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Copyright © 2022Hellen R. P.

LANCE IRRESISTÍVEL
1ª Edição

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra poderá ser


reproduzida ou transmitida por qualquer forma, meios eletrônicos ou
mecânicos sem consentimento e autorização por escrito do
autor/editor.

Capa: GB Design Editorial


Betagem: Láiza de Oliveira e Tatiana Stolf
Ilustração: Hellen R. P.
Revisão: Gabriela Britto
Diagramação: Hellen R. P. (usando recursos do Canva)

Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens, lugares e


acontecimentos descritos são produtos da imaginação da autora.
Qualquer semelhança com fatos reais é mera coincidência.
Nenhuma parte deste livro pode ser utilizada ou reproduzida sob
quaisquer meios existentes – tangíveis ou intangíveis – sem prévia
autorização da autora. A violação dos direitos autorais é crime
estabelecido na lei nº 9.610/98, punido pelo artigo 184 do código
penal.

TEXTO REVISADO SEGUNDO O ACORDO ORTOGRÁFICO DA LÍNGUA


PORTUGUESA.
Sumário
Sinopse
Nota da Autora
Prólogo
Capítulo 01
Capítulo 02
Capítulo 03
Capítulo 04
Capítulo 05
Capítulo 06
Capítulo 07
Capítulo 08
Capítulo 09
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Epílogo
Bônus
Agradecimentos
E quando você estiver se escondendo na
água
Estarei esperando até que você esteja pronta
para o meu amor
Quando você se livrar da tristeza
Estarei bem aqui, até que você esteja pronta
para a estrada

Haevn - Back in the Water


Para meu pai, que me mostrou que futebol é
mais que um esporte, é uma paixão. Você me
ensinou a amar o Botafogo, nossa estrela
solitária, mas não percebeu que o astro que
mais amo é você, que se transformou em
minha própria estrela particular.
Um romance Enemies to lovers em clima de COPA!

Uma viagem com tudo pago para o Catar.

O que parecia um sonho, tornou-se um pesadelo para Penélope


Mendes. Do outro lado do mundo ela reencontrou Samuel
Bernardino que, além de ser atacante da seleção brasileira, era seu
ex-namorado, que havia dado um fora nela 4 anos atrás.

Um encontro inesperado.

Faíscas soltas pelo ar.

Muita confusão.

Quando Penélope e Samuel se encontram, tudo pode acontecer.

Ouça a playlist do livro no Spotify


Olá! Fico extremamente feliz que você se interessou em ler a
história da Penélope e Samuel, um casal que me deixou com o
coração quentinho.

Provavelmente você deve ter chegado aqui após ler o livro


Lance Proibido, da Olívia Uviplais, mas caso não saiba do que estou
falando, pode deixar que te explico. Esse livro é o segundo volume
da série Jogadas Imperfeitas, que escrevi juntamente com as
autoras Olívia Uviplais, Karen Santos e Lola Belluci. Cada livro
conta a história de um casal diferente, mas todos têm a Copa do
Mundo como ambiente de fundo. Devo dizer, entretanto, que essa
série é mais que livros de futebol, sendo livros onde o romance é o
protagonista.

Como uma apaixonada pelo esporte eu simplesmente surtei


quando a Olívia me convidou para esse projeto em conjunto com a
Karen e a Lola. Quase não dormi, pensando em como fazer de
Samuel e Penélope um casal digno desse universo futebolístico.
Curiosamente, o casal criou vida em minha mente de modo muito
rápido, como se estivessem apenas adormecidos em meu
inconsciente.
Amei escrever cada detalhe de Penélope, minha protagonista
cabeça dura, pavio curto e baixinha. Assim como me apaixonei por
Samuel e seu jeito preocupado e responsável. Duas pessoas tão
diferentes, mas que, de alguma forma louca, se completam.

Espero que você goste desse romance assim como eu e que


se divirta lendo essa história, afinal, sorrir é o melhor remédio.

P.s.1: Os livros da série seguem as regras do futebol, mas,


por ser tratar de um livro de ficção, optamos por utilizar algumas
licenças poéticas.
P.s.2: Por conter cena de sexo explícito, Lance Irresistível é
indicado para maiores de dezoito anos.

P.s.3: Pode conter gatilho de abandono paterno.

Aviso: Lance Irresistível, livro 2 da Jogadas Imperfeitas, é um


volume único. Por ser com casais diferentes, cada livro da saga
pode ser lido separadamente.
Eu odiava ter que olhar na cara de Samuel Bernardino mais
do que acordar em um domingo de manhã. Mas naquele momento,
fazendo as duas coisas que eu mais tinha pavor, me senti a pessoa
mais feliz do mundo.

Tudo bem, eu era a única feliz no meio de milhares de


pessoas tristes e desoladas e talvez meu grito de “é isso aí” tenha
atraído muitos olhares negativos na minha direção. Porém,
nenhuma daquelas pessoas sabia o que Samuel tinha feito comigo
então a opinião delas realmente não me importava.
O pequeno estádio estava em silêncio e a atmosfera era
quase similar a de um funeral. Os olhares perdidos se misturavam
com uns choros tímidos vindos, principalmente, de crianças.

Os torcedores estavam em choque. Samuel também. Seu


olhar esbugalhado e a boca aberta mostravam que ele estava
surpreso. Abri um sorriso, satisfeita. Seu cabelo negro poderia estar
impecável para quem havia jogado noventa minutos e o suor fazia a
camisa grudar em seu corpo ridiculamente perfeito, entretanto, o
desespero era visível em seus orbes castanhos escuros. Para meu
deleite. Eu não era uma pessoa vingativa, mas era quase como se o
universo estivesse dando o troco naquele garoto.
Eu poderia até sentir um pouco de pena. Poderia. Mas na
verdade eu só me sentia vingada. Isso porque ele havia feito duas
coisas imperdoáveis.
Samuel não só havia terminado comigo, como tinha perdido o
pênalti no último minuto do segundo tempo. Que bola fora!
Quatro anos depois
— Como assim sua cliente vai se casar no Catar e você vai
junto com tudo pago? — aincredulidade da Mirna, minha melhor
amiga, era tão grande que um pedaço de chocolate caiu da sua
boca aberta.

Eu havia recebido a notícia, que ainda parecia mentira,


poucos dias antes da viagem. Ainda bem que eu tinha passaporte,
de quando havia planejado ir para New York Fashion Week ao fazer
dezoito anos. Claro que tudo não passou de um delírio, quando vi
que um dólar estava quase o preço de um Kinder Ovo!

Sara, a noiva e socialite excêntrica, havia me prometido uma


grana boa se eu fosse com ela para o outro lado do mundo e eu não
pude negar, já que ela era minha cliente. Minha única cliente.

— Pois é, ela quer ter certeza de que o vestido de noiva vai


estar perfeito — falei, dando de ombros, cansada por ter que contar
a minha amiga a mesma história pela milésima vez.

Mirna se remexeu na cadeira de plástico da lanchonete,


pegando o pedaço de chocolate que antes caíra sobre a mesa e
colocando-o novamente na boca. Pelo jeito a regra dos cinco
segundos para ela se estendia a dez.

— Penélope Mendes, você não parece muito alegre — ela


comentou de canto de olho.

— Já chegou a ver as proibições de vestimenta que


acontecem lá? As mulheres não podem usar um simples short —
resmunguei apontando para minha roupa, formada por um vestido
de cor laranja que se estendia somente até o meio da coxa.

— Esquece a roupa, você vai, de graça, para o país mais rico


do mundo! — Mirna revirou seus olhos negros, como um céu sem
estrelas, e apontou o indicador na minha direção. — Se a vida te dá
limões, faça uma limonada.

Sorri em resposta, minha amiga tinha um jeito diferente de


ver as coisas, e nada tinha a ver com o fato dela ser daltônica.

— Não sei como esse ditado se aplica nesse caso.

Ela passou a mão pelos cabelos ondulados, colocando uma


mexa por trás da orelha.

— Exatamente, não se aplica. Sabe por quê? Porque a vida


não te deu limões, te deu uma viagem ao Catar.

Não pude deixar de gargalhar, uma vez que ela tinha razão.
O Catar era melhor que qualquer fruta cítrica que o universo
pudesse me dar. E não tinha problema se eu não falava árabe, ou
era contra alguns aspectos culturais, ainda assim era um local
interessante, principalmente para mim, que queria crescer na minha
profissão de modista.
— Quer saber, você está certa. — Falei, tentando convencer
mais a mim mesma do que a ela.

Passei a mão pelos braços em um movimento rápido,


tocando o tecido macio do meu vestido. Mirna varreu meu
movimento com os olhos e então cruzou os braços na altura do
peito.

— Pera aí, não vai me dizer que está nessa deprê por conta
de seu medo INFUNDADO de viajar de avião?!

Ela tinha me pego no flagra, me conhecia melhor do que


ninguém.

— Não consigo entender como uma máquina que pesa


toneladas flutua no céu — justifiquei, escutando minha própria
incredulidade.

Mirna bufou e bebeu um gole de seu café gelado cheio de


chantili. Uma fina camada do creme ficou marcada em seu lábio
superior.

— Já ouviu falar em física?

Eu mesma não entendia de onde havia surgido um receio tão


sem fundamento. Provavelmente de minha mãe, que sempre se
recusava a voar e tinha transferido aquele medo irracional para mim,
mesmo que de forma inconsciente. O que importava é que eu nunca
havia entrado em um objeto daqueles, que desafiava meu
entendimento, e teria que fazer isso viajando para o outro lado do
mundo. Estava tão nervosa que mesmo estando em uma
lanchonete não havia comido nada.

— Eu preciso ir, ainda não arrumei minhas malas.


Ela bufou, já tínhamos tido inúmeras conversas como essa e
ela sempre desistia de tentar me convencer de que não fazia
sentido.
Me despedi de Mirna, ainda preocupada por conta da viagem,
mas prometi a mim mesma que tentaria ser como ela e ver o lado
positivo das coisas.

Em casa, com um milhão de roupas espalhadas pelo colchão


de solteiro, decidi a dedo as peças que eu poderia usar naquele
país que não aceitava metade do que eu costumava vestir. Com
alguns vestidos longos e calças jeans, fechei a mala que acabou
pesando mais do que tinha previsto. Dei de ombros, se era tudo
pago, por que não aproveitar? Sara era uma socialite rica, muito
rica, e estava levando praticamente todos os envolvidos com o
casamento, de cabeleireiros a cozinheiros. Agradeci mentalmente
ao meu irmão por ter me apresentado ela, que era prima de Camila,
namorada dele.
Boa parte das pessoas não confiava em mim por ainda não
ser formada, embora estivesse no último ano (mais precisamente no
penúltimo semestre), mas ela me deu uma boa oportunidade. Ela
realmente acreditou no meu potencial e insistiu para que eu fizesse
tanto o design quanto a produção de seu vestido de casamento.
Poderia muito bem ter contratado o melhor estilista do mundo se
quisesse, porém, optou por incentivar o mercado local, escolhendo
pessoas próximas e desconhecidas, mas que levavam o trabalho a
sério.

Foram semanas de dedicação integral, mas o resultado


mostrou que o esforço valeu a pena. Sara já havia feito a prova do
vestido duas vezes, mas, mesmo assim, ficou com medo de algo
acontecer, por isso, além das minhas roupas, acabei colocando na
mala meu material de trabalho, caso precisasse usar, e o que não
pudesse levar no avião compraria lá no Catar.

— Já posso te levar ao aeroporto? — minha mãe entrou no


quarto, com os bobes na cabeça, deixando-a parecida com a Dona
Florinda.

— Pode sim, já estou pronta. — Olhei ao redor do meu


quarto, já começando a sentir falta de cada pedacinho dele.

— Você sabe que só vai ficar alguns dias, né?

Assenti com a cabeça. Estava sendo boba, mas uma


sensação negativa se apoderava dentro de mim toda vez que
pensava nessa viagem. Eu não era do tipo que acreditava em
misticismo ou algo parecido, mas também não iria deixar passar
despercebido o que parecia ser um sinal. Abri a primeira gaveta da
minha cabeceira e peguei o pingente que há anos não usava, mas
que antes considerava como um amuleto. Guardei no bolso da
calça, só por precaução.
— Eu sei, mamãe! Só estou com uma sensação esquisita no
estômago. — Meus dedos foram em direção ao poster da minha
banda de rock favorita.

— Deve ser fome, minha filha. Vamos, no aeroporto você


lancha algo. Quando você voltar, esses homens cabeludos e
maquiados vão continuar no mesmo lugar.
Minha mãe apontou para o pôster que eu estava tocando e
fez careta. Ela nunca havia entendido minha fascinação pelo rock
finlandês. Me despedi do meu quarto, me sentindo um pouquinho
melhor, iria confiar na sabedoria da Dona Saleti. Quem melhor do
que nossa mãe para conhecer sobre nossas sensações?

Mamãe rezou uma ave maria e um pai nosso ao me deixar no


saguão do aeroporto e disse, por fim, que se a ciência não fosse
capaz de proteger aquela coisa metálica voando pelo céu, Deus o
faria. Vi a apreensão em seus olhos verdes como os meus, e
prometi a mim mesma que iria ser forte, não só por mim, mas por
aquela mulher que sempre havia feito tudo para que não faltasse
nada na minha vida.

Depois que tomei um capuccino e comi um misto quente no


aeroporto e li muitos artigos na internet falando sobre a segurança
das aeronaves, me senti bem melhor. Quando Sara chegou,
acompanhada da tropa que iria realizar seu casamento, eu já estava
mais tranquila.
Os funcionários da Sara eram um grupo agitado e, já dentro
do avião, me sentei ao lado de Ester, a cabeleireira, que sempre foi
muito conversadeira. O voo de quase dezoito horas acabou
passando rápido entre sono e conversas mas, ainda assim, quando
o avião começou a pousar, segurei com força meu pingente
guardado no bolso da calça. Me assustei um pouco com o
solavanco da aeronave, mas o que realmente me espantou foi o
tamanho impressionante do aeroporto de Doha. Como Mirna havia
me informado, aquele havia sido eleito o melhor aeroporto do
mundo e pelo jeito não era à toa.

Não sabia para que lado olhar enquanto atravessava o


saguão gigantesco, já que inúmeras lojas despontavam no meu
campo de visão. A van que ia nos levar ao hotel já aguardava do
lado de fora e pude apreciar uma parte da cidade ao me sentar ao
lado da janela.
Se o aeroporto era de cair o queixo, o hotel, Grand Village,
era de cair a bunda. Sara realmente não tinha economizado em
nada e havia contratado um hotel de luxo para todos os seus
contratados.

Sabe aquela sensação negativa que eu tive antes da


viagem? Já estava no passado há séculos. Tudo no Catar
esbanjava riqueza, poder, e pouco me importava se eu não pudesse
usar um mísero short. Convenhamos, quem iria usar um short tendo
a possibilidade de encontrar um sheik andando na rua?
Provavelmente eu estava lendo livros demais, mas os de títulos
sugestivos como “ Sequestrada pelo Sheik” sempre me deixavam
sonhar. Eu poderia sair daqui como uma socialite também e assim
abrir meu atelier e ser famosa como Vera Wang.

— Você vai ficar aí? — Ester perguntou, segurando o


elevador e me despertando dos meus devaneios milionários.

— Pode ir, eu pego o próximo — disse, tentando fazer com


que a sorte me enviasse para dentro do elevador com um daqueles
caras maravilhosos que protagonizavam as séries turcas.

Mas claro que a vida não seria tão fácil assim.

Estava encantada com tudo que aquele país tinha a oferecer


e, mais ainda, com o hotel que tinha um cardápio incrível, regado a
comidas que eu nunca tinha provado antes. Entrei no elevador
panorâmico, com vista para a cidade, que parecia minúscula a cada
vez que o elevador subia um pavimento. Meu quarto se encontrava
no vigésimo quarto andar e até lá fiquei observando as pessoas
andando na rua. A porta do elevador abriu e dei dois passos em
direção ao corredor, mas um bloco gigante colidiu comigo.

Virei meus olhos para o alto, querendo enxergar no que tinha


batido e não fiquei nem um pouco feliz quando notei o karma que o
destino havia pregado em mim. Era um domingo de manhã e o
bloco gigante se chamava Samuel Bernardino.
Eu estava desidratado. Havia treinado muito e bebido pouca
água e, por isso, meu corpo estava sofrendo com alucinações. Ao
menos isso foi o que disse a mim mesmo ao ver Penélope, diante
de mim, em um elevador no Catar. Primeiro porque eu sabia que ela
tinha pavor de avião, segundo porque não fazia sentido ela estar
aqui nesse país, e, principalmente, nesse hotel, mas quando seus
olhos verdes se arregalaram e ela gritou, eu percebi que não era
alucinação e sim um sonho.

Ou seria um pesadelo?!
— Charmosa? — minha voz saiu em um sussurro, o apelido
que eu costumava chamá-la saiu da minha boca sem eu nem
perceber. Me recompus depressa e então, com uma entonação
grave como um trovão, emendei. — O que você está fazendo aqui?

— Eu é que pergunto. Por um acaso está me seguindo? —


Penélope questionou e eu respondi com um muxoxo alto.

Felizmente, ela não tinha percebido o apelido que gostava de


escutar saindo da minha boca.

— Por que cargas d’água eu te seguiria?


Minha ex-namorada se calou por um segundo, provavelmente
pensando no absurdo que estava sugerindo, e aproveitei para
arrastá-la até o corredor, antes que a porta do elevador se fechasse,
separando nós dois. Agarrei sua mão como fazia quando estávamos
juntos e a encostei numa das paredes do corredor.

Ainda estava aturdido por encontrá-la. Será que realmente eu


não estava sonhando? Mas o toque macio de sua mão, ainda
colada na minha, me mostrou que isso realmente estava
acontecendo e que não era apenas um delírio meu.

— O que diabos você está fazendo aqui? — perguntei dessa


vez de modo mais calmo, mesmo que meu coração estivesse
batendo acelerado.

Os olhos arregalados de Penélope se fixaram nos meus,


como se ela também estivesse em dúvida se eu era fruto de sua
imaginação ou não. Nos encaramos por alguns segundos,
parecendo tão próximos quanto já fomos um dia, mas sua
expressão logo se transformou em uma carranca. Essa era a
Penélope que eu conhecia.

— Eu estou aqui para o casamento.

Minha boca abriu em um choque repentino. A resposta não


era o que eu estava esperando. Imaginar Penélope toda de branco,
no altar, ao lado de outro cara, mexeu comigo, embora eu não
soubesse exatamente como me sentia sobre isso.

De imediato, me afastei dela, como se sua pele pudesse me


queimar por um simples toque. Por um breve momento, senti falta
do seu calor e me xinguei mentalmente por após quatro anos ainda
sentir algo, mesmo que esse algo fosse ciúmes descabido.

— Você vai se casar? — a pergunta saiu rasgando minha


garganta.

— O quê?! Claro que não, eu sou a design do vestido. —


Penélope cruzou os braços sobre os seios e resmungou. — Mas
isso não vem ao caso, eu quero saber o que você está fazendo no
meu hotel.

— Não sabia que esse hotel era seu. — Lancei um riso


irônico. — Quando foi que você comprou ele?

Eu poderia ser um babaca quando queria e parecia que a


mulher diante de mim sempre me deixava louco a ponto de eu me
transformar em um idiota. Ela revirou os olhos e soltou um
xingamento baixo que só consegui entender por ser expert em fazer
leitura labial, um dom que havia aprimorado nos jogos de futebol.

— Essas palavras feias não combinam com você —


completei.

Seus olhos claros me fuzilaram e o rosto adquiriu um tom


vermelho forte. A altura, tão distante da minha, deixava-a fofa, os
cabelos castanhos e compridos, estavam presos em um rabo de
cavalo, e os lábios, cobertos por uma fina camada de gloss. Se eu
não estivesse com medo de sua expressão assassina, talvez tivesse
apreciado sua beleza.

— Escuta aqui, Samuel, eu não estou para brincadeira. —


Apontou o dedo na minha cara e me olhou dos pés à cabeça. —
Pelo jeito você não mudou nada, ainda continua sendo um garoto.
O desdém em seu olhar e a acusação de que eu não havia
evoluído me magoaram. Eu não era mais o mesmo moleque que
havia nascido no interior, tinha passado por muitas situações
tribulosas e havia aprendido que nunca o que planejava saía como
esperado.

Se era um atacante convocado pela seleção brasileira para


disputar o mundial, um dia havia sido um garoto que só tinha arroz e
feijão no prato. Olhando de fora poderia parecer fácil. Sair de um
local insalubre, ir para a Europa, ganhar uma boa grana para chutar
uma bola no gol, mas ninguém via o que tinha por trás: as horas de
diversão abdicadas para treinar, as contusões, a saudade de casa.
Dinheiro não era tudo e na minha frente eu tinha a prova disso.

— Você não sabe do que está falando. — Apoiei minha mão


na parede, deixando Penélope no espaço entre a estrutura de
alvenaria e meu corpo, e sussurrei em seu ouvido. — E eu posso te
provar que eu não sou mais o mesmo.
Ela não se encolheu, pelo contrário, ficou nas pontas dos pés
e manteve o dedo próximo ao meu rosto.

— Você não se atreveria a tocar em mim, ou então eu


cortaria seu pau fora.

Sua ameaça foi tão real que, por um segundo, eu engoli em


seco. Imagens de Penélope segurando uma tesoura, pronta para
decepar meu pau, surgiram na minha mente, o que acabou me
deixando com tesão, em vez de assustado.

Me afastei da minha ex no mesmo instante, em choque por


ter tido uma reação como essa no corredor do hotel. Quando foi que
eu passei a ficar duro por imaginar uma mulher mutilando meu
membro? Suspirei pesadamente, eu não podia ficar perdendo meu
tempo e sanidade com Penélope. Principalmente a sanidade. O fato
é que eu havia terminado com ela, então por que meu corpo parecia
esquecer disso? Não tínhamos mais nada, apenas raiva vindo da
parte dela, lógico, e eu preferia manter daquele jeito.
Olhei o relógio de pulso e tomei um susto ao notar que
estava quase atrasado para o treino. Ajeitei minha mochila nas
costas e passei a mão pela camisa de polo azul escura. Eu ainda
perderia uns bons dez minutos se contasse o tempo para trocar de
roupa, colocando o uniforme. Merda!

— Eu preciso ir — comentei, mas fiquei estacionado no


mesmo lugar, como se esperasse um beijo na bochecha, ou pelo
menos um aperto de mão, mas tudo o que Penélope fez foi
resmungar.
— Eu realmente espero que você já esteja de saída do hotel.
Porque eu não quero mais te ver. — Penélope girou os calcanhares
e deu as costas para mim.

Seu corpo bem marcado pela calça jeans reacendeu


lembranças que eu tentava esquecer a todo custo e, tentando não
encarar aquela bunda que se encaixava perfeitamente nas minhas
mãos, sorri. Penélope me tirava do sério. Poderia até perder tempo,
mas eu não ia deixar barato. Tinha que provocá-la.

— Eu ainda vou passar um bom tempo aqui. A Copa ainda


não começou. — Penélope parou onde estava, ainda de costas, e
eu aproveitei para me aproximar dela, quase colando minha boca ao
seu ouvido. — E você sabe, né? O Brasil vai ser hexacampeão.
Será que eu seria crucificada se torcesse para que o Brasil
nem se classificasse para as oitavas de final? Quer dizer, as
pessoas da cidade já me odiavam por eu ter ficado feliz quando
Samuel perdeu o pênalti, quatro anos atrás. Mas o que era a fúria
de uma cidade diante da fúria de um país inteiro? As duzentas
milhões de pessoas que me perdoassem, mas eu não conseguiria
torcer para Samuel Bernardino nunca. Nunquinha. Nem Morta da
Silva!

Samuel foi embora me deixando sozinha no corredor. Eu


ainda podia sentir meus pelos arrepiados devido o contato tão
próximo do seu hálito sabor menta. Ele era um cretino, mas era um
cretino convocado pela seleção brasileira, e eu era burra por não ter
descoberto que ele havia se recuperado da lesão.
Até onde sabia, ele havia se contundido e tinha sido cortado
pelo técnico. Como ele havia se curado milagrosamente? Cansada
fisicamente, depois da longa viagem, e mentalmente, após o
encontro desastroso com meu ex, rumei até meu quarto de hotel,
que possuía uma banheira de hidromassagem. Sem pensar duas
vezes me despi e deixei a água levar para o ralo todo o cansaço do
dia que havia tido.
Não tinha motivos para me preocupar, afinal o casamento
seria realizado em poucos dias e depois voltaria para casa. Não
precisava pensar em Samuel, o pior que poderia acontecer era
esbarrar vez ou outra com ele pelos corredores, porém, se eu não
saísse do quarto, as chances de vê-lo seriam mínimas, se não
inexistentes.
Após o banho em águas quentes, guardei meus pertences
que havia trazido na mala e pulei na cama que certamente estava
coberta com lençóis de infinitos fios de algodão egípcio. Aproveitei
que era tudo pago e pedi, pelo telefone, um vinho e kunafa, um tipo
de doce da região. Liguei a televisão, desejando ver alguma das
séries turcas que tanto haviam ficado famosas no Brasil. Como o
Catar era um país turístico, na televisão tinha diversos tipos de
canais, incluindo alguns com programas em português. Entretanto,
notei que esses só passavam notícias sobre a Copa do Mundo.

Como sempre, o Brasil era o destaque, e embora não


ganhasse uma taça há muito tempo, ainda era a seleção mais
temida de todas. O repórter entrevistava um dos jogadores da
seleção brasileira, quando Samuel passou pela câmera, logo atrás
do entrevistado. Sem perder tempo, o repórter chamou Samuel para
se juntar ao outro jogador.

— Samuel, você é o artilheiro da seleção e vem de uma lesão


que assustou todos nós. O que tem para dizer ao pessoal de casa,
que está torcendo por você?

Samuel passou a mão nos cabelos pretos, o suor pingando


de sua testa. Molhada, a camisa amarela, estava grudada em seu
corpo, deixando quase nada para a imaginação. Eu conhecia seu
peitoril e só pude pensar que os quatro anos fizeram bem para esse
cretino.

— Agradeço a todos vocês que confiaram em mim e prometo


que farei o meu melhor para levar o Brasil à final — Samuel
comentou, com um sorriso no rosto.

— Como está se sentindo ao concorrer à Bola de Ouro? — o


entrevistador questionou ao meu ex e eu senti pena do outro
jogador que acabou sendo deixado de lado.

— A indicação ao prêmio de melhor do ano é uma


consequência do meu esforço e competência, e espero muito
ganhar, mas não podemos esquecer que estou concorrendo com
Erza Wood, que também é um excelente jogador e que já ganhou
duas vezes o prêmio.

Mesmo à distância de uma tela, pude notar o brilho no olhar


de Samuel, ele queria aquele prêmio e o tal de Erza teria que
sambar se quisesse conquistar o título de melhor do ano. Meu ex
abriu um sorriso convencido diante da câmera e se despediu. O
cameraman ainda o filmou correndo de costas, o short azul
marcando aquele bumbum maravilhos… maravilhosamente ridículo.
Aquilo era uma tatuagem no seu antebraço? Analisei cada detalhe
com curiosidade e, assim que percebi o que estava fazendo,
desliguei a tv de supetão, não queria ver Samuel na minha frente,
nem que fosse através de uma tela plana de cerca de oitenta
polegadas.
Após o vinho e a sobremesa, me senti sonolenta, entretanto,
queria conhecer a cidade e mesmo cansada decidi dar uma volta
perto do hotel. Meus planos, porém, foram em vão, pois logo que
abri a porta do quarto dei de cara com Ester.
— Sara está chamando a gente — ela falou apressada, mal
dando tempo de eu dar um “oi”. — E ela não parece nem um pouco
contente.

Fiquei em alerta na mesma hora, com medo que algo tivesse


dado errado com o casamento. Ester parecia mais nervosa do que
eu, as mãos trêmulas fechadas entre si e uma fina camada de suor
brotando em seu nariz. Em silêncio, segui-a até o auditório do hotel,
que ficava no último andar. Quando chegamos, alguns dos outros
integrantes da equipe já estavam lá.

Me sentei em uma cadeira da frente, esperando Sara, que já


estava sobre um pequeno palco com o microfone na mão, começar
sua fala. A noiva andava de um lado para o outro, o vestido longo
arrastando pelo chão. Sua maquiagem, sempre impecável, estava
borrada, como se tivesse chorado. Mesmo sem saber o que tinha
acontecido, fiquei com pena. Sara esperou alguns minutos e então
ligou o microfone.

— Bom dia, amores. Sei que estão cansados da viagem, mas


precisava reunir vocês para falar algo importante. — Ela respirou
fundo antes de continuar. — Tenho uma notícia não muito boa para
vocês.

Algumas pessoas se remexeram na cadeira e eu fui uma


delas. Será que o casamento havia sido cancelado? Os cochichos
começaram baixinhos e tomaram conta do salão quando Sara
soluçou alto.
— Eu estou bem. — Contou para ninguém em específico. —
Mas o casamento precisará ser adiado.

— Como assim adiado? — só percebi que perguntei em voz


alta quando Sara olhou para mim.

— Infelizmente, Tamim está ocupado por conta da Copa e só


poderá comparecer ao casamento depois da final do torneio. —
Sara pareceu prestes a chorar novamente, mas se recompôs antes
de se acabar em lágrimas.
Droga! A Copa sempre estragando o plano das pessoas. Eu
não queria ficar mais tempo do que fosse necessário no Catar,
porque se tinha uma coisa que eu não queria era encontrar Samuel.

— E não pode ter o casamento sem esse tal de Tamim? —


questionei, sentindo minha própria voz sair desesperada.
— Claro que não, Penélope, ele é o emir desse país e um
dos padrinhos de casamento.

Minha cara deve ter se transformado em uma careta, já que


Sara se voltou para mim.

— Algum problema, Penélope?

Problema? Sim, vários. Embora eu estivesse de férias, tinha


que fazer meu TCC próximo período, pensar no assunto e pesquisar
sobre o tema, mas nesse momento, só pensei que não queria mais
ter que olhar para Samuel e aqui, nesse país, parecia que ele
estava em todo canto.
— Não, não tem problema. — Abri um sorriso amarelo,
enquanto mentalizava que Sara era minha única cliente.
— Ótimo! A reunião acaba por aqui.

As pessoas começaram a se levantar e ir embora, eu,


entretanto, continuei sentada no mesmo lugar. Talvez Sara tenha
pensado errado sobre minha atitude e disposta a resolver o mal-
entendido me dirigi até ela. O problema foi que seu telefone tocou e,
mesmo sem querer, escutei um pouco do que ela falava.

— Eu não posso ir agora, tenho um encontro com a


confeiteira para ajustar os últimos detalhes. — Sara falou baixinho,
tentando não brigar com a pessoa que estava do outro lado da linha
telefônica. — Você quer mesmo que desmarque com a Láiza?

Sara suspirou e desligou o telefone com uma expressão nada


feliz. Pegou um bloco de notas da bolsa e anotou algo com os olhos
quase marejados. Se tinha uma coisa que eu odiava, era ver alguém
triste, por isso toquei seu ombro.

— Aconteceu alguma coisa?


Sara se assustou ao me ver, mas logo se recompôs, abrindo
um sorriso falso e tentando aparentar felicidade.

— Ah, não foi nada — a loira falou de forma automática, mas,


quando me virei para ir embora, sua mão tocou meu braço. — Será
que você poderia fazer um favor?
— Claro — respondi, pronta para ajudá-la no que fosse
preciso.

— Estou precisando que alguém pegue uma camisa para


meu noivo neste local. — Ela me entregou o papelzinho com um
endereço anotado a lápis. — Você faria isso?
Assenti positivamente com a cabeça. Sara puxou da bolsinha
uma numerosa quantia de Riyal, moeda do Catar, e me deu. Soquei
o dinheiro, junto com o endereço, no bolso e fui até o lado de fora do
hotel em busca de um táxi. Inúmeros carros esperavam a
oportunidade de terem um cliente e eu escolhi um senhorzinho que
tinha um bigode e lembrava meu falecido avô materno.
O taxista entrou em uma conversa, mas ao ver que eu não
falava árabe e apenas arranhava o inglês, passou o resto da corrida
em silêncio. Alguns minutos depois, o homem parou o carro em uma
avenida larga e apontou para a construção dourada que se erguia
diante de nós. Olhei chocada para o local e questionei se aquele era
o endereço correto. Quando ele confirmou, eu tive vontade de
chorar. Isso porque o local que Sara havia me enviado era nada
mais nada menos que um estádio de futebol.
Eu ainda estava pensando em Penélope quando entrei em
campo para o treino, após a entrevista para um jornal. Boa parte dos
jogadores estavam nervosos com a Copa e minha cabeça só focava
na mulher que eu não via há quatro anos.

A bola, o gramado e o gol já não pareciam ter a mesma


importância, o que começou a me preocupar. Sempre fui focado no
jogo, afinal, era a minha profissão e logo quando estava prestes a
jogar o torneio mais importante da minha vida, Penélope havia
surgido e tirado toda minha concentração.
— Está tudo bem?

Me assustei ao notar Ricardo, um dos zagueiros, ao meu


lado. Ele era um dos jogadores mais velho do grupo, com seus trinta
e cinco anos, dez a mais do que eu, e por conta da diferença grande
de idade o chamava de vovô.

— Está tudo ok, vovô.

Ele não se convenceu, ergueu uma de suas sobrancelhas


grossas e deu uma cotovelada nas minhas costelas.

— Qual é, não minta para mim. Você é sempre o mais focado


nos treinos e hoje está aéreo. Qual o problema?
Pensei seriamente em não responder, costumava deixar
minha vida pessoal fora dos campos, mas Ricardo era um dos caras
que eu mais me dava bem e eu sabia que podia confiar nele.
— Uma mulher — me limitei a dizer.

Ricardo gargalhou alto, como se eu tivesse acabado de


contar uma piada muito engraçada.

— Quando você tiver minha idade vai entender que uma


mulher nunca é o problema, e sim a solução — falou usando toda
sua sabedoria de quem ainda tinha uma boa parte da vida pela
frente.

Quis discordar, porém parei para pensar e talvez ele tivesse


razão. O tesão que eu tinha por Penélope deveria ser oriundo do
nosso término abrupto. Talvez um diálogo fosse suficiente para fazê-
la me odiar menos e assim eu não sentisse tanto fogo ao vê-la. Já
que ela, definitivamente, era o problema, iria transformá-la em
solução.

— Sabe de uma coisa, você tem razão — comentei.

— Claro que tenho — ele disse e saiu correndo de volta à


zaga, parando ao lado de Diego Ramalho, um dos laterais, que
jogava no Flamengo, enquanto eu tentava focar no treino que
acontecia.

Muita coisa estava em jogo aqui no Catar. Não só era


importante ganhar a Copa do Mundo e convencer o povo brasileiro
de que os tempos de ouro da seleção haviam voltado, como
também se jogasse bem poderia ganhar a Bola de Ouro e assumir o
título de melhor jogador do ano. Os candidatos eram fortes,
principalmente Erza, que era meu companheiro de time no
Liverpool. Embora fôssemos do mesmo time, éramos quase
adversários, afinal, exercíamos a mesma função de ataque e
durante a Copa ele seria meu rival defendendo a Inglaterra. Erza era
um cara fechado, quase do tipo frio e calculista, por isso o chamava
de Subzero do Liverpool.

Jogar pela seleção brasileira era sofrer uma pressão eterna.


Nos últimos meses havia me esforçado tanto que acabei rompendo
um ligamento do joelho. Só poderia agradecer aos céus por ter
conseguido voltar na véspera do torneio. Alguns ainda não
acreditavam em mim, mas eu ia provar que meu prazo de validade
ainda estava longe de chegar.

Todos os dias, enquanto os jogos não começavam, eu ia ao


CT, em busca de uma melhor preparação. Boa parte do tempo
treinava no gramado, mas vez ou outra era a academia ou a
fisioterapia que preenchia meus dias. Eu ainda era jovem, mas
sentia-me cada vez mais cansado, principalmente porque vivia
longe da família ao jogar no Liverpool, que era um clube inglês.
Meus pais não quiseram ir comigo para a Inglaterra, então estive
sozinho há anos.

Não precisava ser bom de cálculo para saber que a melhor


proposta era sair do Brasil, ir morar em outro país, principalmente
pela minha carreira. O problema foi que Penélope entrou na
equação, tornando tudo mais difícil.

Não percebi quando a bola veio na minha direção e bateu na


minha cabeça.
— Porra, Samuca, tá dormindo? — a pergunta do treinador
me trouxe de volta à realidade. Lá estava eu pensando nela de
novo, quando não deveria.
— Desculpa, professor — falei alto para o homem do outro
lado do campo, que ensinava as táticas para o primeiro jogo que
seria dali a dois dias.

Precisaria de um banho gelado após o treino não só para


relaxar os músculos, como também para esquecer da Charmosa.
Depois da bolada, foquei integralmente no treino e consegui
marcar três gols no goleiro, que era um dos melhores do mundo.
Satisfeito, me juntei à equipe para assistir, pela televisão, um jogo
antigo nosso e tentar analisar os erros. Cheguei perto do Marcelo, o
treinador, e sussurrei.

— Vou ficar um pouco após o treino acabar, quero treinar uns


pênaltis.
Marcelo olhou para mim e assentiu. Ele sabia que eu era
cismado em treinar pênaltis, um resquício que surgiu após perder o
campeonato estadual, justamente depois de terminar com Penélope.

O horário do treino acabou e os jogadores saíram um por um


do CT. Para mim, o pós-treino, quando podia ficar sozinho, era o
melhor horário para eu me concentrar. Tirei as chuteiras e pisei na
grama com os pés descalços. No começo, o pinicar da textura da
planta me incomodava, mas, anos depois, já havia me acostumado
com a sensação.
Peguei a bola e posicionei na marca do pênalti. Sabia que
sem goleiro era diferente, ainda assim chutei várias vezes no gol,
não errando nenhuma cobrança. Um sorriso se formou em meu
rosto, eu tinha uma sensação boa de que o Brasil iria longe na
competição.

Deixei o gramado e fui em direção ao vestiário, pronto para


tomar um banho e me trocar, mas quando cheguei lá vi um dos
fisioterapeutas da seleção.

— Marcelo pediu para deixar a banheira de gelo pronta para


você — informou e foi me guiando até a sala de saúde, no qual
ficavam as banheiras estilo hidromassagem, onde uma já estava
cheia de gelo. — Ele também pediu para você assinar aquela
camisa ali.

Rogério, o fisioterapeuta careca e de meia idade, apontou


para cima de uma maca, onde uma camisa da seleção estava
perfeitamente dobrada. Ele se despediu, deu meia volta, e foi
embora.

Não pude deixar de pensar que o treinador realmente me


conhecia. Olhei o ambiente abandonado, a sala de saúde era
provavelmente o lugar que os jogadores menos usavam após o
treino. Eles preferiam o vestiário, que sempre permanecia com uma
quantidade de jogadores gritando, cantando ou até mesmo
dançando pagode.

Quase nenhum jogador gostava de usar a banheira de gelo,


achavam desumano. Aproveitei que não tinha ninguém e tirei
minhas roupas, até mesmo a cueca, afinal, esse banho frio também
era para afastar os pensamentos do meu amiguinho lá de baixo que,
assim como minha mente, não parava de pensar em Penélope.
A água gelada em contato com meu corpo me fez soltar um
urro. Era uma sensação agridoce, dessas que eu não sabia definir
se gostava ou não. No geral, me sentia tranquilo quando me
acostumava com a temperatura baixa.
Fechei meus olhos e apoiei os braços na banheira.
Finalmente veria minha família no primeiro jogo do Brasil. Fiz
questão de enviar as passagens com antecedência, mas tanto meu
pai como minha mãe não queriam perder dias de trabalho, então
decidiram que só chegariam na véspera do jogo. Eu estava com
saudades e talvez ao encontrá-los toda aquela atmosfera de
nostalgia, que havia aparecido ao me encontrar com Penélope,
sumisse.

Ainda de olhos fechados, comecei a entoar o hino do


Liverpool, que dizia “Você nunca andará sozinho” e pensei na minha
mãe e pai que deram tudo para que eu conseguisse seguir em
frente com meu sonho de ser jogador. Eu amava minha família e,
mesmo sendo jovem, a ideia de construir minha própria já tinha
passado pela minha cabeça. E como diria Ricardo, o que faltava era
a solução. Uma mulher.
Depois de Penélope, não tinha namorado mais ninguém.
Claro que havia ficado com outras, mas com nenhuma tive um
relacionamento sério. Eu terminei com ela e, de certo modo, me
arrependia. O motivo pelo qual fiz aquilo continuava pairando sobre
nós. Por isso disse a mim mesmo que não tinha mais futuro nesse
desejo unilateral. Ela me odiava e tinha razão. Estava da hora de eu
deixar ir embora o sentimento que sempre esteve guardado no
passado e ir em busca de outra pessoa.
Me levantei da banheira, derramando um pouco de água no
chão de cimento polido. Estava decidido. Eu não era museu para
ficar me apegando ao passado. Estava pronto para seguir em frente,
quando um grito cruzou meu caminho. E então a vida me mostrou
que, como sempre, o que eu planejava não saía como esperado.
A primeira coisa que fiz ao entrar no estádio, depois de
xingar, foi revirar os olhos. O segurança do local nem me barrou,
como planejei. Bastou eu falar o nome do noivo de Sara, Jorge
Ferri, que era um empresário de uma indústria brasileira de petróleo,
que o homem de roupa escura e porte grande liberou minha
passagem.

Eu já tinha entrado em um estádio antes, mas o do Catar, de


nada lembrava ao Albertão, a arena da minha cidade. Quem vai
somente para a arquibancada jamais imagina que nos bastidores
têm uma superestrutura, como o vestiário, a área de saúde, uma
área de aquecimento que mais parece uma academia, dentre outros
espaços. Tudo no Catar esbanjava luxo, até mesmo o interior do
estádio que era praticamente todo em tom marfim, quase como se
fosse incrustado a ouro.
Por mais que eu não tenha namorado Samuel por muito
tempo, ele me mostrou como era a parte interna, os detalhes que
tinham fora da superfície. A lembrança trouxe um sorriso aos meus
lábios. Um sorriso que logo tratei de apagar. Queria pegar logo a
maldita camisa para o noivo de Sara e ir embora.
O ambiente estava vazio, com exceção de alguns poucos
zeladores que já estavam deixando tudo pronto para as próximas
atividades. Eu sabia que a seleção brasileira havia estado aqui,
porque quando o táxi parou em frente ao estádio havia uma fila
enorme de repórteres esperando os jogadores saírem. Felizmente, o
treino já havia acabado quando consegui explicar, com meu inglês
precário, ao segurança o que eu desejava e eu agradeci aos céus
por não ter que dar de cara, mesmo que sem querer, com Samuel.

— Está precisando de algo? — tomei um susto e dei um


passo para trás ao notar um homem velho, magro e de cabeça
raspada, indagar.

Mesmo perguntando em inglês, percebi que ele era brasileiro,


pelo símbolo verde, amarelo e azul que estampava sua camisa de
tecido. Aliviada por ter encontrado um compatriota, informei:

— Vim pegar uma camisa a pedido de Sara Bittencourt, noiva


de Jorge Ferri.

Ele abriu um sorriso instantâneo e então apontou para o fim


do corredor.

— É só dobrar à direita ali, aí você entra na primeira porta à


esquerda. A essa altura a camisa já deve estar assinada.

Agradeci ao senhorzinho e saí andando apressada até onde


ele havia me indicado. Queria me livrar logo da tarefa e voltar ao
hotel para aproveitar a parte do “tudo incluso” da viagem.

Abri a porta já imaginando o champanhe que iria pedir para


comemorar meu sucesso de buscadora de camisa, quando me
deparei com uma cena que não estava dentro do script.
Um homem pelado.

Um homem pelado me encarando.

Um homem pelado me encarando chamado Samuel.


BERNARDINO.

O grito que saiu da minha garganta deve ter atingido uma


quantidade razoável de decibéis, já que Samuel deu um pulo para
trás assustado. Meus olhos foram de suas coxas torneadas e
peludas até o membro avantajado entre o meio de suas pernas.
Meu cérebro pareceu demorar a processar a imagem e, quando
percebi que estava encarando seu pau, outro grito saiu de minha
boca e só então fechei os olhos.

— Que merda é essa? — questionei cobrindo meus olhos,


que insistiam em querer se abrir, com minhas mãos trêmulas.

— O que você está fazendo aqui? — ele questionou, quase


gritando também.

— Essa é a única frase que sai da sua boca? — perguntei,


me virando de costas para ele, que continuava nu.

— Óbvio, já que você tem a incrível mania de aparecer onde


não deve — Samuel comentou e logo escutei um suspiro alto. —
Você não precisa ficar envergonhada, afinal, não tem nada aqui que
você já não tenha visto.

Furiosa, me virei na sua direção e me aproximei, apontando o


dedo na sua cara. Fiquei a centímetros dele, quase sentindo sua
respiração se misturar com a minha. Seu corpo monumental, e
ainda por cima molhado, nem se retesou à minha aproximação,
— Escuta aqui, eu não estou envergonhada. Justamente por
conhecer, sei que não é GRANDE coisa — menti descaradamente,
mas não podia deixar o convencido sair impune.
Samuel se calou, chocado com minha resposta, mas sua
surpresa só durou um instante. Ele abriu um sorriso sacana, um que
eu conhecia muito bem e sabia que sempre precedia algo devasso.

— Então por que você não para de encará-lo? — questionou,


cruzando os braços sobre o peito musculoso.
Deixei seus olhos e encarei seu membro exposto. Foi
questão de segundos, um reflexo natural da curiosidade, mesmo
assim meu movimento não passou despercebido. Tinha sido pega
no flagra. Que droga!

— Certas coisas nunca mudam. — Samuel comentou,


passando a língua pelos lábios deliciosos… quer dizer, carnudos, e
eu me perguntei, mentalmente, o que ele queria dizer com aquela
afirmação.
Voltei a encarar seus olhos castanhos, pronta para revidar,
mas meu corpo foi puxado por ele e colado na parede.

— O que você está faz…

— Psiu! — ele colocou o indicador sobre minha boca e cobriu


meu corpo com o seu no momento que escutei o barulho da porta
se abrindo.

— Samuel, você já terminou? — uma voz feminina perguntou


— Ah, me desculpe.
Me encolhi, assustada. Jamais imaginei que alguém iria
entrar e pegar eu e ele nessa situação comprometedora. O que a
mulher iria pensar de mim? Ou de Samuel?

Eu estava na presença de um jogador da seleção nu e a


repercussão do fato poderia ser desastrosa. Meu coração bateu
acelerado e eu só não recuei mais porque minhas costas já estavam
fixas na parede da sala. Tentei me acalmar, mas uma lágrima
escorreu pelo meu rosto, mesmo contra minha vontade.

— Não tem nada aqui para você ver. — A voz de Samuel


soou como um rugido. Ele passou os braços sobre meu corpo, me
envolvendo ao mesmo tempo em que me escondia e eu me deixei
abraçá-lo, cobrindo-o com meus tremores. — Saia.

Por um segundo pensei que ele estava falando comigo e fiz


menção de me afastar, mas ele apertou mais ainda seus braços em
volta de mim. Escutei passos para fora do recinto e ele só se
afastou de mim quando o som sumiu. Apenas o suficiente para me
encarar. Samuel tinha cheiro de suor, pinho e, mesmo estando em
um país desértico, um leve aroma de mar.

— Você está bem? — a doçura presente em sua voz,


somada à sua preocupação genuína, me deixou momentaneamente
sem palavras.

Ele era o homem que eu odiava, que nutri raiva por quatro
longos anos, mas ali estava, se preocupando comigo. Meu
estômago se revirou e eu não sabia se era devido a situação
inusitada pela qual estava passando e ou se era por causa do
pequeno sentimento que parecia renascer ali no canto do meu
coração. Deixei a dúvida, entretanto, de lado quando a realidade me
atingiu em cheio.

— Ai meu Deus. E agora? Será que você vai ser demitido? —


perguntei, me afastando e passando a mão pelos meus cabelos,
bagunçando-os.

Samuel pegou suas roupas do chão e as vestiu com rapidez.


Não tinha mais flerte, diversão ou brincadeira em sua expressão,
apenas seriedade.

— Essa é realmente sua preocupação? — indagou com a voz


alterada, a raiva se formando em seu rosto.

— Claro, e se o Brasil não for hexacampeão?


Eu não queria ser odiada por uma nação, muito menos ser a
responsável pela frustração em continuar sendo pentacampeão por
mais uma Copa. Se aparecesse nas manchetes algo manchando
sua imagem, certamente ele seria cortado da seleção e eu podia
não saber muito sobre futebol, mas sabia que o homem parado
diante de mim era a esperança do título. E por mais que tenha dito
que não torceria para Samuel nem Mortinha da Silva, e que odiasse
ele, eu estava preocupada com seu futuro. Eu não era uma pessoa
vingativa. Talvez tenha sido quando torci para ele perder o pênalti.
Mas aquilo foi há muitos anos e mesmo odiando-o, eu não guardava
tanta mágoa assim, a ponto de ferrar com o sonho dele de ser
jogador da seleção.

— Me desculpa, eu realmente sinto muito — falei, já


visualizando meu rosto nas capas de revistas com títulos me
comparando à Yoko Ono.
Girei meus calcanhares em direção à porta, mas a mão de
Samuel me impediu de ir embora.

— Porra, Penélope! — esbravejou e me assustei com sua


atitude agressiva. Ele passou a mão livre pelos cabelos escuros, em
um gesto nervoso, e quando me encarou, vi um brilho que não via
há muito tempo — Que se foda a Copa. Minha única preocupação
agora é com você.

Samuel ainda segurava minha mão quando engoliu em seco.


Em um gesto rápido ele me soltou e deu uma leve tossida falsa.
Achei sua atitude estranha e, quando soltou um suspiro pesaroso,
percebi que estava prestes a dizer algo difícil.
— Eu só peço uma coisa, Penélope. — Sua voz saiu em um
sussurro. — Acredite em mim, nada vai acontecer com você. Eu
prometo que vou te proteger.

E então eu soube, no momento que vi seus olhos, que aquela


promessa, dentre todas as que havia feito enquanto estávamos
juntos, seria a única que ele não iria quebrar.
Eu estava fodido e não era no bom sentido da palavra.
Depois do encontro catastrófico com Penélope eu não sabia o que
fazer. Tudo bem, foi divertido flertar com ela e ver seu rosto rubro
toda vez que olhava meu pau, mas ser pego no flagra pela
nutricionista da seleção brasileira foi terrível.

Só de lembrar do rosto assustado de Penélope, meu corpo


retesou sobre a cama macia. Havia retornado ao hotel logo após o
desastre. Não tinha cabeça para lidar com mais uma chuva de
entrevistas, então inventei uma dor de cabeça. Marcelo ficou
preocupado, porém eu disse que bastava dormir um pouco para eu
ficar novinho em folha.

No hotel, pensei diversas vezes em ir ao quarto de Penélope,


ver se ela estava melhor, mas eu fiquei com medo de prejudicá-la
ainda mais. Ser famoso tinha suas desvantagens e a mídia, se
quisesse, poderia acabar tanto com minha carreira quanto com a
dela. Nervoso, com o celular na mão, acabei atualizando as páginas
de notícias de segundo em segundo esperando a bomba cair em
público, mas nenhum site havia comentado sobre o caso.

Passei a mão nos cabelos, bagunçando-os, e depois dei um


longo suspiro. Tudo havia acontecido por causa da porra de uma
camisa autografada. Pelo que entendi, Penélope havia sido
encarregada de pegar a camisa que o fisioterapeuta pediu para eu
assinar. Parecia brincadeira do universo enviar justamente minha ex
para a mesma sala em que eu estava pelado.

Me sentei na cama e olhei o relógio que ficava em cima da


mesa de cabeceira. Já havia se passado uma hora. Uma
angustiante hora e eu não tinha feito nada. Coloquei uma camiseta
sobre o corpo e escancarei a porta disposto a resolver a situação.

Bati na porta três vezes, depois de percorrer o longo corredor


do hotel. Esperei impaciente que ela fosse aberta e, quando Ricardo
apareceu, não deixei de abrir um sorriso. Eu poderia ter ido atrás de
Diego Ramalho, ele seria a pessoa certa para saber lidar com meu
“escândalo”, afinal, o lateral já tinha se envolvido em todos os tipos
de situações, como a foto de seu pau vazado. Ele, entretanto,
finalmente parecia ter entrado nos eixo ao arranjar uma namorada.
Optei, então, por ir atrás de Ricardo, já que ele era mais pé no chão
e experiente, estava na seleção há quinze anos, já deveria ter
passado por todos os perrengues possíveis e saberia o que fazer.

— Preciso falar com você — falei, adentrando em seu quarto,


que era uma cópia exata do meu.

— Ainda com problema com uma mulher? — questionou


apontando para uma das cadeiras livres.

— Na verdade, com duas mulheres. — Me sentei e cruzei os


braços sobre o peito.

— Uau, você não perde tempo. — Ricardo riu e continuou em


pé, me analisando como se eu fosse o maior garanhão do mundo e
não um cara que havia feito merda e agora estava lascado.

— Estou falando sério, preciso de um conselho.

— Pode falar, sou todo ouvidos.

Contar para Ricardo talvez não mudasse nada, mas duas


mentes pensam mais que uma e eu queria garantir que iria cumprir
a promessa que fiz, depois de tantas quebradas. Eu prometi para
ela o mundo e só entreguei decepção. Sabia que não podia voltar
atrás, mas queria ao menos me redimir.

Contei ao “vovô” toda a situação. Desde o fato de que minha


ex estava aqui no Catar, como também que havíamos sido pegos
em uma situação comprometedora pela nutricionista da seleção.
Claro que não havia falado da tensão que havia rolado enquanto eu
estava nu, eu não era do tipo que falava aquele tipo de intimidade.

— Você se mete em cada uma — Ricardo falou após ouvir


meu relato e pelo seu rosto sério eu sabia que não seria tão fácil
assim me livrar da situação. — Se até agora a mídia não fez um
estardalhaço, quer dizer que Cátia não contou para ninguém. Ainda.
Se eu fosse você falaria com ela.

Sua resposta só afirmou o que eu já sabia. Eu deveria ter ido


falar com Cátia, a nutricionista, desde o início, mas um misto de
vergonha e medo se apoderaram de mim. Além do fato de ter sido
flagrado em um ato nada legal, eu ainda havia sido grosseiro,
praticamente gritado com ela. Tinha sido bruto e tudo porque me
descontrolei ao ver Penélope abalada.

No fundo, queria que Ricardo tivesse me dado outro


conselho, mas ele tinha razão. Me despedi dele já disposto a falar
com Cátia, mas não a encontrei no quarto dela. Acabei mandando
um WhatsApp, informando que gostaria de conversar e fui para meu
quarto.
Minha cabeça realmente começou a doer com o passar das
horas, e, quando anoiteceu, eu desisti de ter esperança de que
Cátia viria ao meu encontro. Fechei os olhos tentando relaxar, mas à
minha mente só vinha a cena de Penélope assustada ao me ver nu
ou então dela com medo da repercussão de termos sido vistos.

Com a televisão ligada e o ar-condicionado também, demorei


a escutar quando uma batida soou no quarto. Abri a porta
esperando encontrar o jantar, mas foi Cátia quem avistei. Abri minha
boca, surpreso, já que ela parecia tão envergonhada quanto eu.
Seus cabelos claros e cacheados estavam quase cobrindo o rosto e
mesmo à noite pude notar o rubor em sua bochecha.

— Pode ficar à vontade — disse apontando o interior do


quarto para ela, tentando soar amigável. Não queria assustá-la mais
uma vez.

Ela demorou um pouco para entrar, mas quando finalmente o


fez, abriu um sorriso sem graça.
— Eu juro que não vi nada. Quer dizer, vi sua bunda, que é
muito bonita por sinal, e também uma mulher, que era bem
pequeninha em comparação a você e ela tinha um cabelo castanho
lindo e usava uma roupa muito bonita, mas…

— Ei, calma, respire um pouco — falei me aproximando e


vendo que ela, que mal passava da minha idade, estava agitada
demais.
Cátia riu, uma risada engraçada, fina e alta, e só então
percebi um cheiro de álcool saindo de sua boca.

— Você está bem? — questionei preocupado, afinal toda a


equipe técnica, incluindo os jogadores não eram dados a bebidas
alcoólicas.

— Nunca estive melhor, bebi um pouco porque estava


nervosa, mas agora estou ótima. — Cátia riu de novo. — Eu nem
acredito que vi sua bunda. Minha irmã só confiou em mim quando
eu contei para ela, porque sabe que não tenho motivos para mentir.

Meu corpo gelou no mesmo instante, o coração quase saindo


pela boca. Ela contou para alguém e era questão de horas até esse
alguém contar para outra pessoa e assim perpetuar a história que
acabaria caindo na boca do povo. Eu estava enrascado e Penélope
também e, pela primeira vez, eu realmente estava pensando nas
consequências que poderia trazer para ela. O Catar era o tipo de
país que mulheres nem podiam usar short e onde o sexo só era
permitido depois do casamento. O que aconteceria com ela se
soubessem que estava no mesmo ambiente que um homem nu?
Não conhecia as leis do Catar, mas tinha certeza de que eram mais
rígidas do que as do Brasil.

Minhas pernas falharam e me deixei cair sobre uma das


cadeiras que tinha no quarto. O que eu havia feito com a vida de
Penélope? E se eu me casasse com ela? Seria capaz de impedi-la
de sofrer alguma punição?

— Juro que não quis ver, mas estava ali dando sopa e não
resisti. — Cátia cobriu a mão sobre o rosto rubro, mas mal prestei
atenção no que ela falava, eu já estava pensando em quem
convidaria para ser o padrinho de casamento, caso fosse necessário
o matrimônio. — Pena que pedi para ela guardar segredo, porque
tenho certeza de que nossa mãe cairia dura se soubesse disso.
Nossa velha é super gamada em você.
— Você pediu segredo? — minha voz soou baixa, um fio de
esperança surgindo em meu peito.

— Claro, você acha mesmo que eu iria espalhar para todo


mundo que você estava transando no estádio da Copa? Você é a
esperança do Brasil, nada pode manchar sua reputação antes dos
jogos.

— Ei, eu não estava transando. — Cruzei os braços sobre o


peito.

Ela deu de ombros, como se eu estivesse mentindo, e então


apontou para a televisão.
— Se soubessem o que fizeram, provavelmente vocês dois
seriam presos. — Cátia ficou séria pela primeira vez. — Eu
realmente pensei que deveria falar com Marcelo, contar tudo, mas
não me pareceu o certo. Eu precisava desabafar com alguém e
depois de alguns copos de bebida, decidi confessar apenas para
minha irmã, ela é uma freira, por isso não precisa se preocupar.

Caralho! Era capaz de eu ir parar no inferno. Onde já se viu,


falar sobre minha bunda para uma freira?! Eu não sabia se freiras
faziam voto de silêncio ou algo do tipo, mas imaginava que ela não
sairia por aí contando sobre minha nudez. Me deixei relaxar pela
primeira vez desde que havia sido pego no flagra.
— Obrigado, Cátia — disse já me dirigindo à porta, precisava
descansar, o dia foi muito corrido. — E me desculpe por ter sido
grosseiro.
— Não se preocupe, seu segredo está bem guardado.

Abri a porta do quarto e ela saiu dando um tchauzinho. Cátia já


estava há alguns passos, quando voltou. O rosto rosado só não
chamou mais a atenção do que sua boca que abriu e fechou várias
vezes sem falar nada. Ela respirou fundo e me deu um abraço.

Quase fiz menção de me afastar, tamanho susto, mas me


deixei envolver por seu corpo franzino.

— Ela é uma garota de sorte — falou no meu ouvido.

Me desvencilhei de seus braços e olhei a mulher baixinha


diante de mim, tão diferente da minha Charmosa.

— Pelo contrário. Quem teve sorte fui eu.


— Você viu o show de abertura da Cosmic Blue? — foi a
primeira coisa que Ester perguntou durante o café da manhã.

— Sim, a banda fez um show incrível! Foi a melhor parte da


Copa até agora — comentei.

— E o jogo do Brasil? — Ester questionou, erguendo uma


das sobrancelhas.

— Ah, nem assisti ao jogo — disse, enfiando o garfo pela


terceira vez no pedaço de ovo que insistia em cair no prato. — E
mesmo com a proteção acústica escutei alguns gritos durante os
gols.

— Foi uma goleada. E o Brasil tem uns jogadores que são


gatos, como o Samuel Bernardino, Diego Ramalho. — Ester
tagarelou e eu revirei os olhos, emburrada. — Pena que o Diego já
foi fisgado. Soube que a influencer Bruna Santos e ele estão
namorando. Tem vídeo circulando na internet e tudo mais. E por
falar em jogador gato, tem um que joga pela seleção de Portugal,
chamado Tássio, que é uma perdição.

Não estava prestando muita atenção em seu falatório sobre o


jogo e muito menos me preocupei em saber sobre memes ou coisa
do tipo, afinal, queria distância de qualquer coisa que envolvesse a
seleção.

Provavelmente eu era a pessoa menos patriota do mundo,


mas depois do que vi na noite anterior não tinha como torcer por
Samuel. Sim, ele cumpriu sua promessa de me proteger, afinal, não
saiu em nenhum jornal sobre nosso “encontro” inusitado, mas a
troco de que ele conseguiu sigilo? Não precisava ser muito
inteligente para saber o que ele fez.

Fui ao seu quarto para conversarmos, porém vi uma mulher


saindo de lá e algo dentro de mim me disse que era a mesma que
havia nos flagrado.

A lembrança dela abraçando Samuel no corredor do hotel me


fez largar o garfo de uma vez. O ovo mexido com torradas não
estava tão bom no fim das contas. As pessoas atravessavam o
salão com suas vestes verde e amarela e eu desconfiava que boa
parte delas nem era brasileira.

Muita coisa mudou entre as duas Copas. Na anterior,


realizada na Rússia, acompanhei todos os jogos, sentada no sofá
ao lado de um Samuel nervoso. Ele ainda jogava no Brasil e
sonhava em um dia ser convocado pela seleção que tanto amava.
Eu tinha passado no vestibular, esperando ser chamada, enquanto
ele tinha largado o curso de administração quando não conseguiu
mais conciliar com a vida de atleta.

Quando namoramos éramos muito abertos um com o outro,


um tipo de conexão que não tive com mais ninguém. Eu sabia que
ele vinha de uma família humilde e que seu sonho era ser um atleta
de renome. Não só pelo dinheiro, ele não era aquele tipo de cara,
mas realmente por realização profissional e para ajudar sua família.
Ainda assim não dava o direito de ele ter simplesmente terminado
comigo e ido embora do país.
Eu estava apaixonada, já fazendo planos bobos, quando ele
me deu um fora. O sabor amargo daquele momento vez ou outra
voltava e vê-lo com frequência, no Catar, não estava ajudando.

— Eu vou para o quarto, tenho que olhar o vestido mais uma


última vez, Sara quer acrescentar uma renda de última hora —
comentei para Ester.

Ester assentiu e me deixei arrastar pelo saguão do hotel em


direção ao elevador. Sara entrou em contato logo depois do jogo do
Brasil e pediu para mudar um pouco o vestido, ela informou que viu
na arquibancada uma mulher usando um modelito lindo e que
precisava do detalhe no vestido.

Não reclamei, o vestido era minha primeira obra e tanto eu


quanto ela desejávamos que estivesse perfeito. Eu teria trabalho, já
que não tinha uma máquina de costurar, teria que fazer à mão, mas
o que não faltava era tempo livre.

Abri a porta do elevador e apertei o botão correspondente ao


meu andar. Puxei o celular do bolso da calça quando um corpanzil
entrou às pressas na cabine junto comigo. Nos primeiros segundos
não dei atenção, mas, quando a pessoa arranhou a garganta em
uma tossida falsa, me obriguei a olhá-la.

Samuel me fitou com um sorriso no rosto e me perguntei se


aquele hotel era amaldiçoado ou coisa do tipo. Por favor, alguém
liga para os Ghostbusters! Tinha certeza de que a matemática não
explicava a probabilidade alta de encontrar meu ex-namorado em
todo lugar.
— Oi — ele falou colocando uma das mãos no bolso do short
esportivo, um sorriso largo deixando seu rosto já bonito, mais lindo
ainda.

Bufei zangada. Nem para ele ser feio ou algo do tipo. Por que
ele tinha que ser tão alto e atlético? Cruzei os braços sobre os seios
e fingi que estava sozinha no elevador, não queria ter outra
discussão com Samuel.
— Aconteceu alguma coisa? Você parece chateada — ele
perguntou.

Era muito cínico mesmo. Ele foi para cama com outra mulher
e ainda se fazia de inocente. Que corajoso!
— Eu estou ótima. Melhor impossível.

— Uau, sua versão ótima é assustadora. — Sua afirmação


veio em meio a um deboche. Samuel ergueu uma das sobrancelhas
e me olhou como se eu tivesse um parafuso a menos. — Por que
você está zangada?

— Eu não estou zangada — respondi, ríspida demais.

Estava falando a verdade. Não tinha motivos para estar


zangada. Ele poderia dormir com quem quisesse, não era da minha
conta. Só estava chateada por ter sido idiota e pensado que ele
havia mudado.
— Qual é, Penélope, eu te conheço. — Samuel deu um
passo na minha direção, ficando a apenas alguns centímetros de
mim. — Não sei se percebeu, mas eu cumpri minha promessa.

— Percebi sim, seu cretino. — Soquei seu peito com força.


Ele não precisava jogar na minha cara que tinha dado um jeitinho na
nossa situação.

— Ei, qual seu problema?! — Samuel recuou, cobrindo o


tronco com as mãos.
— Eu sei que você dormiu com ela para abafar o caso.

Samuel abriu a boca em choque, provavelmente surpreso por


eu ter descoberto tudo, e então um sorriso marcou sua boca bem
desenhada.
— Por acaso está com ciúmes? — questionou, passando a
língua pelo lábio inferior.

Ciúmes, eu? Não tinha motivos para sentir ciúmes do homem


de cerca de um e oitenta e cinco de altura, cabelos escuros
bagunçados, corpo escultural e bom de cama. Então por que meu
coração se acelerou e o estômago se contorceu com sua
insinuação?

— Me poupe, Samuel, por acaso tenho cara de quem sente


ciúmes?

— Totalmente. — Ele estreitou os olhos e me encarou dos


pés à cabeça, sem um pingo de pudor. — E devo dizer que você fica
muito linda quando está com ciúmes. O rostinho rosado, a
respiração entrecortada, meu nome saindo de sua boca em alto e
bom som. Me lembra dos velhos tempos, se é que me entende,
Penélope Charmosa.
Engoli a saliva que se formou na minha garganta. Eu
entendia. Na verdade, entendia muito bem e a memória de nossos
corpos arfando, em meio a suor e gemidos fez minhas pernas
ficarem bambas. Samuel fez menção de chegar mais perto ainda,
pronto para me segurar, mas eu impedi seu gesto, estendendo a
palma da mão na sua direção. A última coisa que queria era sentir o
calor de seu toque em meu corpo, pois não sabia como reagiria.
Ficamos nos encarando em silêncio, apenas alguns
segundos, mas que pareceram durar a eternidade, e só foram
interrompidos quando Samuel falou:

— Eu não transei com ela. Jamais passou pela minha cabeça


fazer isso. — Ele coçou a ponta do nariz, em um gesto típico de
quando ficava tímido. — Apenas pedi, cordialmente, para ela
guardar segredo.
No mesmo instante senti o alívio perpassar meu corpo. Até
mesmo meu estômago deu uma leve pirueta, como se estivesse
comemorando o fato. Me surpreendi com minha própria atitude. Eu
realmente estava com ciúmes?

As luzes se apagaram do nada e o elevador parou. Pela vista


panorâmica notei que a energia faltou na cidade inteira, o trânsito, lá
embaixo, já se transformando em um pequeno caos devido aos
semáforos apagados. Nunca tinha visto um blackout dessa
dimensão, atingindo uma proporção tão grande.

— O que será que aconteceu? — Samuel indagou, olhando a


cidade pela vidraça do elevador, com certa curiosidade.
— Só espero que resolvam logo. Não quero ficar presa no
elevador com… — me calei, percebendo tarde demais que estava
falando em voz alta.
— Comigo?! — ele se voltou para mim, a voz soando tão
frágil que me senti mal pelo que falei.

Não tive coragem de encará-lo. Fitei meus próprios pés, com


vergonha, sentindo minhas bochechas queimarem. Sempre
demonstrei o que sentia, então por que me senti uma bruxa
ranzinza? Foi porque ele confessou que não tinha transado com a
tal mulher e eu me senti culpada por tê-lo julgado mal? Eu
realmente estava com ciúmes?
Não tive tempo de pensar, já que me assustei ao notar os
dedos de Samuel em meu queixo. Um gesto que ele sempre fazia
antes de me beijar. Os olhos escuros não piscaram nem por um
segundo, mas eles não estavam fixos na minha boca e sim nos
meus próprios glóbulos oculares.

— Eu realmente te machuquei, não foi? — a pergunta,


carregada de pesar, mexeu comigo.
Quis gritar um “SIM”, bem na sua cara perfeita, porém minha
boca pareceu perceber que não era momento para isso. Ele deu a
volta por cima, como mostrava, e eu não conseguia fazer a mesma
coisa, por que? Eu estava sendo boba ao longo dos anos por levar
um rancor imenso à diante.

— Não foi fácil esquecer você. — Sussurrei a verdade


escondida há tanto tempo.
Samuel fechou os olhos, como se ouvir as palavras que
saíram da minha boca doesse.

— Você tem razão. — Abriu os olhos escuros, me encarando


com um brilho que eu ainda não conhecia. — É realmente difícil
esquecer você.

Por uns segundos me deixei mergulhar em suas íris,


impactada com a força que elas transmitiam nesse instante. Só
então percebi que ele havia falado no presente e não no passado. O
que significava? Que ainda não tinha esquecido de mim?

Cheguei perto dele a ponto de sentir meu peito tocando seu


tronco. Não sabia o que estava fazendo, mas era como se meu
corpo tivesse vida própria e desejasse relembrar como era o gosto
de sua boca. Fiquei na ponta dos pés, pronta para deixar tudo para
trás, o ódio, rancor, medo, mas não as lembranças. Nunca as
lembranças.

E quando impulsionei para frente, pronta para me entregar a


um velho sentimento conhecido, a luz voltou e o elevador se
movimentou. Samuel segurou meu corpo que se desequilibrou com
o movimento e logo que o elevador parou se afastou de mim.
Esperei ver curiosidade em seu rosto ou até mesmo o velho
conhecido sorriso galanteador. A única coisa, entretanto, que vi foi
seu maxilar travado.

Samuel deu dois passos para fora, em direção ao hall, e saiu


sem olhar para trás. Me deixando mais uma vez.
Ela ia me beijar. Puta merda! Penélope ia me beijar e fui
embora. Quão burro eu era para ter perdido essa oportunidade?

Quando seus calcanhares deixaram o chão, eu soube o que


ela estava fazendo. Ficar na ponta dos pés para vencer nossa
diferença de altura era uma das atitudes que mais me atraia nela.
Penélope era única. Uma hora estava brigando, outra com
ciúmes e, por fim, quase tinha me beijado. Eu realmente não
conseguia entendê-la. Mas de uma coisa eu sabia:ela certamente se
arrependeria do beijo e que no fim eu seria o culpado, mais uma
vez.

Não foi fácil dar meia volta, não desejar seus lábios macios e
suculentos em volta dos meus. Porém foi o certo a se fazer. E
mesmo que fosse o tipo de cara que errava muito, era no intuito de
acertar.

Cheguei no quarto com a consciência limpa e as bolas


doloridas. Me larguei sobre a cama de casal, cheia de lençóis
chiques e liguei a televisão. Precisava me distrair.

Não passava outra coisa na programação que não


envolvesse futebol e felizmente o assunto me interessava. O Brasil
havia ganho o primeiro jogo com direito a goleada e alguns dos gols
feitos por mim, o que me deixou muito satisfeito. Ainda assim, sabia
que não tinha mostrado todo meu potencial e o medo de me
contundir novamente me fez recuar em algumas jogadas. Àquela
altura, se machucar era um problema para todo atleta.

Havíamos jogado uma temporada cansativa nos nossos


clubes e boa parte sofrido com alguma lesão. Chegar na Copa com
ânsia de dar o melhor me deixava puto da vida, entretanto, eu não
podia arriscar minha integridade física, afinal, ainda era jovem e
queria muito participar de outras competições.

Na televisão, a reportagem comentava sobre o time inglês,


nosso próximo adversário e ao ver Erza sendo entrevistado, fechei
minha mão com força. Ele era, porque não dizer, meu maior
adversário. Se no Liverpool jogávamos juntos, sempre buscando o
melhor para o nosso time, na Copa era cada um por si e Deus por
todos, principalmente porque ele, assim como eu, desejava a Bola
de Ouro.

Eu não era do tipo que tinha muitas vaidades. Não precisava


de uma mansão, ou carros luxuosos e nem mesmo ir às baladas
que costumavam ter no meio esportivo. Só queria reconhecimento
pelo meu trabalho. O prêmio era isso, mostrar para o mundo que eu
tinha feito certo em sair de casa. Jamais teria uma oportunidade
dessas ficando no Brasil e ganhar provaria que eu não tinha sido
estúpido o suficiente ao deixar tudo e ir embora.

Pensei em Penélope mais uma vez, em como estava linda


admirando a cidade dentro do elevador panorâmico. Mesmo que
tenha doído ouvir que não queria ficar presa comigo naquele
cubículo, ainda assim me peguei desejando tê-la em meus braços.
Ela estava com ciúmes. Ficou irada porque pensou que eu havia
transado com Cátia e percebi que sua fisionomia mudou quando
falei que não rolou nada. Sua reação tinha que significar algo. Por
que ela teria ciúmes de mim, se me odeia? Algo não se encaixava
na história.

Uma pequena parcela de esperança tomou conta de mim.


Talvez a Charmosa não me odiasse tanto quanto demonstrava.
Desliguei a televisão, sentindo meu pau latejar só de pensar que
Penélope poderia ainda gostar de mim.

Pulei da cama indo direto para a ducha. Estava parecendo


um moleque de volta aos quinze anos, que ficava duro com um
simples pensamento. Deixei a água gelada fazer a função de resfriar
o desejo que me atormentava. De olhos fechados e sentindo a
rigidez contra minha mão, lembrei dos momentos que tivemos
juntos, da boca de Penélope nos meus lugares mais sensíveis.

Minha mão já estava em um ritmo frenético, quase pronta


para a chegada do ápice, quando um barulho na porta do quarto
chamou minha atenção. Seria Penélope, pronta para tentar me
beijar mais uma vez?

Puxei uma toalha e enrolei sobre a parte de baixo do meu


corpo. Talvez ela não resistisse ao meu peito nu e molhado quando
me visse na sua frente. Com um sorriso no rosto, abri a porta pronto
para soltar um comentário sarcástico. Mas o que vi do lado de fora,
entretanto, me fez engasgar com o susto que tomei.

— Mãe?! O que a senhora está fazendo aqui? — apertei a


toalha sobre o corpo, sentindo meu rosto corar pelo que estava
fazendo minutos atrás.

— Senti saudades. — A senhora trinta anos mais velha


afirmou.

Ela foi entrando no quarto, sem cerimônia, nem notando a


bagunça que se formava por ali.
— Mas nós nos vimos ontem, depois do jogo — comentei.

Dona Denise sorriu, o aparelho dental, presente meu,


deixando-a com aspecto mais jovem.

— Eu sei, mas não tem hora certa para uma mãe sentir
saudades — disse, tocando meu cabelo como se eu fosse um
garotinho.

— Desculpa não ter conseguido uma vaga aqui no hotel. Já


estava lotado quando vocês decidiram vir.
— Não se preocupe, querido, nosso hotel é ótimo.

Fiquei aliviado, não tinha conseguido alocá-los junto comigo,


mas o hotel que coloquei meus pais era muito bem avaliado também
e ficava bem próximo do meu.
— Onde está o papai?
— Lá embaixo, apostando com algumas pessoas que você
vai ganhar a Bola de Ouro desse ano.

Cerrei a mandíbula, inconformado. Seu Rangel tinha um bom


coração, porém possuía um leve vício em apostas.
— A senhora sabe que eu não concordo com essas apostas
— falei, me lembrando da vez que ele perdeu nosso carro porque
perdi o campeonato escolar no ensino médio.

Mamãe deu um meio riso, mas pude notar em seus olhos um


toque de tristeza. Ela também não gostava do velho hábito do
marido.

— Eu não posso fazer nada. Ele é adulto, sabe o que faz.


Sua expressão triste, em meio às palavras, foi como um soco
no estômago. Sempre acreditei que o casamento dos meus pais
fosse perfeito. Claro, eu sabia que vez ou outra rolava alguma
discussão, mas nada que pudesse apagar a chama que permeava
aquele amor. Mas, olhando para minha mãe, não pude ter certeza.

— Não precisa se submeter a isso, se não for algo que queira


— falei, pronto para brigar com meu próprio pai se fosse necessário
para a felicidade da minha mãe.
Ela me olhou de forma curiosa e então sorriu. Um riso de
verdade, que chegou em meio a seus olhos castanhos escuros,
como os meus.

— Ah, meu filho, você ainda tem muito a aprender. Ninguém


é perfeito. — Tocou minha mão entre as suas. — Acredite, tem
muita coisa minha que seu pai não aprova também. Mas é a nossa
força de vontade, junto com nosso amor, que vence os obstáculos.
Ou você acha que um dia vai encontrar uma mulher perfeita?
Meus pensamentos logo foram parar em Penélope, em como
parecíamos cão e gato mesmo quando estávamos juntos. Se não
concordávamos com algo discutíamos, não ficávamos calados. Uma
hora um vencia a discussão, outra hora o outro, e, quando rolava
um empate, decidíamos na cama. Éramos sinceros e não tínhamos
medo de ser verdadeiros. E funcionou muito bem, até que eu
terminei com ela.

— Você pensou em alguém, não é mesmo?

Balancei a cabeça em afirmativa e fiquei esperando sua


pergunta, ela, entretanto, não veio. Dona Denise ficou apenas me
analisando, o olhar em um misto de pena e orgulho, quase como se
soubesse quem era a escolhida. Provavelmente sabia mesmo, ela
sempre gostou de Penélope. Minha velha se aproximou e me
abraçou.

— Mãe, a senhora vai molhar sua roupa — comentei,


sentindo seu corpo se apertar ao meu tronco ainda úmido.

— Menino, onde já se viu, eu lá me importo se você está me


molhando — falou com os braços ao redor das minhas costas.
Senti lágrimas escorrendo pelo meu rosto. Queria aquilo um
dia. Um filho para dar carinho, uma pessoa para me aconchegar.
Minha própria família. Passei a mão pelos olhos, emocionado.

Se para chegar na bonança eu tivesse que atravessar a


tempestade, que fosse. Eu também não me importava em me
molhar.
— Será que dá para fechar a boca?

— Pera aí, ainda estou processando tudo o que aconteceu.


— Mirna fez uma pausa dramática e respirou fundo antes de
continuar. — Não acredito que você além de ter encontrado Samuel
aí no Catar, viu ele peladão e ainda tentou beijá-lo!
A cara incrédula de Mirna, que pude observar através da tela
do celular, mostrou o quanto estava chocada, mesmo minutos
depois de eu ter confessado tudo. Os olhos arregalados só não
estavam maiores do que a boca aberta.

— Sim, foi exatamente isso que aconteceu — falei, me


debruçando sobre a cama após comer uma sobremesa de chocolate
mesmo que fosse de manhã. Precisava de glicose no sangue para
despertar, porque o único motivo plausível para eu ter tentado beijar
Samuel era porque eu estava com muito sono.

Embora quisesse guardar para mim toda a enxurrada de azar


que havia acometido minha vida por esses dias, achei melhor
compartilhar com Mirna. Afinal, eu precisava de conselhos, ou pelo
menos de uma sacolejada, e quem melhor do que ela, que já
conhecia meu ex, para me ajudar? Mirna era minha melhor amiga e
a verdade é que deveria ter falado com ela antes. Quem sabe ela
tivesse me ajudado a evitar tanta catástrofe.

— Será que o sol do oriente médio afetou sua cabeça? — ela


perguntou, depois de ter me chamado de maluca em todas as cinco
línguas que falava, como funcionária de um hotel grande. — Você
deveria ter feito uma videochamada antes. Assim eu teria proibido
você de sair desse quarto de hotel para te impedir de fazer uma
burrada.

— Me perdoa, eu estava atônita demais pensando em


Samuel e acabei esquecendo de te ligar.

— Esse é exatamente seu problema. Não era para você estar


pensando no Samuel. — Ela revirou os olhos. — Eu sei que ele está
super gato, ao menos pela televisão notei que ficou mais gostoso,
mas ele te deu um pé na bunda e você chorou semanas por causa
dele.

Mirna tinha razão. Não quanto ao fato de que Samuel estava


mais bonito, embora fosse verdade, mas estava falando do fato de
que sofri muito depois do término. Não foi fácil lidar com o fim de
uma história que poderia ter sido do tipo conto de fadas.

— Eu sei, Mirna, mas a culpa não é minha se meu corpo


parece agir de forma esquisita perto dele.

Tinha quase absoluta certeza de que meus pés agiram sem


meu consentimento ao se inclinarem em direção ao Samuel. Eu, em
sã consciência, não tentaria beijá-lo. Por que então minha boca
parecia querer contato com a sua? Talvez o jet lag ainda estivesse
fazendo efeito sobre mim, ou então os ovos mexidos, que mal comi,
estavam estragados. Talvez por isso meu estômago se remexia de
forma tão esquisita perto do meu ex, quase como se tivesse vida
própria. Meu coração, curiosamente, ficava mais acelerado e a boca
seca, eu, entretanto, sabia que deveria existir alguma razão
plausível para esses detalhes.

— Justamente por isso que tem que ficar longe dele. Não
pode procurá-lo. Mantenha distância. — Mirna falou, cortando meu
raciocínio.

— Ei, eu não procurei por ele, foi ao acaso que acabamos


nos encontrando tantas vezes.

Mirna não disse, mas notei pelo seu olhar que não acreditava
muito na minha história de que tudo era coincidência. Eu não tinha
culpa se o Catar era pequeno a ponto de em todo lugar eu encontrar
a peste do meu ex-namorado.

— Com essa sua sorte você deveria ao menos ter apostado


no bolão da universidade. Era capaz de ganhar uma boa grana por
errar o placar dos jogos. — Ela enfim sorriu e mostrou a língua em
um gesto amigável. — Aproveita que está aí e vai atrás de outro
muso da Copa, é cada colírio que até eu estou assistindo aos jogos.
Já viu aquele tal de Tássio Arraes? Ele nasceu no Brasil, mas joga
pela seleção de Portugal, e é um velho gostoso.

— Você não tem jeito. — Gargalhei, só mesmo Mirna para


fazer eu sorrir nesse momento. — Preciso desligar, tenho que
terminar de costurar a renda que Sara pediu.

Mirna se despediu me lembrando de não fazer mais nenhuma


estupidez, como se a culpa fosse minha, e eu voltei minha atenção
ao vestido que ainda não havia terminado. Sara realmente tinha um
bom gosto. A renda deixará o design elegante e será a cara dela.
Comecei pegando meus materiais e espalhando o vestido
sobre a mesa de cabeceira. Não tinha a praticidade de uma
máquina de costura, mas nada que algumas horas e muito trabalho
não desse um jeito.

Apliquei a renda de forma delicada, tendo cuidado para não


errar em nenhum momento. O casamento de Sara era meu cartão
de entrada, muita gente importante estaria presente e o vestido da
noiva era o ponto alto da noite. Todo mundo veria e comentaria, por
isso precisava estar perfeito.

Quase no fim da tarde consegui terminar boa parte da


aplicação. Estava cansada, com as costas doendo, mas tinha valido
a pena. Estava ficando incrível.

Puxei o vestido e analisei-o em frente ao espelho. Ele era tão


lindo que quase chorei de tanta emoção ao ver uma obra minha
sendo tão bela.
Ao tocar a renda bordada, entretanto, percebi que em alguns
pontos o tecido parecia pinicar a pele da minha mão e em um gesto
impensado acabei colocando o vestido sobre meu corpo, para ver
como ficaria a renda em contato com a pele do meu ombro.

Me olhei no espelho mais uma vez. Por mais que meu corpo
e o de Sara não fossem similares, o vestido caiu bem em mim. Não
pude deixar de abrir um sorriso ao ver meu reflexo reproduzindo
uma imagem tão inusitada. Eu com um vestido de noiva feito por
mim. Alisei a saia do vestido, estava perfeito, o caimento impecável
e até mesmo a renda não estava machucando, seu contato com a
pele não transmitindo nenhum desconforto. Tudo conforme
planejado!

Aproveitei e fiz um coque no cabelo, tornando a área do


busto mais chamativa. Eu não sabia como Ester ia fazer o penteado
de Sara, mas certamente deixar o pescoço à mostra seria uma boa
opção. Aproveitei que estava me sentindo a própria noiva e peguei o
pingente da sorte que trouxe de casa e coloquei no colar que levava
no pescoço. Um sentimento agridoce cruzou meu estômago ao
notar que a última vez que eu o usei em mim tinha sido quando
Samuel perdeu o pênalti. Aquilo tinha sido uma coisa boa, certo?
Fechei os olhos tentando não me recordar daquele dia.

Virei de costas para o espelho, pronta para me desfazer


daquela imagem que ia demorar muito a acontecer. Eu não tinha
nem um namorado.
Tateei as costas em busca do zíper do vestido e quando fui
abri-lo nada aconteceu. O zíper estava emperrado. Que merda! Não
acreditava que estava presa no vestido de casamento de outra
pessoa. Tentei mais uma vez forçar o zíper, mas ele continuou no
mesmo lugar.

Minha respiração começou a ficar acelerada e, mesmo com o


ar ligado, senti que meu corpo queria começar a suar. Era só o que
faltava, eu suar no vestido alheio. Ai meu Deus!

Corri para o telefone e liguei para a Ester que não atendeu.


Liguei mais uma vez e nada. No desespero, saí do quarto e, dando
uma de velocista, fui até o quarto dela, porém mesmo batendo
desesperadamente Ester não apareceu. O vestido, que antes
parecia perfeito, estava começando a irritar minha pele, ou então eu
estava tendo um tipo de reação alérgica à minha atitude estúpida,
mas eu duvidava que existisse uma alergia a fazer merda.

Então a minha mente teve a ideia mais ridiculamente


estúpida que poderia ter, mas que parecia ser a única salvação.

A vida, até mesmo ao dar opções, precisa humilhar, mas eu


estava disposta a tudo. Até mesmo a procurar Samuel Bernardino.
E, curiosamente, meu coração deu um salto em meu peito, ansioso
para isso.
Só podia ser um sinal dos céus. Certo? Era a única
explicação plausível para Penélope estar batendo na porta do meu
quarto vestida de noiva. Passei a mão nos olhos para ter certeza de
que isso estava acontecendo e, quando a imagem dela não
desapareceu, tive a certeza de que era real.

— Samuel, tira esse vestido agora!

Ela entrou no meu quarto como um furacão, fechando a porta


atrás de si. Meus ouvidos demoraram um pouco a processar seu
pedido, mas meu pau prontamente ficou duro com sua fala. Ela
queria mesmo que transássemos assim, do nada?

— Quê?! — questionei quando, finalmente, meu cérebro


processou as palavras dela.
— Eu preciso que você tire essa maldita roupa — falou,
choramingando.

— Por que você está vestida de noiva? — perguntei o óbvio,


só então começando a perceber que havia algo de errado e que,
definitivamente, não tinha nada a ver com sexo.

Coitado do meu membro, se alegrou por nada.


Ela jogou os braços para o ar, a expressão desesperada
quase sendo cômica.

— Eu fui burra e experimentei o vestido de noiva da minha


cliente e agora o zíper está emperrado e não abre.

Fiquei atônito, incrédulo com sua estupidez. Gargalhei alto,


colocando a mão sobre a barriga que começou a doer. Penélope era
incrível, somente ela era capaz de se meter nesse tipo de furada.

— Poxa Samuel, não é para rir. — Ela cruzou os braços


sobre os seios e fez uma expressão que mesclava a raiva e a
tristeza.

Sabia que não era a hora certa, mas não pude deixar de
admirá-la no vestido branco. Penélope parecia uma princesa de
contos de fada. O corpinho pequeno coberto por um vestido longo
demais, mas que realçava sua beleza. Meus olhos passearam por
cada detalhe, a cintura marcada, os seios empinados, mas pararam
em seu pescoço. Aquilo era um pingente? Dei dois passos, me
aproximando. Estreitei os olhos em direção ao seu colar, só para ter
a certeza de que era o pingente que eu havia dado para ela. Mordi o
lábio, incapaz de não sentir um frio na barriga por saber que ainda o
usava.

— Não sabia que ainda tinha o pingente — falei, apontando


em direção à peça de esmeralda.

Penélope, no mesmo instante, tocou no pescoço e abriu um


sorriso bobo, que logo tratou de fechar.

— Eu pensei que me trazia sorte, mas pelo visto estava


enganada. Quer dizer, olhe para a minha situação. — Indicou o
próprio corpo.

Se trazia sorte para ela não sabia, mas parecia trazer para
mim. Enfiei as mãos nos bolsos ao sentir que elas suavam e encarei
seus olhos verdes.

— Tiro sua roupa com todo prazer — falei tentando soar


como uma piada, mas sentindo a saliva se formar em minha
garganta.

— Samuel… — sua advertência mais pareceu uma súplica.

Meu nome em sua boca sempre saía de forma melodiosa,


como se sua língua fosse feita para falar somente ele e nenhum
outro.

Me aproximei a passos curtos, sentindo a atmosfera


esquentar a cada movimento. Penélope virou de costas para mim e
pude notar os cabelos em um coque mal feito, deixando o pescoço à
mostra.

Foi instintivo, toquei com a ponta dos dedos abaixo de sua


orelha. Aproximei meu rosto dali, sentindo o cheiro característico de
Penélope, uma mistura de erva doce e baunilha.
Um gemido ecoou pelo quarto e por um segundo não soube
identificar quem foi seu autor. Depois, entretanto, tive a certeza. Um
gemido dela. Da mulher que fazia meu coração bater mais forte e
meu pau latejar.

Um arrepio se formou em seu pescoço e lutei para não a


morder. Respirei fundo, tentando não pensar nela nua sobre meus
lençóis, e percorri o trajeto de sua pele até o vestido, onde o zíper
de fato estava emperrado.
— Não vou conseguir abrir sem quebrar — comentei,
esperando sua resposta para continuar.
Ela demorou um pouco a responder, como se travasse uma
luta interna.

— Pode quebrar. — Sua voz saiu em um sussurro, quebrada.


Aquilo mexeu comigo. Não devia ser fácil para ela ter sua
obra prestes a ser danificada e tinha certeza de que foi mais difícil
ainda ter ido atrás logo de mim para ajudá-la.

— Prometo que vou ser delicado — falei sem brincadeira,


imaginando que o vestido devia ser de extrema importância.

Minhas mãos eram grandes demais sobre aquela pecinha


metálica, por isso tentei não colocar muita força no maldito zíper. O
objeto quebrou quando empurrei para baixo, deixando as costas
nuas de Penélope à mostra. Era difícil resistir à tentação de tocá-la
e colocar minha boca em todos os lugares possíveis, então me
afastei enquanto meu cérebro ainda parecia funcionar.

— Está feito — disse, passando a mão pelos cabelos.

Penélope virou de frente, segurando o tecido do vestido


sobre os seios para não cair.

— Obrigada.
Nos encaramos por um tempo, seus olhos firmes nos meus
como se quisesse dizer algo. Ela, entretanto, não falou nada, pelo
contrário, foi a primeira a quebrar o contato, desviando o olhar.

— É melhor eu ir — comentou, dando um passo em direção à


porta.
— Você não quer ao menos trocar de roupa? — indaguei ao
notar que ela parecia desconfortável ao ficar segurando a parte do
busto. — Posso pegar algo do meu guarda-roupa para você.

Penélope olhou para o próprio corpo e abriu um sorriso


acanhado. Balançou a cabeça em afirmativa e, ainda tímida, se
sentou sobre minha cama. Fui até meu guarda-roupa e busquei uma
camiseta preta e um calção esportivo. Entreguei a roupa para ela e
apontei para a porta do banheiro.

— Fique à vontade — disse.

Ela se levantou de um salto e foi se trocar no cômodo


indicado. Pensar em Penélope tirando a roupa tão próximo de mim
me fez questionar o que diabos eu estava fazendo.

Meu encontro com dona Denise fez com que eu pensasse


sobre o que eu realmente queria. O futebol era minha vida, meu
sonho e minha profissão, mas ele realmente era o que me fazia
feliz? Nos quatro anos que morei na Inglaterra, longe da família,
sem firmar um relacionamento com ninguém, não me senti
completo, faltava algo. Para ser sincero, o que faltava era alguém.
Penélope saiu do banheiro vestindo minha roupa grande
demais para seu tamanho pequeno. Eu quis rir de seu visual
inusitado, mas a única coisa que consegui fazer foi fechar a
mandíbula que insistia em abrir. Ela estava linda e tremendamente
sexy usando minhas vestes.

— Por que você tinha que ser tão grande?! — ela perguntou,
rindo da própria vestimenta.
Sua pergunta foi inocente, mesmo assim minhas bochechas
arderam.

— Não tenho culpa se sou bem-dotado. — Brinquei com suas


palavras de duplo sentido, já esperando seu ataque de fúria
direcionado a mim, porém ela sorriu, um sorriso que não via há
muito tempo.

— Você é muito bobo — comentou, ajeitando o vestido de


noiva sobre os braços. — O que você estava fazendo antes de eu
chegar invadindo seu quarto?

— Estava assistindo futebol. — Levei o indicador em direção


à televisão, onde um jogo passava.

Minha ex-namorada revirou os olhos e colocou o vestido de


noiva sobre a a mesa de cabeceira apenas para cruzar os braços
sobre o peito.
— Não acredito que você passa o tempo livre vendo futebol.

— Estava estudando o plano de jogo da Inglaterra, nosso


próximo adversário. — Me defendi.

— Uau, quer dizer que no mundo futebolístico você é um


nerd?

Olhei curioso para Penélope, tive a impressão de que ela


queria puxar assunto. Ela tinha ido ali se livrar de um vestido e eu já
tinha feito o serviço, não precisava mais estar ali, conversando
comigo. O que me levou à conclusão de que talvez não me odiasse
tanto.
— Pode se dizer que sim. Levo meu trabalho a sério e gosto
de me manter atualizado.

A pequena, nas vestes grandes demais, fez uma careta e


passou a mão nos cabelos castanhos após o coque se soltar. A
cena que tinha tudo para ser cômica fez com que eu me remexesse
desconfortável.

Estava diante da minha ex com um tesão enorme, uma


vontade de arrancar suas roupas e sussurrar seu doce nome
enquanto a possuía com vontade. Cruzei o espaço que existia entre
nós, me postando de frente a ela.

Charmosa olhou para mim, curiosidade estampando seus


olhos claros. Já tinha vivido tempo demais longe dela para me
acovardar por medo de um fora. Um que ela tinha o total direito de
me dar.

Meu movimento era perigoso demais, mas falei que


atravessaria a tempestade e não ia voltar atrás. Até porque
Penélope não era uma tempestade, era um completo furacão .
Estar no quarto de Samuel, flertando com ele, usando roupas
cafonas após uma crise de loucura, parecia um cenário criado pela
minha imaginação fértil. Mas aqui estava eu, com o coração
pulsante e a pele do meu pescoço formigando.

Bastou uma respiração dele próxima a mim, um toque sobre


o vestido, e eu já estava que nem manteiga derretida, sendo ele
meu pão quentinho de cada dia. Eu queria odiar ele e chutar o meio
de suas bolas, mas como eu faria isso depois de seu cuidado
extremo comigo? Depois de seus olhares cheios de lembranças e
malícias?

Eu estava aos seus pés que nem bola de futebol e, por mais
que odiasse esse sentimento de entrega, sabia que não conseguiria
resistir.

Então mesmo tendo demorado, dentro daquele quadro


percebi dois fatos que não podia ignorar.

Fato 01: Samuel mexia comigo.

Fato 02: Por mais que fosse irracional, eu queria que ele
mexesse comigo.
E talvez eu até pudesse acrescentar um terceiro fato. O de
que ele também queria que eu mexesse com ele.

Eu notei sua ereção ao me ver vestida de noiva. Percebi seus


olhos incendiando, o maxilar travado. Eu não era boba, sabia que
ele me desejava. O problema era que eu o desejava também.

Quando meu cérebro finalmente chegou a essa conclusão,


Samuel já estava parado na minha frente.

— Penélope, eu...

— O que foi? — nem o deixei continuar, os olhos arregalados


em expectativa, a respiração acelerada fazendo meus seios subir e
descer.
— Eu quero te beijar. — Jogou a bomba de uma vez,
levantando sua mão na direção de meu queixo, mas parando a
centímetros dele.

Minha boca se abriu em choque, sua ousadia me deixando


momentaneamente sem reação. Um pedaço de felicidade se formou
dentro de mim por saber que não era apenas eu que queria contato
físico. Encarei seus olhos escuros, a pupila dilatada entregando sua
vontade.
— E por que não está fazendo isso? — perguntei em um
sussurro, sentindo as pernas trêmulas.
— Porque você disse que cortaria meu pau e bem, eu gosto
muito dele, sabe. — Ele tocou o próprio nariz, relembrando nossa
conversa no elevador.
Um sorriso estampou meus lábios que, a essa altura,
estavam secos demais. Samuel vestia um calção escuro e uma
camiseta básica similar à que havia me emprestado. Estava simples
e ainda assim estupidamente lindo. Mirna tinha razão, o tempo tinha
feito bem a ele. Os cabelos bagunçados acrescentavam um charme
a mais e a tatuagem no antebraço direito, feita após nosso término,
era um ingrediente novo que me agradava muito.
A beleza, entretanto, não era sua característica mais
atraente. Samuel era determinado, aplicado e sincero, não media
esforços para conquistar o que queria e por mais que tivesse
terminado comigo não podia dizer que era mau caráter.
Samuel ficou parado, esperando uma resposta minha. Uma
resposta que eu não tinha. Por isso, ao invés de raciocinar, coisa
que não estava fazendo muito bem esses dias, agi. Fiquei na ponta
dos pés e colei minha boca na sua.
Foi um segundo, mas tempo suficiente para notar eletricidade
perpassando por nossos lábios. Mal me afastei, quando ele enlaçou
minha cintura e me puxou para perto. Sua boca tocou a minha mais
uma vez, a língua pedindo a passagem que eu dei de bom grado.
O sabor de Samuel, mesmo após tanto tempo, continuava
igual. O frio na barriga ainda era o mesmo de quando o beijei pela
primeira vez, após o ver correndo no campo sem camisa, o suor
escorrendo pelo abdome trincado. Até mesmo a pegada firme e
cheia de vontade estava da mesma forma, se não melhor.
Seus braços, então, foram parar em minha bunda e ele me
ergueu com facilidade, me levando até a parede de seu quarto.
Estar entre uma alvenaria e Samuel, se tornava cada vez mais
rotineiro. Uma rotina que eu, particularmente, aprendi a adorar.
Nossas bocas se esfregavam famintas e só deixavam de se
tocar para recuperar o fôlego. Logo a ereção de Samuel roçou
minha pele, acendendo uma faísca que há quatro anos permaneceu
apagada. Meu ex deixou meus lábios e colocou sua testa na minha.
Sua respiração, assim como a minha, acelerada e descompassada.

— O que estamos fazendo? — perguntou em um sussurro.

— Sexo! — falei o óbvio, tirando sua camisa em um gesto


rápido e analisando seu tórax trincado.
Ele riu, mas logo voltou a ficar sério. Umas das mãos deixou
minha bunda e veio parar em meus cabelos, tocando nos meus fios
que tinham se desfeito do coque há um bom tempo.

— Isso que está rolando, é um lance de uma vez? —


questionou e, nesse momento, percebi o quanto ele se mostrava
vulnerável.
Ele queria mais? Não estava disposto a ter só um sexo
selvagem com a ex-namorada que, curiosamente, em vez de odiar
estava amando se atracar com ele?

— Isso pode ser o que você quiser — falei, sentindo o meio


das minhas pernas úmidas e desejando continuar de onde paramos.
— Podemos fazer que nem Las Vegas. O que acontece no Catar,
fica no Catar.
Em minha defesa eu não estava pensando muito bem, para
variar, e só queria o homem gostoso na minha frente se enterrando
em mim.

Quando namoramos tínhamos feito todos os passos em


ordem, se conhecido primeiro, depois saído em encontros onde o
máximo que rolava era um beijo, aconteceu o pedido de namoro e
só então fomos para a parte sexual. E onde aquilo tinha levado? A
um término inesperado. O que custava arriscar um pouco? O pior
que poderia acontecer era ter um coração quebrado, mas isso eu já
tinha.
Samuel ponderou minha resposta e pouco tempo depois
assentiu, voltando a me beijar. Em um movimento rápido me levou
até sua cama e, com delicadeza, me colocou sobre a maciez do
colchão.

— Puta merda. Você é muito gostosa — sussurrou em meu


ouvido, quando debruçou seu corpanzil sobre mim.

Um sorriso se abriu no meu rosto ao mesmo tempo em que


ele tirou minha camisa, quer dizer a camisa que ele havia me
emprestado. Samuel demorou analisando meus seios, o olhar
totalmente fixo em cada detalhe. Seus dedos longos tocaram meus
mamilos, que enrijeceram instantaneamente.

Arfei quando suas mãos foram substituídas pela boca, que


chupou com vontade um dos meus seios. Embora seus lábios me
tocassem com urgência, tinham uma delicadeza que só Samuel era
capaz de transmitir. Assim era ele, capaz de despertar sensações
extremas, de me levar à euforia ao mesmo tempo em que me levava
à loucura.

Segurei seus cabelos com força, empurrando Samuel contra


minha pele, desejando fundir-me a ele. Meu ex logo gemeu, um
rugido grave que fez com que eu fechasse minhas pernas em busca
do alívio. Percebendo meu movimento ele riu, mas logo tratou de
voltar a me beijar. Sua boca percorreu minha barriga e parou no
short escuro. Com um movimento rápido ele puxou a peça de roupa
para baixo, deixando-me apenas de calcinha. Uma calcinha
molhada.

— O que você está fazendo? — questionei quando ele se


colocou no meio das minhas pernas.

— Você sabe como é, Charmosa, antes de entrar em campo


eu gosto de beijar o gramado.
Revirei os olhos com sua piada de duplo sentido, mas ao
mesmo tempo ri. Esse era o tipo de comentário que quatro anos
atrás me fazia ruborizar.

Samuel nem pestanejou, chupou o tecido de minha lingerie


com vontade e eu arranhei suas costas com minhas unhas afiadas,
pouco me importando ao estrago que estava fazendo em sua pele.
— Sempre tão gostosa — ele murmurou, entorpecido. —
Goza para mim, Pen.

O pedido de Samuel, seguido do puxão que ele deu em


minha peça íntima, rasgando-a, me fez contorcer toda. Levantei
meu quadril ao ritmo em que ele invadia minha entrada com a língua
e depois com os dedos.
Ele era habilidoso, como antes, mas algo estava diferente.
Parecia mais experiente, como se soubesse exatamente tudo o que
quisesse me fazer sentir. Ele estava totalmente no controle,
enquanto eu estava rendida.

O orgasmo chegou de uma vez, o coração acelerado tal qual


as investidas da língua de Samuel. Minhas pernas tremeram
enquanto ele sugava meu gozo.
— Samuel…— gemi seu nome em um misto de prazer e
manha.

Não queria saber se era sexo de uma noite, ou o início de


uma reconciliação. Eu só queria Samuel dentro de mim o mais
rápido possível.

— Me fode agora — ordenei ainda fraca, mas pronta para


uma nova rodada.

— Ah, Charmosa, não posso fazer isso. — Ele deixou o meio


das minhas pernas e colou o corpo sobre o meu — Primeiro porque
estou com uma vontade tão grande de te foder que não quero te
machucar. Segundo porque eu estou com uma vontade tão grande
de te foder que é capaz de eu ter uma contusão devido à força que
eu empregaria em te comer.

— Você está brincando, né? — questionei, desejando-o ainda


mais.

Samuel cruzou o pequeno espaço entre nós, a boca tocando


minha orelha. O hálito quente dele provocando arrepios em meu
corpo.

— Claro! Você acha mesmo que eu ia deixar passar a chance


de fazer o que mais desejei nos últimos quatro anos?

Meu coração bateu mais forte e nada teve a ver com Samuel
tirando o short e a cueca e ficando nu diante de mim. Não teve a ver
com seu olhar pegando fogo que me incendiava toda vez que o
lançava em minha direção.

Meu coração acelerou pelas suas palavras e pela certeza de


que ele não havia me esquecido.
Eu estava nervoso. Mais até do que se estivesse na final da
Copa do Mundo. Ter Penélope em meus braços era como um sonho
distante. Nunca tinha passado pela minha cabeça que ela iria me
querer de volta, ainda mais depois de todas as atribulações que
ocorreram aqui no Catar.

Penélope tinha ido do ódio supremo ao desejo incabível de


fazer sexo comigo. Eu, entretanto, não iria reclamar, se era a
vontade dela eu realizaria com todo prazer. As necessidades de
Penélope sempre estiveram acima das minhas, ainda mais se
envolvessem transar comigo.

Tirei minha roupa sem pressa. Para que pressa se já esperei


quatro anos por esse momento? Charmosa me olhou de um jeito
diferente, até mesmo um pouco engraçado, como se estivesse
surpresa por algo que eu não sabia o que era.

— Está tudo bem? — questionei, curioso.


— Ahn? Claro...está tudo ótimo. — Ela desfez a expressão
estranha e abriu um sorriso. — Gostei dessa tatuagem.
Olhei para meu braço, marcado por duas faixas pretas. Ela
não sabia, claro, mas eu havia feito a tatuagem logo após terminar
com ela. Cada faixa lembrava uma grande decisão que eu tomei e
que mudou minha vida. Uma representava a saída do Brasil, a outra
o término com Penélope. As duas estavam conectadas, e as duas
me faziam pensar se eu tinha tomado a decisão correta.
— Obrigado — respondi, sentindo um nó em minha garganta.
— Você está mais bonito, sabia? — Ela abriu um sorriso
safado e toda a angústia que queria surgir em meu peito se desfez
no mesmo instante.
— Você também não está nada mal. — Toquei seus cabelos
castanhos com delicadeza.
Penélope era dona de uma beleza única. Tinha o sorriso mais
lindo que eu conhecia e, mesmo que nos últimos tempos não o
direcionasse para mim, quando o fazia, eu me sentia a pessoa mais
sortuda do mundo.
— Seu bobo. — Ela socou meu peito despido de forma
delicada e acabou deixando as mãos ali.
Não resisti e a beijei com sofreguidão, um beijo áspero,
impaciente e cheio de luxúria. Penélope correspondeu à altura,
gemendo no meio do processo. Meu pau, já ereto, pulsando de
desejo. Eu não podia mais aguentar, precisava foder Penélope o
mais rápido possível. Principalmente depois que ela tinha implorado.
Me levantei em um pulo e fui direto ao guarda-roupa. Tateei a
mala em busca de uma camisinha e logo que achei uma voltei para
a cama. Rasguei o pacote com os dentes, tendo o cuidado de não
danificar o látex do produto. Minha ex, entretanto, puxou o
preservativo da minha mão.
— Deixa que eu coloco em você. — Ela se ajoelhou na cama
e desenrolou o preservativo lentamente sobre meu pau. Um gesto
simples, mas totalmente erótico.
Penélope não havia mudado, adorava me provocar,
principalmente entre quatro paredes. Eu estava nervoso, mas sabia
exatamente o que fazer para satisfazer minha Charmosa. Empurrei-
a na cama prendendo seus braços com uma das minhas mãos em
cima de sua cabeça.

— Você implorou, Pen, não se esqueça disso. — Minha voz


saiu tão grossa quanto meu membro pulsante.

Com a mão livre fui até o meio de suas pernas que estava
completamente molhado. Ela estava pronta para mim. Toquei sua
entrada com vontade, primeiro com um dedo, depois com dois, em
movimentos que faziam ela se contorcer embaixo de mim.

— Por favor, Samuel…

Meu nome saindo de sua boca foi o golpe final. Aproveitei


seu pedido manhoso e tirei os dedos de dentro dela, introduzindo
meu pau em sua boceta apertada. Um som gutural saiu no mesmo
instante de minha boca e me segurei para não me movimentar com
velocidade.

— Está tudo bem? Posso continuar? — perguntei, encarando


as duas esmeraldas que me fascinavam.

Ela assentiu com a cabeça, confirmando, e eu realizei sua


vontade estocando-a com força. Nossos corpos se entrelaçaram
como se fossem um só, as pernas de Penélope envolvendo meu
quadril, acompanhando o ritmo que eu desenvolvia.
Os gemidos se misturavam pelo quarto, enquanto meu pau
entrava e saía de sua cavidade molhada. A atração física entre nós
era surreal, sempre fora. Éramos do tipo que nos compreendíamos
só pelos nossos olhares, sem precisar trocar palavras. Nossa
conexão era única, eu conseguia lê-la de modo tão fácil que, depois
de Penélope, nenhuma outra mulher se mostrou como um livro
aberto.
— Está pronta para gozar mais uma vez? — questionei,
colando minha testa na sua, sentindo o suor de sua pele devido ao
esforço físico do ato.

— Goza para mim também, Samuel. — Sua voz saiu como


uma ordem, direta e objetiva.

Nem precisou pedir para eu ir mais fundo, socando-a cada


vez mais com desejo, enquanto ambos tremiam. Suas pernas
vibraram e senti o pulsar de suas paredes internas ao redor do meu
pau. Arrematei uma última vez e me esvaziei dentro de Penélope ao
mesmo tempo em que ouvi ela gritar meu nome.

— Uau! — foi o que ela disse após eu sair de dentro dela.


— Sim — concordei com o que quer que passasse em sua
cabeça.

Penélope ficou um tempo sobre a cama, se espreguiçando


entre os lençóis macios, como se fosse normal ela fazer parte desse
cenário, nua em meu quarto. Eu aproveitei para apreciar a vista, já
que não sabia quando ia se repetir. Percebi os olhos quase
sonolentos dela se fechar, mostrando o cansaço após a foda
deliciosa que tivemos e antes que isso acontecesse ofereci mais
uma vez roupas minhas.

— Você pode tomar um banho antes, se quiser. — disse,


passando a mão nos cabelos.

— Você quer ir comigo? — perguntou, se levantando da


cama, rebolando toda maliciosa em direção ao banheiro.
Meu pau deu sinal de vida de novo e percorri a distância
entre nós em apenas dois grandes passos. Agarrei sua cintura,
puxando-a para mim e ela sentiu minha ereção em suas costas.
Debaixo do chuveiro, com a água quente escorrendo sobre nós,
fizemos sexo mais uma vez.

Tudo parecia um sonho. Penélope era como água no deserto.


Às vezes eu pensava que não passava de uma miragem, mas
quando provava seu sabor, tinha certeza de que era real. Isso, mais
do que tudo, me assustava. A Penélope real me odiava e eu sabia
que alguma hora ela iria retornar.
— Você está tão calado — ela comentou logo após chegar no
clímax mais uma vez.

— Estou apenas pensando — falei, coçando a ponta do meu


nariz.
— Posso saber em quê?

— Em você. — Me limitei a dizer e ela gostou, já que sorriu


em resposta.
Aproveitei seu bom humor e, com o sabonete em mãos,
comecei a ensaboá-la. Penélope não ofereceu resistência, até
porque era um ato que costumávamos fazer antes. Eu adorava
momentos como aquele, de intimidade e parceria, que era feito
completamente em silêncio, mas que significava tanto.

Me ajoelhei no chão do banheiro, deslizando as mãos sobre


suas pernas e quando estava a ponto de lavar seus pés, parei.

— O que aconteceu aqui? — apontei para seu pé direito,


onde uma cicatriz marcava sua pele próximo aos dedos.
— A máquina de costura caiu sobre meu pé. Disseram que
tive sorte. — Ela deu de ombros, fazendo pouco caso de uma marca
que quase atravessava o pé inteiro.

Meu corpo se tornou rígido no mesmo instante. Penélope era


um perigo até contra si mesma e eu não tinha estado lá para
protegê-la.
— O que mais aconteceu? — perguntei encarando-a.

— Como assim?

Me levantei, coloquei o sabonete de volta na saboneteira, e


voltei para Penélope. Toquei seu rosto com carinho, olhando
fixamente para cada detalhe seu.

— O que mais aconteceu nesses últimos anos?


Ela ergueu uma das sobrancelhas, surpresa, e puxou minha
toalha azul do porta toalhas e começou a se enxugar.

— Muita coisa aconteceu. — falou, saudosista. — Entrei na


faculdade, fiz muitas provas e seminários. Estou me formando,
criando meu primeiro vestido, que por sinal precisa de um zíper
novo.
— Sua vida se resumiu à universidade e a uma máquina
destruidora de pés? — ri.

— Basicamente. — Ela sorriu, caminhando até o guarda-


roupa e se demorando a escolher algumas peças para vestir. —
Aposto que a sua foi bem agitada.

Passei a mão nos cabelos molhados, espalhando água por


todo canto. Não poderia dizer que minha vida tinha sido pacata, mas
também não era glamurosa como se imaginava.

— Bom, você sabe, né? Me mudei para Inglaterra, joguei com


meus ídolos, conheci a Europa e uma parte da Ásia, fui a festas
milionárias, mas no geral foi muito treino e algumas contusões.

Toquei meu joelho em instinto. A última contusão tinha sido a


mais séria, muitos disseram que só voltei a jogar por milagre e a
recuperação tinha sido em tempo recorde, superando até mesmo as
expectativas dos médicos.

— Eu pensei que você não fosse jogar essa Copa. —


Penélope disse, retirando uma camisa da seleção brasileira do
cabide e colocando sobre o corpo.

— Estava acompanhando meu caso, Charmosa? —


perguntei, abrindo meu sorriso sedutor.

Eu começava a achar que todo aquele ódio contra mim na


verdade era tesão acumulado. Ela que tinha tentado me beijar no
elevador, ela tinha ido atrás de mim para tirar o vestido e por mais
que eu tivesse tido a iniciativa que acabou nos levando a transar, ela
que tinha permitido.
— Claro, você é a esperança do hexa. — respondeu,
pegando um short qualquer e vestindo-o.

Era o que todos falavam, me chamavam de “A esperança do


hexa”. Muitos torciam por mim e até mesmo os que não eram meus
fãs sabiam que eu dava o meu melhor.

Encarei a mulher na minha frente, usando o manto da


seleção que mais parecia com um vestido em seu corpo pequeno e
pela primeira vez em muitos anos senti que havia uma chance, no
fim das contas, de conquistar tudo que eu sempre quis. E eu não
estava falando sobre a Copa do Mundo.
Me esgueirei por entre os corredores do hotel tal qual uma
espiã, só que vestindo uma camiseta da seleção, uma bermuda
folgada demais e um vestido de noiva embaixo do braço. Pé ante
pé, cheguei no meu quarto e me debrucei na cama de uma vez, logo
após colocar com cuidado o vestido sobre a mesa de cabeceira.

Ainda estava digerindo o que havia acontecido. Tudo bem, eu


que tinha ido atrás de Samuel, mas não possuía segundas
intenções, era realmente para ele me ajudar a tirar o vestido, não
para tirar minha roupa toda. O pior, é que eu tinha gostado. Quem
eu queria enganar, eu tinha amado. Samuel era realmente um
atacante, entrava em campo para fazer gol!

Suspirei pesadamente, ainda lembrando dele me dando


banho, gesto que sempre achei fofo. Puxei a gola da camisa da
seleção e levei-a ao nariz, aspirando o cheiro conhecido de Samuel.
Eu prometi a mim mesma que não iria pirar, mas como ficar sã
depois de ter feito sexo duas vezes com meu ex, que por sinal me
deu um pé na bunda quatro anos atrás? Tateei o bolso em busca do
meu celular, minha mão, entretanto, tocou em um pedaço de papel e
só então lembrei do ingresso.
Samuel precisava voltar a analisar o jogo e eu não deveria
dormir no quarto de um homem que não fosse meu esposo em um
país que não aprovava tal ação. Antes de me despedir dele e sair de
seu quarto na surdina, ele me convidou para o próximo jogo do
Brasil, com direito a acesso vip e tudo mais. Eu não sabia o que isso
significava, se ele estava dando em cima de mim ou apenas sendo
cortês, mas eu iria pagar para ver, afinal, não tinha muito a perder,
pois o coração partido já tive anos atrás.

Pensei em ligar para Mirna, contar tudo o que tinha


acontecido, mas decidi deixar para lá, ainda estava confusa demais
sobre tudo que rolou no quarto de Samuel. Ao invés de telefonar
para minha amiga preferi abrir as redes sociais e passar o tempo, o
que acabou se mostrando um erro, já que o que vi não me deixou
nada contente.

As redes sociais de Samuel eram coisa de outro mundo,


coisa de milhões de seguidores. Muitas mulheres famosas curtiam
suas fotos e faziam comentários nada santos. Até mesmo a Anitta o
seguia. A ANITTA!!! Quem era eu na fila do pão? Em quatro anos
ele tinha virado uma estrela internacional e eu ainda lutava para
fazer meu TCC.

Olhei para o ingresso mais uma vez. Ali, no estádio, seria


diferente, não teria a calmaria e ausência de paparazzis do hotel. Lá
seria Deus no céu e Samuel na Terra.

Pensei seriamente em desistir de ir, entretanto, depois da


noite quente ao lado de Samuel eu poderia deixar minha máscara
hipócrita cair e finalmente torcer para o Brasil. Afinal, quem não
queria o hexa?!
No outro dia, mal tive vontade de tomar café da manhã
tamanho o nervosismo antes do jogo. Tinha voltado às origens
sendo uma torcedora ansiosa. Ainda estava com a camisa da
seleção que peguei de Samuel e com uma calça jeans escura. Se a
Copa fosse no Brasil eu teria usado um short e pintado minha cara
de verde e amarelo, mas aqui no Catar completei o look com um
coturno preto e um cinto de couro.

Uma hora antes da partida, já estava do lado de fora


esperando o Uber, pois não sabia como eram as filas no Catar para
entrar no estádio. No Brasil era uma loucura, tinha que ficar horas e
horas esperando a vez. O Uber, para minha felicidade, fez o trajeto
com rapidez e logo cheguei em um estádio diferente do que eu
havia encontrado Samuel pelado. A fila que se formava era enorme,
mas depois de um tempo procurando alguém para me dar
informações, descobri que meu ingresso VIP dava direito a ter
acesso por um local diferente, exclusivo, e que não tinha
congestionamento de pessoas.

Me vi diante de um ambiente requintado, separado da


arquibancada por uma divisória de vidro. Algumas pessoas
conversavam em uma roda, outras já estavam sentadas olhando
para o campo lá embaixo. Me acomodei no meu assento e,
enquanto a partida não começava, dei uma olhada ao redor. O
estádio era belíssimo, todo novo e cabia pelo menos quarenta mil
pessoas. As arquibancadas estavam lotadas em um misto de
branco, cor da Inglaterra, e amarelo, representando o Brasil. A
partida seria um clássico mesmo que ainda fosse a fase de grupos.
A torcida do Brasil começou a cantar quando o time entrou
em campo e eu me ajeitei sobre a cadeira esperando a vez do
Samuel aparecer. Embora estivesse em um local VIP, de frente para
o campo, os jogadores não deixavam de ser pequenos pontinhos no
meio do gramado verde. Ainda assim, consegui notar Samuel no
meio dos outros jogadores através de seu porte físico e tatuagem.

Se eu não conseguia enxergar com clareza o campo lá


embaixo, o telão central e bem em frente à área VIP fazia sua
função com louvor, mostrando os mínimos detalhes com uma nitidez
digna de cinema 3D e isso sem precisar daqueles óculos chatos.

Os jogadores se postaram no meio do campo formando uma


fila para cantar o hino nacional. A galera foi ao delírio quando a
música tão conhecida começou a cantar no estádio e senti meus
pelos se eriçarem logo que a canção foi encerrada pela organização
da Copa, mas os torcedores continuaram o cântico.

Eu nunca fui muito fã de futebol até conhecer Samuel. Com


ele pude entender a paixão frenética que movia os torcedores. As
regras não eram das melhores, os juízes por vezes tinham atitudes
suspeitas, ainda assim era um esporte interessante, onde vencer
nem sempre era sinônimo de ganhar. Podia parecer confuso, mas o
“jogar bem” era importante e gol, uma consequência.

Samuel era um excelente jogador, disciplinado, pensava no


coletivo antes de ser individualista e era um dos artilheiros da
seleção, por isso, quando seu rosto apareceu no telão, os gritos
ensurdecedores puderam ser ouvidos de todos os cantos do
estádio, inclusive na ala VIP. Meu coração aqueceu um pouco, eu
tive a sorte não só de conhecer aquele homem, como também de
ter tido uma noite maravilhosa ao lado dele.

Enquanto os gritos e aplausos ecoavam ao meu lado, notei


pelo telão o rosto de Samuel que parecia abatido. Será que alguma
coisa tinha acontecido, ou era apenas impressão minha?

Após o hino da Inglaterra, a partida começou e o jogo já


iniciou pegando fogo. Falta para um lado, falta para o outro, alguns
cartões amarelos e até mesmo confusão entre os jogadores. Por
mais que a partida não valesse tanto assim, já que quem perdesse
não seria eliminado, ainda assim era um jogo importante, pois ali
estavam presentes duas das seleções favoritas ao troféu.

Diversas vezes tivemos chances reais de gol, mas o goleiro


da Inglaterra estava em um dia inspirado, pegando todas as bolas
que iam ao gol. Os minutos se passavam e o empate persistia,
deixando-me nervosa.

Não era só eu que estava nervosa, pelo jeito. Toda vez que
Samuel aparecia no telão eu notava que algo não estava certo, ele
possuía uma expressão diferente.

Eu não só queria que o Brasil ganhasse, queria que Samuel


ganhasse. Segurei o pingente que ele havia me dado, o número
onze, número de sua camisa, no centro da pedra verde. Desse
modo, tentei transmitir a sorte que eu acreditava que o pingente
tivesse ao artilheiro da seleção.

O que aconteceu, entretanto, não foi uma onda de sorte,


estava mais para uma inundação de azar. Um atacante da Inglaterra
pegou a bola e partiu para o ataque em uma velocidade incrível
onde nada parecia pará-lo, até que Samuel veio com tudo e meteu
um carrinho nele. O lance foi rápido, mas o juiz não teve dúvidas e
deu um cartão vermelho ao atacante brasileiro. A confusão começou
quando os outros jogadores do Brasil foram brigar com o juiz e tudo
isso em meio ao atendimento médico que rolava ao jogador da
Inglaterra que estava caído e reclamando de dor.
Procurei o pontinho amarelo em meio ao caos no gramado,
porém não dava para ver tão nitidamente quanto no telão. Vasculhei
o painel televisivo em busca de Samuel e quando o vi fiquei em
choque. Ele estava em um misto de desespero e tristeza e eu
soube, no meu íntimo, que nada tinha a ver com aquela expulsão.
Algo estava errado. Olhei para os lados e notei que ninguém
percebeu que não estava tudo bem.

Meu coração acelerou ao tempo em que meu corpo quis agir.


Saí da sessão VIP e me dirigi às arquibancadas que eram mais
próximas ao gramado. Diferente dos estádios brasileiros, não tinha
alambrado separando a torcida do campo. Por um segundo pensei
em pular a pequena mureta que separava os dois lados, porém o
que aconteceria se eu fizesse aquilo? Seria presa? Não seria uma
boa ideia ser presa em um país árabe, principalmente sendo
estrangeira e mulher. Ao invés disso me dirigi à parte interna do
estádio, próximo ao vestiário, o segurança, entretanto, não permitiu
meu acesso, nem mesmo quando eu mostrei meu ingresso.

Puxei meu celular pronta para ligar para Samuel e só então


percebi que não sabia seu número, o único que eu tinha era o de
quatro anos atrás, que eu duvidava ainda funcionar. Droga. Eu não
tinha muitas opções, por isso decidi retornar ao hotel e esperá-lo no
corredor do seu quarto.

Quando os minutos se transformaram em horas, comecei a


me desesperar. Sentei-me no chão, cansada, e abracei meus
próprios joelhos. Sabia que algo não estava certo, mas o que teria
acontecido? Quase desisti de esperar, quando uma sombra
apareceu no começo do corredor. Eu reconheceria essa silhueta em
qualquer lugar do mundo.

Me levantei em um só movimento e corri na direção de


Samuel sem me importar com os olhares estranhos dos hóspedes
que transitavam no local e, quando finalmente cheguei a ele, soube
de uma coisa.

Olhando seu rosto abalado, que inusitadamente estava às


lágrimas, tive a certeza de que faria tudo por ele e que o ódio que eu
sentia nada se comparava ao sentimento maior que, como uma
fênix, renascia em meu peito.

— Samuel…— sussurrei seu nome, pronta para tirar qualquer


dor que ele carregasse.
— Penélope? — ele se assustou ao me ver, mesmo estando
diante de mim há um tempo.

Eu estava ali, a um passo de ser sua rocha, determinada a


curar suas dores. Nada, entretanto, me preparou para o que veio a
seguir.

— Minha mãe sofreu um AVC.


Meu corpo pareceu inerte quando a água gelada tocou meu
rosto. Não senti frio, nem mesmo ao escorrer da água por minha
camisa. A única coisa que senti, em meio ao turbilhão que se
passava em minha cabeça, foi o toque gentil de Penélope.

Ainda não acreditava que minha mãe tinha tido um infarto


logo antes do jogo. Um dos médicos da seleção, juntamente com o
técnico, me informou que ela foi encontrada na arquibancada e que
logo foi atendida, minimizando os danos que poderia ter sofrido. Me
garantiram que estava bem e, conhecendo Dona Denise, sabia que
ela preferia que eu jogasse, porque a vida dela foi em função de
realizar meu sonho de ser jogador de futebol.

Entrei em campo, por ela mais do que por mim, disposto a


passar por aquilo o mais rápido possível para vê-la. Só que eu não
conseguia simplesmente desligar a parte do meu corpo que estava
preocupada. Meu rendimento em campo foi uma merda, estava
preocupado pra caramba e, para completar, ainda acabei fazendo
uma falta desnecessária e ao mesmo tempo perigosa em Erza
Wood.

Eu estava me sentindo um lixo. Sabia o problema que era


uma contusão e ainda assim poderia ter causado uma no cara que
estava concorrendo comigo ao prêmio da Bola de Ouro. Eu não
gostava dele, mas não era um filho de uma puta desleal, ou pelo
menos não era até saber do AVC.
Enquanto a confusão rolava em campo, só pensava em duas
coisas. Em como eu era um idiota estúpido por ter machucado Erza
e em como minha mãe me acharia um idiota estúpido por ter jogado
como um cavalo batizado quando o que eu deveria ter feito era dar
o meu máximo para orgulhá-la.

Meio anestesiado, saí do estádio direto para o hospital e a


primeira coisa que Dona Denise disse quando eu entrei em seu
quarto e a vi deitada em uma cama foi:

— Essa foi sua pior partida. Pior até mesmo do que aquela
em que você perdeu o pênalti.

E então ela riu e eu me desabei em lágrimas. Eu amava


aquela mulher que havia me dado não só a luz, mas a chance de
seguir meus sonhos.

— Você está melhor? — a voz doce e calma de Penélope


chamou minha atenção, me desligando dos pensamentos que não
queriam sair da minha cabeça.

Olhei ao redor, confuso, e só então percebi que ela havia


lavado meu rosto e que estava enxugando meu pescoço.

— Penélope… — murmurei sem forças, mergulhando no


verde de seus olhos. — Que saudades de você.

Envolvi seu tronco com meus braços em um abraço molhado


e desajeitado e ela afagou meus cabelos em um gesto tão similar ao
que minha mãe fez quando havia estado em meu quarto.
— Sua mãe está bem? — questionou.

— Está melhor do que imaginei. Brigou comigo porque eu


joguei mal — comentei, tocando a ponta do meu nariz, após me
afastar dela.

Penélope desfez a cara preocupada e riu pela primeira vez.


Admirei seu rosto por um tempo, me perdendo nas pequenas sardas
que tinha nas maçãs do rosto. Ela era linda, como uma tela pintada
por um artista, onde as pinceladas foram executadas habilmente.

— E você, está bem? — Penélope fez a pergunta depois de


tirar minha camisa úmida, jogando-a em um canto do banheiro. —
Vou pegar uma camisa nova para você.

Ela saiu do banheiro e alguns segundos depois retornou


segurando uma camisa preta de mangas curtas. Após me entregar a
peça de roupa, se sentou em cima da pia de mármore do banheiro e
cruzou os braços sobre os seios.

— E então, você está bem? — perguntou mais uma vez.

— Já estive melhor — disse ao vestir a camisa, ela, porém,


não se convenceu de minha resposta então continuei. — Eu estou
abalado pelo que ocorreu.
Penélope assentiu e fez um gesto para eu me aproximar.
Quando cheguei perto dela, seus braços envolveram meu corpo em
um abraço.

— Eu estou aqui para o que você precisar — falou com uma


voz tão forte que tive a certeza de que ela aguentaria qualquer
coisa.
Não resisti ao seu gesto gentil e beijei sua boca sem pressa.
Penélope não recuou, pelo contrário, se deixou envolver por minha
atitude. Era tão fácil estar com ela. Era uma pessoa bondosa, um
pouco sincera demais, talvez, mas que eu acreditava que nunca
quis me machucar de verdade.

— Penélope. Eu preciso de você — falei a verdade que


ameaçava me deixar doido.

— Eu estou aqui — ela repetiu e passou as pernas pela


minha cintura ao tempo em que, com os braços, enlaçou meu
pescoço.

Ergui-a com facilidade da pia e a levei até o quarto, onde a


depositei, gentilmente, sobre a cama. Seria fácil me entregar a ela,
foder com vontade a mulher pelo qual meu peito batia acelerado.
Mas eu queria mais. Não queria só esse momento, não queria que
depois que fôssemos embora do Catar tudo mudasse.

— Eu quero saber se você ainda me odeia — sussurrei me


sentando na cama ao seu lado, evitando olhar as esmeraldas que
tanto me faziam sucumbir, com medo da resposta.
Penélope se remexeu sobre a cama, também se sentando.
Uma de suas sobrancelhas se ergueu e ela colocou uma das
mechas de seu cabelo castanho por trás da orelha.

— Eu…eu nunca te odiei de verdade — ela gaguejou, sem


jeito. — Quer dizer…você que me odiou, em primeiro lugar.
Foi inevitável não soltar uma gargalhada alta. Eu? Odiar
Penélope? Nunca na minha vida.

— De onde diabos você tirou essa ideia, Charmosa?


— Ué, você que terminou comigo, no mínimo não gostava de
mim. — Ela se defendeu, cruzando os braços.

Meu maxilar travou no mesmo instante. Era isso que ela


pensava? Será que não tinha percebido que o motivo não tinha
nada a ver com falta de amor? Talvez eu não tenha sido muito claro,
mas era óbvio que o culpado era outro. Um obstáculo que eu estava
disposto a derrubar. E tudo graças a minha mãe.

A ideia surgiu quando olhei Dona Denise debilitada sobre


aquela cama. Sabia que ela estava bem, mas vê-la ali, frágil
daquele jeito, mudou meu jeito de ver as coisas.

Eu precisava conversar com Penélope e senti que esse era o


momento certo de falar o que não saía da minha cabeça desde que
deixei o hospital.

Respirei fundo antes de dizer o que estava engasgado em


minha garganta.
— Eu pretendo voltar para o Brasil.
Pisquei os olhos diversas vezes, tentando entender o que
estava acontecendo. Um formigamento estranho percorreu meu
corpo e tive certeza de que minhas pernas só não falharam porque
eu já estava sentada. Será que eu também estava tendo um AVC?
Eu só tinha vinte e dois anos de idade!

Respirei fundo tentando me acalmar e também tentando ter a


certeza de que tinha escutado direito. Samuel queria voltar ao Brasil
depois de quase meia década na Europa. A informação me deixou
desnorteada, pois jamais passou pela minha cabeça que ele voltaria
tão cedo.

Eu teria que conviver com meu ex, quem eu queria odiar, mas
que na verdade eu estava apaixonada.

Samuel passou a mão pelos cabelos, bagunçando-os, e


estalou os dedos de um jeito meio nervoso. Eu não sabia em que
lugar ele queria chegar com essa conversa, por isso encarei seus
grandes olhos castanhos em busca de respostas. Como se
entendesse o que eu queria, ele começou a falar.

— Quatro anos atrás eu estava confuso. Apareceu um


contrato decente em outro país, enquanto no Brasil eu me sentia
estagnado profissionalmente. — Samuel gesticulou com a mão,
fazendo uma recapitulação que eu já conhecia. — Eu aceitei o
contrato, mas perdi você.
Ele me encarou, talvez querendo uma resposta minha
também, porém tudo o que saiu da minha boca foi uma idiotice.

— Perdeu o pênalti também.

— Você adora lembrar disso. — Samuel sorriu, uma pitada de


felicidade iluminou sua expressão séria.

Dei de ombros, feliz que ele não levou a sério minha


brincadeira. Seu rosto, entretanto, logo se fechou em uma carranca,
em um misto de raiva e dor.
— Eu nunca te odiei, Penélope, nem mesmo por um
segundo, nem quando você comemorou aquela bola fora.

Então ele sabia o tempo todo que eu estava naquele estádio,


morta de alegria por sua derrota? Minhas bochechas arderam de
vergonha, não de ter sido pega no flagra, mas de um dia ter tido
uma atitude daquelas.

— Eu…

— Você não precisa se defender, eu te entendo. — Samuel


tocou minha mão, o calor de sua pele perpassando meu corpo no
mesmo instante. — Sabe, eu poderia dizer que esses dias acabei
me apaixonando por você, mas a verdade é que eu nunca deixei de
te amar.

— Mas você terminou comigo — disse o óbvio.


Seu relato não fazia sentido na minha cabeça, parecia uma
conta matemática que eu não sabia calcular. E mesmo que não
fosse de exatas eu não era tão ruim em contas.
— Não porque não gostasse de você.

— E por que então?

— Não queria reacender memórias ao continuar em um


relacionamento a distância.

Um nó se formou em minha garganta, não estava


entendendo sobre o que estava falando.

— Como assim? — questionei, confusa.

— Sua mãe me contou sobre seu pai. Terminei com você


porque você tinha pavor à ideia de um relacionamento à distância.

Me afastei de Samuel no mesmo instante, me levantando de


sua cama e indo em direção à saída. As mãos tremendo tanto que
tive dificuldade em segurar a maçaneta.

— Penélope…— sua súplica veio seguida de um aperto em


meu braço. — Espere.

Me virei para ele, as lágrimas escorrendo em minha face


mesmo que eu quisesse impedi-las. Samuel tocou meu rosto com
tanta delicadeza que fechei os olhos tentando esquecer tudo que
queria vir à tona.

— O que você sabe? — perguntei, sem coragem de encará-


lo.
— Tudo. Você lembra, né? Meu contrato tinha saído em todas
as mídias, redes sociais, jornais impressos, televisão. Eu ainda
estava processando tudo que aconteceu quando sua mãe me ligou.
Achei estranho quando ela entrou em contato, mas fui ao encontro
dela. Dona Saleti então falou que um relacionamento à distância
não era uma opção com você e disse sobre o abandono do seu pai,
em como ele havia usado do termo para se afastar de você. Um dia
ele estava ali presente, no outro viajou a trabalho e prometeu que
iam se comunicar por celular, que ele iria voltar para casa para te
visitar, mas nada disso aconteceu. Ele sumiu do mapa. — Samuel
suspirou, fechando os olhos logo em seguida. — Então lembrei da
conversa que tivemos naquela noite sobre a grama molhada,
durante o piquenique, enquanto olhávamos as estrelas. Lembra que
estávamos jogando verdade ou desafio? Durante uma pergunta
sobre o que não aceitaríamos no nosso namoro eu falei sobre
traição, já você falou sobre namoro à distância. Eu deveria ter
percebido naquela época, mas não passou pela minha cabeça que
eu pudesse sair do país. Eu fiz então a única coisa em meu alcance
para não te magoar do pior jeito possível. Eu terminei com você,
mas imaginei que você sabia o motivo.

— Mas você disse que estava terminando por


incompatibilidade de pensamentos. — Apontei o dedo na sua cara,
inconformada.

— Diabos, mulher, como você não entendeu minhas


palavras? — ele jogou as mãos para o ar, desesperado. — Você
disse que não queria namorar à distância, eu assinei um contrato
para jogar em outro país. Pensei que estava óbvio demais. E não
quis falar sobre seu pai, sabia que não gostava de comentar sobre o
assunto.

Ele tinha razão. A verdade narrada de forma tão certeira


mexeu comigo. Minhas pernas falharam e me encolhi no chão,
abraçando meus joelhos de forma protetora, a cabeça baixa, como
se a armadura que eu tinha usado por tanto tempo quisesse voltar
para me proteger.

Meu pai tinha abandonado nossa família quando eu tinha


treze anos e, mesmo que naquela época fosse difícil manter contato
à distância, eu acreditei em suas palavras doces, em sua promessa
de que iríamos nos encontrar sempre. A vida, entretanto, me
mostrou que nenhum relacionamento sobrevivia ao distanciamento,
nem mesmo o de pai e filha.

Quando comecei a namorar Samuel eu sabia que tinha um


futuro promissor, ele era muito bom no que fazia, mas sempre
pensei que ele passaria a vida inteira no Brasil. A história de um
jogador que abandona a pobreza e consegue viajar o mundo
parecia distante demais para nossa realidade. Ele não precisou me
contar sobre sua viagem, porque, como disse, saiu em todo canto,
da internet a cartazes espalhados pela cidade.

Fiquei arrasada, esperando sua resposta, sua justificativa de


que aquilo não era verdade e de que ele ia continuar no país. Porém
a resposta veio em forma de término.

Naquele tempo eu estava zangada demais para ver a


verdade em seus olhos, em sua súplica silenciosa. Eu acreditei que,
assim como meu pai, ele me odiava e que não queria mais ficar
perto de mim.
— Eu... eu pensei que não gostasse de mim — falei tão fraca,
diante das lembranças terríveis do que acontecera.

— Claro que eu gostava. — Ele se ajoelhou ao meu lado. —


Eu te dei o pingente no dia que terminamos. O pingente é a prova.

Levantei o rosto em sua direção e ele apontou para meu


pescoço, eufórico.
— Como um pingente com o número da sua camisa e a cor
da seleção é a prova de seu amor?

— Você viu de forma errada. — Samuel balançou a cabeça,


quase puxando os cabelos de forma agitada. — É o número da
minha camisa, mas é a cor dos seus olhos. Nunca foi sobre futebol.
Não percebeu? Sempre foi sobre você.
Samuel se levantou e me puxou junto. Saiu correndo, indo
em direção ao guarda-roupa, onde passou um tempo vasculhando a
mala semiaberta e bagunçada. Depois de alguns segundos,
espalhando diversas coisas pelo chão, ele voltou com a chave do
carro e jogou na minha direção. Um pingente igual ao meu servia de
chaveiro. Olhei o pingente como nunca tinha olhado antes, com
outra perspectiva e, mesmo em meio às lágrimas que em algum
momento retornaram, um sorriso se abriu em minha boca.

Ele me amava. Sempre amou, mesmo quando foi embora e


eu, tola, não percebi seus sinais.
— Eu...— comecei, incerta do que precisava ser dito, mas
não precisei dizer nada, já que Samuel me abraçou com força.

— Não diga nada. Você não precisa dizer nada. — Ele tocou
meu rosto, em um gesto suave. — Penélope, olhe para mim.
Seu pedido, embora parecesse uma ordem, veio de uma
forma suave, como havia sido nos últimos tempos, me lembrando o
homem doce que ele era quando estávamos juntos.
— Eu coloquei a sua felicidade acima da minha — falou, me
encarando com seus orbes escuros. — E não pense errado, eu faria
tudo novamente. Mesmo que você tenha ficado com raiva de mim.
Eu sei que você tem uma ideia diferente sobre relacionamento a
distância e esse obstáculo não teremos já que estou prestes a voltar
para o Brasil. Então eu quero saber, tem a chance de a gente
continuar de onde parou?

Meu próprio pai havia feito aquilo comigo. Imposto um medo


que não era para existir, feito uma promessa e me deixado de canto
na primeira oportunidade. Era difícil acreditar que outra pessoa não
faria o mesmo, principalmente um homem. Por que então meu
coração dizia para confiar em Samuel? Seria a seriedade em seu
olhar ou a firmeza de suas palavras? Mesmo não sabendo o motivo,
me deixei levar, iria mais uma vez acreditar nele.

Não sabia como seria dali para frente, mas havia decidido
uma coisa. Resolvi mergulhar de cabeça nas suas declarações, iria
entregar meu futuro a Samuel, porque meu coração, eu já tinha
entregue.
Nem acreditei quando Penélope disse “SIM”. Como um
atacante, eu tinha ido com tudo, usado todas as minhas táticas.
Penélope, entretanto, se mostrou abalada com a história do pai e,
claro, tinha toda a razão.

Eu vinha de uma família humilde, mas que nunca faltara


amor. Era filho único e meus pais, principalmente minha mãe,
haviam feito de tudo para que eu tivesse sempre o melhor. Eu devia
muito a eles e não conseguia nem pensar na possibilidade de um
deles não estar presente na minha vida.
Quando comecei a namorar Penélope, eu sabia da ausência
de seu pai, mas não sabia os fatos e nem motivações de seu
sumiço. Não perguntei nada, não era da minha conta entrar em
assuntos nos quais ela não estava disposta a falar, por isso, quando
sua mãe me contou a história eu fiquei chocado.

Penélope era tão forte, que jamais imaginei que carregasse


uma ferida como aquela. Ter que deixá-la foi uma das piores
decisões que já tomei, mas sabia que estava fazendo o certo.

Com o tempo aceitei sua raiva, seu rancor sobre mim.


Mesmo que tenha doído vê-la comemorando o pênalti que errei, eu
sabia que a culpa era minha e que ela era apenas uma vítima de um
abandono paterno, como tantos outros brasileiros.

Olhei para Penélope, o rosto sereno mal parecia o mesmo


que estava aos prantos minutos atrás. Eu estava disposto a largar
as coisas na Europa e voltar para o Brasil. Não era uma decisão
fácil, meu país de origem era visto como o lugar onde os jogadores
iam para se aposentar. Ninguém, em sã consciência, jogava no
auge nas terras brasileiras. Diego, por exemplo, era um dos poucos
jogadores que ainda continuava a atuar no país de origem, jogava
no Flamengo. Ele já havia jogado por algum tempo na Europa, mas
preferiu voltar ao país de origem para ficar perto da mãe. Eu o
entendia, estaria abdicando do provável sucesso profissional em
troca de calmaria. Viver ao lado dos meus pais e Penélope seria o
melhor para mim.

— E agora, o que vamos fazer? — Penélope perguntou,


quando fiquei calado tempo demais, refletindo.

— Vamos ter um encontro, claro — falei finalmente sorrindo,


sentindo um peso enorme saindo das costas.

— O que você tem em mente? — ela foi até minha cama e se


sentou sobre o colchão, passando a mão pelos cabelos castanhos.

— Um jogo de futebol, é claro.

— Uau, é esse o encontro que você quer ter depois de quatro


anos? — questionou, fazendo um biquinho.

Me segurei para não avançar sobre ela e morder aquele lábio


gostoso que eu tanto senti falta.
— Bem, eu meio que estou de castigo. Devido à minha
expulsão, vou ficar dois jogos sem jogar. O técnico não chamou
minha atenção por conta da situação da minha mãe, mas eu prometi
que iria me focar tanto nos treinos quanto nas análises de jogos.
Ficar sem jogar pela seleção me deixou irado. Minha vida era
jogar e eu queria o hexa como os mais de duzentos milhões de
brasileiros, porém, nesse momento, minha cabeça estava focada
em minha família e em Penélope. Voltar para o Brasil já era uma
decisão difícil, eu tinha ao menos que fazer meu máximo para sair
do Catar vitorioso.

Penélope tocou o queixo, pensando na minha proposta e


então concordou balançando a cabeça positivamente.

— Não é como se já não tivéssemos feito isso antes.

Ela tinha razão. Na Copa passada, ela mais do que ninguém,


havia assistido a todos os jogos do Brasil comigo. Eu adorava
nossos encontros, em um sofá macio de dois lugares, comentando
sobre as jogadas e vez ou outra xingando o juiz. Curiosamente, ela
fazia aquilo mais do que eu.

Penélope havia começado a amar futebol e eu me sentia à


vontade de assistir com ela. Comíamos pipoca ou outro petisco e às
vezes, no intervalo ou até mesmo quando o jogo estava meio
apagado, aproveitávamos o sofá para trocar carícias para lá de
quentes.

Eu vivia em um quartinho, em um anexo que meus pais, com


muito custo, fizeram no fundo de casa. Penélope não se importava
que minha situação financeira não fosse das melhores, ela
acreditava no meu potencial, talvez só não a ponto de imaginar que
eu iria sair do país.
— Eu sinto muito. Mas seria complicado fazer outra coisa,
com os paparazzis e tudo mais. Também vale lembrar que esse país
tem regras rígidas, então você certamente teria algum problema em
ser vista comigo.

— Você tem razão — ela concordou. — Podemos nos


encontrar no meu quarto, tenho acesso livre ao cardápio.
Ela piscou um dos olhos e eu levantei a sobrancelha, curioso.
Penélope então contou que sua cliente tinha liberado tudo aos
funcionários.

O acordo estava feito, não era o que eu queria de fato. Minha


vontade era segurar sua mão enquanto ia aos pontos turísticos.
Beijá-la em um passeio de barco observando o pôr do sol. As
condições, entretanto, não permitiam tal cenário e me contentei por
tê-la ao menos dessa forma.
Penélope deixou meu quarto depois de um tempo. Ambos
estávamos desgastados com tudo o que tinha acontecido e
decidimos nos encontrar no próximo jogo do Brasil, já que eu tinha
que treinar e ela consertar o vestido de noiva.

Os dias seguintes foram puxados. Me esforcei a ponto de


sentir uma dor no joelho operado e tive que acabar maneirando um
pouco. Usei a banheira de gelo mais vezes do que pretendia, mas
toda vez que meu corpo entrava em contato com o frio uma imagem
vinha em minha mente: Penélope invadindo a sala e me vendo nu.

Era inevitável o riso se formar em meu rosto


instantaneamente e a dor, que insistia em ocupar minha cabeça,
dava lugar ao desejo de encontrar Penélope mais uma vez.

Após os treinos, visitas ao hospital, onde minha mãe já


estava bem recuperada, e algumas entrevistas, fiquei feliz ao notar
que só faltavam alguns minutos para o encontro esperado. Segui a
passos nervosos até o quarto de Penélope, com uma camisa minha,
autografada na mão, pronta para entregá-la.

Penélope abriu a porta após eu bater duas vezes e esboçou


um sorriso enorme quando dei o manto da seleção para ela, que
não fez cerimônia nenhuma em se trocar ali na minha frente,
fazendo meu pau criar vida.

Quando nos deitamos na cama, beijei sua boca com vontade,


mergulhando minha língua no meio da sua em uma dança erótica e
irresistível. Ela gemeu, friccionando as pernas entre si e eu soube
que ela, com o gesto, já estava com tanto tesão quanto eu. O hino
nacional, entretanto, atraiu nossa atenção e acabamos sorrindo em
meio ao nosso fogo.

Com as costas em meu tronco, aconchegada a mim, vimos o


Brasil vencer mais um jogo e se classificando para as oitavas de
final, que infelizmente eu não iria participar. Restaria apenas torcer
para que a equipe conseguisse outra vitória para seguir viva na
competição e por mais que eu fosse a “esperança do hexa'', todos
os jogadores do Brasil estavam com sede de vitória e jogando o
máximo de si, então estava confiante.
Penélope acabou pedindo um champanhe para
comemorarmos, mas eu recusei a bebida, uma vez que o treinador
era contra o uso de bebida alcoólica durante os torneios. Me deliciei
vendo-a sorver o líquido espumante. Como um simples gesto
poderia me deixar tão louco? Engoli o nó que se formou em minha
garganta e me despedi antes que ficasse tarde demais, já que no
outro dia acordaria cedo para treinar e participar de uma coletiva de
imprensa.
Os dias pareciam correr com a chegada dos jogos
eliminatórios. Cada partida era um mata-mata e quem perdia estava
fora da Copa. Não foi segredo quando times como Inglaterra,
Espanha e França também se classificaram para as oitavas e cada
vez mais as partidas ficavam difíceis.

Quando o dia do jogo do Brasil chegou, lá estava eu de novo


ao lado de Penélope, torcendo ansioso por aquela vitória. O jogo
não foi fácil, Diego Ramalho ainda saiu desacordado após uma falta,
e a partida acabou em um empate sem gols no tempo regulamentar
e tanto eu quanto a Charmosa nos vimos com o coração à flor da
pele quando começou a prorrogação. Eu queria estar em campo,
correr, gritar, marcar um gol, mas eu tinha sido um escroto por ter
feito a falta que fiz em Erza, então a culpa era única e
exclusivamente minha.
O marcador dos minutos se aproximava cada vez mais do fim
da prorrogação quando, através de um gol de falta, o Brasil abriu o
placar. Dei um pulo enorme seguido de um grito de “GOLLL”!
Penélope bateu em meu braço, chamando a atenção para o
barulho, mas acabou rindo da minha euforia contagiante. O Brasil ia
para as quartas de final e eu ia jogar a porra desse jogo.

Com o avanço para a próxima fase me obriguei a me dedicar


mais do que já estava fazendo. Os treinos se tornaram longos e
cansativos. O gelo da banheira de hidromassagem já parecia não
fazer efeito em algumas dores que apareciam em meu corpo. As
entrevistas e coletivas aconteciam em boa parte do dia e eu só
conseguia me afastar dos paparazzis quando chegava tarde da
noite no hotel.
Penélope estava se dedicando ao vestido, com a data de
casamento cada vez mais próxima. Assim, decidimos nos ver
apenas depois das quartas de finais.

Eu estava cansado, exausto fisicamente e mentalmente, ao


desabar sobre a cama do meu quarto um dia antes do jogo do
Brasil. Liguei a televisão de praxe e mais uma rodada estava
passando, Inglaterra jogava seu próprio mata-mata. Eu não estava a
fim, depois de tanto desgaste, de ainda analisar jogos dos possíveis
concorrentes da seleção brasileira, então pela primeira vez em
muito tempo, me deixei assistir a uma partida sem um olhar clínico,
apenas por diversão.
O clássico europeu pegou fogo desde o primeiro movimento
da bola. De um lado Inglaterra tinha Erza Wood, um dos melhores
jogadores do mundo, do outro a França tinha a melhor zaga da
Copa, com jogadores novos e bons de bola. Tudo se encaminhou
para mais uma partida sem gols, quando no canto da tela um
jogador caiu sozinho no gramado. O estádio entrou em um silêncio
mórbido ao notar o desespero dos companheiros do homem caído.
Me ajeitei sobre a cama aumentando o volume da televisão,
querendo saber o que estava acontecendo, até que o zoom da
câmera pegou o rosto do jogador caído.

Meus pelos arrepiaram no mesmo instante e um nó se


formou na minha garganta quando vi o atacante da Inglaterra no
chão. Erza Wood havia tido um mal súbito durante a partida.
Sara estava ansiosa! E Sara ansiosa era um perigo para a
sociedade. Um dia eu estava finalizando o vestido, consertando o
zíper, no outro estava dando conselhos sobre os vestidos das
madrinhas. Isso quando eu não estava ouvindo os muxoxos de
Ester que vez ou outra reclamava que toda hora a noiva queria
mudar de penteado. Até mesmo Láiza, a confeiteira, parecia prestes
a ter um ataque de nervos toda vez que Sara marcava uma
“reuniãozinha”.

Eu entendia. Ela queria tudo perfeito para o seu dia perfeito,


mas eu não tinha culpa se a estátua de gelo em formato de dois
cisnes que ela contratou estava derretendo em algum canto obscuro
daquele país.

A socialite tinha uma equipe enorme, assessoras e até


mesmo um jato à disposição, mas nada a deixava tranquila. Não
quando o passar dos dias avançava de uma forma surpreendente.

Tudo era para estar pleno, eu fiz um bom trabalho com o


vestido, deixando-o pronto com uns dias de folga, aproveitei de
todas as formas possíveis o passe livre que tinha no hotel e só para
finalizar estava dormindo com o cara mais gato do Catar, que por
sinal era meu ex-namorado.
Mas, claro, as coisas não estavam perfeitas. Sara explorava
minha boa vontade e eu não reclamava, já que ela estava me
pagando bem, e acreditava que meu nome associado a ela iria me
levar ao nível de Coco Chanel ou Donatella Versace. Sim, eu estava
sonhando alto, mas eu tinha que confiar no meu potencial senão
ninguém mais acreditaria.
Outro problema foi que os encontros com Samuel passaram
a ser quase inexistentes devido à rotina exaustiva que estávamos
tendo.

Tudo piorou, entretanto, quando Sara marcou uma reunião de


última hora justo no horário do jogo do Brasil. Eu imaginava que era
muito difícil fazer um casamento em outro país, deveria ter uma
logística absurda e muito dinheiro envolvido por trás do evento, mas
mexer com a paixão nacional de modo tão leviano, deixou os
funcionários descontentes.
Enquanto ela andava de um lado para o outro falando pelos
cotovelos, eu assistia algumas pessoas usarem o celular escondido
para acompanhar o jogo. Eu fingia que estava tudo bem, mas cada
vez que eu ouvia o nome de Samuel sendo proferido meu coração
batia mais forte no peito e uma sensação de frio se instalava em
meu estômago.

Depois de uma hora, a reunião ainda estava firme e forte e


até um intervalo foi necessário, quando nada, repito, NADA, me
preparou para dar de cara com a pessoa que eu jamais esperei ver.

Pedro Mendes estava de braços cruzados usando um terno


de linho elegante. Os cabelos castanhos, impecavelmente
penteados com um pouco de gel, e os sapatos de couro lustrado
faziam-no parecer um homem sério e não um matemático que dava
aulas na universidade.

— Pedro?! — minha voz saiu mais alta do que pretendia,


chamando a atenção de um grupo de pessoas mais próximas. — O
que você está fazendo aqui?

Meu irmão descruzou os braços e veio em minha direção


com um sorriso no rosto.

— Penélope, estava te procurando. É bom achar um rosto


conhecido. — Ele me puxou em um abraço, como se não fosse um
rolê aleatório ele está no Catar.

— Não estou entendendo. O que você está fazendo aqui? —


repeti, confusa, diante do homem dez anos mais velho do que eu.

— Ué, eu e Camila somos padrinhos do casamento.

— E você não pensou em me avisar quando eu disse que


vinha para o Catar? — questionei, furiosa.

Não acreditava que meu irmão tinha simplesmente deixado


essa informação de fora.

— Eu pensei que era óbvio, já que Camila é a prima favorita


da Sara. Esqueceu que fomos nós que apresentamos Sara a você?
Pelo visto, subestimei sua inteligência.

Revirei os olhos, zangada.

— Ah, um detalhe! — ele continuou. — Sara não conseguiu


encontrar uma vaga para mim no hotel, porque aparentemente
Camila esqueceu de confirmar minha presença, você sabe como ela
é desatenta. E eu não posso ficar no mesmo quarto dela porque
meus futuros sogros não aceitam isso antes do casamento. Então
eu disse que ficaria com você. Tudo bem, né?
Como minha vida tinha ido do paraíso para um universo onde
eu teria que dividir o quarto com meu irmão?

Toquei minha testa com a ponta dos dedos. Pedro continuou


prostrado na minha frente, esperando uma confirmação, como se eu
fosse dizer que não poderia se instalar comigo e o abandonasse em
um país estrangeiro.
— Você pode ficar comigo, mas eu tenho prioridade na hora
de usar o banheiro — comentei a contragosto. — Agora eu preciso
prestar atenção na reunião que já vai recomeçar.

Meu irmão fez um sinal de “ok” e saiu perambulando pelo


auditório até chegar em Sara. Eles conservaram durante um tempo,
parecendo mais íntimos do que eu imaginei que fossem. Realmente
fui estúpida em não perceber que meu irmão seria um dos
convidados. Eu não tinha ideia de quem eram os amigos de Pedro,
ele era velho demais para sairmos juntos, nossas ideias de mundo
eram muito diferentes, então eu não sabia que amigos faziam parte
de sua vida social e para ser justa, eu também não conhecia
Camila, a namorada de Pedro, tão bem assim.

Meu irmão voltou para pegar a chave do quarto comigo e


sumiu logo após a reunião continuar. Eu passei um bom tempo
fingindo que prestava atenção às inúmeras exigências de Sara,
porém o que se passava na minha cabeça era como eu iria me
encontrar com Samuel tendo meu irmão de colega de quarto.
Curiosamente, foi só pensar em Samuel que os gritos de
“Gol” surgiram de vários cantos da sala e foi a gota d'água para o
caos se instalar.

Sara quase desmaiou quando viu que muita gente estava


mais interessada no jogo do que em seus chiliques, alguns
funcionários batiam palmas ao mesmo tempo em que pulavam de
suas cadeiras e teve até mesmo um que gritou que estava rico
porque ia ganhar um bolão.

O Brasil venceu mais um jogo e estava nas semifinais! A


euforia das pessoas com o resultado era nítida e até mesmo os
gritos de Sara não eram capazes de diminuir a comemoração de
todos.

Senti o riso brotando em meus lábios, feliz com o resultado e


por saber que Samuel estava fazendo um bom trabalho. Seu nome
estava na boca do povo, ele que havia feito o gol e se antes ainda
tinha alguém com dúvida de seu talento, agora todos se rendiam
aos seus pés.

A reunião acabou aos trancos e barrancos e, quando


finalmente consegui chegar ao quarto, me deparei com Pedro
acomodado sobre a cama, assistindo à coletiva de imprensa pós
jogo. Por um momento tinha até me esquecido da existência do meu
irmão.

— Finalmente você chegou! Tem algum shampoo para me


emprestar? Acabei esquecendo o meu no Brasil.

— Tem um de embalagem azul no banheiro — comentei


desabando sobre a cama, ao seu lado.
— Esse cara não é seu ex-namorado? — apontou para a
televisão, onde vi Samuel sendo entrevistado.

Assenti com a cabeça, incapaz de decidir se deveria contar


ao Pedro que estávamos juntos novamente. Meu irmão não era do
tipo ciumento, ainda assim tinha um certo desprezo pelo homem
que havia me dado um fora anos atrás.

— Aumenta o volume. — Pedi, me ajeitando sobre a cama.


Samuel estava ao lado de alguns outros jogadores e do
treinador. Seus cabelos, molhados de suor, estavam bagunçados,
grudados no casco da cabeça de forma engraçada. O fôlego ainda
estava curto devido ao desgaste em campo e ele respondia uma
pergunta sobre o adversário.

— Por falar em adversário, o que você tem a dizer sobre o


incidente que ocorreu com Erza Wood? — um dos repórteres
perguntou.
— Não tenho muito o que falar. Lógico que fiquei preocupado,
afinal, ele é meu companheiro de time no Liverpool. Estou torcendo
por sua recuperação, foi um milagre ele não ter morrido em campo e
isso faz a gente ver as coisas de outra forma. — A seriedade em
seus olhos castanhos só faltou atravessar a tela da televisão.

Samuel era muito expressivo, brincalhão, divertido e com


uma língua afiada, mas quando ficava sério se transformava em
outra pessoa.
— Quais seus planos para o futuro? — uma entrevistadora
questionou. — É verdade que você vai para o PSG da França na
próxima temporada?
— A oferta milionária está sendo cotada como a maior oferta
do mercado, é por isso que você vai deixar o Liverpool? — outro
repórter perguntou.
— Você já tem casa em Paris? Sabe falar francês? — mais
uma pergunta surgiu.

Minha garganta se fechou no mesmo instante. Que história


era essa de morar em Paris? Samuel disse que iria jogar no Brasil,
então certamente as informações que a mídia tinha eram falsas.
Abri um sorriso bobo, eles estavam desinformados, mal sabiam que
o herói da seleção voltaria para casa. Só que meu sorriso se desfez,
isso porque Samuel não estava rindo, como eu, pelo contrário, ele
tinha o rosto fechado em uma expressão que não gostei nada de
ver. A expressão de quem tinha sido pego no flagra.
— Eu ainda estou pensando sobre o acordo com o PSG, mas
em breve vocês saberão mais sobre para qual time irei —
respondeu de forma curta, sem negar o envolvimento com o clube
francês.

— Uma fonte confiável disse que você já chegou a assinar o


contrato e...

Peguei o controle da televisão e desliguei o aparelho antes


que ouvisse mais coisas que não gostaria. Uma sensação esquisita
perpassou meu corpo. Algo não estava certo. Ele não tinha negado
os rumores. O que isso queria dizer? Que realmente tinha chances
de ele não voltar ao Brasil? Como anteriormente, o contrato já
estaria assinado antes mesmo de ele falar comigo?
— Ei, o que aconteceu? — Pedro perguntou e só então
percebi que estava tremendo.

Minha respiração falhou por um instante e uma dor que a


muito tempo não sentia surgiu em meu peito. Era uma sensação
conhecida, a sensação de abandono, de perda de controle, de fundo
do poço.

Não acreditava que tinha caído no papo furado de Samuel.


Estava acontecendo de novo. Ele iria embora mais uma vez e eu,
como sempre, seria esquecida.
Eu odiava a mídia mais do que tudo. Não sei quem tinha
vazado sobre o contrato que o PSG havia me oferecido, mas eu
estava furioso. Nem mesmo a vitória do Brasil foi capaz de
apaziguar meu ânimo depois da coletiva de imprensa.

A quase morte de Erza mostrou mais uma vez que a vida


podia mudar em um piscar de olhos. Primeiro minha mãe havia tido
um derrame, depois meu colega quase tinha morrido, e esses
acontecimentos pareciam ser um sinal de que eu precisava pensar
muito bem antes de agir.
O golpe em minha mãe tinha mostrado o quanto era
importante estar perto de quem amava. O susto ocorrido em Erza
trouxe em mim uma sensação de que eu não podia deixar os meus
desejos de lado, já que a vida poderia ser mais breve do que
esperado. Eu realmente queria voltar para o Brasil? Não precisei
pensar muito para saber que a resposta era um grande NÃO. Em
um momento de fraqueza havia sido precipitado e mais uma vez
colocado a felicidade dos outros acima da minha. Mas de uma coisa
tinha certeza: não queria perder aqueles que faziam da minha vida
mais feliz. Eu já havia perdido Penélope uma vez e certamente não
estava pronto para repetir o processo. Uma ideia, mais uma vez,
surgiu em minha cabeça. E se, de alguma forma, eu pudesse ter
tudo o que eu queria?

Acelerei o SUV preto que dirigia tentando chegar o mais


rápido possível no hotel. Precisava falar com Penélope logo,
explicar qual era meu plano e ver se ela aceitaria minha ideia.

Estacionei meu automóvel em uma vaga qualquer e estava


tão apressado que nem deixei as chaves do carro para o
manobrista. Corri até o elevador que agora carregava lembranças
que me fizeram abrir um sorriso. Atravessei o corredor quase
correndo, sentindo meu próprio coração batendo acelerado no peito,
nervoso por precisar ter essa conversa com a Charmosa.

Bati na porta várias vezes, quem atendeu, entretanto, foi um


homem usando apenas um short flanelado. Me perguntei se estava
diante do quarto certo, então vi o rosto do homem e quase dei um
grito de susto. O que o irmão de Penélope estava fazendo aqui?

— Samuel? — ele perguntou tão surpreso quanto eu.

Fiquei parado do lado de fora do quarto, estático, sem saber


como agir com Pedro diante de mim. Um som chamou minha
intenção e reparei em um corpo pequenininho curvado sobre a
cama, em posição de feto. Empurrei a porta com violência correndo
em direção à Penélope, que tinha os olhos meio fora de foco.

— Penélope. O que foi que houve? — olhei-a de cima a


baixo, com medo de que estivesse machucada. Ela, porém, recuou
ao meu toque, como se o que a estivesse machucando fosse eu. —
Qual o problema?
Penélope puxou o braço de uma vez, se afastando de mim.
Seu rosto carregava uma fúria que eu não via há tempos, o que me
alarmou.
— O problema? Você é o problema, Samuel. — Ela cuspiu
meu nome com desprezo. — Morar em Paris, esse é seu novo
plano?

Então ela tinha visto a entrevista. Era compreensível que


estivesse furiosa, mas logo ela iria perceber que Paris era uma
opção melhor que o Brasil.

— Sim, eu quero morar em Paris. — Disse a verdade, o que


pareceu enfurece-la mais ainda — É um bom plano e acho que você
vai gostar.

Penélope riu, um riso carregado de qualquer outra coisa,


menos alegria. Seus olhos se estreitaram na minha direção,
marcados pela mesma crueldade de quando tinha torcido para eu
perder o pênalti.
— E eu acho melhor você ir se ferrar — ela proferiu, se
levantando da cama e indo até a porta, abrindo-a para mim.

Pedro olhou de um lado para outro, confuso com o que


estava acontecendo e não era o único chocado com o desdobrar da
situação.

— Você está de brincadeira, né? — questionei, passando a


mão pelos cabelos. — Não vai ao menos escutar o que tenho a
dizer?

Penélope não podia estar falando sério. Ela estava mesmo


brigando comigo só por conta daquela entrevista estúpida? Os
repórteres foram abutres, eu mesmo tinha sido pego de surpresa
por eles terem tantas informações sobre meu futuro, mas tudo
aconteceu muito rápido, eu mal tinha me decidido sobre onde
realmente queria jogar quando a coletiva se iniciou. Sabia que devia
ter falado com Penélope primeiro, mas não tive tempo.

— Não estou brincando nem um pouco, seu cretino. Você fez


juras de amor, para agora ir embora mais uma vez. Que nem meu
pai. Você é podre, na verdade é pior que ele, porque ele só quebrou
meu coração uma vez — ela gritou, apontando o dedo para mim, as
lágrimas escorrendo pelo seu rosto.

Cerrei minha mandíbula diante de seu veneno gratuito. De


que forma era justo que ela me ferisse daquele jeito? Me comparar
com o pai, que era um lixo de ser humano, era uma atitude que
jamais esperei dela.

— Você não está sendo justa.

— Não venha falar de justiça quando a única coisa que fez foi
me usar desde que nos conhecemos.
Cerrei o punho. Não esperava a agressividade com a qual
estava me tratando. Ela foi longe demais com suas palavras sem
fundamento. Eu não era nenhum santo, mas também não iria
assumir uma culpa que não era minha, quando tudo o que tinha feito
foi por ela.

Tentei me aproximar, fazê-la ouvir o que tinha a dizer.


Penélope, entretanto, se esquivou de mim, as esmeraldas que
formavam seus olhos estavam tão furiosas que eu recuei.
Essa não era a Penélope que eu conhecia. A mulher doce e
amável por quem me apaixonei. Não, essa era a Penélope
vingativa, a mulher que gostava de revanche e de me ver sofrer. Eu
queria dizer que ela tinha entendido errado e que íamos resolver
tudo, ela, entretanto, não me deu abertura. Recuou à minha
aproximação e me encarou como se eu fosse um lixo.
Não poderia me escutar? Eu teria que pisar em ovos para
sempre ao seu lado?

— Parabéns, Penélope, você conseguiu o que queria, ser


uma pessoa que usa de desculpas porque tem medo de confiar nas
pessoas. Eu pelo menos estou correndo atrás de fazer o que acho
certo, e você? O que está fazendo? Eu realmente sinto muito que o
fodido do seu pai te deixou, mas eu não sou ele e nos comparar é
de uma baixaria que eu não esperava de você.

— E o que esperava de mim? Que me rastejasse aos seus


pés, só porque você virou famoso? Me poupe Samuel. Você é tão
cretino quanto ele, cheio de promessas vazias e tão egoísta quanto.

Suas palavras me feriram de um modo que não imaginei. Eu


aceitaria ser chamado de diversas coisas, mas egoísta não era uma
delas. Se terminei com Penélope anos atrás foi porque pensei nela
antes de mim, não o contrário.

Eu estava cansado. Cansado de ser o único a ter que


resolver os problemas. Cansado de lutar por alguém que não
mudava. E, principalmente, cansado de sempre ser visto como o
vilão, algo que não era.
— Chega, Penélope. Dessa vez acabou e só para deixar
claro, diferente da última vez, eu estou pensando primeiramente em
mim.

Peguei a chave do carro de dentro do bolso do short e tirei o


chaveiro que por tanto tempo carreguei. Depositei-o sobre a cama,
tentando não encarar o tom verde que sempre me lembrava dela.

Era mais um presente que dava a Penélope após um término,


só que dessa vez, seria o último. Virei as costas e fui embora sem
olhar para trás. Estava com a consciência limpa, certo de que tinha
feito tudo o que estava ao meu alcance.

Saí com a dignidade intacta, mas o coração despedaçado.


Cinco dias depois da minha discussão com Samuel, acordei
com uma olheira terrível e um gosto amargo na boca. Eu parecia
sair da pior ressaca da minha vida, o problema era que eu nem tinha
bebido!

— Já se arrependeu do que fez?


Tomei um susto ao notar meu irmão acordado me olhando
com cara de poucos amigos. Ainda não tinha me acostumado com
sua presença e menos ainda com seu questionamento diário sobre
meu arrependimento inexistente.

— Claro que não me arrependi. — Cruzei os braços sobre os


seios, na defensiva.
Tudo bem, talvez tenha exagerado um pouco, mas Samuel
merecia todo o meu ódio. Só de pensar nele sentia meu corpo
tremendo, a rejeição tão real como quando eu tinha treze anos.

Não queria comparar ele e o meu pai, mas era inevitável não
me sentir traída pelo homem que uma hora dizia que queria ir para o
Brasil e na outra estava fazendo planos para morar na França.
Toquei meu braço quase como se quisesse me proteger da
sensação de abandono. Meu irmão, entretanto, não pareceu notar
minha dor.

— Pois deveria se arrepender. Se o Brasil não for hexa hoje a


culpa vai ser sua — resmungou se levantando e esticando os
braços sobre a cabeça, espreguiçando-se. — Acredite, eu também
odeio o Samuel, mas você deu um "fatality" nele, nunca o vi tão
abatido.

Demorei um pouco a entender a referência a Mortal Kombat


que meu irmão fez e soltei um muxoxo alto com suas acusações.
Como se o Brasil fosse perder um jogo porque eu joguei a real no
meu ex-namorado, que no fim das contas só estava querendo uma
transa no meio do torneio. Como fui burra!

— Não se preocupe, ali era tudo fingimento. Samuel ama o


futebol mais do que tudo. Tenho certeza de que ele vai fazer
questão de dar o melhor de si.

Era tão verdade o que falei que o Brasil venceu com sobra
nas semifinais, passando para a final do campeonato que
aconteceria mais tarde.

Pedro não respondeu, mas seu semblante fechado me


indicou que ele não concordava comigo. Não dei atenção ao meu
irmão e fui direto ao banheiro me lavar e tirar a sensação de
ressaca. Abri a torneira e deixei a água escorrer, antes de lavar meu
rosto, entretanto, me olhei no espelho e tomei um susto com o vi. Eu
estava horrível! E não falo das olheiras ou cabelos bagunçados.
Meus olhos, acostumados a ser tão brilhantes, estavam opacos,
sem vida e meus lábios pareciam incapazes de sorrir novamente.
Minha briga realmente tinha valido a pena? Eu estava me sentindo
melhor por ter tirado Samuel da minha vida?

Lavei o rosto tentando fugir da resposta que me perseguia.


Não importava que meu peito acelerasse toda vez que o nome
Samuel fosse proferido, nem mesmo que eu sentisse tristeza
quando pensava nos bons momentos que tivemos juntos. Ele iria
para Paris e eu ficaria só. A história estava se repetindo e eu não
pretendia cair duas vezes no papo furado de que ele estava
pensando no meu bem-estar. Samuel foi claro, estava pensando
nele mesmo.

Após minha limpeza matinal, voltei minha atenção ao vestido


de noiva, tentando esquecer os últimos dias, só para ter a certeza
de que estava tudo certo com a peça.

Depois da catástrofe da última reunião, Sara havia desistido


de juntar os servidores em um só local e passou a combinar,
individualmente, um horário com cada pessoa. Ela estava tendo
dificuldade em achar alguém que se encontrasse com ela na hora
da final da Copa, por isso eu me ofereci para fazer a última prova do
vestido no horário que o povo brasileiro estivesse indo à loucura.

Conferi o vestido três vezes, fugindo dos olhares acusatórios


de Pedro, que insistiam em me analisar. Eu conhecia meu irmão e
sabia que queria falar alguma coisa, ele, entretanto, fingia
desinteresse.

— O que você quer? — perguntei sem paciência. Por cinco


dias ele estava com aquela cara de quem comeu e não gostou.

— Eu?! Nada — desconversou.


— Desembucha logo.

Pedro se aproximou com cautela, como se por um acaso eu


fosse capaz de mordê-lo.

— Talvez você não tenha sido justa com Samuel — disse,


arrastando uma cadeira e sentando-se ao meu lado. Seus olhos
claros me encararam com cautela.
— Não entendi. O que você quer dizer com isso?

— Eu não queria ter escutado a briga de vocês dois, mas


sabe como é, eu estava no meio da confusão. — Pedro suspirou e
então tocou minha mão com uma delicadeza que não esperava. —
Você tinha treze anos quando nosso pai foi embora e talvez fosse
muito nova para entender o que estava acontecendo.
— Entendi muito bem quando ele falou que ia embora, mas
que continuaria em contato com a gente — falei com a voz fraca,
tentando não pensar sobre o assunto.

— Querida, ele já estava longe da nossa vida há muito


tempo. Sempre pensando em trabalho, nunca tinha tempo livre para
gente. O distanciamento aconteceu mesmo antes de ele sair de
casa. E então um dia ele não estava mais lá. — Pedro tocou meu
rosto com a ponta do polegar. — Não foi a distância que rompeu
nosso laço familiar, não foram os quilômetros que atrapalharam a
relação do nosso pai conosco. Ele já era um pai ausente, desde
sempre.
— Quê?! Claro que não foi isso que aconteceu.

Ou tinha sido? Vasculhei na memória o momento exato em


que papai tinha saído de nossas vidas e, para minha surpresa,
Pedro tinha razão. Minha lembrança não passava de uma invenção
da minha cabeça? O marco para mim sempre havia sido o dia que
ele foi embora, mas, sendo sincera, eu nem lembrava a última vez
que ele tinha sido presente.

— Depois de tantos anos não imaginei que ainda se


magoasse com nosso pai.

— Como não me magoaria? — questionei furiosa, ainda


confusa com a descoberta.
Não entendia como Pedro conseguia deixar para lá o fato de
nosso pai ter sumido do mapa.

— Penélope, o que importa são nossas escolhas. Ele


escolheu ir embora, enquanto nossa mãe, por exemplo, escolheu
ficar e cuidar de nós. — Pedro me encarou por um tempo e só então
continuou. — Há quatro anos, Samuel não quis te magoar, mesmo
tendo te ferido no processo, e agora você preferiu magoar ele.
Quem está certo e quem está errado eu não sei, mas você percebe
em que ponto quero chegar?
Engoli o nó que se formou em minha garganta. Nunca tinha
pensado por essa perspectiva. Eu reclamei de Samuel, mas fiz igual
ou pior a ele, não permiti que ele se defendesse, não deixei nem
mesmo ele se justificar e tudo graças a uma memória falsa que meu
cérebro havia implantado na minha cabeça e um trauma causado
por um homem que tinha deixado a família para trás.

Não respondi Pedro, estava incapaz de raciocinar direito


depois de tanta informação. Eu não era melhor que ninguém e a
confirmação do fato fez com que me sentisse um lixo. Sempre foi
mais fácil culpar Samuel, me livrando do peso do motivo pelo qual
nosso relacionamento não tinha dado certo.

Pedro falou algo que não dei atenção e saiu do quarto, me


deixando com meus próprios pensamentos, mas não tive muito
tempo para refletir porque logo Sara chegou para a prova do
vestido.

Ela não estava tão abalada que nem da última vez que a
tinha visto. Na verdade, carregava um sorriso enorme nos lábios e
começou a conversar sobre o casamento, como se fôssemos
amigas íntimas.

Me deixei escutar de sua tagarelice enquanto ela vestia as


mangas do vestido, porém, quando fui fechar o zíper em suas
costas, congelei. A ação, tão parecida com a que Samuel havia feito
em mim, mexeu comigo.

Ele tinha sido tão gentil, tão carinhoso e eu, na fúria do


momento durante a discussão, fui tão agressiva. Suspirei fundo,
decepcionada com minha atitude.
— Está tudo bem com o vestido? — Sara perguntou vendo
que permaneci imóvel.

— Está tudo ótimo — comentei, finalmente fechando o zíper.


Ela olhou o próprio corpo, admirando o caimento do tecido e
lágrimas começaram a brotar de seus olhos.

— Está perfeito, Penélope. — Sara me engoliu entre seus


braços e chorou nos meus ombros, deixando um pouco de meleca
escorrer pela minha pele. — Ah, me desculpe, estou tão
emocionada que sujei você.
Ela fungou e puxou um lenço da bolsinha que carregava,
limpando meu ombro com delicadeza.

— Estou tão sensível esses dias — comentou. — Nem


acredito que vou me casar com o homem da minha vida.

Passou a mão pelo nariz que escorria, olhando mais uma vez
para o vestido em seu corpo. Um sorriso brotou em meio às
lágrimas e pude notar que ela brilhava. Sara estava deslumbrante,
mesmo com o nariz vermelho e cheio de catarro. Ela estava incrível
ainda que os olhos molhados estivessem pretos de rímel para todo
lado. Era uma noiva linda e que finalmente teria o dia que sempre
sonhou.
— Fico muito feliz que tenha gostado. — Fui sincera, grata
por poder participar desse momento especial. Era isso que eu
queria, não era vender roupas, era produzir sonhos.

— Espero que você encontre o homem da sua vida também


— Sara comentou, segurando minhas mãos entre as suas.
— Eu também espero — falei no automático e então a
verdade veio.

Tentei pensar em outro homem na minha vida, até mesmo em


um personagem dos meus livros favoritos, mas nenhum deles
parecia se encaixar comigo e não porque eles eram fictícios, mas
porque esse cargo já estava preenchido. Eu tinha um homem que,
como uma peça de quebra cabeças, completava o pedaço que
estava faltando.

Samuel.
Era somente ele que vinha à mente. O único que sempre me
fez ter um frio na barriga e um nervosismo diferente. Era ele,
sempre foi e sempre ia ser, mesmo que morasse do outro lado do
mundo, como fez por tantos anos. Só que dessa vez eu estava
disposta a não repetir meu erro, mesmo que tivesse que encarar
meus medos, porque Samuel valia a pena.

— Eu já achei, quer dizer, ele estava aqui o tempo todo —


respondi Sara, encarando-a com surpresa, a surpresa de quem
tinha descoberto uma mina de ouro. — Eu realmente sinto muito
Sara, mas tenho que ir.

Peguei minha bolsa de cima da cama e empurrei Sara, com


vestido de noiva e tudo mais, para fora do meu quarto. Passei a
chave com rapidez na fechadura e já tinha dado três passos quando
Sara perguntou.

— Ir para onde?

Nem me virei para responder, apenas gritei de onde estava.

— Tenho que invadir o jogo do Brasil.


O Brasil estava na final da Copa do Mundo! Estava na
maldita final da Copa do Mundo depois de vinte anos de espera. Os
jogadores não se aguentavam de tanta felicidade e, ainda assim,
algo dentro de mim parecia quebrado, incapaz de sentir a euforia
adequada.

Nem sei como consegui jogar a semifinal depois da


discussão com Penélope e eu só tinha a agradecer ao grupo que
era muito unido e cheio de jogadores excelentes. Diego, por
exemplo, haviam chamado a responsabilidade e feito uma excelente
partida.

Enquanto o ônibus ia para o estádio, para a tal sonhada final,


a algazarra rolou à solta, com direito à batuque de pandeiro e
cantoria generalizada. A festa, entretanto, era maior do lado de fora,
onde conseguíamos ver a torcida agitada, seguindo também para a
arena. O povo brasileiro tinha um calor diferente e eu sabia disso
porque no Liverpool a torcida era diferente. Embora os ingleses
fossem fanáticos, não tinham paixão pelos jogadores, considerando-
os como da própria família, como os brasileiros faziam.

Chegamos no estádio com o barulho ensurdecedor da


torcida, contida pelos seguranças. A cada jogador que deixava o
ônibus os gritos eufóricos aumentavam e, quando desci, fui invadido
por uma enxurrada de palavras de incentivo. Alguns cartazes
carregavam mensagem de melhoras para minha mãe. Outros diziam
que confiavam em mim e desejavam sucesso. Tudo aquilo, somado
ao meu estado emocional machucado, me fez ficar comovido a
ponto dos meus olhos arderem. Instintivamente toquei o bolso do
short, onde costumava guardar as chaves do carro e lembrei que o
chaveiro que habitualmente carregava já não estava lá.

Arranhei a garganta umas duas vezes antes de erguer a


cabeça e entrar na parte interna do estádio. Mesmo dentro do
vestiário, consegui escutar os gritos da torcida que aguardava
ansiosamente o jogo. Àquela altura, meus nervos já estavam à flor
da pele e quando o treinador começou a falar tentei focar somente
no que ele tinha a dizer.

— Hoje é o grande dia. Talvez o dia mais importante da vida


de vocês — Marcelo gritou diante do elenco do time. — Hoje, é dia
de fazermos história, de colocar nosso sangue em jogo e de trazer a
felicidade a uma população que nos ama tanto.

Os jogadores permaneceram em silêncio e Marcelo continuou


seu discurso motivacional com palavras de incentivo e apoio.
Suspirei fundo ao calçar as chuteiras, sentindo o peso da camisa
amarela sobre o corpo. Eu não carregava só o meu sonho,
carregava o sonho da nação e estava disposto a me entregar
durante o jogo, mesmo que depois, o peso de não ter Penélope
caísse sobre meus ombros.

O túnel que dava acesso ao gramado nunca pareceu tão


longo e assim que pisei na grama pude sentir a energia que
somente o campo de futebol era capaz de trazer. Chegando perto
da grama, me ajoelhei e toquei o gramado, logo depois fiz o sinal da
cruz, em uma prece silenciosa.
O hino tocou e, quando o juiz apitou dando início à partida,
tudo pareceu sumir da minha cabeça, só existindo eu e a bola.
Mesmo correndo de um lado para o outro, foi difícil encontrar uma
oportunidade de atacar, o time adversário, a França, estava recuada
a ponto de quase todos os jogadores estarem na defesa, o que
acabou dificultando o ataque brasileiro.

O primeiro tempo acabou e só tivemos poucas chances de


gol, não convertendo, infelizmente, nenhuma delas. O vestiário
parecia mais um enterro, nada lembrando a vibe alegre antes do
jogo. Para completar, o treinador achou interessante apelar para
nosso lado sentimental e expôs em uma televisão que tinha no
vestiário imagens dos jogadores e suas respectivas famílias,
tentando convencer cada um de nós a dar nosso sangue pela
partida. O gesto, entretanto, só fez um nó se formar em minha
garganta quando uma foto minha com minha mãe e pai surgiu na
tela.

Coloquei a mão no joelho antes lesionado, dizendo a mim


mesmo que estar aqui, na Copa, era uma segunda chance dada
pelos céus e eu ia aproveitar. Alguns jogadores choraram ao ver
suas fotos estampadas na televisão, outros xingaram baixinho a
atitude do treinador. O certo é que pareceu ter dado certo, já que o
grito de guerra que demos, antes de entrar em campo, foi o mais
alto que eu já tinha presenciado.
Voltamos com gás no segundo tempo, mas a França também
veio com força total, tanto que quase fez um gol nos primeiros
minutos após o retorno. Nosso goleiro fez uma defesa incrível e o
alívio foi perceptível nos olhos dos companheiros de time.

O tempo passou e a prorrogação se aproximava cada vez


mais rápido e, mesmo tentando de todas as formas, não
conseguimos fazer nenhum gol.

A prorrogação começou, mas também não tivemos chances


de finalmente abrir o placar. Iríamos para os pênaltis.
Cobrar as penalidades máximas talvez fosse o momento
mais tenso de um jogador de futebol. Agora, decidir quem seria
campeão do mundo por pênaltis era quase desumano. O
nervosismo estava presente em cada um dos jogadores,
principalmente daqueles listados a bater as cobranças.

As preces começaram juntamente com as cobranças e a


cada pênalti convertido meu coração dava um salto dentro do peito
até que chegou a minha vez de bater.
Peguei a bola como se fosse uma amiga íntima, colocando
no local certo do gramado. Primeiro observei a trave que pareceu
encolher diante de mim, depois fechei os olhos, sentindo a vibração
da torcida que começou a gritar meu nome.

Mesmo sem querer, a memória de quatro anos atrás veio


com tudo. O pênalti que perdi me deixou marcado por tempos. No
começo, nenhum técnico confiava em mim e até mesmo no
Liverpool, demorou para eu ser escalado para bater a penalidade
máxima. Mas o tempo e minha dedicação fizeram o papel de
mostrar que não existiam motivos para tal receio, eu era bom e
naquele dia houve uma fatalidade que não voltaria a se repetir.

Confiante, abri os olhos pronto para bater. Respirei fundo


dando alguns passos para trás e me posicionando, mas então algo
me chamou a atenção. Por trás da trave uma pessoa balançava as
mãos, agitada. Observei com atenção para conseguir enxergar o
pequeno ponto no meio da multidão e o que vi me deixou estático.
Esfreguei os olhos para ter certeza de que não estava delirando e
automaticamente um sorriso surgiu em meu rosto.

Quando eu mergulhei na profundidade dos olhos de


Penélope, verdes como esmeraldas, eu senti a esperança que
aquela cor transmitia. Eu soube que tudo ficaria bem.
Eu queria socar o segurança do estádio de futebol.
Curiosamente, era o mesmo homem que havia me atendido quando
fui atrás da camisa para o noivo da Sara. Só que na primeira vez ele
fez questão de me deixar entrar e agora, no momento que mais
precisava, entretanto, ele não acreditou na minha história de alma
gêmea e amor acima de tudo. Ele me mandou ir embora e não
atrapalhar, senão seria presa.

Bufei a contragosto e pensei em outro plano. Eu tinha


deixado Sara vestida de noiva no corredor do hotel e seguido ao
estádio sem nem pensar direito e estava pagando o preço pela falta
de planejamento. Passei a mão nos cabelos e saquei o celular para
ver se ainda tinha tempo de comprar o ingresso e vi que
provavelmente já estava no fim do segundo tempo. Fui até a
bilheteria, esperançosa por poder entrar logo no estádio, só que não
contava que não houvesse mais bilhetes. O que eu queria, era a
final da Copa do Mundo, devia ter mais gente no estádio do que
agulha no palheiro.

Já estava para desistir e esperar do lado de fora, quando vi


umas pessoas vendendo ingressos sem ser de forma oficial, ou
seja, os conhecidos cambistas. Me preparei para o pior, para deixar
um rim no Catar e voltar endividada para o Brasil e foi realmente o
que aconteceu, quando o homenzinho que balançava o ingresso na
mão informou o preço do ticket em dólar. Pensei por um segundo,
mas só por um segundo, porque sabia que Samuel valia mais que
qualquer dinheiro no mundo, mesmo aquele que eu não tinha.

Fiz o pagamento e, com o ingresso em mãos, segui para a


entrada do estádio. O segurança fez uma cara tediosa ao me ver de
novo, mas me deixou entrar com um aceno de mão. Corri até as
arquibancadas, mal prestando atenção na arquitetura exuberante da
arena. Meu ingresso não era VIP, como o que Samuel tinha me
dado antes, assim, tive que me esgueirar pela multidão até
encontrar o assento indicado.

De onde estava mal conseguia ver o campo, os jogadores


sendo apenas pontinhos do tamanho de formigas. O jogo estava se
encaminhando para prorrogação e nada de gol para nenhuma das
equipes. Minha perna mexia incontrolavelmente esperando o fim do
jogo, que foi ficando cada vez mais longe, já que nenhum gol saiu.
Quando a decisão ficou a cargo dos pênaltis decidi que não podia
ficar ali parada, eu tinha que me redimir do passado.

Levantei-me do assento sem ter certeza do que ia fazer, mas


com a intenção de ser vista, de algum jeito, por Samuel. Fui
descendo as escadarias que davam acesso à parte mais próxima do
gramado e ponderei se compensaria pular a pequena mureta que a
separava do gramado. Ao invés disso, decidi por contornar o estádio
e ficar por trás da trave na qual iria ter as cobranças.

Um a um os jogadores foram batendo seus pênaltis até que


chegou a vez de Samuel. Dei um grito imenso, atraindo a atenção
das pessoas ao redor, mas Samuel nem notou, o que fazia sentido
já que a algazarra dos torcedores estava mais alta que o normal, o
que era de se esperar da torcida brasileira. Em um gesto
desesperado, fiquei balançando meus braços que nem um boneco
de Olinda, na expectativa de ser vista, mas já imaginando que não
ia adiantar nada. Samuel, entretanto, olhou para mim, ou pelo
menos foi o que pensei. Não tinha certeza se ele estava vendo, mas
segurei o pingente de esmeralda preso em meu colar, como um
amuleto, desejando toda a sorte do mundo para o homem que fazia
meu peito acelerar.

Os segundos pareceram infinitos diante da ansiedade que se


instalou em mim e quando a cobrança se transformou em gol, não
foi só o estádio que foi à loucura. Meu estômago se revirou a ponto
de eu sentir um frio na barriga. Gritei, comemorei, sorri e vibrei.

O Brasil venceu e conquistou o Hexa!

Por um momento pensei que o estádio ia desmoronar,


tamanha a vibração que sentia em meus pés devido ao pulo
frenético dos milhares de brasileiros. Eu estava radiante, as pessoas
se abraçavam como se se conhecessem, e a premiação começou a
acontecer no gramado. Uma lágrima caiu do meu rosto quando o
capitão ergueu a taça e os gritos eufóricos de “O campeão voltou”
ecoaram pelo estádio.

Tudo estava muito lindo, mas eu ainda precisava encontrar


Samuel e falar tudo que estava preso em minha garganta.
Os jogadores já estavam saindo de campo após as
comemorações e aproveitei para perambular pelo estádio em busca
da entrada para a parte interna da arena. Quando vi mais um monte
de seguranças na entrada do acesso me vi desanimar, até que um
homem vestido com um uniforme da seleção me chamou e
perguntou se eu era a Penélope.
— Samuel Bernardino me pediu para levá-la ao vestiário —
informou.

Ainda em choque acenei e ele, sem falar mais nada, foi me


guiando até o local. Segui o homem, calada, refletindo sobre todas
as coisas que queria falar para Samuel. Primeiro eu ia me
desculpar, depois ia fazer uma declaração tão incrível que ele não
teria outra escolha senão perdoar minha estupidez. Na minha mente
tudo estava muito fácil, foi só o ver, entretanto, que meu cérebro
bugou e as palavras sumiram da minha cabeça.

Samuel estava sem camisa, sendo erguido por uma parte do


elenco. Os cabelos suados grudavam no casco da cabeça e o short
sujo estava com uma marca de terra no bumbum. Ele pediu para ser
colocado no chão assim que me viu e eu fiquei que nem uma
estátua na sua frente.

— Penélope, o que está fazendo aqui? — Samuel


questionou, coçando o nariz.
Eu quase quis rir de sua aparente timidez, mas estava
nervosa demais para isso. Encurtei a distância entre nós, me
aproximando a ponto de ver as gotículas de suor presente em seu
rosto. Ele tinha a respiração acelerada e eu apostava que ainda
estava cansado do jogo, por isso tentei ser direta, mudando
totalmente o que tinha em mente.
— Eu quero ter um relacionamento a distância com você —
declarei de uma vez, sentindo o coração acelerado em busca de sua
resposta. Olhei para cima, para seus orbes castanhos e me segurei
para não passar a mão em uma parte do seu cabelo suado que
cobria a testa.
— Nós não vamos ter um relacionamento a distância —
disse, resoluto, e o pior de tudo, rindo.

Suas palavras me destruíram por dentro, meus olhos


querendo arder no mesmo instante. Eu tinha estragado tudo, ele
não queria saber mais de mim, e por mais que quisesse culpá-lo e
odiá-lo, não conseguia. Segurei as lágrimas, não queria chorar na
sua frente, e meu cérebro quase me fez dar meia volta, o coração,
entretanto, me mandou seguir. Me mantive firme porque eu não iria
cair sem lutar, não deixaria Samuel escapar daquele jeito.

– Sei que vacilei, vacilei bem feio. E talvez tenha sido tarde,
porém eu percebi que eu não tinha por que ter medo. Você é o
Samuel, o cara pelo qual me apaixonei aos dezoito anos e que
continuo apaixonada aos vinte e dois. O mesmo que segurou meus
cabelos no meu primeiro porre e que comemorou mais do que eu
quando passei no vestibular. — Não resisti, comecei a chorar em
meio a soluços que agitavam meu corpo. Eu não podia me entregar.
— Eu confio em você e fui estúpida em cogitar que você me
abandonaria. E saiba que mesmo te odiando, eu nunca deixei de te
amar.

— Não, você não entendeu. — Samuel baixou os olhos em


direção aos meus, o calor deles me aquecendo por dentro. — Não
vamos ter um relacionamento a distância, porque quero que more
comigo em Paris.

— O quê? — perguntei, surpresa, a boca tão aberta que era


capaz de entrar uma mosca.

Será que eu escutei direito? Samuel estava me convidando


para morar com ele? Sem pensar duas vezes, fiquei na ponta dos
pés e lancei meus braços em volta do seu pescoço, segurando-o
com firmeza.

— É isso mesmo que você escutou. Eu fui atrás de você


naquele dia para te convidar, mas você nem me deixou falar. —
Samuel afagou meus cabelos, os dedos gentis massageando meus
fios. — Penélope Mendes, eu não quero me afastar de você, mesmo
que você seja uma garota com pavio curto. Não quero ficar longe,
mesmo que por vezes você lance um olhar assassino para mim.
Não quero me distanciar, mesmo que você torça contra o Brasil.
Sempre foi você, Charmosa. Sempre.

Me mantive nas pontas dos pés e tomei seus lábios em um


beijo ávido, sem me importar com os gritos dos jogadores ao lado,
que assistiam a cena toda como se estivessem vendo uma novela.
Samuel passou os braços em minha cintura, colando nossos corpos
quase a ponto de se fundirem, o que me fez suspirar em meio ao
beijo. Ele riu e tocou minha testa com a sua, sussurrando de leve
para somente eu escutar.

— Sempre foi você.

Encarei Samuel Bernardino e entendi que a linha entre odiar


e amar era muito tênue, tão fina que demorei a enxergar em qual
lado ele se encontrava.

Meus lábios se abriram em um sorriso e toquei sua face,


agradecendo por ter descoberto, mesmo que tivesse demorado
quatro anos. Mas para o amor, nunca era tarde demais.
Eu amava Penélope! Ainda que fosse impulsiva a ponto de
comprar ingresso com um cambista. Ainda que falasse antes de
pensar, o que sempre a metia em maus lençóis. E, principalmente,
ainda que se declarasse em meio aos outros jogadores e me
beijasse como se estivesse no fim de uma novela mexicana.

Eu a amava a ponto de não me importar com nenhum dos


gritos dos meus colegas de trabalho e de nem ligar para a taça que
repousava ali perto.

Quando a vi, no meio da torcida, eu só conseguia pensar


nela. Em como meu coração acelerava só de olhá-la e meu peito se
enchia de uma alegria de forma descontrolada.

Se durante a partida estava anestesiado, tentando focar mais


que tudo em obter a vitória, ali, com ela diante de mim, mesmo que
fosse na arquibancada, os olhos brilhando, pude sentir todo o baque
que era não ter Penélope em minha vida. Eu precisava dela,
precisava nem que tivesse que me aposentar depois daquele jogo
se fosse o suficiente para tê-la.

Assim que a premiação acabou, chamei alguns membros da


comissão técnica, aqueles mais íntimos, e pedi, melhor dizendo,
supliquei, para que encontrassem ela. Eu precisava dizer tudo que
estava na minha mente, antes que fosse perdê-la mais uma vez.

Foda-se se ela havia ficado com medo e não houvesse me


escutado. Poderia entender sua atitude, e eu ia mostrar para ela,
nem que fosse a última coisa que fizesse em vida, que, quando é
amor de verdade, não tem distância no mundo que seja capaz de
destruir a relação. Eu ia lembrá-la todos os dias o quanto ela era
amada e o quanto o fodido do pai dela era um filho de uma puta por
tê-la abandonado.

Eu, entretanto, não precisei dizer nada, já que Penélope veio


com a declaração mais linda que eu já tinha ouvido. Eu a conhecia a
ponto de saber que ela estava baixando todas as barreiras e me
deixando entrar.
O beijo que Penélope deu em minha boca carregou todas as
preocupações que perpassavam minha mente. Como disse, sempre
havia sido ela e a constatação de que havia aceitado ir comigo para
Paris me deixou eufórico.

Desgrudamos os lábios dando espaço para respirarmos, mas


continuei próximo o suficiente para sentir seu calor reverberando
sobre meu corpo.

— Dessa vez eu acertei o pênalti! — comentei, abrindo um


sorriso em sua direção.

— E ganhou a garota também. — Riu, apertando os braços


ao redor do meu pescoço.

Não pude deixar de engolir em seco, sentindo minhas pernas


agitadas tamanha a ansiedade, ainda não acreditava que realmente
estava acontecendo. Eu havia ganhado a maldita Copa do Mundo,
mas era essa mulher diante de mim, que me deixava eufórico a
ponto de ficar sem ar.
— Então, vai mesmo para Paris? — questionei, passando a
mão pelos seus cabelos, tirando um fio que insistia em cair sobre o
rosto.

— Claro que sim. Tenho que fazer meu TCC e me formar,


depois é só pensar em um jeito de convencer minha mãe. Ah, e
também de perder o medo de voar — ela respondeu.

— Pode deixar que eu resolvo boa parte desses problemas


— disse, determinado. — Não posso ajudá-la na graduação, mas
prometo te esperar o tempo que for necessário. Sua mãe gostava
de mim, tenho certeza de que meu charme vai ser o suficiente para
que ela permita. Quanto ao avião, não se preocupe, a gente vai nem
que seja de navio. Já pensou, ficar cerca de quinze dias presa
comigo em alto mar?

Ela riu, uma risada gostosa, coberta de uma felicidade


genuína, o que só me fez admirá-la mais ainda, cada pequeno
detalhe que eu já conhecia.

— Eu mal aguentei ficar presa com você por minutos dentro


de um elevador. — disse e travei no mesmo instante, ela, entretanto,
aproximou a boca do meu ouvido. — Esqueceu como terminou
nosso encontro, com minha boca desejando a sua? Se em quinze
minutos eu o desejei a ponto de querer beijá-lo, em quinze dias
realizarei todos os desejos mais tórridos que atravessam minha
mente devassa.
Meu pau inflou com sua promessa, os pelos eriçando em
cada parte do meu corpo. Tentei me controlar para não chamar a
atenção do restante do grupo e realmente repensei se não seria
melhor ir pelas águas do que pelo céu.

— Você adora brincar comigo, Charmosa — comentei,


puxando-a mais ainda para perto de mim, fazendo com que ela
sentisse minha ereção.

Ela apenas sorriu, como se gostasse que eu estivesse na


palma da sua mão.
— Se prepare Samuel Bernardino, estarei molhada tal qual o
oceano — sussurrou, acabando de vez com minha sanidade.

E, como na primeira vez que nos conhecemos, fiquei duro em


um momento que não deveria.
— O que você acha de irmos para o hotel agora? —
questionei, pronto para amá-la de todas as formas.

— E a comemoração do hexa? — perguntou baixinho,


evitando chamar a atenção dos demais jogadores, que já faziam
planos envolvendo festas agitadas regadas a álcool e mulheres.

Ela estava mesmo questionando qual seria minha escolha


entre ela e o futebol? Parece até que esqueceu como tínhamos nos
conhecido. Encarei seus pequenos olhos claros, mergulhando na
profundidade que só eles eram capazes de carregar. Ela não tinha
por que temer. Jamais mudaria de opinião.

Minha resposta à pergunta de Penélope, sempre seria a


mesma. Sempre escolheria ela.
Minha Penélope Charmosa.
3 anos depois

— Como assim eu vou com tudo pago para Paris? — Mirna


deu um grito e se levantou da cadeira tão abruptamente que a
estrutura de madeira caiu, fazendo um estrondo no restaurante de
comida japonesa, atraindo alguns olhares.
— Pois é, a noiva quer ter certeza de que a madrinha vai ter
tudo de bom e do melhor durante o casamento. — Sorri com a
empolgação absurda dela.

— Ai meu Deus!!! Não acredito que meu sonho finalmente vai


acontecer! — Minha amiga veio na minha direção tal qual um
furacão e me deu um abraço apertado. — Finalmente vou treinar
meu francês.
— Eu pensei que seu sonho era conhecer o Brad Pitt — gemi
ao ser esmagada por ela.

— Uma pessoa pode ter vários sonhos, tá?! — Mirna


finalmente me largou e voltou a se sentar, mas não sem antes
colocar a mão sobre o próprio coração, fazendo uma cara
engraçada, ela realmente era a rainha do drama. — Se um dia odiei
o Samuel, não me lembro.
A ideia de casar-se em Paris foi dele, que estava em mais
uma temporada pelo PSG e que preferia que tudo fosse realizado
no país em que estávamos morando. Ele iria fazer como Sara, levar
tudo e todos para Paris, a diferença era que eu não era uma
socialite excêntrica, eu era uma modista que estava prestes a abrir
um ateliê na cidade luz. Estava me sentindo a própria Emily em
Paris!
— Nem acredito que você veio ao Brasil só para entregar os
convites pessoalmente para as pessoas. — Mirna estava em um
estado de euforia tão grande que deixou o sushi cair do hashi umas
três vezes antes de conseguir acertar a boca.

— Bem, eu estava com saudade da minha mãe e irmão


também. — Dei de ombros.
Eu quis levá-los para a França, mas nenhum dos dois quis
me acompanhar, cada um tendo motivos para continuar em terras
brasileiras. Meu irmão, agora casado com Camila e pai de uma
garotinha. Minha mãe tinha conseguido a tão sonhada
aposentadoria e estava de mudança para o litoral, já que morar
perto da praia tropical sempre havia sido seu sonho. E com os dois
no Brasil eu percebi que relacionamento a distância podia funcionar
como qualquer outro. Sempre mantínhamos contato, fosse por
telefone, videoconferência ou mesmo quando eu conseguia vez ou
outra vir ao Brasil. O amor não havia diminuído, pelo contrário,
parecia mais firme e forte.

Por falar em amor, Samuel e eu estávamos muito bem. Em


um dia de outono, especificamente no dia 11 de novembro, ele me
levou a mais um jogo do PSG, no estádio Parc des Princes. A
diferença é que, quando entrei na arena, não tinha ninguém e então,
de joelho sobre o gramado que ele dizia possuir a cor dos meus
olhos, Samuel me pediu em casamento. No lugar similar ao que
havíamos nos conhecidos.
— E então, quando você vai voltar a Paris? — Mirna
questionou, me fazendo voltar à realidade.

— Minha passagem já está marcada para sábado —


respondi, colocando um sushi de morango na boca, coisa que só
tinha no Brasil.

— Você realmente perdeu o medo de voar.

Cobri a boca, escondendo meu sorriso. Eu só precisava de


uma boa companhia para saber que voar não era nada demais.
Ester tinha feito o favor de ter me auxiliado no meu primeiro voo,
mesmo sem saber, e então nos transformamos em grandes amigas.
Ela, inclusive, iria ser a minha cabelereira no grande dia. O
casamento de Sara foi um sucesso e eu iria aproveitar boa parte de
seus fornecedores e funcionários.

— Estou tão feliz por você. — Ela segurou minhas mãos


sobre a mesa. — É uma pena que Samuel não tenha vindo com
você.

— Você sabe como é, ele tem que estar em dia para ser
convocado para a próxima Copa.

No meio desses três anos, Samuel havia sofrido algumas


lesões, por isso estava querendo recuperar o tempo perdido. Ele
queria muito fazer parte do elenco em busca do hepta e mesmo
dizendo que seria difícil voltar à seleção devido à crescente
concorrência com jogadores cada vez mais novos, eu sabia que ele
estava esperançoso e eu, como boa brasileira, também.
Me despedi de Mirna após mais uma hora de conversa e
voltei para a casa do meu irmão, onde estava hospedada. Abri o
notebook sobre a cama de solteiro e disquei o número de Samuel.
Quando seu rosto surgiu na tela, foi inevitável não abrir um sorriso.

— Oi, Charmosa. — Ele piscou um olho na minha direção e


pude notar que estava na nossa banheira de hidromassagem,
cercado de velas aromatizadas.
— Essas são as minhas velas? — questionei, curiosa.

— Você tem razão, elas são ótimas. — Ele coçou o nariz, as


bochechas ficando um tom mais rosa, como se eu tivesse pego-o no
flagra. — Como foi seu dia hoje?
Aproveitei para contar tudo o que tinha acontecido, dando
ênfase ao surto da Mirna e informando que certamente ela ia nos
deixar pobre, já que as palavras “tudo incluso” eram um perigo
quando se tratava da minha melhor amiga.

— Não se preocupe, Mirna pode fazer o que quiser, ela tem


carta branca.

— Amanhã vou na casa dos seus pais, entregar o convite. —


comentei.

— Certo, mande um abraço para meus velhos.


O sorriso de Samuel era instantâneo quando o assunto era
seus pais. A mãe já estava recuperada cem por cento do AVC e o
pai, com medo do que ocorrera três anos antes, havia feito uma
promessa de que nunca mais ia fazer uma aposta na vida.

Às vezes, apenas um grande choque era capaz de mostrar o


que realmente importava para nós. Eu demorei a perceber que o
problema não era ter um relacionamento a distância, e sim com
quem se tinha esse tipo de relacionamento.

Mesmo em meio a tantas incertezas da vida, de uma coisa eu


sabia: amar Samuel era fácil.
Ainda sentia o frio da barriga, o coração acelerado, mas eu
podia ser eu mesma, sincera e verdadeira, porque ele me deixava à
vontade e me fazia sentir bem. Tão bem a ponto de que meu
passatempo favorito se transformou em acordar cedo aos domingos
de manhã só para ver seu rosto ao meu lado.
Primeiro encontro entre Samuel e Penélope

— Samuel, você não vai acreditar! O campo está indisponível


— disse Ptolomeu, meu colega de time, desesperado.
— Como assim? — berrei em um misto de fúria e surpresa.

Eu havia enviado um memorando para a coordenação de


educação física do campus, solicitando a reserva naquele horário
para poder treinar antes do próximo jogo.

— Tem uma menina esquisita usando o espaço para fazer um


desfile. — Ele jogou os braços para o alto, tão desesperado quanto
eu.

Toquei minha testa que começou a latejar e decidi seguir até


o campo para ver o que estava acontecendo. Meus pés percorreram
o terreno úmido, a grama com o refrescante cheiro da chuva que
caíra meia hora antes.

A menina, do qual Ptolomeu falara, não era tão esquisita, a


não ser pela roupa estranha que usava: um vestido feito de…aquilo
era sacolas plásticas?
Ela possuía cabelos castanhos na altura da cintura e era tão
pequeninha que quase batia no meio do meu peito.

— Você não é muito velha para brincar de desfile? —


perguntei, cruzando os braços sobre o tórax.

A garota não se assustou ao me notar, pelo contrário, apenas


revirou os olhos, um belo par de olhos, como se eu fosse uma
mosca pousando em sua sopa.

— Eu vou fazer vestibular para o curso de moda e estou


testando meus designs. — comentou, alisando a própria roupa.

— E cadê suas modelos? — perguntei olhando ao redor,


esperando ver um desfile de verdade, com passarela e coisas do
tipo, mas só vendo a garota sozinha.

— Você está olhando para ela.

Inevitavelmente ergui uma sobrancelha, incrédulo com sua


resposta. Ela realmente estava falando sério?

— Por acaso acha que não sirvo para ser uma?

Observei ela, cada detalhe, mas me perdendo em seus olhos


ousados e cheios de força. Ela era linda e extremamente sexy,
mesmo vestida de forma tão…curiosa.

Ah, eu tinha certeza de que ela poderia ser o que quisesse.

— Hum, obrigada. — Ela corou e então abriu um sorriso, o


mais lindo que já vi.

Ei, eu expressei meus pensamentos em voz alta? Cocei meu


nariz, encabulado, e me perguntei quando uma mulher tinha mexido
tanto comigo.

— Prazer, sou o Samuel e reservei o campo agora pela


manhã. — Estendi minha mão na sua direção e ela apenas olhou
para mim.

— Sou a Penélope e eu também reservei a quadra para essa


manhã.
Ela sacou um punhado de papéis de uma mochila jogada no
chão e entregou-os a mim. O papel mostrava a autorização de
utilização do campo.

— Mas eu enviei um e-mail — rebati.

— Obteve alguma resposta? — perguntou.

— Não, mas…

— Pois eu obtive — disse, confiante.

Se não estivesse tremendamente emburrada, ela seria o ser


mais fofo do universo inteiro e só de encará-la daquele jeito, meu
amigo lá de baixo quis mostrar que estava vivo. Merda!

Cada detalhe seu fazia meu peito acelerar, desde seu olhar
firme e confiante às expressões quase caricatas. Senti o rosto
queimar quando meu pau começou a criar vida, e me virei de costas
para que não visse minha descarada ereção.

— Eu preciso ir — falei já me distanciando, envergonhado


com a situação.

Que porra! Eu não era nenhum adolescente para estar


agindo desse jeito, mas algo em Penélope parecia tirar minha
sanidade, como se se o simples fato de ela me olhar queimasse
algo dentro de mim.
— Espera. — Ela tocou meu braço, o que só fez com que eu
ficasse mais duro ainda, a ponto das minhas bolas doerem. — Eu
estou acabando, pode usar depois de mim.

— Não, não precisa — falei ainda de costas, sentindo o


contato de sua pele arder sobre a minha.
— Sabe, não precisa ficar tímido por conta disso. — Ela deu
uma volta e se postou na minha frente, apontando para meu short
esportivo. — A gente pode ir ao cemitério, que tal?

— Cemitério? — perguntei, confuso.


— É, ouvi dizer que quando pensamos em coisas esquisitas
como morte, sofrimento, dor, a ereção vai embora. — Ela sorriu e o
pior, eu sorri também.

Talvez Ptolomeu estivesse certo e Penélope fosse mesmo


esquisita. Eu, entretanto, estava fascinado por ela. Por cada
pedacinho dela.

— Eu… hum, obrigado — falei quando finalmente meu


amiguinho lá de baixo dormiu. — Será que gostaria de tomar um
milkshake comigo?

— E o jogo?
Droga! Eu nem tinha pensado no maldito jogo. Olhei do
campo para Penélope, que possuía os olhos tão verdes quanto a
grama. Não precisei ser muito inteligente para fazer a escolha.
— Eu jogo depois. — Dei de ombros, como se não me
importasse, mas ansioso por sua resposta.

— Tudo bem, deixa eu só terminar aqui.

Assenti com a cabeça e observei Penélope tirando o vestido


de plástico sobre a cabeça e, mesmo ficando com uma camisa preta
e uma saia jeans sobre o corpo, achei a atitude para lá de sensual.
Fechei minha boca, que se abriu involuntariamente. Ela socou a
roupa esquisita na mochila e me deu um sorriso, quando enlaçou
seus braços no meu. Não questionei seu gesto, tudo parecia natural
ao seu lado. Ainda que tivéssemos nos conhecido em pouco tempo,
eu sentia que algo queria se formar em meu peito.

Seguimos juntos pelo gramado, deixando o campo, que


sempre havia sido minha prioridade, para trás. E naquele momento,
andado em direção à lanchonete, eu não tive dúvidas sobre o futuro.
Porque me apaixonar por Penélope era a única coisa que poderia
acontecer.

Era um lance irresistível!


Agradeço à Olivia pela confiança depositada em mim em
meio a um momento tão conturbado. Seu convite foi meu bote salva
vidas. Deixo minha gratidão também à Lola e Karen, que me
acolheram de braços abertos. Obrigada, meninas, vocês são
incríveis! Foi um prazer imenso ter feito parte desse projeto.

Meu muito obrigada às minhas betas lindas: Láiza de Oliveira


e Tatiana Stolf. Eu amo vocês no meio de toda nossa loucura.
Agradeço também ao meu esposo que sempre me apoia
quando chego com ideias mirabolantes.

Por último, não menos importante, agradeço a você que


chegou até aqui. Eu sou grata pela oportunidade que me deu e
espero que tenha tido uma boa leitura. Sem você nada disso seria
possível!

Não esqueça de fazer uma avalição após a leitura, afinal, sua


opinião é de grande importância para mim.
Quer saber o que vem aí nos volumes 3 e 4 da série Jogadas
Imperfeitas?

LANCE INDECENTE – KAREN SANTOS


Diego Ramalho é um sucesso no gramado. O problema é
fora dele. O lateral da Seleção atrai fofoca por onde passa e agora o
bad boy do futebol pode ter causado um incidente diplomático: foi
visto seminu em um corredor de hotel beijando uma mulher.

Bruna Santos é uma influenciadora de maquiagem e caiu de


paraquedas em uma polêmica. Ela queria uma noite sem nomes e
terminou apontada como a namorada de um jogador de futebol.
Agora, com a imprensa e perfis de fofoca atrás dos dois, Diego e
Bruna fazem um acordo: fingirem ser um casal para abafar a
situação e salvar a carreira de ambos.
Eles só não contavam com a vontade de repetir o primeiro
encontro. Várias e várias vezes.
LANCE PROVOCANTE – LOLA BELLUCI

As pessoas se perguntam se existe amor à primeira vista,


Cacau Lyra sabe que existe ódio à primeira vista, porque foi o que
ela sentiu ao conhecer Tássio Arraes.

Arrogante, mesquinho, ignorante e um grandessíssimo filho


da mãe são alguns dos adjetivos favoritos dela para se referir ao
craque da seleção Portuguesa.

Fanática por futebol, tudo o que a aspirante a escritora não


esperava durante a copa era ser convocada, muito menos para
trabalhar com o homem que mais odeia no mundo, mas um acidente
de carro envolvendo sua chefe muda tudo.
Cacau ganha uma passagem para a realização do seu
sonho: acompanhar a copa do mundo ao vivo e a cores, lado a lado
com a seleção e, melhor ainda, como a sombra do craque do time.
Exceto que é a seleção errada, o craque errado, o sonho errado.

Tássio Arraes está dizendo adeus aos campos de futebol.


Aos 38 anos, o craque quer a aposentadoria, não importa o
quanto estejam tentando convencê-lo do contrário.

No entanto, um contrato assinado há mais de vinte anos vai


colocar uma escritora fanática seguindo seus passos e invadindo
sua privacidade durante aquele que deveria ser o grand finale
mágico de sua carreira: sua última copa do mundo.

30 dias.
Um lance.
Será que isso dá jogo?
Ainda não leu o volume 1 da série Jogadas Imperfeitas?

LANCE PROIBIDO – OLIVIA UVIPLAIS

Age Gap - Enemies to lovers - Grumpy & Sunshine

Pietra Coutinho está tendo a oportunidade de sua vida.


Recém-formada em fisioterapia, a brasileira, jovem e inocente,
acaba de ganhar a chance de trabalhar com a Inglaterra na Copa do
Mundo. É o momento de virada da sua carreira, mas há alguém que
pode colocar tudo a perder: o possessivo astro da seleção que a
odeia instantaneamente.
Erza Wood é o capitão da equipe inglesa, o jogador mais
velho do campeonato, o maior artilheiro da história do país. Por seu
jeito frio, misterioso e dominador, ele é uma incógnita para os fãs, a
mídia e os outros jogadores.

Mas quando a fisioterapeuta treze anos mais jovem e


inocente aparece, tudo se torna arriscado e, sobretudo, proibido.
Loucura no Divã

Lana Oliveira é colunista da revista Cosmo e só tem um


objetivo: dar uma vida melhor ao irmão. Quando uma oportunidade
de promoção no trabalho aparece, ela não pensa duas vezes antes
de aceitar. No entanto, descobre que para concorrer à vaga precisa
de um namorado (algo que ela não tem!). Disposta a contar uma
mentirinha para o chefe, Lana embarca em uma deliciosa confusão
que envolve uma melhor amiga esotérica, um irmão genioso e,
claro, um homem de enlouquecer.
Os Astros se Divertem

Levi é contador de uma das maiores empresas de esporte do


país, bem-humorado e com um charme único. Ele sempre lida bem
com os obstáculos que surgem no decorrer da vida, mas, dessa vez,
os astros têm um segundo plano. Depois de ver sua irmã, Lana,
desesperada porque a assessora do casamento dela sumiu com o
dinheiro, acaba dizendo algumas palavras que fazem ela achar que
ele mesmo organizará o casamento.
Mas não sozinho.

Ele terá que lidar com Jade, melhor amiga de Lana, uma
mulher independente, confiante e madura, mas que tem como lema
uma vida baseada em astrologia e superstições. Agora, ambos
acabam embarcando na missão de organizar um casamento
encarando a pressão de deixar tudo perfeito em um dia tão
importante da pessoa que eles mais amam. Só não contavam que,
no meio do caminho, sentimentos profundos e arrebatadores,
tumultuariam a relação que eles estavam criando.
HELLEN R. P. nasceu em 1992, na cidade de Teresina, no
Piauí. É engenheira civil, professora, casada e amante dos livros
desde pequena.

O desejo de escrever veio da infância, quando fazia poemas


de mais diversos temas, e aflorou após perceber que escrever fazia
do seu tempo livre mais divertido. Gosta de assistir filmes, séries e
animes, além de passar boa parte do tempo vago entre leituras e
escrita.

Você pode acompanhar as novidades e lançamentos da


autora nas redes sociais, através do Instagram @autorahellenrp,
além de bater um papo sobre os mais diversos assuntos.

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