURRAY, 2003: 141).
O fato de serem recreativos advém da falta de benefícios imediatos para a
sobrevivência daquele que joga. Entretanto, as habilidades para jogar são
comportamentos adaptáveis. Em outras palavras, o ato de jogar serve como um
treinamento daquele que joga, um treinamento seguro com valor prático real. Pode-se,
portanto, concluir que o ato de jogar funciona como um ensaio para a vida.
Ao combinar o sentido de agência com o de imersão, aplicados no contexto dos
games, tem-se “o casamento perfeito entre o dispositivo de controle e a ação na tela.
Um clique tangível no mouse ou no joystick resulta numa explosão. É necessário um
mínimo esforço de imaginação para entrar num mundo como esse, porque a sensação de
agência é muito direta” (MURRAY, 2003: 143).
Para concluir, Murray define a atuação daquele que joga como agente, e não
coautor. Uma vez que o indivíduo tem a possibilidade de atuar apenas dentro dos limites
estabelecidos pelo roteiro e programação pré-definidos, pode-se dizer que a autoria nos
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meios eletrônicos é procedimental. O autor de um game não cria cenas específicas, mas
“um mundo de possibilidades narrativas”. Em outras palavras, o autor é responsável
pela criação de uma estrutura de estruturas possíveis.

Sobre o lúdico, o jogo e o jogar

Uma vez apresentado o ciberespaço, vale também contextualizar algumas


diretrizes que norteiam o tema central deste trabalho: o lúdico, o jogo e o ato de jogar. A
respeito da natureza e do significado do ato lúdico, o pesquisador Johan Huizinga
(1958) define o ato de jogar como “uma atividade livre, conscientemente tomada como
‘não-séria’ e exterior à vida habitual, mas, ao mesmo tempo, capaz de absorver o
jogador de maneira intensa e total”. Segundo o autor, a função do jogo pode se resumir
a uma luta por alguma coisa ou a representação de alguma coisa (SANTAELLA &
FEITOZA, 2009: 6). No universo dos games, ou jogos computacionais, a função não
sofre alteração; a maior mudança se deu pela simulação. Neles, tanto os
comportamentos (ações), quanto os espaços (ambientes) passaram a ser simulados
digitalmente.
O lúdico é definido por Santaella como a capacidade para brincar, “o dispêndio
sem finalidade utilitária, da energia física e psíquica acumulada” (2007: 406). Segundo
a autora, ao longo de sua história, o homem transmutou a brincadeira em arte, em jogo,
em música e em poesia, que se tornaram brincadeiras codificadas. Hoje, a brincadeira
codificada de maior atenção e sucesso de público é a dos jogos eletrônicos.
O jogo, no entanto, não possui um meio único de suporte. Segundo o
pesquisador Jesper Juul (2003), o que existe é uma variedade de mídias, cada qual com
seus próprios potenciais. O computador é, segundo ele, apenas a mídia mais recente que
surgiu.
Em busca de uma definição de jogo satisfatória e independente do suporte
utilizado, Juul afirmou que deveria considerar três fatores principais: 1) os tipos de
sistemas criados pelas regras de um jogo; 2) a relação entre o jogo e o jogador; e 3) a
relação entre o ato de jogar e o mundo. Ao unir diversas definições de jogo e do ato de
11

jogar de diversos pesquisadores 3, o autor extraiu seis características principais de todo e


qualquer jogo – independente do meio:

1) Regras: todo jogo é baseado em regras;


2) Resultado variável e quantificável;
3) Valorização do resultado: os resultados potenciais dos jogos têm valores
diferentes, podendo ser positivos ou negativos;
4) Esforço do jogador: o jogador se esforça para influenciar o resultado;
5) Vínculo do jogador ao resultado: o jogador está emocionalmente
vinculado ao resultado (se ganha, fica feliz; se perde, triste);
6) Consequências negociáveis: o mesmo jogo pode ser jogado com ou sem
consequências para a vida real.

Juul chegou, então, à seguinte definição de jogo:

“Um jogo é um sistema formal, baseado em regras, com um resultado


variável e quantificável, no qual diferentes resultados são atribuídos
por diferentes valores, o jogador empenha esforço a fim de influenciar
o resultado, o jogador sente-se vinculado, e as consequências da
atividade são opcionais e negociáveis”4

Essa definição abrange todo e qualquer tipo de jogo, independentemente do


suporte utilizado. Com os games – os jogos eletrônicos –, Juul alerta para algumas
mudanças. A primeira e mais significativa delas: agora, é o computador quem controla
as regras, o que permitiu que os jogos se tornassem mais complexos do que antes. Por
exemplo, em alguns games surgiu a possibilidade do jogador nunca atingir um objetivo
final – nesses jogos, com objetivo indeterminado, joga-se pelo simples prazer de
continuar jogando. Existem jogos, inclusive, em que, além de não ter objetivo algum
definido, não existe um resultado positivo ou negativo – como The Sims.
Outra mudança que o autor aponta é a possibilidade, em alguns games, da
modificação de suas regras básicas. Nestes, a jogabilidade assemelha-se a uma “caixa de


3
A tabela com todas as definições utilizadas pelo autor encontra-se em seu artigo “The Game, the Player,
the World: Looking for a Heart of Gameness” (2003), disponível em:
<http://www.jesperjuul.net/text/gameplayerworld/>. Acesso em 2012.
4
Tradução de João Ranhel (2009: 12).
12

peças montáveis”, onde o jogador pode interagir com, alterar e até mesmo personalizar
suas estruturas básicas, funcionando como complexas caixas de peças virtuais de Lego.
Para Juul, a afinidade entre os jogos e os computadores tem sua principal causa
no fato dos games serem um fenômeno transmidiático: não são necessariamente
associados a uma plataforma específica, mas sim ao processamento computacional de
dados. E mais: como os jogos têm nas regras suas estruturas primordiais, o computador
se tornou uma excelente plataforma, devido à sua alta capacidade de processamento.

Ao refletir a respeito da recepção – do ponto de vista daquele que joga – pode-


se afirmar que a busca por satisfação e entretenimento são os objetivos principais.
Segundo Adriana Sato, é a satisfação obtida a cada aprendizado e a superação de um
desafio que levam à diversão e ao prazer, e determina o aspecto lúdico no jogo (SATO,
2009: 38).
Seria impossível levantar a questão da recepção sem tocar na forma de atuação
daquele que joga: sua representação. O indivíduo que joga representa seu papel de
acordo com o que acredita ser o mais adequado; diversas vezes chega a contrariar suas
atitudes e posturas da vida real. Aqui, pode ser retomada a questão do ato de jogar
enquanto ensaio da vida: o jogo possibilita a exploração de novos limites, percepções e
desejos. Em outras palavras, permite àquele que joga experiências novas que vão além
de seu cotidiano. O fator lúdico está justamente nas ações dentro do jogo, que importam
muito mais do que a sua finalidade.
A estrutura do jogo muitas vezes é baseada em uma jornada central, na qual o
protagonista deve passar por um percurso repleto de obstáculos, em busca da resolução
de um problema maior – diretamente relacionada à jornada do herói, estruturada por
Joseph Campbell (2007). A jogabilidade, no entanto, pode ser focada em duas
habilidades distintas do jogador: sua agilidade e coordenação motora (como em jogos
de ação e aventura) ou sua capacidade analítica (como em jogos de enigmas a serem
desvendados).
Segundo Renata Gomes (2009), ao reproduzir o mais diretamente possível as
ações e motivações do jogador em seu avatar, o game também eleva seu potencial de
agenciamento – acarretando uma maior imersão. Mais do que isso, através das
atividades e desafios impostos pelos games e superados pelos jogadores, é possível que
seja criada com maior eficiência a identificação entre o gamer e seu personagem virtual,
através de seu instinto de sobrevivência:
13

“Diante de uma situação de ‘vida ou morte’, qualquer um tende a


buscar a saída que lhe preserve a vida e, assim, interator e
protagonista, impulsionados por um instinto de sobrevivência, que é o
mais universal possível em termos de intenção dramática, conseguem,
finalmente, ser um só herói” (GOMES, 2009: 73).

Outro aspecto interessante de ser mencionado é o sentido de realidade que o


game deve proporcionar ao jogador. Segundo Gomes, esse sentido de realidade está
diretamente relacionado à existência de coisas à revelia das intenções do jogador. Em
outras palavras, a realidade é caracterizada por tudo aquilo que se apresenta inflexível e
intransigente em relação à vontade do jogador. A autora diz que a criação desse efeito é
a pedra fundamental para “o estar no mundo do game” (GOMES, 2009: 79).
A existência de elementos inacessíveis e não controlados pelo jogador também
levanta outra questão fundamental: a necessidade da presença do outro nos games.
Sergio Nesteriuk (2003: 6) afirma que a necessidade do outro – que não é
necessariamente outro jogador – é embasada na necessidade de um contra-lance. Para o
autor, não existe “um jogar para si somente, visto que todo jogar é um ser jogado”.
Sobre essa questão, Gadamer acredita que “o verdadeiro sujeito do jogo não é o
jogador, mas o próprio jogo. É o jogo que mantém o jogador a caminho, que o enreda
no jogo, que o mantém em jogo” (GADAMER, 1997: 181).

Relevância cultural, pesquisa e mercado

Como já afirmado no início do trabalho, a relevância cultural dos games pode


ser exposta de maneira estatística pelos dados de seu mercado. Atualmente, encontra-se
em primeiro lugar da indústria econômica de entretenimento – superior à indústria
audiovisual – e em terceiro lugar da economia mundial, seguida apenas pelas indústrias
bélica e automobilística (SANTAELLA, 2007: 407).
Segundo Santaella, os games são os grandes estimuladores e responsáveis pelo
avanço tecnológico da indústria do entretenimento. Ao aproveitarem-se das pesquisas
de ponta, não só tiram proveito das novidades como também agilizam sua
disponibilidade ao grande público. Sobre este assunto, Poltronieri encontra um ponto de
intersecção entre os games e a arte. Em seu estudo a respeito dos parangolés de Oiticica
14

(POLTRONIERI, 2009: 165), o autor diz que “a arte muitas vezes tem o poder de
antecipar os desenvolvimentos tecnológicos bem antes de uma geração”.
Sob outra perspectiva, em seu estudo Cultura da Interface, Steven Johnson
acredita que os meios modestos do presente fazem com que estejamos para o videogame
do futuro assim como a obra de Melié está para a de Welles no cinema (JOHNSON
apud NESTERIUK, 2004). Para o autor, os jogos de videogame fornecem para nós uma
das maneiras mais claras e diretas de vislumbrar o futuro através dos limitados meios
disponíveis no presente.
Enquanto área de pesquisa, Nesteriuk apresenta três linhas principais de
estudos de games: os estudos funcionalistas, os estudos técnico-tecnológicos e os
estudos formalistas. Os primeiros partem do estudo das causas, consequências e efeitos
dos jogos – o meio é a mensagem – e estão divididos entre visões apocalípticas
(neoluditas) e integradas (tecnoutópicas). Os segundos têm foco no desenvolvimento e
na exploração da inteligência artificial, na computação gráfica, na programação e nas
demais ciências técnicas e computacionais. Para eles, o videogame é usado para fins
experimentais, como um laboratório de novas linguagens e tecnologias – o jogador é
visto como explorador das potencialidades tecnológicas. Os terceiros e últimos,
formalistas, concentram seus estudos nas questões referentes à linguagem, à estética e à
retórica do meio – o meio não é a mensagem; seus pesquisadores investigam as formas
expressivas e as potencialidades intrínsecas do videogame. Infelizmente, é a linha de
estudos onde encontra-se o menor número de pesquisadores (NESTERIUK, 2009: 23).
Um dos motivos para essa escassez, segundo o próprio autor, é o fato dos games serem
hoje “um dos fenômenos tecnológicos de maior interdisciplinaridade e complexidade
para se estudar”.
Nesteriuk acredita que, ao serem incentivados os estudos formalistas e
qualitativos sobre o videogame, possa ser criada uma “vida inteligente” dentro dele, a
partir do momento em que ele seja pensado enquanto meio expressivo interativo,
imersivo e comunicacional. Sua produção, no entanto, esteve há muitos anos na
contramão desse ideal.
A respeito da produção dos games, Johnson (apud NESTERIUK, 2004)
acredita que vivemos sob uma “tirania do mercado”, a qual dita a produção de acordo
com estatísticas de venda e não de investigação e inovação experimental. Segundo o
autor, uma possível saída para esse “tiranismo” estaria no desenvolvimento de uma
geração de vanguarda digital ativa e participativa, que seria capaz de desenvolver e
15

oferecer alternativas significativas a esta situação. Ele acredita que isso poderia se dar
de duas formas: através da subversão do meio e da abertura de novas possibilidades
exploratórias.
Outro problema fortemente enraizado na cultura midiática é o menosprezo
crítico com relação ao videogame em geral. Visto como algo banal, vulgar e nocivo, é
erroneamente acusado de estimular comportamentos agressivos e violência:

“Ao longo de sua história, o videogame já foi vítima – para absoluta


indignação e revolta dos jogadores e seus defensores mais fervorosos
– de inúmeras denúncias e acusações, desde ser gerador de
imbecilidades até formador de assassinos. Esse tipo de abordagem
volta a ser adotada constantemente no caso de tragédias e violência
envolvendo, sobretudo, crianças e jovens. Nesses casos, o videogame
foi apontado por uma parcela da sociedade como o principal
responsável por tais atitudes, o que promoveu movimentos favoráveis
à proibição de alguns jogos e até do próprio videogame em si.”
(NESTERIUK, 2003: 1).

Este trabalho busca demonstrar possíveis exemplos de subversão e de novas


possibilidades, que vão na contramão das críticas atuais, através da análise dos games
Flower, EyePet e Heavy Rain.

Classificações e a hibridização das linguagens

Os jogos computacionais são, por constituição, definidos por sua hibridização


de linguagens. Segundo Santaella (2007), games são híbridos por envolverem
programação, roteiro de navegação, design de interface, técnicas de animação e
usabilidade; a partir dessa hibridização, surge a natureza intersemiótica dos games:
“pela interseção de linguagens ou processos sígnicos (jogos tradicionais, quadrinhos,
animações, cinema...) que passam por um processo de tradução intersemiótica (Plaza,
5
1987) para se adequarem aos potenciais abertos pelas novas tecnologias”
(SANTAELLA, 2007: 408).
Outro aspecto importante da constituição dos games – e que pode reforçar seu
caráter híbrido – é sua ligação direta com os computadores: uma vez que existem na

5
Vale ressaltar que, segundo a autora, da mesma forma que os games absorvem as linguagens de outras
mídias, estas também passam a incorporar recursos semióticos e estéticos que são próprios dos games,
como nos filmes “Matrix”, “Kill Bill” e “Corra, Lola, Corra”. (SANTAELLA, 2007: 408).
16

forma de algoritmos, necessitam da mediação de processadores eletrônicos digitais para


serem executados. Nessa característica reside, segundo Juul, a principal diferença entre
os games e seus antepassados analógicos. Em suas palavras, “a principal diferença entre
um jogo computacional e seus precursores não eletrônicos encontra-se no fato de que os
jogos computacionais adicionam automação e complexidade – eles podem manter e
calcular as regras do jogo por si mesmos, possibilitando, portanto, mundos mais ricos
no interior dos games” (SANTAELLA, 2009: 57).
Com a finalidade de melhor compreende-los, os games receberam diversas
classificações, cada uma levando em consideração um de seus aspectos. A primeira
delas a ser aqui apresentada é a divisão de Neitzel (apud SANTAELLA, 2007), que
define três grandes classes de games de acordo com seu gênero. A primeira classe
abrange os games baseados em ação, considerados não-narrativos (aqueles de luta, de
competição ou esportivos). A segunda, contém os games de inteligência, baseados nas
ações de construir e destruir (games de simulação, quebra-cabeças, estratégias ou
enigmas). A terceira e última divisão engloba os games de exploração e aventura,
considerados narrativos (basicamente, os de RPG gráficos ou textuais).
A segunda classificação a ser apresentada é citada por Santaella (2009) e leva
em consideração o suporte utilizado pelos games. Aqui, têm-se os jogos para consoles
(onde os principais hoje, de mercado e público, são o Playstation, o Xbox e o recente
Wii U), os jogos para computadores (que são softwares instalados nas máquinas) e os
jogos para arcades (máquinas compostas por CPU e monitor embutidos, vulgos
fliperamas). Apesar de todas as divisões, adotou-se o termo videogame para designar
qualquer um dos tipos, uma vez que todos eles têm em comum a mesma estrutura
digital: todos dependem do processamento computacional, tanto para sua produção,
quanto para seu processamento.
Ao pensar a respeito de sua recepção – a jogabilidade – Juul localiza os games
no limiar entre dois mundos: o mundo da imaginação e fantasia (o reino do fictício) e o
mundo do cotidiano (o reino do real). Se o game for pensado enquanto interação com
regras reais, ele se encontra sob domínio do cotidiano; se for pensado enquanto imersão
em um mundo fictício, encontra-se sob o domínio da fantasia. O sistema do jogo,
portanto, é composto pelo mundo da imaginação, responsável por tornar o game atrativo
e imersivo, e pelo mundo cotidiano, responsável por trazer elementos identificáveis ao
jogador e impedir que o game torne-se desinteressante.
17

A pesquisadora Adriana Sato defende a importância do paradoxo desses


mundos para o prazer da jogabilidade (SATO, 2009: 44). Para ela, é imprescindível que
os eventos do game façam algum sentido ao jogador e que possam ser associados a
experiências anteriores – ou ao seu repertório, ou ao seu conhecimento formal e
empírico. Dessa forma, o processo imersivo é garantido através da associação aos
sistemas simbólicos do jogador. Sobre isso, a autora cita também a opinião de Arlindo
Machado, segundo o qual “ao interpretar, o interator reconhece e identifica, ou associa
os elementos apresentados na mídia ao seu imaginário. Ele pode dar significados a estes
elementos ou ainda ressignificá-los conforme seu sistema simbólico” (SATO, 2009:
45).
Uma outra linha interpretativa dos games enquanto linguagem híbrida é
responsável por pensá-lo enquanto forma de arte. Aarseth (apud SANTAELLA, 2007:
408) acredita que os games “são um gênero artístico por si mesmos, um campo estético
único de possibilidades, que deve ser julgado em seus próprios termos”. Para o autor, os
games constituem um expressivo e complexo fenômeno cultural, estético e de
linguagem. Já para Jim Andrews, um dos maiores pontos de intersecção entre a arte e o
jogo se encontra na noção de lúdico (ANDREWS, 2009: 144).
O jogo também pode ser visto enquanto arte ao ser analisado seu aspecto de
constante transformação em configuração. Sérgio Nesteriuk (2003) diz que tal
aspecto “apresenta o estado do jogo humano liberto de sua atividade representativa,
formando sua real consumação em ser arte”. O jogo passa, então, a ser visto enquanto
fenômeno puro daquilo que se joga.
Para Nesteriuk, obra de arte é aquilo que se mantém de forma infinita, sempre
atual e viva na memória, e que traz à tona novas possibilidades do passado, de
transformação. Da mesma forma, pode-se observar em videogames, a transformação em
configuração da narrativa: liberta de seu referencial essencialmente representativo, ela
passa a operar dentro de sistemas e de configurações de simulação, e atinge
hermeneuticamente seu status arte.


18

Games: características fundamentais

Antes de partir para a análise dos games propostos, uma melhor compreensão
de seus aspectos fundamentais faz-se necessária. Uma vez compreendidos os alicerces,
a reflexão sobre as diferenças e dominâncias específicas se tornará mais clara. Como
ponto de partida, tratar-se-á a respeito do tempo no universo dos games.
Muitos games têm por fator básico a projeção de um mundo virtual, no qual o
ato de jogar significa envolver-se em uma brincadeira de faz-de-conta. Nela, aquele que
joga apresenta-se tanto como si mesmo quanto como um outro – no papel que lhe é
designado pelo mundo virtual. Essa dualidade, segundo Juul (2004), reflete-se no tempo
do jogo, que pode ser dividido entre o tempo do jogar (o tempo que o jogador leva para
jogar) e o tempo do evento (o tempo que passa no mundo virtual do jogo).
Na jogabilidade, o fator fundamental dos jogos consiste em sua mudança de
estado, ou seja, o movimento entre o estado inicial, no qual uma ação ainda não foi
decidida, e o estado seguinte, consequente da ação já realizada. O jogo pode, portanto,
ser considerado uma máquina de estados, através do qual o jogador apenas interage com
seu estado atual. Em um jogo cujo tempo de evento equivale ao tempo do jogar, ou seja,
um jogo em “tempo real”, o jogador atua como si próprio ao mesmo tempo em que é
um personagem do mundo virtual. Em jogos de tiro tem-se um claro exemplo do tempo
real 1:1 – o tempo de jogar equivale ao tempo do evento: ao mesmo tempo em que o
jogador pressiona um botão de seu controle, um tiro é disparado pela arma virtual no
mundo do game.
Outros elementos, que também interferem na noção do tempo no game, são as
6
chamadas “cut-scenes” – animações narrativas não-interativas que são disparadas no
desenrolar do jogo e que complementam o repertório do jogador – e a função de salvar
(“save game”), a qual permite ao jogador gravar o estado do jogo em que se encontra
para que continue posteriormente – ocorre uma pausa no tempo de evento que pode ser
retomado posteriormente sem perda de informação alguma para o jogador 7.


6
“Cut-scenes depict events in the event time (in the game world). Cut-scenes are not a parallel time or an
extra level, but a different way of creating the event time. They do not by themselves modify the game
state - this is why they can usually be skipped, and why the user can’t do anything during a cut-scene.
While action sequences have play time mapped to event time, cut-scenes disconnect play time from event
time” (JUUL, 2004).
7
Para o pesquisador Chris Crawford, a necessidade da possibilidade de “salvar” um jogo indica uma falha
em sua jogabilidade. Para ele, “experienced gamers have come to regard the save-die-reload cycle as a
normal component of the total gaming experience... Any game that requires reloading as a normal part of
19

Também vale mencionar a questão do tempo subjetivo: a experiência de jogar


pode ser considerada como resultado da relação entre o tempo do jogar com o tempo do
evento, assim como dos resultados consequentes dos desafios e escolhas do jogador. Por
definição, os games deveriam ser sempre experiências prazerosas. É aqui que surge a
questão: o que poderia tornar os games experiências prazerosas? Juul tem uma possível
resposta: escolhas interessantes. Os games que trazem escolhas muito óbvias tendem a
gerar, como consequência, um gameplay desinteressante e tedioso.
Além das escolhas interessantes, Juul destaca que, para serem prazerosos, os
games deveriam alcançar o chamado “estado de fluência” (state of flow). Cunhado por
Mihaly Csikszentmihalyi, o termo define o estado mental de satisfação que as pessoas
atingem em diversas situações ao longo da vida. Para atingi-lo, um game não pode ser
muito difícil – o que levaria à ansiedade – nem muito fácil – o que levaria ao tédio.
A experiência do tempo no jogo, portanto, não depende apenas da relação entre
o tempo do jogar e o tempo do evento, ou de seus desafios propostos, mas também
depende da relação entre a dificuldade de sua jogabilidade e a habilidade do jogador.
Um jogador apenas alcançará o estado de fluência se os desafios a ele propostos forem
condizentes à sua capacidade e habilidade; quando isso ocorre, o jogador tem a sensação
de que o “tempo voou” enquanto jogou.
Para Santaella, os games também foram responsáveis por trazer o giro
paradigmático da temporalidade para a espacialidade navegável (2007: 412). Segundo a
autora, suas características principais consistem em sua natureza participativa, na
interatividade e na imersão. A respeito da natureza participativa, basta pensar que sem
a participação ativa e concentrada do jogador, não existiria jogo (SANTAELLA, 2007:
410). Sobre a interatividade, a autora destaca sua variação: desde a ação meramente
reativa – a qual chama de baixa interação – até o limiar mais complexo – quando “o
programa possui multiplicidade, não-linearidade, bidirecionalidade, potencialidade,
permutabilidade, imprevisibilidade” – o qual chama de alta interação.
Na alta interatividade, o jogador tem maior liberdade de intervenção, de
criação e de participação. Santaella acredita que, nela, a interatividade não funcionaria
apenas como experiência ou agenciamento do jogador, mas “como possibilidade de co-


the player’s progress through the system is fundamentally flawed. On the very first playing, even a
below-average player should be able to successfully traverse the game sequence. As the player grows
more skilled, he may become faster or experience other challenges, but he should never have to start over
after dying.” (CRAWFORD apud JUUL, 2004).
20

criação de uma obra aberta e dinâmica, em que o jogo se reconstrói diferentemente a


cada ato de jogar” (SANTAELLA, 2007: 411).
A imersão, segundo a autora, também possui uma graduação: da mais leve, na
qual basta estar conectado a uma interface computacional; à mais profunda, encontrada
na realidade virtual presente em CAVEs 8 – onde atinge-se o grau máximo de imersão.
Já Adriana Sato define imersão como sendo a propriedade que, a partir da interação que
o ambiente virtual promove, faz com que o jogador se integre a esse ambiente. Em
outras palavras, é a propriedade responsável por tornar o jogador efetivamente
participante deste ambiente.
Segundo Sato, a imersão está ligada diretamente à fantasia, à fuga da realidade
para um mundo virtual (SATO, 2009: 45). Seu pensamento encontra-se alinhado às
ideias de Janet Murray, a qual associa a imersão ao encantamento da experiência: “a
experiência de ser transportado para um lugar primorosamente simulado é prazerosa em
si mesma, independentemente do conteúdo da fantasia. Referimo-nos a essa experiência
como imersão” (SATO, 2009: 45).
Sérgio Nesteriuk, por sua vez, define de forma muito clara a maneira ideal para
se obter uma imersão bem-sucedida:

“O que deve haver, então, é uma transferência plena para um outro


mundo, o mundo do jogo, próprio em si mesmo e acima do
questionamento do “mundo real”, pois a partir deste outro mundo há
uma verdade própria. Assim é possível entendermos o videogame
como algo mais do que quadrados ou polígonos que se mexem na
tela.” (NESTERIUK, 2003: 9).

Para o autor ainda, outro aspecto fundamental para a compreensão dos games
encontra-se na questão da interface, uma vez que ele considera a relação homem-
máquina uma das mais férteis enquanto campo de criação. Nesteriuk diz que o ideal, a
cada novo jogo, é a interface ser trabalhada de forma que ao mesmo tempo repita
elementos passados – para que o jogador a assimile a seu repertório – assim como
apresente novas estruturas de interação. Ele também acredita que o videogame esteja
sob o domínio da coautoria, uma vez que cada jogo jogado é único, “não apenas em sua

8
“A sigla CAVE vem de Cave Automatic Virtual Environment, aqui conhecida por Caverna Digital.
Trata-se de um pequeno ambiente onde são projetados gráficos tridimensionais em cada uma de suas
superfícies – paredes, teto e piso. Através de um dispositivo, esses gráficos são atualizados em tempo real
pela pessoa imersa na caverna, que pode explorar e interagir com ambientes e pessoas virtuais.”
(ANTUNES: no prelo).
21

instância mental ou interpretativa (cada jogador tem uma leitura), mas em sua própria
existência enquanto jogo” (NESTERIUK, 2009: 28). A obra do videogame é, portanto,
o resultado do próprio jogo jogado.
Com isso, cabe ao designer de games a criação e disponibilização de uma
estrutura necessária do jogo9, composta por um texto aberto à interatividade do jogador;
em outras palavras, como dito anteriormente sobre a autoria em games, o designer de
jogo é responsável por desenvolver uma estrutura de estruturas possíveis10. A
interatividade, além de possibilidade de imersão, deve funcionar como possibilidade de
construção de obras abertas e dinâmicas, nas quais os jogadores nunca possam se
certificar de que um determinado caminho narrativo tenha sido percorrido em sua
totalidade.

Outro aspecto importante de ser apresentado é por Santaella definido como a


problemática da auto-referencialidade ou reflexividade das mídias, segundo a qual “a
mídia fala de si para si mesma inconsequentemente” (SANTAELLA, 2009: 53).
Definida semioticamente, a auto-referencialidade ocorre quando um processo de signos
– um discurso, um texto – refere-se a si mesmo, com maior ou menor intensidade, ao
invés de se referir a algo fora da mensagem transmitida. Como exemplo principal de
auto-referencialidade nos games, Santaella cita suas regras: um jogo deve ser
autoexplicativo e as regras são justamente os elementos que desempenham essa função.
A relação de estados definida por Juul e apresentada anteriormente – que
considera o game como máquina de estados – é também pela autora reconhecida como
outro elemento de sua auto-referencialidade. Segundo ela, essa relação de estados é
indicadora da indexicalidade interna dos games: “o estado inicial, até certo ponto,
antecipa o estado seguinte, e este último mantém a memória do estado anterior”
(SANTAELLA, 2009: 59).
Juul também analisa a função das regras e reflete acerca de suas propriedades
ditas limitadoras (2003). No entanto, ao invés de acreditar que limitam as ações do

9
“Uma das maiores virtudes de um designer de videogame talvez seja a capacidade de fazer com que a
repetição ofereça, a cada novo jogo, novas possibilidades exploratórias, assim como o próprio cotidiano
que, à medida que se renova, nos oferece a cada dia desafios diferentes.” (NESTERIUK, 2004: 8).
10
“O designer precisa, dentro da lógica dessas estruturas, desenvolver linhas criativas paralelas e
coerentes para que o jogador possa descobri-las por si só, sem com isso fechar outras possibilidades.
Trata-se de um espaço "(...) multidimensional e teoricamente infinito, com uma igual infinidade de
possibilidades de conexões, sejam elas programadas (fixas ou variáveis), randômicas ou ambas
(programadas e randômicas)” (NESTERIUK, 2004: 9).
22

jogador, o autor considera que essas mesmas ações tornam-se contextualizadas por elas.
Segundo ele, as regras somam significado e possibilidades de ações, ao configurar as
diferenças entre movimentos e eventos possíveis.
Para finalizar a respeito dos aspectos fundamentais dos games, Sherry Turkle
(apud NESTERIUK, 2003) levanta hipóteses interessantes sobre como a disseminação
do uso dos computadores pessoais e da imersão no ciberespaço vêm alterando a nossa
própria identidade. A autora defende que, além de ser uma ferramenta, o computador
também oferece a nós tanto novos modelos de mentalidade como novos meios nos quais
podemos projetar nossas ideias e fantasias. Em outras palavras, a multiplicidade do
sujeito pós-moderno pode ser realizada de forma fluida no espaço virtual. A autora,
entretanto, alerta: se por um lado a simulação permite que os jogos sejam transformados
em realidade, por outro, ela também permite que a realidade seja transformada em jogo.

Narratologia versus Ludologia

Atualmente, a oposição dominante no campo da pesquisa e estudos em games


se dá entre ludologistas e os narratologistas. Os primeiros têm sua pesquisa enfocada na
dinâmica do jogo, enquanto os segundos enfocam em seus aspectos narrativos.
Para Renata Gomes (apud SANTAELLA, 2007: 412), o game pode ser visto
como protótipo da narrativa da era digital. O jogador, através do avatar, encarna uma
identificação responsável pela intensificação da competitividade e pelo seu
envolvimento emocional e afetivo. Para Juul, todavia, os games não tratam apenas de
contar boas histórias: sua qualidade depende principalmente da “liberdade que o jogador
de um game tem para explorar e compreender a estrutura de um mundo irreal e para
aprender a manipulá-lo” (SANTAELLA, 2007: 412).
O autor, em seu estudo “Games Telling Stories?” (JUUL, 2001), define os três
argumentos mais utilizados para que os games sejam considerados enquanto narrativas:
1) as pessoas utilizam a narrativa para descrever tudo; 2) a maioria dos games utiliza a
narrativa em sua introdução e em seu contexto; e 3) os games possuem algumas
características narrativas.
Em contraposição, Juul também levanta três argumentos para que os games
sejam considerados não-narrativos: 1) os games não fazem parte da ecologia midiática
narrativa, composta por filmes, romances e peças de teatro; 2) o tempo nos games
23

funciona de forma diferente do que nas demais narrativas; e 3) a relação entre o


leitor/espectador e o mundo da história é diferente da relação entre o jogador e o mundo
do jogo.
Um dos argumentos que Juul utiliza para tentar esclarecer a disputa é atentar
para a diferença entre o fato se usar a narrativa e o fato de ser narrativo. Ao se partir do
princípio de que utilizamos a narrativa para dar sentido às nossas vidas (para processar
informação) e que podemos até mesmo contar uma história de um game jogado,
nenhum gênero ou forma pode estar completamente fora da narrativa. No entanto, o fato
de se considerar as narrativas como fundamentais para o pensamento humano não
significa que tudo deva ser descrito em termos narrativos. Da mesma forma, não é
porque algo pode ser apresentado de forma narrativa que sua natureza é, por definição,
narrativa.
Em alguns games, por exemplo, existem as chamadas “back-stories”, que são
histórias-base com a finalidade de dar um contexto ao mundo virtual. Não é porque
existe uma contextualização em forma narrativa que os games assim contextualizados
são narrativos; na verdade, esses games apenas se utilizam da narrativa para objetivos
específicos.
Outra diferença que deve ser considerara: uma sessão de um game jogado não
pode ser visto como uma história fechada, com um começo, um meio e um fim. A
sessão deve, isso sim, ser vista como uma das inúmeras possibilidades de histórias que o
game pode apresentar; deve-se, para isso, considerar a experiência do gamer enquanto
um participante ativo e a sessão do jogo, apenas uma das versões possíveis.
Juul também diferencia as narrativas pelo fato de elas se apresentarem como
estruturas independentes de meio. Em outras palavras, uma história pode ser traduzida
de um meio para outro, sem que haja perdas significativas em seu conteúdo. A estrutura
das narrativas pode ser dividida em discurso (o ato de contar a história) e história (a
história em si, contada); a história, por sua vez, é composta por dois elementos
principais: os existentes (personagens e configurações) e os eventos (ações e
acontecimentos). Desta forma, uma mesma história pode ser reconhecida em diferentes
discursos por possuir os mesmos existentes (personagens com mesmos nomes, por
exemplo) e/ou os mesmos eventos. Dito isto, se o jogo eletrônico fosse de fato um meio
narrativo, as histórias de outras mídias deveriam ser facilmente adaptáveis a ele, assim
como os próprios games deveriam ser facilmente adaptados a outras mídias – fato que
24

não ocorre sem a perda de elementos fundamentais, como a interação. Nos games, a
ligação entre a história e o discurso faz-se essencial.
Já a respeito do tempo, a narrativa pode ser dividida entre dois tempos
distintos: o tempo da história (o tempo dos eventos contados, em sua ordem
cronológica) e o tempo do discurso (o tempo do ato de contar a história, na ordem em
que é contada). Em uma narrativa verbal, o tempo gramatical deve necessariamente
apresentar uma relação temporal entre o tempo do discurso e o tempo da história – de
maneira geral, existe um distanciamento que torna clara a diferença entre os tempos (por
exemplo, histórias que começam com "Era uma vez, há muito tempo atrás...").
Por outro lado, ao se considerar o tempo nos games, deve-se levar em conta o
agora: dificilmente existe o distanciamento entre o tempo da história e o tempo do
discurso. Nos games, os eventos representados não podem já ter ocorrido ou serem
passados, uma vez que os jogadores podem influenciá-los diretamente, em tempo real.
Dessa forma, Juul comprova que a interatividade e a narrativa são dois
aspectos impossíveis de serem simultâneos: “it is impossible to influence something that
has already happened. This means that you cannot have interactivity and narration at
the same time”. O autor ainda reforça sua teoria ao mencionar que, na maioria dos
games, operações narrativas como flashback ou flash forward são praticamente
inexistentes: não faria sentido algum se o jogador pudesse, por exemplo, “morrer” com
seu personagem em um flashback, uma vez que ele sabe que o mesmo personagem se
encontra vivo no futuro.
A questão do agora também demanda um esforço por parte do interator.
Quanto mais aberta à interpretação é uma narrativa, maior é a ênfase no esforço do
leitor/espectador no agora. A diferença, entretanto, entre o agora das narrativas e o
agora dos games é que o primeiro diz respeito à situação em que o leitor, ao se esforçar
para interpretar, obscurece a história – o texto transforma-se completamente em
discurso e, consequentemente, as tensões temporais são aliviadas. Já o agora dos games
significa a convergência do tempo da história com o tempo do jogar, sem que o
contexto – o game – seja obscurecido pelo jogador.
Para concluir, Juul acredita que 1) um jogador pode contar uma história a
respeito de uma sessão de um game, 2) muitos games contêm elementos narrativos e,
em muitos casos, os jogadores podem jogar com a finalidade de assistir a uma cena
(cut-scene) ou a uma sequência narrativa; e 3) os games e as narrativas compartilham
alguns aspectos estruturais. No entanto, seu objetivo em seu artigo é demonstrar que 1)
25

os games e as histórias não são correspondentes traduzíveis como são os filmes e os


romances; 2) existe um conflito inerente entre o agora da interação e o passado da
narrativa (não pode existir narrativa e interação ao mesmo tempo); e 3) as relações entre
o leitor/história e jogador/game são completamente diferentes: o jogador habita uma
zona limiar, onde se torna tanto um sujeito empírico fora do game quanto um
personagem com um papel a desempenhar dentro dele.
Outro pesquisador a discutir essa dicotomia é Gonzalo Frasca (2003), que
busca também deixar clara sua posição: para ele, não se pode descartar a narrativa da
ludologia. Segundo o autor, alguns conceitos básicos da ludologia podem ser utilizados
em parceria com a narratologia, com a finalidade de melhor compreender os
videogames (FRASCA, 2003). Seu objetivo não é o de substituir a visão narratológica,
mas sim de complementá-la.
Frasca também defende o ato de jogar enquanto prática configurativa e não
apenas interpretativa, ou seja, o ato de jogar é predominantemente um ato de
construção, e não só de interpretação, como assistir a um filme ou ler um livro. A
pesquisadora Karen Keifer-Boyd, ao citar Frasca, afirma que enquanto as narrativas são
compostas de sequências de signos semióticos, as simulações geram signos (KEIFER-
BOYD, 2009: 131). De forma diferente da narrativa, as simulações não são feitas
apenas de sequências de eventos; elas também incorporam regras de comportamento.
Celia Pearce também defende a compreensão dos games com foco no ato de
jogar. Para a autora,

“A primeira (e mais importante) coisa a saber sobre os jogos é que


eles são focados no jogar. Diferente de literatura e filmes, os quais
estão focados na história, nos jogos tudo gira em torno do jogar e da
experiência do jogador. Os designers de jogos estão muito menos
interessados em contar histórias do que em criar uma estrutura
convincente para jogar” (KEIFER-BOYD, 2009: 8).

Em um cinema, o espectador acompanha a jornada dos personagens por meio


de um vínculo de natureza psicológica, mais narrativa; já nos games, quem deve
resolver os conflitos é o próprio jogador, através de ações diretas. Os games podem,
portanto, ser considerados como estruturas onde os jogadores atuam como agentes
plenos, donos das ações.
26

O pesquisador João Ranhel, por sua vez, discorre a respeito das naturezas
diferentes das narrativas e dos games: “Narrativas descrevem ações passadas. Jogos são
um agora, um fazer acontecer no momento em que são jogados. Narrativas baseiam-se
em fatos que já ocorreram, suas relações de causa e consequência” (RANHEL, 2009:
17). No entanto, o autor alerta que quando ambos migram para os computadores,
começa a haver uma fusão: “da literatura com narrativa linear passando por aplicativos
multimídia e em hipermídia; dos games que são puras estruturas até os jogos de
aventura e dramas interativos”. O que vale perceber, para o autor, é que quanto mais
narrativo for o game, menos o jogador será agente (menos ele poderá agir e modificar o
resultado da narrativa, como em RPGs gráficos); por outro lado, quanto mais o game for
uma estrutura pura, mais o jogador será agente (mais ele poderá interferir no resultado,
como em Tetris).


Figura 1. O diagrama de migrações de narrativas e games para meios computacionais, de Ranhel.

Para Jim Andrews, o próprio termo “imersão” é usado de forma mais literal
quando relacionado aos games do que à literatura. Mesmo assim, o autor adverte que o
termo deva permanecer em seu sentido figurativo: “somos quem somos onde estamos
quando estamos, e não há como contornar esse fato” (ANDREWS, 2009: 141).
Para finalizar, outra autora que trabalha a questão das narrativas em games é
Marie-Laure Ryan. Em seu artigo “Beyond Myth and Metaphor” (2001), Ryan relaciona
a questão da identidade com o distanciamento existente nos livros:
27

“If we derive aesthetic pleasure from the tragic fate of literary


characters (…), if we cry for them and fully enjoy our tears, it is
because our participation in the plot is a compromise between the
first-person and the third-person perspective. We simulate mentally
the inner life of these characters, we transport ourselves in
imagination into their mind, but we remain at the same time conscious
of being external observers” (RYAN, 2001: 4) .

Para a autora, a principal característica constituinte das mídias digitais – e que


as diferencia da literatura – é a sua habilidade de responder a modificações impostas.
Mesmo assim, o uso de elementos narrativos nos games é uma manobra recorrente, com
a finalidade de atrair os jogadores. Ryan também acredita que a narratologia e a
ludologia não devem ser excludentes, mas sim complementares. Ela diz que

“The inability of literary narratology to account for the experience of


games does not mean that we should throw away the concept of
narrative in ludology; it rather means that we need to expand the
catalog of narrative modalities beyond the diegetic and the dramatic,
by adding a phenomenological category tailor-made for games”
(RYAN, 2001: 10).

Possibilidades de experiências nos games

Uma última reflexão antes da análise dos games propostos será a respeito das
possibilidades de experiências que lhes são inerentes. De acordo com Murray, o ato de
tornar-se uma personagem em um contexto de ficção deveria ser uma experiência
prazerosa e, ao mesmo tempo, instrutiva. Ao relatar sobre o mito do Holodeck, a autora
o descreve como um local seguro onde o interator poderia confrontar-se com seus
sentimentos mais complicados, que de outra forma seriam suprimidos. O Holodeck,
portanto, permitiria ao interator o reconhecimento de suas fantasias mais ameaçadoras,
sem que elas o paralisassem (MURRAY apud RYAN, 2001).
Outra possibilidade bastante recorrente nos games é a construção de sua
narrativa baseada na estrutura mítica da jornada do herói, de Joseph Campbell. A
estrutura é principalmente aplicada em games de aventura e de RPG: neles, tem-se a
missão do herói de atravessar um território repleto de perigos os quais ele deve enfrentar
para conquistar um objeto desejado. Pode-se, portanto, pensar que uma vez que a
jornada do herói funciona como metáfora da vida, tem-se nos games os ensaios para ela.
28

Ryan também relata a respeito da importância do limite de ação dos jogadores:


os games de aventura, geralmente, não preveem cada desenvolvimento possível de sua
narrativa, mas tentam manter as opções do jogador dentro de certo limite. Assim, seu
destino não se afasta tanto da linha central da trama principal.
A questão da reação imediata também é determinante da experiência do
jogador; em outras palavras, seu agenciamento. Em um game, o jogador espera que suas
ações tenham efeitos imediatos: quanto mais instantânea for a resposta do game à ação
do jogador, maior é a sua sensação de poder – e maior sua imersão. Na visão de Ryan,
esse pode ser um dos motivos do grande sucesso dos jogos de tiro:

“Shooting gives an even greater feeling of power because of the


instantaneous and dramatic result of pulling the trigger. The
predominance of violence in computer games has been widely
attributed to cultural factors, but I think that it can be partly explained
by a desire for immediate response (…). The theme of shooting
exploits with a frightful efficiency the reactive nature of the medium.”
(RYAN, 2001: 9)

Karen Keifer-Boyd trata de outra dualidade: games finitos versus games


infinitos. Enquanto os primeiros têm conjuntos de regras e resultados conhecidos, os
segundos quebram as regras ou nem têm regras definidas – são jogados pelo puro prazer
de continuar a jogar (KEIFER-BOYD, 2009: 125). Alguns artistas criam games
infinitos como obras de arte; nesses jogos, raramente existe um jeito de “ganhar”. O
objetivo é, na maioria dos casos, proporcionar uma experiência emocional. Outras
possibilidades também são exploradas pelos games experimentais, nos quais seus
idealizadores buscam expandir as possibilidades do formato, muitas vezes por meio de
um questionamento metalinguístico da própria prática de jogar (KEIFER-BOYD, 2009:
151).
Deve também ser considerada a existência de um paralelo entre o processo de
fruição estética e a atividade de jogar. Para Jim Andrews, “a leitura de um poema (...),
assim como duas partidas diferentes de um jogo, não se repete. A cada turno da leitura,
haverá respostas diferentes da mesma pessoa” (KEIFER-BOYD, 2009: 155). Pode-se
dizer, portanto, que os formatos que surgem na cultura digital potencializam os
mecanismos de leitura, na medida em que estimulam processos mais abertos de
produção de sentido. No entanto, na cultura digital, a produção de sentido resulta da
combinação de fragmentos e da operacionalização de regras; por ser o interator quem
29

estabelece as relações entre as partes e o desenrolar das regras, a fruição depende de um


leitor atuante.
A obra interativa também pode ser vista como campo de possibilidades, sempre
em construção. Nela, cada interator atualiza parte das possibilidades em discursos
únicos e a composição da obra se dá nessa tensão entre as brechas do discurso proposto
e o desafio da inclusão dos diversos repertórios dos interatores –não mais limitados à
contemplação, os interatores devem agir de forma efetiva (KEIFER-BOYD, 2009,
2009: 164-5).
Deve também ser mencionado o princípio da interatividade dentro do universo
dos games, o qual determina que a obra deva ser aberta aos interatores, possibilitando-
lhes a modificação dos roteiros. Para tanto, deve existir a possibilidade dos interatores
incorporarem elementos não-lineares à sua constituição. Aqui, a mensagem não é mais
fixa, mas “forma-se na mobilidade de jogos, que ocorrem simultaneamente, montados
com unidades mínimas fornecidas por diversos participantes”. Em outras palavras, a
interatividade deve ser interpretada enquanto ato de experimentar.
Por último, ao se considerar a obra de arte como um jogo entre artista e
participante, no campo da interação digital ela é representada pelos games. Neles,
criam-se ambientes abertos e inacabados com regras básicas que possibilitam o diálogo
com a indeterminação. Segundo Poltronieri (2009: 175), quando o interator é
estimulado a participar da construção do projeto, seu interesse passa a ser maior. Ao
participar efetivamente do desenvolvimento da narrativa, torna-se, ao mesmo tempo,
receptor e produtor, mesmo sem ter o domínio pleno da tecnologia envolvida. Aqui, o
interator não precisa ser artista para participar da construção da obra; o que precisa é
existir um processo de desinibição para que os repertórios individuais venham à tona.
Para o autor, tecnologias que buscam atender apenas a pulsões mercadológicas
estão fadadas ao ostracismo ou à subutilização. O ideal seria que as características
inovadoras fossem apropriadas com a finalidade de criar narrativas fantásticas nos
ambientes digitais, que pudessem servir como instrumentos para o descondicionamento
do homem e para sua reinserção de forma crítica na sociedade (POLTRONIERI, 2009:
178). Em outras palavras, os games podem ser utilizados para despertar os sentidos e o
intelecto do homem.
30

Diferentes possibilidades existentes

Com o objetivo de apresentar diferentes possibilidades de experiências


existentes hoje, foram selecionados três games com base na teoria Semiótica Peirceana,
mais especificamente nas categorias fenomenológicas. Cada game tem sua proposta
com a predominância da recepção em uma das três categorias: Flower, na primeiridade;
EyePet, na secundidade; e Heavy Rain, na terceiridade. Antes de tudo, faz-se necessária
uma breve introdução à Semiótica propriamente dita, para que seja esclarecida a
metodologia de análise utilizada.
Semiótica é, por definição, a ciência dos signos e de todas as linguagens. Os
signos, por sua vez, estão em eterno crescimento no mundo. Segundo Santaella (2005),
o que Peirce postulava como base de seu pensamento era a teoria do crescimento
contínuo no universo e na mente humana. Agora, e cada vez mais, surge a necessidade
da definição de uma ciência que consiga abarcar essa realidade em contínua evolução.
Para a autora, é na Semiótica de Peirce que pode ser encontrada “uma fonte de
inestimável valor para enfrentarmos esta exigência” (SANTAELLA, 2008: XIV).
Por ser a ciência geral de todas as linguagens, a Semiótica tem por objetivo
primordial "o exame dos modos de constituição de todo e qualquer fenômeno como
fenômeno de produção de significação e de sentido" (SANTAELLA, 2005: 13). Em
todo e qualquer fenômeno 11, a Semiótica busca identificar e definir sua ação de signo,
ou seja, seu ser de linguagem.
Segundo Santaella, o primeiro passo a ser dado para um processo de signos que
se quer ler semioticamente é o fenomenológico, para o qual se deve desenvolver as três
seguintes habilidades: primeiro, a capacidade contemplativa; segundo, saber distinguir e
discriminar diferenças nessas primeiras observações; e terceiro, ser capaz de generalizar
essas observações em classes ou categorias abrangentes.
Antes de tudo deve-se, então, abrir-se para o fenômeno e para o fundamento do
signo. Para isso, segundo Peirce, é necessário que sejam abertas as portas do espírito e
que seja olhado o fenômeno. O primeiro olhar que deve lhe ser dirigido – o olhar
contemplativo – "significa tornar-se disponível para o que está diante dos nossos
sentidos. Desautomatizar tanto quanto possível nossa percepção. Auscultar os
fenômenos. Dar-lhes chance de se mostrarem. Deixá-los falar” (SANTAELLA, 2008:


11
Por "fenômeno" entende-se "tudo aquilo que aparece à mente, corresponda a algo real ou não"
(SANTAELLA, 2005: 33).
31

30). Esse olhar deve ser despido de interpretações, um olhar que disponibilize as
primeiras impressões, tanto sensórias quanto abstratas.
Aqui, estamos no reino das qualidades, ou seja, daquilo que apela para nossa
sensibilidade e sensorialidade. O primeiro olhar, onde o signo diz o que diz através do
modo como aparece, simplesmente através de suas qualidades: o signo como pura
possibilidade qualitativa, quali-signo.
O segundo tipo de olhar, a ser dirigido ao fenômeno, é definido como um olhar
observacional. Aqui, deve entrar em ação a capacidade perceptiva daquele que analisa,
ou seja, ele deve “estar alerta para a existência singular do fenômeno, saber discriminar
os limites que o diferenciam do contexto ao qual pertence, conseguir distinguir partes e
todo” (Santaella, 2008: 31). Esse segundo tipo de fundamento do signo, o sin-signo,
requer a observação de como ele se corporifica, ou seja, de suas características
existenciais.
O terceiro e último olhar é decorrente do desenvolvimento da capacidade de
generalização daquele que analisa. Em outras palavras, deve-se buscar extrair o geral do
particular ao dirigir a atenção para os aspectos mais abstratos do fenômeno: as
regularidades, as leis: legi-signo.
A partir do reconhecimento desses três tipos de olhar, Peirce extrai os
elementos elementares e gerais da experiência que tornam a própria experiência
possível. Ao considerar experiência tudo aquilo que se apresenta a um indivíduo e que
lhe impõe reconhecimento, Peirce conclui que tudo que aparece à consciência é
apresentado numa gradação de três propriedades: 1) Qualidade; 2) Relação; e 3)
Representação. Em busca de englobar a generalidade das propriedades, mais tarde ele as
renomeia para Primeiridade, Secundidade e Terceiridade.
Para esclarecer a amplitude e abertura máxima que as categorias apresentam,
segundo Santaella,

"basta lembrarmos que, em nível mais geral, a 1º corresponde ao


acaso, originalidade irresponsável e livre, variação espontânea; a 2º
corresponde à ação e reação dos fatos concretos, existentes e reais,
enquanto a 3º categoria diz respeito à mediação ou processo,
crescimento contínuo e devir sempre possível pela aquisição de novos
hábitos. O 3° pressupõe o 2° e 1°; o 2° pressupõe o 1°; o 1° é livre."
(SANTAELLA, 2005: 39).
32

Para Peirce, essas categorias são três possíveis modalidades de apreensão de


todo e qualquer fenômeno e se constituem nas modalidades mais universais e mais
gerais através das quais pode ocorrer a apreensão-tradução dos fenômenos em toda e
qualquer mente interpretante.

Primeiridade em Flower: o acaso extático

Por Primeiridade, Santaella define a "presentidade como está presente", a pura


qualidade de ser e de sentir. É nela que está contida a qualidade da consciência
imediata, a impressão primeira causada por um signo; essa impressão dá-se de forma
frágil, inocente, indivisível e não analisável. A Primeiridade é presente e imediata,
nunca podendo ser segundo para uma representação. Em outras palavras,

"Trata-se de estados de disponibilidade, percepção cândida,


consciência esgarçada, desprendida e porosa, aberta ao mundo, sem
lhe opor resistência, consciência passiva, sem eu, liberta dos
policiamentos do autocontrole e de qualquer esforço de comparação,
interpretação ou análise. Consciência assomada pela mera qualidade
de um sentimento positivo, simples, intraduzível." (SANTAELLA,
2005: 46).

A consciência em Primeiridade é qualidade de sentimento, enquanto que


qualidade de sentir é a forma mais imediata de estar no mundo. O sentimento, portanto,
é um quase-signo do mundo: define-se como primeira forma rudimentar, vaga,
indeterminada e imprecisa de percepção das coisas. No game Flower, sua recepção
apresenta a predominância dessa qualidade de sentimento em seus interpretantes – ou
seja, em seus jogadores.


Figura 2. Arte da capa do game em sua loja virtual.
33

O game, de autoria de Jenova Chen e Nicholas Clark, foi desenvolvido pela


empresa ThatGameCompany e lançado em fevereiro de 2009, em formato exclusivo via
download digital para o console Playstation 3, da Sony. Nele, o jogador é responsável
por fazer flutuar uma pétala através do controle do sopro do vento. Ao flutuar próximo a
outras flores, outras pétalas são libertas, as quais começam a acompanhar a primeira.
Além de liberar outras pétalas, o movimentar do vento pode disparar efeitos no mundo,
como colorir magicamente um grande campo acinzentado ou ativar grandes geradores
eólicos antes adormecidos. O game não apresenta elemento textual algum (com exceção
dos créditos ao final), nem mesmo diálogos; sua narrativa é construída através de
representações puramente visuais, com alto teor emotivo.
O objetivo do game é despertar emoções positivas no jogador e não ser apenas
desafiador ou divertido. Ao acreditar no potencial dos games de provocar sentimentos e
diferentes sensações àqueles que os experimentam, sua produção caminhou em sentido
oposto àquele dos demais games que fazem sucesso – cuja grande maioria tem uma
carga emocional bastante limitada. Em busca de provocar emoções positivas, alguns
elementos de jogabilidade e de interação normalmente empregados foram removidos,
até mesmo algumas mecânicas que causavam sensações inapropriadas aos seus
objetivos – como ansiedade e frustração, por exemplo. Sua trilha sonora é também em
grande parte responsável pela imersão: ao responder diretamente às ações dos
jogadores, sua trilha sonora segue um ritmo quase que de transe, o que intensifica o teor
emotivo do game.
Em sua jogabilidade, Flower é dividido em seis níveis ou fases principais e
uma última com os créditos. Na tela inicial, cada fase é representada por um vaso que
contém uma flor, diferentes entre si e localizados sobre uma mesa em frente a uma
janela. O ambiente aparenta ser um apartamento, uma vez que pela paisagem da janela
vê-se que está localizado bem acima do nível do chão.
34


Figura 3. Imagem da tela inicial - o menu de fases. O único vaso em cima da mesa dá acesso à primeira fase do
game.

Para acessar cada uma das fases, o jogador deve inclinar o controle, para a
direita ou para a esquerda, de acordo com o vaso que deseja selecionar. Na primeira vez
jogada, apenas um vaso estará disponível – a primeira fase – e basta pressionar e segurar
qualquer botão do controle para que seja iniciada. Na metáfora do jogo, ao iniciar uma
fase, o jogador mergulha no universo onírico da flor selecionada – “the Flower dream”.
Uma vez dentro da primeira fase, o jogador é levado a uma extensa e bucólica
paisagem, em um campo aberto. Aqui, ele deve controlar o soprar do vento para mover
uma única pétala que se encontra flutuando ao centro da tela. Para tanto, o controle deve
ser inclinado, para a direita ou para a esquerda, para cima ou para baixo; esses
movimentos são diretamente relacionados à movimentação do vento, que irá mover-se
para os lados, para cima ou para baixo de forma simultânea. Para intensificar a
velocidade do vento e, consequentemente, mover a pétala com maior rapidez, qualquer
botão do controle pode ser pressionado. O enquadramento do game acompanha os
movimentos por trás da pétala, numa visão em terceira pessoa. Apenas em alguns
momentos específicos ela é alterada: torna-se uma vista superior ou congela em
determinado ângulo, de acordo com o objetivo da fase.
35


Figura 4. Cenário de uma das fases iniciais. A corrente de pétalas à esquerda é aquela controlada pelo jogador.

Em algumas fases, encontram-se flores agrupadas ou alinhadas pela paisagem;


ao aproximar sua pétala das demais, as flores são desmanchadas de forma suave,
fazendo com que as novas pétalas se soltem e se unam à primeira controlada.
Determinados grupos de flores, ao serem assim tocados pelo vento, disparam eventos no
mundo do game; esses eventos são variados, como liberar uma área da paisagem antes
inacessível, transformar gramados ressecados em verdejantes e ligar grandes turbinas
eólicas. Essas ações também, como resultado, intensificam a quantidade de pétalas
controladas pelo jogador, que unem-se à primeira solitária formando um ramalhete de
pétalas coloridas.


Figura 5. Grandes hélices eólicas adormecidas, que devem ser despertas pelo jogador.
36

Cada fase tem sua trilha sonora orquestrada em melodias diferentes e


sincronizadas aos movimentos do jogador: cada nova flor tocada, cada nova pétala
liberada e reunida, dispara também uma nota musical. Em agrupamentos ou linhas
organizadas de flores, o passar do vento é transformado em uma nova melodia, que
lembra sempre o tocar de um xilofone. Extasiante.
Outro aspecto diferenciado do game encontra-se no ato de “perder”: é
impossível. Nesse jogo, não existe game over ou morte de personagem; não existem
também inimigos a serem vencidos, moedas ou pontos a serem acumulados ou tempo
limite a ser respeitado. Não existe interrupção ou recomeço algum, a menos que seja por
escolha do próprio jogador. O tempo total do jogo também foi feito de maneira a não
cansar e manter a imersão – ou a possibilidade de transe – do jogador, pois pode ser
jogado na íntegra em aproximadamente uma hora.
No entanto, mesmo sem o uso de diálogos ou de textos – com exceção dos
créditos -, as seis flores/fases podem ser interpretadas como uma jornada narrativa, pois
o local de partida dentro de cada fase sempre assemelha-se ao local final da fase
anterior. Ao se considerar o tempo total do jogo, seu percurso segue a jornada de um dia
por completo: a primeira fase começa em um dia ensolarado; ao progredir pelas demais
fases vai anoitecendo até que, na fase final, tem-se um novo amanhecer.


Figura 6. Outro cenário do game.

As fases iniciais são concentradas no ato de restaurar vida e cor à paisagem;


têm-se os dias ensolarados que, gradualmente, seguem ao pôr-do-sol. Na quarta fase, em
pleno pôr-do-sol, ao despertar diversas turbinas eólicas, o jogador é levado a um campo
37

noturno. Nesta fase, o papel do jogador é iluminar os diversos postes apagados que
encontra pelo caminho – sempre através de flores suavemente despetaladas por seu
vento.
Os postes de luz vão-se acendendo até atingir uma cidade distante, habitada
pela escuridão e pelo silêncio. Repleta de estruturas metálicas retorcidas, cabos elétricos
partidos e prédios cinzentos despedaçados, a cidade convida o jogador a animá-la –
aqui, no sentido primeiro da palavra: anima, alma, dar vida. Seguem-se as duas fases
finais do jogo onde, ao percorrer cada caminho e bifurcação, cada poço de lama e base
de torres, o jogador deve suavemente tocar as poucas flores encontradas e transformar,
gradualmente, a cidade fantasma em um local brilhante, colorido, cheio de vida e de
sinfonia.
Conforme o jogador avança pelas fases do game, ao retornar ao apartamento
(tela inicial com o menu de vasos), a cidade vista pela janela vai sendo também
transformada. De seu estado inicial cinzenta e chuvosa, com ruídos de metrópoles como
motores de carros e buzinas, a cidade vai se transformando em luz e perdendo ruídos, de
maneira vibrante e colorida. Se o jogador descobrir e despertar, em cada uma das seis
fases, três pétalas secretas especiais, ao final do jogo a paisagem do apartamento se
transforma em um campo brilhante, com montanhas ao fundo. É como se, ao final,
Dorothy Gale transformasse a cinzenta Kansas na brilhante e animada Oz.


Figura 7. Tela inicial apresentada ao desenrolar do game.
38


Figura 8. Tela inicial apresentada ao final, caso o jogador encontre todas as pétalas especiais escondidas. A
paisagem na janela encontra-se completamente transformada.

A trilha sonora também é alterada no decorrer do percurso: cresce em escala e


em complexidade, de acordo com a necessidade narrativa e com o teor emocional que
cada fase demanda. Os créditos, por sua vez, são apresentados como a sétima e última
fase; aqui, no entanto, ao tocar suavemente as flores pelo caminho, não são pétalas que
se desprendem e se unem ao jogador, mas os próprios nomes e cargos da equipe de
desenvolvimento que são libertos - os créditos em si –, e somem, gradualmente, em
direção ao céu. De volta ao apartamento, não é um sétimo vaso que surge, mas um
pequeno porta retrato cuja imagem apresentada é de uma nova flor.
No geral, pode-se dizer que Flower é melhor definido enquanto experiência do
que enquanto ato de jogar. Nele, o gamer pode experimentar a sensação de liberdade
(existe algo mais libertador do que o ato de voar?), ao ser inserido em grandes paisagens
nas quais sua exploração é livre e não-direcionada, sem objetivos muito claros. É-lhe
permitido, inclusive, parar completamente a ação do soprar do vento e apenas
contemplar o local escolhido, modelado com muito cuidado e embalado por uma
melodia relaxante.
Pode-se afirmar que a experiência do acaso extático é a grande predominante
para o gamer. Ao oferecer paisagens abertas à exploração daquele que o experimenta,
seus desenvolvedores priorizaram o game enquanto estrutura – ao invés de simulação ou
narrativa. Uma vez que não existe um percurso claro a ser seguido, é o próprio gamer o
39

grande responsável pela descoberta dos possíveis trajetos, assim como também pode
optar por não seguir trajeto algum e apenas explorar a vastidão e os pequenos detalhes
de cada novo cenário.


Figura 9. Cenário da fase noturna; as pétalas a serem controladas encontram-se em primeiro plano.


Figura 10. Cenário da cidade em ruínas.


Figura 11. Cenário da cidade em transformação: ganha vida com a ação do jogador, que a desperta.
40

A possibilidade de o gamer entrar em estado de transe também é um grande


fator que demonstra o quanto Flower é dedicado às suas sensações e emoções. O gamer
encontra-se imerso em um ambiente repleto de qualidades e acasos, o qual é convidado
a explorar livremente, sem pressa e sem destino definido. Por isso, pode-se dizer que o
papel do jogador aqui é muito mais agente, e em sua recepção predomina a qualidade de
sentimento.
Retomando a discussão acerca da narratologia versus ludologia, Flower pode
ser considerado um game onde o equilíbrio está próximo do ideal. Ao explorar
livremente cada fase, aos poucos o gamer desvenda os mistérios narrativos do game,
percorrendo uma trajetória próxima à jornada do herói. Uma vez compreendido cada
“sonho” de cada flor, o gamer gradualmente liberta sua cidade inicial, onde seu
apartamento se encontra, de sua prisão cinza e chuvosa, trazendo-lhe o elixir da vida, da
natureza e das cores. Existe ainda um paradoxo: ao mesmo tempo em que existe essa
progressão temporal, típica de uma jornada, o tempo do jogo é também o tempo do
sonho das flores, do onírico, e, portanto, atemporal.
Para intensificar a possibilidade de imersão extática, os controles do jogo
foram feitos da maneira mais intuitiva e simples possível: para escolher a direção, basta
inclinar o controle como um todo à direção desejada; para controlar a velocidade, basta
pressionar qualquer botão desse controle. Com isso, além de facilitar a imersão, os
desenvolvedores também facilitaram a inclusão de diversos níveis de gamer diferentes:
desde os mais experientes, até os mais amadores, qualquer pessoa consegue facilmente
dominar o controle e mergulhar no universo onírico proposto.
Um último aspecto que enfatiza as qualidades icônicas do game é a sua
presença em diversas exposições de arte e tecnologia ao redor do mundo12, das quais
ainda obteve alguns prêmios de reconhecimento13.


12
Esteve presente, inclusive, no Brasil, na mostra Festival Internacional de Linguagem Eletrônica - FILE
de 2009.
13
O prêmio ganho mais significativo para o propósito dessa pesquisa foi o "Artistic Achievement", pela
British Academy of Film & Television Arts Video Game Awards, em 2010. Para conhecer os outros
prêmios, acesse: <http://thatgamecompany.com/games/flower/>. Acesso em abril de 2013.
41

Secundidade em EyePet: a relação com a realidade

Por Secundidade, entende-se o mundo real, sensual e reativo; o mundo da


existência cotidiana. Santaella a define como sendo a "consciência reagindo em relação
ao mundo. Existir e sentir a ação de fatos externos resistindo à nossa vontade"
(SANTAELLA, 2005: 47). Em outras palavras, a Secundidade é determinada pelas
qualidades de resistir e reagir, pelo confrontar-se.
Enquanto a qualidade, em Primeiridade, é apenas uma parte do fenômeno, para
existir de fato, ela necessita estar corporificada em uma matéria. É aqui que se encontra
a Secundidade: no simples fato de existir, na corporificação material. Enquanto meras
qualidades não resistem, é a matéria corporificada que permanece.
Outras características que determinam a Secundidade são: agir, reagir, interagir
e fazer; enfim, é na interação dialógica que a predominância reside. E é justamente por
isso que o game EyePet foi selecionado. O jogo foi desenvolvido, inicialmente, de
forma exclusiva para o console Playstation 3, da Sony, e lançado em outubro de 2009.
Sob a autoria das equipes London Studios e Playlogic Game Factory, no game o jogador
é convidado a criar e cuidar de um animal de estimação virtual, que tem a aparência de
um pequeno macaco com o comportamento mimetizado entre um gato e um cachorro.


Figura 12. Imagem da capa do jogo.
42

Apesar da temática "bichinho virtual" não ser nada original, é na forma de


interação do game que se encontra seu grande diferencial – e é aqui que a ação-reação
definidora da Secundidade torna-se clara: ao utilizar a tecnologia da realidade
aumentada, através de uma câmera, o pequeno animal de estimação é inserido
virtualmente no ambiente real onde o jogador se encontra no momento da interação.
A realidade aumentada é uma tecnologia através da qual elementos virtuais são
sobrepostos a ambientes reais, sempre em tempo real, através da captura desse
determinado ambiente por uma câmera. Os elementos virtuais são sobrepostos à camada
de vídeo através de marcadores específicos e apresentados simultaneamente em telas,
projeções ou monitores. Na grande maioria dos casos, os elementos virtuais reagem à
interação, aumentando a sensação de veracidade e de imersão. Por exemplo, um
interator pode manipular um objeto virtual sobreposto a um marcador, como na imagem
a seguir, desvelando todos os ângulos desse objeto virtualmente modelado. Em alguns
casos mais elaborados, o elemento virtual reage fisicamente à ação do interator,
podendo, por exemplo, ao ser inclinado, rolar ou até mesmo cair de determinada
superfície.


Figura 13. Exemplo de utilização da tecnologia da Realidade Aumentada, com uso de marcadores: obra artística
levelHead, de autoria de Julian Oliver (2007). À esquerda, cubos com os marcadores em suas superfícies; à direita, a
sobreposição de conteúdo virtual.

Em EyePet, é o próprio animal de estimação que é sobreposto à camada de


vídeo capturada em tempo real. Partindo do princípio de que a maioria dos jogadores
deve interagir com o game em suas próprias residências, o pequeno animal transforma-
se rapidamente na mascote da família, sendo inserido virtualmente em sua sala de estar
ou em seu dormitório, por exemplo. Uma vez em funcionamento, o animal responde a
diversas ações impostas pelos jogadores: ao ser acariciado, ele ronrona de forma
43

carinhosa; se detecta algum movimento em alta velocidade vindo em sua direção, ele
pula ou esquiva – acompanhado de uma expressão carismaticamente assustada.
Além do pequeno animal, todos os elementos e objetos necessários para seu
cuidado e entretenimento são também sobrepostos em realidade virtual, sendo
necessária para seu funcionamento a existência do chamado “Cartão Mágico”. Este
cartão, feito de plástico resistente, é o grande responsável pelo funcionamento da
tecnologia empregada, uma vez que é nele que se encontra impresso o marcador
identificado pela câmera e utilizado para posicionar os elementos virtuais.


Figura 14. Imagem promocional do game com os acessórios necessários (câmera e cartão mágico).

Ao iniciar o jogo pela primeira vez, automaticamente, dá-se início ao tutorial, o


qual explica as coordenadas para o melhor posicionamento da câmera e o manuseio do
cartão mágico. No tutorial, um ator, no papel de um cientista, apresenta o EyePet
enquanto experimento, no qual o jogador é convidado a participar. Para tanto, o jogador
recebe como presente um ovo e, em seguida, acompanha o nascimento da nova mascote.
O próprio nascimento já é a primeira forma de interação: na tela, o ovo é
posicionado sobre o cartão mágico e o jogador é convidado a fazer uma análise de raio-
X para conferir se o animal está bem. Para a análise, o jogador deve pegar o cartão do
chão, que irá se transformar em um dispositivo de avaliação, e passar pelo ovo, cujo
interior irá aparecer na tela – justamente como se fosse um raio-X. Depois da análise, o
jogador deve aquecer o ovo e bater palmas para acordar a mascote, que lentamente irá
44

quebrar a casca. Nesse momento, o jogador é convidado a batizar seu novo


companheiro, que receberá um cartão de registro – como se fosse um RG.


Figura 15. Nascimento de uma nova mascote.

A partir de seu nascimento, toda interação é possível. Além das ações diretas,
realizadas com as próprias mãos dos jogadores – como afagar, acariciar, assustar e
provocar, por exemplo –, outras formas de interação se dão através de atividades
disponíveis no painel de controle do game. Nesse painel, acessado através do controle
do jogo, encontram-se as seguintes sete opções: 1) Programa do EyePet; 2) Cuidar do
EyePet; 3) Brinquedos Mágicos; 4) EyePet Online; 5) Desenhar; 6) Ao ar livre; e 7)
Área Pessoal.


Figura 16. Imagem do menu principal do jogo, onde se encontram as sete principais opções de interação.
45

Na primeira opção, "Programa do EyePet", encontra-se o principal objetivo do


jogo: existem sessenta desafios variados, distribuídos em 15 dias (quatro desafios por
dia), que devem ser vencidos pelo jogador. A jogabilidade de cada desafio pode variar,
podendo ser uma disputa entre a mascote e o jogador – como um jogo de memória ou
pega-pega, nos quais o jogador deve sempre tentar ganhar – ou uma conquista a ser
alcançada em dupla harmonia, dependendo das habilidades coordenadas entre eles –
como uma corrida de obstáculos em que a mascote depende das palmas do jogador para
desviar e vencer.
Cada desafio possui a premiação em três graus diferentes – bronze, prata e ouro
-, as quais liberam diferentes prêmios aos jogadores. Esses prêmios constituem sempre
em novos conteúdos a serem explorados no próprio jogo, como novas roupas para a
mascote e novas texturas para objetos a serem criados. Vale destacar, também, que
inicialmente apenas o primeiro dia de desafios é liberado; para liberar os demais, o
jogador deve conquistar e acumular medalhas.
Na segunda opção do painel, "Cuidar do EyePet", encontram-se as ferramentas
necessárias para manter a mascote bonita e saudável: pode-se alterar sua aparência (cor
e comprimento dos pelos, roupas, fantasias e chapéus), dar banho, alimentar e avaliar
seu estado de saúde através de raio-X – da mesma maneira que foi realizada quando
ainda era apenas um ovo. Agora que está maior, ao apontar o dispositivo que aparece no
cartão mágico em áreas específicas, um feedback aparece imediatamente: na cabeça, se
está ativo ou inativo; no coração, se está feliz ou triste; no estômago, se está com fome;
e nos músculos dos braços, se está precisando de exercícios.


Figura 17. Radiografia do pequeno animal, para conferir sua saúde.
46

A terceira opção do painel apresenta os "Brinquedos Mágicos", que o jogador


possui para interagir com seu pequeno animal. Esses brinquedos também fazem uso
excelente da tecnologia da realidade aumentada, sempre respeitando as leis da física e
mantendo a experiência bastante lúdica. Entre eles, tem-se um trampolim – que o
jogador deve controlar enquanto a mascote pula, impedindo que ela caia –; um jogo da
memória – no qual o jogador é desafiado contra seu bichinho; um macaco que solta
bolhas de sabão – as quais o animal irá perseguir e estourar de forma divertida – e até
mesmo um conjunto de microfone e gravador, através do qual o jogador pode ensinar
algumas músicas que serão repetidas pela mascote.


Figura 18. Uma das brincadeiras mágicas: jogo da memória.

A quarta opção consiste no ambiente online do jogo, composto por uma loja
virtual e pela galeria de fotos e vídeos. Na loja virtual, os jogadores podem adquirir
monetariamente novos acessórios e materiais, ou apenas baixar conteúdos disponíveis
gratuitamente – geralmente, conteúdos relacionados a feriados internacionais são
distribuídos de forma gratuita, como roupa de Papai Noel ou Coelho da Páscoa. Na
galeria de fotos e vídeos, o jogador pode publicar seus próprios conteúdos ou acessar o
conteúdo de outros jogadores ao redor do mundo. Vale destacar que o jogador pode, a
qualquer momento, gravar cenas pessoais do jogo – screenshots – na forma de
fotografias ou vídeos, não importa a atividade que esteja fazendo; a Playstation Network
(rede online dos jogos Playstation), no entanto, tem um órgão avaliador desse conteúdo,
para evitar a publicação de materiais impróprios ou ilegais e conseguir manter a
classificação etária do game livre.
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É na quinta opção do painel de controle – "Desenhar" – que a Secundidade se


torna mais evidente. Nessa atividade, o jogador pode desenhar em um papel
determinados objetos – baseados em modelos base de carro, avião, robô e boneco –, e
mostrar seu desenho para a mascote, através da câmera do próprio jogo. Como se
tivesse realmente observado, a mascote pega seu caderno mágico de desenhos e copia,
de maneira muito fiel, o desenho apresentado pelo jogador. É aqui, então, que a mágica
acontece: o desenho, composto inicialmente apenas de linhas, salta da superfície do
papel, ganha volume e passa a ser interativo.


Figura 19. Atividade "Desenhar": desenha-se um foguete de forma simples...


Figura 20. ... e a mascote irá copiar de forma bastante fiel em seu caderno mágico.

Por exemplo: caso o jogador tenha desenhado a silhueta de um foguete, essa


silhueta pula da superfície do papel digital, como se tivesse sido recortada dela, e em
seguida ganha tridimensionalidade. A aparência dessa tridimensionalidade depende da
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escolha do material que o próprio jogador define, dentre uma lista de materiais
disponíveis e liberados ao longo dos desafios completados. Têm-se os materiais mais
diversos e engraçados: papelão, jornal, plástico, tecido, casca de laranja, bolo recheado
e até mesmo biscoito crocante. A antes silhueta torna-se então um foguete de fato, que
pode ser controlado pelo jogador e interagir com sua mascote – que irá fugir, tentar
atacar o veículo em movimento ou até mesmo pegar uma carona.


Figura 21. Em seguida, o desenho irá saltar, ganhar tridimensionalidade e transformar-se-á em brinquedo interativo.

A sexta opção de atividade do painel de controle é "Ao ar livre"; nela, é como


se o jogador levasse literalmente sua mascote para passear ao ar livre, tendo as opções
de Pescaria ou Jardinagem. Em Pescaria, por exemplo, o ambiente transforma-se em um
lago, o qual o pequeno animal fica rodeando à espera de um peixe distraído. Caso o
jogador veja algum peixe se aproximar, deve emitir algum som para que a mascote tente
acertá-lo; pode até mesmo gritar "Pega!". Se acertar, o peixe será arremessado para
cima e cabe ao jogador conseguir pegá-lo com sua rede de aquário, controlada pelo
cartão mágico. Depois de pego, esse peixe pode ser armazenado no aquário virtual do
jogo – a televisão ou monitor transforma-se em um grande aquário, através do qual o
jogador pode ver-se a si mesmo, como se refletido do outro lado.
A sétima e última opção de interação do painel é a chamada "Área Pessoal" e
constitui no banco de informações do jogador. Aqui, ele tem acesso às listas de prêmios
oferecidos pelo jogo – tanto a lista completa quanto a lista dos prêmios já conquistados
–, e à sua área particular de fotos e vídeos. É aqui que o jogador pode rever suas
49

imagens capturadas, em forma de álbuns. Ele pode ainda editá-las, publicá-las e até
mesmo apagar as indesejadas.
Além dessas sete opções de interação pré-formuladas, o jogador pode ainda
colocar a pequena mascote para dormir: basta que acaricie seu corpo com as pontas dos
dedos, como se fizesse um cafuné. Aos poucos, o animal vai acalmando e ronronando,
até que se encolhe, deita no chão e cai no sono. Ao dormir, ele pode sonhar com os
momentos mais emocionantes e excitantes que passou com seu jogador: sem aviso
prévio, são gravados pela câmera alguns momentos em que a interação se encontra em
perfeita harmonia – por exemplo, uma atividade que rendeu algumas risadas ou até
mesmo um momento de aprendizado do pequeno animal. No momento do sono, esses
vídeos gravados são exibidos na tela, na forma mesma de sonhos (dentro de balões com
uma leve opacidade), o que aumenta de forma significativa o carisma e a ligação
emocional entre o jogador e a mascote – especialmente pelo público mais jovem. Além
do afeto, a própria sensação de veracidade da interação real com o animal virtual é
intensificada, uma vez que os conteúdos dos sonhos são totalmente inesperados. É como
se o pequeno animal tivesse mesmo uma memória própria, criada pelo vínculo
emocional com seu dono.


Figura 22. Pode-se interagir com objetos variados, desde que o jogador desperte a atenção da mascote.

É nessa sensação de realidade, nessa forte relação criada entre mascote virtual
e jogador real, que habita a força da Secundidade. A realidade aumentada, através da
criação da sensação de mágica pela ilusão, pode ser vista como a grande responsável
50

pelo feito. No jogo, há o predomínio da simulação, não mais o simples estrutural como
em Flower, pois é na constante confrontação com o animal virtual e em suas reações
imediatas e realistas que se encontra o grande prazer do game. Com isso, pode-se
inclusive dizer que sua recepção tem o predomínio do indicial e o jogador tem um forte
papel de agente, e não mero "apertador de botões".
Sobre a discussão anterior acerca da narratologia versus a ludologia, nesse jogo
existe o predomínio da segunda sobre a primeira: enquanto jogo de simulação, o game
não apresenta um objetivo central a ser seguido e nem mesmo um final definido – ele
termina apenas quando o jogador decidir parar de jogar. Por isso, seu poder narrativo é
bastante aberto e incerto, cabendo ao próprio jogador criar mentalmente uma narrativa
linear, caso deseje.
Ao tomar para si, literalmente, o mundo real, sensual e reativo, o mundo da
existência cotidiana, e com esse mundo permitir a interação em tempo real, o game
EyePet, mais enfaticamente através do uso da tecnologia da realidade aumentada, tem
sua recepção na Secundidade por excelência.

Terceiridade em Heavy Rain: o autoconhecimento

A Primeiridade é definida como a categoria que dá à experiência sua qualidade


distintiva, sua originalidade irrepetível e liberdade. A Secundidade é aquilo que dá à
experiência seu caráter factual, de luta e confronto – ação e reação, sem o controle da
camada mediadora da intenção, razão ou lei. É justamente a Terceiridade que “aproxima
um primeiro e um segundo numa síntese intelectual”, ou seja, é ela que corresponde à
camada de inteligibilidade – ou pensamento em símbolos. É através dela que uma
pessoa representa e interpreta o mundo em que vive (SANTAELLA, 2005: 51).
Algumas palavras que definem a Terceiridade: generalidade, infinitude,
continuidade, difusão, crescimento e inteligência. Mas, segundo Santaella, a ideia mais
simples de Terceiridade é aquela de um signo ou representação (2005: 51). Para melhor
compreender o conceito de signo, antes é necessário saber definir o ato de perceber.
O ato de perceber trata, sobretudo, da ação de traduzir um objeto de percepção
em um julgamento de percepção, ou seja, é interpor uma camada de interpretação entre
a consciência e o que é percebido. A partir dessa definição, tem-se que o signo é um
51

primeiro, o objeto que representa é um segundo e o interpretante um terceiro. Segundo


Santaella,

“(...) o signo está numa relação a três termos; sua ação pode ser
bilateral: de um lado, representa o que está fora dele, seu objeto, e de
outro lado, dirige-se para alguém em cuja mente se processará sua
remessa para um outro signo ou pensamento onde seu sentido se
traduz. E esse sentido, para ser interpretado tem de ser traduzido em
outro signo, e assim ad infinitum.” (SANTAELLA, 2005: 52).

E é exatamente por esse poder representativo, que depende diretamente da


existência de um intérprete (sem o qual não existe interpretante), que o game Heavy
Rain foi selecionado enquanto dominância da Terceiridade. O jogo, desenvolvido pela
empresa Quantic Dreams, foi lançado em 2010 também exclusivamente para o console
Playstation 3, da SONY. Com seu gênero definido por drama interativo, o game trata de um
suspense policial, ambientado nos moldes dos filmes noir e é protagonizado por quatro
personagens distintos, envolvidos no misterioso caso do Origami Killer (Assassino do
Origami).


Figura 23. Imagem da capa do game.

O Assassino é um serial killer de crianças, as quais ele mata através de


afogamento em águas pluviais e abandona seus corpos em lugares inóspitos, sempre
52

acompanhados de uma figura animal feita de origami. Na trama, Ethan Mars é um pai
que busca salvar seu filho, a próxima vítima sequestrada pelo Assassino. Em paralelo, a
jornalista Madison Paige, o investigador do FBI Norman Jayden, e Scott Shelby, um
detetive particular, também buscam pistas para identificar e capturar o serial killer.
O game é dividido em 40 cenas – 39 jogáveis e a final, com o desfecho –, onde
cada uma delas tem como centro um dos quatro personagens. O gamer interage através
da realização de ações relacionadas ao controle do console, apresentadas na tela. Essas
ações variam: existem escolhas de respostas, relacionadas a botões específicos do
controle; sequências corretas de botões a serem pressionados simultaneamente em
momentos de ação mais rápidos (chamados de quick time events); e, até mesmo, a
movimentação do controle inteiro. Outra característica interessante é que o gamer pode
“ouvir os pensamentos” do personagem: ao pressionar um botão específico, assuntos
diferentes aparecem na tela relacionados a diferentes reflexões do personagem, que
podem ajudar nas decisões a serem tomadas.
As decisões e ações do gamer durante o jogo afetam diretamente sua narrativa:
os personagens principais podem, inclusive, morrer ou ficar detidos e, com isso, não
aparecer nas cenas seguintes. Também existem desfechos diferentes para a história,
decorrentes de cada decisão tomada ao longo do percurso. Embora a identidade do
Assassino seja sempre a mesma, as versões da história são múltiplas, ou seja, os
percursos de cada um dos quatro personagens em busca da solução do caso são
variáveis, assim como o destino da criança sequestrada, que pode ser salva ou não.
Ao ser considerada sua jogabilidade, não existem escolhas erradas no game –
ou “game over”. O jogo sempre irá prosseguir, tomando rumos inesperados e
apresentando finais diferentes, dependendo somente do desempenho e – principalmente
– das escolhas do gamer. Até mesmo com a morte de todos os personagens o jogo
apresenta um desfecho. No entanto, após terminar o jogo uma vez, pode-se voltar a
cenas anteriores e jogá-las novamente para experimentar o surgimento de outras cenas e
de outros desfechos diferentes. Não é necessário jogar o game por completo para isso,
pode-se apenas partir da cena a qual o gamer deseja mudar.
A multiplicidade de enredos faz com que o game seja enquadrado na definição
de histórias rizomáticas, apresentada por Murray (2003, p.135). Segundo a autora,
histórias rizomáticas ao redor de um núcleo de violência não possuem uma solução
única e combinam uma percepção clara da estrutura da história, justamente por conta de
sua multiplicidade de enredos. A narrativa é então enriquecida, pois o fato de
53

“reconstituir a situação a partir de perspectivas diferentes leva a um contínuo


aprofundamento da compreensão do leitor sobre o ocorrido, aprofundamento esse que
pode resultar num sentimento de resolução capaz de levar em conta a complexidade da
situação e de manter o momento do choque [no caso, o sequestro e a morte iminente do
filho de Ethan] inalterado e ainda central” (p.135).
A jogabilidade, aqui, é a grande peça-chave para se compreender Heavy Rain
enquanto signo de Terceiridade. Ao permitir que qualquer escolha seja feita por parte do
jogador, o game faz com que, a qualquer novo instante de interação, toda a
responsabilidade das escolhas seja por ele percebida. Com isso, não basta o jogador
apenas se dedicar à contemplação de cada cenário ou simplesmente reagir a cada novo
estímulo: é necessário seu poder de reflexão, sua frequente reavaliação pessoal do todo
da história, a cada novo fato descoberto, para que consiga progredir em seu
desenvolvimento e, se bem-sucedido, desvendar o mistério e salvar o garoto.
O game começa apresentando Ethan Mars, em um dia qualquer de sua vida,
com sua esposa e seus dois filhos, Jason e Shaun. Este prólogo funciona como tutorial
do jogo, onde o gamer é apresentado à jogabilidade do sistema. Na cena seguinte, Ethan
se encontra em um shopping com sua família, onde, numa distração, acaba perdendo de
vista um de seus filhos, Jason. A criança é encontrada na rua e, prestes a ser atropelada,
Ethan pula para protegê-la. Ambos são atingidos. Jason morre e Ethan fica em coma por
seis meses.
Dois anos depois do acidente, separado de sua esposa e afastado de seu
segundo filho, Ethan está em depressão, tem fobia de grandes multidões e sofre alguns
instantes de “blackout” – perde a consciência, como se desmaiasse –, que chegam a
durar algumas horas. Em um passeio com Shaun em um parque, Ethan passa por um
desses blackouts e, quando acorda, descobre que o filho desapareceu. Logo, o sumiço de
Shaun é relacionado à série de ataques do serial killer “Assassino do Origami”. O modo
de ação do criminoso é reconhecido pelo sequestro de garotos durante períodos de
chuva no outono, os quais são posteriormente encontrados mortos por afogamento em
lugares inóspitos, com uma figura animal de origami na mão e uma orquídea sobre o
peito.
54


Figura 24. Ethan e seu filho Shaun, minutos antes do blackout.

A seguir, a história apresenta Scott Shelby, um detetive particular em busca do


Assassino do Origami. O detetive começa sua busca entrevistando Lauren Winters, a
mãe da última vítima morta pelo Assassino. Em uma próxima cena, o gamer controla o
investigador do FBI, Norman Jayden, enviado à polícia para ajudar também na busca
pelo Assassino. Em sua investigação, ele chega à conclusão de que a criança
sequestrada – Shaun – estaria presa em algum lugar no qual, após chover por três dias,
morreria afogada. Esse, então, é o tempo de busca de que os personagens – e o gamer –
dispõem para encontrar a criança com vida.


Figura 25. Scott Shelby entrevista Lauren, mãe de uma das vítimas do Assassino.
55


Figura 26. Norman Jayden, em sua primeira aparição no game, investigando um dos casos do Assassino. Em
primeiro plano, a vítima morta: um garoto com uma orquídea branca sobre o peito.

Finalmente, num próximo capítulo, a quarta e última personagem é


apresentada: Madison Paige, uma jornalista. O gamer começa a controlando em seu
apartamento e conhece seu cotidiano: a jornalista sofre de insônia e não consegue ter
uma única noite tranquila em sua casa. Após um pesadelo aterrorizante, resolve partir
para um motel a fim de tentar solucionar seu problema com o sono. No desenrolar da
história ela acaba conhecendo Ethan e, pelo interesse jornalístico, também decide por
ajuda-lo a encontrar seu filho – e, consequentemente, encontrar o Assassino.


Figura 27. A jornalista Madison Paige em cena de ação (em seu pesadelo). As imagens de "X" e "quadrado" referem-
se aos botões específicos a serem pressionados no controle.
56


Figura 28. Madison Paige, pouco depois de despertar de seu pesadelo.

Dá-se, então, início aos testes e desafios pelos quais cada um dos quatro
personagens deve passar e superar, a fim de alcançar seu objetivo único: capturar o
serial killer e encontrar a criança sequestrada. Esses testes exigidos de cada
personagem, como o próprio nome diz, são o “passar-de-fases” de cada um deles.
De volta a Ethan, o novo capítulo começa com a chegada de uma carta
anônima, com instruções que o levam a um armário de uma estação de trem. No
armário, Ethan encontra uma caixa de sapato que contém um celular, uma arma e cinco
figuras de origami. Com a caixa em mãos e a fim de fugir da mídia, Ethan se refugia em
um motel – o mesmo de Madison Paige –, de onde começa sua busca.
No quarto do motel, Ethan inicia a exploração da caixa encontrada no armário.
O celular nela encontrado apresenta uma mensagem gravada a qual exige que o pai
realize os testes contidos por escrito nas figuras de origami também localizadas na
caixa. Segundo a mensagem, cada teste realizado com sucesso irá liberar parte da
informação da localização de Shaun. Os testes, no entanto, não são fáceis de realizar:
através deles, o Assassino quer provar o limite que Ethan pode alcançar para salvar seu
filho. Na sequência do game, os cinco testes para Ethan são: dirigir na contramão de
uma rodovia em alta velocidade; passar por um túnel estreito cheio de vidros quebrados,
tendo que se arrastar sobre eles e, em seguida, por um labirinto de fios de alta tensão;
cortar um dedo da própria mão; matar um homem; e, por último, beber um veneno
mortal, que lhe dá apenas mais uma hora de vida – tempo suficiente para encontrar e
salvar Shaun.
Em todos os testes, sempre existem duas opções oferecidas ao gamer: fazer ou
não o que lhe é exigido. Ao recusar, Ethan prossegue em sua história sem conseguir
57

pista alguma do paradeiro de seu filho. Caso o gamer opte por realizar todos os testes
com sucesso, deve se esforçar ao máximo para conseguir completar os desafios – a
maioria deles depende de sua habilidade, pois consiste de sequências de botões do
controle que devem ser pressionados rapidamente. Uma vantagem para o gamer é que,
caso não consiga completar algum desafio por falta de habilidade, é possível jogar os
capítulos novamente (desde que o game já tenha sido terminado uma vez).
No motel, entre o primeiro e o segundo teste, Ethan conhece Madison, que,
como dito anteriormente, resolve o ajudar a encontrar seu filho. Além de buscar
informações, Madison também o ajuda a se recuperar dos ferimentos resultantes das
provas do Assassino. Em sua busca por informações, Madison também passa por exatos
cinco desafios.
No primeiro, Madison deve ajudar Ethan a escapar da polícia em um antigo
galpão abandonado, em seu teste de cortar o dedo da mão. No segundo, a jornalista
parte para investigar um médico psicopata, o qual é o dono do galpão abandonado
anterior. Neste desafio, Madison pode morrer. No caso de sobreviver, parte para o
terceiro desafio, onde ela investiga o dono mafioso de uma boate, a qual o médico
psicopata frequentava. Aqui, Madison também pode morrer. Novamente, caso
sobreviva, a jornalista descobre a identidade da mãe do Assassino. Em seu quarto
desafio, Paige deve ir até o hospital psiquiátrico no qual a mãe do Assassino se encontra
internada e deve interroga-la sobre o filho. Nesse capítulo, Madison descobre a
identidade do Assassino – a qual não é revelada ao gamer ainda. Seu quinto e último
desafio é, justamente, na casa do Assassino. Enquanto Madison investiga sua moradia,
ele a flagra, tranca e ateia fogo no apartamento, tanto no intuito de matá-la quanto para
apagar as evidências. Aqui, pela última vez, a jornalista também pode morrer. Todas
essas possibilidades dependem, sempre, das escolhas e habilidades do gamer.


Figura 29. Boate a que Madison e Jayden partem para investigar.
58


Figura 30. Interior da boate Blue Lagoon.

Em paralelo às jornadas dos dois personagens – Ethan e Madison – e de volta à


delegacia de polícia, a ex-mulher de Ethan conta a respeito dos blackouts do ex-marido
aos policiais e diz temer que seja ele próprio o Assassino do Origami. Aqui, a intuição
do gamer é posta à prova, uma vez que o tenente da polícia, Carter Blake, passa também
a acreditar nessa hipótese, enquanto o investigador do FBI, Norman Jayden, busca
provar o contrário. Blake e Jayden partem, então, juntos para cada investigação
(desafio), cabendo ao jogador decidir em qual dos dois deseja acreditar para que consiga
optar pelas melhores decisões ao longo da história.
O primeiro de seus desafios é investigar o primeiro suspeito, Nathaniel, o qual
é envolvido em rituais satânicos e já tem um histórico criminoso. Ao inspecionar seu
apartamento, Jayden – o gamer – deve decidir se o considera culpado ou não. Sua
intuição, no entanto, é exigida em uma situação bastante tensa: em determinado
momento, o gamer deve decidir se mata ou não o suspeito. Em outras palavras, deve
escolher rapidamente se deve ser influenciado por Blake ou seguir sua própria intuição.
Em seu segundo desafio, um segundo suspeito cuja identidade é desconhecida
pelos policiais é encontrado em um mercado de rua. Aqui, Blake provoca uma
perseguição. O gamer deve, então, decidir se persegue ou não o suspeito e, caso persiga,
deve escolher entre ganhar ou não a luta com ele consequente.
Já o terceiro e próximo desafio trata da investigação de Ethan. Para isso, os
policiais resolvem interrogar seu psiquiatra. Na cena, o psiquiatra mostra-se resoluto em
manter o sigilo profissional, o que leva Blake a assumir uma postura violenta e a
espancar o médico. Jayden deve optar entre impedir Blake ou se omitir, apenas assistir e
tornar-se seu álibi.
59

O quarto desafio é uma luta pessoal de Jayden. Viciado em uma droga,


triptocaína, o investigador deve optar por continuar ou não a utilizando. Na cena, seu
mordomo o aconselha a deixar a droga antes que ela o mate. Ao longo da história, cabe
ao gamer optar por utilizá-la ou não nos momentos oportunos. A depender dessa
escolha, segue, então, o quinto teste de Jayden: investigar um quarto suspeito,
conhecido como Mad Jack (Jack Louco), dono de um desmanche de veículos. Ao tentar
interrogá-lo, o suspeito engaja em uma luta inesperada com o investigador. No
momento de estresse, Jayden tem uma crise de abstinência da triptocaína, o que impõe
uma difícil escolha ao gamer: optar entre tomar ou não a droga, para que consiga
prender o suspeito e “vencer” a cena. No entanto, o ato de tomar o aproximaria da
morte. Por outro lado, ao não tomar a droga, uma luta violenta começa entre eles, na
qual Jayden também pode morrer.


Figura 31. Norman Jayden em cena de ação com Mad Jack.

O último desafio do investigador, caso sobreviva na cena anterior, trata do


último suspeito. Aqui, Jayden se encontra na mesma boate que Madison investigou
anteriormente, e está em busca do mesmo mafioso que ela. Se Madison foi bem-
sucedida, o mafioso estará morto. Com isso, ao inspecionar a cena do crime, Jayden
trava uma nova luta corporal com um dos seguranças da boate. Se bem-sucedido,
consegue uma prova crucial para a descoberta da identidade do Assassino.
Por fim, o último personagem a ser controlado pelo jogador, Scott Shelby,
também se encontra em sua investigação pelo serial killer. Começa a interrogar os
parentes de suas últimas vítimas e, através disso, passa a coletar inúmeros materiais a
60

ele relacionados. O primeiro teste de Shelby é na loja de Hassan, pai de uma das vítimas
do Assassino. O proprietário da loja se recusa a dar informações ao investigador e entra
em cena outra situação tensa para o gamer: a loja é assaltada logo depois do
interrogatório e Scott – o gamer – deve decidir entre salvar Hassan (ser um herói para
tentar convencer Hassan a cooperar na investigação) ou permanecer escondido e deixar
Hassan ser morto.
Em uma próxima cena, Lauren Winter – a primeira entrevistada por Scott –
decide se juntar ao detetive em busca do assassino de seu filho. Juntos, passam por
outros testes. O principal suspeito de Scott é um playboy milionário e ambos partem
para sua mansão. Enquanto Lauren distrai os seguranças, Scott consegue chegar até o
dormitório do rapaz. Aqui, uma luta entre o detetive e outros seguranças é travada, e
Scott sai com a certeza de que ele é o Assassino.
O detetive parte, então, em busca do pai do playboy e o encontra em um clube
de golfe. Na cena, um diálogo bastante tenso é desenvolvido, no qual o pai do rapaz, o
Sr. Kramer, aconselha Scott a deixar seu filho em paz. Esse conselho, no entanto, serve
como uma provocação a Scott, que intensifica ainda mais sua investigação. Entre suas
buscas, o detetive percebe que uma das ações recorrentes do Assassino era enviar cartas
datilografadas aos pais das vítimas. Por ser uma tecnologia rara, Scott resolve visitar o
único antiquário do bairro, Manfred, a fim de obter informações sobre seus clientes –
mais especificamente, sobre aqueles que consomem suprimentos de máquinas de
datilografia. No entanto, durante sua estadia na loja, o dono do estabelecimento é
assassinado de forma inesperada. Scott e Lauren, pegos de surpresa, devem limpar todas
as evidências de que estavam no local a fim de fugir da polícia.
O próximo desafio começa com Scott acordando amarrado dentro de seu carro,
o qual se encontra debaixo d’água. Ao notar que Lauren também está presa ao seu lado,
percebe que ambos caíram em uma emboscada. O gamer deve, a seguir, optar entre
duas soluções: soltar-se e escapar do carro com ou sem a companheira.
Em seu último desafio, Scott volta a encontrar o milionário Sr. Kramer, pai do
rapaz suspeito, dessa vez em sua mansão. Ao entrevistá-lo, Scott é constantemente
ameaçado e uma nova luta entre ele e os seguranças é travada. Caso vença a luta, Scott
inicia um interrogatório bastante violento com o Sr. Kramer, o que lhe causa um ataque
do coração. Aqui, uma nova escolha é imposta: se Scott deve salvar ou não o
milionário.
61

Ao final de todos os testes apresentados para cada personagem, se bem


sucedidos, Ethan já tem a localização do filho e Madison, Scott e Jayden sabem a
identidade do Assassino do Origami. Este é o ponto em que começa o ato final da
história e os possíveis desfechos se revelam.
Em uma das últimas cenas do game, o personagem a ser controlado é o próprio
Assassino quando criança, em um flashback. Nessa cena, seu passado é finalmente
revelado: seu irmão gêmeo morrera afogado por acidente, ao cair em um cano
desprotegido de um terreno em construção em um dia chuvoso. O pai deles, bêbado e
negligente, recusou-se a ajudar a impedir a desgraça. A criança que permanece viva é
identificada como Scott Sheppard que, depois de ser adotado, tem o nome alterado para
Scott Shelby. O gamer descobre, finalmente, que o detetive particular é próprio
Assassino do Origami, o qual usa sua estratégia de sequestro seguido por testes para
buscar um pai que esteja disposto a se sacrificar pelo próprio filho – atitude que seu
próprio pai não tomara por seu irmão falecido.
Ao longo do game, portanto, Scott estava em busca de cumprir dois objetivos
distintos dos demais personagens. O primeiro era conseguir encontrar e destruir todas as
provas de seus crimes anteriores: ateia fogo no próprio apartamento, destrói todas as
provas que conseguira coletar e ele mesmo mata Manfred, o antiquário no qual
conseguia seus suprimentos para as cartas. Seu segundo objetivo era vingar a morte do
irmão: o terreno em construção no qual o gêmeo morrera afogado é revelado ser posse
do milionário Sr. Kramer, o qual fora posteriormente culpado pela morte devido à falta
de segurança do local. Sua vingança se completa caso o gamer opte por não salvá-lo na
cena em que o Sr. Kramer tem um ataque do coração. O final feliz para o detetive passa
a ser perfeito se, além de matar o milionário, o gamer optar também por não salvar
Lauren na emboscada do carro embaixo d’água, uma vez que ela própria se torna uma
evidência de seus crimes.
As cenas finais do game são concentradas no fato de Ethan, Madison e Jayden,
individualmente, descobrirem ou não a identidade do Assassino e, por consequência, a
localização de Shaun a tempo de salvá-lo. Como dito anteriormente, o desfecho é
diretamente relacionado às escolhas e ao sucesso de habilidade do gamer nas cenas
anteriores: os três personagens podem morrer ou falhar na conquista das evidências, o
que pode levar a criança à morte e faz com que Scott consiga escapar ileso.
Caso os personagens sejam bem-sucedidos, Ethan, Madison e Jayden
descobrem que o paradeiro de Shaun é um antigo armazém abandonado em um porto.
62

Os três se dirigem para lá, onde encontram Scott à espera. Caso o gamer tenha optado
por tomar o veneno – último desafio de Ethan – o pai sabe que tem pouco tempo de vida
e se empenha para tirar seu filho do porão onde está preso. Enquanto isso, Madison e
Jayden travam uma luta com Scott. Existem várias opções e escolhas possíveis para o
final, sendo que, em uma delas, Jayden atira em Scott, que cai morto.
Ao final dessa linha de escolhas, Ethan passa por um forte momento de
epifania: ele descobre que o veneno que tomara, na verdade, não passara de uma
mentira. A simples escolha por tomar era o último teste de Scott para provar o amor do
pai pelo filho. No estágio final da história, além de se tornar o herói de seu filho, Ethan
prova seu amor por ele, permanece vivo e inicia um romance com Madison. Jayden, por
sua vez, deixa de usar a droga e segue em uma carreira de sucesso. O curioso é pensar
que, mesmo acabando morto, Scott consegue alcançar seu objetivo maior com os
crimes: encontrar um pai capaz de sacrificar a própria vida pelo filho, um verdadeiro
herói.


Figura 32. A difícil escolha final de Ethan: tomar ou não o veneno mortal.

O game se mostra, acima de tudo, como experiência de aprendizado, reflexão e


até mesmo autoconhecimento do próprio jogador. Ao ser confrontado com difíceis
escolhas, é sua própria voz da razão, seu repertório de vida, sua intuição e suas vontades
os grandes guias para o desenrolar da narrativa. Aqui, entramos justamente em outra
forte característica do game: sua narrativa.
Ao retomar o paradoxo entre narratologia e ludologia, em Heavy Rain a força
da narrativa é indiscutível. Ao aproximar-se de um roteiro cinematográfico, o que é
ainda mais reforçado pelo seu visual altamente realista, o game faz jus à sua
classificação enquanto drama interativo. Com a predominância da narrativa sobre o
63

lúdico, o game encontra-se completamente imerso no domínio do simbólico,


apresentando, portanto, uma jogabilidade cujo jogador faz-se menos agente e mais
intérprete, um receptor um pouco mais passivo.
Outro aspecto que fortalece ainda mais o vínculo do game com narrativas
cinematográficas é o fato de que sua história pode ser diretamente relacionada à
estrutura mítica da jornada do herói, estrutura essa formulada por Christopher Vogler
para a realização de roteiros cinematográficos de sucesso14.
Outro paradoxo também se apresenta caso seja retomado o aspecto rizomático
do enredo, conforme o define Murray, citado anteriormente. Embora o game apresente
uma multiplicidade de enredos, ele apresenta, ao final e ao cabo, um único final a
respeito da identidade do assassino. O que se tem, no entanto, são diferentes e inúmeras
formas as quais se desenrola a descoberta de sua identidade e o destino de cada uma das
personagens.
Heavy Rain encontra-se por completo no domínio da Terceiridade, ao exigir de
seus jogadores a constante avaliação de fatos encontrados e situações confrontadas. É
como se a literatura tentasse se aproximar do universo dos games; como se Conan
Doyle ressurgisse para formular uma nova diretriz possível de experiência interativa.


14
Vale ressaltar que o game Heavy Rain foi analisado sob a luz da estrutura mítica da jornada do herói no
artigo “Heavy Rain: uma jornada paradoxal” (ANTUNES, no prelo).
64

Reflexões finais

Essa pesquisa buscou comprovar que os games têm, em sua recepção, a


possibilidade inerente de proporcionar àquele que o experimenta uma vivência que vai
além do simples entretenimento. Qualidades como a contemplação e o acaso extático, as
relações de identidade e até mesmo o aprendizado e o autoconhecimento são possíveis
consequências do ato de jogar, que dependem sempre de dois fatores: o objetivo
primeiro dos desenvolvedores quando propõe seu game e a relação que o próprio gamer
tem com o gameplay.
Como apresentado, a escolha de cada game foi determinada pela análise
semiótica de sua recepção, onde cada um deles tem uma categoria predominante
diferente. Flower, cuja predominância se encontra na Primeiridade, tem sua interação
guiada pelo acaso, pelo icônico; em seu conceito e em sua estrutura reside a
possibilidade inerente de deleitar àquele que o experimenta. Sua exploração, guiada a
maior parte do tempo pelo acaso, é acompanhada constantemente por livres cenários
ricos em detalhes e toda e qualquer ação resulta em melodias harmoniosas e
envolventes, que proporcionam uma imersão extática sem precedentes.
Eyepet, por sua vez, encontra sua predominância na Secundidade, devida a sua
relação com a realidade, sua indicialidade explícita. Ao exigir do jogador o constante
embate com a realidade – ela mesma, participante ativa do game – através da mágica
ilusionista criada, o pequeno animal virtual torna-se quase um chaveiro da segunda
categoria fenomenológica encarnada. A experiência gerada no decorrer do jogo chega
mesmo a confundir os sentidos do jogador que, envolvido na metáfora da realidade
aumentada, chega mergulhar no espelho de Carrol e dedicar à mascote virtual toda a
atenção possível, adotando-a para si.
Heavy Rain, último dos games analisados, tem seu predomínio na
Terceiridade. Por seu forte aspecto narrativo, que o levou a ser definido como drama
interativo, o game se encontra no domínio das leis e do arbitrário, no reino do
simbólico. Aproximando-se ao máximo do universo do cinema, o jogo tem sua estrutura
fortemente enraizada na mítica da jornada do herói, o que acaba por estimular a
reflexão, o autoconhecimento e até mesmo o aprendizado do jogador.
Vale a pena ressaltar que esses três possíveis estados da mente apresentados –
Primeiridade, Secundidade e Terceiridade – não podem ser interpretados enquanto
dados estanques. O que existe, e espera-se que este trabalho tenha de certa forma
65

comprovado, é a predominância de um desses estados sobre os dois outros, o que de


maneira alguma anula suas existências. Neste trabalho, o mais importante é
compreender de que maneira cada game demonstra sua predominância, aspecto este
analisado através das possíveis experiências que podem proporcionar àquele que joga.
A partir das análises realizadas, espera-se ter alcançado o objetivo primeiro de
demonstrar diferentes possibilidades de recepção existentes, enquanto experiências
únicas a cada indivíduo. Essas experiências que, como em qualquer experiência pessoal,
podem variar: desde a satisfação contemplativa de um cenário bem resolvido a uma
reconstrução de identidade por parte de um personagem-herói bem elaborado.
Ao mudar o foco de atenção para o meio acadêmico, espera-se ter enriquecido
a cartografia atual acerca do universo e das possibilidades que os games apresentam.
Busca-se, enfaticamente, enfrentar e desmistificar o menosprezo crítico, que enxerga
essa nova mídia apenas enquanto algo banal, nocivo e, acima de tudo, violento.
Para retomar todas as discussões anteriores às análises, cabem ainda algumas
outras reflexões. A primeira delas trata da principal novidade do ciberespaço apontada
anteriormente; nos três games analisados, tem-se demonstrada a possibilidade existente
da manifestação da multiplicidade da identidade humana. Flower, Eyepet e, mais ainda,
Heavy Rain trazem à tona a questão das possibilidades de experiências diversas, que
apenas em um universo virtual o indivíduo pode encontrar total liberdade de ação. Em
Flower, é como se o indivíduo ganhasse asas e pudesse experimentar a sensação de
voar; em Eyepet, ele ganha uma pequena mascote que lhe será eternamente fiel, que não
irá lhe causar problemas reais e, talvez a maior das vantagens, nunca morrerá; em
Heavy Rain, o indivíduo pode experimentar decisões que lhe seriam fortemente
comprometedoras fora do universo do game: desde provocar acidentes ao dirigir na
contramão de uma grande rodovia até a decisão de acabar com a vida de uma pessoa.
Aqui, pode-se retomar Murray, quando ela diz que ao possibilitar inúmeras
manifestações das identidades do sujeito, o ciberespaço concretiza um desejo ancestral
humano: viver fantasias em universos ficcionais. Por ser um meio participativo e
imersivo, o ciberespaço tem a capacidade de satisfazer esse desejo humano da forma
mais completa possível. E o forte mercado dos games hoje funciona como exemplo
claro dessa satisfação prometida.
A satisfação do desejo de viver fantasias e universos ficcionais tem sua base de
sustentação em dois pilares principais, já apresentados: a imersão e o agenciamento.
Com a imersão e o agenciamento trabalhados de forma condizente ao universo
66

ficcional, tem-se a criação ativa da crença em tal universo. Tanto em Flower, quanto em
Eyepet e Heavy Rain,o grau da imersão pode ser considerado satisfatório. No primeiro
game, os cenários bucólicos envolvem seus jogadores de tal forma que a crença no voo
torna-se factível. No segundo game, a crença é construída a partir da própria realidade
engolida pela câmera e apresentada simultaneamente e em tempo real junto a elementos
virtuais altamente responsivos. No terceiro game, é o próprio enredo bem amarrado,
unido a cenários muito bem resolvidos, que constrói a malha imersiva.
Outra questão que deve ser aqui retomada é a visão do ato de jogar enquanto
ensaio para a vida. Nos games, o indivíduo que joga representa seu papel de acordo com
o que acredita ser o mais adequado; diversas vezes chega a contrariar suas atitudes e
posturas da vida real. O jogo, portanto, possibilita a exploração de novos limites,
percepções e desejos. Em outras palavras, permite àquele que joga experiências novas
que vão além de seu cotidiano. Com isso, é fortalecido o fator lúdico, presente
justamente nas ações dentro do jogo, que importam muito mais do que a sua finalidade.
Os três games selecionados também representam a quebra de outro paradigma
apresentado anteriormente: a “tirania do mercado”, a qual dita a produção de acordo
com estatísticas de venda e não de investigação e inovação experimental. Nos três
games, tanto a jogabilidade quanto a recepção foram pensadas de maneira inovadoras,
desenvolvidas na contramão das estruturas de sucesso até então conhecidas: Flower, por
seu aspecto altamente contemplativo e sua exploração guiada pelo acaso; EyePet, pela
sobreposição de uma camada virtual à realidade, através do uso da realidade aumentada;
Heavy Rain, por se tratar de um drama interativo, rico em decisões mentais e, acima de
tudo, morais.
Para concluir, este trabalho buscou demonstrar possíveis exemplos de
subversão e de novas possibilidades, que vão à contramão das críticas atuais que recaem
sobre os games, através da análise de três obras. O objetivo principal que espera ter-se
alcançado é o de comprovar que os games não podem ser considerados, de maneira
geral, violentos e banais. Eles carregam em si as mais diversas possibilidades de
experiência e podem, inclusive, ser utilizados para despertar os sentidos e o intelecto do
homem.
67

Referências das imagens

Figura 1. O diagrama de migrações de narrativas e games para meios computacionais,


de Ranhel. (Fonte: RANHEL, 2009, p.18).

Figura 2. Arte da capa do game em sua loja virtual. Disponível em: <
http://thatgamecompany.com/games/flower/>. Acesso em abril de 2013.

Figura 3. Imagem da tela inicial - o menu de fases. O único vaso em cima da mesa dá
acesso à primeira fase do game. Disponível em: <
http://www.soundingames.com/images/c/c5/Flower-Noise-1.png>. Acesso em abril de
2013.

Figura 4. Cenário de uma das fases iniciais. A corrente de pétalas à esquerda é aquela
controlada pelo jogador. Disponível em: < http://4.bp.blogspot.com/-
GkU539SjfuU/TlSNpXYVc1I/AAAAAAAAADg/dDB3c89zcPw/s1600/flower2+%25
281%2529.jpg>. Acesso em abril de 2013.

Figura 5. Grandes hélices eólicas adormecidas, que devem ser despertas pelo jogador.
Disponível em: < http://thatgamecompany.com/games/flower/>. Acesso em abril de
2013.

Figura 6. Outro cenário do game. Disponível em: <


http://thatgamecompany.com/games/flower/>. Acesso em abril de 2013.

Figura 7. Tela inicial apresentada ao desenrolar do game. Disponível em: <


http://3.bp.blogspot.com/_cqM9JAed9vI/TIVZGv3NCcI/AAAAAAAAAKE/oVT3UFh
tcqM/s1600/7.JPG>. Acesso em abril de 2013.

Figura 8. Tela inicial apresentada ao final, caso o jogador encontre todas as pétalas
especiais escondidas. A paisagem na janela encontra-se completamente transformada.
Disponível em: <
http://i702.photobucket.com/albums/ww25/RegorTtenneb/PICT0726.jpg>. Acesso em
abril de 2013.

Figura 9. Cenário da fase noturna; as pétalas a serem controladas encontram-se em


primeiro plano. Disponível em: < http://thatgamecompany.com/games/flower/>. Acesso
em abril de 2013.

Figura 10. Cenário da cidade em ruínas. Disponível em: <


http://thatgamecompany.com/games/flower/>. Acesso em abril de 2013.

Figura 11. Cenário da cidade em transformação: ganha vida com a ação do jogador, que
a desperta. Disponível em: < http://thatgamecompany.com/games/flower/>. Acesso em
abril de 2013.

Figura 12. Imagem da capa do jogo. Disponível em: <


http://ilarge.listal.com/image/1379037/936full-eyepet-cover.jpg>. Acesso em abril de
2013.
68

Figura 13. Exemplo de utilização da tecnologia da Realidade Aumentada, com uso de


marcadores: obra artística levelHead, de autoria de Julian Oliver (2007). À esquerda,
cubos com os marcadores em suas superfícies; à direita, a sobreposição de conteúdo
virtual. Disponível em: <http://julianoliver.com/levelhead/>. Acesso em abril de 2013.

Figura 14. Imagem promocional do game com os acessórios necessários (câmera e


cartão mágico). Disponível em: <
http://pt.hackconsoles.com/uploads/media/images/dacms/image/eyepet3-1.jpg>. Acesso
em abril de 2013.

Figura 15. Nascimento de uma nova mascote. Disponível em: <


http://3.bp.blogspot.com/_vV97FJvAg-
E/TKA3vwAZ3hI/AAAAAAAABCw/AMrzgjwpzxA/s1600/eyepet+egg.jpg>. Acesso
em abril de 2013.

Figura 16. Imagem do menu principal do jogo, onde se encontram as sete principais
opções de interação. Disponível em: <
https://forums.playfire.com/_proxy/?url=http%3A%2F%2Ffarm3.static.flickr.com%2F2
777%2F4132734161_5a66329b68.jpg&hmac=e65b26cfb31aa11af20fec15646748cd>.
Acesso em abril de 2013.

Figura 17. Radiografia do pequeno animal, para conferir sua saúde. Disponível em: <
http://www.gamespot.com/eyepet/images/716164/>. Acesso em abril de 2013.

Figura 18. Uma das brincadeiras mágicas: jogo da memória. Disponível em: <
http://www.gamespot.com/eyepet/images/829200/>. Acesso em abril de 2013.

Figura 19. Atividade "Desenhar": desenha-se um foguete de forma simples...


Disponível em: < http://www.gamespot.com/eyepet/images/744229/>. Acesso em abril
de 2013.

Figura 20. ... e a mascote irá copiar de forma bastante fiel em seu caderno mágico.
Disponível em: < http://www.gamespot.com/eyepet/images/744227/>. Acesso em abril
de 2013.

Figura 21. Em seguida, o desenho irá saltar, ganhar tridimensionalidade e transformar-


se-á em brinquedo interativo. Disponível em: <
http://www.gamespot.com/eyepet/images/744222/>. Acesso em abril de 2013.

Figura 22. Pode-se interagir com objetos variados, desde que o jogador desperte a
atenção da mascote. Disponível em: <
http://www.gamespot.com/eyepet/images/716155/>. Acesso em abril de 2013.

Figura 23. Imagem da capa do game. Disponível em: <


http://image.gamespotcdn.net/gamespot/images/box/1/2/3/933123_154032_front.jpg>.
Acesso em abril de 2013.

Figura 24. Ethan e seu filho Shaun, minutos antes do blackout. Disponível em: <
http://www.gamespot.com/heavy-rain/images/846981/>. Acesso em abril de 2013.
69

Figura 25. Scott Shelby entrevista Lauren, mãe de uma das vítimas do Assassino.
Disponível em: < http://www.gamespot.com/heavy-rain/images/846987/>. Acesso em
abril de 2013.

Figura 26. Norman Jayden, em sua primeira aparição no game, investigando um dos
casos do Assassino. Em primeiro plano, a vítima morta: um garoto com uma orquídea
branca sobre o peito. Disponível em: < http://www.gamespot.com/heavy-
rain/images/1023207/>. Acesso em abril de 2013.

Figura 27. A jornalista Madison Paige em cena de ação (em seu pesadelo). As imagens
de "X" e "quadrado" referem-se aos botões específicos a serem pressionados no
controle. Disponível em: < http://www.gamespot.com/heavy-rain/images/1023193/>.
Acesso em abril de 2013.

Figura 28. Madison Paige, pouco depois de despertar de seu pesadelo. Disponível em:
< http://www.gamespot.com/heavy-rain/images/1023196/>. Acesso em abril de 2013.

Figura 29. Boate a que Madison e Jayden partem para investigar. Disponível em: <
http://www.gamespot.com/heavy-rain/images/716296/>. Acesso em abril de 2013.

Figura 30. Interior da boate Blue Lagoon. Disponível em: <


http://www.gamespot.com/heavy-rain/images/716297/>. Acesso em abril de 2013.

Figura 31. Norman Jayden em cena de ação com Mad Jack. Disponível em: <
http://www.gamespot.com/heavy-rain/images/713321/>. Acesso em abril de 2013.

Figura 32. A difícil escolha final de Ethan: tomar ou não o veneno mortal. Disponível
em: < http://cdn.gamerant.com/wp-content/uploads/heavy-rain-qte.jpg>. Acesso em
abril de 2013.
70

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VOGLER, Christopher. A Jornada do Escritor: estruturas míticas para escritores.


Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2011.
73

Anexos
Fichas técnicas dos games analisados

Flower

Desenvolvimento ThatGameCompany
Publicação Sony Computer Entertainment
Direção Jenova Chen / Nicholas Clark
Plataforma Playstation 3
Data de lançamento Fevereiro de 2009
Gênero Aventura poética
Modo de jogo Single Player
Mídia/Distribuição Distribuição via download digital

EyePet

Desenvolvimento SCE London Studio / Playlogic Game Factory


Publicação Sony Computer Entertainment
Direção Alastair Lindsay / Richard Jacques
Plataforma Playstation 3
Data de lançamento Outubro de 2009
Gênero Animal de estimação virtual (Virtual pet)
Modo de jogo Single Player
Mídia/Distribuição Blu-ray Disc

Heavy Rain

Desenvolvimento Quantic Dream


Publicação Sony Computer Entertainment
Direção David Cage
Plataforma Playstation 3
Data de lançamento Fevereiro de 2010
Gênero Drama Interativo; Suspense psicológico
Modo de jogo Single Player
Mídia/Distribuição Blu-ray Disc


74

Vídeos demonstrativos

Seguem alguns links utilizados para a elaboração do trabalho e a análise dos


games apresentados:

What makes a hero? - Matthew Winkler


Disponível em <http://www.youtube.com/watch?v=Hhk4N9A0oCA>. Acesso em abril
de 2013.

Flower Trailer
Disponível em <http://www.youtube.com/watch?v=nJam5Auwj1E>. Acesso em abril
de 2013

Flower Gameplay
Disponível em <http://www.youtube.com/watch?v=RUC2tpY5gb4 >. Acesso em abril
de 2013

EyePet Trailer
Disponível em < http://www.youtube.com/watch?v=JHBq8QxHSE4>. Acesso em abril
de 2013

EyePet Gameplay
Disponível em < http://www.youtube.com/watch?v=7Jvp-i6BHaI>. Acesso em abril de
2013

Heavy Rain Trailer


Disponível em <
http://www.youtube.com/watch?v=qeM0JrRw998>. Acesso em abril de 2013

Heavy Rain Gameplay


Disponível em < http://www.youtube.com/watch?v=o1eGF2_MWQ8 >. Acesso em
abril de 2013

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