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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

MARCO AURELIO DE MELLO CASTRIANNI

MÉTODOS USUAIS
DE INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO DO DIREITO:
ADEQUAÇÃO E COMPLEMENTARIDADE

DOUTORADO EM DIREITO

SÃO PAULO

2007
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP

MARCO AURELIO DE MELLO CASTRIANNI

MÉTODOS USUAIS
DE INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO DO DIREITO:
ADEQUAÇÃO E COMPLEMENTARIDADE

DOUTORADO EM DIREITO

Tese apresentada à Banca Examinadora da


Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo, como exigência parcial para obtenção
do título de Doutor em Direito (Filosofia do
Direito), sob a orientação do Professor Doutor
Tércio Sampaio Ferraz Júnior.

SÃO PAULO
2007
Banca Examinadora

_____________________________________

_____________________________________

_____________________________________

_____________________________________

_____________________________________
A todos aqueles que me incentivaram e
apoiaram nesta empreitada.

À Vera Lucia, ao Victor e à Anna Claudia,


que são o motivo de todo o empenho.
MARCO AURELIO DE MELLO CASTRIANNI
MÉTODOS USUAIS DE INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO DO
DIREITO: ADEQUAÇÃO E COMPLEMENTARIDADE

RESUMO

A Lógica é instrumento da Filosofia e de todas as ciências. Entre seus


métodos estão a dedução e a indução, que são discursivos, e a intuição. Pela
dedução, raciocina-se do geral para o particular. Pela indução, parte-se do
particular para se chegar ao geral. A intuição é forma direta de aquisição de
conhecimento.

Os métodos lógicos têm seu fundamento no Racionalismo e no


Empirismo. Para o primeiro, o conhecimento se origina exclusivamente na
razão; seu método é o dedutivo. Para o segundo, o conhecimento se adquire
pela experiência, seja externa ou interna; seu método é o indutivo.

A intuição se trata de método não discursivo. Por ela, se chega aos


valores, objeto da Axiologia. Os valores implicam a gênese de normas e
princípios jurídicos. O fenômeno dos valores se dá na sociedade e se inter-
relaciona com a cultura. O ser humano é o valor fonte, e a Justiça, o valor
fundamental. A Eqüidade é uma espécie de Justiça e, de certa forma, a supera.

A Lógica Jurídica é a aplicação da Lógica como instrumento do


Direito. O seu operador utiliza tanto a dedução como a indução, ou seja, são
métodos utilizados para sua interpretação e aplicação. A intuição também é
aplicada pelos operadores do Direito, embora seu estudo ainda não esteja tão
desenvolvido. Isso se constata pela análise, no âmbito jurídico, dos princípios,
das normas, da doutrina e outros trabalhos, das sentenças, da jurisprudência,
do costume, da analogia e da investigação criminal.

Nenhum dos métodos é utilizado de forma isolada, para interpretação e


aplicação do Direito, pois, por si só, não é suficiente, embora sejam todos os
três, objeto deste estudo, adequados. Todos podem e devem ser utilizados. Os
métodos mais estudados são o dedutivo e o indutivo, mas a intuição também
tem um importante papel na interpretação e na aplicação do Direito, embora o
operador possa até não se dar conta de quanto a utiliza em seu trabalho
cotidiano. Os métodos são, pois, complementares e interdependentes.

Palavras-chave: interpretação; lógica; método; racionalismo;


empirismo; axiologia; dedução; indução; intuição; valor; justiça.
MARCO AURELIO DE MELLO CASTRIANNI

USUAL METHODS OF INTERPRETATION AND APPLICATION IN


LAW: SUITABILITY AND COMPLEMENTARITY

ABSTRACT

Logic is a Philosophy instrument, as well as for the other sciences.


Among its methods are deduction and induction, which are discursive, and the
intuition. By deduction, we reason from the general to the particular. By
induction, we start from the particular to reach the general. Intuition is the
direct way to acquire knowledge.

The logic methods have their basis in Rationalism and Empiricism. For
the former, the knowledge stems from exclusively in the reason; its method is
deductive. For the latter, the knowledge is acquired by experience, either
external or internal; its method is inductive.

Intuition is the no discursive method. Using it, we can reach the values,
the object of Axiology. The values implicate the genesis of the rules and
juridical principles. The phenomenon of the values happens in the society and
interact with the culture. The human being is the source value, and the Justice
is the fundamental value. Equity is a kind of Justice, which surpasses in a
certain way.

The Juridical Logic is the application of the Logic as Law instrument.


The operator uses either deduction or induction, i.e., are methods used for
interpretation and application. The intuition is also applied by the Law
operators, although its study has not been so developed. It can be seen by the
analyses, as juridical, the principles and the rules, the doctrine and other
works, the sentences, the jurisprudence, the habits, the analogy and criminal
investigation.

None of the methods is used in an isolated way, for interpretation and


Law application, because they are not enough, although the three ones,
objects of this study, are adequate. The methods which are most studied are
deductive and inductive, but the intuition has also an important role in the
interpretation and application of the Law, although the operator does not
realize how often he makes use of it in his everyday work. The methods are,
therefore, complementary and interdependent.

Key words: interpretation; logic; method; rationalism; empiricism; axiology;


deduction; induction; value; justice.
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 1

1. A LÓGICA E SEUS MÉTODOS ...................................................................... 3

1.1. Lógica ...................................................................................................... 3


1.1.1. Verdade e sofisma ..................................................................... 5
1.2. Dedução ................................................................................................... 6
1.2.1. Idéia e termo .............................................................................. 8
1.2.1.1. Idéia ............................................................................. 8
1.2.1.2. Termo .......................................................................... 8
1.2.2. Juízo e proposição ..................................................................... 9
1.2.2.1. Juízo ............................................................................ 9
1.2.2.2. Proposição ................................................................... 9
1.2.3. Raciocínio e argumento ........................................................... 13
1.2.3.1. Raciocínio .................................................................. 13
1.2.3.2. Argumento ................................................................. 14
1.2.4. Dedução mediata: o silogismo ................................................ 14
1.2.4.1. A forma, o modo e a figura do silogismo .................. 17
1.2.4.2. Silogismos irregulares ............................................... 17
1.2.5. Dedução imediata .................................................................... 19
1.2.5.1. Oposição .................................................................... 19
1.2.5.2. Conversão .................................................................. 20
1.2.5.3. Obversão .................................................................... 20
1.2.5.4. Contraposição ............................................................ 21
1.3. Indução .................................................................................................. 21
1.3.1. Analogia .................................................................................. 25
1.3.2. Outras espécies de argumentos indutivos ................................ 28
1.3.2.1. Indução por enumeração ........................................... 28
1.3.2.2. Estatística insuficiente ou tendenciosa ...................... 29
1.3.2.3. Desvios estatísticos ou estatística defeituosa ........... 29
1.3.2.4. Silogismo Estatístico ................................................ 30
1.3.3. Métodos de John Stuart Mill ................................................... 30
1.3.3.1. Método de concordância ........................................... 30
1.3.3.2. Método de diferença .................................................. 31
1.3.3.3. Método conjunto de concordância e diferença .......... 33
1.3.3.4. Método de resíduos .................................................. 33
1.3.3.5. Método de variação concomitante ou simultânea ..... 34
1.3.3.6. Crítica ........................................................................ 35
1.4. Intuição .................................................................................................. 37

2. FUNDAMENTOS DOS MÉTODOS LÓGICOS ........................................... 46

2.1. Racionalismo ......................................................................................... 46


2.2. Empirismo ............................................................................................. 49
2.2.1. Posição de Pedro Lessa ........................................................... 52
2.2.2. Crítica de Miguel Reale ........................................................... 54
2.3. Empírio-racionalismo ............................................................................ 57
2.4. Axiologia ............................................................................................... 57
2.4.1. Conceito .................................................................................. 57
2.4.2. Teorias do valor segundo Miguel Reale ................................. 60
2.4.3. Valores .................................................................................... 62
2.4.3.1. Conceito .................................................................... 62
2.4.3.2. Gênese, constatação e implicação dos valores .......... 64
2.4.3.2.1. Gênese ........................................................ 64
2.4.3.2.2. Constatação ................................................. 66
2.4.3.2.3. Implicação ................................................... 67
2.4.4. Sociedade e cultura .................................................................. 68
2.4.4.1. Sociedade ................................................................... 69
2.4.4.2. Cultura ....................................................................... 69
2.4.5. Ser humano: valor-fonte .......................................................... 73
2.4.6. Justiça: valor fundamental ....................................................... 75
2.4.6.1. Conceito ..................................................................... 75
2.4.6.2. Classificação .............................................................. 82
2.4.6.3. Eqüidade .................................................................... 83
2.4.6.4. O problema das leis injustas ...................................... 88
2.4.6.5. Outras concepções de Justiça .................................... 90
2.4.6.6. Bem comum .............................................................. 91
2.4.7. Ética ......................................................................................... 91

3. A LÓGICA COMO INSTRUMENTO DO DIREITO .................................. 93

3.1. Lógica e direito ..................................................................................... 93


3.2. Dedução e direito .................................................................................. 95
3.2.1. Norma jurídica ........................................................................ 95
3.2.2. Doutrina ou ciência do direito e outros trabalhos jurídicos .... 96
3.2.3. Sentença .................................................................................. 97
3.2.4. Jurisprudência ou decisões dos tribunais ................................ 99
3.2.5. Costume jurídico ..................................................................... 99
3.2.6. Analogia jurídica ................................................................... 100
3.2.7. Princípios jurídicos ................................................................ 101
3.2.7.1. “Princípios maiores” e fins sociais .......................... 102
3.2.7.2. Princípio da proporcionalidade ............................... 104
3.2.73. Princípio da razoabilidade ....................................... 105
3.2.8. Investigação criminal ............................................................ 107
3.3. Indução e direito ..................................................................................107
3.3.1. Norma jurídica: gênese e eficácia ......................................... 108
3.3.1.1. Gênese ..................................................................... 108
3.3.1.2. Eficácia ................................................................... 111
3.3.2. Doutrina ou ciência do direito e outros trabalhos jurídicos .. 111
3.3.3. Sentença ................................................................................ 113
3.3.4. Jurisprudência ou decisões dos tribunais .............................. 116
3.3.5. Costume jurídico ................................................................... 118
3.3.6. Analogia jurídica ................................................................... 120
3.3.7. Princípios jurídicos ............................................................... 124
3.3.8. Investigação criminal ............................................................ 125
3.4. Intuição e direito ................................................................................. 125
3.4.1. Considerações gerais ............................................................. 125
3.4.2. Posição de Karl Larenz ......................................................... 128
3.4.3. Aplicação .............................................................................. 130
3.4.3.1. Norma jurídica ................................................................... 130
3.4.3.2. Doutrina ou ciência do direito e outros trabalhos jurídicos 130
3.4.3.3. Sentença ............................................................................. 131
3.4.3.4. Jurisprudência ou decisões dos tribunais ........................... 132
3.4.3.5. Costume jurídico ................................................................ 132
3.4.3.6. Analogia jurídica ................................................................ 133
3.4.3.7. Princípios jurídicos ............................................................ 133
3.4.8. Investigação criminal ............................................................ 133

4. ADEQUAÇÃO E COMPLEMENTARIDADE DOS MÉTODOS ............. 135

5. CONCLUSÃO ................................................................................................. 142

APÊNDICE .......................................................................................................... 147

BIBLIOGRAFIA ................................................................................................. 222


INTRODUÇÃO

A pretensão no presente trabalho é tratar da problemática que se coloca


em relação à adequação e à inter-relação dos métodos usuais de interpretação
e aplicação do Direito, ou seja, aqueles que até hoje são amplamente
utilizados apesar de baseados em conceitos teóricos desenvolvidos ainda no
século XIX. Não é unânime a opinião dos juristas no que se refere à forma de
raciocínio, ou seja, se o caminho é a dedução ou a indução, ou ainda a
intuição.

Para se adentrar nesse campo de discussão é preciso inicialmente tratar


da Lógica, para se compreender o papel da dedução e da indução. Faz-se
necessário também tratar da axiologia, por causa dos valores. Por isso, inicia-
se pelo estudo da Lógica, instrumento da Filosofia e das Ciências em geral.
Primeiramente, o que se faz, portanto, é o seu estudo enquanto ramo da
Filosofia. Analisa-se a dedução, a indução e a intuição em seus aspectos
genéricos, para se chegar à relação existente entre a Lógica e o Direito.

Para servir de fundamento à discussão, no que se refere à utilização ou


à prevalência dos três métodos estudados, analisam-se o racionalismo, o
empirismo e a axiologia. Para o primeiro, prevalece o raciocínio dedutivo,
levam-se em conta os conhecimentos “a priori”; para o segundo, o indutivo,
que é utilizado pelos empiristas, para os quais o conhecimento se adquire pela
experiência; para a última, sobressai a questão dos valores, algo que se obtém
pela intuição, e são eles que dão sentido à ação humana. A Justiça é o valor
fundamental. Pela intuição, o conhecimento é obtido de forma direta e a
abrangência da mesma se estende inclusive para além dos valores.

Trata-se, em seguida, da relação que há entre, de um lado, a dedução, a


indução e a intuição e, de outro, o Direito. Analisam-se, portanto, os três
métodos e sua aplicação na área jurídica. Neste momento, pois, é o estudo da
Lógica aplicada ao Direito. Observa-se a presença de referidos métodos na
norma, na doutrina, na sentença, na jurisprudência em geral, no costume, na
analogia, nos princípios jurídicos e na investigação criminal, analisando-se
alguns exemplos. Constata-se que a intuição é aplicada, embora seu estudo
não seja ainda tão desenvolvido quanto o dos demais. Constata-se que os
valores são intuídos, estando entre eles a Justiça; e que também é intuído o
próprio caminho para sua realização.

1
Discute-se sobre a adequação e a interdependência de referidos
métodos para a interpretação e para a aplicação do Direito, ou seja, como se
dá a aplicação e a interpretação, bem como a inter-relação. Constata-se que,
na verdade, são os três adequados e complementares; não sendo possível,
pois, a utilização de maneira isolada de apenas um deles.

Ressalte-se que não se pretendeu, neste trabalho, estudar a tópica nem


tampouco outros métodos que vêm sendo elaborados pela moderna teoria da
argumentação (Robert Alexy e Arthur Kaufmann, dentre outros).

2
MÉTODOS USUAIS DE INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO DO
DIREITO: ADEQUAÇÃO E COMPLEMENTARIDADE

1. A LÓGICA E SEUS MÉTODOS

A observação do modo de interpretar e aplicar o Direito, na


jurisprudência dos tribunais, aponta-nos para uma indelével resistência de
uma série de conceitos teóricos, desenvolvidos ainda no século XIX. Daí, a
necessidade de proceder à sua investigação panorâmica, com o intuito de
situá-los no seu contexto teórico.

Intérpretes e aplicadores do Direito utilizam normalmente a dedução, a


indução e a intuição em seu raciocínio. Isso já ocorre ainda no momento da
criação da norma e da constatação de sua eficácia. A questão é verificar se
todos os métodos formais utilizados são adequados e se há prevalência de
algum. Para os racionalistas, a supremacia é do método dedutivo; para os
empiristas, o indutivo é o caminho; para a axiologia, sobressai a intuição. Há
várias correntes a respeito do tema, às vezes extremadas. Convém, pois,
analisar em seus vários aspectos o papel da Lógica em relação ao Direito.

1.1. Lógica

André Lalande, em seu dicionário, traz os seguintes conceitos de


Lógica, do grego λογική (logiké): “A. Uma das partes da Filosofia: ciência
que tem por objeto determinar, por entre todas as operações intelectuais que
tendem para o conhecimento verdadeiro, as que são válidas, e as que o não
são. (...) B. Maneira de raciocinar, tal como esta se exerce de fato. Diz-se
algumas vezes, neste sentido, lógica natural. (...) C. Análise das formas e das
leis do pensamento, quer do ponto de vista racionalista e crítico, quer do
ponto de vista experiencial e descritivo... (...) D. (oposto a ilogismo).
Encadeamento regular e necessário, quer das coisas, quer dos
pensamentos...”1.

A Lógica é, ao mesmo tempo, ciência e arte. Enquanto ciência, é


teórica, estuda os princípios mais gerais relativos ao raciocínio ou operações
intelectuais. Enquanto arte, é prática, trata das regras referentes à formulação
dos raciocínios2.
1
Vocabulário técnico e crítico da filosofia, p. 629/635.
2
André Franco Montoro. Estudos de filosofia do direito, p. 135/136.

3
É um dos ramos da Filosofia e trata, portanto, das operações
intelectuais que se realizam na busca do verdadeiro. É ciência quando estuda
tais operações; é arte quando define as regras para a condução dos raciocínios.
A primeira é a Lógica pura ou formal; a segunda, a aplicada ou metodologia.
Não se trata de estudar as leis do pensamento de forma geral, mas apenas no
que se refere aos raciocínios. Ela serve de instrumento para a Filosofia e para
as ciências.

Discorrendo sobre a arte, Charles Lahr afirma: “A arte se opõe


também à ciência, da qual designa então a parte prática e aplicada, ao passo
que o nome de ciência propriamente dita é reservado para a parte puramente
teórica. Assim, a lógica, a moral, a estética são ciências e artes ao mesmo
tempo: ciências, quando se limitam à determinação das leis; artes, quando
traçam as regras a seguir para atingir um fim prático e executar corretamente
certos atos”3.

Tratando do seu objeto, ensina Paul Janet: “A Lógica é a parte da


filosofia que trata das leis do espírito humano na sua relação com a verdade.
Enquanto estuda essas leis, é a ciência do verdadeiro; enquanto tira daí as
regras para a conduta do espírito, é a arte de pensar. Ela se divide, portanto,
em duas partes: enquanto ciência, é o que se chama lógica pura ou lógica
formal; enquanto arte de pensar, é a lógica aplicada ou metodologia”4.

A sua finalidade é buscar distinguir raciocínios, argumentos e


inferências realizados de forma correta daqueles que ocorrem incorretamente.
Tem ela a função de servir como instrumento para as demais ciências. O
caráter de generalidade da lógica a torna uma ciência filosófica5.

Além da correção ou retidão dos raciocínios, é necessário que


haja também a verdade material das premissas. Nesse sentido, o que se busca,
com a Lógica, é encontrar a verdade.

A Lógica, por si só, não é garantia da obtenção de frutos


científicos proveitosos. Cabe-lhe apenas inspecionar, fiscalizar, intervir na
natureza da ciência. É preciso que se junte a verdade material das premissas à
retidão formal dos raciocínios para se obter um saber seguro, para se ter
3
Manual de Philosophia, p. 303.
4
Traité élémentaire de philosophie, p. 347. Tradução própria do original: “La Logique est cette partie de la
philosophie qui traite des lois de l’esprit humain dans son rapport avec la verité. En tant qu’elle étudie ces
lois elle est la science du vrai; en tant qu’elle en tire des règles pour la conduite de l’esprit, elle est l’art de
penser. Elle se divise donc em deux parties: en tant que science, elle est ce qu’on appelle logique pure ou
logique formelle; en tant qu’art de penser, elle est la logique appliqué ou méthodologie”.
5
Charles Lahr. Manual de Philosophia, p. 321. O autor lembra Aristóteles que, em razão da generalidade,
lhe dá o nome de ’όργανον (órganon – instrumento).

4
ciência legítima. Afirma Albert Menne: “Sem sólidas idéias, sem fatos
averiguados, a Lógica é semelhante à roda de um moinho que gira no vazio
sem nada que moer, e que não faz outra coisa senão desgastar-se e produzir
areia”6.

1.1.1. Verdade e sofisma

O termo grego ’αλήθεια, -ας (alétheia, -as) significa


“verdade, veracidade, sinceridade, realidade”7. Daí vem o adjetivo “alético”.

A verdade é a coincidência entre o que se pensa e aquilo


que ocorre na realidade.

A verdade supõe um objeto, a inteligência e a relação de


conformidade entre o pensamento e o objeto. A inteligência humana tende
para o verdadeiro, mas muitas vezes o atinge de forma imperfeita; o
verdadeiro pode aparecer de forma apenas mais ou menos clara. Daí,
decorrem estados de espírito como ignorância, dúvida, propabilidade e
opinião, evidência e certeza8.

Há também a chamada verdade ontológica, ou seja, tudo o


que existe é verdadeiro. O erro é contrário à verdade lógica. A falsidade se
opõe à verdade ontológica9.

A verdade é, pois, a relação de conformidade entre aquilo


que se pensa e aquilo que é. Entretanto, o verdadeiro pode ser atingido de
maneira imperfeita. Há um objeto, a inteligência e a relação de conformidade.
Há a verdade ontológica que se refere ao que existe. A verdade lógica se
refere à conformidade da inteligência com aquilo que é. A falsidade é o
oposto da verdade ontológica; o erro se opõe à verdade lógica.

Os sofismas ou falácias são um raciocínio falso, que


simula o verdadeiro, de forma intencional ou não10.

Falácias e sofismas “são as designações dadas a


silogismos e argumentos capciosos e falsos”. Trata-se de raciocínios em que
6
Introducción a la lógica, p. 199. Tradução própria do original: “Sin sólidas ideas, sin hechos averiguados,
la Lógica es semejante a la rueda de un molino que gira en el vacío sin nada que moler, y que no hace otra
cosa que desgastarse y producir arena”.
7
Isidro Pereira, Dicionário grego-português e português-grego, p. 26.
8
Charles Lahr. Manual de Philosophia, p. 441/443. O autor lembra a afirmação de Aristóteles: “Dizer que o
que é, é, e que o que não é, não é, eis a verdade”.
9
Estêvão Cruz. Compêndio de filosofia, p. 426/427 e 433.
10
Ibid., p. 437.

5
há infrações a regras lógicas. Pode haver confusão entre dois tipos de
linguagem ou entre palavras, ou seja, equívocos de linguagem ou equívocos
de termos. Há o exemplo famoso do “cretense que mente”. Sua afirmação era:
“Estou mentindo”. Como ele sempre mentia, essa afirmação parecia uma
verdade. Explica-se: pode existir mais de um plano de linguagem. Quando
alguém se refere diretamente a uma coisa, está empregando uma linguagem
de primeira ordem ou linguagem-objeto; entretanto, quando a referência é
uma linguagem, tem-se a linguagem de segunda ordem ou metalinguagem.
No caso do exemplo, portanto, trata-se de um equívoco de linguagem. Há
também termos que geram confusões lógicas. São os equívocos de termos.
Há, entre os exemplos, o da expressão: “duas vezes dois e três”, que pode ser
escrito: “2 vezes 2 e 3 = 7” ou “10 = 2 vezes 2 e 3”, que daria o resultado:
“logo 10 = 7”. É necessário que o interlocutor defina os termos para se evitar
equívoco deste tipo11.

Há ainda a falácia da ignorância do assunto ou ignoratio


elenchi. Ocorre quando se insere matéria estranha em uma argumentação.
Exemplifica Antonio Xavier Teles: “Um prefeito municipal é acusado de se
mostrar indiferente à terrível onde de assaltos existente em sua cidade. Em
resposta, argumenta contra o governo anterior, contra os salários dos policiais
etc., mas não argumenta com o assunto principal. Pode-se dizer: ‘Está
sofismando’”. Refere-se ainda ao circulo vicioso, ou o que se chama de
petição de princípio ou petitio principii, que ocorre quando se supõe “como
provado aquilo mesmo que se pretende provar”. Exemplifica: “É o caso
daquele que demonstra que certa ação é injusta porque é condenável e que é
condenável porque é injusta”12.

Sofismas e falácias podem ocorrer, de fato, quando aquele


que argumenta está mal intencionado ou comete equívocos por ignorância ou
outro motivo. O filósofo e o cientista devem estar atentos para evitar este tipo
de raciocínio, que parece ser válido, mas não é.

1.2. Dedução

O verbo latino “deduco, -es, deduxi, deductum, deducere” tem,


entre seus significados os de “levar, retirar, fazer sair”13. A proposição
particular é tirada da proposição geral14.

11
Antonio Xavier Teles, Introdução ao estudo de filosofia, p. 188/190.
12
Ibid., p. 190/191.
13
Francisco Torrinha, Dicionário latino português, p. 232.
14
Charles Lahr, Manual de philosophia, p. 337/338.

6
Os autores se posicionam da seguinte forma:

André Lalande traz o seguinte conceito de dedução: “Operação


pela qual se conclui rigorosamente de uma ou de várias proposições tomadas
como premissas uma proposição que é a sua conclusão necessária em virtude
das regras lógicas”. Afirma ainda que tal idéia foi confundida com a de
silogismo, mas este se trata apenas de uma das formas, que é a mais usual15.

Segundo Marilena Chauí, na dedução, parte-se de uma verdade


conhecida, aplicando-se-a a casos particulares iguais; parte-se de uma idéia ou
de uma teoria verdadeira. Trata-se de procedimento, “pelo qual um fato ou
objeto particulares são conhecidos por inclusão numa teoria geral”16.

Ensina Irineu Strenger: “Num argumento dedutivamente válido, a


ligação entre as premissas e a conclusão é estrita, no sentido de que a
conclusão deve ser verdadeira em todos os casos em que as premissas são
verdadeiras, impedindo quaisquer exceções. Em tais argumentos, a conclusão
resulta das premissas por necessidade lógica”17.

Betioli traz a seguinte definição: “O método dedutivo se


caracteriza por ser uma forma de raciocínio que, independentemente de
provas experimentais, se desenvolve de uma verdade sabida ou admitida a
uma nova verdade, apenas por conclusão ou conseqüência”18.

Miguel Reale, em “Filosofia do Direito”, define a dedução como


“um processo de raciocínio, que implica sempre a existência de dois ou mais
juízos, ligados entre si por exigências puramente formais”19.

Segundo Estêvão Cruz, pela dedução, se conclui uma proposição


particular ou menos geral, partindo-se de uma geral, com base no princípio da
identidade20. A dedução é “uma série descendente de identidades”21.

A dedução é, pois, o raciocínio pelo qual se chega a uma


conclusão particular partindo-se de uma proposição geral. O raciocínio se
realiza independentemente da experimentação.

15
Vocabulário técnico e crítico da filosofia, p. 227.
16
Filosofia, p. 48.
17
Lógica jurídica, p. 113.
18
Introdução ao direito – lições de propedêutica jurídica tridimensional, p. 513.
19
P. 145.
20
Compêndio de filosofia, p. 145.
21
Ibid., p. 351.

7
É interessante a idéia de “inclusão” de Marilena Chauí, ou seja, a
de um fato particular se encaixar dentro de uma regra geral.

1.2.1. Idéia e termo

1.2.1.1. Idéia

Idéia, noção e conceito são sinônimos.

A idéia “é aquilo que representa a verdade do objeto


22
entendido” .

Ensina Alaôr Caffé: “O conceito ou idéia é a forma


intelectual que exprime o objeto do conhecimento; é a simples representação
intelectual de um ser ou de uma coisa. O conceito (ou idéia) é a representação
intelectual (ideal) de um ser ou de um objeto, sem, contudo, afirmar ou
negar... (...) O conceito é uma representação porque constitui um ato
cognitivo; é simples, porque advém de um simples ato de espírito, sem
afirmar ou negar (distinguindo-se da imagem que é a representação sensível
dos objetos)”23.

A idéia é, portanto, a representação intelectual do


objeto de conhecimento.

1.2.1.2. Termo

O termo é a idéia expressa por palavras24. É “a


expressão verbal do conceito (idéia)... (...) O termo é o elemento logicamente
indecomponível, pois é o produto simples da primeira operação do intelecto”.
Ele não se confunde com a palavra, pois, às vezes, são necessárias várias
delas para exprimir uma só idéia25.

O termo é, pois, a expressão da idéia. É o símbolo


representativo do conceito.

22
Paul Janet. Traité élémentaire de philosophie, p. 369. Tradução própria do original: “(...) est ce qui
représente la vérité de l’objet entendu”.
23
Lógica – pensamento formal e argumentação – elementos para o discurso jurídico, p. 168.
24
Paul Janet, Traité élémentaire de philosophie, p. 368.
25
Alaôr Caffé. Lógica – pensamento formal e argumentação – elementos para o discurso jurídico, p.
169.

8
1.2.2. Juízo e proposição

1.2.2.1. Juízo

O juízo é definido por Charles Lahr como “o ato


pelo qual o espírito afirma uma coisa de outra... (...) Encerra, pois, três
elementos: duas idéias e uma afirmação. A idéia da qual se afirma alguma
coisa chama-se sujeito. A idéia que se afirma do sujeito chama-se atributo, ou
predicado. Quanto à afirmação, é representada pelo verbo est, chamado
cópula ou liame, como unindo o atributo ao sujeito”26.

Segundo Orlando Vilela, é “a operação pela qual o


espírito une ou separa, afirmando ou negando”. Pela apreensão do objeto, se
atinge sua essência; pelo juízo, sua existência27.

Para Alaôr Caffé, “é uma relação entre conceitos. O


juízo é essencialmente a afirmação de uma relação de conveniência ou de
desconveniência entre dois conceitos (idéias)... (...) é o primeiro movimento
de composição intelectual”28.

Há, pois, no juízo, três elementos: o sujeito, que é a


idéia sobre a qual se afirma ou se nega algo; o atributo ou predicado, que é o
que se afirma ou se nega em relação ao sujeito. O terceiro elemento é a cópula
ou liame, ou seja, o que une o sujeito e aquilo que se afirma sobre o mesmo.

1.2.2.2. Proposição

Da mesma forma como o termo traz o conceito, a


proposição traz o juízo. A proposição é o enunciado ou a expressão do juízo.
Ela pode ser categórica quando simples, ou disjuntiva ou condicional quando
composta. Pode ser ainda hipotética ou modal.

A proposição está para o juízo assim como o termo


está para idéia: “é a expressão verbal do juízo”29.

26
Manual de philosophia, p. 331.
27
Iniciação filosófica, p. 110. O autor apresenta a seguinte definição em latim: “operatio intellectus, qua
componit vel dividit affirmando vel negando”.
28
Lógica – pensamento formal e argumentação – elementos para o discurso jurídico, p. 234.
29
Paul Janet, Traité élémentaire de philosophie, p. 384. Tradução própria do original: “c’est l’expression
verbale du jugement”.

9
O estudo clássico da dedução se baseia em
argumentos que contêm proposições categóricas30. Há, porém, ainda as
disjuntivas, conjuntivas e as condicionais, que podem ser hipotéticas ou
modais.

Há quatro formas típicas de proposição categórica:


universal afirmativa, universal negativa, particular afirmativa e particular
negativa. Utilizam-se as letras A, E, I e O para designá-las. Há sempre uma
asserção sobre duas classes, afirmando-se ou negando-se que uma esteja
incluída na outra, total ou parcialmente. Segundo sua qualidade, a proposição
é afirmativa ou negativa; segundo sua quantidade, é universal ou particular31.

Discorrendo sobre o tema, afirma Copi: “Toda


proposição categórica de forma típica começa com uma das palavras ‘todos’,
‘nenhum’ ou ‘alguns’. Estas palavras indicam a quantidade da proposição e
são chamadas ‘quantificadores’. Os dois primeiros indicam que a proposição
é universal, o terceiro que é particular. Além de expressar a quantidade
universal, o quantificador ‘nenhum’ serve para indicar a qualidade negativa
da proposição E.

Entre os termos sujeito e predicado de qualquer


proposição categórica de forma típica ocorre alguma forma do verbo ‘ser’
(acompanhado da palavra ‘não’ no caso da proposição O). Isto serve para
conjugar o termo sujeito com o termo predicado e tem o nome de ‘cópula’.
(...) O esquema geral de uma proposição categórica de forma típica consta de
quatro partes: primeira, o quantificador; depois, o termo sujeito; em seguida, a
cópula; e, finalmente, o termo predicado”32.

Outros autores tratam do assunto da seguinte forma:

Para Charles Lahr, a proposição é “a expressão ou a


enunciação do juízo”; compõe-se de dois termos e do verbo, chamado
“cópula” ou “liame”. Quanto à quantidade, a proposição é geral ou particular.
A singular é equiparada à geral. Quanto à qualidade, distingue-se em
afirmativa e negativa. Combinando-se quantidade e qualidade, têm-se quatro
espécies de proposição, designadas pelos escolásticos por quatro vogais: A, E,
I, O. Quanto à extensão e à compreensão dos termos na proposição, há duas
leis: “Na proposição afirmativa, o atributo é tomado em toda a sua
compreensão, mas não em toda a sua extensão. Na proposição negativa, o
30
Irving M. Copi, Introdução à lógica, p. 139.
31
Ibid., p. 139/143. São exemplos das formas típicas de proposição categórica: A = Todos os paulistas são
brasileiros; E = Nenhum paulista é paranaense; I = Alguns brasileiros são paulistas; O = Alguns brasileiros
não são paulistas.
32
Ibid., p. 143.

10
atributo é tomado em toda a sua extensão, mas não em toda a sua
compreensão”. Na “definição”, “a extensão e a compreensão do atributo são
idênticas às do sujeito”; exprime-se a identidade total entre sujeito e
atributo33.

No mesmo sentido, Allaôr Caffé afirma que a


proposição é a expressão verbal do juízo e “compõe-se, portanto, de dois
termos, o termo-sujeito e o termo-predicado, e a cópula, o verbo de ligação,
que são os três elementos da mesma”34.

Albert Menne entende por “enunciado” “uma


formação lingüística que indica uma situação objetiva, e por isso possui a
propriedade de ser verdadeira ou falsa”35.

Cinara Nahra e Ivan Weber afirmam que os


enunciados “são segmentos lingüísticos que têm sentido completo e podem
ser verdadeiros ou falsos”. Há, pois, duas condições: a completude e a
possibilidade de serem verdadeiros ou falsos36.

Ensina Fábio Ulhoa Coelho: “As proposições


categóricas afirmam algo sobre duas classes, incluindo ou excluindo, total ou
parcialmente, uma classe de outra”. São possíveis a inclusão total de uma em
outra, a exclusão total, a inclusão parcial e a exclusão parcial. Há três
conceitos relacionados com as proposições categóricas: qualidade, quantidade
e distribuição. A qualidade se refere à afirmação ou negação; a quantidade, à
amplitude. Quanto à distribuição, afirma que “a proposição categórica
distribui um certo termo quando veicula informação pertinente a todos os
membros da classe referenciada por esse termo”37.

Observa-se, pois, que as proposições categóricas


podem ter três atributos, ou seja, quantidade, qualidade e distribuição. Quanto
à quantidade, são gerais ou particulares; quanto à qualidade, afirmativas ou
negativas; quanto à distribuição: na afirmativa, o atributo está em toda a
compreensão mas não na extensão; na negativa: está em toda a sua extensão
mas não na compreensão; na definição: há identidade entre sujeito e atributo.

As proposições podem ser hipotéticas ou modais. As


hipotéticas afirmam ou negam somente em determinada hipótese; podendo ser
33
Manual de philosophia, p. 332/333.
34
Lógica – pensamento formal e argumentação – elementos para o discurso jurídico, p. 239.
35
Introducción a la lógica, p. 79. Tradução própria do original: “una formación lingüística que indica una
situación objetiva, y por ello posee la propiedad de ser verdadera o falsa”.
36
Através da lógica, p. 19/20.
37
Roteiro de lógica jurídica, p. 11/13.

11
condicionais, disjuntivas ou conjuntivas. As proposições modais “são aquelas
em que o liame é determinado por um advérbio ou uma locução qualquer
significando a necessidade ou a contingência, a impossibilidade ou
possibilidade. – Essas proposições enunciam a afirmação e o modo da
afirmação”38.

Quanto à correspondência entre o que se afirma e a


realidade fática, uma proposição pode ser verdadeira ou falsa.

Um enunciado é verdadeiro quando há coincidência


com a situação objetiva que indica; possui um valor de verdade que é sua
significação. O pensamento que expressa é o seu sentido. Os valores de
verdade são: verdadeiro ou falso. Podem existir functores, que transformam e
vinculam os enunciados entre si, formando outros novos: os functores
enunciativos. Estes têm valor de verdade, que depende do valor de verdade
dos enunciados que o compõem39.

Segundo Albert Menne, há os seguintes functores:


negador, conjunção, disjunção, implicação, replicação, exclusão,
equivalência, contravalência40.

Quanto à linguagem, lembra Copi que a mesma


possui três usos básicos, que são o informativo, o expressivo e o diretivo. Ele
lembra Wittgenstein que sugere vários exemplos: “dar ordens, descrever a
aparência de um objeto ou dar as suas medidas, relatar um acontecimento,
especular sobre um acontecimento, formar e verificar uma hipótese,
apresentar os resultados de uma experiência em tabelas e diagramas, compor
uma história, representar, cantar, decifrar enigmas e charadas, inventar uma
anedota e contá-la, resolver um problema de aritmética prática, traduzir de um
idioma para outro, perguntar, agradecer, praguejar, cumprimentar e rezar”41.

Ainda quanto à linguagem, observa-se que é


possível o uso de símbolos, para a expressão dos enunciados e dos raciocínios
da linguagem natural42.

38
Charles Lahr, Manual de philosophia, p. 336.
39
Albert Menne, Introducción a la lógica, p. 80/81.
40
Ibid., p. 81/89.
41
Introdução à lógica, 48.
42
Irving Copi, Introdução à lógica, passim.

12
1.2.3. Raciocínio e argumento

1.2.3.1. Raciocínio

O raciocínio é “a operação pela qual o espírito passa


de uma coisa apreendida a uma outra”. É composto por juízos43.

Pelo raciocínio se vai do conhecido ao


desconhecido, por força das leis da razão. Charles Lahr o define como “a
operação do espírito que, de uma ou várias ralações conhecidas, conclui
logicamente de uma outra relação” ou, ainda, como “a operação que consiste
em tirar logicamente uma proposição duma, ou de várias proposições dadas”.
Pode ir do geral ao particular, é o dedutivo; ou ir do particular ao geral, é o
indutivo44.

Quanto à validade, o raciocínio dedutivo pode ser


válido ou inválido; “é válido quando suas premissas, se verdadeiras, fornecem
provas convincentes para sua conclusão, isto é, quando as premissas e a
conclusão estão de tal modo relacionadas que é absolutamente impossível as
premissas serem verdadeiras se a conclusão tampouco for verdadeira”. O
raciocínio indutivo não é “válido” nem “inválido”, mas pode ser avaliado
como melhor ou pior, “segundo o grau de verossimilhança ou probabilidade
que as premissas confiram às respectivas conclusões”45.

Proposições podem ser verdadeiras ou falsas.


Argumentos dedutivos podem ser válidos ou inválidos. Podem existir
argumentos válidos com conclusões falsas e argumentos inválidos com
conclusões verdadeiras. Segundo Copi, “o termo ‘sólido’ é introduzido para
caracterizar um argumento válido cujas premissas são todas verdadeiras.
Evidentemente, a conclusão de um argumento sólido é verdadeira. Um
raciocínio dedutivo não consegue estabelecer a verdade da sua conclusão se
não for sólido, o que significa que não é válido, ou então que nem todas as
suas premissas são verdadeiras”. Lembra que cabe à ciência determinar a
verdade ou a falsidade das premissas. Está no campo da lógica, determinar a
correção ou a incorreção dos raciocínios46.

O argumento dedutivo é válido quando é impossível


que suas premissas sejam verdadeiras sem que a conclusão também o seja47.

43
Orlando Vilela, Iniciação filosófica, p. 110.
44
Manual de philosophia, p. 337.
45
Irving M. Copi, Introdução à lógica, p. 35.
46
Ibid., p. 38.
47
Ibid., p. 139.

13
No mesmo sentido, afirma Salmon que “validade” é
propriedade de argumentos; “verdade” é propriedade de enunciados
individuais ou isolados48.

1.2.3.2. Argumento

Embora alguns autores não façam distinção entre


raciocínio e argumento, é preciso considerar que este traz aquele, ou seja, a
argumentação resulta do raciocínio. O argumento é um conjunto de
proposições; o raciocínio, de juízos.

Para Salmon, argumento “é uma coleção de


enunciados que se relacionam mutuamente”49.

Fábio Ulhoa Coelho afirma: “O argumento é um


conjunto de proposições, mas não um conjunto qualquer. Nele, as proposições
estão concatenadas de uma forma específica; ou seja, uma ou mais
proposições sustentam outra proposição”50.

O argumento é, portanto, um conjunto de


proposições, sendo uma ou mais as premissas, que sustentam uma outra, que é
a conclusão.

1.2.4. Dedução mediata: o silogismo

O termo silogismo vem do grego συλλογισµός, -ου


(syllogismós, -oû), que significa “conta, raciocínio, silogismo”51, bem como
“ligação”. Trata-se de uma espécie de raciocínio dedutivo.

O silogismo é a forma clássica do raciocínio dedutivo52.


Paul Janet assim o define: “O silogismo é uma reunião de três proposições
tais que, postas as duas primeiras, a terceira se segue necessariamente”53. Para
Charles Lahr, é como “um raciocínio composto de três proposições, dispostas
de tal maneira que a terceira chamada conclusão, deriva logicamente das duas
primeiras, chamadas premissas”54.
48
Lógica, p. 11.
49
Lógica, p. 2.
50
Roteiro de lógica jurídica, p. 9.
51
Isidro Pereira, Dicionário português-grego e grego-português, p. 539.
52
Estêvão Cruz. Compêndio de filosofia, p. 145.
53
Traité élémentaire de philosophie, p. 413. Tradução própria do original: “Le syllogisme est une réunion
de trois propositions telles que, les deux premières étant posées, la troisième s’ensuit nécessairement”.
54
Manual de philosophia, p. 342.

14
O silogismo tem três idéias ou termos. Há o “grande
termo”, que é o atributo da conclusão. É chamado grande por ter a maior
extensão. Há o “pequeno termo”, que é o sujeito da conclusão. Sua extensão é
normalmente a mais restrita. Há o termo médio, assim chamado por ter
extensão média e por ser intermediário, permitindo conhecer a relação entre o
grande e o pequeno. Em oposição ao médio, o grande e o pequeno se chamam
extremos. As duas primeiras proposições são premissas, e terceira, conclusão.
A premissa maior contém o grande termo unido ao médio; a menor contém o
pequeno termo55.

No mesmo sentido, afirma Albert Menne: “Entende-se por


silogismo uma conseqüência, na qual, partindo-se de duas proposições
prévias, chamadas premissas, que constituem cada uma um enunciado acerca
de duas classes, combinadas de tal maneira que uma mesma classe, chamada
termo médio, apareça em ambas as premissas, se infere uma conclusão, na
qual é eliminada esta classe”56.

Há três termos: o grande, o médio e o pequeno. Nenhum


tem maior extensão na conclusão que nas premissas. Pelo menos uma vez o
termo médio se toma em toda a sua extensão. O termo médio nunca entra na
conclusão. Quanto às proposições: não se tira conclusão de duas premissas
negativas; não há conclusão negativa de duas premissas afirmativas; a
“conclusão segue sempre a parte mais fraca”, sendo a premissa negativa mais
fraca que a afirmativa, e a particular mais fraca que a geral; de duas premissas
particulares não se tira qualquer conclusão57.

Quanto às regras, afirma Charles Lahr que podem ser


reduzidas a uma:

1. Do ponto de vista da extensão: “O que é verdade


do gênero, é verdade de toda a espécie e de todo indivíduo pertencente a esse
gênero”.

2. Do ponto de vista da compreensão: “O que


contém uma coisa, contém também o que está contido nessa coisa”. Trata-se
do princípio do conteúdo. “Port-Royal se coloca nesse ponto de vista quando

55
Ibid., mesma página.
56
Introducción a la lógica, p. 164. Tradução própria do original: “Se entendiende por silogismo una
consecuencia, en la cual, partiendo de dos proposiciones previas, llamadas premisas, que consituyen cada una
un enunciado acerca de dos clases, combinadas de tal manera que una misma clase, llamada término medio,
aparezca en ambas premisas, se infiere una conclusión, en la que es eliminada esta clase”.
57
Charles Lahr, Manual de philosophia, p. 343/344.

15
resume a teoria do silogismo nestas duas regras: A maior deve conter a
conclusão, e a menor mostrar que nela é contida”.

3. Do ponto de vista da conveniência dos termos,


resumem-se a dois princípios: “Duas idéias que convêm com uma terceira,
convêm entre si. Duas idéias, das quais uma convém com uma terceira e a
outra não, não convêm entre si”58.

Também no mesmo sentido, Copi define o silogismo como


“um argumento em que uma conclusão é inferida de duas premissas”. O
silogismo categórico “é um argumento que consiste em três proposições
categóricas que contêm exatamente três termos, cada um dos quais ocorre
exatamente em duas das proposições constituintes”. É de forma típica
“quando suas premissas e conclusão são todas proposições categóricas de
forma típica e estão dispostas numa ordem específica”. Denomina-se termo
maior o termo predicado da conclusão; termo menor, o termo sujeito da
conclusão; o que está em ambas as premissas, termo médio. No silogismo
categórico de forma típica, a premissa maior – a que contém o termo maior –
é formulada primeiro; a premissa menor – a que contém o termo menor – em
segundo lugar; e a conclusão por último59.

Para Reale, “é o raciocínio em virtude do qual, postas duas


asserções, delas resulta, necessariamente uma terceira, pela simples colocação
das duas anteriores... (...) Pelo silogismo, vamos de uma verdade à sua
conseqüência, ou do geral para o particular (...). No silogismo procedemos
efetivamente, de uma proposição enunciada de maneira geral (premissa
maior) para as conseqüências dessa proposição em caso particular
(conclusão), pelo confronto com uma enunciação intermédia (premissa
menor)”60.

O silogismo, pois, é uma espécie de raciocínio dedutivo,


composto de três proposições, sendo que o termo menor é o sujeito da
conclusão (a terceira proposição); o termo maior é o seu predicado. A
premissa maior é a que contém o termo maior unido ao médio. A premissa
menor contém o termo menor também unido ao médio.

58
Ibid., p. 345. O autor afirma: “Compreendamos bem o valor dessas regras. Elas não garantem a verdade
intrínseca das proposições que compõem o raciocínio, asseguram somente seu encadeamento lógico, isto é, a
conseqüência. Em outros termos, referem-se à forma do silogismo, não à matéria”.
59
Introdução à lógica, p. 167/168.
60
Filosofia do direito, p. 146.

16
1.2.4.1. A forma, o modo e a figura do silogismo

A forma do silogismo resulta da combinação da


figura e do modo. A figura resulta do lugar em que o termo médio ocupa nas
premissas; o modo resulta da maneira como se combinam a quantidade e a
qualidade das proposições61.

O modo de um silogismo de forma típica se


determina pelos tipos de proposição, ou seja, por três letras, designando
respectivamente as formas da premissa maior, da menor e da conclusão. São
exemplos: AAA, AAE, AAI, etc.62

Há ainda quatro figuras, sendo que as mesmas


designam a posição do termo médio. As diferentes posições constituem as
figuras primeira, segunda, terceira e quarta. Combinando os modos e as
figuras é possível chegar a duzentas e cinqüenta e seis formas diferentes.
Entretanto, apenas algumas são válidas63.

O aspecto mais importante do silogismo é sua forma,


e da mesma depende sua validade. Isso independentemente de seu conteúdo e
de seu tema. O silogismo de forma AAA-1 é sempre válido64.

1.2.4.2. Silogismos irregulares

O silogismo, segundo Charles Lahr, na maioria das


vezes, aparece modificado, simplificado ou desenvolvido de maneiras
diferentes. São os principais: o entimema, o epiquerema, o polissilogismo, o
sorites, o dilema65.

Entimema vem do grego ’εν-θυµείσθαι (en-


thumeisthai), que significa “ter no espírito”. Uma das premissas é
subentendida ou até mesmo a conclusão66.

São argumentos enunciados de forma incompleta67.

61
Charles Lahr, Manual de philosophia, p. 345.
62
Irving Copi, Introdução à lógica, p. 168.
63
Ibid., 169. Vide as quatro figuras no apêndice.
64
Ibid., p. 170.
65
Manual de philosophia, p. 346/347.
66
Ibid., p. 346. Charles Lahr traz, como exemplo, um verso da Medéa, de Sêneca: “A quem serviu o crime, é
dele culpado. (Ora, ele te serviu; logo, tu és culpado).
67
Irving Copi, Introdução à lógica, p. 208.

17
Epiquerema vem de ’επιχείρηµα (epichéirema), que
significa “ataque”. As premissas vêm acompanhadas da prova68.

Polissilogismo vem de πoλύ (poli), que significa


muito: São vários silogismos que se dispõem de tal maneira “que a conclusão
do primeiro serve de maior ao segundo, e assim por diante”69.

Sorites vem do grego σωρός, -ου (sorós, -ou), que


significa “montão”. Trata-se de uma seqüência de proposições, que se
encadeiam “de tal sorte, que o atributo da precedente se torna sujeito da
seguinte, e assim sucessivamente até a última proposição, que une o primeiro
sujeito ao último atributo: é o sorites regressivo... (...) Às vezes, também, as
proposições estão encadeadas de maneira que o sujeito da precedente se torna
atributo da seguinte até a última, que une o último sujeito ao primeiro
atributo: é o sorites progressivo”. A regra é que deve haver conexão entre
idéias e não apenas entre palavras70.

Trata-se de argumento constituído por uma cadeia de


silogismos categóricos, expresso de forma entimemática71.

Dilema vem do grego δίς ληµα (dis lema), que


significa “que tem duas proposições”. Trata-se de silogismo duplo com
conclusão única. Há duas regras: a disjunção deve ser completa, sem
escapatória entre os termos da alternativa, “o que supõe serem opostos
contraditoriamente”; que não possa haver retorsão contra quem emprega72.

Trata-se de argumento que se destina a colocar


alguém entre duas alternativas más ou desagradáveis73.

68
Manual de philosophia, p. 346. Charles Lahr traz, como exemplo, a defesa de Cícero “pro Milone”: “É
permitido matar um agressor injusto: – A lei natural, a lei positiva autorizam-no... Ora, Clódio foi agressor
injusto de Milo: – Seus antecedentes, sua escolta, suas armas provam-no. Logo, era permitido a Milo matar
Clódio”.
69
Ibid., mesma página. Charles Lahr traz, como exemplo: “O que é simples não pode ser dissolvido; / Ora, a
alma humana é simples; / Logo, a alma humana não se pode dissolver; / Ora, o que se não pode dissolver é
incorruptível; / Logo, a alma humana é incorruptível”.
70
Ibid., p. 346/347. Charles Lahr traz, como exemplo, o raciocínio da raposa, de Montaigne: “Este regato faz
ruído; o que faz ruído se mexe; o que se mexe não está gelado; o que não está gelado não me agüenta; logo,
este regato não me pode agüentar”.
71
Irving M. Copi, Introdução à lógica, p. 211.
72
Manual de philosophia, p. 347. Charles Lahr traz, como exemplo: “Ou tu estavas no teu posto, ou não
estavas. Se estavas, não cumpriste o teu dever; se não estavas, cometeste um ato vergonhoso; em ambos os
casos, mereces a morte”.
73
Irving M. Copi, Introdução à lógica, p. 218/219.

18
1.2.5. Dedução imediata

É possível realizar inferências imediatas, ou seja, extrair


uma conclusão a partir de uma única premissa. Quando há mais de uma
premissa, a inferência é mediata74.

Há inferência imediata quando uma proposição categórica


é premissa suficiente para a conclusão trazida por outra proposição75.

No caso da dedução imediata, portanto, tira-se a conclusão


a partir de uma única premissa em razão de sua suficiência.

1.2.5.1. Oposição

São opostas as proposições que têm o mesmo sujeito


e o mesmo atributo e diferem na qualidade ou na quantidade ou em ambas. As
que diferem em qualidade e quantidade ao mesmo tempo são contraditórias.
As que diferem só em qualidade podem ser contrárias ou subcontrárias;
aquelas se gerais, estas se particulares. As que diferem na qualidade são
subalternas76.

Quando duas proposições são contraditórias, a


“verdade de uma se deduz imediatamente da falsidade da outra, e
reciprocamente”. Quando são contrárias, da “verdade de uma deduz-se
imediatamente a falsidade da outra... (...) Mas, da falsidade de uma não se
segue nem a verdade nem a falsidade da outra”. Quando são subcontrárias, da
“falsidade de uma segue-se a verdade da outra; mas, da verdade de uma não
se segue nada a respeito da outra”. Quando são subalternas, da verdade da
geral conclui-se a verdade da particular, mas da falsidade da geral nada se
conclui; e da verdade da particular nada se conclui quanto à geral, mas da
falsidade da particular se conclui a falsidade da geral77.

Conforme o quadro tradicional de oposição, as


proposições categóricas podem ser contraditórias, contrárias, subcontrárias,
subalternas ou superalternas. São contraditórias quando não podem ser ambas
verdadeiras ou ambas falsas; se uma é verdadeira, a outra é falsa. Tal relação
ocorre entre as proposições do tipo A e O, bem como E e I. São contrárias
quando não podem ser ambas verdadeiras, mas podem ser ambas falsas. É o
74
Ibid., p. 148/149.
75
Fábio Ulhoa Coelho, Roteiro de lógica jurídica, p. 15.
76
Manual de philosophia, p. 339. Vide quadro no apêndice.
77
Ibid., p. 340. Como exemplo, podemos observar a relação de contradição: se a afirmação “algum homem é
honesto” é verdadeira, a sua contraditória é falsa: “nenhum homem é honesto”.

19
que ocorre com as do tipo A e E. São subcontrárias quando não podem ser
ambas falsas, mas podem ser ambas verdadeiras. É o que se passa com as do
tipo I e O. A relação de subalternação existe entre uma proposição universal e
sua correspondente particular. A universal é chamada superalterna ou
subalternante; a particular, subalternada ou subalterna. O superalterno implica
o subalterno, mas tal não ocorre deste para aquele78.

1.2.5.2. Conversão

É possível realizar inferências imediatas também por


conversão. Tal como ocorre com as proposições dos tipos E e I. Sendo
verdadeira a convertente, é verdadeira também a convertida. No caso de
proposição do tipo A, sendo verdadeira, a convertida é falsa. Entretanto, é
possível a conversão por limitação. Permuta-se sujeito e predicado e, além
disso, muda-se a quantidade de universal para particular. Já no caso da
proposição do tipo O, a convertida em geral não é equivalente79.

Definindo a conversão, afirma Charles Lahr que a


mesma “consiste em deduzir uma proposição de outra, mudando os termos”.
Há quatro regras: “1. Duma proposição geral afirmativa só se pode deduzir
uma proposição particular afirmativa. (...) 2. A proposição particular
afirmativa converte-se sem mudança. (...) 3. As proposições universais
negativas são igualmente recíprocas. 4. (...) de uma proposição particular
negativa nada se deduz por via de conversão”80.

A conversão, segundo Allaôr Caffé, “é a operação


lógica que consiste em transportar os termos de uma proposição sem
modificar-lhe a qualidade (e o sentido), isto é, o sujeito passa a ser predicado
e o predicado a ser sujeito, sem que se modifique a qualidade
proposicional”81.

1.2.5.3. Obversão

A obversão é outro tipo de inferência imediata. Para


se obvertir uma proposição, muda-se a sua qualidade e se substitui o termo
predicado por seu complemento. Ensina Copi: “Todas as proposições
categóricas de forma típica são logicamente equivalentes às suas obversas, de
78
Irving M. Copi, Introdução à lógica, p. 146/148.
79
Ibid., p. 149/151. Como exemplo, podemos observar uma proposição universal negativa: “Nenhum paulista
é mineiro”. Aplicando a conversão, temos: “Nenhum mineiro é paulista”. Há, pois, reciprocidade.
80
Manual de philosophia, p. 341.
81
Lógica – pensamento formal e argumentação – elementos para o discurso jurídico, p. 255.

20
modo que a obversão é uma forma válida de inferência imediata para qualquer
proposição categórica de forma típica”82.

Na obversão, para Allaôr Caffé, assim se procede:


“de uma proposição categórica, afirmativa ou negativa, chamada obvertente,
passa-se para outra proposição, chamada obversa, que possui a mesma
quantidade e o mesmo sujeito da primeira, porém de qualidade oposta
(negativa ou positiva) e com um predicado que é a negação do predicado da
primeira proposição (termo indefinido)”83.

1.2.5.4. Contraposição

A contraposição é a outra espécie de inferência


imediata e, de certa forma, se reduz às duas outras. Neste caso, substitui-se o
sujeito pelo complemento do predicado e o predicado pelo complemento do
sujeito. A contrapositiva da proposição A é equivalente à mesma; o mesmo
ocorre com a do tipo O. A contraposição não é válida no caso da proposição
do tipo I. No caso da do tipo E, só é válida por limitação84.

Allaôr Caffé acrescenta que a contraposição se


obtém “aplicando a obversão à proposição da qual se parte, fazendo-se,
depois, a conversão da proposição assim obtida. A inferência por
contraposição é a obtenção de uma proposição conversa da obversa da
proposição de que se parte”85.

1.3. Indução

O verbo latino “induco, -es, induxi, inductum, inducere” tem,


entre seus significados os de “levar, conduzir para dentro, introduzir”86.
Reúnem-se várias proposições particulares, para compor uma geral87.

André Lalande traz um dos conceitos de indução: “Operação


mental que consiste em remontar de um certo número de proposições dadas,
geralmente singulares ou especiais, a que chamaremos indutoras, a uma

82
Introdução à lógica, p. 151/153. Como exemplo, podemos observar: sendo obvertente: “Todo paulista é
brasileiro”, teremos a observa: “Nenhum paulista é não-brasileiro”. Há equivalência.
83
Lógica – pensamento formal e argumentação – elementos para o discurso jurídico, p. 257.
84
Irving M. Copi, Introdução à lógica, p. 153/154. Como exemplo, podemos observar: a proposição: “Todo
paulista é brasileiro” tem como contrapositiva: “Todo não-brasileiro é não-paulista”. Há equivalência.
85
Lógica – pensamento formal e argumentação – elementos para o discurso jurídico, p. 257.
86
Francisco Torrinha, Dicionário latino português, p. 416.
87
Charles Lahr, Manual de philosophia, p. 338.

21
proposição ou a um pequeno número de proposições mais gerais, chamadas
induzidas, tais que implicam todas as proposições indutoras”88.

Há argumentos que estabelecem a verdade como provável. São


os argumentos indutivos89.

Assim tratam da indução os diversos autores:

Copi ensina: “O método de chegar a proposições gerais ou


universais, partindo dos fatos particulares da experiência, é chamado
generalização indutiva”90.

Alaor Caffé traz a seguinte definição: “A indução é um


raciocínio pelo qual o espírito, de dados singulares ou parciais
suficientemente enumerados, infere uma verdade universal. O raciocínio
indutivo é, portanto, o que passa do particular ao universal”91.

Ensina Marilena Chauí que, com a indução, “partimos de casos


particulares iguais ou semelhantes e procuramos a lei geral, a definição geral
ou a teoria geral que explica e subordina todos esses casos particulares”92.

Maria Lúcia Aranha e Maria Helena Martins, tratando da


indução, afirmam que a mesma considera “um suficiente número de casos
particulares” e, depois disso, chega a uma conclusão geral. Ela parte da
experiência sensível93.

Gilson Delgado Miranda, citando Pedro Lessa, no artigo “A


Indução Analógica no Campo do Direito”, afirma que o raciocínio indutivo
parte do particular para o geral, compondo-se dos seguintes processos:
observação, experimentação, comparação e generalização ou indução
propriamente dita. Pela observação, se examinam os fatos; pela
experimentação, se reproduzem fatos observados, em condições determinadas
e dentro do possível, para se corrigirem os resultados da observação; e, como
ambas só levam ao conhecimento de fatos isolados, há a comparação, para se
verificar o que há de comum, constante ou geral em uma série de fenômenos.
A partir de então, se pode generalizar ou formular leis que subordinam tais
fatos94.
88
Vocabulário técnico e crítico da filosofia, p. 559.
89
Irving M. Copi, Introdução à lógica, p. 313.
90
Ibid., p. 333.
91
Lógica – pensamento formal e argumentação – elementos para o discurso jurídico, p. 312.
92
Filosofia, p. 49.
93
Temas de filosofia, p. 58.
94
Revista do Instituto de Pesquisas e Estudos – Divisão Jurídica – Instituição Toledo de Ensino –
Faculdade de Direito de Bauru, nº 22, ago/nov., 1998, p. 238.

22
Segundo Flávio Fernandes, John Stuart Mill definiu a indução
“como uma generalização da experiência, esclarecendo que consiste em
inferir de quaisquer casos particulares onde um fenômeno é observado, que
ele se encontra entre todos os casos de uma certa classe, quer dizer em todos
os casos que se assemelham aos primeiros naquilo que eles oferecem de
essencial... E, assim, o que é verdadeiro, para um caso qualquer, é verdadeiro,
também, para todos os casos de uma certa natureza”. Para aquele autor,
“sendo a indução uma generalização da experiência, infunde-se no
conhecimento das circunstâncias dos fenômenos idênticos devidamente
analisados, ampliando a sua conclusão a outros fenômenos não observados,
todavia, da mesma natureza”95.

Afirma Betioli: “Pelo método indutivo, o pensamento infere uma


verdade geral, de dados singulares suficientes. Trata-se, pois, de um processo
de raciocínio que se desenvolve a partir de fatos singulares, até atingir uma
conclusão de ordem geral, com fundamento na experiência”96.

Segundo Salmon, as conclusões, nos argumentos indutivos,


excedem o conteúdo das premissas; o que os torna úteis. Entre eles, estão a
generalização indutiva, a analogia, o raciocínio causal e a confirmação de
hipóteses científicas. Os argumentos indutivos têm também o objetivo de
chegar a conclusões de conteúdo mais amplo que o das premissas;
sacrificando, para tanto, o caráter de necessidade dos dedutivos. Segundo este
autor, “um argumento indutivo correto pode ter premissas verdadeiras e uma
conclusão falsa”; mesmo assim “as premissas de um argumento indutivo
correto sustentam ou dão peso à conclusão”; “se as premissas de um
argumento indutivo correto são verdadeiras, (...) a conclusão é provavelmente
verdadeira”. Os argumentos dedutivos não têm gradação de validade; já os
indutivos têm graus de eficácia e apoio. Ensina Salmon: “As premissas de um
argumento indutivo correto podem tornar a conclusão extremamente
provável, moderadamente provável ou provável em certa medida. Por
conseguinte, as premissas de um argumento indutivo correto, se verdadeiras,
constituem razões, de um certo grau de força, para que se aceite a conclusão”.
Os argumentos dedutivos válidos têm a característica de, sendo válidos,
continuarem sendo mesmo que se adicionem outras premissas. Os indutivos,
ao contrário, podem ter aumentado ou diminuído o grau de apoio da
conclusão em razão de premissas adicionadas. As evidências adicionais
podem ser importantes97.

95
Adequação do costume, da indução e da analogia ao direito. Revista da Faculdade de Direito das
Faculdades Metropolitanas Unidas, ano 7, nº 7, nov., 1993, p. 67.
96
Introdução ao direito – lições de propedêutica jurídica tridimensional, p. 512.
97
Lógica, p. 45/46.

23
Para Charles Lahr, a indução se compreende como “a operação
do espírito que consiste em concluir do particular o geral”. Ele apresenta três
espécies de indução: a socrática, a aristotélica e a baconiana. A socrática é “o
processo de generalização pelo qual nos elevamos do indivíduo ao gênero”. A
aristotélica “consiste em afirmar da coleção inteira o que se reconheceu
convir a cada indivíduo dessa coleção”. Não seria exatamente um raciocínio,
mas uma simples adição; é indutivo apenas na forma; vai do mesmo para o
mesmo; a soma das partes é igual o todo. A baconiana “é o processo que
consiste em generalizar uma relação de causalidade entre dois fenômenos,
ainda que se tenha verificado apenas um número de vezes relativamente
restrito, e em concluir da relação causal, a lei”. É chamada de baconiana por
ter sido Bacon que ressaltou seu alcance científico, formulou regras e
vulgarizou seu emprego nas ciências98.

Segundo esse autor, são regras da indução: deve ser essencial a


relação que se pretende generalizar; os fatos observados devem ser idênticos
àqueles aos quais se pretende estender a relação, tomando-se a causa em
sentido total e completo. Tratando do valor desta espécie de raciocínio, afirma
que a indução não pode ser vulgar, ou seja, realizando generalizações
imprudentes, como ocorre com a enumeração imperfeita e com a ignorância
de causa; não pode, tampouco, ser puramente formal, por simples
enumeração. A indução científica se baseia em experimentação regular, sendo
teoricamente inatacável, pois, sendo a relação essencial, é constante.
Entretanto, sempre fica a dúvida; há sempre a possibilidade do antecedente
desconhecido, ou seja, não levado em conta. O processo indutivo não conduz
à certeza absoluta99.

Segundo Miguel Reale, em “Filosofia do Direito”, na indução “o


espírito procede do particular para o geral, constituindo um processo de
descoberta de verdades gerais, partindo-se da observação de casos
particulares”. Há a indução completa ou formal e a amplificadora, que é “a
indução propriamente dita”. É formal quando se chega a uma conclusão após
exame e verificação de todos os elementos de uma série. Exemplifica:
“Examinada, por exemplo, certa propriedade em cada um dos planetas do
sistema solar, podemos enunciá-la de forma rigorosa, e o que enunciamos
vale como lei que condensa ou resume os resultados das observações
particulares”. Na indução completa, exprime-se “em uma síntese ou em uma
fórmula aquilo que já sabemos a respeito de cada coisa em sua singularidade.
Trata-se de processo de clarificação dos dados do real, através de uma síntese
expressional”. Não há problema, pois apenas se repete “in genere o verificado
98
Manual de philosophia, p. 396.
99
Ibid., p. 398/399.

24
em cada caso ou em cada espécie”. Ensina ainda: “A indução por excelência,
porém, é a amplificadora, porque nosso espírito se eleva a uma conclusão a
respeito de toda uma série, mesmo sem ter conhecido senão alguns de seus
elementos, podendo essa amplificação ser feita de maneira empírica, ou de
maneira metódica ou experimental”100.

Miguel Reale, comentando o problema da indução, afirma: “O


certo é que na indução amplificadora realizamos sempre uma conquista, a
conquista do algo novo, que se refere a objetos reais e a relações entre objetos
reais, tendo como ponto de partida a observação dos fatos. Na base da
indução está, portanto, a experiência, a observação dos fatos que deve
obedecer a determinados requisitos, cercada de rigorosas precauções críticas,
tal como exige o conhecimento indutivo de tipo científico, inconfundível com
as meras generalizações empíricas”. Quanto à indução experimental, afirma
Reale que “a formulação de ‘hipóteses’ é da essência mesma do processo,
devendo-se notar que a indução envolve sempre, concomitantemente,
elementos obtidos dedutivamente, desempenhando nela também a intuição
um papel relevante, pois todo raciocínio até certo ponto implica em uma
sucessão de ‘evidências’”101.

Para Estêvão Cruz, a indução é um caso de generalização. Os


fenômenos são observados e, em seguida, comparados, percebendo-se a
relação entre eles de coexistência ou sucessão. Após, são classificados
conforme a relação constante entre eles. Este é o ato final de generalização102.

No raciocínio indutivo, portanto, parte-se de proposições


particulares para se chegar a uma conclusão geral. Leva-se em conta um
número suficiente de casos. Mesmo assim, a conclusão é sempre apenas
provável; nunca se chega à certeza absoluta.

1.3.1. Analogia

André Lalande apresenta o seguinte conceito de raciocínio


por analogia (do grego ’αναλογία, -ας): “A. Raciocínio fundado sobre a
analogia no sentido... (...) primitivo e próprio: identidade da relação que une
dois a dois os termos de dois ou mais pares. Especialmente, e por excelência,
proporção matemática (chamada ’αναλογία em EUCLIDES). ARISTÓTELES
analisa este sentido com precisão na Ética a Nicômaco, V, 6; 113ª30ss... (...)
Em particular, determinação de um termo pelo conhecimento dos dois termos

100
P. 142/143.
101
Ibid., p. 145.
102
Compêndio de filosofia, p. 144.

25
de um dos pares e de um dos termos do segundo. B. Todo raciocínio que
conclui em virtude de uma semelhança entre os objetos sobre os quais se
raciocina”103.

Tratando do tema, afirma Copi: “A maioria das nossas


inferências cotidianas é feita por analogia. Assim, infiro que um novo par de
sapatos me servirá bem, na base de que outros pares de sapatos, anteriormente
comprados na mesma loja, me serviram bem. Se um novo livro de um
determinado autor atrai minha atenção, deduzo que terei prazer em lê-lo,
como li outros do mesmo autor, e tive o mesmo prazer. (...) Nenhum desses
argumentos é certo ou demonstrativamente válido. Nenhuma das suas
conclusões decorre, com ‘necessidade lógica’, de suas premissas. É
logicamente possível que... (...) os novos sapatos não sirvam tão bem como os
anteriores; e que o último livro do meu autor favorito me pareça
intoleravelmente insípido... (...) nenhum argumento por analogia pretende ser
matematicamente certo... (...) Tudo o que se pretende deles é que tenham
alguma probabilidade. (...) Toda inferência analógica parte da semelhança de
duas ou mais coisas em um ou mais aspectos para concluir a semelhança
dessas coisas em algum outro aspecto”104.

Os argumentos analógicos são alguns mais convincentes


que outros; suas conclusões são estabelecidas com maior ou menor
probabilidade. Para a apreciação de um argumento analógico, o primeiro
critério importante “é o número de entidades entre as quais se afirmam as
analogias”; o segundo “é a quantidade de aspectos na qual se diz que as coisas
em questão são análogas”; o terceiro “é a força das suas conclusões com
relação às suas premissas”; o quarto “relaciona-se com o número de
desanalogias, ou pontos de diferença entre os exemplos mencionados nas
premissas e o caso ao qual se refere a conclusão”; o quinto é “que quanto
mais dessemelhantes forem os exemplos mencionados nas premissas, tanto
mais forte será o argumento”; o sexto é o grau de relevância das analogias,
sendo que uma circunstância é relevante para outra “se tiver um efeito causal
ou determinante sobre a outra”105.

Discorrendo sobre o significado de “causa”, Copi trata da


distinção entre condição necessária e suficiente. Afirma: “Uma condição
necessária para que se produza um acontecimento determinado é uma
circunstância em cuja ausência o evento não possa ocorrer. Por exemplo, a
presença de oxigênio é uma condição necessária para que haja combustão: se
a combustão ocorre, então o oxigênio tem que estar presente, pois na sua

103
Vocabulário técnico e crítico da filosofia, p. 62/64.
104
Introdução à lógica, p. 314/315.
105
Ibid., p. 318/322.

26
ausência não pode haver combustão alguma. Embora seja uma condição
necessária, a presença de oxigênio não é uma condição suficiente para que
haja combustão. Uma condição suficiente para a ocorrência de um evento é
uma circunstância em cuja presença o evento deve ocorrer...”. A palavra
“causa” pode ser usada no sentido de condição necessária ou de condição
suficiente. Há ainda outro sentido, ou seja, incidente ou ação que, juntamente
com outras condições que normalmente prevalecem, assinalam “a diferença
entre ocorrência ou não-ocorrência do evento”. Causas desse tipo podem ser
remotas ou próximas106.

Conclui: “Por analogia, podemos inferir que um diferente


caso particular de uma propriedade manifestará também a outra propriedade.
Por generalização indutiva, podemos inferir que todos os casos de uma
propriedade serão também casos de outra propriedade”107.

No mesmo sentido se manifestam outros autores:

A analogia, para Salmon, se baseia na comparação entre


objetos de uma espécie que são semelhantes aos de outra espécie. Conclui-se
que, por serem semelhantes em alguns aspectos, o são também em outros. Sua
força depende das semelhanças entre os objetos comparados. Se forem
relevantes, a analogia se fortalece. Se as dessemelhanças forem relevantes,
enfraquece108.

Para Charles Lahr, pode ser entre coisas ou um processo do


espírito. Neste último caso, trata-se de “um raciocínio que conclui de certas
semelhanças observadas outras semelhanças ainda não observadas”. Este
autor a distingue de indução, afirmando que esta última “conclui de alguns
casos observados, para todos os da mesma espécie: vai do mesmo para o
mesmo; a analogia conclui da presença de um ou vários caracteres, pela
presença de outros: vai do semelhante para o semelhante”. Afirma que, para a
indução é necessário que haja semelhanças essenciais, o que não se exige no
caso da analogia. Esta sempre conserva um caráter de hipótese, ao contrário
da certeza gerada por aquela. Em ambos os casos, passando-se do menos para
o mais, a legitimidade ocorre por um princípio de razão109.

Maria Lúcia Aranha e Maria Helena Martins definem a


analogia como “o raciocínio que se desenvolve a partir da semelhança entre
casos particulares”110.
106
Ibid., p. 329/330.
107
Ibid.., p. 334.
108
Lógica, p. 54.
109
Manual de Philosophia, p. 408/409.
110
Temas de filosofia, p. 59.

27
Para Estêvão Cruz consiste “em afirmar que certo caráter
novo observado numa coisa pertence também a outra quando essas duas
coisas apresentam certo número de caracteres comuns”. A sua conclusão é
apenas provável111.

Segundo Miguel Reale, em “Filosofia do Direito”, a


analogia “consiste em estender a um caso particular semelhante as conclusões
postas pela observação de um caso correlato ou afim, em um raciocínio por
similitude”. No campo do direito, sua aplicação se trata de imperativo legal112.

Analogia e intuição têm semelhanças e diferenças. Ela


“coincide com a intuição por ser conhecimento do particular, mas difere dela
por ser sempre de natureza racional, enquanto que a intuição pode assumir
formas emocionais ou volitivas. (...) implica sempre algo de criador por parte
do sujeito, exigindo certa contribuição positiva do intérprete, ao estender a um
caso o visto em outro. Poder-se-ia dizer que nela existe larga margem de
‘construção’...”113.

Segundo Paul Janet, é uma das formas de indução


incompleta. O raciocínio por analogia consiste em “supor que entre duas
coisas que se parecem e que diferem ao mesmo tempo, as semelhanças são
bastante numerosas para nos permitir concluir de uma a outra”114.

A analogia, portanto, se trata de raciocínio que se baseia na


semelhança. Partindo-se da semelhança, entre objetos, em um ou mais
aspectos, conclui-se que também o são em outros. Pode haver maior ou menor
probabilidade, maior ou menor convencimento. A analogia será mais forte
quanto maior for a semelhança. Conserva ela sempre o caráter de hipótese.

1.3.2. Outras espécies de argumentos indutivos

1.3.2.1. Indução por enumeração

A indução por enumeração é semelhante ao


argumento por analogia; difere quando tem uma conclusão mais geral. Em
razão da semelhança, aplicam-se os mesmos critérios a ambos. O grau de
111
Compêndio de filosofia, p. 146.
112
P. 141.
113
Ibid., 142.
114
Traité élémentaire de philosophie, p. 475/476. Tradução própria do original: “supposer qu’entre deux
choses qui se ressemblent et qui diffèrent en même temps, les ressemblances sont assez nombreuses pour
nous permettre de conclure de l’une à l’autre”.

28
probabilidade pode ser maior ou menor; será maior quanto maior o número de
casos115.

O tipo mais simples de argumento indutivo é a


indução por enumeração. Observam-se elementos de uma classe e, a partir de
premissas referentes aos mesmos, infere-se uma conclusão em relação a
todos. Generaliza-se com base em amostra. Podem ocorrer a generalização
universal ou a estatística; a primeira se refere à totalidade, a segunda a uma
porcentagem diferente de 0 (zero) e de 100 (cem). Na indução por
enumeração, podem ocorrer falhas como em qualquer tipo de argumento
indutivo. É necessário diminuir a probalidade de conclusões falsas, evitando-
se falácias, como a da estatística insuficiente ou tendenciosa116.

1.3.2.2. Estatística insuficiente ou tendenciosa

A estatística insuficiente é uma falácia, consistente


em realizar generalização indutiva sem que haja dados suficientes para tanto.
Salmon a chama de “a falácia da conclusão apressada”. Para que a estatística
seja adequada é variável o número de amostras, dependendo de cada caso,
devendo ser determinado conforme a experiência na área específica
investigada. Qualquer número representa alguma evidência, mas é necessário
verificar a suficiência para uma conclusão. O número de evidências deve ser
maior quanto maior for a gravidade do erro117.

1.3.2.3. Desvios estatísticos ou estatística defeituosa

Na seleção dos casos, não se pode desviar o


resultado. A confiabilidade das generalizações indutivas depende da
representatividade das amostras. Porém, nunca se tem certeza da
representatividade. A estatística tendenciosa é aquela em que uma
generalização indutiva se baseia em amostra que se sabe ou se tem motivos
para se suspeitar não ser representativa. Para evitar a falta de
representatividade, é necessário que os casos examinados sejam o mais
possível diferentes118.

115
Irving Copi, Introdução à lógica, p. 334.
116
Wesley C. Salmon, Lógica, p. 46/47.
117
Ibid., p. 47.
118
Ibid., p. 47/48.

29
1.3.2.4. Silogismo Estatístico

Ocorre o silogismo estatístico quando a conclusão de


um argumento é usada como premissa em outro119.

1.3.3. Métodos de John Stuart Mill

John Stuart Mill formulou cinco métodos, que chamou de


“cânones”: “Método de Concordância, Método de Diferença, Método do
Conjunto de Concordância e Diferença, Método dos Resíduos e Método de
Variação Concomitante”120.

Os métodos de John Stuart Mill, que viveu entre 1806 e


1873, se basearam nos de Francis Bacon, que viveu entre 1561 e 1626.

1.3.3.1. Método de concordância

Para o Método de Concordância, Stuart Mill propôs


a seguinte formulação geral: “Se dois ou mais casos do fenômeno que se
investiga têm somente uma circunstância em comum, a circunstância em que
todos os casos concordam é a causa (ou o efeito) do fenômeno dado”121.

Copi ensina: “Sempre que encontramos uma única


circunstância comum a todos os casos de um determinado fenômeno,
acreditamos ter descoberto sua causa”. Apresenta, entretanto, a crítica no
sentido de que os dados analisados podem não ser tão convenientes; podendo,
então, subsistir dúvida. Quando isso ocorre, torna-se necessária a utilização de
outro método indutivo122.

Tratando desse método, Salmon afirma que a idéia é


de que se deseja encontrar a causa de um determinado efeito; procuram-se
exemplos numa variedade grande; há uma multiplicidade de circunstâncias; e
há uma única coisa em comum123.

Charles Lahr refere-se ao mesmo, lembrando que


corresponde à “tábua de presença” de Bacon. Realizam-se duas ou mais
experiências, que são concordes pela presença de um único antecedente.
119
Ibid., p. 48.
120
Irving Copi, Introdução à lógica, p. 336.
121
Ibid., p. 337.
122
Ibid., p. 337/338.
123
Lógica, p. 57.

30
Eliminam-se os antecedentes com exceção daquele que se supõe a causa. Se o
fenômeno ocorre em todos os casos, o antecedente conservado é a causa. A
regra assim se formula: “Se vários casos de um mesmo fenômeno não têm
senão um antecedente comum, este antecedente é a causa de fenômeno”124.

Paul Janet afirma que o método consiste em


comparar casos diferentes nos quais o fenômeno se apresenta. Se todos os
casos, embora diferentes, sempre apresentam um circunstância comum, “esta
circunstância pode ser considerada como a causa do fenômeno”125.

Estêvão Cruz apresenta a seguinte regra: “Quando


um fenômeno, cuja natureza se quer determinar, é repetido em dois ou mais
casos diferentes, que apresentam todos um antecedente comum, este
antecedente comum pode ser tomado como a verdadeira causa do fenômeno”.
Este autor traz a frase: “Posta a causa, segue-se o efeito”126.

Para Montoro, “a permanência de uma única


circunstância, na variação de todas as outras que acompanham determinado
fenômeno, é índice seguro da existência de uma relação causal, entre essa
circunstância e o fenômeno”127.

1.3.3.2. Método de diferença

Stuart Mill formulou o Método de Diferença com os


seguintes termos: “Se um caso em que o fenômeno que se investiga ocorre, e
um caso em que ele não ocorre têm todas as circunstâncias em comum, exceto
uma, aquela ocorre apenas no primeiro caso; a circunstância única em que os
dois casos diferem é o efeito, ou a causa, ou uma parte indispensável da
causa, do fenômeno”128.

Salmon, ao se referir ao mesmo método, afirma que


a idéia básica é a busca da causa de um fenômeno criando duas situações
semelhantes, uma em que está presente e outra ausente o efeito. Todos os
fatores, menos um, são os mesmos nos dois casos, e o efeito ocorre no caso
em que o fator está presente, não ocorrendo naquele em que está ausente. A

124
Manual de philosophia, p. 393. Francis Bacon quer que o experimentador prepare a “tábua de presença”,
“em que note todas as circunstâncias que acompanham a produção do fenômeno cuja causa procura”.
125
Traité élémentaire de philosophie, p. 471. Tradução própria do original: “cette circonstance peut être
considérée comme la cause du phénomène”.
126
Compêndio de filosofia, p. 385.
127
Dados preliminares de lógica jurídica, p. 38.
128
Irving Copi, Introdução à lógica, p. 340.

31
causa do fenômeno é este fator que está presente e um caso e ausente no
outro. Esse fator faz a diferença. Por isso, o nome método da diferença129.

Segundo Charles Lahr, ele corresponde à “tábua de


ausência” de Bacon. Realizam-se duas ou mais experiências, que diferem pela
presença ou ausência de um antecedente. Realiza-se a introdução de um ou a
eliminação de outro que já existe. Se o fenômeno ocorre em um caso e não no
outro, este antecedente, que se introduz ou elimina, é a causa. A regra se
formula desta maneira: “Se um caso em que o fenômeno se produz, e um caso
em que não se produz, têm todos os seus antecedentes comuns, exceto um,
este antecedente é a causa do fenômeno”130.

Afirma Paul Janet que esse método é sobretudo o da


experimentação, “é a contra prova do precedente [método da concordância].
Ele consiste em suprimir a circunstância que parece ser, depois do método da
concordância, a causa ou ao menos uma das causas do fenômeno: se,
suprimida esta circunstância, o fenômeno cessa de se produzir, é um
confirmação evidente que a circunstância em questão é uma das condições
(senão a única) da produção do fenômeno...”131.

Estêvão Cruz apresenta a regra: “Quando um caso


em que o fenômeno se produz e outro caso em que não se produz têm ambos
todos os seus antecedentes comuns, com exclusão de um apenas, este
antecedente excluído é a causa do fenômeno”. Lembra a frase: “Suprimida a
causa, desaparece o efeito”132.

Montoro afirma que “se, em um caso, o fenômeno se


apresenta, e em outro, não se apresenta, a variação de uma única
circunstância, na permanência de todas as outras, indica a existência de um
liame causal entre essa circunstância e o fenômeno”133.

129
Lógica, p. 58.
130
Manual de philosophia, p. 393. Francis Bacon quer que o experimentador prepare a “tábua de ausência”,
“onde note os casos em que o fenômeno não se dá, tendo o cuidado de marcar os antecedentes presentes e
ausentes”.
131
Traité élémentaire de philosophie, p. 471. Tradução própria do original: “est la contre-épreuve de la
précédente. Elle consiste à supprimer la circonstance que paraît être, d’après la méthode de concordance, la
cause ou du moins l’une des causes du phénomène: si, cette circonstance supprimée, le phénomène cesse de
se produire, c’est une confirmation évidente que la circonstance en question est une des conditions (sinon la
condition unique) de la production du phénomène...”.
132
Compêndio de filosofia, p. 385.
133
Dados preliminares de lógica jurídica, p. 38.

32
1.3.3.3. Método conjunto de concordância e diferença

O Método Conjunto de Concordância e de Diferença


pode ser explicado como a utilização conjunta, na mesma investigação, dos
Métodos de Concordância e de Diferença134.

Segundo Salmon, os métodos da concordância e da


diferença convergem no chamado “conjunto” que, em sua opinião, é o mais
importante dos três135.

1.3.3.4. Método de resíduos

Para Copi, no caso do Método de Resíduos, Stuart


Mill deixa de lado o termo “circunstâncias” e passa a referir-se a
“antecedentes” e fenômenos; mas “naturalmente, ele queria dizer
circunstâncias antecedentes”. Este último formula o Método de Resíduos da
seguinte maneira: “Suprimindo-se de um fenômeno a parte da qual se sabe,
por prévias induções, que é o efeito de certos antecedentes, o resíduo do
fenômeno será o efeito dos antecedentes restantes”136.

O Método de Resíduos pode ser utilizado com o


exame de um único caso, enquanto que os demais métodos exigem o exame
de pelo menos dois casos; além disso, depende de leis causais previamente
estabelecidas. Mesmo assim, as conclusões inferidas por tal método são
apenas prováveis; não é possível realizar uma dedução válida a partir de suas
premissas137.

Para Charles Lahr, “é apenas um caso particular do


método de diferença”. A regra se formula da seguinte forma: “Separando-se
de um fenômeno a parte que é o efeito conhecido de certos antecedentes, o
resíduo do fenômeno é o efeito dos antecedentes que ficam”138.

Paul Janet afirma que consiste no seguinte: “Se se


retira de um fenômeno dado tudo o que, em virtude de induções anteriores,
pode ser atribuído a causas conhecidas, o que resta será o efeito dos

134
Irving Copi, Introdução à lógica, p. 344.
135
Lógica, p. 60.
136
Introdução à lógica, p. 348.
137
Ibid., p. 349.
138
Manual de philosophia, p. 394.

33
antecedentes que foram negligenciados e cujo efeito era ainda uma
incógnita”139.

Estêvão Cruz traz a regra: “Subtraindo-se de um


fenômeno a parte que se sabe ser o efeito de certos antecedentes, o resíduo do
fenômeno é o efeito dos antecedentes restantes”140.

1.3.3.5. Método de variação concomitante ou


simultânea

Stuart Mill propôs o seguinte enunciado em relação


ao Método de Variação Concomitante: “Um fenômeno que varia de qualquer
maneira, sempre que um outro fenômeno varia de uma determinada maneira,
é uma causa ou um efeito desse fenômeno, ou está com ele relacionado,
através de algum fato de causalidade”141.

Copi, ao comentar este método, ensina que “há


situações em que não é possível eliminar certas circunstâncias”, tal como
ocorre nos outros quatro. Ensina: “O Método de Variação Concomitante é
importante por ser o primeiro método quantitativo de inferência indutiva, pois
todos os precedentes são qualitativos. Portanto, seu uso pressupõe a existência
de algum método para medir ou avaliar – ainda que apenas aproximadamente
– os graus em que os fenômenos variam” 142.

Salmon afirma que se mostra “que uma condição é


causalmente relacionada com outra ao demonstrar que quando uma delas é
variada, a outra varia de um modo correspondente”143.

Para Charles Lahr, este método corresponde à “tábua


de graus” de Bacon. Varia-se a intensidade da causa que se supõe, para
verificar se ocorre no mesmo sentido e nas mesmas proporções a variação do
fenômeno. A formulação da regra é a seguinte: “Se um fenômeno varia, todos
os antecedentes, exceto um, ficando invariáveis, este antecedente único é a
causa procurada”. Observa o autor que este método pode suprir o da

139
Traité élémentaire de philosophie, p. 473. Tradução própria do original: “Si l’on retranche d’un
phénomène donné tout ce qui, en vertu d’inductions antérieures, peut être attribué à des causes connues, ce
qui reste sera l’effet des antécédents qui ont été négligés et dont l’effet était encore une quantité inconnue”.
140
Compêndio de filosofia, p. 386.
141
Irving Copi, Introdução à lógica, p. 353.
142
Ibid., p. 352.
143
Lógica, p. 60/61.

34
diferença; lembrando que há casos em que não se pode suprimir a causa
suposta; sendo suficiente fazê-la variar144.

Segundo Paul Janet, este é o que corresponde ao que


Bacon chamava de “tabulae graduum” ou “tabulae comparationis”, “consiste
em fazer variar a causa, ou seja, a circunstância que, depois dos dois métodos
precedentes [da concordância e da diferença], é suposta a causa, e em ver se o
fenômeno variará na mesma proporção. Será aí uma confirmação manifesta
dos resultados obtidos...”145.

Estêvão Cruz traz a regra: “Quando um fenômeno


varia, ficando todos os seus antecedentes invariáveis, com exceção de um,
este antecedente único é a causa do fenômeno”. Cita a frase: “Variando a
causa, variam os efeitos”146.

Tratando deste método, Montoro ensina que “as


variações de uma circunstância, acompanhadas sistematicamente de variações
correspondentes no fenômeno, indicam uma relação causal entre ambos”147.

1.3.3.6. Crítica

Copi, propondo-se a analisar as críticas que se fazem


aos métodos de Stuart Mill, afirma: “Há dois tipos gerais de críticas os quais
podem ser feitos aos Métodos de Mill. O primeiro é que os métodos não
realizam o que deles esperavam Bacon e Mill; o segundo é que os cinco
métodos, tais como foram formulados, não constituem uma explicação
adequada ou completa do método científico”148.

Para Stuart Mill, os seus métodos se destinavam a


descobrir relações causais, bem como a provar ou demonstrar a existência de
relações causais particulares. No caso da descoberta, para se fazer uma análise
correta, é preciso conhecer previamente leis causais, descobertas por meios
144
Manual de philosophia, p. 393/394. Francis Bacon quer que o experimentador prepare a “tábua de
graus”, “onde note os casos em que o fenômeno variou de intensidade, e todos os antecedentes que com ele
variaram”.
145
Traité élémentaire de philosophie, p. 472. Tradução própria do original: “consiste à faire varier la cause,
c’est-à-dire la circonstance qui, d’après les deux méthodes précédentes, est supposée la cause, et à voir si le
phénomène variera dans la même proportion. Ce sera là une confirmation manifeste des résultats obtenus...”.
146
Compêndio de filosofia, p. 386.
147
Dados preliminares de lógica jurídica, p. 38.
148
Introdução à lógica, p. 357. Irving Copi cita, na página 358, como exemplo de que a pretensão de Francis
Bacon e de Stuart Mill não foi realizada, o seguinte: “Muitos e muitos cientistas competentes que
trabalharam, durante décadas, para descobrir a causa do câncer (ou as causas dos vários tipos de câncer),
usaram o ‘método’ de Bacon – os Métodos de Mill – e até agora sem êxito”. Conclui, dizendo que as
afirmações de Bacon são extravagantes e que seu método não realiza o que pretende.

35
que não os seus métodos. Estes são insuficientes para a descoberta, pois, para
que haja sucesso, é preciso que ocorra uma análise apropriada dos fatores que
estão nos antecedentes; e os métodos não explicam sobre como distinguir uma
análise apropriada. Por outro lado, é necessário levar em conta todas as
circunstâncias relevantes. Já no que se refere à pretensão de que os métodos
sejam demonstrativos, Copi observa que “todos os métodos se desenvolvem a
partir de hipóteses antecedentes, sobre quais são as circunstâncias
causalmente relevantes para o fenômeno sob investigação... Este juízo prévio
pode ser errado e, se for, então, a conclusão inferida pelos Métodos de Mill
deverá estar contaminada por esse mesmo erro... (...) até as circunstâncias
relevantes podem ser analisadas em fatores separados. Essa análise tem que
ser ‘correta’... (...) Tal análise deve ser anterior ao uso dos métodos, mas,
desde que a análise possa ser incorreta, também a conclusão inferida poderá
sê-lo”. Acrescenta Copi que uma correlação “observada entre fenômenos
pode ser uma propriedade fortuita, peculiar aos casos observados, ou uma
propriedade regular, isto é, uma propriedade válida para todos os casos desses
fenômenos. Quanto maior for o número de casos observados (...), tanto maior
será a probabilidade de que a correlação obedeça a uma lei e não seja fortuita.
Mas, por maior que seja o número de casos observados, qualquer inferência
que vá de suas propriedades às propriedades de casos ainda não observados
nunca será certa. Devemos repetir que as inferências indutivas nunca são
demonstrativas... (...) enquanto houver quaisquer casos inobservados,
subsistirá sempre a possibilidade de que a investigação ulterior demonstrou
que é falsa a conclusão indutiva... (...) Além disso, (...) existe sempre a
probabilidade lógica de que qualquer fenômeno particular investigado tenha
mais de uma só causa; se assim for, nenhum dos métodos servirá”149.

Na opinião de Copi, os Métodos de Mill são


indispensáveis, embora as pretensões dele e de Francis Bacon tenham sido
excessivas. Afirma que “os Métodos de Mill só podem ser usados em
conjunção com a hipótese de que as circunstâncias mencionadas são as únicas
relevantes. Tal hipótese equivale a afirmar que as únicas causas possíveis são
as circunstâncias enumeradas. Toda investigação experimental da causa de
um fenômeno deve começar com uma dessas hipóteses... (...) Em todo o caso,
os Métodos de Mill não podem ser usados, a menos que se faça alguma
hipótese sobre as causas possíveis. Mas em tal caso, quando uma hipótese é
explicitamente adicionada como premissa, o uso dos métodos proporciona um
argumento mais dedutivo do que meramente indutivo. Entretanto, a conclusão
é deduzida não dos fatos ou exemplos particulares, mas depende, além disso,
daquela premissa adicional cujo status é meramente hipotético”150.

149
Ibid., p. 358/364.
150
Ibid., p. 364/365.

36
Os Métodos de Mill são eliminatórios, pois mostram
que “uma certa circunstância particular não é a causa de um fenômeno dado...
(...) patenteiam-se, deste modo, como instrumentos para testar hipóteses. Os
seus enunciados descrevem o método da experiência controlada, que é uma
arma absolutamente indispensável no arsenal da ciência moderna”151.

Afirmando que os resultados de uma experiência


nunca são demonstrativos, Copi ensina: “Uma experiência coroada de êxito
(...) confirma a hipótese que está sendo testada, mas nunca estabelece a sua
conclusão com total certeza. Estas restrições não pretendem menosprezar o
valor da investigação experimental, mas destacar, tão-somente, que a sua
natureza é mais indutiva do que dedutiva”152.

A formulação e a verificação de hipóteses são o


153
método da ciência .

1.4. Intuição

O substantivo grego ’εµπειρία, -ας (empeiria, -as) significa


“experiência, prática”. Outro substantivo grego, νόος, νόου (nóos, nóou), que
tem forma contraída νους, νου (nous, nou), significa “faculdade de pensar,
inteligência”, “sabedoria, reflexão”, “pensamento, projeto, modo de ver”,
“alma, coração”, “estado de alma, sentimento”, “vontade, desejo”154. O
substantivo latino “intuitus, -us” tem, entre outros significados o de “vista de
olhos, olhar”; deriva do verbo “intueor”, que significa “olhar atentamente,
observar, considerar, contemplar, ver, descobrir, avistar”155.

Considerando os significados de ’εµπειρία, -ας (empeiria, -as), de


νους, νου (nous, nou) e de “intuitus, -us”, pode-se ter a idéia de intuição. Por
tal método, se conhece o objeto pela experiência, pensando, refletindo,
sentindo, desejando, olhando atentamente, observando, considerando,
contemplando, vendo, descobrindo, avistando... É, portanto, a aquisição do
conhecimento sobre determinado objeto de forma direta.

Embora a intuição não tenha sido ainda tão estudada quanto a


dedução e a indução, há vários autores que se manifestaram sobre ela. Alguns
a definem ou tentam definir, delimitando ou tentando delimitar seu conceito;
outros consideram não ser possível fazê-lo.
151
Ibid., p. 366.
152
Ibid., p. 368/369.
153
Ibid., p. 369.
154
Isidro Pereira, Dicionário grego-português e português-grego, p. 184 e 391.
155
Francisco Torrinha, Dicionário latino português, p. 445.

37
André Lalande traz, em seu dicionário, as noções de intuição: “A.
Conhecimento de uma verdade evidente, seja de que natureza for, que serve
de princípio e de fundamento ao raciocínio discursivo, e que se refere não só
às coisas, mas também às suas relações... (...) B. Visão direta e imediata de
um objeto de pensamento atualmente presente ao espírito e apreendido na sua
realidade individual... (...) C. Todo conhecimento dado de uma só vez e sem
conceitos... (...) D. Conhecimento sui generis, comparável ao instinto e ao
senso artístico, que nos revela aquilo que os seres são em si próprios, por
oposição ao conhecimento discursivo e analítico que no-los faz conhecer do
exterior... (...) E. Segurança e rapidez do juízo; adivinhação instintiva (dos
fatos ou das relações abstratas)... (...) F. Aquilo que é objeto da intuição nos
diferentes sentidos acima definidos”156.

Pela intuição, se tem uma visão direta e imediata; não há


intermediações. Pode ter havido uma preparação anterior com muito trabalho,
mas se percebe a coisa diretamente quando a mesma ocorre157.

A intuição sensível dá o principal processo de conhecimento


imediato. O sujeito cognoscente entra em contato e percebe algo pelos
sentidos. É a base do conhecimento empírico158.

Marilena Chauí assim a explica: “A razão intuitiva ou intuição...


(...) consiste num único ato do espírito, que, de uma só vez, capta por inteiro e
completamente o objeto. (...) A intuição é uma visão direta e imediata do
objeto do conhecimento, um contato direto e imediato com ele, sem
necessidade de provas ou demonstrações para saber o que conhece”. Uma
verdade, um objeto ou um fato são compreendidos de forma instantânea e
total. Trata-se de ato intelectual de discernimento e compreensão. Os
psicólogos usam o termo “insight” para se referirem à intuição. Há a intuição
sensível ou empírica, que o conhecimento que se tem na vida a todo
momento. Há a intelectual que “é o conhecimento direto e imediato dos
princípios da razão (identidade, contradição, terceiro excluído, razão
suficiente), das relações necessárias entre os seres ou entre as idéias, da
verdade de uma idéia ou de um ser”. Um célebre exemplo é o “cogito” de
Descartes159.

Para Paulo Hamilton Siqueira Jr., “é a visão direta e imediata de


um objeto... (...) é a visão imediata do objeto sem qualquer mediação”. Um

156
Vocabulário técnico e crítico da filosofia, p. 590/596.
157
Antonio Xavier Teles, Introdução ao estudo de filosofia, p. 128.
158
Miguel Reale, Filosofia do direito, p. 131.
159
Filosofia, p. 45/46.

38
objeto, uma verdade ou um valor é imediatamente apreendido; a
demonstração é desnecessária; há evidência. Ele ensina: “Tanto a intuição
quanto o raciocínio possuem seu lugar no conhecimento científico. Por outro
lado, a intuição surge do trabalho científico e raciocinado. De outra feita, para
alguns a intuição tem importante aplicação no plano da descoberta, cabendo
aos raciocínios dedutivos e indutivos a demonstração”160.

Miguel Reale, em sua obra “Introdução à Filosofia”, afirma que a


intuição sensível “é o processo primordial de conhecimento imediato”. Ela
“marca o contacto do sujeito cognoscente com algo graças às impressões dos
sentidos e à percepção”. Nada se interpõe entre o sujeito e o objeto. O ato de
conhecer é imediato. A intuição sensível é a base do conhecimento empírico;
trata-se de via de acesso ao real161.

Cita Hessen, segundo o qual, o homem é um ser que pensa, sente


e age. Assim, faz a distinção da intuição em três espécies: racional, emocional
e volitiva. Pela estrutura do objeto, se chegaria a igual resultado, pois há três
aspectos ou elementos: essência, existência e valor; “donde poder-se falar em
‘intuição da essência’, ‘intuição da existência’ e ‘intuição do valor’,
coincidindo a primeira com a racional, a segunda, com a volitiva; e a terceira,
com a emocional”. Afirma Miguel Reale que “nenhuma das grandes doutrinas
intuicionistas se enquadra, de maneira pura e rigorosa, na discriminação ora
lembrada”162.

Tratando da intuição emocional, Miguel Reale lembra que, para


muitos pensadores, “há órbitas do ser que só podem ser captadas por vias
emocionais”. Os valores não se atingem somente pela razão. Explica este
autor: “Não se resolve um problema de estética em termos puramente lógicos,
e o mesmo ocorre no mundo jurídico ou político”. Analisando a intuição
eidética, afirma haver pensadores que, “reconhecendo ou não a importância
da intuição emocional quanto ao mundo dos valores, sustentam que o homem
pode entrar em contacto direto com o mundo das idéias, ou das essências
ideais, graças a um trabalho puramente intelectual”. Os conceitos universais
ou as essências somente poderiam ser inferidos por comparação entre
particulares, por um processo comparativo de abstração crescente. Porém,
para os fenomenólogos, da linha de Husserl, poderia haver a compreensão das
essências ou do “eidos” “de forma puramente imediata e analítica, sem
inferência indutiva”. Para eles, o que se pretende é “penetrar no ‘eidos’ ou na
essência dos entes”; há um retorno às coisas ou revalorização do objeto.
Afasta-se o que é acessório, para se chegar à essência dos objetos. Quanto à

160
Lições de introdução ao direito, p. 112.
161
P. 96.
162
Ibid., p. 97/98.

39
intuição volitiva, afirma que há autores, para os quais somente esta espécie
“nos permite conhecer a ‘existência’ das coisas”. O conhecimento seria obtido
pela resistência oferecida pelas coisas. Deste modo, teríamos “convicção da
realidade do mundo interior pela experiência imediata de nossa vontade, pelo
que se dá na intuição volitiva. É ela que nos possibilita a compreensão da
existência, assim como o conhecimento do mundo histórico”163.

Cretella Jr. afirma: “Os métodos intuitivos, também denominados


de inferência imediata ou direta, consistem numa operação total, única e
indivisa do espírito, que se projeta sobre o objeto e o domina, abrangendo-o
numa só visão ou intuição, sem que nenhum discurso, proposição ou juízo se
interponha entre os termos constitutivos do binômio do conhecimento, sujeito
e objeto”164.

No método intuitivo, não há inferência prévia, “o espírito capta o


objeto com uma só operação instantânea”. A intuição nada tem a ver com
adivinhação. Em sentido amplo, “é a visão ampla e direta do objeto pelo
sujeito cognoscente, é o contato direto entre sujeito e objeto, representação
imediata, sem nada de permeio, do objeto dentro do sujeito cognoscente...”.
Há dois tipos fundamentais de intuição: a sensível ou sensória, baseada nos
sentidos, e a espiritual, baseada na mente. A sensível ocorre quando a
apreensão do objeto se dá pelos sentidos. A espiritual “consiste na imediata
projeção do espírito sobre o objeto, como, por exemplo, quando vemos, num
relance rápido da mente, que ‘uma coisa não pode ser e não ser ao mesmo
tempo’, isto é, intuímos, diretamente, sem auxílio de demonstração e dos
sentidos, mas com imediata evidência”. A intuição espiritual pode ser de três
espécies: intelectual, emotiva e volitiva. A primeira se dá quando “o intelecto,
através de ato que lhe é próprio, capta de uma só vez o que o objeto é, sua
essência. É um ver com a inteligência”. A segunda, ou seja, emotiva ou
emocional, ocorre quando se capta o valor do objeto, ressaltando-se seus
“atributos axiológicos, do bom ou do mau, do belo ou do feio, do justo ou do
injusto”. A terceira ou volitiva “conduz o sujeito cognoscente à existência, à
realidade existencial do objeto”. Ela leva à existência do ser165.

Cretella Jr. se refere a Bergson, que tratou com “profundidade e


riqueza de implicações” o tema e considerava a intuição como o “único
método (...) que pode ser utilizado com êxito pela teoria do conhecimento”.
Apenas pela intuição “é possível captar a verdadeira realidade, a interioridade,
a duração, a continuidade, o movimento. Ao passo que a realidade se fecha
para o pensamento, que apenas lhe toca a superfície, abre-se inteiramente para

163
Ibid, p. 99/107.
164
Curso de filosofia do direito, p. 50/51.
165
Ibid., p. 52/54.

40
a intuição que desarticula as categorias especializadas e pragmáticas do
pensamento”. O mesmo autor faz referência a Dilthey, segundo o qual são
precários os sistemas que “colocam o intelecto como órgão cognoscente para
captar a realidade viva das coisas. Só a intuição volitiva, que consiste na
percepção de si mesmo, como ser que quer, deseja e age, voluntariamente, é
que consegue aprofundar a investigação do sujeito que conhece”. O homem é
um ente de vontade, ou seja, que quer, mas o seu querer esbarra em
dificuldades que se colocam entre o sujeito e o objeto do conhecimento. São
essas dificuldades “que dão ao sujeito cognoscente, intuitivamente, noticia da
existência das coisas”. Outra referência feita é a Husserl. Afirma-se ter sido
retomada a linha platônica, a intuição existencial volitiva ou intuição eidética.
Em seu método, isola-se algo de geral em cada coisa até que se atinja a idéia.
A redução eidética “consiste em elevar-se de uma intuição empírica à intuição
da essência do objeto...”166.

Bergson, em “O Pensamento e o Movente”, afirma: “‘Intuição’ é,


aliás, uma palavra diante da qual hesitamos muito tempo. Entretanto, de todos
os termos que designam um modo de conhecimento, é o mais apropriado...
(...) A intuição de que falamos refere-se sobretudo à duração interior. Ela
aprende uma sucessão que não é justaposição, um crescimento por dentro, o
prolongamento ininterrupto do passado num presente que penetra no futuro. É
a visão direta do espírito pelo espírito. Mais nada interposto; nenhuma
refração através do prisma cujas faces são o espaço e a linguagem. Em lugar
de estados contíguos a estados, que se tornarão palavras justapostas a
palavras, eis a continuidade indivisível, e por isso substancial, do fluxo da
vida interior. Intuição significa, pois, primeiramente consciência, mas
consciência imediata, visão que quase não se distingue do objeto visto,
conhecimento que é contado e mesmo coincidência167.

Antonio Xavier Teles também lembra Bergson, afirmando ter o


mesmo descoberto que “a intuição levava vantagem sobre o conhecimento
discursivo”. O método deste último “tenta levar as pessoas a enxergar, para
além das palavras, a realidade subjacente. A linguagem, sem dúvida, é útil, é
indispensável à ação, à comunicação, mas para a meditação, para a Filosofia,
será necessário entrar mais fundo no real”168.

Para Rizzato Nunes, a dificuldade esteja talvez “em que a própria


intuição em si, seja inexprimível em palavras. (...) sua natureza verdadeira
está mais próxima de ser experimentada, de ser vivida, do que de ser
explicada por palavras. E a situação se complica, ainda mais quando se tenta,

166
Ibid., p. 54/56.
167
P. 119/120.
168
Introdução ao estudo de filosofia, p. 128/129.

41
além de falar sobre ela, demonstrar sua existência”. Lembra ainda que todos
experimentam a intuição, independentemente de sua formação169.

Apresentando sua proposta quanto ao conceito, se refere à


intuição fundamental de duração, de Bergson, e trata dos três tipos: a de
reconhecimento atento, a de resistência e a heurística. Quanto à primeira,
afirma ser “praticamente um sinônimo da intuição da duração, apenas com
uma nota distintiva, a atenção”. Por isso, a denomina “de reconhecimento
atento ou de presença-reconhecimento”. A diferença é sutil: a de
reconhecimento atento é, além da de duração, “um novo esforço em torno de
algo específico... (...) um episódio especialmente separado”. Ela está presente
na consciência, “atualiza imagens-lembranças, trazendo no curso do
progresso, sempre, o passado ao presente com vistas ao futuro. Ela abarca
aquelas outras espécies trazidas pelos vários autores (especialmente Hessen e
Garcia Morente): a racional, a emocional e a volitiva, além da sensível, posto
que (...) essas classificações são vagas e imprecisas, uma vez que pressupõe
uma essência – apenas – no objeto e que a intuição teria a sorte de extrair”. O
tempo todo, captam-se dados externos, pelos sentidos, uma série de imagens
que se interligam e se apresentam à consciência. As pessoas nem sempre se
dão conta e as percepções se dissipam. Intuição e consciência quase se
confundem. O reconhecimento atento entra na consciência, “para apontar
determinada e específica circunstância, que o espírito quer realçar (chamar a
atenção!)”. É dentro de um “ritmo desigual de duração no consciente que a
experimenta concretamente, que algo se destaca e como que mostra seu
balanço especial, sua melodia destoante (...) e faz-se captar na consciência”.
Lembra Bergson, cuja exposição demonstra que a forma de apresentar a
intuição – “dividida em sensível, espiritual formal e material e esta em
racional, emocional e volitiva...” – trata-se de ilusão das escolas empiristas e
idealistas. A intuição “somente pode ser empreendida ‘no’ sujeito
cognoscente, no esforço que seu espírito faz para captar na consciência algo
que esta experimenta na duração que ela vive”170.

Rizzatto Nunes trata do que considera o segundo tipo de intuição,


a de resistência – sentimento difuso de resistência. A percepção imediata
aciona na memória algumas lembranças-imagens, que se atualizam, gerando
no corpo uma atitude, dita negativa, “uma atitude de resistência à ação
nascente ou realizada... (...) em relação àquilo que vindo do exterior em
direção à nossa percepção, clamava certa atenção”. Disso resultam dois
comportamentos: “a) paralisia na atitude que resiste... (...); b) gerar uma

169
A intuição e o direito: um novo caminho, p. 22/23.
170
Ibid., p. 174/177.

42
preocupação consciente que leva a uma investigação com o fito de resolver o
problema dado”171.

Tratando da intuição heurística ou “da descoberta repentina”,


afirma haver três condições básicas: “a) que nossa memória tenha as
lembranças relevantes, para que o esforço possa escolhê-las – por semelhança
e contigüidade – e possibilitar sua atualização na consciência; b) que
tenhamos – ou tenhamos tido – um problema atual, isto é, um movimento que
incomode e que faça com que nossa percepção, nosso corpo, nossa ação
presente ou virtualmente preparada, nosso pensamento, formem, de alguma
maneira, isolada ou em bloco, simultâneos ou não, uma tensão na consciência
que – pelo prolongamento natural que (...) existe – pressione nossa memória;
c) que essa memória – fruto da tensão – se contraia pelas várias lembranças
puras e num processo de seleção por semelhança e contigüidade, elaborem a
combinatória que, circulando virtualmente pelas lembranças-imagens que
seriam passíveis de se atualizarem, engendrem uma solução para o problema”.
A intuição heurística se dá de forma repentina. É isso que a distingue. Seu
advento se dá por duas causas: “a) por influxo imediato de uma percepção ou
sensação; b) por resultado do surgimento de uma nova imagem-lembrança...”.
A memória se movimenta pela tensão, combinando imagens-lembranças,
buscando atualização; ao se adicionar um elemento novo, a intuição heurística
surge. A segunda maneira se dá por uma iluminação súbita na consciência,
“sem que, aparentemente, a percepção atual tenha contribuído com algo
novo”. Há duas explicações: “a) houve a percepção, mas nós não a
percebemos conscientemente; b) era já percepção incorporada ao acervo de
lembranças-imagens da memória, que demorava com a resposta porque: b.1)
as associações eram muito difíceis; b.2) a lembrança-imagem era recente,
fruto de percepção recente”172.

Rizzato Nunes, concluindo sobre os tipos de intuição, afirma que


a de reconhecimento atento é “aquela voltada tipicamente para a ação
presente – ou, como diria Bergson, voltada para o passado imediato. E por
conta do progresso da duração, caminha no devir para o futuro imediato. É,
portanto, tipicamente do presente – que (...) nunca cessa de caminhar pelo
universal devir”. A intuição de resistência “ao contrário, demonstra uma ação
mais voltada para o passado”. O espírito resiste ao que se lhe apresenta à
percepção e à consciência; fica em desacordo; impede o fluxo; transforma-se
em barreira aos elementos dados à percepção; a consciência fica incomodada.
A intuição heurística é “verdadeiramente pura criação do espírito num dado
momento presente da consciência”173.

171
Ibid., p. 177.
172
Ibid., p. 178/180.
173
Ibid., p. 181/182.

43
Este autor traz relatos de casos de experiência intuitiva. O
primeiro deles é um dos mais famosos para a Filosofia e a Ciência: a ocasião
em que Arquimedes descobriu o princípio da hidrostática. Ele entrou em uma
banheira e observou o desnível da água após sua imersão e percebeu que seu
corpo ficara mais leve mergulhado. Repentinamente, descobriu referido
princípio da Física. Diz a história ou a lenda que o mesmo saiu gritando:
“Hêureka! Hêureka!”, ou seja, “Encontrei! Encontrei!”. O chamado Princípio
de Arquimedes é bastante conhecido: “Todo corpo mergulhado num fluido
sofre uma impulsão vertical de baixo para cima, igual ao peso do volume do
fluido deslocado”174.

É interessante notar a relação que há entre os diferentes métodos


de raciocínio ou a maneira como se aplicam simultaneamente, interferindo um
no outro. É o caso dos métodos dedutivo e indutivo que, de certa forma,
dependem da intuição. Esta tem uma função complementar e necessária em
relação aos dois primeiros. A intuição sensível é a base do conhecimento
empírico; a intelectual está relacionada com o conhecimento racional.
Entendemos que a intuição não seja o único ou que leve vantagem sobre os
demais métodos, mas ela se coloca num primeiro plano. Aliás, todos a
experimentam, segundo Rizzato Nunes, independentemente da formação que
tenham.

Os autores estabelecem classificações diferentes para a intuição.


Preferimos a classificação de Bergson às demais. Segundo ele, além da
intuição fundamental de duração, há a de reconhecimento atento, a de
resistência e a heurística. Discordamos da divisão entre racional, volitiva e
emocional, que está ligada ao objeto, pois, tal como afirma referido autor, a
intuição somente se empreende “no” sujeito cognoscente. O que varia é a
maneira como ocorre a intuição, ou seja, como ela se realiza no sujeito; não
importa qual seja o objeto. Aliás, a classificação entre racional, volitiva e
emocional é abarcada pela de reconhecimento atento acima citada.

Alguns autores, delimitando ou tentando delimitar o conceito de


intuição, a definem; outros consideram não ser possível fazê-lo.

Rizzatto Nunes não a define. Afirma ser a mesma inexprimível


em palavras, como acima exposto. Nossa opinião é que, de fato, a melhor
forma de compreender o conceito de intuição é a experiência dela própria, ou
seja, observando, olhando atentamente, sentindo... Entretanto, é possível
tentar uma definição.

174
Ibid., p. 135/136. No original grego: “‘Έυρεκα!, ‘Έυρεκα!”.

44
O que se verifica é que há um contato direto entre o sujeito
cognoscente e o objeto de conhecimento; visão direta e imediata do objeto.
Está presente a idéia de sentir e experimentar, descobrir, contemplar,
perceber, observar, olhar atentamente, considerar, ver, avistar, refletir. Estão
também presentes as idéias de instantaneidade, totalidade, evidência,
consciência imediata.

Quanto à classificação, o que se verifica é que, de forma geral, os


autores a dividem entre: a) sensível ou sensória; e b) intelectual ou espiritual.
A sensível ocorre através dos sentidos, a todo momento, e é o principal
processo de conhecimento; é a base do mesmo. A intelectual pode ser formal
ou material. Trata-se de conhecimento imediato entre seres ou entre idéias. A
intelectual ou espiritual material se divide em: a) racional (ou intelectual),
para se chegar à essência dos objetos; b) volitiva, para se verificar a
existência; c) emocional, para a constatação de valores.

Preferimos a classificação de Bergson que, além da intuição


fundamental de duração, apresenta três espécies: a) reconhecimento atento,
quando há um esforço em torno de algo específico; resistência, que se dá ao
que vem do exterior em direção à percepção, ou havendo uma paralisia na
atitude que resiste, ou uma preocupação consciente que leva à investigação
para resolver o problema ; c) heurística ou “descoberta repentina”, que é a
criação do espírito em um determinado momento.

Concordamos com Bergson no sentido de que a intuição se


empreende “no” sujeito cognoscente, não no objeto.

45
2. FUNDAMENTOS DOS MÉTODOS LÓGICOS

O estudo da relação entre o Direito e os métodos dedutivo e indutivo


leva à problemática de seus fundamentos, ou seja, do Racionalismo e do
Empirismo, tal como desenvolvidos no contexto da ciência jurídica elaborada
no passado.

2.1. Racionalismo

O racionalismo defende que a origem do conhecimento se dá


exclusivamente na razão, ou seja, “a priori”.

André Lalande traz os conceitos de “a priori”: “A. Do ponto de


vista gnosiológico chamam-se a posteriori os conhecimentos que derivam da
experiência ou que dela dependem; a priori aqueles que a experiência supõe e
não bastam para explicar mesmo quando apenas têm aplicação na experiência.
A priori não designa, pois, uma anterioridade cronológica (psicológica), mas
uma anterioridade lógica... (...) B. Do ponto de vista metodológico chama-se a
priori a toda idéia ou conhecimento anterior a tal especial experiência ou série
de experiências...”175.

O racionalismo abrange as doutrinas segundo as quais o


conhecimento tem origem exclusiva na razão. A razão não pode ser reduzida
à experiência porque os princípios fundamentais daquela são inatos176.

Segundo Hilton Jupiassú, o racionalismo no século XVII pode


ser definido como “a doutrina que, por oposição ao ceticismo, atribui à Razão
humana a capacidade exclusiva de conhecer e de estabelecer a Verdade; por
oposição ao empirismo, considera a Razão como independente da experiência
sensível (a priori), posto ser ela inata, imutável e igual em todos os homens;
contrariamente ao misticismo, rejeita toda e qualquer intervenção dos
sentimentos e das emoções, pois, no domínio do conhecimento, a única
autoridade é a da Razão”177.

Entre os racionalistas, destaca-se René Descartes. Seu


pensamento era o de que o conhecimento, para se fundar na certeza, “deve
começar pela busca de princípios absolutamente seguros”178.

175
Vocabulário técnico e crítico da filosofia, p. 82/83.
176
Estêvão Cruz, Compêndio de filosofia, p. 562.
177
Curso de filosofia, p. 101.
178
Ibid., p. 102/103.

46
Para ele, o homem é um animal racional. Todos possuem razão,
ou seja, “essa capacidade de bem julgar e de discernir o verdadeiro do falso”.
Como a razão não é sempre utilizada de forma correta, surge a necessidade do
método. A finalidade do mesmo é a boa condução da razão e procura da
verdade nas ciências. A sua pretensão foi a de estabelecer um método
universal. Elaborou quatro regras fundamentais: a da evidência, a da análise, a
da síntese e a do desmembramento. Em sua opinião, a intuição, por ser direta
e imediata, permite aceitar algo como verdadeiro. Além dela, é necessário o
raciocínio discursivo, a dedução, ou seja, “uma demonstração capaz de
chegar a uma conclusão certa a partir de um conjunto de proposições que se
encadeiam necessariamente umas às outras obedecendo a uma ordem: cada
proposição deve estar ligada àquela que a precede e àquela que a ela se
segue”179.

O referido autor cita Decartes (“Regras para a Direção do


Espírito”, 3): “Por intuição, eu entendo, não o testemunho mutável dos
sentidos ou o juízo enganador de uma imaginação que compõe mal seu
objeto, mas a concepção de um espírito puro e atento, concepção tão fácil e
tão distinta que nenhuma dúvida possa permanecer sobre aquilo que
compreendemos. Em outras palavras, a concepção firme de um espírito puro e
atento, que nasce apenas da luz da razão e que, sendo mais simples, é mais
segura que a própria dedução. Além da intuição, há um outro modo de
conhecimento que se faz por dedução. Operação pela qual entendemos tudo e
que se conclui necessariamente de outras coisas conhecidas com certeza...
embora não sejam, nelas mesmas, evidentes; são deduzidas de princípios
verdadeiros e conhecidos, por um movimento contínuo e ininterrupto do
pensamento que tem uma intuição clara de cada coisa”180.

Lembra ainda a afirmação de Descartes no sentido de que se deve


rejeitar tudo aquilo do que não se pode duvidar. Deve-se aceitar apenas o
indubitável, mas não se pode duvidar como os céticos, que acreditam ser
impossível atingir a verdade. A dúvida cartesiana pretende encontrar uma
“primeira verdade”. É a dúvida “metódica”, “voluntária, provisória e
sistemática”. Deve-se, antes, duvidar de tudo, para se poder atingir a verdade.
Aquilo, de que não se pode duvidar, é falso. Há uma rejeição aos dados dos

179
Ibid., p. 104/106. O autor menciona as seguintes regras: “a) regra da evidência: ‘Jamais admitir coisa
alguma como verdadeira se não a reconheço evidentemente como tal’; a não ser que se imponha a mim como
evidente, de modo claro e distinto, não me permitindo a possibilidade de dúvida. Em outras palavras,
precisamos evitar toda precipitação e todos os preconceitos. Só devo aceitar o que for evidente, quer dizer,
aquilo do qual não posso duvidar; b) regra da análise: ‘Dividir cada uma das dificuldades em tantas parcelas
quantas forem possíveis’; c) regra da síntese: ‘Concluir por ordem meus pensamentos, começando pelos
objetos mais simples e mais fáceis de serem conhecidos para, aos poucos, como que por degraus, chegar aos
mais complexos’; d) regra do desmembramento: ‘Para cada caso, fazer enumerações o mais exatas
possíveis... a ponto de estar certo de nada ter omitido’ (cf. Discurso sobre o método, II Parte)”.
180
Ibid., p. 106.

47
sentidos, porque às vezes podem enganar, bem como aos raciocínios por
poderem induzir a erros. A primeira certeza é descoberta com o famoso
“cogito, ergo sum” ou “penso, logo existo”. Depois disso, “Descartes se
pergunta: quem sou? Identifica o eu à alma, e a alma ao pensamento.
Estabelece o primado do espírito, fazendo dele algo inteiramente distinto do
corpo. É a tese do dualismo: a alma é uma substância completamente distinta
do corpo”. A existência de Deus foi a segunda verdade descoberta. O mundo
material é despojado de realidade própria. A natureza é criada por Deus a
cada instante, sendo “oferecida ao conhecimento e à atividade técnica do
homem”. Tudo se explica pelas leis do movimento que se expressam na
linguagem matemática. “O animal é um autômato. O corpo se explica pelo
mecanicismo. Se Deus existe, não pode me enganar, porque é perfeito.
Portanto, minhas percepções não constituem ficções: elas vêm dos objetos do
mundo exterior”. A essência das coisas materiais é a sua extensão, por sempre
ocuparem um espaço181.

Descartes chega à conclusão de que há três tipos de idéia: “a) as


idéias que nós mesmos formamos a partir do mundo exterior; b) as idéias
fictícias, isto é, feitas e inventadas pela imaginação; c) as idéias inatas que
nos são dadas por Deus. Essas idéias claras e distintas constituem os
elementos necessários ao conhecimento das leis da natureza, também criadas
por Deus. Elas formam o fundamento da ciência. Podemos conhecê-las
voltando-nos sobre nós mesmos, quer dizer, por reflexão. O chamado
‘idealismo metódico’ de Descartes nada mais é que a doutrina racionalista,
contrária ao empirismo, que parte da certeza da existência do pensamento a
fim de afirmar a existência de qualquer outra realidade e de estabelecer sua
garantia pela veracidade divina”182.

Segundo o cartesianismo, só deve ser aceito aquilo que pode ser


compreendido claramente e demonstrado racionalmente; excluindo-se “os
dogmas religiosos, os preconceitos sociais, as censuras políticas e os dados
fornecidos pelos sentidos. Só a Razão conhece. E somente ela pode julgar-se a
si mesma...”183.

É coerente a pretensão cartesiana de afastar preconceitos sociais


e censuras políticas. De fato, preconceitos e censuras podem impedir ou
dificultar a aquisição do conhecimento no sentido de se ter uma percepção
real das coisas. Entretanto, parece paradoxal que se pretenda afastar os
dogmas religiosos e, ao mesmo tempo, afirmar que há idéias inatas que são
dadas por Deus. Convicções religiosas podem impedir ou dificultar a busca do

181
Ibid., p. 106/108.
182
Ibid., p. 108/109.
183
Ibid., p. 111.

48
conhecimento, mas é preciso levar em conta que há uma diferença entre
aquilo em que se crê por causa da fé e aquilo que se observa e se demonstra.

Não é possível aceitar a afirmação de que se devem excluir os


dados fornecidos pelos sentidos. Erros e percepções distorcidas podem existir.
Isso, porém, não significa que tudo que se obtém pelos sentidos deva ser
afastado. Ao contrário, os sentidos nos permitem a intuição. Quanto a
possíveis equívocos, os mesmos são evitados ou eliminados pela repetição das
experiências e pela percepção de evidências.

A percepção, que teve Decartes da própria existência, é a intuição


que qualquer ser humano pode ter em relação ao próprio pensamento. Trata-se
de algo evidente. Entretanto, suas afirmações quanto à natureza parecem
equivocadas, na medida em que nega evidências, algo que se percebe
diretamente pelos sentidos. O equívoco parece ser o fato de se pretender
excluir os dados que são fornecidos pelos mesmos.

O racionalismo utiliza o método dedutivo, enquanto o empirismo


utiliza o indutivo.

2.2. Empirismo

Para o empirismo, o conhecimento é obtido a partir da


experiência, ou seja, se dá “a posteriori”.

Segundo André Lalande, empirismo “é o nome genérico de todas


as doutrinas filosóficas que negam a existência de axiomas enquanto
princípios de conhecimento logicamente distintos da experiência... (...) Do
ponto de vista gnosiológico, o empirismo é a doutrina que, reconhecendo ou
não a existência de princípios inatos no indivíduo, não admite que o espírito
tenha leis próprias que difiram das coisas conhecidas e, por conseguinte,
baseia o conhecimento do verdadeiro apenas sobre a experiência, fora da qual
admite apenas definições ou hipóteses arbitrárias”184.

A Lógica indutiva tem, como preocupação central, a teoria da


investigação empírica185.

O empirismo abrange as doutrinas, pelas quais os conhecimentos


são adquiridos pela experiência externa ou interna186.

184
Vocabulário técnico e crítico da filosofia, p. 300/301.
185
Irving M. Copi, Introdução à lógica, p. 322.
186
Estêvão Cruz, Compêndio de filosofia, p. 560.

49
Danilo Marcondes afirma que o empirismo é, “juntamente com o
racionalismo, uma das grandes correntes formadoras da filosofia moderna
(séculos XVI-XIX). Enquanto que o racionalismo de Decartes explicava o
conhecimento humano a partir da existência no indivíduo de idéias inatas que
se originavam em última análise de Deus, os empiristas pretenderam dar uma
explicação do conhecimento a partir da experiência, eliminando assim a
noção de idéia inata, considerada obscura e problemática. Para os empiristas,
todo o nosso conhecimento provém de nossa percepção do mundo externo, ou
do exame da atividade de nossa própria mente”187.

Os principais empiristas foram Francis Bacon, Thomas Hobbes,


John Locke, George Berkeley e David Hume. O desenvolvimento do
empirismo se deu principalmente na Inglaterra; podendo-se considerar o
pensamento que representa a burguesia que, além do poder econômico,
passou a deter o político, marcando-se o surgimento do liberalismo. O que
caracteriza esse modo de ver as coisas são “o interesse pelo mundo da
experiência concreta e uma filosofia política baseada na teoria do contrato
social e na submissão à lei da maioria”188.

O empirismo se caracterizou, desde Francis Bacon, pela defesa


de uma ciência que se baseava em um método experimental, valorizando-se a
observação e a sua aplicação prática. Observando-se a repetição de
fenômenos, que tinham características constantes, realizavam-se
generalizações e formulavam-se a leis científicas. Tal procedimento é a
indução e é a base da concepção empirista de ciência. A origem das idéias é
explicada “a partir de um processo de abstração que se inicia com a percepção
que temos das coisas através de nossos sentidos”. Um dos lemas do
empirismo é: “Nada está no intelecto que não tenha estado antes nos
sentidos”. As idéias são produzidas por um processo de abstração a partir dos
dados sensíveis. As idéias complexas surgem de um processo de associação e
combinação. A idéia é mais real quanto mais próxima esteja da impressão
sensível que a provocou. Será menos real quanto maior for a distância. Por
isso, o conhecimento é considerado sempre em termos de probabilidade. A
certeza depende das verificações e das experiências dos indivíduos189.

Referido autor cita John Locke (“Ensaio sobre o Entendimento


Humano”, livro II, cap. 1): “A idéia é o objeto do pensamento. Todo homem
tem consciência de que pensa e de que, quando está pensando, sua mente se
ocupa de idéias que tem si... (...) Todas as idéias provêm da sensação ou da

187
Curso de filosofia, p. 117.
188
Ibid., p. 117/118.
189
Ibid., p. 118/119.

50
reflexão. Suponhamos, pois, que a mente é, como dissemos, um papel em
branco, vazio de todos os caracteres, sem quaisquer idéias. Como vem a ser
preenchida? Como lhe vem esse vasto estoque que a ativa e ilimitada fantasia
humana pintou nela com uma variedade quase infinita? Como lhe vem todo o
material da razão e do conhecimento? A isso respondo com uma palavra: pela
experiência. É na experiência que está baseado todo o nosso conhecimento, e
é dela que, em última análise, o conhecimento é derivado. Aplicada tanto aos
objetos sensíveis externos quanto às operações internas de nossa mente, que
são por nós mesmos percebidas e refletidas, nossa observação sempre supre
nosso entendimento com todo o material do pensamento. Essas são as duas
fontes de nosso conhecimento, das quais jorram todas as idéias que temos ou
que podemos naturalmente ter”190.

Cita ainda David Hume (“Investigação sobre o Entendimento


Humano”, séc. II, 14 e 15): “(...) quando analisamos nossos pensamentos ou
idéias, por mais complexos e sublimes que sejam, sempre descobrimos que se
resolvem em idéias simples que são cópias de uma sensação ou sentimento
anterior... (...) se ocorre que, por um defeito de um órgão, um homem não é
suscetível de determinada espécie de sensação, sempre descobrimos que é
igualmente incapaz de ter as idéias correspondentes...”191.

Traz outra citação do mesmo filósofo, tirada da mesma obra (séc.


VII): “(...) se há alguma relação entre objetos que nos importa conhecer
perfeitamente é a de causa e efeito. Sobre ela se fundamentam todos os nossos
raciocínios sobre questões de fato e de existência... (...) Ouso assim afirmar
como uma proposição geral que não admite exceção que o conhecimento
dessa relação não se obtém em nenhum caso pelo raciocínio a priori, mas que
ela nasce inteiramente da experiência quando descobrimos que objetos
particulares estão em conjunção uns com os outros”192.

Citando outra vez aquele filósofo (op. cit., livro I, séc. VI),
afirma que, para ele, não há identidade da consciência individual, como
pretendiam os racionalistas: “Mas não há nenhuma impressão constante e
invariável. Dor e prazer, tristeza e alegria, paixões e sensações sucedem-se
umas às outras, e nunca existem todas ao mesmo tempo. Não pode ser,
portanto, de nenhuma dessas impressões, nem de nenhuma outra, que a idéia
de eu é derivada, e conseqüentemente essa idéia simplesmente não existe”193.

190
Ibid., p. 119.
191
Ibid., p. 119/120.
192
Ibid., p. 121.
193
Ibid., p. 122.

51
No âmbito político, há a defesa da idéia do liberalismo, em
contraposição à do absolutismo, em que haveria o direito divino do soberano.
A legitimidade do poder está no fato de se originar da vontade do povo e pode
ser delegado a uma assembléia ou a um monarca. A finalidade do Estado é a
proteção dos interesses dos cidadãos. O indivíduo é mais importante que a
sociedade e as leis são originalmente convencionais. O mesmo autor cita John
Locke (“Segundo Ensaio sobre o Governo Civil”, cap. VIII): “E, assim, cada
indivíduo, ao consentir com os outros em formar um corpo político com um
governo, coloca-se a si próprio sob a obrigação em relação a todos os outros
membros dessa sociedade de se submeter à determinação da maioria e de
aceitar suas decisões...”. Referido autor traz também citação de Thomas
Hobbes (“Leviatã”, parte II, cap. XVII): “A única maneira de instituir um tal
poder comum, capaz de defendê-los das invasões dos estrangeiros e das
injúrias uns dos outros, garantindo-lhes assim uma segurança suficiente para
que, mediante seu próprio labor e graças aos frutos da terra, possam
alimentar-se e viver satisfeitos, é conferir toda sua força e poder a um homem,
ou a uma assembléia de homens, que possa reduzir suas diversas vontades,
por pluralidade de votos, a uma só vontade... (...) Feito isso, à multidão assim
unida numa só pessoa se chama Estado, em latim, civitas”194.

2.2.1. Posição de Pedro Lessa

Pedro Lessa dá importância ao tema, tratando do mesmo


no início de sua obra “Estudos de Filosofia do Direito”.

Segundo referido autor, para a doutrina teológica, as idéias


e os preceitos, obtidos por revelação sobrenatural, são os fundamentos do
Direito; para a doutrina racionalista, as bases são princípios “a priori” que se
revelam pela razão através do método dedutivo; para a teoria científica, o
Direito se submete “ao princípio que domina todas as ciências”, repousa “em
conceitos fundamentais, dados pelo método indutivo”195.

O que se observa, portanto, é que Pedro Lessa considera


científico aquilo que se obtém pelo método indutivo; excluindo-se o que se
obtém por revelação sobrenatural ou de forma apriorística com a aplicação do
método dedutivo.

Para ele, o método indutivo “parte do estudo dos fatos para


a formulação das leis, ou do particular para o geral”, compondo-se “dos
seguintes processos: observação, experimentação, comparação e
194
Ibid., p. 122/123.
195
Estudos de filosofia do direito, p. 17/18.

52
generalização, ou indução propriamente dita”. A observação consiste no
exame paciente e minucioso dos fatos. A formulação de leis seguras depende
da estatística e da história. O âmbito de espaço não pode ser acanhado e o
período de história não pode ser curto. A experimentação consiste em
reproduzir os fatos observados, em dados limites e condições, para corrigir
resultados da observação. Mas são insuficientes os fatos considerados de
forma isolada. A comparação é necessária, para se verificar “o que há de
comum, de constante, de geral, em uma determinada série de fenômenos”. A
partir disso, é possível realizar a indução, ou seja, a generalização, a
formulação de leis às quais se subordinam os fatos. A comparação, às vezes,
depende de abstração, que é a separação mental da parte de um todo, que é em
realidade inseparável. A abstração pode ser subjetiva ou objetiva, havendo
inconvenientes em relação à primeira196.

A combinação dos métodos indutivo e dedutivo “forma o


método positivo, lógico, ou científico. E tal é único método de que dispõe a
inteligência do homem para conhecer as verdades de ordem científica...”.
Somente podem ser admitidas como verdades científicas proposições que
resultem da aplicação do método positivo. “Aceitar como fundamento do
direito conceitos revelados por uma forma sobrenatural, ou princípios dados a
priori, é confundir o domínio da ciência com o da religião, ou com o da
metafísica. O objeto da ciência é a explicação, como o da religião é a fé, e o
da metafísica um conjunto de especulações sobre os seres e os fenômenos que
não podemos conhecer cientificamente”197.

O método aplicado tanto pela doutrina teológica como


pelos racionalistas é o dedutivo198.

Afirma Pedro Lessa: “A legislação de cada povo nada mais


é do que uma série de preceitos, apoiados em certas verdades fundamentais,
em certos princípios de ordem social. (...) toda legislação (...) repousa em
princípios fundamentais. (...) Modificadas as relações sociais, alteradas, por
exemplo, as condições econômicas de uma sociedade, faz-se necessário
reformar as normas jurídicas correspondentes”199.

Tratando da lei científica, explica: “As leis são as relações


constantes, necessárias, invariáveis, que ligam os fenômenos”200.

196
Ibid., p. 20/21.
197
Ibid., p. 23/24.
198
Ibid., p. 26/28.
199
Ibid., p. 31/33.
200
Ibid., p. 34.

53
2.2.2. Crítica de Miguel Reale

Afirmando que a interpretação jurídica envolve um


“processo de estimativas” e, por isso, a aplicação de “método dialético”,
correlacionando os elementos fático e normativo, Miguel Reale critica Pedro
Lessa, pelo fato de este conceber a “Ciência Jurídica como saber
prevalecentemente indutivo, apresentando-nos como método por excelência a
indução, que nos permitiria partir dos fatos, para atingirmos leis e
princípios”201.

Temos que discordar de Miguel Reale quando o mesmo


afirma que seria tarefa da Sociologia Jurídica “aplicar o método indutivo,
partindo da observação de ‘condições de vida e desenvolvimento do homem e
da sociedade’”202. Ora, quem cria regras, preceitos e normas, diante da
observação de fatos, após aferição valorativa, é o legislador e não o sociólogo.
O jurista, por sua vez, pode concluir, por exemplo, pela existência de
determinado costume ou de determinado valor. Acolhemos, pois, neste ponto,
a opinião de Pedro Lessa.

Miguel Reale afirma que o empirismo jurídico é


caracterizado por uma tese fundamental “sobre a possibilidade de partirmos
dos fatos para alcançarmos as leis e os princípios por meros processos de
abstração e generalização”203.

Para ele, os empiristas, “quando partem de um fato que


declaram jurídico, já estão dando como resolvido aquilo mesmo que se
propunham resolver”. Afirma: “Se não sabemos qual a consistência do
Direito, (...) como podemos declarar que estamos partindo de um fato
jurídico? Ao dizer que estamos analisando um fato jurídico, já possuímos
evidentemente as notas da juridicidade indispensável ao reconhecimento da
qualidade ‘jurídica’ atribuída ao fenômeno observado”. Afirma haver um
círculo vicioso no pensamento empírico, por já se saber o que se pretende
resolver204.

Temos que não assiste razão os aprioristas quando afirmam


haver círculo vicioso.

201
Filosofia do direito, p. 152.
202
Ibid., mesma página.
203
Ibid., p. 320.
204
Ibid., p. 321.

54
A teoria dos aprioristas, levada ao extremo, invalida
qualquer tipo de experiência. Seria como se toda experiência já realizada não
tivesse trazido contribuição alguma ao progresso do conhecimento.

É claro que o ser humano é portador de categorias


anteriores a uma determinada experiência. Porém, tais categorias anteriores
também foram adquiridas por experiência. Não há conhecimentos
absolutamente “a priori”.

Miguel Reale afirma que os neo-empiristas “observam que,


quando eles partem de um fato jurídico, recebem este fato em caráter
hipotético, ‘como se’ fosse jurídico, para depois, pelo cotejo de outras
observações, verificar a verdade da hipótese, em função, portanto, de dados
experienciais”. Para os empiristas, a indução era o método exclusivo; para os
neo-empiristas aquela é substituída pelo método hipotético-dedutivo,
combinando-se indução e dedução205.

A questão parece dever ser tratada de forma diversa. É


preciso verificar que há diferentes níveis de linguagem.

A norma trata de algo que “deve ser”. A linguagem é


normativa. Há, porém, uma outra linguagem que descreve os fatos, as normas
e sua aplicação. A linguagem é descritiva e assume a função de
metalinguagem em relação à primeira. Aquilo que, na linguagem normativa, é
algo que “deve-ser”; na descritiva, que é metalinguagem, passa a ser algo que
“é”. Este é o campo da ciência jurídica; o outro o é da norma. Esta distinção,
entre linguagem normativa e descritiva, sendo metalinguagem em relação à
primeira, é necessária para evitar certas confusões daqueles que pretendem
questionar a aplicação do método indutivo ou do indutivo-dedutivo no estudo
do Direito.

O que ocorre é que o Direito, como resultado da cultura, é


algo que muda. Essa é a primeira diferença. Enquanto as leis da natureza são
imutáveis, as do Direito podem mudar. Por isso, a norma de ontem pode ser
diferente e até oposta à de hoje, em relação ao mesmo fato. A outra diferença
é que, no mundo da natureza, a relação entre a causa e o efeito é de
necessidade; ocorrida a causa, ocorre necessariamente o efeito. No Direito, a
norma nem sempre é cumprida. O homicídio, por exemplo, é vedado;
entretanto, continua ocorrendo. E, quando ocorre, o seu autor deveria ser
punido; mas alguns não o são.

205
Ibid., p. 322.

55
A ciência jurídica, porém, não descreve apenas fatos, mas
também as normas e os valores que a integram. Tem razão Miguel Reale
quando afirma: “A historia do Direito Penal é uma luta permanente contra o
fato da delinqüência, da criminalidade. O Direito, sendo afirmação e
exigência de valores, não é mero resultado da pressão dos acontecimentos
sociais, mas resulta de múltiplos elementos, entre os quais os fáticos são
condição necessária, mas não suficiente à formação do enunciado
normativo206”. Tal é o que realmente ocorre quando surge ou se altera uma
norma. Tudo, entretanto, é fato, ou seja, algo que “é” do ponto de vista da
metalinguagem.

Concordamos com Miguel Reale quando o mesmo afirma:


“Toda regra jurídica (...) consagra sempre a escolha de um valor que se julga
necessário salvaguardar207”. Realmente, não há que se confundir regra jurídica
com lei da natureza. Isto, contudo, não afasta por completo a opinião dos
empiristas. O que faltou aos mesmos foi a consideração dos múltiplos fatores
que provocam o surgimento ou a alteração de uma norma jurídica, além dos
simples fatos em si.

Tal não ocorre, tampouco, por ter a norma caráter


obrigatório. Entendemos tal como Miguel Reale que o Direito, sem o caráter
de obrigatoriedade, seria o reino do arbítrio208. Concordamos que o Direito
não tem caráter meramente indicativo. Isto, porém, não afasta as razões que
aqui se expõem.

Miguel Reale, tratando do neo-empirismo jurídico, cita


aqueles, segundo os quais, “somente se admitem regras de direitos suscetíveis
de verificação empírica, isto é, estabelecidas em função de fatores
observáveis, ou, então, redutíveis logicamente a enunciados normativos já
comprovados...”. Afirma que, assim, “a regra jurídica é pretensamente
considerada vazia de conteúdo axiológico, – não sendo boa, nem má, mas tão-
somente ‘jurídica’, – de tal modo que a ‘validade’ repousa sobre um ‘juízo
probabilístico’ sobre a sua futura aplicação pelos órgãos judicantes”209.

Concordamos que, de fato, a regras jurídicas têm conteúdo


axiológico. Isso não implica, contudo, a impossibilidade da aplicação do
método indutivo.

206
Ibid., p. 325.
207
Ibid., p. 327.
208
Ibid., p. 328.
209
Ibid., p. 329.

56
2.3. Empírio-racionalismo

Há doutrinas que defendem a idéia de que o conhecimento é


adquirido pelo “consórcio da inteligência com a experiência”. Um exemplo é
a “teoria das performações” de Leibniz, que tem semelhanças com as formas
“a priori” de Kant210.

Acreditamos que também deva ser este o caminho. Ao mesmo


tempo em que se adquirem conhecimentos pela experiência, estes passam a
constituir um “a priori” em relação aos que se adquirem em momento
posterior. Assim, pode-se afirmar efetivamente que há uma combinação entre
razão e experiência.

Além disso, como se pode verificar, é necessário também valer-


se de outros métodos, como a intuição.

2.4. Axiologia

Problemática semelhante à que há, no que se refere ao


Racionalismo e ao Empirismo, ocorre com a Axiologia, que trata dos valores,
aos quais se chega pela intuição.

2.4.1. Conceito

A palavra grega άξιος, -α, -ον (áxios, -a, -on) tem, entre
outros significados, os de “justo”, “que vale, que tem o valor de”211. A
Axiologia, portanto, pode ser considerada Teoria ou Ciência dos Valores.

André Lalande traz, em seu dicionário, a idéia de


Axiologia: “A. Estudo ou teoria de tal ou tal espécie de valor... (...) B. Teoria
crítica da noção de valor em geral”212.

Miguel Reale, em sua obra “Filosofia e Teoria Política


[Ensaios]”, tratando das invariantes axiológicas e discorrendo sobre a palavra
valor, lembra que a mesma possui uma multiplicidade rica e desafiante de
sentidos. Há o substantivo “áxia”, que é pobre de conteúdo, “servindo mais
210
Estêvão Cruz, Compêndio de filosofia, p. 564. Afirma este autor que “Leibniz completa o axioma: ‘Nil
est in intellectu quod prius non fuerit in sensu’ com a emenda: ‘nisi ipse intellectus’, com o que afirma que os
princípios do conhecimento não se originam da experiência, mas existem no espírito como ‘performações’,
isto é, como idéias virtualmente anteriores aos dados dos sentidos”.
211
Isidro Pereira, Dicionário grego-português e português-grego, p. 61.
212
Vocabulário técnico e crítico da filosofia, p. 119.

57
para indicar o preço ou valor de uma coisa, para distinguir uma situação
meritória, ou seja, uma ‘dignidade’ como tal merecedora de nosso apreço, ou
ainda a fim de estimar-se a espécie e o grau de pena a ser aplicada”. Deu-se
maior realce ao adjetivo “áxios”, “quer dizer digno de estima, com que
enalteciam a valentia dos heróis ou dos guerreiros, os seus valorosos
estadistas e artistas e as virtudes válidas dos artífices”. Platão e Aristóteles
usavam a palavra “ágathon”, para fazer referência ao valor mais alto, que
“significa bem, na qual estava inerente o sentido de valor”, sendo que Platão
apresentava o bem como arquétipo ideal, e Aristóteles o via “segundo razões
de proporcionalidade”. Cícero teve a percepção da palavra “aestimabile”, ao
trasladar vocábulos gregos para o latim, ressaltando-se que em português se
diz tanto “mundo dos valores” como “mundo das estimativas”. Os romanos
penderam para a palavra “bonum”, um valor que assume sentido genérico,
“prevalecendo entre os jurisconsultos, como bem supremo, a Justiça,
universalmente entendida como divinarum ac humanarum rerum notitia”. É
possível notar que “os romanos, ao indagarem do bem supremo, acolhiam a
herança dos Estóicos, os quais haviam transferido o tratamento de ágathon, do
bem, do plano ontológico – ainda prevalecente em Platão e Aristóteles – para
o plano ético, dominante em sua cosmovisão naturalista”. Quanto à noção de
valor na antiguidade, “era ainda imprecisa ou reduzida a acepção dos termos
áxia ou aestimabile...”. A palavra valor aparece somente no latim medieval e,
de forma plena, nas línguas neolatinas. Até a época do Humanismo, o valor
está subordinado ao conceito de “ens”, “os discursos axiológicos ficavam, em
suma, ancorados na idéia de Ser e de suas propriedades transcendentais”. Na
idade moderna, supervalorizou-se o homem, mas não houve uma Teoria do
Valor. Houve uma nova consciência gnoseológica mas não axiológica. Em
sua opinião, “a plena revelação do valor em seu status epistemológico próprio
(...)é o resultado de uma longa experiência mundanal, à medida que o homem
veio adquirindo ciência e consciência do valor em distintas esferas de sua
faina histórica...”. Foi no início do século XX que surgiu a palavra
“axiologia”. O homem é o valor fonte de todos os valores, por ser capaz de ter
consciência da própria valia, através da experiência com os demais homens.
Outros valores se revelaram para completá-lo e garanti-lo, sendo o último
deles o ecológico. Concluindo Miguel Reale afirma que “cada época histórica
ou civilização possui sua própria constelação cultural valorativa”. Os valores
são diversos e assumem configurações distintas. Na Antiguidade, predominou
o espírito ontológico; na Idade Média, teológico; na Época Moderna,
gnoseológico; na Contemporânea, axiológico, “o que se compreende à luz da
condição do homem em nossa era, cada vez mais disperso na sociedade de
massa; cada vez mais impotente no círculo da absorvente comunicação
cibernética; cada vez mais temeroso no meio de revolucionárias conquistas
científicas e técnicas, ameaçadoras dos bens da natureza e da vida em nosso

58
planeta, sentindo todos os riscos de perder o valor supremo de seu ser pessoal
no Mundo”213.

Axiologia ou Teoria dos Valores, segundo Paulo Nader, é


o ramo da Filosofia que estuda os valores em seu caráter abstrato. Os valores
jurídicos se abordam na Filosofia do Direito214.

O problema dos valores, para Paulo Hamilton Siqueira Jr.,


vem sendo tratado desde a antiguidade: “O problema dos valores, como a
justiça, a utilidade, o bem, a beleza, é tão antigo como o homem. Os filósofos
ocuparam-se deles desde a mais remota Antigüidade, em estudos dedicados à
Moral ou Ética, à Estética, à Política, à Economia, à Filosofia, ao Direito
Natural. Mas o tema do valor e o estudo sistemático e autônomo da axiologia
têm origem mais recente”. A axiologia jurídica estuda os valores jurídicos,
como a honra, o belo, o bem a Justiça. Seu capítulo mais importante é a
Justiça, que é o valor fundamental do Direito215.

Ao viver, segundo Nelson Saldanha, o homem realiza


opções. À noção de optar se liga o problema dos valores. O caráter metafísico
do valor repugna os positivismos, “daí que no pensamento jurídico os autores
formados no neopositivismo ou no materialismo recusem (às vezes
incoerentemente) a axiologia. A generalidade da noção de valor poderá levar
a afirmar-se que ‘tudo tem valor’: tanto no sentido de que os desvalores são
também valores, pois não se compreendem sem estes (e daí a constante
formulação de dualidades axiológicas), como no de que a mente humana
projeta valorações sobre quase todas as ‘coisas’ do mundo. Os valores se
atribuem a toda espécie de objetos”216.

Afirma ainda o mesmo autor: “Concretamente, ou seja, na


dimensão do viver efetivo e situado dos homens, os valores se formulam a
partir de conexões reais. Fenômenos reais como o parentesco, o mando, a
crença, as decisões, geram juízos que se ampliam ou se desdobram em
valores: a relevância da família, os caracteres do poder, o alcance da crença, a
justiça...”. São jurídicos os valores que integram tal ordem, embora possam
ser, algumas vezes, os mesmos da ética ou da política217.

A Axiologia trata, pois, dos valores. A Axiologia Jurídica


trata dos valores integrantes da ordem jurídica.

213
P. 113/127.
214
Introdução ao estudo do direito, p. 64.
215
Lições de introdução ao direito, p. 114.
216
Filosofia do direito, p. 113/114.
217
Ibid., p. 118/119.

59
2.4.2. Teorias do Valor segundo Miguel Reale
Tratando da teoria subjetiva, afirma Miguel Reale que há
três esferas fundamentais de objetos, podendo ser reduzidas “a objetos
naturais, a objetos ideais, ou a valores...”. Entre as muitas teorias, há uma que
estuda o valor de modo subjetivo; outra que o explica objetivamente. A
primeira corrente reúne teorias psicológicas, como “a de tipo hedonista,
desenvolvida desde Aristipo e Epicuro até Bentham e Meinong (valioso é o
que nos agrada, causando-nos prazer) ou a de tipo voluntarista, como a que,
desde Aristóteles até Ribot e Ehrenfels, liga o problema do valor à satisfação
de um desejo, de um propósito, a uma base sentimental-volitiva (valioso é o
que desejamos ou pretendemos). Tais interpretações “e outras semelhantes
não se excluem, mas se completam, sempre se abandono de processos
subjetivos, no plano da Psicologia empírica, prevalecendo soluções de tipo
eclético, como quando se afirma: valioso é o que nos causa prazer, suscitando
o nosso desejo”. Para essa corrente, “os valores existem como resultado ou
como reflexo de motivos psíquicos, de desejos e inclinações, de sentimento de
agrado ou de desagrado... (...) Os valores seriam (...) uma ordem de
preferências psicologicamente explicável”. A crítica de Miguel Reale é no
sentido de que o apego a valorações individuais deixaria “sem explicação
plausível as preferências estimativas de um grupo ou de uma coletividade”; há
problemas que não podem ser reduzidos a meras explicações subjetivas. As
valorações individuais assentariam valores representando elementos variáveis
e incertos; não seria possível distinguir “entre bons e maus desejos, prazeres
que dignificam ou que degradam, desejos atuais e desejos possíveis. Restaria
sem explicação o fato incontestável de que os valores subsistem mesmo
depois de cessados os desejos, ou quando os desejos não logram ser
satisfeitos”. Não seria possível explicar a “força” ou a “pressão social”,
representada pelos valores, se o indivíduo fosse sua fonte e sua medida. O
valor de um ato, muitas vezes, resultaria do sacrifício de um desejo, da
renúncia de um prazer. Os valores estéticos não dependeriam de qualquer
desejo. Os atos moralmente mais valiosos como o de mártir e de herói
ficariam sem sentido. Tais objeções teriam inclusive levado alguns intérpretes
a alargar muito o significado de “prazer” ou “volição”; acabando por
reconhecer a objetividade que pretendiam contestar218.

São predominantes as explicações objetivas. A primeira


que apresenta é a teoria sociológica, o ontologismo axiológico e a teoria
histórico-cultural219.

218
Filosofia do direito, p. 195/196.
219
Ibid., p. 197.

60
Quanto à teoria sociológica, há autores que admitem que
os valores são produto da sociedade como um todo “como expressão de
crenças ou desejos sociais (Gabriel Tarde) ou produtos da consciência
coletiva (Émile Durkheim)”. Considera-se a sociedade como irredutível a
cada um de seus elementos; aquela “formaria um todo uno e diverso, que não
seria explicável (...) pela simples soma dos indivíduos... (...) O elemento
distintivo do fato social seria dado pela consciência coletiva, insuscetível de
ser explicada à luz da Psicologia individual”. Durkheim teria tomado contato
“com o problema axiológico, vendo a consciência coletiva como repositório
de valores, daí tirando a conclusão de que os valores obrigam e enlaçam nossa
vontade, porque representam as tendências prevalescentes no todo coletivo,
exercendo pressão ou coação exterior sobre as consciências individuais”.
Cada homem se subordina ao mundo dos valores porque são expressão da
consciência coletiva. Do desejável não poderia resultar a obrigação moral,
assim recorrer-se-ia à consciência coletiva que, de acordo com Durkheim, é
“ao mesmo tempo transcendente com referência às consciências individuais e
está nelas imanente, e nós a sentimos como tal”. O obrigatório e o desejável, o
dever e o valor seriam apenas dois aspectos de uma mesma realidade que é a
consciência coletiva. Na história da sociedade surgiriam valores que depois se
imporiam ao homem; seriam elaborados na consciência coletiva, como
resultado de uma longa experiência. Os valores seriam impostos muitas vezes
de forma contrária aos desejos. A forma do nascimento dos valores não
demonstra, entretanto, as razões da obrigatoriedade objetiva. Assim, “a
explicação sociológica e psicológica é válida para a gênese do mundo
estimativo, mas não para sua validade intrínseca”. Segundo Miguel Reale, “a
opinião da maioria não traduz, de forma alguma, a certeza ou a verdade no
mundo das estimativas. Poderá ser indício de verdade ou de validade... (...)
Mas, o acontecer com freqüência é apenas indício, que poderá ser contrariado
no decurso da História”. Por isso, Durkheim idealizou a consciência coletiva,
“para conciliar o mundo do ser com o do dever ser...”220.

Ao tratar do ontologismo axiológico, Miguel Reale cita as


correntes, que predominam no âmbito da Axiologia, e menciona Max Scheler
e Nicolai Hartmann. Segundo estes autores, “os valores não resultam de
nossos desejos, nem são projeção de nossas inclinações psíquicas ou do fato
social, mas algo que se põe antes do conhecimento ou da conduta humana,
embora podendo ser razão dessa conduta. Os valores representam um ideal
em si e de per si, com uma consistência própria, de maneira que não seriam
projetados ou constituídos pelo homem na História, mas ‘descobertos’ pelo
homem através da História”. A teoria pura de valores não pode ser confundida
“com um sistema de preferências estimativas”. Os valores seriam “anteriores
a qualquer processo histórico, porque eternos. A História marcaria uma
220
Ibid., p. 197/202.

61
tentativa incessante de atingir esse mundo transcendente (...) através de
intuições, que seriam as únicas vias de acesso até às realidades estimativas”.
Entra-se no mundo dos valores pela intuição. Miguel Reale afirma ser mais
plausível a explicação dada pelas doutrinas denominadas histórico-
culturais221.

De acordo com a teoria histórico-cultural, somente é


possível compreender os valores no âmbito da História. A base de tais
doutrinas é a “idéia de que o homem é o único ser capaz de inovar ou de
instaurar algo de novo no processo dos fenômenos naturais, dando nascimento
a um mundo que é, de certo modo, a sua imagem na totalidade do tempo
vivido”. Essa atividade inovadora é chamada de espírito. O homem acrescenta
algo ao meramente dado. O espírito humano confere dimensão nova à
natureza. Dimensão nova esta que “são valores, como a fonte de que
promanam”. O valor é projeção espírito, como consciência histórica. É nesta
que ocorre “a interação das consciências individuais, em um todo de
superações sucessivas”. Miguel Reale afirma que os valores não são objetos
ideais, modelos estáticos, mas se inserem na experiência histórica. A História
não teria sentido sem o valor. Historicismo axiológico e a denominação dada
à concepção, “segundo a qual os valores não são apenas fatores éticos (...)
mas também elementos constitutivos dessa mesma experiência”222.

2.4.3. Valores

2.4.3.1. Conceito

Os valores são aquilo que dá sentido à ação humana


e a orienta. É aquilo que dá um grau de maior ou menor importância, maior
ou menor aceitação ou repulsa por parte do ser humano em relação a seu agir.
Há sempre uma estimação, uma tomada de posição, uma escolha.

Antonio Xavier Teles o define como “uma não-


indiferença de alguma coisa relativamente a um sujeito ou uma consciência
motivada”223.

Em segundo lugar, o valor se apresenta como “uma


relação, um produto entre o sujeito dotado de uma necessidade qualquer e um
objeto ou algo que possua uma qualidade ou possibilidade real de satisfazê-
lo”. As necessidades são a medida dos valores. Elas são “uma carência, uma

221
Ibid., p. 202/204.
222
Ibid., p. 204/207.
223
Introdução ao estudo de filosofia, p. 84.

62
falta, um déficit, uma perda qualquer de um equilíbrio na pessoa”, equilíbrio
que, na Psicologia, se chama “homoestasia”, termo também utilizado para
designar o esforço para se restabelecer o equilíbrio. Quando este se
restabelece, há a satisfação224.

O ser humano está sempre perseguindo algo que lhe


seja valioso. Age, “impulsionado por necessidades de sobrevivência, para
satisfazer seus apetites e desejos, pela necessidade de crescer como pessoa ou
de sobrepujar-se aos outros”. Opta sempre pelo que se lhe apresenta como
mais valioso225.

Os valores têm, como propriedade, a polaridade. Por


serem eles uma “não-indiferença”, a “indiferença” é a ausência de valor.
Estão sempre em um dos dois pólos: o positivo ou o negativo. São eles
positivos ou negativos. Aqueles se desejam e se buscam; estes se evitam e se
afastam. Existe também uma hierarquia entre os valores226.

Miguel Reale assim o define: “O valor é dimensão


do espírito humano, enquanto este se projeta sobre a natureza e a integra em
seu processo, segundo direções inéditas que a liberdade propicia e
atualiza”227.

Para Raimundo Bezerra Falcão, é “toda força que,


partida do homem, é capaz de gerar no homem a preferência por algo”. Trata-
se de algo que aciona “os mecanismos (...) da adesão, do aplauso, da
aceitação, ou do afeiçoamento... (...) pode até provocar repulsa, desde que o
ser humano de onde parta a repulsa esteja tocado pela aceitação de um valor
que se choque com aquilo que lhe é posto, que seja contrário àquilo que está
sendo repulsado”228.

Cristina Costa, analisando a questão dos valores do


ponto de vista sociológico, afirma que o sentido da ação humana deve ser
buscado também nos elementos da vida social e da cultura. Lembra que a
“sociologia clássica, em Durkheim e Weber, já reconhecia o caráter valorativo
e significativo da ação humana e sua importância na explicação da vida
social”. Quanto aos valores afirma que “são os juízos e as avaliações que os
indivíduos desenvolvem individualmente e em grupos e que lhes permitem
julgar, escolher e orientar seu comportamento...”. Desde a infância, os
224
Ibid., p. 84/85.
225
Ibid., p. 85.
226
Ibid., p. 85/86. Este autor cita, como exemplo, aqueles que preferiram optar pela morte, desprezando o
valor da vida, ao invés de abjurar uma verdade religiosa ou perder a honra.
227
Introdução à filosofia, p. 161.
228
Hermenêutica, p. 20.

63
mesmos se introjetam e se desenvolvem nos indivíduos, tendo a família papel
importante no processo. Conforme a pessoa vai crescendo, “outros grupos,
como a escola e os amigos, vão atuando de maneira mais significativa na
introjeção de novos valores sociais”229.

Os valores podem ter uma classificação, como a que


apresenta Raimundo Bezerra Falcão, ou seja, relativamente à amplitude, ao
tempo, à legitimidade e à matéria. No que se refere à amplitude, o mesmo
afirma que podem ser universais, sociais, nacionais, populares e particulares.
São universais os que estão no homem em qualquer parte do universo, como
os relativos à vida e à liberdade. São sociais os que pertencem a uma
determinada sociedade, como o sentimento de que a solidariedade é um bem a
ser cultivado pelos membros de determinado grupo. São nacionais aqueles
que têm a ver com a nação. São populares os relativos à afirmação do povo,
perante si mesmo e perante o Estado. Quanto ao tempo, os valores podem ser
permanentes, duradouros e efêmeros ou passageiros. São permanentes os que
acompanham a humanidade de forma imemorial, como os que conduzem à
vida e à liberdade. São duradouros os que, embora não permanentes, têm
estabilidade histórica, modelam as condutas por um longo tempo, como “os
que conduziram a Europa à idéia feudal e, depois, à de Estado nacional” e os
“conducentes à denominada moral ocidental, marcada de ideais cristãos”. São
efêmeros ou passageiros os que surgem e desaparecem em tempo curto.
Quanto à legitimidade, podem ser positivos ou negativos. São positivos
aqueles que sociedade considera, de forma majoritária, como merecedores de
aplauso. São negativos os que têm a rejeição da maioria. Quanto à matéria, a
classificação é ilimitada; há os valores morais e os jurídicos, há os políticos,
os econômicos, etc230.

2.4.3.2. Gênese, constatação e implicação dos valores

2.4.3.2.1. Gênese

Os homens estabelecem relações entre si e


com o mundo e daí resultam os valores. Em parte são herdados da cultura; por
isso, há variações conforme o povo e a época231.

O ser humano luta por sua sobrevivência e


busca sua felicidade enquanto membro de um grupo. A descoberta dos valores
é a descoberta daquilo que lhe convém para tanto232.

229
Sociologia: introdução à ciência da sociedade, p. 330.
230
Hermenêutica, p. 21/28.
231
Maria Lúcia Aranha e Maria Helena Martins, Temas de filosofia, p. 117.

64
A atividade humana é movida por valores.
Segundo Paulo Nader, “a necessidade gera o valor; este coloca o homem em
ação, que por sua vez vai produzir algum resultado prático: a obtenção de
algum objeto natural ou cultural, ou a mentalização e vivência espiritual de
objeto ideal ou metafísico...”. Os valores têm quatro caracteres fundamentais:
“a) correspondem a necessidades humanas... (...) b) são relativos... (...) c)
bipolaridade... (...) d) possuem hierarquia”. Assim, a idéia de valor está ligada
à de necessidade; a valoração é relativa ao grau de necessidade; cada valor
positivo tem um corresponde negativo; há uma linha de prioridade entre eles,
que também varia de um ser humano para outro233.

Betioli chega à seguinte definição de valor:


“qualidade objetiva de um ser que, por significar uma perfeição para o
homem, nos atrai, sendo reconhecida como motivo de conduta”234.

Afirma, ainda, que o mesmo “é o elemento


moral do Direito; se toda obra humana é impregnada de sentido ou valor;
igualmente o Direito; ele protege e procura realizar valores ou bens
fundamentais da vida social, notadamente a ordem, a segurança e a justiça”235.

Quanto aos valores, afirma Miguel Reale em


“Fundamentos do Direito”: “É um fato de verificação imediata que nós não
somos capazes de viver sem atribuir valor às coisas e aos atos e sem neles
reconhecer valores positivos ou negativos. Pela nossa própria natureza
racional, a nossa vida se desenrola em uma sucessão de valores...”236.

O mesmo autor, na obra “Experiência e


Cultura”, afirma que a consciência valorativa: “não se forma através de
experiências isoladas, de soltas e desarticuladas captações do real, mas se
contém num horizonte de referências...”237.

Ainda na mesma obra, afirma que “as opções


axiológicas jamais são o produto de escolhas singulares, de atitudes subjetivas
isoladas, mas antes o resultado de um complexo de interações que se
verticalizam na pessoa que sopesa os motivos e decide, ainda que esta possa

232
Ibid., p. 119.
233
Introdução ao estudo do direito, p. 64/65.
234
Introdução ao direito – lições de propedêutica jurídica tridimensional, p. 41.
235
Ibid., p. 119.
236
P. 305.
237
P. 195.

65
ter a aparência de estar sendo apenas impelida ou carregada pela força das
circunstâncias238.

Na obra “Filosofia do Direito”, afirma que “o


ato de conhecer já implica o problema do valor daquilo que se conhece”. O
valor é um foco de estimativa que dá sentido à concepção de vida de cada
homem e está no centro da Filosofia. Para a Filosofia do Direito, o problema
central é o “valor do justo”239.

Um determinado valor pode ainda ser


considerado de forma diferente conforme o momento histórico em que se
vive. A virgindade, por exemplo, já não tem hoje a mesma consideração que
tinha no passado. A sua ausência, em outra época, poderia levar à anulação do
casamento. Continua a mesma sendo um valor, mas a maneira de se a
considerar é diferente.

2.4.3.2.2. Constatação

Quanto à localização dos valores, Paulo Nader


afirma haver três posições: “a) no sujeito; b) no objeto; c) na relação entre o
sujeito e o objeto”. A primeira se baseia no fato de que “o sujeito é portador
de necessidade”. A segunda “apóia-se no fato de que o objeto, que irá suprir a
necessidade, possui certas propriedades que o fazem valioso perante o
homem”. A última é eclética, “para a qual o valor não existe isolado, mas na
co-participação do sujeito e objeto”240.

O cientista elabora juízos de realidade quando


explica a natureza, e de valor ao compreender a cultura241.

Na cultura, se apreendem, pois, os valores que


norteiam a existência de uma determinada sociedade. Sua constatação se faz
pela intuição, que é citada por diversos autores. Podem ser percebidos de
forma direta e imediata ao se observar a cultura.

A intuição do valor é a descoberta daquilo que


é conveniente à sobrevivência e à felicidade do indivíduo enquanto membro
de um grupo. Há valores que ficam despercebidos por certo tempo e há
sociedades que são menos morais. Há um longo caminho a percorrer242.
238
P. 221.
239
P. 37/38.
240
Introdução ao estudo do direito, p. 65.
241
Paulo Hamilton Siqueira Jr., Lições de introdução ao direito, p. 123.
242
Maria Lúcia Aranha e Maria Helena Martins, Temas de filosofia, p. 119.

66
Miguel Reale, na obra “Fundamentos do
Direito”, tratando da obrigatoriedade conferida pelos valores, afirma que os
mesmos “são intuídos na experiência...”, ou seja, apreendidos pela intuição243.

Segundo mencionado autor, “a Ciência


Jurídica assenta sobre uma larga base de experiência axiológica, valendo-se
de dados que só a intuição pode apreender, para a elaboração e a verificação
racionais”244.

João Maurício Adeodato afirma que “o ser


humano intui o valor (ou desvalor), inspira-se nele e decide como orientará
sua ação, colocando um fim a ser atingido por ela”245.

A intuição é, portanto, o meio pelo qual se


constatam os valores.

2.4.3.2.3. Implicação

Os valores implicam a gênese de princípios e


de normas, norteando-os. Eles provocam o surgimento e a solidificação ou,
ainda, o enfraquecimento ou desaparecimento de ambos.

Hugo de Brito Machado trata da idéia de


movimento em relação ao Direito, referindo-se a fatos novos; e não se refere a
valores. Afirma: “Imaginemos que determinado fato, consubstanciado na
conduta de alguém, vem ocorrendo com freqüência cada vez maior, e que se
considera esse fato, vale dizer, essa conduta, gravemente nociva para a
sociedade. Isto pode significar a exigência de sua definição como crime. O
órgão legislativo cuida de produzir uma lei penal. Estará, assim, prevista uma
hipótese normativa penal. Um tipo penal novo”246.

Na realidade, não é a ocorrência cada vez


maior de um determinado fato que faz com que seja considerado crime, mas
sim – usando-se seus próprios termos – por ser nocivo à sociedade. É claro
que fatos novos vêm surgindo no decorrer das histórias e muitos outros ainda
virão. Constata-se tal fenômeno observando-se, por exemplo, os avanços que
ocorrem em todas as áreas da ciência e a aventura do homem no espaço

243
P. 303/304.
244
Filosofia do direito, p. 151.
245
Filosofia do direito: uma crítica à verdade na ética e na ciência, p. 177.
246
Uma introdução ao estudo do direito, p. 171/172.

67
sideral. Hoje se fala em crimes na “internet”, inseminação humana “in vitro”,
possíveis viagens turísticas fora da atmosfera terrestre e outras tantas coisas
inimagináveis há algumas décadas. Há, pois, fatos novos sobre os quais antes
nem se pensava. Entretanto, não é apenas isso que muda em relação ao
Direito. Os valores também podem mudar conforme o lugar e a época. Os
mesmos fatos, que até certo momento, geravam repulsa da sociedade e por
isso eram considerados crimes, podem depois já não ser tratados como tão
repulsivos assim. Isso se deu, por exemplo, com o adultério, que era previsto
como crime e deixou de ser. Mas não é só de acordo com a época; os valores
também variam conforme o lugar. Para ilustrar, pode-se verificar o que ocorre
em relação ao comportamento das mulheres; enquanto na Europa podem
praticar o “topless”, são obrigadas a usar véu ou até mesmo burca em certos
países árabes. Portanto, não são apenas os fatos novos que provocam a
iniciativa dos legisladores, mas também a modificação dos valores. Aliás,
estes não só provocam a iniciativa como norteiam a atividade legislativa.

Os valores, além de implicar o surgimento de


princípios e normas, atuam em sua interpretação e aplicação.

José Fabio Rodrigues Maciel, tratando da


Axiologia, afirma: “O que ocasiona a essência do fenômeno jurídico parece
ser a presença do valor. Norma e fato geralmente são inexpressivos se
desvinculados do valor... (...) Os valores são essenciais; têm como função
indicar os fins fundamentais da produção jurídica e atuam tanto na elaboração
como na interpretação da norma”247.

Observa, ainda, o mesmo autor que os valores,


ao serem apreciados, devem estar inseridos no âmbito da história, além de se
levarem em conta todos os demais248.

2.4.4. Sociedade e cultura

O fenômeno dos valores é algo que ocorre na sociedade e


está inter-relacionado com a cultura.

247
Teoria geral do direito: segurança, valor, hermenêutica, princípios, sistema, p. 50/52.
248
Ibid., p. 57.

68
2.4.4.1. Sociedade

O objeto de uma nova norma jurídica é, “no plano


sociológico, dar solução a uma necessidade social, verdadeira ou suposta,
nascida num momento dado”249.

Carlos Maximiliano afirma: “As mudanças


econômicas e sociais constituem o fundo e a razão de ser de toda a evolução
jurídica; e o Direito é feito para traduzir em disposições positivas e
imperativas toda a evolução social”250.

O surgimento da norma, pois, vem satisfazer uma


necessidade social em um determinado momento histórico.

2.4.4.2. Cultura

Paulo Hamilton Siqueira Jr., discorrendo sobre o


tema e tratando da diferença entre natureza e cultura, conclui que “a natureza
engloba aquilo que nos é dado puramente no mundo, ao passo que a cultura
engloba o construído, ou seja, aquilo que acrescentamos na natureza, através
do conhecimento de suas leis, visando a atingir determinado fim. A cultura é
construída pela atividade do homem. O mundo da natureza é a totalidade das
coisas puras, sem as transformações operadas pelo homem. O mundo da
cultura é a totalidade das coisas transformadas pelo homem. Diante dessas
duas esferas do real, o homem se comporta de maneira diversa, mas antes
procura conhecê-las, descobrindo os nexos existentes entre seus elementos e
atingindo as leis que governam”251.

Explica: “O mundo da cultura é o mundo de fins


valiosos”. Citando Wilhem Dilthey, lembra que “a natureza se explica e a
cultura se compreende”. Ensina ainda: “Na investigação científica do mundo
da natureza parte-se de maneira direta do fato para a lei. A lei física é uma
síntese explicativa do fato. No mundo da cultura exige-se, entre o fato e a lei,
uma tomada de posição. Assim, ao invés das sínteses explicativas, próprias
das ciências naturais, temos sínteses compreensivas. A lei cultural é uma
síntese compreensiva do fato”. As leis dependem da vontade do homem no
mundo da cultura; o que não ocorre na natureza. Enquanto o mundo da
natureza é regido pelo princípio da causalidade, constituindo suas leis juízos

249
Irineu Strenger, Lógica jurídica, p. 205.
250
Hermenêutica e aplicação do direito, p. 131.
251
Lições de introdução ao direito, p. 118.

69
de realidade, a lei cultural tem natureza compreensiva. Nela, além de causa e
efeito, interfere outro elemento que é o valor, há uma tomada de posição252.

Maria Lúcia Aranha e Maria Helena Martins,


discorrendo sobre a cultura, afirmam que a ação dos animais dos níveis mais
baixos da escala zoológica é regida por reflexos e instintos. Os atos instintivos
são os mesmos em todos os tempos, mudando-se apenas quando há evolução
e, mesmo assim, continuam valendo para todos os indivíduos da espécie, sem
inovações e transmitindo-se de forma hereditária. Diferentemente, o ato
humano voluntário é praticado com a consciência da finalidade e a execução é
o resultado da escolha de meios. Se houver interferência externa, os meios
também se modificam. Os animais dos níveis mais altos da escala zoológica
também apresentam ações com certas características de atos inteligentes.
Entretanto, trata-se de inteligência concreta; os atos se esgotam em seu
movimento; os animais não inventam o instrumento nem o aperfeiçoam nem
o conservam253.

Observa-se, portanto, que, quando se fala em


cultura, está-se falando em ser humano. Isso ocorre ao menos com a noção de
cultura que se pretende trabalhar neste texto. A atividade humana vai bem
além do simples instinto e dos atos reflexos; o ser humano tem consciência da
finalidade de seu ato e pensa nele antes de praticá-lo. O homem, pois,
conscientemente transforma a natureza.

O mundo que resulta da ação humana já não pode


mais ser chamado de natural. O ser humano transforma a natureza e a si
próprio, muda a maneira de agir sobre o mundo, estabelece relações mutáveis.
Muda-se, inclusive, a maneira de perceber, de pensar e de sentir254.

A realidade cultural de hoje, de cada povo, resulta de


um longo processo histórico. O ser humano foi transformando a natureza, e
outros vieram e continuaram a transformação. Cada um nasce dentro de uma
determinada cultura, a absorve, a modifica e a transmite.

Explica Betioli: “O mundo da CULTURA (...) é o


mundo das realizações humanas, da interferência criadora do homem,
adaptando a natureza a seus fins, à satisfação de suas necessidades vitais,
impelido pela exigência de perfeição”255.

252
Ibid., 122/126.
253
Filosofando, p. 3/4.
254
Ibid., p. 5.
255
Introdução ao direito – lições de propedêutica jurídica tridimensional, p. 34.

70
De fato, o homem, buscando a satisfação de suas
necessidades vitais, ou seja, a preservação de si mesmo e a da espécie,
interfere na natureza e age de maneira a atingir a realização de mencionado
intento. E nessa busca sempre tenta aperfeiçoar seus instrumentos.

Miguel Reale, na obra “Paradigmas da Cultura


Contemporânea”, traz um conceito social ou objetivo de cultura: “acervo de
bens materiais e espirituais acumulados pela espécie humana através do
tempo, mediante um processo intencional ou não de realização de valores”256.

Os valores também estão inseridos na cultura, ou


seja, resultam da atividade humana que transforma a natureza. Até por isso
entendemos que não podem ser considerados inatos. Podem estar presentes
desde épocas remotas, mas surgiram em algum momento por causa da ação
humana.

Interessante é a história das “meninas-lobo”, trazida


por Maria Lúcia Aranha e Maria Helena Martins, em sua obra “Filosofando”.
Trata-se de duas meninas, que em 1920, uma de um ano e meio e outra de oito
anos, que foram encontradas vivendo com uma família de lobos. O
comportamento delas era semelhante ao de seus irmãos lobos; nada tinha de
humano. A primeira morreu um ano mais tarde; a outra, nove anos depois. A
que viveu mais, humanizou-se lentamente, precisou de seis anos para
aprender a andar e tinha um vocabulário de apenas cinqüenta palavras.
Lentamente, apareceram atitudes afetivas. Inicialmente, comunicava-se por
gestos e depois com o vocabulário rudimentar; aprendeu a executar ordens
simples257.

A história acima contada revela que o conhecimento


não é inato; resulta da experiência. Isso também ocorre com os valores que
são sempre transmitidos por outros seres humanos ou resultam de raciocínios
baseados em dados anteriormente apreendidos.

A cultura é algo que se transmite entre as gerações,


sendo melhorada e aperfeiçoada; “é a marca da racionalidade humana”258.

A cultura e, com ela, os valores são transmitidos


entre os seres humanos. Desde a mais tenra idade, todos vão recebendo a
carga de valores da sociedade em que vivem.

256
P. 3.
257
P. 2.
258
Paulo Hamilton Siqueira Jr., Lições de introdução ao direito, p. 121.

71
Discorrendo sobre Direito e Cultura, Paulo Nader
afirma: “Como processo de adaptação social, o Direito é gerado pelas forças
sociais, com o objetivo de garantir a ordem na sociedade, segundo os
princípios de justiça. Assim, o Direito é um objeto criado pelo homem e
dotado de valor. Como, por definição, objeto cultural é qualquer ente criado
pela experiência humana, infere-se que o Direito é objeto cultural”. O Direito
está no mundo da Cultura259.

O Direito é um fato cultural, pois também resulta da


ação humana que, buscando resolver conflitos de interesse, passou a
estabelecer regras, para possibilitar a convivência.

Havendo diferenças culturais, o direito também é


concebido de forma diferente, ou seja, “o Direito... (...) é diferente nas
diversas comunidades humanas”260.

A cultura de cada povo é diferente e, por


conseqüência, o Direito também o é. A interferência do homem no mundo
ocorreu de forma distinta em cada lugar. Diferenças locais como clima,
relevo, intempéries naturais, excesso ou escassez de alimentos, fizeram com
que o homem agisse de forma diferente ao interferir no mundo e ao criar
regras. O passar do tempo também gerou diversidade. Por isso, os valores são
diferentes e o Direito pode variar conforme a época e conforme o lugar.

José Fabio Rodrigues Maciel lembra que o sentido


dos valores pode sofrer alterações conforme a sociedade e a época261.

De fato, as diferenças, que decorrem da própria


natureza e aquelas provocadas pelo ser humano que a modifica, podem dar
um sentido diferente às suas ações e à forma de se perceber o mundo. Daí
decorre a possibilidade de surgirem valores distintos. Há valores que são
universais, mas nem todos o são.

Miguel Reale, na obra “Lições Preliminares de


Direito”, afirma que há dois mundos complementares, o do “natural” e o do
“cultural”; do “dado” e do “construído”. O dado é o que se apresenta ao
homem sem sua participação intencional, para que apareça ou para que se
desenvolva. O homem procura conhecer os dois mundos. Cultura “é o
conjunto de tudo aquilo que, nos planos material e espiritual, o homem
constrói sobre a base da natureza, quer para modificá-la, quer para modificar-

259
Introdução ao estudo do direito, p. 69.
260
Hugo de Brito Machado, Uma introdução ao estudo do direito, p. 47.
261
Teoria geral do direito: segurança, valor, hermenêutica, princípios, sistema, p. 52.

72
se a si mesmo”. O homem altera o que lhe é dado, alterando-se a si próprio,
buscando a realização de fins, que resultam de seu próprio viver. Assim, faz
surgir a cultura. A cultura implica a idéia de valor, critério distintivo das duas
realidades, ou seja, a natural e a cultural. As relações humanas envolvem
juízo de valor, “implicando uma adequação de meios a fins”. A Axiologia é a
teoria dos valores; a Teleologia, a teoria dos fins. A Ética é a “ciência
normativa dos comportamentos humanos”. Tem-se uma regra ou norma
“quando uma lei cultural envolve uma tomada de posição perante a realidade,
implicando o reconhecimento da obrigatoriedade de um comportamento”. A
convivência humana sofre várias influências e se modifica no tempo,
alterando-se de lugar para lugar e de época para época262.

2.4.5. Ser humano: valor-fonte

Segundo Miguel Reale, como já exposto, o homem é o


valor fonte de todos os valores, por ser capaz de ter consciência da própria
valia, através da experiência com os demais homens; sendo que outros valores
se revelaram para completá-lo e garanti-lo263.

A pessoa, como valor, se tornou uma invariante axiológica,


“que condiciona a vida ética em geral – e a jurídica em particular – transcende
o processo empírico no qual e do qual emergiu para adquirir uma validade
universal... (...) No caso de uma experiência histórico-cultural como é a do
Direito, esse conteúdo é de natureza axiológica, apresentando-se o valor da
pessoa humana como valor primordial, pedra de toque essencial de aferição
de legitimidade da ordem jurídica positiva”264.

Ao tratar da cultura e do valor da pessoa humana, na obra


“Filosofia do Direito”, o mesmo autor afirma que “os valores não possuem
uma existência em si, ontológica, mas se manifestam nas coisas valiosas.
Trata-se de algo que se revela na experiência humana, através da História. Os
valores não são uma realidade ideal que o homem contempla como se fosse
um modelo definitivo, ou que só possa realizar de maneira indireta, como
quem faz uma cópia. Os valores são, ao contrário, algo que o homem realiza
em sua própria experiência e que vai assumindo expressões diversas e
exemplares, através do tempo”. Os valores possuem objetividade relativa.
Objetividade, por haver “sempre uma abertura para novas determinações do
gênio inventivo e criador”; objetividade relativa, “pois os valores não existem
em si e de per si, mas em relação aos homens, com referência a um sujeito...

262
P. 24/31.
263
Filosofia e teoria política [ensaios], p. 123/124.
264
Idem, Nova fase do direito moderno, p. 63.

73
(...) referem-se ao homem que se realiza na História, ao processus da
experiência humana de que participamos todos, conscientes ou inconscientes
de sua significação universal”265.

Explica ainda: “O homem é o valor fundamental, algo que


vale por si mesmo, identificando-se seu ser com a sua valia. De todos os
seres, só o homem é capaz de valores...”. Há o fenômeno da compreensão
quando o homem “toma uma posição” diante dos fatos, estimando-os e os
situando em uma totalidade de significados. Trata-se de compreender o
fenômeno naquilo que o mesmo significa para a existência humana: “o ato de
valorar é componente intrínseco do ato de conhecer”. E somente o ser
humano pode “integrar as coisas e os fenômenos no significado de sua própria
existência, dando-lhes assim uma dimensão ou qualidade que em si mesmos
não possuem, senão de maneira virtual”266.

O homem, ao mesmo tempo, “é” e “deve ser” e tem


consciência de tal fato, nascendo dessa autoconsciência a idéia de “pessoa”,
“segundo a qual não se é homem pelo mero fato de existir, mas pelo
significado ou sentido da existência”. O homem transforma a natureza para a
satisfação de seus fins, construindo o mundo da cultura. É o único ser que tem
a capacidade de valorar por ser o único que inova267.

Tratando da experiência jurídica, como antecedente da


respectiva consciência científica, afirma Miguel Reale que o homem “não é
apenas um realizador de interesses, de coisas valiosas, ou de ‘bens’, porque é
também um ser que sente indeclinável necessidade de proteger o que cria, de
tutelar as coisas realizadas e de garantir para si mesmo, acima de tudo, a
possibilidade de criar livremente coisas novas... (...) O direito marca e reflete
essas tendências ou inclinações fundamentais do espírito, na tutela e na
realização de valores, razão pela qual a História do Direito revela sempre (...)
uma tensão íntima entre o movimento para o futuro (amor de novos bens) e a
estabilidade e a tradição (amor de bens adquiridos)”268.

A idéia de valor “encontra na pessoa humana a sua origem


primeira, como valor-fonte de todo o mundo das estimativas, ou mundo
histórico-cultural”269.

No mesmo sentido, Miguel Reale, na obra “Introdução à


Filosofia”, afirma que, ao se estudar o valor, deve-se partir daquilo que
265
P. 208/209.
266
Ibid. 210/211.
267
Ibid., p. 211/212.
268
Ibid., p. 219.
269
Ibid., p. 221.

74
significa o próprio homem, que é o único ser capaz de valores. O homem tem
a possibilidade de inovar e superar. Ele instaura novos objetivos de
conhecimento e constitui novas formas de vida. Constitui o mundo da cultura,
compreende os fenômenos naturais e os integra na sua existência, inovando a
natureza. Em razão da capacidade de inovação, é capaz de valorar270.

Verifica-se, pois, que o ser humano é a fonte de todos os


valores; dele emanam e para ele existem. É ele que, enquanto valor, legitima a
ordem jurídica. Em sua experiência, os demais valores se revelam e se
atualizam. É o ser humano que estima e toma uma posição relativamente aos
fatos. Por sua capacidade de inovação e superação, tem também a capacidade
de valorar.

2.4.6. Justiça: valor fundamental

2.4.6.1. Conceito

O termo Justiça possui uma multiplicidade de


significações, tendo, portanto, um conceito análogo271.

Os autores, ao longo do tempo, foram tratando dos


vários conceitos de Justiça.

Um dos conceitos é aquele no sentido de


característica daquilo que é justo, ou seja, do que corresponde ao direito.
Emprega-se o termo tanto para se falar da eqüidade como da legalidade272.

Afirma Paulo Nader: “Todo processo cultural é


estruturado com vista à realização de um valor próprio. A estética existe em
função do belo, a técnica visa a alcançar o útil, a Moral projeta o bem, a
Religião valora a divindade, e o Direito tem na justiça a sua causa
principal”273.

O valor-fim do Direito, segundo Miguel Reale, é a


Justiça, “não como virtude, mas em sentido objetivo como justo, como ordem
que a virtude justiça visa realizar”. A “idéia de justiça (...) é própria do
homem como ser racional que vive em sociedade”274.

270
P. 159/161.
271
André Franco Montoro, Introdução à ciência do direito, p. 163/164.
272
André Lalande, Vocabulário técnico e crítico da filosofia, p. 601/602.
273
Introdução ao estudo do direito, p. 65.
274
Fundamentos do direito, p. 306/307.

75
Em sua obra “Política de Ontem e de Hoje”,
discorrendo sobre a doutrina de Nicolai Hartmann, afirma que a Justiça é um
valor de base e não o mais alto. É “o valor de coordenação harmônica que
torna possível a coexistência e o desenvolvimento das experiências
axiológicas no seu todo”. Não se atribui à Justiça apenas a função negativa de
impedir que desvalores ocorram, mas também a positiva “de influenciar tanto
como as correspondentes normas jurídicas, os comportamentos individuais e
coletivos no sentido da idéia de igualdade, assegurada a homens cada vez
mais livres”275.

Para Paulo Hamilton Siqueira Jr., como já exposto, a


Justiça é o valor fundamental do Direito276.

Lembra, esse autor, Del Vecchio, para quem “a


noção de justo é a pedra angular de todo o edifício jurídico”. É preciso
verificar qual o sentido do Direito, sua justificação, seu fundamento, “o que
autoriza o Estado a estabelecer um conjunto de regras que todos devem
respeitar”. É o problema da legitimidade. Explica: “Com a evolução do
pensamento jurídico, a Ciência do Direito procura se desvencilhar da pura
dogmática positivista e incorpora novas dimensões finalísticas (teleológicas) e
valorativas (axiológicas)... (...) A Justiça é o fundamento, é o alicerce do
sistema jurídico, e ao mesmo tempo a finalidade do sistema jurídico é
alcançar a Justiça... (...) através dos princípios da Justiça, os operadores do
direito devem conciliar os múltiplos valores do direito”. Quando há conflito
entre direitos fundamentais, a conciliação se faz através do princípio da
Justiça. Trata-se de princípio informador para o legislador e para o aplicador
do Direito277.

Paulo Nader lembra a formulação de Ulpiano sobre a


Justiça: “Justitia est constans et perpetua voluntas jus suum cuique tribuendi
(Justiça é a constante e firme vontade de dar a cada um o que é seu)”. A
colocação “dar a cada um o que é seu”, idéia nuclear de tal valor, é verdadeira
e definitiva, sendo enganadamente considerada ultrapassada diante da justiça
social. É válida para qualquer época e lugar, “por ser uma definição apenas de
natureza formal, que não define o conteúdo de seu de cada pessoa”. O que
varia “é o que deve ser atribuído a cada um”. O “seu” “representa algo que
deve ser entendido como próprio da pessoa. Configura-se por diferentes
hipóteses: salário equivalente ao trabalho; penalidade proporcional ao crime;
guarda de um filho menor pelo cônjuge inocente”. Além disso, a idéia de
Justiça não se refere somente ao Direito. Ações justas são preocupação

275
P. 142/143.
276
Lições de introdução ao direito, p. 114.
277
Ibid., p. 139/141.

76
também da Moral, da Religião e das Regras de Trato Social. “O seu de uma
pessoa é também o respeito moral; um elogio; um perdão. A palavra justo,
vinculada à justiça, revela aquilo que está conforme, que está adequado. A
parcela de ações justas que o Direito considera é a que se refere às riquezas e
ao mínimo ético necessário ao bem-estar da coletividade”. Justiça “é síntese
dos valores éticos... (...) existe sempre em função de uma relação social”278.

Discorrendo sobre a Justiça, Charles Lahr afirma ser


ela o equilíbrio entre os direitos que coexistem na sociedade279.

Foi na idéia de Justiça, segundo Tércio Sampaio


Ferraz Jr., que se buscou, desde a Antiguidade, uma estrutura universal e
racional que legitime ou direito, que seja uma espécie de “código doador de
sentido”. Assim, “a justiça confere ao direito um significado no sentido de
razão de existir”. A Justiça aparece, no seu aspecto formal, “como um valor
ético-social de proporcionalidade em conformidade com o qual, em situações
bilaterais normativamente reguladas, exige-se a atribuição a alguém daquilo
que lhe é devido”, reclamando “num segundo aspecto, a determinação daquilo
que é devido a cada um”. No aspecto material, o problema é a “conformidade
ou não com critérios sobre o que e a quem é devido”280.

Para Montoro, “a noção de ‘princípios gerais do


direito’ – a que devem, a cada momento, recorrer o juiz e os demais
aplicadores da lei – corresponde fundamentalmente aos princípios de
‘justiça’”281.

Explica: “Justiça, no sentido subjetivo, é a virtude


pela qual damos a cada um o que lhe é devido. No sentido objetivo, justiça
aplica-se à ordem social que garante a cada um o que lhe é devido”. A justiça,
em sentido latíssimo, é o “conjunto de todas as virtudes”, sendo esse inclusive
o sentido bíblico e o que predomina na filosofia estóica. Em sentido lato,
significa “o conjunto das virtudes sociais ou virtudes de relação e convivência
humana”. Em sentido estrito, “designa uma virtude com objeto especial... (...)
‘a essência da justiça consiste em dar a outrem o que lhe é devido, segundo
uma igualdade’ (simples ou proporcional), conforme a definição lapidar de S.
Tomás”. A justiça, nesse sentido, tem as seguintes características essenciais:
“– a alteridade ou pluralidade de pessoas (alteritas, de alter); – o devido
(debitum); – a igualdade (aequalitas)”282.

278
Introdução ao estudo do direito, p. 101/102.
279
Manual de philosophia, p. 572.
280
Introdução ao estudo do direito – técnica, decisão, dominação, p. 352/353.
281
Introdução à ciência do direito, p. 160.
282
Ibid., p. 167/168.

77
Quanto à alteridade, “consiste fundamentalmente na
disposição permanente de respeitar a pessoa do próximo”. Deve haver uma
pluralidade de pessoas ou pelo menos mais uma outra. Trata-se de virtude
social. Quanto à obrigatoriedade ou exigibilidade, consiste em “dar o que é
‘devido’”, conforme a doutrina de Santo Tomás. Quanto à igualdade, trata-se
de elemento essencial básico. O próprio nome “justiça” contém a noção de
igualdade, pois se diz que está ajustado aquilo que está adequado ou igualado;
sendo que da noção de igualdade pode-se fazer derivar as de pluralidade ou
devido283.

Aristóteles, segundo Tércio Sampaio Ferraz Jr., trata


da justiça como virtude. Apontava-se para a igualdade como cerne da mesma.
Havia a distinção entre a justiça comutativa, “ou a virtude da
proporcionalidade entre as coisas de sujeitos pressupostamente iguais entre
si”, e justiça distributiva, “ou a virtude da proporcionalidade entre as coisas
de sujeitos diferentes”284.

Interessante é notar que a idéia de virtude está ligada


à de hábito, ou seja, algo não meramente ocasional. Afirmam Maria Lúcia
Aranha e Maria Helena Martins: “A virtude, como disposição para querer o
bem, supõe a coragem de assumir os valores escolhidos e enfrentar os
obstáculos que dificultam a ação. Por isso a noção de virtude não se restringe
a um ato moral apenas, mas na repetição e continuidade do agir moral... (...) a
virtude não se resume ao ato ocasional e fortuito, mas resulta de um
hábito”285.

No Livro V, de Ética a Nicômaco, a Justiça é, de


fato, tratada como virtude. Aristóteles a vê como respeito à lei. Ele afirma: “O
justo é (...) o respeitador da lei e o probo, e o injusto é homem sem lei e
ímprobo”. Vê-se também o aspecto da alteridade no seguinte trecho: “Por essa
mesma razão se diz que somente a justiça, entre todas as virtudes, é o ‘bem de
um outro’, visto que se relaciona com o nosso próximo, fazendo o que é
vantajoso a um outro, seja um governante, seja um associado. Ora o pior dos
homens é aquele que exerce a sua maldade tanto para consigo mesmo como
para com os seus amigos, e o melhor não é o que exerce a sua virtude para
consigo mesmo, mas para com um outro; pois que difícil tarefa é essa”. Trata-
se do aspecto da proporcionalidade: “O justo é (...) uma espécie de termo
proporcional (...). Com efeito, a proporção é uma igualdade de razões... O
justo (...) é um meio-termo já que o juiz o é. Ora, o juiz restabelece a
igualdade. (...) O igual é intermediário entre a linha maior e a menor de

283
Ibid., p. 168/170.
284
Introdução ao estudo do direito – técnica, decisão, dominação, p. 353.
285
Temas de filosofia, p. 119.

78
acordo com uma proporção aritmética”. Novamente aparece a noção de meio-
termo: “A justiça é uma espécie de meio-termo, porém não no mesmo sentido
que as outras virtudes, e sim porque se relaciona com uma quantia ou
quantidade intermediária, enquanto a injustiça se relaciona com os
extremos”286.

É interessante a colocação aristotélica quanto à lei. É


claro que existem leis injustas. Porém, de forma ideal, todas deveriam ser
justas. Se isso ocorresse, teria total sentido a afirmação de que o justo é o
respeitador da lei. Ao menos, é o que deveria acontecer.

O aspecto da alteridade, tratado na obra referida, é


um aspecto importante da Justiça. Diferentemente de outras virtudes, que se
pode ter independentemente das outras pessoas, esta somente existe na
relação com outros seres humanos.

Outro aspecto é a questão da proporcionalidade, à


qual se ligam as idéias de meio-termo, igualdade, equilíbrio. A noção de justo
está sempre relacionada entre a falta e o excesso de alguma coisa.

Daí, se pode fazer a ligação com a idéia de justiça do


Direito Romano, ou seja, com o “dar a cada um o que é seu”. Esta noção de
“seu” tem a ver com o meio-termo, pois é a situação de equilíbrio, ou seja, de
alguém ter respeitado o que é “seu” ou de não lhe faltar o que lhe é devido e a
outra pessoa também ter o que é “seu” respeitado na medida em que o
primeiro não excede, ultrapassando esse limite do outro.

Segundo Recaséns Siches, a Justiça tem duas


acepções: a “virtude universal que é síntese e compêndio de todas as demais
virtudes”, ou o “principal critério ou medida ideal para o Direito”. A que
interessa é a segunda, na qual se inspira o Direito positivo287.

Entre as várias doutrinas, segundo o mesmo autor,


há uma identidade básica: “a idéia de justiça, como uma pauta de harmonia,
de igualdade simples ou aritmética em alguns casos, e de igualdade
proporcional em outros casos; um meio harmônico de troca e distribuição nas
relações humanas, seja entre indivíduos, ou seja entre indivíduos e a
coletividade”288.

286
P. 81/89.
287
Introducción al estudio del derecho, p. 311. Tradução própria do original: “virtud universal que es suma
y compendio de todas las demás virtudes” e “principal critério o medida ideal para el Derecho”.
288
Ibid., mesma página. Tradução própria do original “la Idea de justicia, como una pauta de armonía, de
igualdad simple o aritmética en unos casos, y de igualdad proporcional en otros casos; un medio armónico de

79
Afirma ainda: “As meras idéias de igualdade, de
proporcionalidade ou de harmonia não nos provê critério algum de medida,
não nos dão o princípio prático mediante o qual possamos determinar ou a
equivalência entre os bens que se trocam, ou a igualdade proporcional ou a
harmonia na distribuição entre pessoas desiguais”. Deve-se verificar quais são
os pontos de vista de igualdade ou de desigualdade que são relevantes289.

Primeiramente deve haver uma igualdade


indiscriminada no que se refere à dignidade humana e aos direitos básicos ou
fundamentais, que são conseqüências dessa mesma dignidade. Em segundo
lugar, algumas desigualdades devem ter repercussão jurídica. Assim, “o
problema consiste em esclarecer quais são as igualdades que devem ser
relevantes para o Direito; quais as desigualdades que não interessam para o
ordenamento jurídico; e quais as desigualdades que este deve levar em
conta”290.

O cerne da questão é averiguar quais são os valores


que devem ser levados em conta pelo Estado e pelo Direito. O importante “é
conhecer o critério para a estimativa jurídica: os critérios para a igualdade, os
critérios para a equivalência e os critérios para a distribuição proporcional”. É
preciso verificar também a hierarquia entre os valores considerados pelo
ordenamento jurídico, ou seja, os que são prioritários e as mútuas relações291.

O centro do problema da justiça não está em definir


o seu valor formal, ou seja, igualdade, equivalência e proporcionalidade, nem
em afirmar o que é correto. Trata-se de outra coisa: estabelecer a hierarquia
dos valores. Em primeiro lugar, é preciso determinar os valores supremos em
que se inspira o Direito, valores de caráter geral, entre os quais está a
dignidade do ser humano, bem como as conseqüências que daí emanam, ou
seja, o princípio da liberdade individual e ainda a paridade fundamental
perante o Direito. Em segundo lugar, é necessário verificar “que outros
valores podem e devem normatizar a elaboração do Direito em determinados
casos, supostas certas condições”. Há que se verificar ainda o nexo entre estes

cambio y distribución en las relaciones interhumanas, sea entre individuos, o sea entre los individuos y la
colectividad”.
289
Ibid., p. 312. Tradução própria do original: “Las meras ideas de igualdad, de proporcionalidad o de
armonía no nos suministran ningún critério de mensura, no nos dan el principio práctico mediante el cual
podamos determinar o la equivalencia entre los bienes que se cambian, o la igualdad proporcional o la
armonía en la distribución entre personas desiguales”.
290
Ibid., p. 316/317. Tradução própria do original: “el problema consiste en esclarecer cuáles son las
igualdades que deben ser relevantes para el Derecho; cuáles las desigualdades no vienen en cuestión para el
ordenamiento jurídico; y cuáles las desigualdades que éste debe tomar en cuenta”.
291
Ibid., p. 317. Tradução própria do original: “es conocer el critério para la estimación jurídica: los critérios
para la igualdad, los critérios para la equivalência y los criterios para la distribución proporcional”.

80
valores e os primeiros. Em terceiro lugar, verificar que valores, apesar de alto
grau na hierarquia axiológica, não podem ser transcritos em normas jurídicas.
Em quarto lugar, “será necessário inquirir as leis da relação, combinação e
interferência das valorações que confluam a cada um dos tipos de situações
sociais”. Em quinto lugar, “estudar os modos de realização dos valores
jurídicos; e, por fim, ademais, uma série de questões solidárias e adjacentes
das mencionadas”292.

Recaséns Siches apresenta uma lista de cinco


postulados universais da Justiça: verdade: afirmações sobre fatos e relações
devem ser verdadeiras; generalidade: o sistema de valores deve ser aplicado
de forma geral; tratar como igual o que é igual sob o sistema de valores
aceito: é injusto tratar de forma diversa casos iguais; nenhuma restrição da
liberdade, além do requerido pela ordem de valores aceitos; respeito às
necessidades da natureza: ninguém tem o dever de fazer o impossível293.

De acordo com Miguel Reale “ao lado do marxismo,


fiel ao seu economismo essencial, ou dos adeptos do Direito Natural de
tradição tomista... (...) duas novas posições vieram se destacando de maneira
mais significativa”. Os neopositivistas ou neo-empiristas não consideram um
problema a questão da justiça: é ela uma aspiração emocional. Do ponto de
vista da Moral, é “uma exigência de ordem prática, de natureza afetiva ou
ideológica”. Kelsen também viu na Justiça uma questão de ordem prática.
Embora alguns contestem a possibilidade de uma teoria da Justiça, os estudos
de Axiologia ou Teoria dos Valores adquiriram maior profundidade. A
axiologia se desenvolve em um plano filosófico e um outro positivo. O
primeiro “sobre os valores em si mesmos ou em sua objetividade, sendo esta
concebida de diversos modos”. O segundo “relativo às ‘experiências
valorativas’, à sua estrutura, condicionamento social, suas inter-relações etc.”.
A teoria da justiça se situa no âmbito da Axiologia. Toda regra jurídica visa a
um valor. A Justiça não se identifica com os valores; “é antes a condição
primeira de todos eles, a condição transcendental de sua possibilidade como
atualização histórica. Ela vale para que todos os valores valham”. A Justiça
foi vista primeiramente “como uma ‘qualidade subjetiva’, uma virtude ou
hábito...”; depois “passou a ser vista de forma objetiva, como a realização da
ordem social justa, resultante de exigências transpessoais imanentes ao
processo do viver coletivo”. Entretanto, não há como separar a compreensão
subjetiva da objetiva. Cita Platão, segundo o qual “não pode haver justiça sem
292
Ibid., p. 317/318. Traduções próprias dos originais: “qué otros valores pueden y deben normar la
elaboración del Derecho en determinados casos, y supuestas unas ciertas condiciones”, “habrá que inquirir
las leyes de la relación, combinación e interferência de las valoraciones que confluyan en cada uno de los
tipos de situaciones sociales” e “estudiar los modos de realización de los valores jurídicos; y, por fin,
además, una serie de cuestiones solidarias y adyacentes de las mencionadas”.
293
Ibid., p. 320.

81
homens justos”. Explica ainda: “(...) a justiça deve ser, complementarmente,
subjetiva e objetiva, envolvendo em sua dialeticidade o homem e a ordem
justa que ele instaura, porque esta ordem não é senão uma projeção constante
da pessoa humana, valor-fonte de todos os valores através do tempo. (...) A
justiça, em suma, somente pode ser compreendida plenamente como concreta
experiência histórica, isto é, como valor fundante do Direito ao longo do
processo dialógico da história”294.

Ronald Dworkin, tratando de “o que a justiça não é”,


apresenta a teoria pluralista da justiça social, proposta por Michael Walzer,
“que tem por objetivo o que ele chama de igualdade ‘complexa’”. Rejeita-se a
igualdade simples, ou seja, aquela dos que pretendem “tornar as pessoas tão
iguais quanto possível em sua situação geral”. Cada “esfera” de justiça é
governada por seu próprio princípio de igualdade. Duas idéias estão presentes
na “teoria da igualdade complexa”. A distribuição dos recursos deve ocorrer
conforme o princípio adequado à sua “esfera”, e o sucesso em uma delas não
pode permitir a preponderância em outra. Para o primeiro, trata-se de visão
moderada da justiça social. A sociedade pode ter paz com suas tradições “sem
as constantes tensões, comparações, ciúmes e arregimentação da igualdade
‘simples’. Os cidadãos vivem juntos, em harmonia, apesar de nenhum ter
exatamente a mesma riqueza, educação ou oportunidade que qualquer
outro...”. Aponta, entretanto, referido autor uma falha no argumento central de
Welzer, ou seja, “o ideal de igualdade complexa que ele define não é
praticável, nem mesmo coerente...”. A resposta a certos fatos óbvios é
insuficiente. Para Welzer, até mesmo um sistema de castas seria justo em uma
sociedade se suas tradições o aceitassem. Segundo Ronald Dwordin, a opinião
de Welzer é relativista quanto à justiça e não há uma preocupação com o que
ela seja realmente. Conclui dizendo: “Não podemos deixar a justiça à
convenção e ao anedótico”295.

Como se pode observar, pelas várias posições


colocadas, o conceito de justiça é, de fato, análogo.

2.4.6.2. Classificação

São consideradas espécies de justiça: a comutativa, a


distributiva, a legal ou geral e a social296.

294
Lições preliminares de direito, p. 369/370.
295
Uma questão de princípio, p. 319/328.
296
Charles Lahr, Manual de philosophia, p. 573.

82
Paulo Nader apresenta a classificação de Justiça em
distributiva, comutativa, geral e social. A distributiva tem o Estado como
agente, que tem a atribuição de repartir bens e encargos. Sua orientação é a
igualdade proporcional, de acordo com os graus de necessidade. A comutativa
“preside as relações de troca entre os particulares. O critério que adota é o da
igualdade quantitativa”. A geral “consiste na contribuição dos membros da
comunidade para o bem comum”. É chamada de “legal” por alguns. A social
tem por finalidade a proteção dos menos favorecidos, por critérios que
proporcionem “uma repartição mais equilibrada das riquezas”. Seu critério é o
da igualdade proporcional, considerando-se “a necessidade de uns e a
capacidade de contribuição de outros”297.

Para Montoro, a justiça pode ser particular ou geral.


A particular se realiza com um particular dando a outro o que é devido:
chama-se comutativa; ou com a sociedade dando a cada particular o que é
devido: chama-se distributiva. No caso da social, partes da sociedade dão à
comunidade o que é devido. Há, pois, “três espécies fundamentais de justiça:
a comutativa, a distributiva e a social...”. A particular se subdivide em
comutativa e distributiva; e há a geral, social ou legal298.

Segundo Messner, na justiça legal, se incluem


“todos os deveres cujo cumprimento constitui exigência do bem-comum
imposta pelo direito positivo”. Há deveres do legislador, “de criar as leis
necessárias do bem-comum”, e há deveres dos cidadãos, “de cumprir essas
leis”. A social se refere ao bem-estar da sociedade. Deve haver uma justa
distribuição do “produto social”. A internacional dirige os Estados ao bem-
comum da comunidade das nações. Há cooperação contra os males comuns e
contra tudo que possa prejudicar o bem-estar da família das nações, como por
exemplo, delitos, escravatura, tráfico de mulheres e de drogas. Há intercâmbio
de matéria prima, produtos e idéias. A distributiva é a que “obriga ao
cumprimento da igualdade proporcional, exigida pelo bem-comum na
distribuição de ônus e privilégios”. A comutativa obriga “a dar a cada um o
que lhe pertence, conforme uma medida de estrita igualdade”299.

2.4.6.3. Eqüidade

Aristóteles, no Livro V, de Ética a Nicômaco, trata


da eqüidade e suas relações com a Justiça. Mencionando o problema que
surge, afirma: “O que faz surgir o problema é que o eqüitativo é justo, porém

297
Introdução ao estudo do direito, p. 107/108.
298
Introdução à ciência do direito, p. 177/178.
299
Ética social (o direito natural no mundo moderno), p. 419/421.

83
não o legalmente justo, e sim uma correção da justiça legal. A razão disso é
que toda lei é universal... (...) Portanto, quando a lei se expressa
universalmente e surge um caso que não é abrangido pela declaração
universal, é justo (...) corrigir a omissão... (...) Por isso o eqüitativo é justo,
superior a uma espécie de justiça (...) E essa é a natureza do eqüitativo: uma
correção da lei quando ela é deficiente em razão da sua universalidade. E,
mesmo, é esse o motivo porque nem todas as coisas são determinadas pela lei:
em torno de algumas é impossível legislar, de modo que se faz necessário um
decreto. Com efeito, quando a coisa é indefinida, como a régua de chumbo,
usada para ajustar as molduras lésbicas: a régua adapta-se à forma da pedra e
não é rígida, exatamente como o decreto se adapta aos fatos”300.

Observa-se, pois, em relação à eqüidade, a idéia de


flexibilidade e adaptação.

Para designar Justiça, Aristóteles usa a palavra


δικαιοσύνη, -ης (dikaiosýne, -es), que significa “justiça, retidão, honradez;
função de juiz”301. Aliás, o mencionado Livro V, começa com a frase: “Περί
δέ δικαιοσύνης και ’αδικίας σκεπτέον”302. Utilizando o mesmo radical, têm-
se: δίκαιος, -α, -ον (díkaios, -a, -on), que significa “justo, reto, honrado,
merecido, devido, conveniente, regular, legítimo”; δίχα (dícha), que significa
“em dois, separadamente, aparte”; δικαστής, -ου (dikastés, -ou), que significa
“juiz”; δικάζω (dikázo), que significa “julgar, falar, sentenciar, ser juiz,
decidir, determinar, resolver”303.

A palavra grega que designa a eqüidade é ’επιείκεια,


-ας (epiéikeia, -as), que significa “conveniência, moderação, eqüidade,
doçura, bondade”304.

A eqüidade é “a justiça amoldada à especificidade de


305
uma situação real” .

Há leis que são rigorosas e necessitam de adaptação.


O papel da eqüidade “é o de adaptar a norma jurídica geral e abstrata às
condições do caso concreto”. Ela “é a justiça do caso particular”306.

300
P. 96/97.
301
Isidro Pereira, Dicionário grego-português e português-grego, p. 144.
302
Aristóteles. Ética a nicômaco, livro V, p. 1/14. Disponível em: http://www.mikrosapoplous.gr/em/texts 1
en.htm. Acesso em: 6-3-2006. Transliteração da frase: “Perí dé dikaiosýnes kai adikías skeptéon”. Tradução
própria do original: “Acerca da justiça e da injustiça, deve-se observar...”.
303
Isidro Pereira, Dicionário grego-português e português-grego, p. 144 e 148.
304
Ibid., p. 210.
305
Miguel Reale, Lições preliminares de direito, p. 294/295.
306
Paulo Nader, Introdução ao estudo do direito, p. 109/110.

84
Tem ela “o duplo papel de suprir as lacunas dos
repositórios de normas, e auxiliar a obter o sentido e alcance das disposições
legais. Serve, portanto, à Hermenêutica e à Aplicação do Direito”307.

De acordo com o conceito moderno, é considerada


“como atributo do direito, quer lhe seja conferido pelo legislador, ao formular
a norma jurídica, que pelo juiz, ao aplicá-la”308.

A palavra eqüidade tem várias acepções correlatas.


Seu sentido técnico é o de “princípio semelhante à justiça, concernente aos
casos concretos. (...) os preceitos de justiça são de natureza geral (...), os da
eqüidade são particulares, isto é, atendem às peculiaridades de cada espécie,
imprevisíveis de antemão”309.

Ao tratar da eqüidade, Maria Helena Diniz, em seu


“Compêndio de Introdução à Ciência do Direito”, cita Recaséns Siches,
segundo o qual, uma norma não deve ser aplicada a um determinado caso
concreto quando os efeitos produzidos puderem contradizer as valorações que
inspiraram referida norma310.

A eqüidade, entretanto, não influi apenas ao se


aplicar a lei ao caso concreto, mas também no momento de sua elaboração.

Maria Helena de Diniz lembra de sua influência na


elaboração legislativa, afirmando que essa função se liga, segundo
Calamandrei, “ao significado lato e compreensivo que lhe damos, quando
dizemos, justamente, que o legislador ao formular suas leis deve obedecer à
eqüidade: entendemos por eqüidade aquele conjunto de fatores econômicos e
morais, de tendências e de aspirações vivas na consciência de uma certa
sociedade, dos quais o legislador tem ou deveria ter em conta, quando
elaborar uma lei”311.

A eqüidade é, pois, uma espécie de Justiça.

Limongi França, na obra “Formas e Aplicação do


Direito Positivo”, considera a eqüidade, “virtude semelhante e mais alta que a
307
Carlos Maximiliano, Hermenêutica e aplicação do direito, p. 140.
308
Vicente Ráo, O direito e a vida dos direitos, p. 92.
309
Limongi França, Manual de direito civil, p. 78. Este autor afirma haver três espécies de eqüidade: civil,
natural e cerebrina; subdividindo-se a primeira em legal e judicial. A legal é “aquela em que a própria lei
prevê e limita as alternativas possíveis”; a judicial é “aquela expressamente concedida pela lei ao juiz, sem
lhe fixar limites exatos”; a natural é “aquela baseada no direito natural que tem o juiz de distribuir justiça
equanimemente”; a cerebrina é “a falsa eqüidade”.
310
P. 474.
311
Ibid., p. 473.

85
Justiça, uma vez que é a Justiça dos casos particulares, ou seja, a Justiça do
humano”312.

O mesmo autor tratou, em referida obra, de forma


aprofundada a matéria. Nela, traz as acepções que considera mais
importantes: “a) a de princípio similar e anexo ao da Justiça; b) a de virtude
ou hábito prático informado por esse princípio; c) a de direito de agir de modo
conforme a essa virtude; d) a de ato de julgar conforme os ditames do mesmo
princípio; e e) a de jurisprudência em geral”. Quanto à primeira acepção,
afirma que o princípio da justiça é o da igualdade, que rege o estabelecimento
das normas. Estas, porém, são gerais e a vida se compõe de casos concretos,
que são diversos. Por isso, o princípio da justiça deve ser suprido por outro,
que é o da eqüidade; que está compreendido no primeiro, mas o excede, pois
o aplicador da lei não se prende aos limites de seu texto. Relativamente à
segunda, lembra da metáfora de Aristóteles, que dizia corresponder a justiça a
uma régua rígida, enquanto a eqüidade corresponde a uma maleável, que se
adapta ao campo medido. Acrescenta: “A virtude de assim proceder é que
corresponde à Eqüidade no segundo sentido, visto que, em grego, epieíkeia
quer dizer também moderação. No Direito Romano correspondia à benignitas
ou humanitas”. Com referência à terceira acepção, coloca que tal virtude
implica dever e ao mesmo tempo direito do magistrado, ou seja, “o direito
natural de distribuir justiça equanimemente”. Tratando da quarta acepção,
afirma que a mesma gera confusão. Confunde-se a eqüidade com uma
variedade de ato jurisdicional. Com relação à quinta acepção, afirma também
ser inconveniente a utilização, pois “o vocábulo adquire uma largueza ainda
maior”313.

Sua proposta, quanto às espécies de eqüidade,


lembra que alguns a classificam como “legal” ou “judicial”, mas é também
oportuna dividi-la entre “civil”, “natural” e “cerebrina”. A “civil” se funda na
determinação da lei; a “natural”, “no direito natural que tem o juiz de
distribuir justiça equanimemente”; a “cerebrina” é a falsa eqüidade, é a
“sentimentalista, anticientífica, e, sob certos aspectos, tirânica. Nela se inclui
ainda a eqüidade confessional, cujas decisões estão jungidas aos preconceitos
de um credo”. As duas primeiras são indispensáveis; a última deve ser
banida314.

Esse autor apresenta ainda os requisitos: “1) A


despeito da existência de casos de autorização expressa em lei, concernente ao
uso da Eqüidade, essa autorização não é indispensável, uma vez que não

312
P. 82.
313
Ibid., p. 72/75.
314
Ibid., p. 75/76.

86
apenas pode ser implícita, como ainda o recurso a ela decorre do sistema e do
Direito Natural. 2) A Eqüidade, entretanto, supõe a inexistência, sobre a
matéria, de texto claro e inflexível. 3) Ainda que, a respeito do objeto, haja
determinação legal expressa, a Eqüidade tem lugar, se o mesmo for defeituoso
ou obscuro, ou, simplesmente, demasiado geral para abarcar o caso concreto.
4) Averiguada a omissão, defeito, ou acentuada generalidade da lei, cumpre,
entretanto, antes da livre criação da norma eqüitativa, apelar para as formas
complementares de expressão do Direito. 5) A construção da regra de
Eqüidade não deve ser sentimental ou arbitrária, mas o fruto de uma
elaboração científica, em harmonia com o espírito que rege o Sistema e
especialmente com os princípios que informam o instituto objeto da
decisão”315.

Vicente Ráo apresenta o que denomina “três regras


fundamentais da eqüidade”: “1. por igual modo devem ser tratadas as coisas
iguais e desigualmente as desiguais; 2. todos os elementos que concorrem
para constituir a relação sub judice, coisa, ou pessoa, ou que, no tocante a
estas tenham importância, ou sobre elas exerçam influência, devem ser
devidamente consideradas; 3. entre várias soluções possíveis deve-se preferir
a mais suave e humana, por ser a que melhor atende ao sentido de piedade, e
de benevolência da justiça: jus bonum et aequum”. As três regras se traduzem
“no princípio da igualdade do trato das relações jurídicas concretas”, como
conseqüência surge o preceito de que “deve o direito ser aplicado por modo
humano e benigno”316.

Referindo-se aos defeitos da fórmula das normas


gerais de direito positivo, explica que, “para evitar tão graves inconvenientes
para a manutenção da ordem social, que a eqüidade permite ao juiz (...)
suprimir qualquer dissonância entre a norma de direito e sua atuação concreta,
mercê de um poder mais largo e mais livre de apreciação, que lhe confere”317.

São funções da eqüidade: “a) a adaptação da lei a


todos os casos que devem incidir em sua disposição, mesmo aos não previstos
expressamente, devendo estes últimos ser tratados em pé de rigorosa
igualdade com os contemplados por modo expresso; b) a aplicação da lei a
todos esses casos, levando-se em conta todos os elementos do fato, pessoais e
reais, que definem e caracterizam os casos concretos; c) o suprimento de
erros, lacunas, ou omissões da lei, para os fins acima; d) a realização dessas
funções com benignidade e humanidade”318.

315
Ibid., p. 78/79.
316
O direito e a vida dos direitos, p. 92/93.
317
Ibid., p. 94/95.
318
Ibid., p. 95/96.

87
A eqüidade não se pratica somente no momento da
aplicação da lei ao caso concreto, mas também por ocasião de sua própria
elaboração319.

Vicente Ráo define a eqüidade como “uma particular


aplicação do princípio da igualdade às funções do legislador e do juiz, a fim
de que, na elaboração das normas jurídicas e em suas adaptações aos casos
concretos, todos os casos iguais, explícitos ou implícitos, sem exclusão, sejam
tratados igualmente e com humanidade, ou benignidade, corrigindo-se, para
este fim, a rigidez das fórmulas gerais usadas pelas normas jurídicas, ou seus
erros, ou omissões”320.

A eqüidade, portanto, é uma espécie de Justiça e, de


certo modo a supera, na medida em que a flexibiliza e a adapta ao caso
concreto. Está sempre presente a idéia de flexibilidade e adaptação. Não se
trata, no entanto, de algo a que se recorre apenas no momento em que há
autorização legal ou simplesmente para suprir eventual lacuna; deve ser
praticada inclusive por ocasião da elaboração da norma jurídica.

2.4.6.4. O problema das leis injustas

Outro problema que surge, quando se analisam os


valores, é o das chamadas leis injustas. Embora não devesse ocorrer tal fato, a
verdade é que, algumas vezes, podem existir leis injustas. Um exemplo claro
era a previsão da escravidão no Brasil.

Em hipóteses como essa, há sempre o problema de


se decidir entre aplicar a lei, embora injusta, ou fazer prevalecer o princípio
da Justiça, que é valor fundamental.

Um dos sinais da injustiça de uma determinada


norma é o fato de provocar a indignação popular. Há algo de errado com esse
tipo de norma. Quando a mesma surge como resultado da vontade do povo,
mesmo que através de representantes, vem para satisfazer um anseio. Ora, se
provoca indignação é porque o resultado é o contrário de tal aspiração.

Tratando das chamadas leis injustas, Paulo Nader


afirma que o conflito deve ser resolvido, pois o ordenamento jurídico não

319
Ibid., p. 96.
320
Ibid., p. 100.

88
pode apresentar contradição interna, deve prevalecer a “índole geral do
sistema”321.

Tratando da inaceitabilidade da valoração da norma


no que chama de momento jurídico, afirma Américo Lacombe: “A medição
do justo, numa norma, só poderá ser feita pelo legislador (que o faz
inevitavelmente), no momento de inserir a norma dentro do sistema jurídico, e
pelo filósofo do Direito, quando emite o seu julgamento do sistema jurídico.
Não cabe ao jurista e ao aplicador da lei verificar a semelhança de dois fatos
pelo critério de justiça, mas verificar a semelhança dos caracteres jurídicos
contidos no fato imponível que se subsume à hipótese de incidência de uma
norma existente e no outro fato que se pretende subsumir à hipótese desta
mesma norma”322.

Temos que discordar deste último autor. A solução


apontada por Paulo Nader parece ser a melhor alternativa, ou seja, deixar
prevalecer a “índole geral do sistema”. De fato, a lei injusta é algo que viola o
próprio sistema normativo.

Referindo-se às chamadas leis injustas, Limongi


França afirma que, “sem querer ferir (...) o problema da resistência à Lei
quando injusta, lembraremos que, segundo a doutrina mais equilibrada, essa
resistência só é naturalmente admissível, em caso de injustiça gravíssima, e
se, uma vez levada a efeito, não ocasiona dano maior à sociedade”323.

Tratando do conflito entre um princípio do Direito


Comparado e um do Direito pátrio, Miguel Reale afirma que não poderá ser
contrariado o último; mas é delicado “o conflito entre os princípios de Direito
Natural e os do Direito Positivo, pátrio ou comparado. É o problema da
‘resistência às leis injustas’, ou da não-obediência ao que é ‘legal’, mas não é
‘justo’. Na prática, a questão se resolve, ou se ameniza, através de processos
interpretativos, graças aos quais a regra jurídica ‘injusta’ vai perdendo as suas
arestas agressivas, por sua correlação com as demais normas, no sentido
global do ordenamento”. Pode não ser possível interpretação em tal sentido,
ocorrendo recusas heróicas à aplicação. Porém, “são resistências de valor
moral ou político, mas não de natureza jurídica”. Não é possível “recusar
vigência à lei sob alegação de sua injustiça”, mas se pode e se deve
“proclamar a sua ilegitimidade ética no ato mesmo de dar-lhe execução”. Cita
Sócrates, que se recusou a fugir da prisão e disse que “é preciso que os

321
Introdução ao estudo do direito, p. 112.
322
Revista de Direito Público, ano VI, nº 24, abr./jun., 1973, p. 57.
323
Princípios gerais de direito, p. 220.

89
homens bons respeitem as leis más, para que os maus não aprendam a
desrespeitar as leis boas”324.

Entendemos que se deve dar a solução proposta por


Limongi França, como acima exposto, ou seja, a resistência é cabível quando
o cumprimento da lei levar a uma injustiça gravíssima e, além disso, se não
houver um dano ainda maior à sociedade. De qualquer forma, a solução
proposta por Paulo Nader também é plausível. Deve-se buscar a índole geral
do sistema.

2.4.6.5. Outras concepções de Justiça

A Justiça pode ter outras concepções além daquela


relacionada com o Direito.

Como já exposto, ações justas são preocupação


também da Moral, da Religião e das Regras de Trato Social325.

Vauvenargues, tratando da Justiça como sentimento,


afirma: “A justiça é o sentimento de uma alma amante da ordem, e que se
contenta com a sua. Ela é o fundamento das sociedades; nenhuma virtude é
mais útil para o gênero humano; nenhuma é consagrada com maior direito. O
oleiro nada deve à argila que ele amolda, diz São Paulo; Deus não pode ser
injusto; isso é visível; mas disso concluímos que então ele é justo e nos
admiramos de que ele julgue todos os homens pela mesma lei, embora não dê
a todos a mesma graça; e, quando nos demonstram que esse procedimento é
formalmente oposto aos princípios da eqüidade, dizemos que a justiça divina
não é semelhante à justiça humana. Defina-se então essa justiça diferente da
nossa; não é razoável juntar duas idéias diferentes ao mesmo termo, para dar-
lhe ora um sentido, ora outro, segundo nossas necessidades; seria preciso
retirar todo equívoco sobre uma matéria dessa importância”326.

Confirma-se, pois, que a Justiça pode ter outras


concepções além daquela que se tem no âmbito do Direito.

324
Lições preliminares de direito, p. 313/314.
325
Paulo Nader, Introdução ao estudo do direito, p. 101.
326
Das leis do espírito: florilégio filosófico, p. 167/168. O autor cita um trecho da Epístola de São Paulo aos
Romanos, no qual o apóstolo afirma que Deus não pode ser injusto, fazendo uma comparação com o oleiro
que escolhe o que vai fazer com a massa, dando-lhe a destinação que quiser. Consta do capítulo IX, versículo
21, do mencionado livro da bíblia: “O oleiro não pode formar da sua massa seja um utensílio para uso nobre,
seja outro para uso vil?”.

90
2.4.6.6. Bem comum

A idéia de Justiça engloba a de bem comum.

O bem comum, que é para alguns a finalidade do


Direito, está compreendido no conceito de outro valor, que é a Justiça. Paulo
Nader o define como “um acervo de bens, criado pelo esforço e a participação
ativa dos membros de uma coletividade e cuja missão é a de ajudar os
indivíduos que dele necessitam, para a realização de seus fins existenciais”.
Cita ainda Alípio Silveira que o definiu como “o conjunto organizado das
condições sociais, graças às quais a pessoa humana pode cumprir seu destino
natural e espiritual”. Os membros da sociedade são, ao mesmo tempo,
elaboradores e beneficiados do bem comum. As exigências do mesmo são
atendidas pela justiça geral e pela distributiva em conjunto com a social327.

O bem comum, portanto, é o que se procura atingir


pelo Direito: a realização plena do ser humano.

2.4.7. Ética

Ao se tratar da Justiça, é preciso também adentrar-se no


campo da Ética.

Ética vem do grego ’έθος, -εος (éthos, -eos), que significa


“uso, costume, hábito”. A palavra ’εθικός, -ή, -όν (ethikós, -é, -ón) significa
“usual, habitual”328.

A Ética, segundo Paulo Hamilton Siqueira Jr., estuda as


normas de comportamento, explicando-as e sistematizando-as; seu objeto é a
Moral. Pode-se entender como Ética “a parte da filosofia que se preocupa
com o agir humano, ou mais precisamente, o agir corretamente, tendo como
objeto de estudo a moral”. Explica: “O termo ética tomado no seu sentido
lato, como regulador da conduta humana, assume duas expressões: a moral e
o direito”329.

As normas éticas, de acordo com Miguel Reale, “não


envolvem apenas um juízo de valor sobre os comportamentos humanos, mas
culminam na escolha de uma diretriz considerada obrigatória numa
coletividade”. Daí resulta a imperatividade que “é a expressão de um

327
Introdução ao estudo do direito, p. 108/109.
328
Isidro Pereira, Dicionário grego-português e português-grego, p. 166.
329
Paulo Hamilton Siqueira Jr., Lições de introdução ao direito, p. 132/134.

91
complexo processo de opções valorativas, no qual se acha, mais ou menos
condicionado, o poder que decide”330.

Toda regra tem um juízo de valor; entendendo-se o juízo


como “ato mental pelo qual atribuímos, com caráter de necessidade, certa
qualidade a um ser, a um ente”331.

No caso da ética, confere-se ao valor, que se pretende


preservar ou efetivar, um caráter de obrigatoriedade. Explica Miguel Reale:
“Toda norma ética expressa um juízo de valor, ao qual se liga uma sanção,
isto é, uma forma de garantir-se a conduta que, em função daquele juízo, é
declarada permitida, determinada ou proibida”. A previsão da sanção revela
que se trata de algo que “deve ser” e não necessariamente “tenha de ser”. Isso
ocorre porque toda norma pressupõe a liberdade. A característica da norma
ética é a possibilidade de sua violação. E, mesmo que se a viole, continua
válida, estabelecendo “responsabilidade” ao transgressor. A característica do
mundo ético é a correlação entre “dever” e “liberdade”332.

Do ponto de vista da subjetividade, toma o nome de Moral,


considerando-se-a “a Ética da subjetividade, ou do bem da pessoa”; e, quando
se a analisa sob o aspecto das relações intersubjetivas, assume duas
expressões distintas: “a da Moral Social (Costumes e Convenções sociais); e a
do Direito”. A Justiça “é, sempre, um laço entre um homem e outros homens,
como bem do indivíduo, enquanto membro da sociedade, e,
concomitantemente, como bem do todo coletivo”333.

Observa-se, pois, que a Ética pode ser considerada como a


ciência que tem como objeto a Moral. Pode, entretanto, ter um outro sentido:
o do agir correto. Age-se de maneira ética ou correta quando são levados em
conta os valores que se aceitam como positivos, ou seja, de modo a não lesar
qualquer direito.

330
Lições preliminares de direito, p. 33.
331
Ibid., p. 34.
332
Ibid., p. 35/36.
333
Ibid., p. 39/40.

92
3. A LÓGICA COMO INSTRUMENTO DO DIREITO

3.1. Lógica e Direito

O tema da lógica levanta o problema da relação entre dedução e


Direito, indução e Direito e intuição e Direito. São os temas tratados no
âmbito da Lógica Jurídica.

Para Montoro, mesma “tem por objeto o estudo dos princípios e


regras relativos às operações intelectuais efetuadas pelo jurista na elaboração,
interpretação, aplicação e estudo do Direito”334.

Trata-se, portanto, da aplicação da lógica ao Direito. Porém, é


preciso observar a diferença que há entre as ciências naturais e as sociais e,
além disso, a que existe entre linguagem descritiva e linguagem normativa.

Segundo Irineu Strenger, “as leis supremas da lógica pura se


referem a juízos enunciativos, e afirmam ou negam algo de sua verdade ou
falsidade; ao passo que no direito, os princípios se referem a normas e
afirmam ou negam algo de sua validade ou invalidade. As primeiras, assim,
pertencem à lógica do ser, e os segundos aludem ao dever-ser jurídico”335.

O mesmo autor explica que “as leis supremas da lógica pura se


referem a juízos enunciativos, e afirmam ou negam algo de sua verdade ou
falsidade; ao passo que no direito, os princípios se referem a normas e
afirmam ou negam algo de sua validade ou invalidade. As primeiras, assim,
pertencem à lógica do ser, e os segundos aludem ao dever-ser jurídico”336.

Para os cientistas, há uma relação de necessidade ou de


probabilidade entre o antecedente e o conseqüente, mas, para os estudiosos
das normas jurídicas, a relação é diversa; o antecedente não é causa do
conseqüente; o conectivo é diferente: o verbo composto “dever ser”; a relação
é de imputação. Trata-se do saber deôntico337.

Fábio Ulhoa Coelho cita Kelsen, segundo o qual, há lógica no


Direito e “o cientista do direito é o responsável por tornar lógico o conjunto
das editadas pelas autoridades”. Este distingue “norma jurídica” de
“proposição jurídica”. Ambas são enunciados deônticos, mas a primeira é

334
Estudos de filosofia do direito, p. 134/135.
335
Lógica jurídica, p. 84.
336
Ibid., p. 144.
337
Fábio Ulhoa Coelho, Roteiro de lógica jurídica, p. 47/48.

93
estabelecida pela autoridade e a segunda, produto da ciência do Direito. A
norma é prescritiva; a proposição, descritiva. A validade da norma depende de
dois fatores, que são “mínimo de eficácia e autoridade competente”. Já a
proposição jurídica pode ser verdadeira ou falsa. É verdadeira quando descrita
em fidelidade com a norma estudada. A ordem jurídica é o conjunto de
normas jurídicas e é simplesmente posta. O sistema jurídico é o de
proposições338.

Referido autor diverge em parte de Kelsen e afirma que se pode


perceber que “as normas jurídicas foram apropriadas por um conjunto dessas
pessoas, a comunidade jurídica; residem, assim, não na vontade da autoridade
que as edita, mas na memória das pessoas que as estudam, aplicam ou
observam... A norma jurídica reside (...) na cabeça dos membros da
comunidade jurídica, daquela parcela difusa da sociedade que apropria do
conhecimento específico de seu conteúdo... (...) Nesse contexto, o sistema
jurídico não pode ser entendido como o conjunto apenas das proposições
jurídicas formuladas pelos doutrinadores. Deve-se superar a distinção
kelseniana entre normas e proposições, pois os estudiosos do direito também
integram a comunidade jurídica. Isto é, as normas jurídicas residem, também,
em suas mentes... (...) A norma jurídica, assim, é aquilo que certas pessoas
pensam sobre ela”. Apresenta este autor um conceito de sistema jurídico
diverso do de Kelsen339.

O Direito, para ser lógico, “não pode ser múltiplo, nem ter
antinomias ou lacunas”340.

Considerando as diferenças que há entre a lógica geral e a


jurídica, faz-se necessário analisar cada método de raciocínio em relação ao
Direito. A lógica geral trata das ciências em geral. O Direito é ciência
cultural. Estão nele presentes tanto a linguagem descritiva como a normativa;
seu objeto está no campo do “ser” e do “dever-ser”. Enquanto, no âmbito das
normas em geral, encontra-se a linguagem descritiva, no campo da ciência
jurídica, encontra-se a linguagem normativa. Esta distinção se faz necessária
para se evitarem equívocos e falácias. Além disso, é preciso verificar como
cada um dos métodos em estudo (dedução, indução e intuição) auxilia o
Direito.

338
Ibid., p. 49/51.
339
Ibid., p. 52/54.
340
Ibid., p. 56.

94
3.2. Dedução e direito

Cumpre inicialmente analisar a utilização do método dedutivo na


interpretação e na aplicação do Direito, bem como quanto à criação da norma.

No âmbito jurídico, quando se raciocina de forma dedutiva, a


norma jurídica é tomada como premissa maior, o fato é tomado como
premissa menor e, na conclusão, tem-se a aplicação da norma ao fato
concreto. Nesse sentido, a premissa maior tem um caráter deôntico e a menor,
ôntico. Tal é o que ocorre de maneira geral.

Os fatos, entretanto, para Fábio Ulhoa Coelho, podem entrar no


mundo jurídico de forma diversa da que ocorreram; e a argumentação se dá de
acordo com a feição assumida pelos mesmos no processo; o que se leva em
conta é a sua versão processual. Assim, a premissa menor também deveria ter
caráter deôntico341.

Interessante é a citação que o mesmo faz de Luis Prieto Sanchís,


segundo o qual “o processo de aplicação judicial do direito se inicia com a
valoração provisória dos fatos e a individualização da norma ou setor jurídico
relevante. Em seguida, entrecruzam-se apreciações fáticas e normativas, já
que os fatos são entendidos e considerados a partir de sua referência legal, e a
lei, por sua vez, se interpreta no contexto de situações de fato. O
estabelecimento de ambas as premissas, a maior e a menor, portanto, é
concomitante”342.

Observa-se, pois, que o estabelecimento das premissas é algo que


antecede a própria aplicação do método dedutivo ou, em outras palavras, se
trata apenas do seu primeiro passo.

De qualquer forma, a dedução tem sido amplamente utilizada no


âmbito do Direito.

3.2.1. Norma jurídica

Os princípios gerais, segundo Paulo Nader, são


importantes em duas fases: na elaboração das leis e na aplicação do Direito.
Quanto à elaboração das leis, afirma: “O ponto de partida para a composição
de um ato legislativo deve ser o da seleção dos valores e princípios que se
quer consagrar, que se deseja infundir no ordenamento jurídico... (...) A
341
Roteiro de lógica jurídica, p. 72/75.
342
Ibid., p. 76.

95
qualidade da lei depende, entre outros fatores, dos princípios escolhidos pelo
legislador. O fundamental, tanto na vida como no Direito, são os princípios,
porque deles tudo decorre. Se os princípios não forem justos, a obra
legislativa não poderá ser justa”. O caminho é o método dedutivo, quando o
legislador, a partir de princípios e valores, elabora a norma. Em sentido
contrário, quando examina as normas, para revelar valores e princípios, o
método é a indução343.

No momento da criação da norma, portanto, utiliza-se o


método dedutivo, pois se vai dos princípios gerais de direito até a norma, ou
seja, de algo que têm caráter mais geral para algo que tem um caráter mais
particular. É claro que as normas possuem, como característica, a
generalidade, mas os princípios a têm de forma ainda mais ampla.

Tome-se, como exemplo, o princípio da “gratuidade do


ensino público em estabelecimentos oficiais”, expressamente previsto na
Constituição Federal, em seu artigo 206, inciso IV. Daí decorre a norma que
prevê a garantia do “ensino fundamental obrigatório e gratuito” (art. 208, inc.
I, da CF), bem como a que estabelece importar responsabilidade da autoridade
competente o “não-oferecimento do ensino obrigatório pelo Poder Público”
(art. 208, § 2º, da CF).

No mesmo sentido, a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de


1996, prevê de forma expressa o princípio da “gratuidade do ensino público
em estabelecimentos oficiais” (art. 3º, inc. VI), bem como a garantia do
“ensino fundamental, obrigatório e gratuito” (art. 4º, inc. I) e a
responsabilização da autoridade quando ficar comprovada sua negligência
“para garantir o oferecimento do ensino obrigatório” (art. 5º, § 4º).

Verifica-se, pois, nos exemplos mencionados, a aplicação


do raciocínio dedutivo. Do princípio, que é mais geral, se deduz a norma, que
é mais particular. Isso ocorre tanto no texto constitucional quanto no texto da
lei. Observa-se, ainda, a aplicação do mesmo raciocínio ao se elaborar a lei
que deve estar adequada à norma constitucional.

3.2.2. Doutrina ou ciência do direito e outros trabalhos


jurídicos

Neste campo, também se utiliza a dedução, pois sempre se


inicia a partir da lei e da doutrina, aplicando-se-as ao caso concreto, ou seja,
vai-se do geral ao particular.
343
Introdução ao estudo do direito, p. 194.

96
Como exemplo, pode-se tomar a discussão em torno da
obrigação ao recolhimento da contribuição social sobre o décimo terceiro
salário, tal como ocorreu na ação ordinária nº 97.0061128-0, da 1ª Vara
Federal Cível de São Paulo, que, em determinado momento, em que se
discutia a natureza salarial de referida verba trabalhista, citou-se a doutrina,
ou seja, um trecho da lição do Professor Amauri Mascaro Nascimento, com o
seguinte teor: “O décimo terceiro salário é uma gratificação compulsória por
força de lei, tem natureza salarial e é também denominada gratificação
natalina”. A doutrina, portanto, foi utilizada como premissa maior, chegando-
se à conclusão de que “sobre o mesmo incide a contribuição social”.

Os pareceres de juristas conceituados também costumam


ser utilizados pelos intérpretes e aplicadores do Direito. Nesse caso,
funcionam também como premissa maior, na argumentação, a partir da qual,
com base nos fatos que são as premissas menores, chega-se à conclusão.

3.2.3. Sentença

O Código de Processo Civil, em seu artigo 162, § 1º,


define a sentença como “o ato pelo qual o Juiz põe termo ao processo,
decidindo ou não o mérito da causa”.

A sentença contém normalmente o raciocínio dedutivo.


Partindo da lei, da jurisprudência, do costume, dos princípios gerais de
direito, da doutrina, dá-se solução a uma determinada questão.

A dedução, para Paulo Hamilton Siqueira Jr., “é um dos


principais métodos utilizados pelos operadores do direito... (...) No silogismo
jurídico, a premissa maior é a norma jurídica. A premissa menor é o fato
concreto. A conclusão é a aplicação da norma geral ao caso concreto”. Assim,
invoca-se a norma, demonstra-se o fato e formula-se o pedido. Explica esse
autor: “(...) a sentença é estruturalmente, na sua formulação final, uma
argumentação dedutiva”. Para ele, a argumentação jurídica é dedutiva, mas a
ela não se reduz todo o raciocínio jurídico. Trata-se de apenas um dos
processos de investigação, em que “a própria escolha das premissas do
raciocínio dedutivo implica valoração e outras considerações relativas às
circunstâncias concretas de cada caso”344.

Tratando do raciocínio lógico utilizado na sentença, João


José Calanzani afirma que todo processo deve corresponder a um silogismo;
344
Lições de introdução ao direito, p. 107/108.

97
no qual a premissa menor é o fato, a maior é a lei e a conclusão é o pedido da
parte345. Isso é realmente o que ocorre com o pedido das partes. Na sentença,
também a lei é a premissa maior e o fato a menor; o que muda é que a
conclusão é a decisão do juiz.

Tome-se, como exemplo, a sentença proferida na ação


criminal nº 97.0100186-9, da 1ª Vara Federal Criminal de São Paulo, em que
o acusado foi condenado a cumprir a pena de quatro anos de reclusão
integralmente em regime fechado e ao pagamento de sessenta e seis dias-
multa. A premissa maior é a lei, ou seja, a previsão, como crime, do fato de
“transportar (...) substância entorpecente ou que determine dependência física
ou psíquica, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou
regulamentar”, bem como a determinação do aumento de pena “no caso de
tráfico com o exterior ou de extraterritorialidade da lei penal” (Lei nº
6.368/76, art. 12 e art. 18, inc. I). A premissa menor é o fato de o acusado ter
sido surpreendido transportando cocaína, acondicionada em dois pacotes, em
uma mala com laterais falsas, e ainda o fato de o destino da droga ser o
exterior. A conclusão é a condenação às penas previstas para referido crime,
com o mencionado acréscimo.

Outro exemplo é a sentença proferida no mandado de


segurança nº 2001.61.00.010064-4, da 1ª Vara Federal Cível de São Paulo, no
qual se discutia sobre a constitucionalidade e a legalidade da Taxa de
Controle e Fiscalização Ambiental – TCFA, destinada ao custeio do IBAMA.
A premissa maior está nas normas constitucional e legal. A Constituição
Federal (art. 145, inc. II) prevê a possibilidade de a União instituir taxas em
razão do exercício do poder de polícia. No mesmo sentido é o Código
Tributário Nacional, que define o “poder de polícia” (art. 77 e 78 e seus
parágrafos únicos). A premissa menor é a instituição da taxa questionada (art.
17-B, da Lei nº 6.938/81, com a redação dada pela Lei nº 10.165/2000). A
conclusão, a que se chegou, é a de que “é legal e constitucional a cobrança da
Taxa de Controle e Fiscalização Ambiental – TCFA, destinada ao custeio do
IBAMA”.

O raciocínio dedutivo é, pois, amplamente utilizado na


elaboração da sentença. Os fatos, como premissa menor, são sempre
considerados à luz do Direito, como premissa maior.

345
Sentença – o raciocínio lógico e o direito. Revista Ciência Jurídica, ano VI, vol. 48, nov./dez., 1992, p.
336.

98
3.2.4. Jurisprudência ou decisões dos tribunais

Nas decisões dos tribunais, tal como ocorre nas sentenças,


utiliza-se o método dedutivo. A única diferença é que o julgamento se realiza
em grau de recurso.

A jurisprudência se forma a partir de reiteradas decisões,


ou seja, havendo um número suficiente de decisões em um mesmo sentido, se
estabelece a jurisprudência e, em muitos casos, de forma sumulada. Neste
caso, o raciocínio é o indutivo. Entretanto, a partir do momento em que a
jurisprudência se fixa, a sua utilização para futuras decisões se faz pelo
método dedutivo.

Como exemplo, tome-se a sentença, já mencionada,


proferida na ação ordinária nº 97.0061128-0, da 1ª Vara Federal Cível de São
Paulo. Como premissa maior foi utilizada também a Súmula 207, do Egrégio
Supremo Tribunal Federal: “As gratificações habituais, inclusive a de Natal,
consideram-se tacitamente convencionadas, integrando o salário”. Neste caso,
utilizou-se a jurisprudência como premissa maior, chegando-se à referida
conclusão de que “sobre o mesmo [décimo terceiro salário] incide a
contribuição social”.

3.2.5. Costume jurídico

O costume se estabelece também pelo método indutivo.


Fatos reiterados em número suficiente é que provocam seu reconhecimento.
Entretanto, no momento de serem aplicados, é o método dedutivo que se
aplica.

Tem-se, como exemplo de aplicação do costume, em


raciocínio dedutivo, a Apelação Cível nº 8901067331, do processo nº
8901067331, do Egrégio Tribunal Regional Federal da 1ª Região. Consta da
ementa a seguinte afirmação: “É memorial o costume religioso dos povos de
prantear e sepultar seus mortos”. Em referida decisão de segundo grau,
portanto, reconheceu-se o costume, tal como descrito, e o mesmo foi utilizado
como premissa maior na argumentação. Pelo método dedutivo, tratando-se do
fato concreto como premissa menor, chegou-se à conclusão.

Outro exemplo foi o fato noticiado, pela “internet”,


tratando de um julgamento que teve como relator o Ministro Nilson Naves,
com os seguintes dizeres: “A presunção de violência sexual contra menor
deve ser analisada de acordo com os costumes da época e de acordo com as

99
circunstâncias de cada caso”. Note-se a expressão: “de acordo com os
costumes da época”. O costume foi aplicado e, a partir dele, chegou-se à
conclusão de que a decisão deveria ser absolutória para o caso em julgamento.
Neste, comprovou-se não ter havido o que seria necessário para caracterizar o
estupro, ou seja, clara resistência e coação física ou moral. Restaria apenas a
presunção de violência; o que foi afastado, como exposto, levando-se em
conta os costumes da época atual, em que “mesmo as meninas do interior
começam a despertar muito cedo para questões de sexo e relacionamento,
especialmente diante das cenas de sexo exibidas pela TV”. Mais uma vez, o
costume foi utilizado como premissa maior, o fato concreto como premissa
menor, chegando-se assim à conclusão346.

3.2.6. Analogia jurídica

A aplicação do método indutivo, em relação à analogia


jurídica, será considerado no item 3.3.6, no qual se buscará discorrer mais
detidamente sobre a mesma. Entretanto, neste item, se tratará da utilização
também da dedução quanto à mesma.

No caso da analogia jurídica, o que se percebe mais


facilmente é a utilização do método indutivo na sua aplicação. Entretanto,
segundo Karl Engish, além desse, emprega-se também a dedução. Há algo em
comum, geral, entre os casos considerados. Isso é necessário para que possa
haver tratamento igual. Ele explica: “Daí a antiga concepção de que a
conclusão analógica se compõe de indução e dedução. Somente quando, dos
fenômenos particulares, a partir dos quais se conclui (...), se abstrai um
pensamento geral (...), é que é possível concluir (dedução) para um outro
particular...”347.

De fato, há algo comum, ou seja, geral, entre os casos


considerados. Tome-se, como exemplo, o caso mencionado por Magalhães
Noronha, em sua obra “Direito Penal – volume 1”: “(...) em nosso estatuto, o
art. 128, II, permite o aborto médico à mulher estuprada e, portanto, pergunta-
se: se a mulher violentada em seu pudor (art. 214) excepcionalmente
engravidar, poderá abortar? Não há norma a respeito, e, assim, a punição será
fatal. A não ser pela analogia in bonam partem, aplicar-se-ão soluções

346
Catarina França. Presunção de violência sexual contra menor deve ser aplicada de acordo com costumes.
Portal do Superior Tribunal de Justiça. 31/mai./2007.
347
Introdução ao pensamento jurídico, p. 289/290. O autor cita um exemplo da analogia entre o
consentimento no caso de ofensas corporais e no caso de cárcere privado. Afirma que a violação de interesses
pessoais é o que há de comum. Assim, se em um caso o ato é lícito por causa do consentimento, o é também
no outro.

100
diversas a casos idênticos, o que é iníquo”348. Note-se que este autor chega a
afirmar que os casos são “idênticos”. De fato, a semelhança é muito grande,
são quase iguais. A diferença é mínima. Há algo comum ou geral aos crimes
dos artigos 213 e 214 do Código Penal. Os dois crimes são contra os costumes
e contra a liberdade sexual. Em ambos, há o constrangimento mediante
violência ou grave ameaça, bem como o ato libidinoso. A diferença é que, no
caso do estupro, há a chamada “conjunção carnal” e, no caso do atentado
violento ao pudor, é algo diverso da mesma. Em alguns casos, a linha que
distingue um e outro é muito tênue. Tanto é que o crime do artigo 213, em
alguns casos, pode até absorver o do artigo 214; o que ocorre quando não há
atos libidinosos destacados.

Observe-se que, no exemplo mencionado, há algo comum


ou geral a ambos os casos. Assim, ao se aplicar a analogia, há uma
generalização e, depois, volta-se ao caso particular, ou seja, há o processo
dedutivo.

3.2.7. Princípios jurídicos

Os princípios jurídicos são a base do ordenamento, ao


mesmo em que o norteiam. Estão presentes em todos os níveis de sua
pirâmide.

Admitindo-se a existência de um Direito Natural349, nota-


se que os princípios deles são extraídos por dedução. Isso porque aquele
possui normas ainda mais amplas.

No caso das normas jurídicas, são os princípios que servem


de ponto de partida para a sua elaboração e, neste caso, o raciocínio é o
dedutivo.

Aplica-se a dedução para o caso de suprimento de lacunas,


algo expressamente previsto no ordenamento jurídico350. Trata-se do último

348
P. 74. Este autor afirma inclusive que é forçoso “reconhecer que essa espécie de analogia não se opõe ao
princípio da reserva legal, e, depois, casos há em que, na iminência da punição iníqua, deve lançar-se mão
dela”.
349
Neste trabalho não se pretende discutir a existência ou não de um Direito Natural. Pretende-se apenas,
neste momento, verificar a presença do raciocínio dedutivo quando se parte do mesmo para se chegar aos
princípios e às normas.
350
A aplicação dos princípios está prevista, por exemplo, no artigo 4º, da Lei de Introdução do Código Civil;
no artigo 8º, da Consolidação das Leis do Trabalho; no artigo 108, do Código Tributário Nacional; no artigo
3º, do Código de Processo Penal; no artigo 126, do Código de Processo Civil.

101
meio ao qual o julgador deve recorrer para o suprimento de uma determinada
lacuna, para proferir uma decisão351.

Além do suprimento de lacunas, valendo-se ainda do


raciocínio de dedutivo, o julgador utiliza os princípios, mormente porque
alguns têm inclusive “status” de norma constitucional. A própria condução de
um processo judicial é baseada em normas e em princípios. Há, entre outros,
os princípios do devido processo legal, da ampla defesa, do contraditório, do
duplo grau de jurisdição.

Como exemplo de aplicação de princípios ao se proferir


uma decisão judicial, podemos tomar três casos: o Recurso Especial nº.
322.302-PR (2001/0051541-0), no qual serviram de base os “princípios
maiores” e os fins sociais; o Agravo de Instrumento nº. 50567, do Egrégio
Tribunal Regional Federal da 3ª Região, em que o fundamento foi o princípio
da proporcionalidade; e a Apelação Cível nº. 2002.03.99.013233-5, na qual se
decidiu com base no princípio da razoabilidade.

3.2.7.1. “Princípios maiores” e fins sociais

Como exemplo, é possível analisar a ementa e o


voto do relator no Recurso Especial nº. 322.302-PR (2001/0051541-0), que
tratou da utilização do FGTS para quitação de dívida vencida do Sistema
Financeiro de Habitação – SFH.

Nesse caso, o voto faz referência à interpretação


extensiva e à finalidade social da lei. Cita o artigo 5º, da Lei de Introdução ao
Código Civil, afirmando que “o julgador não deve restringir-se à subsunção
do fato à norma, mas ao invés, estar atento aos princípios maiores que regem
o ordenamento e aos fins sociais a que a lei se dirige...”. Note-se que há uma
referência aos “princípios maiores que regem o ordenamento jurídico”. Os
“fins sociais”, juntamente com as “exigências do bem comum”, estão no
mencionado dispositivo legal. Os denominados “princípios maiores” não. É o
artigo 4º, da mesma lei, que prevê que o juiz decida de acordo com os
“princípios gerais de direito” quando a lei for omissa. Além disso, os coloca
após a analogia e os costumes.

Observa-se, pois, que os princípios gerais de direito


serviram de fundamento à decisão, mas não por lacuna, pois houve a chamada
interpretação extensiva. Se lacuna houvesse, poderiam ter servido de base a
351
Observa-se, entretanto, até mesmo por todas as colocações realizadas neste trabalho, que o suprimento de
lacunas não é a única função dos princípios.

102
analogia ou os costumes ou, em último caso, os referidos princípios. Ocorre,
todavia, que os mesmos não são utilizados apenas em casos de lacuna.
Independentemente disso, estão sempre a orientar a atividade do legislador,
do aplicador e do intérprete do Direito.

Tal foi o que ocorreu. Depois de valer-se da


interpretação extensiva, o relator, nesse caso, afirmou: “Insta acrescentar, que
revelaria incongruência conceder a utilização do fundo para o trabalhador
pagar prestações futuras, e negar a utilização do mesmo para aqueles que,
com mais razão necessitam, em razão do estado de insolvibilidade que se
encontram, mercê de apresentarem saldo nas suas contas vinculadas, e, na
iminência de perderem suas casas, por não poderem desembolsar as
importâncias correspondentes a prestações vencidas”.

Verifica-se que, ao utilizar o termo “incongruência”,


o julgador pretende dizer que há “desigualdade” ou “injustiça” entre as duas
situações apontadas. De um lado está a possibilidade de concessão de
utilização do fundo para que o trabalhador pague prestações futuras; e, de
outro, a negação da utilização, para pagamento de prestações vencidas, para
aqueles que necessitam com mais razão, por causa da insolvência, mesmo
tendo saldo nas questionadas contas, e na iminência de perder suas casas.

Está presente, pois, o valor da “justiça”. Valor este


que os aplicadores e os intérpretes do Direito procuram fazer prevalecer.
Perceber se as possíveis soluções, para um determinado caso, são justas ou
injustas, é algo que ocorre por intuição. Há a intuição de valores, ou seja, a
percepção do que é justo ou injusto, o posicionamento diante do fato
questionado. Há ainda a intuição racional ou heurística, que decorrem da
consideração simultânea que o julgador faz de todos os conhecimentos que
tem sobre a matéria discutida. No caso considerado, houve a percepção da
situação de “incongruência”, ou seja, de “injustiça” entre duas situações
jurídicas.

Depois disso, fazendo menção a “princípios


maiores” – o que se pode entender como “princípios gerais de direito”, afirma
que o julgador deve estar atento aos mesmos, não devendo restringir-se à
subsunção do fato à norma. Assim, em um raciocínio dedutivo, os referidos
princípios funcionam como premissa maior.

Não houve a especificação de qual princípio seria; a


referência foi apenas a “princípios maiores”. Certamente, entretanto, estão
relacionados com a intenção do julgador no sentido de se modificar a situação
de “incongruência” ou “injustiça”. Em outras palavras, um princípio relativo à

103
idéia de que as decisões judiciais devem ser justas, ou seja, deve prevalecer o
valor da Justiça.

No caso em questão, foram utilizadas a dedução e a


intuição. Nota-se o raciocínio dedutivo por terem sido usados os princípios
como premissa maior para a argumentação. A relação da intuição com o
Direito será analisada mais à frente (item 3.4). Porém, como se pode verificar
a mesma também foi utilizada no presente caso em conjunto com a dedução.

3.2.7.2. Princípio da proporcionalidade

Tem-se, como exemplo, o Agravo de Instrumento nº.


50567, do Egrégio Tribunal Regional Federal da 3ª Região, que cuidava da
prisão de depositário infiel.

Na decisão, invocou-se o princípio da


proporcionalidade. Considerou-se desproporcional a prisão do depositário,
por ter-se deteriorado o bem penhorado sem culpa do depositário. Afirma-se
que “não basta a previsão constitucional ou infraconstitucional à restrição da
liberdade, conferindo-se assim a necessária legalidade formal”; é preciso que
as medidas restritivas de direitos individuais sejam adotadas apenas quando os
fins a que se destinam não puderem ser alcançados por outros meios. Citando-
se Canotilho (“Manual de Direito Constitucional”, Tomo IV, Direitos
Fundamentais, Coimbra Ed. Ltda., 1988, p. 303), afirma-se que a limitação
aos direitos fundamentais deve ser “adequada (apropriada), necessária
(exigível) e proporcional (com justa medida)”. Cita-se, ainda, Raquel Denise
Stumm (“Princípio da Proporcionalidade no Direito Constitucional
Brasileiro”, Livraria do Advogado Editora, Porto Alegre, 1995), que trata da
adequação, da necessidade e da proporcionalidade estrita, concluindo que “os
meios legais restritivos e os fins obtidos devem situar-se numa justa medida”.

Observa-se, pois, pela expressão “justa medida”, que


o princípio da proporcionalidade também tem relação com o valor da Justiça.
Conforme mencionado no item anterior, a percepção do que é justo ou injusto
ocorre por intuição. No presente caso, trata-se de bem penhorado que se
deteriora sem culpa do depositário. Assim, é possível perceber que sua
situação é diferente daquela em que o bem se perde por sua culpa ou dolo. No
caso questionado, a prisão é desproporcional, embora pudesse não o ser em
outras hipóteses.

Menciona-se novamente, no voto, a lição da autora


referida, transcrevendo-se: “em defesa do princípio da proporcionalidade,

104
pode-se dizer que em muitos casos os critérios políticos confundem-se com
critérios jurídicos, podendo o juiz adequá-los ao caso concreto. O juiz supre a
deficiência democrática da política que criou a norma, mensurando os valores
subjacentes a ela...”. Note-se a referência que se faz a valores.

No final do voto, há nova menção a valores: “O


jurista, adequando os princípios jurídicos aos valores a eles subjacentes, não
há de vislumbrar sintonia entre o prejuízo trazido pela perda de mil sacas de
arroz e a restrição à liberdade individual de um ser humano, levando-o ao
cárcere, se o prejuízo pode ser recomposto por outras formas”. Interessante é
a referência aos valores subjacentes aos princípios.

No presente caso, após se ter concluído, por meio da


intuição, pela ausência do princípio da proporcionalidade na aplicação da
medida restritiva àquele depositário, utilizou-se o método dedutivo e, com
base no mesmo, conclui-se ser inadequada e desnecessária a ordem de prisão.
Observa-se, mais uma vez, a utilização da dedução em conjunto com a
intuição.

3.2.7.3. Princípio da razoabilidade

Como exemplo de decisão fundamentada no


princípio da razoabilidade, tem-se a Apelação Cível nº. 2002.03.99.013233-5,
relativa a uma ação civil pública, que tinha por objeto a indenização por ter
havido vazamento de soda cáustica no Porto de Santos. Concluiu-se por ser
devida a indenização, tendo-se fixado, entretanto, o “quantum debeatur”
observando-se o princípio da razoabilidade.

Consta da ementa: “IV – A indenização a ser


imposta deve obedecer ao princípio da razoabilidade, mas sempre com vistas
a desestimular a transgressão das normas ambientais”. Nota-se a utilização do
raciocínio dedutivo, sendo o princípio da razoabilidade a premissa maior.

Consta ainda: “V – À míngua de melhor critério,


nada impede que o juiz adote critérios estabelecidos em trabalho análogo
relativo a derramamento de petróleo e derivados, desde que atentando para o
princípio da razoabilidade. A fixação de indenizações desmesuradas ao
pretexto de defesa do meio ambiente configura intolerável deturpação da
mens legis, não podendo no caso em tela o Estado valer-se do silêncio da lei
para espoliar o poluidor a ponto de tornar inviável o empreendimento”.
Observa-se mais uma vez a preocupação do julgador no sentido de evitar uma
situação injusta quando o mesmo se refere a “indenizações desmesuradas”

105
que configurariam deturpação da “mens legis”. Aqui também o valor da
Justiça é subjacente ao princípio que se invoca. Nota-se ainda a
fundamentação da decisão no princípio da razoabilidade pelo motivo de se ter
silenciado a lei, ou seja, por haver falta de previsão legal.

No voto, relativamente ao “quantum” seria devido a


título de indenização, afirma-se: “A lei não se preocupou em determinar
valores ou sequer estabelecer critérios objetivos para a quantificação em
pecúnia dos eventos lesivos ao meio ambiente. Nem poderia ser diferente, na
medida em que se tratando de dano ambiental, há que ser avaliado o caso
concreto para se determinar o justo montante devido, tarefa esta afeta ao
magistrado, que para tanto se escora no princípio da razoabilidade”. Nota-se,
pois, que a fundamentação com base no princípio da razoabilidade decorreu
da ausência de previsão legal de critérios para a quantificação em pecúnia
relativamente a eventos lesivos ao meio ambiente.

Afirmou-se que “a razoalibilidade impõe a fixação


de indenização de forma moderada, considerando-se as circunstâncias que
medeiam o caso concreto (v.g. vazamento de pequenas proporções,
características da substância derramada, sensibilidade do ecossistema lesado).
Todavia, não se pode olvidar que a fixação em montante irrisório
corresponderia a verdadeiro estímulo as desmazelo no trato com o meio
ambiente, de modo que entendo deva ainda ser sopesado na avaliação do
valor indenizável o caráter de escarmento da penalidade, um fator de inibição
para reiteração de condutas lesivas”. Por causa do princípio da razoabilidade,
portanto, a fixação da indenização não podia ser exagerada, mas também não
podia ser irrisória, precisava funcionar como fator de inibição. Mais uma vez,
observa-se que o julgador busca a justa medida. Como dito, está subjacente o
valor da Justiça.

Constou ainda da fundamentação não ser razoável


fixar o mesmo valor no caso de produto de menor agressividade. Decidiu-se
por adequar o que havia sido anteriormente fixado na sentença, reduzindo-se-
o a vinte por cento.

Pelo raciocínio intuitivo, percebeu-se não ter sido


razoável a indenização anteriormente imposta. Com base no princípio da
razoabilidade, funcionando como premissa maior, concluiu-se por fixar um
valor menor. Neste momento, utilizou-se o método dedutivo. Outra vez ocorre
a utilização da dedução em conjunto com a intuição.

106
3.2.8. Investigação criminal

A dedução está presente também na investigação criminal,


pois são realizadas dentro de parâmetros estabelecidos por princípios e por
normas. Há, entre outras regras, prazos a serem cumpridos, modos de se
realizarem as diligências investigatórias e de se produzirem as provas.

3.3. Indução e direito

Tanto quanto o método dedutivo, o indutivo é largamente


utilizado para a interpretação e para a aplicação do Direito. O mesmo ocorre
no momento de criação da norma e da verificação de sua eficácia.

O método indutivo é próprio das ciências naturais, mas também


tem aplicação no campo das ciências humanas. As pesquisas e as induções
têm uma limitação em relação a muitas ciências humanas, entre elas o Direito.
Entretanto, a indução é freqüentemente utilizada e de forma válida também
neste campo. A indução jurídica “é diferente da indução nas ciências naturais.
No campo do direito não é a experiência que confirma ou não a generalização
de uma norma, mas o reflexo social que se forma sobre as conseqüências da
sua aplicação, ou seja, a eficácia ou efetividade da norma no meio social...
(...) A investigação do operador do direito é muito mais ampla, abrangendo
critérios culturais e valorativos e, na constatação desses critérios valorativos,
o cientista do direito pode utilizar do método indutivo”352.

Explica Paulo Hamilton Siqueira Jr.: “(...) as principais


modalidades de aplicação do método indutivo na realidade jurídica são: 1) Na
elaboração das normas jurídicas; 2) No estabelecimento do costume jurídico;
3) Na verificação da eficácia social da norma; 4) Na fixação da
jurisprudência, especialmente, na elaboração das Súmulas dos Tribunais; e 5)
Analogia”353.

A estas modalidades, pode-se acrescentar a doutrina ou ciência


do Direito, a sentença, os costumes, os princípios e investigação criminal.

352
Paulo Hamilton Siqueira Jr., Lições de introdução ao direito, p. 110.
353
Ibid., mesma página.

107
3.3.1. Norma jurídica: gênese e eficácia

3.3.1.1. Gênese

O método indutivo, segundo Miguel Reale, tem


grande alcance no processo normativo. É possível conceber “esquemas
genéricos de comportamentos possíveis, com auxílio dos quais a estimativa
do fato humano pode expressar-se em normas jurídicas, que são (...) medidas
exigíveis e garantidas de conduta bilateral atributiva”. A indução tem papel
importante na “elaboração das normas jurídicas, no processo de legiferação
ou de positivação do direito”354.

Os fatores e os valores sociais influem no processo


de criação e elaboração das normas. A norma, pois, reflete a sociedade. O
método indutivo está presente no trabalho do legislador355.

O legislador toma conhecimento da realidade social


e de seus problemas a partir da observação dos fatos. As indicações “de fatos,
comparações, generalizações e dados estatísticos” encontram-se, de forma
geral, na exposição de motivos ou na justificação356.

No artigo “Sentença – O Raciocínio Lógico e o


Direito”, José João Calanzani afirma: “A própria lei (...) que já vem para o
Juiz como verdade universal (deve ser aplicada a todos os cidadãos), é fruto
de raciocínio indutivo do legislador, que a cria a partir da realidade social”357.

A elaboração das normas, ao menos as de caráter


geral, acontece em decorrência da repetição de fatos que estão relacionados a
determinados valores. Os fatos se repetem e, diante de cada um deles, se
percebe a necessidade de se fazer prevalecer tais valores. Surge, assim, a
necessidade da criação da norma.

No âmbito do Direito Penal, por exemplo, a prática


reiterada de atos que desrespeitavam a dignidade de pessoas idosas fez com
que surgisse o Estatuto do Idoso (Lei nº 10.741, de 1º/10/2003), que prevê
diversos crimes a partir de seu artigo 95. A previsão de alguns atos como
crime foi necessária para a preservação de determinados valores. A
constatação do desrespeito ocorreu a partir da observação de vários casos
particulares. Utilizou-se, pois, o método indutivo.

354
Filosofia do direito, p. 151.
355
Paulo Hamilton Siqueira Jr., Lições de introdução ao direito, p. 111.
356
André Franco Montoro, Dados preliminares de lógica jurídica, p. 40.
357
Revista Ciência Jurídica, ano VI, vol. 48, nov./dez., 1992, p. 337.

108
Ainda no campo do Direito Penal, pode-se observar
alteração que ocorreu em relação ao crime de “redução à condição análoga à
de escravo”. Houve, em 2003, alteração do texto do artigo 149, do Código
Penal, acompanhada do acréscimo de parágrafos. A ocorrência reiterada de
fatos relacionados com o tipo penal provocou a ação do legislador, que deu
nova redação ao dispositivo legal, com o objetivo de abarcar todas as
situações relativas a trabalho forçado ou em condições degradantes ou com
restrições à locomoção. Neste caso, também está presente o método indutivo.
Foi a observação de um número suficiente de casos que levou o legislador a
agir.

A utilização deste método se observa no caso do


reconhecimento da União Estável, matéria do Direito Constitucional e do
Direito Civil. A união entre homem e mulher, de forma estável, embora sem a
celebração civil ou religiosa do matrimônio, é algo que ocorre há muito
tempo. É grande o número de famílias que se iniciam deste modo. Assim,
surgiu a necessidade da norma para a preservação do direito daqueles que
optaram por tal tipo de união. Mais que isso, a sociedade como um todo
passou a admiti-la e considerá-la diferentemente do que acontecia em tempos
antigos. Ocorreu uma alteração nos valores, uma aceitação dos fatos e a
repetição dos mesmos. Assim, na Constituição Federal de 1988, consta o § 3º,
do artigo 226, que prevê o reconhecimento da união estável entre homem e
mulher como entidade familiar. A Lei nº 9.278, de 10 de maio de 1996,
regulou referido dispositivo constitucional. Posteriormente, entrou em vigor o
atual Código Civil (Lei nº. 10.406, de 10 de janeiro de 2002), que trata da
união estável nos artigos 1.723 a 1.727.

No âmbito do Direito Administrativo, em razão dos


inúmeros casos do mau gerenciamento da coisa pública, do uso do cargo ou
da função pública de forma nociva à Administração, surgiu a Lei nº 8.429, de
2 de junho de 1992, dispondo sanções “aplicáveis aos agentes públicos nos
casos de enriquecimento ilícito no exercício de mandato, cargo, emprego ou
função na administração pública direta, indireta ou fundacional”. É claro que
já existiam outros dispositivos legais semelhantes com o objetivo de reprimir
atos desse tipo. Entretanto, a referida lei tratou a matéria de forma mais
abrangente. O que caracteriza a indução é o fato de ter havido um grande
número de casos, que provocou a reação da sociedade e levou o legislador a
criar a norma.

Vânia Aieta, Valter Ishida e George Leite, em sua


obra “A Indução e a Analogia no Campo do Direito”, trazem, como exemplo
da indução na elaboração da lei, o caso da descoberta da prática da

109
falsificação de remédios. Os fatos resultaram na aprovação da Lei nº 9.677, de
2 de julho de 1998. Narram que, entre os escândalos da história recente do
país, “um se notabilizou pelo requinte de crueldade, provocando a atenção
não só dos profissionais da saúde, como de toda a população. Este fato deu-se
a partir da descoberta da falsificação dos remédios, especialmente em razão
de sua vileza”358.

Os atos se revelavam, segundo os mesmos autores,


como uma das formas mais cruéis de comportamento. Pessoas idosas,
crianças e toda espécie de enfermos acreditavam estarem sendo medicados de
maneira regular, mas estavam, na verdade, ingerindo substâncias inócuas ou
às vezes até mesmo maléficas. Os malfeitores, com seus atos, provocaram a
morte de vários pacientes com câncer de próstata. O mesmo ocorreu, por
causa da falsificação de anticoncepcionais, com muitas mulheres em razão de
gravidez indesejada ou até perigosa. Por causa da repetição dos fatos
particulares, o governo tomou medidas, reestruturando a vigilância sanitária,
duplicando os recursos orçamentários do setor e promovendo a atuação
conjunta dos órgãos encarregados de erradicar as ações das quadrilhas.
Modificou-se, pela Lei nº 9.677/98, o Código Penal, em seu artigo 272,
ampliando-se as penas, bem como colocando o respectivo crime no rol dos
hediondos359.

Concluem mencionados autores: “Portanto, a partir


de dados particulares, suficientemente enumerados pela sociedade, inferiu-se
a demanda da citada alteração legislativa, levando os legisladores a um
raciocínio generalizador da matéria, manifesto com a nova tipificação do
crime, não sujeito ao regime de progressão de penas”360.

Outro exemplo, de fatos que se repetem e acabam


provocando a alteração ou, ao menos, a tentativa de alteração da norma, foi a
morte de um menino de seis anos de idade, que provocou comoção nacional.
Houve discussão no Congresso Nacional sobre o assunto; que levou a
presidente do Supremo Tribunal Federal a afirmar: “Geralmente se discute
mudança da legislação quando há clima de comoção e emoção no país e isso
não é melhor hora da discussão...”. A verdade é que os fatos provocam a
discussão sobre a legislação, e a mesma pode vir a ser alterada em razão
disso361.

358
P. 25.
359
Ibid., 26.
360
Ibid., mesma página.
361
Andreza Matais. Ellen Gracie defende cautela na discussão de projetos sobre violência. Folha Online. 12-
2-2007.

110
Está presente, pois, o método indutivo no momento
em que surge a lei.

3.3.1.2. Eficácia

A utilização do mesmo método se observa quando se


verifica a sua eficácia, ou seja, se está sendo efetivamente aplicada e
cumprida.

O sociólogo utiliza o método indutivo ao investigar


a aplicação e o cumprimento da norma362.

No Brasil, há uma opinião generalizada de que há


leis que “pegam” e leis que “não pegam”. Pode-se citar, como exemplo de lei
que “não pega”, aquela que determina a imposição de multa para pedestres e
ciclistas. No Código de Trânsito Brasileiro, há o artigo 254, que prevê várias
proibições aos pedestres, como a de “andar fora da faixa própria, passarela,
passagem aérea ou subterrânea” (inciso V), prevendo a imposição de multa ao
infrator; há ainda o artigo 255, que prevê multa para quem “conduzir bicicleta
em passeio onde não seja permitida a circulação desta, ou de forma
agressiva...”. Não se tem notícia da imposição de multa a algum pedestre ou
ciclista.

Por indução, ou seja, a partir da constatação de


diversos casos particulares de pedestres, que atravessam fora da faixa própria,
e de ciclistas, que trafegam sobre passeios onde a circulação não é permitida
ou até na contramão de direção e em velocidade incompatível, chega-se à
conclusão de que a norma não é eficaz.

3.3.2. Doutrina ou ciência do direito e outros trabalhos


jurídicos

Segundo Vânia Aieta, Valter Ishida e George Leite,


em sua obra “A Indução e a Analogia no Campo do Direito”, o método
indutivo também pode ser utilizado neste caso. No que se refere aos
pareceres, o objetivo da parte que faz a consulta “é, via de regra, obtenção de
subsídios idôneos que possam ser utilizados, no processo, em seu favor.
Afinal, o parecer, como se sabe, nada mais é do que o esclarecimento de um
especialista (jurista ou profissional especializado em qualquer outra ciência)
acerca de assunto determinado que lhe foi submetido à consulta”. O
362
Paulo Hamilton Siqueira Jr., Lições de introdução ao direito, p. 111.

111
especialista utiliza a indução quando chega à conclusão partindo da análise de
fatos particulares e chegando ao geral363.

Assim o Ministério Público também procede em


seus pareceres. Mencionados autores tratam do caso específico da
investigação de paternidade. Afirmam que o mesmo assim age: “Observa os
dados e informações do processo. Verifica que o laudo pericial não afastou a
paternidade do réu. Afere que a prova oral colhida baseada em testemunhas
confirmou que o réu e a genitora da autora mantiveram relacionamento
amoroso num determinado espaço de tempo. Verifica por fim que através de
prova documental, os mesmos mantiveram ainda comunicação epistolar. Logo
então, conclui o membro do Ministério Público no seu parecer que o réu é
genitor da autora”. Tal conclusão é provável; não há certeza absoluta364.

O método indutivo, segundo os mesmos autores, está


presente nas pesquisas. Explicam: “Com efeito, consistindo o trabalho do
pesquisador em uma investigação detalhada e aprofundada sobre determinado
tema, o qual é estudado nos seus mais variados aspectos, não há dúvida de
que, no mais das vezes, este trabalho se dará do particular para o geral, isto é,
indutivamente365.

Isso ocorre nos estudos, onde há o interesse cada vez


maior pela análise de casos366.

No mesmo sentido, afirma Montoro que o “método


de casos” representa “outra notável aplicação do método indutivo na pesquisa
e ensino do direito”367.

Como exemplo, pode-se analisar o laudo pericial


juntado aos autos da ação de desapropriação nº 904201-6, da 1ª Vara Federal
Cível de São Paulo, que tinha como objetivo “determinar o valor médio atual
de venda de mercado do terreno sem benfeitorias”, objeto da mesma. O perito
considerou a localização do imóvel, ou seja, a rua, o bairro e o município;
levou em conta a “Planta Genérica de Valores” do município; verificou as
outras vias públicas que completavam a quadra a que o imóvel pertencia;
considerou as características da região, de acordo com as normas relativas
para avaliação de imóveis urbanos; levou em conta os melhoramentos
públicos, como ligação de água, energia elétrica inclusive na via pública, ruas
com pavimentação asfáltica, guias e sarjetas, coleta de lixo, proximidade de
363
P. 78.
364
Ibid., p. 78/79.
365
Ibid., p. 79.
366
Ibid., mesma página.
367
Dados preliminares de lógica jurídica, p. 41.

112
linhas de ônibus, proximidade de comércio do tipo bares, padarias e
farmácias, distância de quatro quilômetros do centro da cidade, bem como o
fato de o bairro poder ser considerado de famílias com baixa renda e
predominância de residências térreas de padrão modesto; considerou ainda as
características do terreno, como topografia, solo, acessibilidade, posição física
e formato, bem como o fato de se tratar de uma desapropriação total do lote;
consultou quatro imobiliárias. Ao final, chegou à conclusão de que o valor do
m² (metro quadrado) seria R$ 40,00 (quarenta reais) e, com base no mesmo,
calculou o valor total do terreno. Utilizou-se o raciocínio indutivo, pois, com
base em vários fatos, chegou-se a uma conclusão geral relativamente ao
imóvel objeto da desapropriação.

3.3.3. Sentença

Como já exposto no item 3.2.3, a sentença é o ato pelo qual


se põe fim ao processo, decidindo-se ou não o mérito da causa.

Segundo Guilherme de Souza Nucci, em seu artigo “A


Indução Generalizadora nos Trabalhos Jurídicos”, o juiz raciocina de forma
indutiva antes de sentenciar um processo quando o analisa. Ele colhe vários
elementos para chegar a uma conclusão quando não existem provas diretas368.

Para referido autor, “a indução é um método de raciocínio


que em muito favorece o magistrado na sua atividade judicativa. Outro
aspecto muito relevante nesse contexto é que o juiz leva em conta muitos
fatores de ordem pessoal, subjetiva, no momento de proferir uma sentença.
Não há como desvinculá-lo disso. Logo, até mesmo para eleger os pontos que
considera essenciais no processo de indução, ele coloca aspectos da sua
intuição, da sua vivência. A indução generalizadora, apesar de ser um modo
de constituir o raciocínio, é parte de um todo que se forma a partir dos valores
do justo, do útil, da liberdade, da igualdade, entre outros”. Afirma o mesmo,
ainda, que o juiz “irá utilizar vários métodos (dedução, silogismo, intuição e
indução) a fim de alcançar o justo na decisão que coloca termo ao litígio. No
tocante ao processo indutivo, ele irá selecionar os dados singulares que o seu
conceito de justo, sua experiência e seus valores irão determinar. Vale dizer,
para condenar ou absolver um réu, para julgar procedente ou improcedente
uma causa, o magistrado pode trabalhar com a indução generalizadora de dois
modos diversos, fazendo a conclusão caminhar para um lado (condenação ou
procedência) ou para outro (absolvição ou improcedência). Ele pode usar

368
Revista de Processo, ano 21, nº 84, out./dez., 1996, p. 314.

113
inicialmente a intuição (sentindo se o réu é ou não culpado) e depois caminhar
para a indução, seguindo para a dedução”369.

Para o mesmo, decisões judiciais e outros trabalhos


jurídicos trazem forte carga de indução generalizadora, apesar de trazerem
outros métodos. Explica: “As sentenças elencam singularidades de um caso
concreto para extrair uma verdade universal, concluindo pela procedência ou
não de uma ação”370.

Vânia Aieta, Valter Ishida e George Leite, em sua obra “A


Indução e a Analogia no Campo do Direito”, afirmam que “o julgador pode
empregar o método indutivo, desde que se utilize da observação de dados e
informações constantes do conjunto probatório, suficientemente enumeradas,
chegando a uma conclusão geral, que será provável, não se exigindo que
necessariamente seja verdadeira...”371.

Explica Montoro: “São freqüentes as sentenças em que a


matéria de fato ou de direito é demonstrada através de raciocínios indutivos.
(...) A ‘evidência circunstancial’, de que fala NEWMAN, é, na realidade, um
raciocínio indutivo em que demonstramos uma verdade a partir de um
conjunto de fatos ou circunstâncias (...), que nos conduzem ao mesmo
resultado. Esse processo é freqüentemente empregado em matéria de fato na
prova judiciária. Mas, também em matéria de direito, a indução amplificadora
é utilizada em sentenças, sempre que o julgador, na falta de uma norma
específica, constrói a partir de normas particulares vigentes (...) uma norma
geral aplicável ao caso ‘sub judice’”372.

Na sentença criminal, já mencionada no item 3.2.3, o


método indutivo também foi utilizado. A grande quantidade da substância, ou
seja, 2.086,3 (dois mil e oitenta e seis gramas e três decigramas), e o fato de o
acusado ter dito que não era viciado levaram à conclusão de que “a cocaína
apreendida se destinava ao consumo de terceiros e não a uso próprio do
acusado”. A conclusão, relativamente à autoria e ao elemento subjetivo, bem
como quanto ao destino da droga, resultou dos seguintes fatos: o acusado foi
abordado quando saía do hotel e se dirigia ao táxi portando uma mala bege; a
moça, que tomara o táxi e o parara em frente ao hotel, não portava mala
alguma; a mala foi aberta na presença da moça e do próprio acusado, bem
como de outra pessoa; foram encontrados dois pacotes com substância
entorpecente nas laterais falsas da mala; na mala, havia objetos pessoais do

369
Ibid., p. 317/318.
370
Ibid., p. 323.
371
P. 62.
372
Dados preliminares de lógica jurídica, 40/41.

114
acusado; a moça disse que se tratava de “garota de programa” e que tinha
recebido R$ 150,00 para ficar com o acusado; em poder do acusado, foram
encontradas passagem rodoviária para o Rio de Janeiro e passagem aérea,
para o dia seguinte, com saída do Rio de Janeiro e escalas em São Paulo e
Bruxelas, com destino a Viena; o acusado mentiu ao dizer que a moça iria
com ele até o Rio de Janeiro quando, na realidade, iria apenas até a rodoviária
de São Paulo; o acusado havia passado pela Itália e tinha recebido US$
1.000,00, sendo que o restante seria entregue no destino; a moça se tratava
realmente de “garota de programa”; o comportamento do acusado foi
semelhante ao de outros estrangeiros que vêm ao Brasil por iguais razões;
nenhuma prostituta leva uma mala para um programa de um dia; o objetos,
que estavam na mala, pertenciam ao acusado; o acusado alegou estar portanto
uma mochila que não existia; o acusado foi contraditório ao dizer que não
recebeu ninguém no hotel e, ao mesmo tempo, afirmar que precisava de
médico porque achava que tinha contraído doença venérea com a referida
moça. O raciocínio aplicado foi o indutivo. Trata-se um número suficiente de
fatos para se chegar à conclusão a que se chegou.

Outro exemplo de indução é o raciocínio que foi utilizado


na sentença da ação ordinária, em que se buscava indenização por danos
materiais e morais, nº. 2004.61.00.035248-8, da 1ª Vara Federal Cível de São
Paulo. A conclusão, quanto aos danos materiais, resultou dos seguintes fatos:
comprovou-se a existência de saques em conta de poupança, que a autora
afirmou não ter realizado; a autora afirmou ter feito dois saques; notou-se a
sinceridade da autora quando a mesma narrava a história em seu depoimento;
a autora disse que aquela data nunca sairia de sua mente; disse que foi
horrível; disse que, quando seu marido lhe falou que não havia mais dinheiro,
perguntou se estava brincando; somente a autora e seu marido sabiam da
senha; a autora esteve no PROCON; o cartão não foi utilizado para
pagamento de conta em loja; a autora não percebeu irregularidade na conta
antes da referida data; não comparecia todo mês ao banco; não tinham
costume de olhar o saldo quando faziam retirada; era só um o cartão utilizado;
a autora tinha trocado o cartão mas permaneceu com a mesma senha por estar
relacionada com a data de nascimento; não usou o novo cartão no mesmo dia
do recebimento; a ré, convocada ao PROCON, não compareceu na primeira
vez; é público e notório que ocorrem clonagens de cartões magnéticos
bancários; há bancos que estão aumentando a segurança inclusive com a
utilização de “chips”; o serviço da ré não foi prestado com qualidade. Com
relação aos danos morais, a conclusão adveio a partir desses fatos: a autora e
seu marido foram surpreendidos ao não encontrarem o saldo esperado na
conta bancária; passaram por situações desgastantes e constrangedoras;
esperaram por mais de dois anos que a ré encontrasse uma solução, nada
tendo acontecido; buscaram o PROCON, e a ré somente compareceu na

115
segunda vez e, além disso, sem trazer solução; a situação da autora foi tratada
com descaso pela ré. Está aqui também presente o método indutivo. Há um
número suficiente de fatos, que levam à conclusão.

3.3.4. Jurisprudência ou decisões dos tribunais

Ensina Montoro: “A elaboração das Súmulas, como, por


exemplo, as Súmulas da jurisprudência predominante no STF, publicada
oficialmente por esse órgão superior da Justiça, obedece, também
fundamentalmente a um processo de tipo indutivo. A partir das decisões ‘a’,
‘b’, ‘c’, ‘d’, etc, mencionadas expressamente no texto da Súmula, o Supremo
Tribunal Federal formula a norma geral, que passa a ter efeitos jurídicos
definidos legalmente. E o mesmo ocorre, de modo geral, com a fixação da
jurisprudência...”373.

A indução se verifica, pois, no processo de formação da


jurisprudência, inclusive na elaboração de súmulas. Explica Paulo Hamilton
Siqueira Jr.: “A jurisprudência se forma a partir do conjunto de decisões
particulares”. Lembra, inclusive, que prepondera a indução no sistema da
“common law”374.

Flávio Fernandes explica que, “sendo a jurisprudência


constituída pelo conjunto de decisões constantes e uniformes, sobre uma
determinada conclusão solucionadora de direito, a conclusão jurídica advinda
de casos particulares possibilita e fornece o conjunto de decisões
solucionadoras”. A jurisprudência se apóia em uma estrutura composta de
decisões que se proferem em casos concretos. O raciocínio, que se utiliza para
a formação da jurisprudência, é o indutivo, pois a generalização advém das
soluções que se encontram para os casos particulares. A súmula se forma a
partir da indução generalizadora, “pois, uma vez submetidas à análise várias
decisões judiciais de espécies uniformes e das mesmas circunstâncias, eis
consubstanciada a jurisprudência”375.

No artigo “Sentença – O Raciocínio Lógico e o Direito”,


José João Calanzani lembra: “A jurisprudência firmada não decorre de
raciocínio dedutivo, mas indutivo, assim como as súmulas. A partir do
momento em que diversas decisões sobre determinados fatos semelhantes
passam a ser iguais, diz-se que a jurisprudência se firmou e os tribunais criam

373
Dados preliminares de lógica jurídica, p. 41.
374
Lições de introdução ao direito, p. 111.
375
Adequação do costume, da indução e da analogia ao direito. Revista da Faculdade de Direito das
Faculdades Metropolitanas Unidas, ano 7, nº 7, nov., 1993, p. 67/68.

116
as súmulas”. Tanto a lei como a jurisprudência decorrem da “análise da
realidade sensível (...). Isso é um trabalho de indução”376.

No artigo “A Indução Generalizadora na Elaboração da


Jurisprudência”, Alexandre Alves Lazzarini afirma que a jurisprudência
decorre de um método indutivo de conhecimento, ou seja, “diante da
repetição de sentenças particulares chega-se a uma regra geral para aqueles
fatos julgados pelas sentenças”. As súmulas são o resumo do entendimento
predominante no Tribunal. A jurisprudência ameniza o rigor e a inanição da
lei, tem uma função criadora e participa da produção do direito normativo.
Pelo método indutivo, pode-se afirmar que a jurisprudência representa o
“direito vivo”. Há o caso das súmulas vinculantes que advirão por indução,
pois sua edição dependerá de reiteradas decisões dos Tribunais. As súmulas,
apesar de não vincularem, servem como orientação geral quanto à
interpretação nos casos concretos377.

Américo Lacombe menciona, no artigo “Considerações


sobre o Raciocínio Jurídico”, como exemplo de indução na jurisprudência, as
decisões do Supremo Tribunal Federal que resultaram na Súmula nº. 66.
Tratava-se do princípio da anualidade do tributo, de acordo com o que
dispunha a Constituição Federal de 1.946: “Art. 141. (...) § 34. Nenhum
tributo será exigido ou aumentado sem que a lei o estabeleça; nenhum será
cobrado em cada exercício sem prévia autorização orçamentária, ressalvada,
porém, a tarifa aduaneira e o imposto lançado por motivo de guerra”378.

Referido autor lembra que eram exigidas a lei tributária e a


autorização da cobrança pelo orçamento, mas o Supremo Tribunal Federal
entendeu de forma diferente e, após diversos julgados (Recurso
Extraordinário nº. 51.390, de 12/11/1962, e Recursos em Mandado de
Segurança nº 8.669, de 05/12/1962, e nº 11.099, de 25/03/1963), “num
movimento lógico indutivo, generalizou sua jurisprudência na Súmula n. 66”.
A mesma assim se redigiu: “É legítima a cobrança de tributo que houver sido
aumentado após o orçamento, mas antes do início do respectivo exercício
financeiro”. A mencionada “indução generalizadora do STF serviu de base
para a Emenda Constitucional n. 18, de 1º.12.1965”379.

Tratando das súmulas, Vânia Aieta, Valter Ishida e George


Leite, em sua obra “A Indução e a Analogia no Campo do Direito”, afirmam
que foi o Supremo Tribunal Federal que, em 28 de agosto de 1963, alterou seu

376
Revista Ciência Jurídica, ano VI, vol. 48, nov./dez., 1992, p. 337.
377
Revista de Processo, ano 21, nº 83, jul./set., 1996, p. 247/253.
378
Revista de Direito Público, ano VI, nº 24, abr./jun., 1973, p. 54.
379
Ibid., mesma página.

117
Regimento Interno, instituindo a “Súmula da Jurisprudência Predominante no
Supremo Tribunal Federal”, objetivando organizar as teses jurídicas naquele
órgão. A partir de 13 de dezembro daquele ano, passaram a ser editadas as
súmulas de sua jurisprudência, “enunciados sintetizando as decisões em casos
semelhantes, que poderiam ser cancelados ou revistos pelo próprio Plenário”.
As súmulas provêm de uma jurisprudência consolidada, de reiteradas
decisões. O seu processo de formação se caracteriza pela indução, por se
estabelecer a partir da experiência, ou seja, “de um fato particular até uma
conclusão geral. Analisa de modo satisfatório e enumerado, uma série de
julgados, tornando-os uniformes e passam a aplicá-los de forma reiterada,
obtendo uma conclusão geral. Com o objeto dessa conclusão exara-se a
súmula, que a partir daí, é aplicada a todos os casos semelhantes que são
apresentados”380.

Como exemplo, podemos citar as Súmulas nº. 125 e nº.


215, do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, que surgiram depois de
inúmeras ações judiciais que se promoveram com o fim de afastar a exigência
do Imposto de Renda sobre determinadas verbas relativas a rescisão de
contrato de trabalho. Referidas súmulas estão citadas na ação de mandado de
segurança nº. 2005.61.00.028966-7, que tem como objetivo a não exigência
do mencionado tributo sobre o pagamento de férias e seu adicional de um
terço, bem como sobre uma denominada “indenização liberal”. A ocorrência
de inúmeras decisões judiciais em favor do contribuinte resultou na Súmula
nº. 125: “O pagamento de férias não gozadas por necessidade do serviço não
está sujeito à incidência do Imposto de Renda”, bem como na Súmula nº. 215:
“A indenização recebida pela adesão a programa de incentivo à demissão
voluntária não está sujeita à incidência do imposto de renda”. Foi, portanto,
um número suficiente de casos que fixou a jurisprudência e provocou a edição
das súmulas. No caso dos programas de demissão voluntária a exigência já
deixou de ser feita administrativamente. Está, pois, presente o método
indutivo.

3.3.5. Costume jurídico

A fixação do costume se dá pela repetição dos casos


particulares. Verifica-se a utilização do método indutivo381.

Explica Montoro: “Igualmente indutivo é o processo lógico


pelo qual se fixa o ‘costume jurídico’, decorrente da repetição de atos (...) que
terminam por constituir uma norma geral”. Lembra que há autores que
380
P. 45/48.
381
Paulo Hamilton Siqueira Jr., Lições de introdução ao direito, p. 111.

118
defendem a importância da “opinio necessitatis” e afirma: “É certo de que não
basta a repetição de quaisquer atos para formação de um costume jurídico.
Mas essa repetição é elemento essencial, inclusive para caracterizar a
convicção de que esse costume é juridicamente obrigatório ou necessário
(‘opinio necessitatis’)”382.

Afirma Flávio Fernandes: “O costume resume-se na


repetição sucessiva de atos da mesma espécie praticados por uma
comunidade, e, como costume jurídico, utiliza-se do raciocínio indutivo, que
uma vez reiterado, transforma-se em regras gerais, sendo considerado fonte
subsidiária do direito”383.

Em sua obra “A Indução e a Analogia no Campo do


Direito”, Vânia Aieta, Valter Ishida e George Leite lembram que há autores
que negam que o costume se obtenha pela indução, “alegando que é o
elemento subjetivo, a convicção jurídica, que lhe atribuiria força
vinculatória... (...) Evidente se faz que não basta a repetição de quaisquer atos
para a formação de um costume jurídico (pela carência do elemento da opinio
necessitatis ou convicção jurídica), mas é impossível negar que a repetição é
elemento essencial para a caracterização da própria convicção de que o
costume é obrigatório ou necessário”. É, pois, o processo lógico indutivo que
fixa a construção do costume384.

Os mesmos autores citam, como exemplo, a “emissão de


cheques para pagamento em data futura – os chamados cheques pré-datados”.
Embora, pela lei, o cheque seja caracterizado como ordem de pagamento à
vista, “a prática de cheques para pagamento futuro se alargou de tal forma que
hoje representa grande parte do total de vendas do comércio, indústria e
agricultura”. A prática do uso de cheques para pagamento em data futura traz
o elemento objetivo que forma o costume, por ser algo mais que reiterado,
bem como o elemento subjetivo e fundamental da convicção jurídica. Esta se
manifesta “na velocidade das transações comerciais globalizadas (...), na
criatividade brasileira para desenvolver atividades comerciais e bancárias
diferentes num universo de escassez e inadequabilidade de créditos munidos
de taxas absurdas de juros e na evidente realidade de que o cheque pré-datado
representa atualmente metade das vendas do país, sem o qual teríamos
certamente mais desemprego, menos arrecadação tributária, menos vendas
industriais, menor taxa de crescimento do Produto Interno Bruto e por fim,

382
Dados preliminares de lógica jurídica, p. 40.
383
Adequação do costume, da indução e da analogia ao direito. Revista da Faculdade de Direito das
Faculdades Metropolitanas Unidas, ano 7, nº 7, nov., 1993, p. 73.
384
P. 27.

119
uma economia menor, com menos chances de expansão e menores índices de
produtividade e eficiência”385.

No caso dos cheques pré-datados, portanto, foi a repetição


dos fatos particulares que levou a caracterizar-se a convicção de
obrigatoriedade, como elemento do costume jurídico.

Outro exemplo foi o mencionado no item 3.2.5. Naquele


caso se trata do costume de prantear e sepultar os mortos. São fatos que vêm
se repetindo, na maneira de agir dos povos, desde remotíssimos tempos.

Tanto em um caso como no outro, está presente o método


indutivo.

3.3.6. Analogia jurídica

Na Lógica, a analogia é considerada como o raciocínio


pelo qual se vai do particular ao particular. Trata-se de espécie de indução. No
Direito, há a analogia jurídica. Nesta, o procedimento é o mesmo. Aplica-se-a
para o preenchimento de lacunas.

As lacunas, segundo Karl Engish, aparecem quando não se


dá uma resposta imediata a uma questão jurídica pela lei nem pelo Direito
consuetudinário. A resposta é dada pela lei quando dela se tira a interpretação,
ainda que extensiva. A analogia não exclui as lacunas, mas as fecha; o que
também ocorre com os princípios gerais de direito. Há lacunas voluntárias e
involuntárias386.

A analogia, portanto, tem aplicação no caso de ausência de


previsão legislativa específica para um determinado caso. No caso do Direito
brasileiro, diversamente do alemão, citado acima, a aplicação da mesma
ocorre antes do costume; somente na falta daquela é que este se aplica.

Os autores seguintes têm opinião convergente quanto à


aplicação da analogia:

Afirma Miguel Reale: “Pelo processo analógico,


estendemos a um caso não previsto aquilo que o legislador previu para outro

385
Ibid., 30/32.
386
Introdução ao pensamento jurídico, p. 279/280.

120
semelhante, em igualdade de razões”. Estende-se a um caso semelhante a
resposta dada a um caso particular387.

Para Limongi França, a analogia “é a aplicação de um


princípio jurídico regulador de certo fato a outro fato não regulado mas
semelhante ao primeiro”388.

Para Montoro, a analogia “consiste em aplicar a uma caso


não previsto a norma que rege outro semelhante”389.

Paulo Hamilton Siqueira Jr. lembra a grande aplicação da


indução analógica no Direito. Trata-se de raciocínio pelo qual se passa de um
caso particular a outro caso particular. Aplica-se a norma a um caso não
previsto mas semelhante390.

Paulo Nader traz o seguinte conceito: “A analogia é um


recurso técnico que consiste em se aplicar, a uma hipótese não-prevista pelo
legislador, a solução por ele apresentada para um outro caso
fundamentalmente semelhante à não-prevista”391.

Para Maria Helena Diniz, a analogia “consiste em aplicar,


a um caso não contemplado de modo direto ou específico por uma norma
jurídica, uma norma prevista para uma hipótese distinta, mas semelhante ao
caso não contemplado”392.

Além da ausência de previsão legal, portanto, há a questão


da semelhança. É necessário que o não previsto seja semelhante ao previsto.

Francesco Ferrara, tratando da “analogia legis”, ou seja, a


que se refere a uma só disposição, afirma: “Decide-se um caso não regulado,
segundo a norma que preside a um caso afim já decidido: ubi eadem legis
ratio, ibi eadem legis dispositio. Trata-se duma aplicação por semelhança”393.

A analogia, para Gilson Delgado Miranda, “é colocada


como o primeiro patamar para integração do direito por uma simples razão:
há, na espécie, a identificação da vontade presumida do legislador”. A

387
Lições preliminares de direito, p. 292.
388
Manual de direito civil – 1º vol., p. 76.
389
Introdução à ciência do direito, p. 442.
390
Lições de introdução ao direito, p. 111.
391
Introdução ao estudo do direito, p. 188.
392
Compêndio de introdução à ciência do direito, p. 453.
393
Interpretação e aplicação das leis, p. 159.

121
aplicação do raciocínio indutivo analógico é a aplicação da vontade do
legislador394.

Segundo Flávio Fernandes, “a conclusão de um caso em


concreto, extraído de outro caso particular, é devido em virtude do raciocínio
indutivo, razão pela qual só podemos entender a analogia, como a conclusão
definitiva que se originou do fundamento jurídico advindo do particular para
o particular semelhante, mesmo porque o raciocínio humano é extremamente
sensível à aproximação de casos idênticos”. Este autor cita Karl Engish,
segundo o qual, há autorização para se concluir que “aquilo que convém a um
também convém a outro, ou aquilo que é justo para o primeiro, também é para
o segundo”395.

Betioli afirma: “A analogia vem a ser um recurso técnico


que consiste em se aplicar a um caso não previsto pelo legislador, uma norma
jurídica prevista para um outro caso fundamentalmente semelhante ao não
previsto”. Sua base é o princípio da igualdade jurídica. Nela, além da
investigação lógica, há a axiológica, “no sentido de alcançar uma justiça na
igualdade”396.

O fundamento da analogia jurídica é, de fato, o princípio


da igualdade. Situações semelhantes devem ter tratamento semelhante.
Chega-se à Justiça dando igual solução, ao caso não previsto, à do caso
previsto por causa da mesma “ratio”.

Nesse sentido, observa Francesco Ferrara: “A analogia não


é criação de direito novo mas descoberta de direito existente”397.

Por outro lado, há o que se denomina “analogia juris”,


quando a sua base, segundo Francesco Ferrara, é “um complexo de princípios
jurídicos, a síntese deles, e mesmo o espírito de todo o sistema”398. Isso
equivale a dizer, que se trata da aplicação dos princípios gerais de direito.

Limongi França nega o caráter indutivo da analogia,


afirmando: “Não se confunde a analogia com a indução, porque esta consiste
em generalizar um princípio determinado para todos os casos de natureza
semelhante”399.
394
Revista do Instituto de Pesquisas e Estudos – Divisão Jurídica – Instituição Toledo de Ensino –
Faculdade de Direito de Bauru, nº 22, ago/nov., 1998, p. 244.
395
Adequação do costume, da indução e da analogia ao direito. Revista da Faculdade de Direito das
Faculdades Metropolitanas Unidas, ano 7, nº 7, nov., 1993, p. 69.
396
Introdução ao direito – lições de propedêutica jurídica tridimensional, p. 455/457.
397
Interpretação e aplicação das leis, p. 164.
398
Ibid., p. 159.
399
Manual de direito civil – 1º vol., p. 77.

122
Temos que discordar de tal posição, pois o fato de se partir
do particular para chegar ao particular não tira o caráter indutivo do
raciocínio.

Convém observar que há casos em que a analogia não se


aplica, por motivo de vedação legal. No âmbito do Direito Penal, sua
aplicação não é possível relativamente às normas incriminadoras. Isso ocorre
por causa do princípio da legalidade. O Código Penal estabelece: “Art. 1º.
Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia
cominação legal”. Quase com a mesma redação, dispõe a Constituição
Federal: “Art. 5º (...) XXXIX – não há crime sem lei anterior que o defina,
nem pena sem prévia cominação legal”. Entretanto, no que se refere às
normas não-incriminadoras, a aplicação é possível. Há, por exemplo, como
mencionado no item 2.6, a permissão legal para que o aborto seja praticado
por médico quando a gravidez resulta de estupro (Código Penal, art. 128, inc.
II). Por analogia, é possível estender a permissão para a gravidez que resulta
de atentado violento ao pudor. No campo do Direito Tributário, a aplicação
está legalmente prevista, mas há a vedação no sentido de que “não poderá
resultar na exigência de tributo não previsto em lei” (Código Tributário
Nacional, art. 108, inc. I e § 1º). De modo geral, a analogia não se aplica a
nenhum caso em que haja restrição de direitos.

Observe-se que se trata de utilização do método indutivo


quando se vai de um caso particular a outro caso particular.

Exemplo de aplicação da analogia é o Recurso Ordinário


em Mandado de Segurança – ROMS nº. 11722, processo nº. 200000224375,
do Egrégio Superior Tribunal de Justiça. Nele se chegou à conclusão de que
deveria ser imposta a aposentação compulsória, aos setenta anos de idade, de
um determinado servidor, aplicando-se as disposições da Lei nº. 8.112/90,
recepcionada pela Lei Distrital nº. 211/91. Consta da ementa: “Em inexistindo
no plano local qualquer norma que regule especificamente o regime
previdenciário dos servidores públicos ocupantes de cargo em comissão,
assim como aconteceu no plano federal, com a edição da Lei nº 8.647, de 13
de abril de 1993, tem incidência o artigo 4º da Lei de Introdução ao Código
Civil, verbis: ‘Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a
analogia, os costumes e os princípios gerais de direito’”. Decidiu-se, por
analogia, aplicar ao ocupante de cargo em comissão, do Distrito Federal, a
norma relativa ao servidor público da União. Trata-se, pois, de utilização do
método indutivo. O raciocínio foi do particular ao particular.

123
3.3.7. Princípios jurídicos

Os princípios jurídicos são constatados por meio da


indução, a partir das normas jurídicas ou a partir dos valores. Da mesma
forma como o legislador se baseia nos princípios para elaborar os textos
normativos, raciocinando por dedução, o jurista, ao buscar os princípios
norteadores da norma, raciocina por indução, ou seja, faz o caminho inverso.
Daí se pode dizer que um princípio jurídico surge quando o legislador define
qual é a pretensão do Direito em relação à conduta dos que devem observá-lo.
Outro modo de os princípios surgirem é pela valoração humana em relação à
própria conduta. Pode-se dizer que surgem porque não são estáticos. Tanto as
normas podem tomar um outro sentido em determinado momento histórico,
como os valores podem mudar com o transcorrer do tempo.

Quanto ao fato de os princípios jurídicos se constatarem


por indução, tem-se a opinião de Francesco Ferrara, segundo o qual, o edifício
jurídico tem sua base “em princípios supremos que formam as suas idéias
diretivas e o seu espírito, e não estão expressos, mas são pressupostos pela
ordem jurídica”. A obtenção dos princípios se dá por indução, “remontando
de princípios particulares a conceitos mais gerais, e por generalizações
sucessivas aos mais elevados cumes do sistema jurídico. E é claro que quanto
mais alto se leva esta indução, tanto mais amplo é o horizonte que se
abrange”400.

O trabalho do intérprete se realiza de forma inversa à do


legislador, realiza generalizações cada vez mais amplas em busca da solução
que pretende encontrar401. O legislador adota determinadas fórmulas para
regular situações semelhantes e, pela observação, pode-se constatar a
existência de um princípio402.

A maior dificuldade é a constatação ou verificação de um


princípio quando o mesmo é implícito. No caso dos explícitos, ou seja,
aqueles que estão expressos na norma, torna-se mais fácil, embora não seja
assim tão simples, pois é preciso verificar se se trata efetivamente de um
princípio ou se é, na verdade, apenas uma norma. Ocorre que, mesmo
transformado em norma, o princípio não perde sua natureza, não perde sua
característica de princípio.

400
Interpretação e aplicação das leis, p. 160.
401
Carlos Maximiliano. Hermenêutica e aplicação do direito, p. 241.
402
Paulo Nader. Introdução ao estudo do direito, p. 197.

124
3.3.8. Investigação criminal

A indução, ao lado da intuição, é método bastante usado na


investigação criminal. A forma de se coletarem provas ou elementos de prova
ocorre por indução. Vários dados são coletados e, em conjunto, apontam para
uma solução.

Observa-se, por exemplo, em um caso de homicídio, a


cena do crime, captando-se todos os detalhes: sinais de sangue e outros
humores, digitais, fios de cabelo, pedaços de roupa, outros sinais em qualquer
parte do local ou sobre objetos e estes quanto a suas características e situação
em que foram encontrados, ou seja, qualquer possível indício. Depois, ouvem-
se testemunhas e os próprios suspeitos. Buscam-se outros elementos de prova,
a partir dos primeiros encontrados, em outros locais. O que se verifica é que
se vai montando uma espécie de quebra-cabeças, até se chegar a uma solução.
Nota-se, pois, a utilização do raciocínio indutivo.

3.4. Intuição e direito

Tanto quanto os métodos dedutivo e indutivo, a intuição também


é aplicada pelos operadores do Direito. O que ocorre é que o estudo desta
última não é tão aprofundado quanto o dos demais. No âmbito da Filosofia,
muito já se discorreu sobre os métodos discursivos, mas o intuitivo ainda tem
muito a ser explorado. O mesmo ocorre no âmbito do Direito. Trata-se de
método constantemente utilizado, mas que ainda não foi suficientemente
pesquisado. Na verdade, é a intuição que se aplica num primeiro plano para,
depois, se passar aos demais métodos.

3.4.1. Considerações Gerais

Montoro afirma que “a intuição tem um grande papel no


campo do direito”. Ao tratar dos casos em que ocorre a aplicação, relaciona a
intuição sensível, a de valores, a dos “princípios”, a heurística e aquela
utilizada como guia para as pesquisas e investigações403.

Tratando da “intuição sensível”, afirma estar relacionada


com o primeiro passo do jurista, pois “no seu longo caminhar pelo campo do
Direito, somente conhece os fatos, as coisas, as pessoas e as instituições
através dos sentidos; sobre esse conhecimento é que ele exercerá seu
raciocínio”. Quanto à “intuição dos valores”, afirma que “todos reconhecem a
403
Dados preliminares de lógica jurídica, p. 51/52.

125
importância da instituição na apreensão dos valores, entre os quais está a
Justiça, que é o valor fundamental do Direito; essa intuição da Justiça atua
poderosamente na sentença e em outros atos da vida jurídica”. No que se
refere à “intuição dos ‘princípios’” explica: “Os princípios, que são a base de
todo o conhecimento científico, são distintos dos princípios obtidos através da
indução e da dedução, pois eles servem de fundamento à própria dedução e
indução, como é o caso do princípio de identidade ou de razão suficientes.
Tais princípios não podem nem precisam ser demonstrados. Impõem-se por si
mesmos. São evidentes. Nós os conhecemos por intuição”. Quanto à intuição
no plano da descoberta, que é a “intuição heurística”, afirma que, muitas
vezes, se tem dificuldade para a solução de determinado caso. Há uma
pesquisa intensa até a súbita descoberta da solução em determinado momento.
Trata-se de intuição. Em seguida, reúnem-se os argumentos dedutivos ou
indutivos para a demonstração lógica da validade da solução encontrada.
Relativamente à “intuição como guia para as pesquisas e investigações”,
afirma: “O jurista pode pressentir, por exemplo, a culpabilidade do réu. Esse
pressentimento intuitivo ainda não constitui prova. Mas serve como guia para
investigações, que poderão conduzir à solução do problema”404.

Afirma ainda o mesmo autor que “na ciência do Direito, o


jurista deve distinguir sempre os dois planos do conhecimento: o da
‘descoberta’ onde a intuição tem seu grande papel; e o da ‘demonstração’,
através do qual, por processos dedutivos ou indutivos, procura confirmar a
validade de sua argumentação. Isto, sem esquecer que, aos textos legais
invocados, deve harmonizar as circunstâncias de caso”405.

Tal observação é importante, pois é sempre necessário ter


em mente a diferença que há entre “descobrir” e “demonstrar”. Pela intuição,
se descobre; pela dedução e pela indução, se demonstra.

O operador do Direito, segundo Paulo Hamilton Siqueira


Jr., não aplica a norma de forma mecânica; aplica “processos indutivos,
analógicos, dedutivos e, sobretudo, a intuição”. Explica: “Os processos
intuitivos da realidade jurídica podem ser sintetizados nos seguintes aspectos:
1) O relativo à intuição sensível, sendo certo que o jurista conhece os fatos e
as coisas através dos sentidos. 2) O referente à intuição dos valores. Na sua
atividade diuturna o operador do direito intui valores, em especial, a justiça,
como princípio fundamental do direito. 3) O correspondente à intuição das
evidências – são os chamados primeiros princípios evidentes, que
correspondem a base de todo o conhecimento científico. Nesse prisma, o
operador do direito, através de sua experiência, intui os institutos jurídicos
404
Ibid., mesmas páginas.
405
Ibid., p. 53/54.

126
que devem ser aplicados e observados”. Afirma ainda: “O operador do direito
no desempenho de seu mister intui a cada momento o que considera social e
moralmente desejável, devendo ser a principal intuição do jurista o
sentimento de justiça”406.

A intuição, para Rizzatto Nunes, “é um ato do espírito no


seu esforço para introduzir-se na consciência, isto é, para atualizar-se. Por
vezes já está na consciência – no reconhecimento atento, por exemplo –,
tornando possível uma experiência da sensibilidade pelo estímulo da
percepção. Ela mostra a ligação do espírito ao corpo. Mostra, também, pela
ligação do presente ao passado – ou, em outros termos, do passado imediato
ao passado –, e deste se atualizando no momento presente que invade o
futuro, o movimento de progresso, que é permanente no indivíduo. Ela,
conseguindo operar lembranças por similitude e contigüidade na memória e
dentro da duração – isto é, fora do tempo e do espaço –, e sem os limites
postos ao corpo nos objetos que o cercam – tempo sucessivo e espaço
simultâneo –, pode preparar virtualmente ações que só esperam o meio
adequado e a oportunidade de se atualizarem na consciência, e que, uma vez
encontrados, permitem que ela surja na consciência como uma luz repentina,
como um sentimento difuso de resistência ou como presença/reconhecimento
atento (e que são tipos de intuição)”407.

Afirma ainda este autor que a intuição é “repleta do ser que


intui. E esta intuição, surgindo na duração, se dá num movimento contínuo de
progresso, que vem do passado na direção do futuro, numa série de estados
múltiplos que se prolongam uns nos outros. Aliás, a intuição se dá na
consciência, e consciência já é memória”. Por isso, não é possível definir a
intuição; trata-se de experiência do sujeito, subjetividade pura. O método
intuitivo permite ao julgador encontrar o caminho para a realização da Justiça
num lance completo e único. Depois disso, tem o trabalho de escrever sua
descoberta408.

O que se constata, pois, é que o operador do Direito utiliza


a intuição ao conhecer fatos e coisas pelos sentidos. Intui valores,
especialmente a Justiça, bem como o caminho para se chegar à mesma.

Miguel Reale, tratando da intuição emocional, afirma que a


ciência do Direito ainda está imbuída de “racionalidade abstrata”, “no sentido
de que a experiência jurídica possa toda ela ser reduzida a uma sucessão de
silogismos...”. Vai-se firmando a convicção de que o juiz deveria prolatar

406
Lições de introdução ao direito, p. 112/113.
407
Manual de introdução ao estudo do direito, p. 334/335.
408
Ibid., p. 336/337.

127
“sentenças como puros atos de razão”. Porém, “o juiz, antes de ser juiz, é
homem partícipe de todas as reservas afetivas, das inclinações e das
tendências do meio social, e (...) nós não podemos prescindir do exame dessas
circunstâncias, numa visão concreta da experiência jurídica, por maior que
deva ser necessariamente a nossa aspiração de certeza e de objetividade”.
Afirma o mesmo autor: “Sentenciar não é apenas um ato racional, porque
envolve, antes de mais nada, uma atitude de estimativa do juiz diante da
prova”. Lembra o que ocorre, por exemplo, no Tribunal do Júri, onde o
jurado, que é o juiz de fato, tem sua convicção formada não apenas por
conjecturas racionais, “pois vem animada sempre de cargas emotivas”409.

O Júri é, de fato, o exemplo mais claro, pois se trata de


decisão – a dos jurados – que se toma sem fundamentação, ou seja, não se
expõe qual o raciocínio utilizado. Pode até acontecer que o jurado se deixe
levar tão somente pela emoção. Ele pode até intuir a decisão que, sob seu
ponto de vista, é a mais justa, sem realizar qualquer espécie de demonstração
ainda que mental, pois, de fato, não se exige nem pode apresentar
fundamentação para seus votos.

3.4.2. Posição de Karl Larenz

Karl Larenz, ao tratar do que ele denomina


“desenvolvimento do Direito superador da lei”, afirma que isso ocorre por
haver um caso, ou uma série de casos, sem solução satisfatória “com os meios
da interpretação da lei e de um desenvolvimento do Direito imanente à lei”.
Este autor afirma: “Segundo ESSER (...), os princípios jurídicos que não estão
ainda positivados irrompem ‘no pensamento jurídico pelo umbral da
consciência, devido a um caso paradigmático’”410.

É possível constatar que, embora não se tenha feito, neste


caso, referência expressa à intuição, é da mesma que se trata. Note-se que se
refere ao momento em que princípios jurídicos “irrompem no pensamento
jurídico”, ou seja, do momento em que surgem. E por onde isso ocorre?
Surgem “pelo umbral da consciência...”. Ora, isso é intuição. Os casos
paradigmáticos são tidos como motivadores do surgimento de novos
princípios. Depois, tais princípios são formulados pela doutrina ou pela
jurisprudência ou são, inclusive, normatizados.

Karl Larenz traz o exemplo de como Jhering desenvolveu a


doutrina da “culpa in contrahendo”. Afirma: “O louvável relato de Jhering
409
Introdução à filosofia, p. 100.
410
Metodologia da ciência do direito, p. 599.

128
não deixa dúvidas sobre a forma como se gerou nele a consciência do
princípio de uma responsabilidade especial por uma culpa in contrahendo. De
início, teve lugar a sua valoração ético-jurídica; a ela seguiu-se uma análise
dos casos a que se referia e a sua comparação com outros casos; com base
nisso, formulou o princípio...”411.

Note-se que o referido autor se refere à geração do


princípio na consciência, ou seja, ao momento em que o mesmo surge.
Refere-se ainda ao momento inicial, em que há uma “valoração ético-
jurídica”. E a valoração também se processa pela intuição.

Ao tratar dos limites do desenvolvimento do Direito


superador da lei, Karl Larenz afirma ser condição prévia “a existência de uma
questão jurídica, quer dizer, de uma questão que exige uma resposta jurídica”,
eliminando-se as questões irrelevantes. Outra condição “é que a questão não
possa ser resolvida nem por via de uma simples interpretação da lei nem de
um desenvolvimento do Direito imanente à lei, de maneira que satisfaça as
exigências mínimas que resultam de uma necessidade irrecusável do tráfego
jurídico, da exigência de praticabilidade das normas jurídicas, da natureza das
coisas e dos princípios ético-jurídicos subjacentes à ordem jurídica no seu
conjunto”. Há o desenvolvimento do Direito superador da lei “onde já não é
possível uma resposta no quadro do conjunto da ordem jurídica vigente e, por
isso, não é possível com considerações especificamente jurídicas”. Quando
se tratar de questões de oportunidade ou caso seja necessária uma
regulamentação pormenorizada, somente o legislador poderá chegar à solução
e terá legitimidade para tanto412.

Há, portanto, limites para o desenvolvimento do Direito


que supera a lei. É interessante, porém, notar que isso se dá por meio da
intuição. Há sempre uma “valoração” e a geração de um princípio jurídico
que vem a ser reconhecido pela “consciência jurídica” do momento.

A intuição está presente ainda tanto na constatação como


na aplicação dos princípios jurídicos, pois o que sempre se busca, por
exemplo, é a realização da Justiça, que é um valor, algo ao qual se chega por
essa forma de apreensão da realidade.

411
Ibid., p. 600/601.
412
Ibid., p. 606/607.

129
3.4.3. Aplicação

A intuição sensível que, em outra classificação, é uma


espécie da de reconhecimento atento é sempre o primeiro passo do operador
do direito. É o que ocorre no primeiro contato com qualquer caso ou assunto
que deva ser considerado: uma visão, um olhar atento, uma observação, uma
reflexão sobre o mesmo. É a que se aplica na apreciação direta das provas.

Uma espécie da intuição sensível é a chamada emocional,


que está relacionada com a constatação de valores, há a consideração e a
estimação dos fatos. A intuição sensível se divide, ainda, em racional (ou
intelectual) e volitiva, conforme seja a verificação da essência ou da
existência do objeto.

Além da intuição de reconhecimento atento, tem-se, ainda,


em Henri Bergson, a de resistência e a heurística. A primeira, quando algo
parece não encaixar bem ou não cair bem até que se perceba a incongruência,
chegando-se a uma solução. A última acontece quando se faz um esforço para
encontrar uma solução e a mesma vem de forma súbita. Em todos os casos,
primeiramente se descobre algo; depois é que entra o raciocínio discursivo
para se realizar a demonstração. Os autores repetidamente se referem ao fato
de que há primeiramente a intuição e, depois, a demonstração.

3.4.3.1. Norma jurídica

Para elaborar a norma, o legislador se vale de


princípios e valores, utilizando o método dedutivo. Baseia-se também em
fatos da sociedade, ou seja, na realidade social e seus problemas e, neste caso,
o método é o indutivo. Em ambos os casos, é necessário que se valha da
intuição. Tanto os valores quanto a realidade são apreendidos pela intuição. É
ela que se utiliza antes de se elaborar qualquer enunciado, antes que se inicie
qualquer raciocínio discursivo.

3.4.3.2. Doutrina ou ciência do direito e outros


trabalhos jurídicos

A intuição está presente no campo da doutrina


e da ciência do Direito e em outros trabalhos jurídicos. O estudioso do Direito
ou o seu operador observa os fatos, valendo-se da intuição em sua forma de
reconhecimento atento. Após, a mesma também ocorre na forma de
resistência ou heurística. Podem eles perceber a incongruência de certas

130
proposições, parecendo haver algo que não combina, até que se chega a uma
solução. Outras vezes há em que, como em qualquer ciência, ocorre uma
iluminação repentina.

No item 3.2.2, observa-se que o citado


doutrinador afirmou que o “décimo-terceiro salário”, também chamado de
“gratificação natalina” tem natureza salarial após mencionar a
compulsoriedade por força de lei. Foi necessária a observação, para se chegar
a uma conclusão.

No item 3.3.2., menciona-se a observação de


fatos ou casos. Os mesmos são objetos de estudo ou pesquisa. Note-se que o
primeiro contato sempre se dá pela intuição, chamada sensível, que pode ser
uma espécie da de reconhecimento atento.

3.4.3.3. Sentença

Na sentença, tanto a dedução quanto a indução


são utilizadas. O juiz tem, diante de si, para nortear sua decisão, a lei, a
jurisprudência, o costume, os princípios, a doutrina. Utiliza, pois, a dedução.
Por outro lado, leva em conta vários elementos, raciocinando indutivamente.
A intuição também está presente, pois há a observação detida de cada um dos
elementos, sejam apenas indícios ou sejam evidências. Em toda decisão
judicial, há um primeiro contato com os fatos que são trazidos, embora o que
se tenha, de forma geral, sejam apenas narrações (depoimentos, laudos, etc.),
ou seja, nem sempre há o contato direto. Este pode haver como, por exemplo,
no caso de processo criminal relativo a moeda falsa, em que o próprio objeto,
ou seja, o dinheiro falso está juntado aos autos e pode ser visto diretamente.
Nesse caso, o julgador pode observar diretamente.

Na sentença criminal, mencionada nos itens


3.2.3 e 3.3.3, observaram-se atentamente os fatos, tal como narrado neste
último item referido. A observação fez concluir em um relance que se tratava
de tráfico internacional de entorpecente.

Na sentença cível, também mencionada no


item 3.3.3., utilizou-se o raciocínio indutivo. A intuição também estava
presente, para a observação atenta de cada elemento de prova, inclusive para
notar a sinceridade da autora em seu depoimento. Aliás, o fato confirma a
necessidade da regra que determina que a sentença seja proferida pelo mesmo
juiz que encerrou a instrução do processo. Não é possível reproduzir nos autos

131
tudo o que se observa ou se capta pelos sentidos ou pelo intelecto em uma
audiência413.

3.4.3.4. Jurisprudência ou decisões dos tribunais

O que ocorre com as decisões dos tribunais é


semelhante ao que se passa com as sentenças de primeiro grau. É semelhante,
mas não igual. Uma das diferenças é esse contato direto com a produção de
provas, algo que raramente se realiza nos Tribunais.

Quanto à jurisprudência, observa-se também a


presença da intuição. A elaboração de súmulas, por exemplo, está ligada ao
princípio da segurança jurídica e tem relação com a busca da Justiça. É
preciso ter um “sentir” ou um “feeling” para perceber o que será justo e trará
segurança.

3.4.3.5. Costume jurídico

A aplicação e a interpretação dos costumes


ocorrem por dedução e indução, como se pôde verificar nos itens 3.2.5 e
3.3.5.

Aqui a intuição está também presente, pois a


existência do costume se constata pela observação, ou seja, há a intuição na
espécie de reconhecimento atento ou, em outra classificação, a sensível
volitiva.

A intuição está presente principalmente na


constatação da convicção íntima de obrigatoriedade, elemento necessário para
se configurar o costume jurídico.

No item 3.2.5, mencionou-se o costume de


sepultar os mortos. Trata-se de costume que vem de tempos imemoriais. A

413
No que se refere, por exemplo, a depoimentos, a estenotipia permite reproduzir com mais fidelidade o que
é dito por partes ou testemunhas. É possível perceber o modo de falar, frases truncadas, erros de português,
etc.; o que já fica difícil quando o texto se produz por ditado do juiz que, certamente, nem sempre repetirá
exatamente como a parte ou a testemunha falou ou, ainda, as mencionadas frases truncadas ou erros de
português. Às vezes, repete, colocando entre aspas, mas isso nem sempre ocorre. O que se verifica, pois, é
que o que consta dos autos não reproduz todos os detalhes, como por exemplo, a forma mais lenta ou mais
rápida de se falar, as hesitações, o rosto vermelho ou branco, demonstrando cinismo, arrogância, medo, susto
ou vergonha, lágrimas saindo dos olhos, demonstrando a indignação ou o arrependimento, gestos de todo
tipo, demonstrando vários outros sentimentos. Muitas vezes, alguns desses indícios podem ser reveladores,
por exemplo, da sinceridade ou não do depoimento.

132
convicção se constata, por exemplo, pelo modo de as pessoas agirem, ou seja,
de forma indutiva, mas a intuição dá a certeza, pois “percebe-se”, “capta-se” a
existência da mesma.

O costume traz sempre a idéia da repetição de


fatos. Usa-se, pois, a indução; trata-se de experiência empírica e, neste caso,
atua a intuição sensível, espécie da chamada de reconhecimento atento, em
outra classificação.

3.4.3.6. Analogia jurídica

No caso da analogia jurídica, está presente a


indução, o que se verifica mais facilmente, e também a dedução, que nem
sempre é perceptível, como se pôde verificar nos itens 3.2.6. e 3.3.6. A
intuição se utiliza para a observação de cada caso e até mesmo para se
constatar ou não a presença da semelhança e da lacuna da lei, elementos
necessários para que se autorize a aplicação da analogia.

3.4.3.7. Princípios jurídicos

A aplicação da intuição se verifica nos três


exemplos mencionados no item 3.2.7. São três acórdãos proferidos com base
em princípios jurídicos, nos quais se utiliza tanto a dedução como a intuição.
Esta última foi utilizada para se chegar a uma solução mais justa. O primeiro
caso se referiu aos “princípios maiores” e aos fins sociais relativamente à
utilização do FGTS. O segundo tratou da proporcionalidade na determinação
da prisão de depositário infiel. O terceiro é relativo à razoabilidade ao se
impor indenização por lesão ao meio ambiente. Nestes casos, o raciocínio
dedutivo foi aplicado conjuntamente, mas não seria suficiente para se chegar a
uma justa decisão. Somente pela intuição é possível “perceber” a Justiça.

É importante observar que os princípios


jurídicos estão sempre ligados a valores, aos quais se chega, de maneira geral,
pela intuição.

3.4.3.8. Investigação criminal

Em se tratando, por exemplo, de uma


investigação policial, a intuição de reconhecimento atento permite que se
observem todos os detalhes, ligando-se um a outro; vão se descobrindo as

133
evidências. O investigador pode se deparar com algo em relação ao qual há
uma espécie de resistência, algo que parece não ser congruente ou não
combina com os conhecimentos precedentes. A intuição heurística ocorrerá
quando, após se coletarem e se reunirem as provas e os indícios, o
investigador tiver uma iluminação repentina.

O que é interessante notar é que, numa


investigação criminal, há sempre a observação de diversos elementos de
prova, sendo sempre necessário estabelecer a ligação entre eles para, a partir
disso, poder tirar conclusões. Está sempre presente, pois, a intuição chamada
sensível ou de reconhecimento atento. As demais espécies também podem
ocorrer. A de resistência, por exemplo, pode acontecer quando a investigação
aponta para um determinado sentido, mas parece haver algo errado com as
conclusões que se está tirando e, depois, em um determinado momento, se
descobre que, de fato, estavam erradas. A heurística acontece quando,
eventualmente, depois se ter realizado um esforço para se desvendar algo, a
solução vem à consciência de forma repentina.

A demonstração somente será realizada após


se ter chegado às conclusões possíveis, ou seja, depois de utilizada a intuição,
virá o raciocínio discursivo.

134
4. ADEQUAÇÃO E COMPLEMENTARIDADE DOS MÉTODOS

Tendo analisado cada um dos métodos usualmente empregados na


interpretação e na aplicação do Direito, cumpre verificar o seu caráter
complementar.

Tratando dos limites do intuicionismo, Miguel Reale afirma que os


métodos filosóficos não podem se reduzir “a métodos puramente intuitivos”.
A intuição “é fator primordial e imprescindível da especulação filosófica, mas
insuficiente para a compreensão unitária da vida e do cosmos a que tende a
Filosofia”. Trata-se de “uma via necessária ao mundo dos valores, mas não
resolve todos os problemas que surgem no plano estimativo”. Salvo nos casos
em que as evidências se impõem direta e claramente, o elemento intuitivo
deve ser complementado pelo racional. De forma geral, é preciso “verificar
racionalmente as conexões de sentido que a intuição nos revela, mesmo
porque é a compreensão do todo que, muitas vezes, nos assegura a autêntica
apreensão dos elementos singulares”. Da mesma maneira que “o intelecto
ordena e completa o material sensível, casando com ele algo de próprio,
também a razão ordena e completa o material da intuição estimativa ou
puramente intelectual”414.

O que se verifica, pois, é não ser suficiente um só método, ou seja, um


só caminho, tanto no âmbito na Filosofia quanto no do Direito. Tal fato não
tira, entretanto, o caráter de necessidade da intuição.

Cretella Jr. cita Del Vecchio, segundo o qual o método dedutivo seria o
mais adequado às investigações lógica e deontológica, e o indutivo o mais
adequado à fenomenológica. Cita ainda Pedro Lessa, mencionando o fato de
este autor ter atribuído extraordinária importância à matéria, colocando-a em
primeiro lugar em seus estudos, tendo estudado os métodos dedutivo e
indutivo, “inclinando-se de modo manifesto para o segundo”415.

Afirma o mesmo autor: “Não basta, muitas vezes, um só método, visto


que o objeto se apresenta com vários aspectos e todos precisam ser atingidos”.
Vários métodos devem ser utilizados, para o estudo do Direito, “conforme o
ângulo ou ângulos que o sujeito cognoscente pretende apreender”. Explica:
“A dedução é própria do racionalismo jurídico”. Tal ocorreu com a escola do
Direito Natural clássica, com a escolástica e com toda a escola teológica. A
dedução está nitidamente presente no âmbito da técnica jurídica. Deduz-se um
juízo jurídico particular, partindo-se de uma hipótese dada que é uma
disposição legal. A sentença é um silogismo; no qual a premissa maior é a lei,
414
Introdução à filosofia, p. 107/108.
415
Curso de filosofia do direito, p. 64.

135
a menor são os fatos, a conclusão é o dispositivo. Lembra, ainda, tratando do
aspecto axiológico: “a sentença judiciária, que é o momento culminante do
drama jurídico, não mais se reduz a um mero e frio silogismo. Mais do que
um silogismo, é uma tomada de posição constante, em todo o decurso da lide,
é a resultante de uma série infinita de atitudes valorativas”. Pergunta: “Como,
sem empregar o método intuitivo, vivenciando o fato, procurando reconstituí-
lo, eliminando o acessório do principal, transportando-se para o interior dos
acontecimentos para captá-los naquilo que eles têm de característico, poderia
o magistrado exprimir seu juízo valorativo, consubstanciado na sentença?”416.

A conclusão de Cretella Jr. é a de que o Direito é um só e tem um só


objeto, que é cultural. Afirma que cada um de seus ângulos condiciona um
método especial, que seja mais compatível com a natureza desse ângulo e que,
assim, “todos os métodos estudados pela filosofia podem ser transpostos para
a filosofia do direito, na captação do fenômeno jurídico, tudo dependendo do
momento da experiência jurídica que se pretende apreender”417.

Tratando da descoberta e da demonstração, Montoro afirma ser


necessário fazer uma distinção entre esses dois planos. Explica: “A
importância da intuição se situa principalmente no ‘plano da descoberta’,
cabendo, posteriormente, os raciocínios dedutivos e indutivos a tarefa de
demonstrar a validade ou não das hipóteses e descobertas realizadas pela
intuição”418.

Como se pode verificar, os três métodos são utilizados pelos operadores


do Direito, não havendo um que seja suficiente por si só ou que possa impor a
exclusão de outro. Aliás, nenhum operador do Direito trabalha com apenas
um dos métodos de raciocínio. Da mesma forma como o filósofo e o cientista
estudam o objeto que se lhes submete usando todas as suas espécies, assim
também ocorre com o operador do Direito, que se vale da dedução, da
indução e da intuição no seu mister.

O operador do direito sente, valora e tenta encontrar a solução para


cada um dos problemas que lhe são apresentados e, após chegar à possível
solução, realiza uma demonstração valendo-se da indução e da dedução.
Observa-se, pois, que, do momento da proposição do problema até a chegada
à possível solução, funciona a intuição. Apenas depois desse momento é que
se constrói a demonstração. O tempo de articulação da intuição pode ser
curto, até mesmo instantâneo, ou longo. A dedução e a intuição podem se

416
Ibid., p. 64/66.
417
Ibid., p. 66.
418
Dados preliminares de lógica jurídica, p. 51.

136
entrelaçar à intuição. Aliás, não só elas, mas também outros métodos não
estudados neste trabalho.

Verifica-se, pois, que os métodos usuais de aplicação e interpretação do


Direito interagem, ou seja, são utilizados simultaneamente ou um logo após o
outro. Têm eles, portanto, um caráter de complementaridade, ou seja,
completam-se. Somente assim é possível chegar ou, ao menos, tentar chegar a
uma solução que seja legal e justa para cada caso do qual se trata. O que
muitas vezes acontece é que os próprios operadores do Direito não se dão
conta de quais são os métodos que estão usando; o que seria necessário até
mesmo para se constatar a correção do raciocínio ou um eventual equívoco ou
sofisma.

A constatação da insuficiência da aplicação de um só dos métodos de


forma isolada é importante, pois, se isso ocorresse, haveria equívocos ou até
absurdos. Não é possível usar apenas a dedução, pois não se trata de um mero
raciocínio matemático, com premissas pré-estabelecidas. Não se pode,
tampouco, usar só a indução. É necessário sempre subsumir o fato à norma.
Ainda que as decisões se tomem com base em precedentes, como no caso da
“common law”, estes também funcionam como premissa maior e ocorre a
dedução; ainda que seja a primeira decisão, ela sempre se baseia em um
princípio maior. A intuição não pode, tampouco, funcionar como se fosse um
método único, pois sempre será necessário realizar a demonstração; mesmo
porque qualquer decisão deve ser fundamentada, exceto a dos jurados no
Tribunal do Júri. Eles são os únicos que podem utilizar apenas a intuição, mas
isso pode levar a equívocos, pois pode haver um erro de interpretação do
direito ou da prova ou pode até ocorrer que julguem impulsionados tão
somente pela emoção, que também pode ser impulsionada de maneira
equivocada ou mal intencionada.

Constata-se, pois, ser necessário que haja uma interação entre os vários
métodos, inclusive entre aqueles não estudados neste trabalho, para que se
chegue a soluções plausíveis, de acordo com o Direito e a Justiça, não
somente no ato de decidir ou de se elaborar a norma ou de se constatar um
princípio ou um costume, mas também para se fazer ciência, ou seja, a
Ciência do Direito.

A dedução é necessária, pois há um Direito positivo, há normas,


jurisprudência, doutrina, costumes e princípios. E qualquer aplicação ou
interpretação deve partir do mesmo.

A indução também é necessária, pois, de forma geral, as decisões


tratam de casos concretos e, ainda que tratem de matérias abstratas ou mais

137
abrangentes, sempre é possível partir de algo mais particular para algo mais
geral.

A intuição, embora às vezes não notada, está sempre presente. O


primeiro contato com qualquer objeto se dá intuitivamente. É o contato
imediato, é a consciência direta da realidade, ou seja, os sentidos a captam.
Mesmo depois de captado o objeto, a mente realiza atualizações e pode-se
chegar a uma solução pela intuição de resistência, por exemplo, valendo-se de
informações do passado, ou pode ocorrer, até mesmo, uma iluminação
repentina, que é a intuição heurística. Como se viu, no campo jurídico, todas
as espécies de intuição ocorrem. A intuição funciona tanto no campo de
Ciência Jurídica, que tem um discurso descritivo, como no campo das normas
ou decisões judiciais, que têm um discurso normativo. Da mesma maneira
como Arquimedes, em um determinado momento, depois de se ter esforçado
muito para encontrar a solução de um caso, disse “hêureka”, um operador do
Direito também pode dizer “encontrei”, depois de fazer o mesmo para tentar
resolver um caso que, em um primeiro momento, parece insolúvel ou de
difícil solução.

É interessante o caso, contado por Rizzatto Nunes, sobre o juiz que,


assistindo a uma peça de teatro, de forma repentina, “encontrou” a solução
para um caso, em relação ao qual ainda não tinha encontrado uma que fosse
sustentável419. É isso mesmo que, às vezes, ocorre: o operador do Direito
analisa o caso concreto, pensa nas normas, precedentes e tudo o que há em
relação ao assunto. Porém, naquele momento, não consegue achar uma
solução ou, ao menos, não “encontra” uma solução que lhe agrade ou que lhe
pareça plausível ou sustentável. Passados alguns instantes ou dias ou até mais
tempo, por alguma razão, a solução lhe vem à mente de maneira repentina. E
quem a “encontra” pode dizer o mesmo “hêureka” de Arquimedes.

A intuição é importante até mesmo para se notar ou, pelo menos, tentar
notar a sinceridade de quem depõe ou faz alegações em Juízo. É claro que
tudo o que se diz ou se alega precisa ser provado. Entretanto, nos casos
concretos, a prova nem sempre é clara e, muitas vezes, é mal produzida. E a
decisão precisa ser justa. Quando o julgador busca uma solução justa e se
depara com a prova mal produzida, fica diante de um dilema, pois corre o
risco de tomar uma decisão injusta, tanto julgando a ação procedente como

419
Manual de filosofia do direito, p. 233/234 e 274. Citando V. N. Puchkin, Rizzato Nunes conta o caso de
um juiz que tinha, sob seu encargo, um processo criminal. Todos os elementos tinham sido reunidos durante
a instrução. Ele levantara hipóteses, mas as mesmas não eram sustentáveis ou reais. Após, quando assistia
uma peça de teatro, encontrou a solução. Acompanhando o desenvolvimento da apresentação e observando
os objetos, lembrou-se de um objeto que fazia parte da cena do crime e que ele havia desprezado. Surgiu-lhe,
então, uma visão geral do crime, o que lhe permitiu perceber em que sentido deveriam ser realizadas as
diligências para encontrar o seu autor.

138
improcedente. No caso do processo penal, a absolvição por insuficiência de
provas não deixa de ser justa, pois há inclusive o princípio “in dubio pro reo”;
já o mesmo não ocorre no processo civil, pois é muito difícil ao julgador, que
busca uma solução justa, ter que proferir uma decisão de improcedência da
ação e, ao mesmo tempo imaginar que, eventualmente, pode ser que a parte
autora tenha razão, somente não produzindo a prova necessária, e até
necessite de uma decisão favorável, por exemplo, relativamente a direitos
fundamentais ligados à vida, à dignidade, etc.

Por isso, a intuição tem uma função importante, para que o julgador,
levando em conta todos os elementos de que dispõe, possa tentar “encontrar”
a solução mais justa. É preciso também tentar “perceber” a solução mais justa,
para não se deixar envolver em sofismas bem articulados. É claro que o
conhecimento da dedução e da indução, bem como de outros métodos,
também auxilia a evitar armadilhas da retórica. Entretanto, a intuição tem um
papel fundamental para o mesmo fim.

Realizado o papel da intuição ou, ao menos, cumprida sua função


inicial, começa a demonstração, por indução ou dedução, ou seja, tem início o
raciocínio discursivo. É assim que, de forma geral, se faz a fundamentação de
uma decisão ou de um pedido ou parecer judicial ou se constrói a linguagem
científica.

Constata-se, pois, que, pelo menos em parte, tem razão de ser a crítica
que se faz à tendência de se defender a utilização exclusiva de um dos
métodos.

Copi (item 1.3.3.6) tratou da crítica feita, por exemplo, aos Métodos de
420
Mill , resumindo-a a dois tipos: a de que não realizaram o que era esperado
por Bacon e Mill; e a de que “não constituem uma explicação adequada e
completa do método científico”. Para Copi, os referidos métodos são
indispensáveis, mas foi excessiva a pretensão de seus criadores; são
eliminatórios, pois demonstram que uma determinada circunstância não é a
causa de um dado fenômeno; e os resultados de uma experiência confirmam a
hipótese, mas não estabelecem a conclusão com total certeza. Assim, não é
sustentável pretender levar o empirismo ao extremo.

Percebe-se, ainda, a inconsistência do racionalismo (item 2.1) quando


defende que “devem ser excluídos os dados fornecidos pelos sentidos”421, ou
seja, afastando a experiência. Não é sustentável, tampouco, a posição que
pretende o contrário, ou seja, a exclusão do método dedutivo, como exposto.
420
Introdução à lógica, p. 357/369.
421
Hilton Jupiassú, O racionalismo cartesiano. In: Antonio Rezende (org.), Curso de Filosofia, p. 111.

139
Pedro Lessa (item 2.2.1) considera científico o que é obtido pelo método
indutivo422, mas não exclui o dedutivo; afirma que a combinação de ambos
forma o método “positivo”, que é o único para se conhecer “as verdades de
ordem científica”423. Assim, de certa forma, tem razão a crítica que lhe faz
Miguel Reale (item 2.2.2), principalmente ao tratar da questão axiológica.
Afirma este autor que a norma “consagra sempre a escolha de um valor que se
julga necessário salvaguardar”424. Observa-se que também a intuição vai mais
além do que a mera constatação de valores.

A intuição é necessária inclusive para se verificar ou, ao menos, tentar


se aproximar o máximo possível da verdade (item 1.1.1), ou seja, que haja a
maior coincidência possível entre o que se pensa e a realidade. Não basta, por
exemplo, a construção de complicados raciocínios dedutivos quando as
premissas estão longe de serem verdadeiras. Este é um dos motivos de os
raciocínios, que se valem apenas da dedução, tenderem ao fracasso. Situação
semelhante ocorre quando o raciocínio utiliza apenas a indução. Por mais
sofisticadas que sejam as experiências, pode faltar algum elemento, ou seja,
algo deixar de ser considerado ou, ainda, pode ser tido como verdadeiro algo
falso, chegando-se a um resultado falho.

Tratando dos raciocínios (item 1.2.3.1), Copi lembra que está, no


campo da Lógica, determinar a correção ou incorreção dos raciocínios e que
cabe à Ciência determinar a verdade ou a falsidade das premissas. Daí se
depreende que, de fato, a análise meramente formal do raciocínio, levando-se
em conta o método discursivo aplicado, não é suficiente.

As críticas têm razão de ser quando se constata que, de fato, cada um


dos métodos, quando é isoladamente utilizado, não leva a um resultado
satisfatório; o que somente ocorre ao serem trabalhados de forma integrada.

A dedução sempre é utilizada quando se pretende subsumir um fato a


uma determinada norma. A linguagem nem sempre assume a forma típica de
um silogismo, em que primeiramente se coloca a premissa maior, depois a
premissa menor e em seguida a conclusão. Por vezes, a dedução é imediata.
Nas petições iniciais, por exemplo, a praxe é narrar os fatos, invocar o Direito
e chegar ao pedido. Em termos lógicos, o que ocorre é a colocação da
premissa menor (fatos), da maior (Direito) e, a partir daí, tira-se a conclusão.
Embora o operador do Direito nem sempre se dê conta de que se trata de um
raciocínio dedutivo, é isso que ocorre. Analisando-se o texto de uma petição
inicial, é possível encontrar cada elemento do silogismo: as proposições, com

422
Estudos de filosofia do direito, p. 17/18.
423
Ibid., p. 23/24.
424
Filosofia do direito, p. 327.

140
seus termos (sujeito, predicado e médio), ou seja, a premissa maior, a
premissa menor e a conclusão.

A indução também está sempre presente no discurso jurídico. Fatos


particulares são considerados para se tirar uma conclusão mais geral, embora,
como exposto, esta forma de raciocínio leve a uma conclusão apenas
provável, ou seja, há um grau maior ou menor de probabilidade, nunca uma
certeza absoluta. Até por isso, necessário se faz que sejam considerados
outros elementos e utilizados outros métodos.

A intuição não pode, tampouco, ser utilizada de forma isolada; isso pelo
menos de modo geral425, pois as decisões judiciais precisam ser
fundamentadas e o discurso científico exige a demonstração.

O que se verifica, portanto, é que cada um dos métodos usuais de


interpretação e aplicação do Direito tem sua importância e atua interagindo
com os demais. Está presente, pois, o caráter de adequação e
complementaridade.

425
Exceção à regra da exigência de fundamentação é a decisão dos jurados no julgamento do Tribunal do
Júri. Há casos em que o juiz tem contato direto com o objeto de prova como, por exemplo, em crime de
moeda falsa, em que ele próprio olha o dinheiro e constata a falsidade. Porém, neste caso, ao decidir, o fará
de forma discursiva, utilizando os métodos da dedução e/ou indução.

141
5. CONCLUSÃO

Atendo-nos à prevalência, ainda hoje, de métodos e fundamentos


elaborados pela ciência jurídica no século XIX, podemos apontar, em resumo,
a persistência dos seguintes posicionamentos teóricos:

1. A Lógica é ciência e arte ao mesmo tempo. Ciência enquanto trata


dos estudos relativos às operações intelectuais; arte quando se refere às regras
para a condução de tais operações.

2. A verdade é a relação de conformidade entre o que se pensa e o que


é. Há o objeto, a inteligência e a referida relação. O que existe é
“ontologicamente” verdadeiro; a verdade “lógica” é a dos conhecimentos. O
erro é o oposto desta última; a falsidade o é da primeira.

3. Sofismas ou falácias são raciocínios que parecem verdadeiros, mas


não são. Podem ser intencionais ou não. É preciso evitar os equívocos de
linguagem ou de termos ou, ainda, as chamadas falácias de “ignorância do
assunto” ou “ignoratio elenchi” e de “petição de princípio” ou “petitio
principii”. Filósofos e cientistas devem estar atentos para evitar este tipo de
raciocínio.

4. Pela dedução, parte-se de uma proposição geral para se chegar a uma


conclusão particular. Isso se realiza independentemente de qualquer
experiência.

5. Idéia, noção ou conceito é aquilo que representa a verdade de um


determinado objeto. Quando se expressa em palavras, constitui o termo.

6. O juízo se compõe de três elementos: sujeito, atributo ou predicado e


cópula ou liame, unindo o primeiro ao segundo. A preposição é o enunciado
ou a expressão do juízo. Quanto à quantidade, a proposição é geral ou
particular; sendo a singular equiparada à geral. Quanto à qualidade, pode ser
afirmativa ou negativa. Quanto à distribuição, observa-se o seguinte: a) toma-
se o predicado em toda sua compreensão, mas não em toda a extensão, sendo
a proposição afirmativa; b) se a proposição for negativa, ocorre o contrário.
Na definição, exprime-se a identidade total entre sujeito e predicado. As
proposições podem ser hipotéticas ou modais: as primeiras afirmam ou negam
em determinada hipótese; as segundas enunciam a afirmação e o seu modo.

7. Proposições podem ser verdadeiras ou falsas. Havendo functores,


que transformam e vinculam os enunciados entre si, surgem os functores
enunciativos, que têm valor de verdade que depende do valor dos enunciados.

142
8. A linguagem tem diferentes usos, sendo básicos os seguintes:
informativo, expressivo e diretivo. Enunciados e raciocínios podem ser
expressos por símbolos.

9. O raciocínio é composto por juízos. O argumento é um conjunto de


proposições. Enquanto estas são verdadeiras ou falsas, aquele é válido ou
inválido. Sólido é o argumento válido, no qual todas as premissas são
verdadeiras. O argumento dedutivo é válido quando, sendo verdadeiras as
premissas, a conclusão também o é.

10. O silogismo é uma espécie de raciocínio dedutivo, composto de três


proposições, sendo a última a conclusão, na qual o sujeito é termo menor, e o
predicado, o maior. A premissa maior contém o termo maior; a menor, o
termo menor. A validade do silogismo depende de sua forma. Há silogismos
que são irregulares, em razão de modificação, simplificação ou
desenvolvimento de maneira diferente. Os principais são: o entimema, o
epiquerema, o polissilogismo, o sorites e o dilema.

11. A dedução pode ser imediata quando se extrai a conclusão a partir


de uma única premissa. Isso se realiza por: oposição, conversão, obversão e
contraposição.

12. Na indução, parte-se de várias proposições particulares para se


chegar a uma geral. É preciso um número suficiente de casos. A verdade é
estabelecida como provável.

13. O raciocínio analógico se funda na relação de semelhança entre


objetos. As conclusões se estabelecem com maior ou menor probabilidade.
Isso depende da relevância das semelhanças. Trata-se de uma das formas de
indução incompleta. Podem existir outras espécies de raciocínio indutivo.

14. No âmbito do raciocínio indutivo, são conhecidos os cinco métodos


de John Stuart Mill: método de concordância, método de diferença, método
conjunto de concordância e diferença, método de resíduos e método de
variação concomitante. Estes se basearam nos de Francis Bacon. As críticas,
que são feitas aos métodos de Mill são a de que não realizam o que ele e
Bacon esperavam e a de que não são uma explicação adequada e completa do
método científico. Referidos métodos são indispensáveis, embora as
pretensões tenham sido excessivas.

15. A intuição é a aquisição de conhecimento de forma direta. A


intuição sensível é a percepção de algo pelos sentidos; é a base do

143
conhecimento empírico. A intuição espiritual é a projeção direta do espírito
sobre o objeto e pode ser de três espécies: intelectual, emotiva e volitiva. A
primeira capta o objeto em sua essência, a segundo capta o seu valor, a
terceira leva à sua existência.

16. Henri Bergson tratou o tema da intuição com profundidade e a


considerava como único método a ser utilizado pela teoria do conhecimento.
Para Dilthey, somente pela intuição volitiva se aprofunda a investigação
cognoscitiva. Com Husserl, se retoma a linha da intuição existencial volitiva
ou intuição eidética.

17. Para Rizzato Nunes, a intuição não é exprimível em palavras. A


intuição fundamental de Bergson pode ser de três espécies: de
reconhecimento atento, de resistência e heurística.

18. Para o racionalismo, o conhecimento tem origem exclusiva na


razão. O racionalismo, levando em conta os conhecimentos “a priori”, utiliza
o método dedutivo.

19. Para o empirismo, o conhecimento é adquirido pela experiência


externa ou interna. A indução é o método dos empiristas. Valoriza-se a
observação e a aplicação prática.

20. Pedro Lessa considerava científico o conhecimento obtido pelo


método indutivo. Este autor foi criticado por Miguel Reale. Os neo-empiristas
combinam indução e dedução.

21. Não se pode confundir a norma, que trata de algo que “deve ser”,
enquanto linguagem, com o Direito enquanto “ser”, ou seja, tratado na
metalinguagem, como ocorre na ciência jurídica. As normas têm conteúdo
axiológico; o que não afasta a aplicação do método indutivo. Há autores que
defendem a idéia de que o conhecimento é adquirido pela inteligência e pela
experiência em conjunto.

22. A axiologia trata dos valores, aos quais se chega pela intuição. A
axiologia jurídica trata dos valores que integram a ordem jurídica. Os valores
são o que dá sentido à ação humana, aquilo que exige uma tomada de posição.
Podem ser positivos ou negativos, há uma hierarquia entre eles, são relativos e
correspondem às necessidades humanas.

23. Os valores resultam da relação que os homens estabelecem entre si


e com o mundo. A descoberta dos valores é a descoberta do que convém à
sobrevivência e à busca da felicidade. Os valores se constatam pela intuição.

144
Implicam a gênese de princípios e normas e atuam em sua interpretação e
aplicação.

24. O fenômeno dos valores se dá na sociedade e se inter-relaciona com


a cultura. A norma surge para satisfazer uma necessidade social em um
determinado momento histórico. O ser humano transforma a natureza e a si
próprio; nasce em determinada cultura, a absorve, modifica e transmite.

25. O ser humano é o valor-fonte, pois tem consciência da própria valia


e outros valores se revelam para completá-lo e garanti-lo. Ele inova e supera.

26. A Justiça é valor fundamental. É princípio informador para o


legislador e para o aplicador do Direito. É o equilíbrio entre direitos que
coexistem na sociedade. Estão presentes as noções de igualdade e de
alteridade.

27. A Justiça se classifica em comutativa, distributiva, legal ou geral e


social.

28. A eqüidade é uma espécie de Justiça e, de certa forma, a supera.


Está relacionada à idéia de flexibilidade e adaptação. É a Justiça do caso
concreto. Influi também no momento da elaboração da lei. As espécies de
eqüidade podem ser: legal ou judicial, sendo esta última dividida em civil,
natural e cerebrina.

29. A lei injusta viola o próprio sistema normativo; deve-se deixar


prevalecer a índole geral do sistema. A resistência à lei somente é admissível
em caso de injustiça gravíssima e se não provocar dano ainda maior à
sociedade.

30. A Justiça pode ter outras concepções.

31. A idéia de Justiça engloba a de bem comum que, para alguns, é a


finalidade do Direito.

32. A Ética tem, como objeto, a Moral. Ela explica as normas de


comportamento, sistematizando-as.

33. A Lógica Jurídica é a aplicação da Lógica como instrumento do


Direito. A norma jurídica é prescritiva; a proposição jurídica, enquanto parte
da linguagem da Ciência do Direito, é descritiva. As normas são válidas ou
inválidas; as proposições, verdadeiras ou falsas.

145
34. A dedução é utilizada como método de interpretação e aplicação do
Direito. A norma jurídica é a premissa maior; o fato está na premissa menor; a
conclusão é a aplicação da norma ao fato.

35. O método dedutivo é utilizado no momento da criação da norma,


nos estudos, pesquisas, pareceres e demais trabalhos jurídicos, ao se
proferirem as decisões judiciais e ao se estabelecer a jurisprudência, ao se
aplicar o costume e a analogia jurídicos. Ao se admitir a existência de um
Direito Natural, aplica-se a dedução para se chegar aos princípios. Como
ponto de partida, servem eles para a elaboração das normas e para o
suprimento de lacunas ou, ainda, como norte para o aplicador da norma. Neste
caso, também se aplica o método dedutivo.

36. O método indutivo, de forma geral, também se utiliza da mesma


maneira, inclusive para a criação da norma e para a verificação de sua
eficácia. No caso da analogia e do costume jurídicos, se utiliza no seu
estabelecimento. Os princípios jurídicos se constatam por meio da indução, a
partir das normas jurídicas ou dos valores.

37. A intuição é aplicada pelos operadores do Direito. Seu estudo,


entretanto, não é ainda tão desenvolvido quanto o dos métodos discursivos. O
operador do direito, ao conhecer fatos e coisas pelos sentidos, utiliza a
intuição. Intui valores, especialmente o da Justiça, e o caminho para a sua
realização.

38. O intuicionismo tem limites. Exceto quando as evidências se


impõem, o elemento intuitivo deve ser completado pelo racional. Um só
método, portanto, não é suficiente. Na sentença, está presente a dedução, mas
ela não pode ser reduzida a um silogismo frio. Há sempre uma tomada de
posição.

39. Os três métodos são adequados e são utilizados pelos operadores do


Direito. Nenhum deles pode ser utilizado com exclusividade. Não se pode
impor a exclusão de nenhum.

40. Os métodos usuais de aplicação e interpretação do Direito têm um


caráter de complementaridade, pois há uma necessária interação entre eles.

146
APÊNDICE

1. FIGURAS RELATIVAS AO CAPÍTULO 1 – ITENS 1.2.4.1 E 1.2.5.1

2. CONSTITUIÇÃO FEDERAL – SEÇÃO RELATIVA À EDUCAÇÃO

3. LEI Nº 9.394, DE 20 DE DEZEMBRO DE 1996 – TÍTULOS II E III

4. SENTENÇAS

5. APELAÇÃO CÍVEL – TRF DA 1ª REGIÃO – COSTUME JURÍDICO

6. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA – STJ –


ANALOGIA JURÍDICA

7. RECURSO ESPECIAL – STJ – “PRINCÍPIOS MAIORES” E FINS


SOCIAIS

8. AGRAVO DE INSTRUMENTO – TRF DA 3ª REGIÃO – PRINCÍPIO


DA PROPORCIONALIDADE

9. APELAÇÃO CÍVEL – TRF DA 3ª REGIÃO – PRINCÍPIO DA


RAZOABILIDADE

10. LAUDO PERICIAL EM AÇÃO DE DESAPROPRIAÇÃO

11. ARTIGOS: “ELLEN GRACIE DEFENDE CAUTELA NA DISCUSSÃO


DE PROJETOS SOBRE VIOLÊNCIA” E “STJ – O TRIBUNAL DA
CIDADANIA”

147
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1. FIGURAS RELATIVAS AO CAPÍTULO 1 - ITENS 1.2.4.1 E 1.2.5.1
"
r"' 2. CONSTITUIÇÃO FEDERAL - SEÇÃO RELATIVA À EDUCAÇÃO
~ 3. LEI N° 9.394, DE 20 DE DEZEMBRO DE 1996 - TÍTULOS II E lU
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4. SENTENÇAS

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5. APELAÇÃO CÍVEL - TRF DA 1a REGIÃO - COSTUME JURÍDICO
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~ 6. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA - STJ -


ANALOGIA JURÍDICA
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SOCIAIS

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8. AGRAVO DE INSTRUMENTO - TRF DA 3a REGIÃO - PRINCÍPIO
f DA PROPORCIONALIDADE
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9. APELAÇÃO CÍVEL - TRF DA 3a REGIÃO - PRINCÍPIO DA


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RAZOABILIDADE
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r- 10. LAUDO PERICIAL EM AÇÃO DE DESAPROPRIAÇÃO


r-
11. ARTIGOS: "ELLEN GRACIE DEFENDE CAUTELA NA DISCUSSÃO
r' DE PROJETOS SOBRE VIOLÊNCIA" E "STJ - O TRIBUNAL DA
~ CIDADANIA"
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CAPÍTULO 1 - ITENS 1.2.4.1 E 1.2.5.1

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FIGURAS
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Primeira Segunda Terceira Quarta
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CONSTnnnçÃOFEDERAL
TÍTULO vm - DA ORDEM SOCIAL
CAPÍTULo fiI - DA EDUCAÇÃO, DA CULTURA E DO DESPORTO
Seção I - DA EDUCAÇÃO
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Arts. 205 a 208 148


r-
o A Lei n. 9.424, de 24-12-1996, dispõe sobre o fundo de rrwnutenção e tksenvolvimento e de
....... valoriztzção do magistério.
o Salário-educação: Lei n. 9.766, de 18-12-1998.
o Promoção gratuira da educação através de organizações da sociedade civil de interesse
público: Lei n. 9.790, de 23-3-1999.
o A Resolução n. 2, de 19-4-1999, do Ministério da Educação, institui diretrizes curriculans
nacionais para a formação de docentes da educação infantil e dos anos inicWs do. ensino
fundamen1al, em nível médio. na moda/.idaJ:k normaL
,-.. o A Lei n.10.558, de 13-11-2002 regulamenradapelo Decreton. 4.876, de 12-11-2003, cria o
Programa Diversidade na Universidade, e dá oUtras providências.

Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será


promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desen-
volvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação
para o trabalho.
Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:
I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;
11-liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte
e o saber;
"
m - pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas, e coexistência de
instituições públicas e privadas de ensino;
IV - gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais;
V - valorização dos profissionais do ensino, garantidos, na forma da lei, pla-
nos de carreira para o magistépo público, com piso salarial profissional e ingresso
exclusivamente por concurso público de provas e títulos;
. lnciso V com redação dado. pela Emenda Constitucional n. 19, de 4-6-1998.

VI - gestão democrática do ensino público, na forma da lei;


VII - garantia de padrão de qualidade.
Art. 207. As universidades gozam. de autonomia didático-científica, adminis-
trativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio de
indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão.
r o O Decreto n. 3.860. de 9-7-2001, dispõe sobre a organiwção do ensino superior, ""v"U,,-
ção de cursos e instituições, e dá outras providências.

§ 12É facultado às lUlÍversidades admitir professores, técnicos e cientistas es-


trangeiros, na forma da lei.
'"""'
o § 1Racrescentado pela Emenda Constitucional n. 11, de 30-4-1996.

§ 29.O disposto neste artigo aplica-se às instituições de pesquisa científica e


tecnológica.
---- . § 2R acrescenrado pela Emenda Constitucional n. 11, de 30-4-1996.

Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garan-
,.....
tia de:
I - ensino fundamental obrigatório e gratuito, assegurada, inclusive, sua ofer-
ta gratuita para todos os que a ele não tiveram acesso na idade própria;
r- o lnciso I com redação dado. pela Emenda Constitucional n. 14, de 12-9-1996.
11- progressiva universalização do ensino médio gratuito;

"'.
149
r,
".~
"I

f(
,.... ...
149 Ans. 208 a 211
~.
t~ . Inciso li com reda.ção dada pela Emenda. ConsrituciClUlI n. 14. de 12-9-1996.

m - atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência,


preferencialmente na rede regular de ensino;
,..... . A Lei n. 10.845. de 5-3-2004. institui o Programa de Complementação ao Atendimento
Educacional Especializado às Pessoas Portadoras de Dejiciência - PAED. em cumprimen-
jk' to ao disposto neSte inciso.

I{
i?'
. A Lei n. 7.853. de 24-10-1989.
lida. as nomuIS de proteção
regulamenratiapelo
à pessoa portada.ra
Decreto
de deficiência.
n. 3.298. de 20-12-1999. conso-

.... f;f';:'
Ir' . Convenção Interamericana para aEliminação de todas as Formas de Discriminação contra
:J: as Pessoas Portada.ras de Dejicibtcia: Decreto n. 3.956. de 8-10-2001.
-- ~..'; . . . Ungua Brasileira de Sinais -
liBRAS: Lei n. 10.436. de 24-4-2002 (meio legal de comuni-
ir cação e expressão de comunidades de pessoas surdas).
.....
IV - atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a seis anos de
idade;
V - acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artís-
......
i tica, segundo a capacidade de cada um;
VI - oferta de ensino noturno regular, adequado às condições do educando;
,.... -
vn atendimento ao educando, no ensino fundamental, através de programas
~.' Suplementares de material didático-escolar, transporte, alimentação e assistência à
(.-. saúde.
r
.;
"~o. . A Medida Provis6ria n. 2.178-36. de 24-8-2001. dispõe sobre o repasse de recursosfinan-
~:. ceiros do Programa Nacional de Alimentação Escolar e institui o Programa Dinheiro Dire-
\'... to na Escola.

r," § 12O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo.


~i" § 22O não-oferecimento do ensino obrigatório pelo Poder Público, ou sua ofer-
f; ta ilregular, importa responsabilidade da ~toridade competente.
.~:.
,- . § 3!!Compete ao Poder Público recensear os educandos no ensino fundamental,
L.
'., fazer-lhes a chamada e zelar, junto aos pais ou responsáveis, pela freqüência à escola.
Art. 209. O ensino é livre à iniciativa privada, atendidas as seguintes condições:
I -cumprimento das normas gerais da educação nacional;
, TI-;- autorização e avaliação de qualidade pelo Poder Público.
Art. 210. Serão fixados conteúdos mínimos para o ensino fundamental, de ma-
rieira a assegurar formação básica comum e respeito aos valores culturais e artísti- ."
..... ';." cos, nacionais e regionais. .
§ l2 O ensino religioso, de matrícula facultativa, constituirá disciplina dos ho- "

,....
'. "---~-j.. rários normais das escolas públicas de ensino fundamental.
..'
. § 2!!O ensinofundamentalregularseráministradoem línguaportuguesa,asse-
;~y . gorada às comunidades indígenas também a utilização de suas línguas maternas e tnn-
;'i..
ie~ . processos próprios de aprendizagem.
~x.. Art. 211.A União,os Estados,o DistritoFederal e os Municípiosorganizarão
i
\F
" em regime de colaboração seus sistemas de ensino. I
1
~';":
', . Vidcart.60e §§ doADCT.
;!
t: § lI!A União organizará Osistema federal de ensino e o dos Territórios, finan- i
;:X . . "ciaráas instituições de ensino públicas federais e exercerá., em matéria educacipnal, t
"I
ifi;~: - -- -- ------.. .;

150.
Localização do texto integral Página 1 de 23

ADVERTÊNCIA
Informamos que os textos das normas deste sítio são digitados ou digitalizados, não sendo, portanto, "textos
.-. oficiais". São reproduções digitais de textos originais, publicados sem atualização ou consolidação, úteis apenas para
pesquisa,
m ~---~ ~..m_"__" m m ,_..m..",--", ",..'"""''' m..

,....

Senado Federal
Subsecretaria de Informações

.-.,

LEI N° 9.394, DE 20 DE DEZEMBRO DE 1996.

'"' Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional,

o PRESIDENTE DA REPÚBLICA,faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a


"'" seguinte lei:

TíTULO I
.-

.-.

DA EDUCAÇÃO

Art. 10 A educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na


convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e
organizações da sociedade civile nas manifestações culturais.

§ 10 Esta lei disciplina a educação escolar, que se desenvolve, predominantemente, por meio do
.-. ensino, em instituições próprias.

".... § 20 A educação escolar deverá vincular-se ao mundo do trabalho e a prática social.

,...

TíTULO 11

""'

,.. DOS PRINCíPIOS E FINS DA EDUCAÇÃO NACIONAL


r- Art. 20A educação, dever da famllia e do Estado, inspirada nos princlpios de liberdade e nos ideais
de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para
o exerclcio da cidadania e sua qualificação para o trabalho,
..-.
Art. 30 O ensino será ministrado com base nos seguintes princlpios:

-
I igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;

,-.. 11 -liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgara cultura, o pensamento, a arte e o saber;
r- 111 - pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas;

"'"'

151

http://www6.senado.gov.brllegislacao/ListaPublicacoes.action?id= 10248 O 28/08/2007


r-
Localização do texto integral Página 2 de 23
,-
-
IV respeito à liberdade e apreço à tolerância;

-
V coexistência de instituições públicas e privadas de ensino;

-
VI gratuidade do ensino públicoem estabelecimentos oficiais;

.... VII - valorização do profissional da educação escolar;

~ VIII - gestão democrática do ensino público, na forma desta Lei e da legislação dos sistemas de
ensino;

-
IX garantia de padrão de qualidade;

X - valorização da experiência extra-escolar;

XI- vinculação entre a educação escolar, o trabalho e as práticas sociais.


....

.......
TíTULO 111

"" DO DIREITOÀ EDUCAÇÃO E DO DEVER DE EDUCAR

Art. 4° O dever do Estado com educação escolar pública será efetivado mediante a garantia de:
...
I - ensino fundamental, obrigatório e gratuito, inclusive para os que a ele não tiveram acesso na
idade própria;
,.. 11- progressiva extensão da obrigatoriedade e gratuidade ao ensino médio;

111 - atendimento educacional especializado gratuito aos educandos com necessidades especiais,
preferencialmente na rede regular de ensino;

~ IV- atendimento gratuito em creches e pré-escolas às crianças de zero a seis anos de idade;

V - acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a
~
capacidade de cada um;

,.... VI - oferta de ensino noturno regular, adequado às condições do educando;

-
VII oferta de educação escolar regular para jovens e adultos. com características e modalidades
adequadas às suas necessidades e disponibilidades, garantindo-se aos que forem trabalhadores as
""
condições de acesso e permanência na escola;
.-.
VIII -
atendimento ao educando, no ensino fundamental público. por meio de programas
'" suplementares de material didático-escolar, transporte. alimentação e assistência à saúde;

..... -
IX padrões mínimos de qualidade de ensino, definidos como a variedade e quantidade mínimas,
por aluno, de insumos indispensáveis ao desenvolvimento do processo de ensino-aprendizagem.

Art. 5° O acesso ao ensino fundamental é direito público subjetivo. podendo qualquer cidadão,
grupo de cidadãos, associação comunitária, organização sindical. entidade de dasse ou outra
legalmente constituída, e, ainda, o MinistérioPúblico, acionar o Poder Público para exigi-Io.

"... § 1° Compete aos Estados e aos Municípios, em regime de colaboração, e com a assistência da
União:

152
http://www6.senado.gov.br/legislacao/ListaPublicacoes.action?id=102480 28/08/2007
Localização do texto integral Página 3 de 23
,-.
""
-
I recensear a população em idade escolar para o ensino fundamental, e os jovens e adultos que a
.- ele não tiveram acesso;

11 - fazer-Ihes a chamada pública;

111 - zelar, junto aos pais ou responsáveis, pela freqüência a escola.

§ 2° Em todas as esferas administrativas, o Poder Público assegurará em primeiro lugar o acesso ao


~ ensino obrigatório, nos termos deste artigo, contemplando em seguida os demais níveis e modalidades
de ensino, conforme as prioridades constitucionais e legais.

§ 3° Qualquer das partes mencionadas no caput deste artigo tem legitimidade para peticionar no
Poder Judiciário, na hipótese do § 2° do art. 208 da Constituição Federal, sendo gratuita e de rito
sumário a ação judicial correspondente.
.-
,.... § 4° Comprovada a negligência da autoridade competente para garantir o oferecimento do ensino
obrigatório, poderá ela ser imputada por crime de responsabilidade.
~
§ 5° Para garantir o cumprimento da obrigatoriedade de ensino, o Poder Público criará formas
-- alternativas de acesso aos diferentes níveis de ensino, independentemente da escolarização anterior.

Art. 6° É dever dos pais ou responsáveis efetuar a matrícula dos menores, a partir dos sete anos de
idade, no ensino fundamental.

-- Art. 7° O ensino é livreà iniciativaprivada, atendidas as seguintes condições:

I - cumprimento das normas gerais da educação nacional e do respectivo sistema de ensino;

11 - autorização de funcionamento e avaliação de qualidade pelo Poder Público;


.....
111-capacidade de autofinanciamento, ressalvado o previsto no art. 213 da Constituição Federal.

TíTULO IV
'"'

,...,
DA ORGANIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO NACIONAL
,...

Art. 8° A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios organizarão, em regime de


colaboração, os respectivos sistemas de ensino.

§ 1° Caberá à União a coordenação da polltica nacional de educação, articulando os diferentes


níveis e sistemas e exercendo função normativa, redistributiva e supletiva em relação as demais
instâncias educacionais.
...
§ 2° Os sistemas de ensino terão liberdade de organização nos termos desta Lei.
'"'

Art. 9° A União incumbir-se-á de:

,..., I - elaborar o Plano Nacional de Educação, em colaboração com os Estados, o Distrito Federal e os
Municípios;
""'

..... 11 - organizar, manter e desenvolver os órgãos e instituições oficiais do sistema federal de ensino e o
dos Territórios;
""'
111- prestar assistência técnica e financeira aos Estados,ao DistritoFederal e aos Municípios para o
desenvolvimento de seus sistemas de ensino e o atendimento prioritário à escolaridade obrigatória,
exercendo sua função redistributiva e supletiva;
,

153
http://www6.senado.gov.br/legislacao/ListaPublicacoes.action?id= 102480 28/08/2007
-.
PODERJUDICIARIO
JUSTiÇA FEDERAL

..... Processo n° 97.0100186-9


Ação Criminal
Autora: Justiça Pública
"'" Réu: Reinhard Ingolf Brunnenberg
18 Vara Criminal em São Paulo

'"'

--
Vistos, etc.

.....

- o Ministério Público Federal ofereceu denúncia


contraReinhard Ingolf Brunnenberg, qualificadonos autos, à fi. 24, por infração

- ao artigo 12,c.c. o artigo 18, inciso I, da Lei n° 6.368/76.

Diz a denúncia que o acusado foi surpreendido,


por volta das 23,00 horas, em 18.12.96, nas proximidades de um hotel na Rua
..-
Fradique Coutinho, transportando cocaína acondicionada em dois embrulhos de
-- papelão, vedados com fita adesiva, perfazendo um peso total de aproximadamente
-- 2.970 gramas; sendo que a droga foi encontrada em dois compartimentos
semelhantes a "fundos falsos". A detenção do acusado ocorreu quando o mesmo,
portando tal mala, pretendia ir para o Rio de Janeiro e, de lá, para o exterior.
"'1) A denúncia foi recebida em 20.01.97 (fI. 59).

Citado (fI. 88), o acusado foi interrogado (fls.


98/101). Apresentou defesa prévia (fi. 164), sem arrolar testemunhas.

- Na instrução criminal,
testemunhas arroladas pela acusação (fls. 141/147).
foram ouvidas duas

Em alegações finais, o Ministério Público Federal


.... requereu a condenação do acusado nos moldes da denúncia (fls. 151/154). Por
.....
sua vez, a defesa apresentou alegações finais (fls. 169/172), requerendo a
absolvição. Afirma que houve irregularidades e que os depoimentos são frágeis e
contraditórios, inexistindo prova robusta contra o acusado. Argumenta que a
autoria não restou provada.

"""' Não constam antecedentes (fi. 74).


.-
~
.-. .I 1
..- 154 '-"-
0.015
--
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PODER JUDICIARIO
""""
JUSTiÇA FEDERAL

É O RELArÓRIO.
~

DECIDO.

- Preliminarmente, observo que não houve o


despacho saneador, do artigo 23, da Lei n° 6.368/76. Entretanto, não tendo
-- ocorrido prejuízo às partes, não há qualquer nulidade a ser reconhecida.
-..
No mérito, o pedido constante da inicial
-- acusatória é procedente.

- o material apreendido em poder do acusado (fI.


19) foi submetido às análises químicas e cromatográficas (fI. 92), constatando-se
ser cocaína, substância entorpecente, que causa dependência física e psíquica
....
em seus usuários, estando incluída na Portaria n° 28, de 13 de novembro de 1.986,
da DIMED/MS, fazendo parte da Lista de Substâncias Entorpecentes e
-. Psicotrópicas de Uso Proscrito no Brasil.

Levando em conta a grande quantidade da


substância, 2.086,3 g (dois mil e oitenta e seis gram'as e três decigramas), tenho
que a cocaína apreendida se destinava ao consumo de terceiros e não a uso
próprio do acusado. Além disso, o próprio acusado, interrogado em Juízo (fls.

-
.-
'"
98/101), afirmou que não é viciado.

o acusado, quando foi abordado pela polícia, na


Rua Fradique Coutinho, nesta capital, tinha consigo uma mala, que era constituída
....
de laterais falsas semelhantes a "fundos falsos", onde foi encontrada a cocaína,
acondicionada em dois pacotes. Sua conduta se subsume a um dos núcleos do
."', tipo, contidos no "capuf', do artigo 12, da Lei n° 6.368/76, ou seja, "transportar".
- A defesa, alegando que houve irregularidades e
que os depoimentos são frágeis, afirma que a autoria não restou comprovada.
-- Entretanto, a substância entorpecente foi apreendida em poder do acusado.
Segundo a testemunha Aguinaldo Giabardo (fI. 142), "o acusado saiu do hotel com
"'"" uma mala de cor bege, e dirigia-se ao táxi com a mesma no momento em que foi
abordado...". A outra testemunha, Roberto Alonso (fI. 146), diz que "o réu, no
.... entanto, deixou o hotel com uma mala de cor bege onde, posteriormente, foi
.... encontrada a substância entorpecente". Pela defesa não foi provada a ocorrência
de qualquer irregularidade que pudesse levar a convencimento contrário.
.....
Quanto à autoria e ao elemento subjetivo, levo em
.......
conta, também, o que segue.
.......
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- 0.015
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""

"""

PODER JUDICIARIO
.....
JUSTiÇA FEDERAL
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,...

..-- Segundo o depoimento da testemunha Aguinaldo


Giabardo (fls. 141/143), o mesmo e seu colega, a partir de telefonema anônimo,
"""' dirigiram-se à Rua Fradique Coutinho, nesta capital, e ficaram observando as
saídas do acusado do hotel. Foi visto o acusado saindo algumas vezes só e outras
'"'"'
vezes acompanhado de uma moça. Por volta das 23,00 horas, a moça tomou um
,... táxi e o parou em frente ao hotel, "saindo em seguida o réu do mesmo hotel e
caminhando em direção ao táxi, que se encontrava do outro lado da rua".
"'"'

... Disse, ainda, que "a referida moça não portava


nenhuma mala, sendo que o acusado saiu do hotel com uma mala de cor bege, e
,... dirigia-se ao táxi com a mesma no momento em que foi abordado pelo depoente e
seu colega".
,-.
~ Narrou que "conduziu o réu ao saguão do hotel,
para onde levou a mala, convidando o motorista do táxi para presenciar a abertura
.....
da mesma". A abertura da mala foi presenciada por tal motorista, pela moça e pelo
..... próprio acusado. Foram encontrados os dois pacotes com substância entorpecente
em laterais falsas da mala. Havia, também, na mala, roupas e objetos de uso
.- pessoal do acusado, além de um telefone celular e um telefone marca "Rolex". A
~
moça disse que se tratava de "garota de programa", que havia recebido R$ 150,00
para ficar com o acusado. Encontrou-se em poder do acusado passagem
- rodoviária, para o Rio de Janeiro, e passagem aérea, para o dia seguinte, com
saída do Rio de Janeiro e escalas em São Paulo e Bruxelas, com destino a Viena.
,...
- Conta que o acusado disse que a moça era uma
- "garota de programa" e iria com o mesmo até a estação rodoviária. Observe-se:
apenas até a rodoviária e não até o Rio de Janeiro, como pretendeu fazer crer o
""' acusado em seu interrogatório (fi. 99).

r
Em sintonia com o depoimento de Aguinaldo, está
o de Roberto Alonso (fls. 145/147). Em razão de um telefonema anônimo, dirigiu-se
..- a hotel em questão. Afirmou que uma moça saiu do hotel e voltou com um táxi,
parando defronte ao mesmo, e que "o réu deixou o hotel e dirigia-se ao táxi quando
--
foi abordado pelo depoente e por seu colega'~

Contou que "a moça não portava qualquer mala


" quando deixou o hotel em busca do táxi, sendo que o réu, no entanto, deixou o
hotel com uma mala de cor bege onde, posteriormente, foi encontrada a substância

-......

""
entorpecente". Disse que a mala foi aberta na rua, na presença do acusado, da
moça e de um funcionário do hotel, e que, após, a mala, o acusado e a moça foram
levados para o interior do hotel, realizando-se revista mais minuciosa na mala e no

--
--.
"'"'
quarto utilizado pelo acusado. ct
li
.....
3
--- 156
0.015
,...
'"'

.....

..... PODERJUDICIARIO
JUSTiÇA FEDERAL
"'"

Narrou que "a substância entorpecente estava


acondicionada em 02 pacotes escondidos atrás da costura das laterais da mala", e
que tal mala continha também roupas do acusado. A moça dissera ser "garota de
programa" e haver recebido R$ 150,00 para passar o dia com o acusado e
acompanhá-Ia até a estação rodoviária. Antes de vir ao Brasil, o acusado havia
passado pela Itália, onde recebera US$ 1.000,00, sendo que o restante seria
- entregue no destino.

Restaram isoladas, pois, as afirmações do


acusado, no sentido de que veio a São Paulo a turismo, tendo juntado dinheiro
..... para fazer uma viagem com a qual tanto sonhou.
--
De acordo com que se pôde observar, pelos
depoimentos transcritos e pelo restante do conjunto probatõrio, Cristiane Lemos de
Souza era realmente apenas uma "garota de programa", que manteve, com o
acusado, relações sexuais e o acompanharia até a estação rodoviária.

Aliás, o comportamento do acusado foi o mesmo


de outros estrangeiros, que vêm ao Brasil por iguais razões. Chegam a São Paulo
e vão às boates e, quando não conseguem uma "namorada", contratam uma
"garota de programa". .

,
É mentirosa a afirmação do acusado quando diz
que a mala em questão pertencia a Cristiane. Conforme bem lembrado pelo

- Ministério Público Federal, nenhuma prostituta faz um programa de um dia levando


~

consigo uma mala. Aliás, o que havia dentro da mala, além da cocaína, eram os
objetos pessoais do acusado!

Observa-se, também, que o acusado alegou estar


portando uma mochila. Porém, não consta do auto de exibição e apreensão (fls.
19/20) que tenha sido apreendida qualquer mochila.

As afirmações do acusado, em seu interrogatório


.... em Juízo, chegam a ser ingênuas. Ao mesmo tempo em que diz não ter recebido
ninguém no hotel, "não sabendo se Cristiane recebeu alguém~ afirma que "precisa
,... ser consultado com um médico porque acha que contraiu uma doença venérea
......
com Cristiane..:: Ora, para poder ter contraído doença venérea, teve que ter
relações sexuais com a mesma! Além disso, o fato de ter possivelmente contraído
.... tal doença, é mais um indício de que Cristiane se tratava apenas de mais uma
"garota de programa" "usada" por um estrangeiro.
....

"'" A conclusão a que se chega, também neste caso


que é semelhante a tantos outros, é que o acusado tinha como objetivo da viagem

-
.....

.....

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,.-.
servir de "mula" para o tráfico intemacional.

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- 0.015
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.... PODERJUDICIARIO
JUSTiÇA FEDERAL
,...

,-
, o
caso é de tráfico com o exterior. Assim o
demonstram a procedência estrangeira do acusado e o provável destino da
""'.
cocaína, ou seja, a Europa, conforme o bilhete de passagem aérea que portava.

Logo, é de rigor a condenação do acusado por


""' infração ao artigo 12, "caput", C.c.o artigo 18, inciso I, da Lei n° 6.368/76.

Levando em conta a ausência de antecedentes,


".. fixo a pena base em 03 (três) anos de reclusão.

..... Não há agravantes nem atenuantes a considerar.


,...
Aumento a pena base em 1/3 (um terço) em razão
/"' da majorante prevista no inciso I, do referido artigo 18, da Lei n° 6.368176,ficando
....
a pena definitivamente fixada em 04 (quatro) anos de reclusão.

r-- o acusado cumprirá integralmente a pena


privativa de liberdade em regime fechado, na forma do artigo 2°, § 1°, da Lei n°
--
8.072/90; bem como não poderá apelar em liberdade, de acordo com o artigo 35,
da Lei n° 6.368/76.
1""'

Fixo a pena pecuniária também no mínimo, ou


.... seja, 50 (cinqüenta) dias-multa, que aumento em 1/3 (um terço), diante da causa
de aumento de pena mencionada, totalizando 66 (sessenta e seis) dias-multa, com

-
""". valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente ao tempo dos fatos,
corrigido monetariamente, levando-se em conta a sua condição econômica
desfavorável.
---

- Diante do exposto, julgo PROCEDENTE o pedido


constante da denúncia e, em conseqüência, CONDENO o acusado REINHARD
,.... INGOLF BRUNNENBERG, alemão, nascido em 13.08.75, em Hannover, portador
do passaporte alemão n° L 3222339, à pena definitiva de 04 (quatro) anos de
reclusão, a ser cumprida em regime fechado, e ao pagamento de 66 (sessenta e
--. seis) dias-multa, por infração ao artigo 12, "caput", c.c. o artigo 18, inciso I, da Lei
n° 6.368/76.
,...

~
Recomende-se o acusado na prisão em que se
encontra.

Transitada em julgado esta decisão, lance-se seu


,....
nome no rol dos culpados, bem como se remeta a cocaína apreendida ao órgão
"'" competente do Ministério da Saúde, a fim de se lhe dar a destinação legal.
.-.
Extraia-se cópia integral do processo e oficie-se
"'" ao Excelentíssimo Senhor Ministro da Justiça, para os devidos fins, nos termos do
"""'

,...

,....
artigo 42, da lei n° 6.368J76.
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JUSTiÇA FEDERAL
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Oficie-se às autoridades consulares da Alemanha,
,-..
informando a condenação do acusado, cidadão alemão.
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Custas pelo acusado.


,...
P.R.I.C.
,...

-- São Paulo, 04 de março de 1.997.


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-
PODERJUDICIÁRIO
JUSTIÇA FEDERAL

Processo n° 97.0061128-0
Ação Ordinária
Autor: Restaurante América Alameda Santos Ltda.
Réu: Instituto Nacional do Seguro Social- INSS
.... ta Vara Cível de São .Paulo

--

......

-
,.. Vistos. etc.

-
RESTAURANTE AMÉRICA ALAMEDA SANTOS
LTOA., qualificada na inicial, propõe a presente Ação Ordinária em face do INSS -
-., INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL, objetivando a declaração de
inexistência de obrigação ao recolhimento da contribuição social sobre o \ 3° salário,
relativamente aos fatos geradores que ocorreram a partir de dezembro de 1.997.
--
Alegam ser indevida a exigência, argumentando com
normas constitucionais e legais, bem como com a doutrina e precedentes judiciais.

Acostaram-se à inicial os documentos de fis. 27/53.

-- Indeferiu-se o pedido de antecipação dos efeitos da


tutela (fis. 56/58).
--
-. Na forma do artigo 526, do c.P.C., a autora informou a
interposição de Agravo de Instrumento (fls. 64/S1). Juntaram-se informações da superior
instância (fls. 82/100).

Citado (fl. 63), o rêu apresentou contestação (fis.


101/105).
.......

,- É O RELATÓRIO.
--.. DECIDO.

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....

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....
PODERJUDICIÁRIO
....
.JUSTiÇA FEDERAL

o pedido, constante da inicial, deve ser julgado


improcedente.

-
~

A Constituição Federal estabelece:

.... UArt.195. A seguridade social será finanaada por toda a


- sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei.
mediante recursos provenientes dos orçame"tos da U"ioo.
dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das
-- seguintes contribuições sociais:
-, \ - do empregador, da empresa e da entid3áe 3 el3
equiparada na forma da lei, incidente sobre:
a} a folha de salMos e demais rendimentos do tr3b3lho
,..,
pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física
que lhe preste serviço, mesmo sem víocWO
,... empregaticio;
b} (...)".

Determina o capul do dispositivo aCima que o


--
financiamento da seguridade social será .'nos termos da lei".

Assim, a Lei n° 8.212/91, estabelece.


--
"Art. 28. (...)
§ "fOO décimo-terceiro salário (gratificação natalina) integra o
~ salário-de-contribuição. exceto para o cálculo de benefício,
na forma estabelecida em regulamento".
"

,...

Há, portanto, a previsão constitucional e lega) da


- exigência.Note-se que o texto constitucionalcontém a expressão"a folha de salários e
- demais rendimentos do trabalbo pagos ou creditados, a qualquer título".
,..
- Não é possível, pois, excluir o décimo-terceiro salário
de tal abrangência.
.-
- Mesmo antes da Emenda Constitucio{\al {\o 20, de.
15112/1998, o décimo-terceiro salário (gratificação natalina) já fazia parte do conceito de
.,.. salário e, por conseqüência, já estava abrangido pela norma constitucional.
~
Tanto é que a Súmula.207, do E. Supremo Tribunal
Federal, estabelece:
-, ~Asgratificações habituais, inclusive a de Natal, oonsideram-
se tacitamente convencionadas, integrando o salário".
,..
-.
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L ]61
--
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...... 7~~
PODERJUDICIÁRIO
"" JUSTiÇA FEDERAL
9f!-
""' Tal fato, de a gratificação natalina integrar o sa\ário, fOI
reconhecido pela Egrégia Corte antes mesmo de a Lei n° 4.090/62 ter instituído formalmente
""'
a gratificação.
- Além disso, depois da referida Emenda Constitucional
"... n° 20, o artigo 201, da C. F., teve acrescentado o § 11, com seguintes termos:
-- "§ 11. Os ganhos habituais do empregado, a qualquer título,
~
serão incorporados ao salário para efeito de contribuiçAo
previdenciária e conseqüente repercussAo em benefícios,
n05 casos e na forma da lei".
...
~
Veja-se, ainda, o ensinamento do Professor Amauri
,... Mascaro Nascimento (in "Iniciação ao Direito do Trabalho", LTr, 1994, lia ed., pág. 334)'.

r "O décimo terceiro salário é uma gratificaçao compulsória


por força de lei, tem natureza salarial e é também
,.. denominada grafíficaçlJonatalína".
-"'"'"

Não há dúvida, pois, de que o décimo-terceiro salárÍo


-.
(gratificação natalina) tem natureza salarial e, por conseqüência, sobre o mesmo incide a
... contribuição social.

.....
Diante do exposto e de tudo mai!>que do'l.auto'l.oon'l.ta,
julgo IMPROCEDENTE o pedido constante da inicial. Julgo extinto o processo, com
7"'-
julgamento de mérito, com fundamento no artigo 269, inciso 1, do Código de Processo Civil.
,... ,r Condeno a autora ao pagamento das custa judiciais e de honorários advocatícios, arbitrados
estes em 100.10 (dez por cento) do valor da causa com a devida correção.
""',

/""- P.R.!.

~
,,.io"

.s~ paulo 26 maio 9~ 2.006,. /J --#-.


,... ~/'/l t -( -;;!--e..(G.f::-{Jt:<Ul~ í. ee.~--ct&:~.-( <:.--é~
Marco Au~ .0 de Mello Castrianni
"'" Juiz Federal
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PODERJUDICIÁRIO
JUSTiÇA FEDERAL

-.

.....
Processo n° 2001.61.00.010064-4
Mandado de Segurança
Impetrante: Ashland Resinas Ltda.
~
Impetrado: Superintendente Estadual do IDAMA em São Paulo
Ia Vara Cível de São Paulo
~

......

....

...
"...
Vistos, etc.

,.

~-

....

... , ASHLAND RESINAS LTDA., qualificada na


inicial, impetrou o presente Mandado de Segurança contra ato do
SUPERINTENDENTE ESTADUAL DO INSTITUTO BRASILEIRO DO
MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVÁVEIS -
(DAMA EM SÃO PAULO, objetivando não ser compelida ao recolhimento
da Taxa de Controle e Fiscalizaçã~,Ambiental - TCFA, destinada ao custeio do
IBAMA. . ,

,--

-- Alega que, com o advento da Lei n° 10.165, de


.

,.. 27/12/2000, que deu nova redação à Lei n° 6.938, de 31/08/1981, é contribuinte
da taxa mencionada, criada como fonte de custeio do IBAMA; que o critério
,..
material da hipótese de incidência é o exercício regular do poder de polícia
exercido pela autarquia para controle e fiscalização das atividades
-, potencialmente poluidoras e utilizadoras de recursos naturais; que a taxa se
reveste de inconstitucionalidade; que o fato jurídico, ao contrário do que dispõe
--
a norma, não é o poder de polícia, mas o exercício de atividade econômica; que
,- a intenção da autarquia é auferir receita desvinculada de qualquer atuação
,- específica; que a base de cálculo corresponde a valor fixo que depende do
enquadramento; que o critério material da hipótese de incidência revela
~
natureza jurídica de verdadeiro imposto.
-.
Argumenta que, como imposto, a instituição
deveria ter sido por lei complementar na forma do artigo 154, mciso I, da C.F.

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PODERJUDICIÁRIO
JUSTiÇA, FEDERAL
.....
Alega que a taxa se institui ~o
"-,
contraprestação de um serviço público ou em decorrência do poder de polícia;
que o artigo 78, do CTN, define o que vem a ser o poder de polícia; que o
Poder Público deve realizar a atividade estatal diretamente referida ao
contribuinte, sob pena de se qualificar o tributo como verdadeiro imposto.

Alega que a taxa em questão não remunera


nenhuma ação estatal diretamente referida à impetrante; que a falta desse
vínculo desautoriza a instituição de taxa.

Reafirma que a instituição deveri~ ter sido por


lei complementar.

A~~ga que houve desvirtuamento da base de


cálculo; que se violou o princípio da igualdade tributária, previsto no artigo
150, inciso 11,da C.F.

Argumenta
. com normas legais e
constitucionais, bem como com â: doutrina e a jurisprudência, reiterando as
alegações.

Acostaram-se à inicial os documentos de fis.


18/29. .j ',':-;

Indeferiu-se o pedido de liminar (fis. 32/33).

Prestaram-se informações (fis. 36/39). Alegou-


se, preliminarmente, não caber'Mandado de Segurança contra lei em tese e
faltar pressuposto subjetivo. No mérito, se requereu a denegação da segurança.

A impetrante, na forma do artigo 526, do


C.P.C., comunicou a interposição de Agravo de Instrumento (fis. 42/50).

Manifestou-se o Ministério Público Federal às


fis. 52/55, opinando pela denegação da segurança.
, ;..
Às fis. 59/62, a impetrante requereu autorização
para realização dos depósitos judiciais dos tributos em discussão.

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PODER JUDICIÁRIO

JUSTiÇA FEDERAL
I

Determinou-se que se juntasse a .ide~o do


Agravo de Instrumento (fi. 63). A impetrante informou que o Agravo de
~ Instrumento ainda não tinha sido apreciado, o que ensejou o pedido de
.- depósito, que ensejaria a desistência daquele (fis. 67/69). Decidiu-se aguardar a
desistência para apreciação (fi. 70). A impetrante informou que desistiu do
agravo (fis. 72/73). Autorizou-se o depósito (fi. 74).

Juntaram-se guias de depósito (fis. 75/76, 78,


80/81,86,91/96 e 100/101).
.....

É O,RELATÓRIO.
DECIDO.

,...
Afasto a preliminar, argüída nas informações,
no sentido de que a impetração seria contra lei em tese e que faltaria o
pressuposto subjetivo. O presente mandamus tem caráter preventivo, pois a
impetrante buscou não ser compelida a proceder ao recolhimento da taxa em
questão.

No mérito, o pedido deve ser julgado


improcedente, com a conseqüente denegação da segurança.

A impetrante tentou descaracterizar a natureza


- de taxa do tributo questionado, alegando, em síntese não haver o exercício do
poder de polícia e que nem todo' exercício de poder de polícia dá ensejo a
cobrança de taxa. Ocorre que a natureza jurídica de taxa está devidamente
configurada, e no presente caso a cobrança é possível.

Assim estabelece a Constituição Federal:


MArt.145. A União. os Estados, o Distrito Federal e os
~ Municípiospoderão instituiros seguintes tributos:

-
I impostos;

.... 11 -
taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela
utilização, efetiva ou potencial. de serviços públicos
específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos
a sua disposição;

111 - contribuição de melhoria, decorrente de obras públicas."

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- PODER JUDICIÃRIO
,... JUSTiÇA FEDERAL
--
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A taxa, portanto, pode ser instituída em razão
do exercício do poder de polícia.

A mesma regra se encontra no Código


Tributário Nacional, que assim dispõe:

MArt.77. As taxas cobradas pela União, pelos Estados, pelo


Distrito Federal ou pelos Municfpios, no âmbito de suas
fespectivas atribuições, têm como fato gerador o exercício
regular do poder de policia, ou a utilização. efetiva ou
potencial, de serviço público especifico e divisível.prestado
ao contribuinteou pOstoà sua disposição.

Parágrafo único. A taxa não pode ter base de cálculo ou fato


gerador idênticos aos que correspondam a impôsto..

o mesmo código, em seguida, define o


exercício do poder de polícia:

~Art. .78. Considera-se poder de policia atividade da


.

adminiStração pública que, limitandoou disciplinandodireito.


interêsse, ou liberdade, regula a prática de ato ou a
abstenção de fato, em razão de Interêsse público
concemente à segurança, à higiene, à ordem, aos
costumes, à tranqOilidade pública, ou ao respeito à
propriedade e aos direitos individuaisou coletivos.

Parágrafo único. Considera-se regular o exerclcio do poder


de polida quando desempenhado pelo órgão competente
nos limites da lei aplicável, com observãncia do processo
legal e, tratando-se de atividade que a lei tenha como
discricionária,sem abuso ou desviode poder.n

Pode, pois, a União instituir taxa em razão do


exercício do poder de polícia.

Dispõe a Lei n° 10.165, de 27 de dezembro de


2.000:

MArt.1° Os arts. 17-8, 17-C, 17-0, 17-F, 17-G, 17-H, 17-1e


17-0 da Lei n° 6.938, de 31 agosto de 1981. passam a

vigorar com a seguinte redação: ~


]66 -,'CP(}--
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PODERJUDICIÁRIO
- JUSTiÇA FEDERAL

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..- 'Art 17-8. Rca instituída a Taxa de Contrôle e Fiscalização
Ambiental- TCFA, cujo fato gerador é o exercício regular do
-- poder de polícia conferido ao Instituto Brasileiro do Meio
Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - lbama para
#'"-< controle e fiscalização das atividades potencialmente
poluidoras e utilizadoras de recursos naturais.' (NR)"

A "Taxa de Controle e Fiscalização Ambiental


- TCFA", portanto, tem como fato gerador o exercício do poder de polícia.

o Professor Hugo de Brito Machado ensina, em


sua obra "Curso de Direito Tributário" (Malheiros: São Paulo, 1003, 233 ed.,
pág. 402/403) quanto ao exercício do poder de polícia:

"Exercendo o poder de polícia, ou, mais


exatamente, exercitando atividade fundada no poder de polícia, o Estado
impõe restrições aos interesses individuais em favor do interesse público,
conciliando os interesses.

Reconhecemos a dificuldade de conceituar


tanto o que seja bem-estar geral, como o que seja interesse público. Mesmo
assim, e sem preocupação cQm o rigor cientifico, tentaremos uma
demonstração: se alguém encontra trafegando nas ruas um veículo sem freios,
ou dirigido por motorista não habilitado, apenas procura resguardar-se de
alguma conseqüência danosa que isto lhe possa acarretar, mas não assume o
ônus de impedir o tráfego do veículo naquelas condições. Cada pessoa,
individualmente, tem interesse em que tal fato não aconteça; entretanto, esse
interesse não é de tal porte que a leve a assumir o ônus de defendê-Io. Quando
muito, levará o fato ao conhecime1}to da autoridade competente. E ao Estado
compete adotar as providências càbíveis na defesa do bem-estar geral ou do
interesse público afetados. Assim, entendemos que o interesse é público
quando nenhum indivíduo é seu titular e, por isto mesmo, ninguém,
individualmente, sinta-se com o dever de assumir o ônus de defendê-Io, embora
todos reclamem sua defesa ".

Depreende-se, pois, de tal lição que, ao


exercitar a atividade fundada no poder de polícia, o Estado impõe restrições a
interesse individuais em favor do interesse público, sendo este aquele cuja
defesa não se assume individualmente embora por todos reclamada.

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.... PODERJUDICIÁRIO
JUSTIÇA FEDERAL
....

"- A defesa do meio ambiente se enqpa(!]Vflessa


definição de interesse público. Não se trata o mesmo de algo que cada um
"'"
defenda de fonna individual. Porém, todos reclamam sua defesa. Acrescento:
"-' todos se beneficiam com ela.
'-v
Trata-se, pois, de interesse público a defesa do
meio ambiente. Tamanha é a importância de tal matéria que na Constituição
Federal se lhe reserva um capítulo à parte, dentro do título que trata da ordem
'-'
social. .

--
Deve-se reconhecer o enquadramento no que
.....
prevê o artigo 78, do CTN, pois há a limitação ou a disciplina de direito,
"- interesse ou liberdade individual, bem como se regula a prática de atos ou a
\,...
abstenção de fatos em razão de mencionado interesse público - defesa do meio
ambiente - na atividade desempenhada pelo IBAMA.
.....

'- Além disso, a fiscalização não ocorre em todas


as atividades potencialmcntepoluidoras ao mesmo tempo e, como bem
lembrado, no parecer ministerial (fls. 52/55), "tem-se, ai, um poder de policia
.....
latente, e não manifesto. Entretanto, isso não significa que o {RAMA não
'-' exerça tal poder; bem assim que não possa cobrar a taxa referendada. O fato
.......
de o poder de polida não ser exercitado concretamente, ainda, contra
determinada empresa, não implica afirmar que ele inexiste; com efeito, cedo
ou tarde virá a se manifestar, não havendo eivos de ilegalidade em tão só
..... antecipar a cobrança da taxa à ocorrência do fato imponivel".
"-'
Assim, verifica-se que tem natureza mesmo de
'-
taxa, a denominada "Taxa de Controle e Fiscalização Ambiental- TCFA", que
'- e
se destina ao custeio do IBAMA, é possível sua cobrança.
.....
Não se trata, pois, de "imposto" como alega a
~
impetrante; ficando prejudicada sUa argumentação no sentido de que haveria
....... inconstitucionalidade por não se ter respeitado o artigo 154, inciso I, da C.F.
'-
Tomo, ainda, como razão de decidir, outra parte
'- do bem lançado parecer:
.....
.....
"(...), não se reveste a referida taxa de caráter
meramente ilusório, configurando um cripto-imposto. Neste, verifica-se base
de cálculo idêntica à de outro tributo, no caso, imposto, para, sorrateiramente,

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PODERJUDICIÀRIO
JUSTiÇA FEDERAL

fa:::er-se incidir bi-tributação. Tal não se dá no caso em comento, poiSã base


de cálculo da TCFA é a potencialidade de poluição das atividades dos
contribuintes a ela sujeitos. Nenhum imposto encarna tal base de cálculo, e o
valor fzxo adotado, notadamente de caráter progressivo, de forma que aos mais
poluentes a exação se fará mais onerosa, respeita os principias da capacidade
contributiva e da isonomia, ora atacadbs pela impetrante sem sua vestibular.

A dimensão do custo operaciona/


contraprestativo reside no anexo IX da Lei em tela, em valores reais,
proporcionais à extensão do dano e sua potencialidade ao Gmbiente, bem como
à capacidade contributiva. Isto é, a lesão danosa é mensurada 110Stermos da
ra:::oabilidadee sobretudo em graus de utilização dos recursos naturais. Assim,
não se toma, como base de cálculo, o faturamento puro e simples, ou a renda,
como interpreta a impetrante. O fator condicionado à ordem de grande:::a
retido na taxa é, sem sombra de dúvida, o objeto social que provoca o fato
imponível e repercute na base de c,álculo".

De tàto, a base de cálculo é a potencialidade de


p01uição das atividades dos contribuintes, bem como não se confunde com a de
nenhum imposto. Além disso, adota-se valor fixo de caráter progressivo, em
que os que são potencialmente mais poluentes têm a exação mais onerosa.
.Desta forma,
. são respeitados os princípios da capacidade contributiva e da
.

lsonomm.

o que ocorre é exatamente o contrário do que


alega a impetrante quando afirma.ter havido desrespeito ao artigo 150, inciso 11,
da C.F. Não há tratamento desigual para contribuintes em situação equivalente.
A taxa tem valor diferente para os que estão em situação diferente.

Está previsto na mencionada Lei n° 10.165, de


27 de dezembro de 2.000:

""Art.17-C.É sujeito passivo da TCFA todo aquele que


exerça as atividadesconstantesdo Anexo VIII desta Lei".
(NR)

"Art. 17-0. A TCFA é devida por estabelecimento e os seus


valores são os fIXadosno Anexo IX desta lei. (NR) n

"§ 1° Para os fins desta Lei, consideram-se." (AC)*

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PODER JUDICIÁRIO

,r, JUSTiÇA FEDERAL

.--,
"' - microempresa e empresa de pequeno porte, ~ssoas
jurídicas que se enquadrem, respectivamente, nas
descrições dos incisos I e 11do caput do art. 2° da Lei n°
~
9.841, de 5 de outubro de 1999;" (AC)

..... "li -empresa de médio porte, a pessoa jurídica que tiver


receita brutal anual superior a R$1.200.000,OO (um milhão e
,.,. duzentos mil reais) e igualou inferior a R$12.000.000,OO
(doze milhões de reais);" (AC)

- empresa de grande porte, a pessoa jurídica que tiver


"111
-- receita bruta anual superior a R$12.000.000,OO (doze
milhões de reais)." (AC)
'""
"§ 2° O potencial de poluição (PP) e o grau de utilização
........
(GU) de recursos naturais de cada umà das atividades
sujeitas à fiscalização encontram-se definidos no Anexo VIII
desta Lei."(AC)
'"'
"§3° Caso o estabelecimento exerça mais de uma atividade
sujeita à fiscalização, pagará a taxa relativamente a apenas
uma delas, pelo valor mais elevado." (AC)
,-.
"Art.17-F. São isentas do pagamento da TCFA as entidades
públicas federais, distritais, estaduais e municipais, as
entidades filantrópicas, aquele que praticam agricultura de
subsistência e as populações tradicionais." (NR)"
-
Corno se pode verificar do texto, está
considerada a capacidade contributiva do sujeito passivo. Tal é o que também
demonstram os Anexos VIII e LX,que foram acrescentados à Lei n° 6.938/81,
pelo artigo 3°, da Lei n° 10.165/2000. O Anexo VIII, faz a distinção objetiva,
para definir as atividades potencialmente poluidoras e utilizadoras de recursos
ambientais como sendo de pequeno, médio ou alto potencial de poluição e grau
de utilização de recursos naturais. O Anexo IX considera tais níveis e faz a
distinção entre pessoa física, microempresa e empresas de pequeno, médio e
grande porte, ao estabelecer os valores da questionada taxa. Considera-se, pois,
tanto o nível do potencial de poluição ou o grau de utilização de recursos
naturais, como a fato de ser pessoa física, microempresa ou empresa de
pequeno, médio ou grande porte.

, ,Portanto, é legal e constitucional a cobrança da


Taxa de Controle e Fiscalização Ambiental - TCFA, destinada ao custeio do
IBAMA.
""'
~

Não há, pois, o direito líquido e certo que a


I'"' impetrante alega.
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~:::~C::RIO
JUSTiÇA FEDERAL -
E)
i~~ V, C .
~,
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,.,...

" ij"-- -
Diante do exposto e de tudo mais que ~s
const~ julgo improcedente o pedido e DENEGO A SEGURANÇA, na forma
como pleiteada. Julgo extinto 'o processo, com julgamento de mérito, com
fundamento no artigo 269, inciso I, do Código de Processo Civil. Por
conseqüência, fica revogada a autorização deferida à fi. 74, para a realização de
depósitos judiciais dos valores referentes à taxa questionada.

Custas pela impetrante.

,...... Honorários advocatícios indevidos.


,...

Após o trânsito em julgado, convertam-se em


,.....
renda da União os valores depositados nos autos.
,...

P.R.I. e Oficie-se.

r-
São Paulo, 30 de janeiro de 2.004.

.- ÁA:t,C{4J.Ui~/Í/Y;;;v/i1;N (11
/ Marco ~urelio de Mello Castrianni
,/
, Juiz Federal
('

,,-

171
"

&9 j5/ ~O5

POOERJUDICIÁRIO
JUSTIÇA FEDERAL
= 1

'" Processo n° 2004.61.00.035248-8


,,- Ação Ordinária
Autor: Maria do Carmo Barbosa Isqui
r--
Ré: Caixa Econômica Federal - CEF
~. e Vara Cível de São Paulo
~

r--

r Vistos, etc.
r-

r
r-.

~ MARIA DO CARMO BARBOSA ISQUI,


,.-.
qualificada nos autos, propõe a presente Ação Ordinária, em face da CAIXA
ECONÔMICA FEDERAL, empresa pública federal, objetivando o
,--..
pagamento de indenização no valor de R$ 254.938,00 (duzentos e cinqüenta e
,.--, quatro mil e novecentos e trinta e oito reais).
r
Alega ser, juntamente com seu marido, titular
r-
de conta de poupança, na agência 0252, sendo que até o início de fevereiro de
r-- 2002 o saldo vinha subindo; que efetuaram saque em 11/02/2000; que o fundo
~ se destinava a garantir a saúde dos titulares; que os mesmos não efetuaram
"'"'
saques, tendo ficado um saldo de R$ 15.195,24; que, em 30/10/2000, se
dirigiram à agência Sapopemba, para efetuar saque, e encontraram saldo de R$
" 32,46; que constataram saques de pequeno valor em várias agências, em locais
r- "nãofreqüentados pelos titulares e que eles não efetuaram"; que a ré solicitou
r-- tempo para proceder a averiguações; que a autora formalizou queixa junto à
agência Sapopemba; que aguardou providências até junho de 2002, ocasião em
'" que se dirigiu ao PROCON e nada foi resolvido.
~

r--
Argumenta ter sofrido danos e que o assunto foi
tratado com descaso; que as novas tecnologias agilizaram as operações
"
bancárias e as falcatruas aumentaram, sendo que o consumidor não pode
r--- interferir, tendo que se submeter ao que se oferece; que foi violado o Código de
r- Defesa do Consumidor; que a autora deve ser ressarcida na proporção de vinte
vezes o valor de seu saldo subtraído.
r'

r Sft-
t-
r-'
1'~

""'

""'
PODERJUDICIÁRIO
,......
JUSTiÇA FEDERAL
r-

Acostaram-se à inicial os documentos de fis.


~

06/27.

~ Citada (fi. 32), a ré apresentou contestação (fis.


r- 34/43), com os documentos de fis. 44/64. Preliminannente, alegou
incompetência absoluta da Justiça Estadual.
/""'

y--. Houve réplica (fis. 66/70).

Às fis. 72/73, a autora juntou documento. A ré


/""' deixou transcorrer o prazo sem manifestação (fi. 74v.).
y--.
Designou-se audiência de tentativa de
,.....
conciliação (fi. 77). Em audiência, determinou-se a remessa à Justiça Federal
r"' (fis. 82/83).
"
-----
Neste Juízo, ratificaram-se os atos processuais
não decisórios, tendo-se designado audiência de tentativa de conciliação (fi.
,.....
87). A tentativa restou infrutífera (fi. 98).
/""'

r
Em audiência, de instrução e julgamento, tomou-se o depoimento pessoal da
autora, tendo-se concedido prazo às partes para alegações [mais (fis. 101/105).
r

r As alegações finais foram apresentadas (fis.


,..-.. 108/109 e 115/116).
r--

É O RELATÓRIO.
r"'
DECIDO.

A preliminar de incompetência absoluta já está


superada, pois os autos foram remetidos à Justiça Federal, que é de fato
competente neste caso, em que a ré se trata de empresa pública federal.
I"

r No mérito, o pedido constante da inicial é


r"' parcialmente procedente.
/'
r
qJiL
/ "
V
,.... 173

p.
r

r-
~I;

r'
PODERJUDICIÁRIO
,.-.
JUSTiÇA FEDERAL !I
7'~
/

r.

De fato, como se observa pelos documentos


juntados (fis. 05 e 48), houve o saque de R$ 8.016,00, em fevereiro de 2.000,
r
tal como alega a autora, tendo ficado um saldo de R$ 15.195,24 na conta de
r--- poupança questionada. Houve, após, outros saques, até se chegar ao saldo de
r' R$ 32,46 (fis. 08/24 e 48/62). Na inicial, a autora afirma ter efetuado ainda
outro saque no valor de R$ 500,00; negando os demais. Houve os depósitos de
r
R$ 903,00 em junho de 2.000 (fi. 51); R$ 470,00 e R$ 287,00 em julho de
r 2.000 (fi. 52); R$ 1.028,75 em agosto de 2.000 (fi. 52).

/'
Tendo prestado depoimento pessoal (fis.
r- 102/104), a autora confirmou o saque de R$ 8.016,00 e o de R$ 500,00.
r-

r
Afirmou que pretendia sacar R$ 200,00 para
/' uma viagem, quando seu marido tentou fazer o saque e constatou que não havia
r
mais dinheiro. Pode-se notar a sinceridade de seu depoimento quando a mesma
narra a história, dizendo que havia ficado no carro esperando, e "que o seu
.--..
esposo foi até o caixa eletrônico; (..) quando o mesmo tentou fazer o saque,
- houve um apito porque não havia o valor pretendido; (..) seu esposo entrou na
- agência e chamou a moça; (..) então se verificou o saldo que havia".
r
Contou que" essa data de 30 de outubro nunca
r vai sair de sua mente". Perguntada sobre como se sentiam, aflfIDou que "foi
,,- horrível". Perguntada sobre o que o seu marido lhe disse no momento, aflfmou
que ele lhe falou: "não tem mais dinheiro". Disse que "então lhe perguntou se
r
estava brincando e ele lhe disse que era sério ".
r

r A autora narrou que somente ela e seu marido


tinham a senha do cartão; que seus filhos sabiam da conta, mas não sabiam a
/'
senha; bem como que "educaram os filhos no sentido de respeitar o que
pertence a outras pessoas; que o quarto do casal tem chave e que a gaveta tem
r
chave ".

r
Narrou ainda que estiveram no PROCON; que
r
não tem noção do que possa ter acontecido com a sua conta; que foi a primeira
r vez que isso aconteceu.

r ç$L
y/
174
/"
r

r--

"..~

r~

PODERJUDICIÁRIO
r"
JUSTiÇA FEDERAL
~

" Confirmou que houve depósitos; que o cartão


" não foi usado para pagamento de conta em loja; que não percebeu
irregularidade na conta antes do mencionado dia 30 de outubro; que não
~
costumava comparecer ao banco todo mês; que não tinham o costume de olhar
r---- o saldo quando faziam retirada; que era só um o cartão que usavam; que houve
troca do cartão que permaneceu com a mesma senha porque se relacionava com
r
a data de seu nascimento; que não usou o novo cartão no mesmo dia em que o
~
recebeu.

Além da perceptível sinceridade da autora em


seu depoimento, é preciso levar em conta as observações do PROCON em sua
I audiência; o que demonstra não ter havido culpa da autora em relação ao dano
r-- ocorrido.
r--
Houve dano e quanto à culpa e nexo de
r-- causalidade, há que se levar em conta referidas observações (fi. 26):
r'
"É crescente o número de reclamaçõesneste
r'
órgão de proteção e defesa do consumidor, de golpes sofridos por correntistas
;"'-
de instituições bancárias que vêem subtraídos, da noite para o dia, toda uma
r". vida de economias e sacrificios. A imposição de novas tecnologias com o
r""'
intuito de melhor servir aos seus clientes obriga essas empresas a
investimentos cada vez maiores visando, não somente a agilidade do sistema,
r-'
mas sobretudo a máxima segurança nas operações bancárias. O consumidor,
f contudo, não interfere nessas decisões, ao contrário, submete-se ao oferecido
r~
por não haver outra alternativa de atendimento, adequando-se às normas e
tarifações dos bancos comerciais. Como impedir a ação dos 'hackers' e
r--
meliantes em geral, que 'clonam' cartões magnéticos ou mesmo monitoram a
I Internet em busca de composições de senhas defácil dedução com sofisticados
r equipamentos eletrônicos, ou nem tanto, com simples objetos e muita
criatividade e talento para a criminalidade?
"

~ O caso do reclamante carece de maiores


r esclarecimentos, pois é fato que o dinheiro não foi sacado pelo casal, a
instituição nada fez ou informou de concreto sobre o caso, pelo contrário
r
deixou que acreditassem que um processo seria aberto para averiguação do
r ocorrido, e hoje informam que nada foi registrado, e o pior, o tempo decorrido.
r-- À parte a desinformação e descaso com o correntista, entendemosque o
serviçorevelou-sedefeituoso...(..) Cremosquefaltou à instituiçãobancáriaos
meios de segurança necessáriospara oferecimentode seus serviços em todos
r
~
(/
"
/"'

/'

PODERJUDICIÁRIO
JUSTiÇA FEDERAL

os aspectos. Na hipótese de ação de marginais, entende-se que a empresa não


r-' pode alegar ignorância e eximir-se de sua responsabilidade... (...) Registramos
neste Termo de Comparecimento, que a reclamada foi notificada a comparecer
r-'
por duas vezes visando composição amigável com o reclamante, sendo que na
primeira ignorou nosso chamamento, e na segunda não conseguiu sequer
~ acrescentar algo de diferente ao já ocorrido há dois anos. A tal atitude
reputamos corno prática abusiva... ".
/""'

É público e notório que ocorrem clonagens de


cartões magnéticos bancários, tal como a reportagem de fi. 73, bem como que
os bancos já estão tomando outras providências quanto à segurança do sistema,
r-'
como, por exemplo, a utilização de chips. Cabia, pois, à ré cuidar da segurança
de seu sistema, para evitar danos e prejuízos a seus correntistas. O seu serviço
r-' deveria ter sido prestado com qualidade, e não o foi.
r-
Além do que se produziu nos autos, como
prova, cabe a aplicação da inversão de seu ônus, na forma do art. 6°, inc. VilI,
,.... do Código de Defesa do Consumidor (Lei n° 8.078/90). Tal como exposto
--
acima, há verossimilhança nas alegações da autora.

'"' cabe dos


- materiais sofridos pela autora.
Assim, indenização prejuízos

r-'

Após o saque efetuado pela autora, de R$


8.016,00, em fevereiro de 2.000, ficou um saldo de R$ 15.195,24; tendo havido
outro saque, reconhecido pela mesma, em data não precisa, de R$ 500,00.
Assim, deveria haver um saldo de R$ 14.695,24; ao qual deveriam ter sido
somados os depósitos de R$ 903,00 em junho de 2.000 (fi. 51), R$ 470,00 e R$
r-
287,00 em julho de 2.000 (fi. 52) e R$ 1.028,75 em agosto de 2.000 (fi. 52).
,r Tal importância, com correção e juros, deve ser restituída à autora.
r-
A importância de R$ 14.695,24 deve ser
corrigida desde fevereiro de 2.000; acrescentando-se à mesma a importância de
R$ 903,00, corrigi da desde junho de 2.000; as importâncias de R$ 470,00 e R$
287,00, corrigidas desde julho de 2.000; e a importância de R$ 1.028,75,
corrigida desde agosto de 2.000. Todas com a aplicação de juros de 0,5% (meio
por cento) ao mês a partir do mesmo mês em que se aplica a correção.

Além disso, há o prejuízo moral, pois a autora,


juntamente com seu marido foram surpreendidos com o fato de não
r-

~
r--

PODERJUDICIÁRIO
JUSTiÇA FEDERAL
'""'

encontrarem o esperado saldo na conta e depois tiveram que passar por várias
situações desgastantes e constrangedoras, tanto em agências da ré como no
PROCON. Esperaram por mais de dois anos que a ré encontrasse alguma
solução; e nada aconteceu. Depois disso, buscaram o PROCON; e a ré somente
compareceu na segunda tentativa e, mesmo assim, sem trazer solução alguma.
'""'
Tal como se observou no PROCON (fi. 26), a ré "deixou que acreditassem que
um processo seria aberto para averiguação do ocorrido, e hoje [08/10/2002]
~, informam que nada foi registrado, e o pior, o tempo decorrido". A situação da
') autora foi, portanto, tratada com descaso pela ré.

Há, pois, o prejuízo moral, que também deve


~
ser indenizado. Arbitro o valor que eqüitativamente repara os danos morais
-- sofridos, ou seja, R$ 30.000,00. Deixo de acolher de forma integral o pedido da
inicial- na qual se busca indenização por dano moral em R$ 254.938,00 - por
""') reconhecer exorbitante o valor.
~

r' Diante do exposto e de tudo mais que dos autos


)
consta, julgo PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido constante da
'""')
inicial, e condeno a ré a pagar, à autora, os valores de R$ 14.695,24 (catorze
') mil, seiscentos e noventa e cinco reais e vinte e quatro centavos); R$ 903,00
') (novecentos e três reais); R$ 470,00 (quatrocentos e setenta reais); R$ 287,00
(duzentos e oitenta e sete reais) e R$ 1.028,75 (mil e vinte e oito reais e setenta
')
e cinco centavos), correspondente ao prejuízo material, devidamente corrigido
') e acrescido de juros conforme acima exposto; bem como a pagar o valor de R$
') 30.000,00 (trinta mil reais), corresponde aos danos morais, com a mesma
correção e juros acima desde a data da publicação da sentença; devendo o
')
montante total ser apurado em liquidação. Julgo extinto o processo com
') julgamento de mérito, com fundamento no artigo 269, inciso I, do Código de
'"' Processo Civil.
"'-',
Tendo havido sucumbência recíproca, cada
'"'
) parte arcará com os honorários de seus procuradores.
'""'1

'""' Custas ex lege.


'P.R.I.

,~
São Paulo, 16 de novembro de 2.005.
r"
~ .. ã~elIO Castrianni
/ L-/ " Jmz Federal
r' I

r 177
)

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~l.{ "=i I ~OOG


;(A.,\;
. ~!f?

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.., r
\. 7>--
PODERJUDICIÁRIO
~
JUSTiÇA FEDERAL <
~

Processo n° 2005.61.00.028966-7
Mandado de Segurança
Impetrante: Wagner Pozzani
Impetrado: Delegado da Receita Federal de Administração Tributária
em São Paulo
1a Vara Cível de São Paulo

-
Vistos, etc.

- WAGNER POZZANI, qualificado na inicial, impetrou


o presente Mandado de Segurança contra ato do SR. DELEGADO DA RECEITA
FEDERAL EM SÃO PAULO, objetivando a não exigência do Imposto de Renda sobre as
verbas rescisórias seguintes: férias e respectivo terço adicional, bem como "indenização
- liberal".

- Alega que foi dispensado da empresa denominada


- "Unilever Brasil Ltda."~ que a dispensa, foi por iniciativa da empregadora; que receberá as
verbas trabalhistas; que haverá retenção de Imposto de Renda; que não deve incidir imposto
de renda sobre as referidas verbas. Argumenta com a legislação, a doutrina e precedentes
judiciais.

Acostaram-se à inicial os documentos de fis. 26/40.

- Indeferiu-se o pedido de liminar (fis. 44/46).

Na forma do artigo 526, do C.P.c., o impetrante


comunicou a interposição de Agravo de Instrumento (fis. 53/75).

Prestaram-se informações às fis. 76/81.

Pela superior instância, comunicou-se decisão em


Agravo de Instrumento (fis. 82/84). Determinou-se a expedição de oficio (fi. 85).

Manifestou-se o Ministério Público Federal às fis.


90/92, opinando pelo prosseguimento do feito.

o impetrante juntou documento (fis. 94/95).

~
---

PODERJUDICIÁRIO

,..... JUSTiÇA FEDERAL

Juntou-se cópia de decisão da instância superior (fis.


1011102).

É o RELATÓRIO.
DECIDO.
,-...
,.....
o pedido constante da inicial deve ser julgado
improcedente, com a conseqüente denegação da segurança.

A jurisprudência tem sido firme em reconhecer que as


verbas recebidas em razão de Programas de Incentivo de Demissão Voluntária, ou PDV, não
têm sobre as mesmas a incidência do Imposto de Renda.

Tal é o que consta da SÚInulan° 215, do E. Superior


Tribunal de Justiça:

liA indenização recebida pela adesão a programa


de incentivo à demissão voluntária não está
sujeita à incidência do imposto de renda".
.-..

-- Aliás, quanto aos programas de demissão voluntária,


atualmente o Imposto de Renda já não é mais exigido.
,....

Entretanto, não se trata de tal hipótese; na inicial se


reconhece'ter sido a despedida sem justa causa; o que se comprova pelo termo de rescisão de
,....
contrato de trabalho de fi. 95, juntado após o parecer ministerial, no qual consta: "Rescisão
,.... SJC Inic. Empregador ". Ora, se é dispensa sem justa causa, não é demissão voluntária; as
duas coisas são contraditórias.
r-

,-. Quanto às férias, há que se observar que apenas não


incide o Imposto de Renda sobre as vencidas e que, além disso, não tenham sido gozadas por
....
necessidade de serviço. Nestes autos, não se comprovou que não tivessem sido gozadas por
,..... necessidade do serviço aquelas que não o foram.

,....

Deste modo, não há como se aplicar a Súmula n° 125,


do E. Superior Tribunal de Justiça que diz:

"O pagamento de férias não gozadas por


necessidade do serviço não está sujeito à
r- incidência do Imposto de Renda".
--

,.-. cI6
/.../
,.... {/ 179
r'"'

~~
""

,-.
PODERJUDICIÁRIO
r~
,'''v, c\'-I

""" JUSTiÇA FEDERAL

'~~
r.
Assim, deve incidir o questionado imposto também
,...
sobre as férias vencidas e as proporcionais, incluindo-se o valor de 1/3 (um terço) que se
acresce às mesmas.
"...

.....- Quanto às chamadas "gratificações", ainda que


,... rotuladas de "indenização liberal", como consta no termo de rescisão de contrato de trabalho
(fi. 95), não podem ser consideradas como isentas de tributação, inclusive pelo fato de serem
".... pagas por liberalidade; pois não fica a critério do contribuinte dizer o que é ou o que não é
.-.,
tributável. Admitir, neste caso, a não incidência do Imposto de Renda, é o mesmo que deixar
a cargo do contribuinte estabelecer o que deve ou o que não deve ter isenção; o que seria
~ absurdo. Trata-se, na verdade, de acréscimo patrimonial, sobre o qual deve incidir o
questionado tributo. Quem deve dizer quais são e quais não são verbas "indenizatórias" é o
"'"'
legislador e não o contribuinte; este não pode ter a pretensão de se arvorar em fazê-Io.
-.
Ainda que o artigo 70, inciso I, da Constituição Federal
'"'
faça menção a indenização compensatória, esta depende do legislador, até mesmo porque o
".... próprio dispositivo estabelece que será por Lei Complementar. Por mais desagradável que
seja uma rescisão de contrato de trabalho por iniciativa exclusiva do empregador, é o
-- legislador que deve dizer qual é a parte da renda que vai ser tributável e qual será isenta.
,....
Aliás, é preciso considerar que o impetrante já recebeu
ou receberá os valores depositados em conta vinculada do FGTS - Fundo de Garantia do
.-.. Tempo de Serviço, estes sim de caráter indenizatório e sobre os quais não há a questionada
incidência. Para indenizar a perda do emprego, há hoje o FGTS que é, inclusive, acrescido
,-.. de 40% (quarenta por cento). Tal fato, porém, não é sequer mencionado na inicial. Porém,
esta é a verdadeira "indenização".
r-
Não há, pois, direito líquido e certo a proteger.
,....
Diante do exposto e de tudo mais que dos autos consta,
,..... julgo improcedente o pedido constante da inicial e DENEGO A SEGURANÇA, na forma
como pleiteada; extinguindo o processo com julgamento de mérito, com fundamento no
,.....
artigo 269, inciso I, do mesmo código.
,.....
Custas pelo impetrante.
r--
Honorários advocatícios indevidos.

Enéafuinhe-se cópia da presente sentença aos autos do


Agravo de Instrumento noticiado.
..-

,-.. P .RI. e Oficie-se.


r'

,-.. SãoPa::o~: ~~o..d;J:~06


r-- ~~~~'
,....... / ÁZ;~: JUIZ Federal

,... 180

-""'
,.-

,-

,,-

PODER JUDICIÁRIO
,......

/ TRIBUNAL

APELAÇÃO
REGIONAL

CÍVEL NQ 89.01.06733-1/DF
FEDERAL DA 1& REGIÃO

RElATORA : EXMA. SRA. JUÍZA SELENE ALMEIDA (CONVOCAOA)


APELANTE : JULIA GOMES LUND E OUTROS
ADVOGADO : MICHAEL MARY NOLAN E OUTRO
APELADO : UNIÃO FEDERAL
ORIGEM : 1ê VARA DO DF

E ri E N T A

.-
CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL - POSSIBILIDADE JURÍDICA
00 PEDIDO DOS FAMILIARES DE PEDIR INFORMAÇÃO SOBRE LOCAL DE
SEPULTAMENTO DE SEUS PARENTES FALECIDOS - APLICAÇÃO 08 COS-
TUME NA AUSÊNCIA DE LEI ESCRITA (ART. 4Q DA LICC) - DIREITO
SUBJETIVO PÚBLICO 00 INDIVIDUO SEPULTAR E HOMENAGEAR SEUS
MORTOS, SEGUNDO SUA CRENÇA RELIGIOSA - DIREITO DA PARTE À
PROVA - DOCUMENTO SIGILOSO.

I - Embora não exista lei expressa que ohrigue a quem quer


--.
que seja revelar o local de sepultura de ~essoas falecidas, o juízo
deve, na omissão da lei escrita, julgar o caso conforme a analogia, o
""' costume e os princípios gerais do direito. (art. 4Q da Lei de Intro-
dução ao Código Civil).
"'" 11 - Toda pessoa tem o direito suhjetivo público de crer -
crença - ou de pensar - convicção política. A Constituição
religiosa
,,- Federal, no artigo 5Q, VIII, assegura que ninguém será privado de di-
reitos por motivos religiosos, filosóficos ou políticos, podendo crer
,...
e pensar no que quiser, ao mesmo tempo que garante a manifestação
,,-
públicas da fé e convicções.
111 - E memorial o costume religioso dos povos de prantear
e sepultar seus mortos.
IV - Por toda a parte o sentimento religioso e o respeito
aos mortos são valores éticos - sociais que se assemelham. A homena-
gem e o respeito que se dedica aos mortos tem um fundo religioso; é
'"' uma manifestação_de religiosidade. O Estado deve proteger esse senti-
mento de piedade e reverência que os mortos suscitam.
. V - Os autores não podem ser privados do direito natural de
sepultarem e cultuarem seus mortos em razão da ideologia política que
esses professavam, quando vivos.
,....
VI - "Se a pretensão dos autores depende de produção da
prova requerida, esta não lhe pode ser negada, nem reduzido o âmbito
,-. de seu pedido, sob pena de configuar-se uma situação de autêntica de-
negação de justiça." (STJ - 3ê Turma RESp DJU 24.06.91). - -
.-. VII -
Poderá o Poder Judiciário, em qualquer instância, de-
terminar a exibição reservada de qualquer documento sigiloso, sempre
..... que indispensável à defesa de direito próprio ou esclarecimento de
situação pessoal da parte (art. 24 da lei 8.159, de 08.01.91., que
dispõe sobre a política nacional de arquivos públicos e privados).
~.
VIII - Apelação provida. Sentença reFormada.
A C Ó R O A O

,-.. Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima


citadas:
Oecide a Primeira Turma do Trihllnal Regional Federal da
Prim9ira R~gião, pnr IInRnimid~rlc,dar rrnvimento à Apelação, na forma
r-
do relatório e notas taquigráficas constantes dos autos, que ficam
fazendo parte integrante do presente julgado.

--. ]81
'"" .,-., ..... _.' .. u"u,-.""."..-".. "..'.-""- --"'. .
........
uabinete 11VáraCivef:-1Ó855õõitiff~ =- -,-.----. ..
,... . " " -~- -.-...

,...

mIà<
g~y~~~
....

... RELATOR : MlNISTROHAMILTONCARVALHIDO


RECORRENTE: PEDRO DELFORGE
ADVOGADO: ELZA DA Sn.,VA GUIMARÃEs E OUTROS
T.ORIGEM : TRIBUNAL DE JUSTIÇA 00 DISTRITO FEDERAL E
-. TERRITÓRIOS
IMPETRAOO : PRESIDENTE DO TRIBUNAL DE CONTAS 00 DISTRITO
FEDERAL
RECORRIDO: DISTRITOFEDERAL
PROCURADOR: LUCAS AmES BENTO GRAF E OUTROS

EMENTA
RECURSO O~DJNÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA.
SERVIDOR PUBUCO OCUPANTE DE CARGO EM COMISSAO.
APOSENTADORIA COMPULSÓRIA. IDADE. OMISSÃO
LEGISLATIVA ARTIGO40DA UCC.
1. Nos termos do artigo 40, parágrafo 2°, da Constituição da República,
na lei dispará sobre a aposentadCN'ia em cargos ou empregos temporários. "
2. Por força de nonna constitucional, a aposentadoria dos servidores
ocupantes de cargo em comissão, assim considerados aqueles de
,.. ocupação transitória. será rcguJadapor lei ordinária.
3. A aposentação dos servjdores públicos ocupantes de cargo em
comissão tem seu estatuto lega] na própria Constituição da República.
não se Ihes aplicandoas disposiçõescontidas no artigo 186, incisos I, lI,
-. e m, da Lei 8.112190.
4. Assim como detenninado na Constituição da República, a Lei
Orgânica do Distrito Federal remeteu a disciplina da aposentadoria dos
servidores ocupantes de cargos temporários, subentenda-se servidores
em cargos de ocupação transitória - cargos em comissão, à edição de lei
ordinária (artigo 41 da LODF).
5. Em inexistindo no plano local qualquer nonna que regule
especificamente o regime previdenciário dos servidores públicos
-~ .
d
ocupantes de cargo em comissão, assim como aconteceu no plano
federal, com a edição da Lei n° 8.647, de 13 de abril de 1993, tem
.,~O incidência o artigo 4° da Lei de Introdução ao Código Civil. ver6is:
.~ !5 .g "Quando a lei for omi.~a. o juiz decidirá o ca.,o de acordo com a tlIIi1!ogia. os
,... V1 cn
Q IV
.... costwnes e os princfpios gerais de direito. H
~ ~I 6. Diante da omissão legislativa no âmbito do Distrito Federal e
~ considerando-se que servidor público é gênero do qual faz parte o
ocupante de cargo em comissão (RMS n° 10.423/SP. Relator Ministro
Femando Gonçalves, in DJ 3011012000),aplicam-se ao servidor as
disposições contidas na Lei na 8.112190.recepcionada pela Lei Distrital
~ n° 211/91, impondo-sea sua aposentação compulsória aos setenta anos
de idade.

7. Recurso provido.
2000.'0022C]7-5
- RM811722
,~
\ .
7 Pãgino Jde2

182
"...

--
y~y~~~
.... RECURSO ESPECIAL N° 322.302 -PR (200110051541-0)
RELATÓRIO
.....
O EXMO. SR. MINISTRO LUIZ FUX(Relator): A CAIXA ECONÔMICA
FEDERAL, interpôs recurso especial (fis. 96/100), amparado no art. 105, m, "a", da Constituição
Federal, visando reformar o acórdão (fis. 89/93), proferido pelo Tribunal Regional Federal da 4a
--
Região,cujaementa merece ser transcrita(fis. 93):
-
--
"ADMINISTRATIVO - SISTEMA FINANCEIRO DE HABITAÇÃO -
... UTILIZAÇÃO DO B PARA QUITAÇÃO DE DÍVIDA VENCIDA.
1 - É cabível a uti/i; de saldo existente na conta vinculada ao FGTS
...
para. para aquisição de

'GTS, na medida em
em atraso, deve ser
"""' r lei não impõe.
do financiamento em
- 'á utilizar-se desse
,.. conta vinculada, já
vinculada para o
'"

mpôs ação declaratória


pagamentodas prestações de
resgate de mútuo, por meio da utilizaçãl . saldos integrantes da sua conta vinculada do FGTS.

O r. JuízoFederal da 2aVara Cívelda Comarca de Gurupi,julgoupmcedente o pedido


....
para declarar o direitode pagamento de resgate do mútuo até o valor de 80% do quantum
r- debeatur.
..-
Irresignada, a sucumbente interpôs recurso de apelação. O Tribunal a quo negou
provimentoao apelo,mantendoa sentença de primeirograu,nos termos da ementa supracitada.

Em sede de recurso especial,apresentadocom fundamentona alínea"a",do permissivo


constitucional,sustenta a parte autora a violaçãoao art. 20, V, § 2°, da Lei n.O8.036/90,haja
vista que o acórdãorecorridodeu interpretaçãoextensivaao referidodispositivo,sendo certo que
......
o mesmo é essencialmentetaxativo,prevendo que apenas o conselho curador do FGTS pode
disciplinarbeneficiosaos trabalhadores.
/'"'
Ainda, alega que o art. 1°, da Resoluçãon.° 54 prevê que o mutuário,para utilizaro
--
Documento: 468153 - RELATÓRIO E VOTO - Site certificado Página 1 de 5

..... 183
/'
g~:r~cd~
FGTS, deve estar em dia com o pagamentodas prestações, o que inocorreu,uma vez que a
recorrente deseja efetuar o pagamentode prestações vencidas e vincendasde resgate do mútuo.

Não foram apresentadas contra-razões (certidão de fi. 105, verso).

Resultando o juízo de admissibilidadepositivo (fi. 106), ascenderam os autos do recurso


,...
especial interposto.
~

É o relatório.

"'.

....

-
~

,...

r-

.-.

,...

,,-

""

--
Documento: 468153 -RELATÓRIO E VOTO -Site certificado Página 2 de 5

184
r'

,.....

g~Y~ah~
RECURSO ESPECIAL N° 322.302 -PR (200110051541-0)
-
....
FGTS. LEVANTAMENTO DOS SALDOS. PAGAMENTO DE
RESGATE DO MÚTUO. POSSIBILIDADE.
~ 1. A enumeração do art. 20, da Lei 8.036/90,não é taxativa, sendo
possível,em casos excepcionais,o deferimentoda liberaçãodos saldos
,..,
do FGTS em situação não elencada no mencionado preceito legal.
......
Precedentes da 1a Turma.
2. Encontrando-seo mutuárioem dificuldadesfinanceiras,inadimplente
~
perante o SFH, caracteriza-se a "necessidade grave e premente",
.......
prevista no dispostono art. 8°, 11,"c", da Lei n.° 5.107/66e na Lei. n.°
8.036/90,interpretadaextensivamente,de fonna autorizá-Ioa levantaro
....
fundode gara~.ra saldar as prestações em atraso.
3. Ao aplicar,lrl~'o julgador subsunção do fato à nonna, deve estar
. ... . . lentoe aos fins sociais
- o CódigoCivil).
~

--

"'"'

.....

......
sitivo tido por violado
8.036/90, a matéria
"""
ento implícito admitido,

desde que a tese


...... luz da legislação federal indicada, em c
-
A controvérsiados autos diz respeito à possibilidadede liberação dos saldos
-..

existentesna conta vinculadado FGTSpara o pagamentode resgate do mútuoperante o SFH.


,....

-- Nesse contexto,a recorrente alega que o decisum confrontadonão poderia ter


interpretadoo artigo supracitadode fonna extensiva,a conceder a possibilidadede a recorrida
levantaro FGTSpara efetuar o pagamentode resgate do mútuo,haja vista não estar em dia com
as prestações.

Sustenta,em seguimentoa esse raciocínio,que o conselho curador do FGTS é


que detém competênciapara a concessão de beneficios,motivospelos quais negou-se vigência
......
ao § 2°, do referidodispositivo.

Deveras, é assente que em casos de dificuldadesfinanceiras que conduzamo


mutuárioao estado de inadimplênciaperante o SFH, configura-sea hipótese de "necessidade
Documento:468153- RELATÓRIOEVOTO- 8ite certificado Página3 de 5

185
,.....
,-.

.....
9~3~ah'~
,-.
grave e premente", disposta no art. 8°,11, "e", da Lei n.O5.107/66, hipótese não elencada no art.
... 20, da Lei n.O 8.036/90, mas que a Primeira Turma tem admitido interpretação extensiva, de
forma a autorizar os mutuários a levantarem os depósitos das contas do FGTS, com a finalidade
única, de saldar as prestações em atraso.
-.
N esse sentido, evidenciam os seguintes aeórdãos:

"SISTEMA FINANCEIRO DE HABITAÇÃO - FGTS -


LEVANTAMENTO - PAGAMENTO DE PRESTAÇÃO
... VENCIDA.
A Lei n° 5.107/66 e o Decreto n° 59.820/66 autorizam o
empregado a utilizar sua conta vinculada para aquisição da casa
própria, autAação constante, também, da Lei n° 8.036/90. No
caso dos Ir!.o atraso nos pagamentos enquadra-se na

- , DJ:05/1112002)
'"

,.. UTILIZAÇÃO DO
'E SERVIÇO PARA
..... TRASADAS DE
..- 'E CASA PRÓPRIA.

.....
é no sentido de ser
..... lor Tempo de Serviço
financiamento pelo
-. que evidenciada a
..-
", conne

, , Min.ReI.PAULO GALLOTTI,DJ: 03/09/2001)


...
"ADMINISTRATIVO -
FGTS -LEVANTAMENTO PARA
.- PAGAMENTO DE PRESTAÇÕES DO SFH.
1. As Leis ns. 5.107/66 e 8.036/90 permitem a utilização do FGTS
"...
para pagamento de prestações em atraso do financiamenta do
""' SFH. 2. Inexistência de óbice legal se satisfeitas as condições
exigidas em lei.
3. Recurso especial não conhecido. "
'"' (RESP 241759/RS,Min.ReI.ELIANA CALMON,DJ:04/12/2000)

"PROCESSUAL CIVIL RECURSO ESPECIAL. DECISÃO DE


'"'
RELATOR EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. AGRAVO
"REGIMENTAL". LEVANTAMENTO DE FGTS. PAGAMENTO
... DE PRESTAÇÕES EM ATRASO COM O SFH:
POSSIBILIDADE.
..-
-
I Hipótese de grave dificuldade financeira de mutuário, levando
"" a inadimplênciaperante o SFH. caracteriza a "necessidade grave
e premente" da lei 5.107/1966, a autorizar o levantamento do
,...
- -
Documento:468153 RELATÓRIOEVOTO Sitecertificado Página 4 de 5

,... 186
,.-
""

--
g~y~~~
FGTS, para saldar as prestações em atraso. precedentes.
II - Agravo "regimental" improvido."
(AGA 7686800, Min.ReI. ADHEMAR MACIEL, DJ: 16/06/1997)

..... Forçoso concluir,que o saque do FGTS,em caso de necessidade familiargrave


e premente, não pode ser suprimidopor norma inferior,não só por afrontar o princípioda
hierarquiadas normas,mas tambémpor contrariara própriafrnalidadedo fundode garantia,que
é a de proporcionarmelhoriadas condiçõessociaisdo trabalhador.

Insta acrescentar, que revelaria incongruênciaconceder a utilizaçãodo fundo


.....
para o trabalhador pagar prestações fu: , e negar a utilizaçãodo mesmo para àqueles que,
do de insolvabiliillid~queseencontram,mercê de
,.. suas casas, por não
poderem
'""'
ir-se à subsunção do
....
o ordenamento e aos
finssociaisa
.-.
por meta garantir ao
desse lançar mão em
r ,ve, ou para adquirira

....
Diante do exposto, conllse que a determinação de liberação dos saldos do
FGTS,no caso dos autos,não afrontou.ara e o espíritodo art. 20, da Lei 8.036/90,motivopelo
,- qual,NEGO PROVIMENTOao recurso.

É como voto.
......

.....

---

""'

--
Documento: 468153 - RELATÓRIO E VOTO - Site certifICado Página 5 de 5

187
~
,-.

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.....
FGTS, para saldar as prestações em atraso. precedentes.
II - Agravo "regimental" improvido."
(AGA 76868/RJ, Min.ReI. ADHEMAR MACIEL, DJ: 16/06/1997)

..... Forçoso concluir,que o saque do FGTS,em caso de necessidade familiargrave


e premente, não pode ser suprimidopor norma inferior,não só por afrontar o princípioda
"" hierarquiadas normas,mas tambémpor contrariara própria[malidadedo fundode garantia,que

"'" é a de proporcionarmelhoriadas condiçõessociaisdo trabalhador.

-- Insta acrescentar, que revelaria incongruênciaconceder a utilizaçãodo fundo


....
para o trabalhadorpagar prestações fuft, e negar a utilizaçãodo mesmo para àqueles que,
do de insolvabilidade.
que se encontram,mercê de
".. suas casas, por não
/'. poderem

ir-se à subsunção do
"...
o ordenamento e aos

-
por meta garantir ao
....
desse lançar mão em
r ,ve, ou para adquirir a
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"....
Diante do exposto, conllse que a determinação de liberação dos saldos do
,..
FGTS, no caso dos autos, não afrontou.dlflra e o espírito do art. 20, da Lei 8.036/90, motivo pelo
-- qual, NEGO PROVIMENTO ao recurso.
"...
É como voto.
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.....

Documento: 468153 - RELATÓRIO E VOTO -Site certificado Página 5 de 5


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187
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""" Revista TRF - 3- Região. Vol. 52, mar. e abr J2002 57
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da o domínio útil ou a posse de bens imóveis, sub-rogam-se na r
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pess dos seus respectivos adquirentes, salvo quando conste do tí-
10a p va de sua quitação. ij
o mesmo sentido, o art. 131, inciso I, determina serem pes- 1i
1i
soal~ente sponsáveis o adquirente ou remitente, pelos tributos re-
- lativoS\aos b s adquiridos ou remidos.
~
lJ
~
- Por u turno, o art. 22, § 82, da Lei n2 6.830/80 permite a
emenda o .subs' uição da Certidão da Dívida Ativa até a decisão de
.. primeira ins cia, segurando-se ao executado a devolução do pra- I
.~
,... zo para emba os. "
~.
1.
Assim, enqu to não proferida decisão pelo magistrado de
,.. primeiro grau, po a ex üente emendar ou substituir a COA, de for- !!"
ma a fazer constar .pólo assivo da relação processual o adquiren-
te do imóvel - fato ge dor imposto objeto da cobrança.
- Contudo, no
riu .sentença julgando exti
so pr ente, o juízo de primeiro grau profe-
o p cesso, sem apreciação do mérito, a
, qual foi confirmada por esta. Co e.
Com efeito, conform se v ifica às fls. 36/38, os embargos
......
à execução foram julgados pro dent para reconhecer a ilegitimi-
,... dade passiva do embargante e e ingui a execução, nos termos do
art. 267, inciso VI, do Código de PIi so il. Outrossim, às fls. 16/19,
/"' encontra-se acostada cópia do acórd qu negou provimento à re-
messa oficial, confirmando a r. sentenç sub tida. Assim, incabível
a retificação do pólo passivo nesse mom to p cessual.
,... Ademais, deve ser considerado q sen extinto o proces-
so por meio de decisão transitada em julgad a p tensão da agra-
'"" vante consistente no prosseguimento da execu fisc, nos mesmos
autos, contra o sucessor legitimado para figurar o pó passivo da
relação processual, acarretaria violação ao instituto a co a julgada.
Isto posto, nego provimento ao agravo de i rum nto.
É como voto.
,... Desembargador Federal MAIRAN MAlA Relat -
,...

..-
AGRAVO DE INSTRUMENTO N2 50567
Registro 97.03.023199-3
---- Agravante: CLÁUDIOCARMONA
Agravado: INSTITUTO NACIONALDO SEGURO SOCIAL - INSS
~ Origem: JUfZO DE DIREITO DA 11 VARA DE MOGI MIRIM - SP
Relatora: DESEMBARGADORA FEDERAL SYLVIASTEINER
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...

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58 Revista TRF -
38 Região.Vol.52, mar.e abr.l2002 F

......

--
EMENTA
.....

EXECUÇÃOFISCAL - PRISÃO DE DEPOSITÁRIOINFIEL


.,..,.
- DETERIORAÇÃO DO BEM DEPOSITADO - DESCABI-
...... MENTO.
.......
1. Em matéria de restrição a direito fundamental, esta só

- deve ser adotada se os fjns a que se destina não pude-


rem ser alcançados por outros meios menos gravosos.
A prisão do depositário, além de desproporcional ao
dano causado,não induz à obtenção do fim almejado.
..... 2. Se o bem penhorado deteriorou-se sem culpa do de-
positário, mesmo em razão de ter sido decretada a que-
.....
bra da empresa, o decreto de prisão do depositário não
~
se justifica. '

.....
3.Agravo provido. Agravo regimental prejudicado.
... ACÓRDÃO
--
Vistos',relatadose discutidosestes autos, em que são partes
..... as acima indicadas, acordam os Desembargadores Federais da Se-
gunda Turma do TribunalRegionaJFederal da Terceira Região, por
.....
unanimidade de votos, em dar provimentoao agravo, e julgar preju-
'- dicado o agravo regimental,nos termos do voto da Relatora.
São Paulo, 13 de fevereirode 2001 (data do julgamento).
..... DesembargadoraF.ederalSYLVIASTEINER Relatara -
......-
RELATÓRIO
......

A Exma. Sra. Desembargadora Federal SYLVIASTEINER


"-. (Relatara): Trata-se de agravo de instrumento interposto por CLÁUDIO
CARMONAcontra a r. decisão do MM. Juiz de Direito da 1!!Vara de
''''
Mogi Mirim, que determinou o depósito do valor equivalente ao débi-
'-' to, em sede de execução fiscal, sob pena de prisão do agravante.
Às fls. 105/106 foi concedido efeito suspensivo ao recurso.
""
Desta decisão foi interpostoagravo regimentalàs fls. 216/217.
.....
Foi apresentada contraminutaàs fls. 221/225, vindo os au-
tos conclusos.
'- É o relatório.
DesembargadoraFederalSYLVIASTEINER- Relatara
10",.-

-...
""~'---7"';' ~~ ""'...

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189 .
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Revista TRF - 3& Região, VaI. 52, mar. e abr.l2002 59 Jt
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VOTO d ..

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A Exma.Sra. DesembargadoraFederal SYLVIASTEINER
(Relatora):Trata-se de agravo de instrumentointerposto por cLÁu- iJ.
;i
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....
DIO CARMONA contra a r. decisão do MM. Juiz de Direito da 1!!
Vara de Mogi Mirim, que determinouo depósito do valor equivalen-
.\i
iji
j
':11
te ao débito, em sede de execução fiscal, sob pena de prisão do
j,
.... agravante.
Tendoem vista o julgamentodo presenteagravo de instru- '!j
~
mento,julgo prejudicadoo agravo regimental.
'- A prisão do depositárioinfiel é medida extrema,como o é !1

qualquer medida restritiva de liberdade. Não é por excesso que a 11

'-' ConstituiçãoFederaldedicainúmerosincisos de seu art. 52,que trata


,\
:1
!
j
"-' dos direitos e garantias fundamentais do ser humano, à regulação
das hipótesesem que pode o indivíduoter restringidoseu direitofun- '1
'-- damentalà liberdade. No entanto, não basta a previsão constitucio- 11

'- nal ou infraconstitucionalà restrição da liberdade,conferindo-lheas- I1

sim a necessárialegalidadeformal. Os modernosconstitucionalistas 11


!J
-- apontam que, no que se refere às restrições a direitos individuais,
"forçosoé aceitar,pois, a existênciade restrições implícitas,deriva- 11

...... :ii
das também elas da necessidadede salvaguardar'outros direitos e
---- interessesconstitucionalmenteprotegidos''',afirmando,assim, "o ca- ,~
ráter restritivodas restrições".Assim, para o festejado mestre portu- ~
'- guês Jorge Miranda, as restrições a direitos fundamentais "devem ~
ater-seaos fins em nomedos quais são estabelecidasou permitidas"
~
.,
'"" ij
;;
bem como que "só deverão ser adoptadasse esses fins não pude-
'\..... rem ser alcançadospor meio de medidas menos gravosas"("Manual 1
de Direito Constitucional",Tomo IV, Direitos Fundamentais,Coimbra "
11
......
Ed. Ltda., 1988, p. 303). li
"- Não é tão recenteo desenvolvimento,pela doutrina,do cha- 'r
mado princípio da proporcionalidade,segundo o qual, no âmbito es-

-
"""
pecíficodas restriçõesa direitosfundamentais,a limitaçãoa tais direi- ,
tos deve ser "adequada(apropriada),necessária(exigível) e propor- ,
i
"-
cional (comjusta medida)",trazendo as precisas palavrasde Canoti-
lho ("Direito Constitucional",Livraria Almedina, Cóimbra, 1993, pp.
r
'- 617/8).
Descrevendo cada um de tais elementos, Raquel Denize
'-.,-" Stumm, em sua singular obra "Princípio da Proporcionalidade no Di-
reito Constitucional Brasileiro" (Livraria do Advogado Editora, Porto
'->-

'-
'-
.......
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190
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.-.

60 Revista TRF - 3&Região, Vol. 52, mar. e abrJ2002

.-.

....
Alegre, 1995) afirma o princípio da conformidade ou adequação,
como sendo aquele pelo qual a medida restritiva, que pretende rea-
,... lizar o interesse público, deve ser adequada aos fins que visa con-
cretizar; o da necessidade, aquele que pauta a restrição pela certe-
~
za de que o fim não pode ser atingido de outra maneira, sendo a
-- única possibilidade para a obtenção do fim almejado e a de menor
custo ao indivíduo; o da proporçionalidade, em sentido estrito, o que
,.....
traduz avaliar se o resultado obtido com a intervenção é proporcio-
,..
nal à carga coativa da mesma, aqui usando a Autora as expressões
de Canotilho, na já citada obra, que conclui: "os meios legais restri-
tivos e os fins obtidos deyem situar-se numa justa medida".
Dessarte, o exame da legalidade de determinada norma res-
,-..
tritiva de direito não se exaure na contemplação de seu conteúdo for-
mal. Em princípio, e evitando-se digressões acerca da possibilidade
da prisão civil do depositário infiel em face do ordenamento interna-
,......
cional e suprapositivo - já que nesse ponto tenho ressalvado entendi-
.- mento diverso - é certo que a Constituição a excepciona, e a lei civil
que regula suas hipóteses teria assim sido recepcionada pela nova
,- ordem constitucional. Transcrevendo a lição da antes citada Autora,
"o princípio da proporcionalidade é uma exigência substancial do Es-
tado de Direito no sentido de exercício moderado de seu poder". As-
.- sim, "em defesa do princípio da proporcionalidade, pode-se dizer que
em muitos casos os critérios políticos éonfundem-se com critérios ju-
/'"
rídicos, podendo o juiz adequá-Ios ao caso concreto. O juiz supre a
,... deficiência democrática da política que criou a norma, mensurando os
valores subjacentes a ela. O juiz exerce essa função, que constitucio-
,,- nalmente lhe é atribuída, devido a sua vinculação aos direitos funda-
.- mentais. (ou) O controleda legalidadetoma um sentido maiorque ul-
trapassa a mera forma, buscando na aplicação da lei da ponderação,
,-' não a insegurança de limites flexíveis, mas ao contrário, umafinalida-
r
de que reside no fundamento maior da viabilidade do convívio social:
a busca por uma crescente racionalização do sistema jurídico." (pp.
83/85).
No caso dos autos, e ora atenta ao que acima deixei regis-
.-
trado, tenho por certo que a medida restritiva de liberdade não se
mostra proporcional ao dano que se pretende evitar.
Ademais, no presente caso, o agravante não se negou a
apresentar o bem. Na verdade, a r. decisão foi motivada pelo laudo
~' pericial trazido por cópia às fls. 81 e ss., no qual se verificou a deterio-

,'.
, "
,-,-,"-"._-;-'-~~~'~-'-'--'---'-""

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J, RevistaTRF - 31 Região, Vol.52, mar. e abr.l2002 61
f.

,.....
!~ . ração do bem penhorado. Quanto a esta deterioração, o agravante 'i~
"'" forneceu duas explicações que considero suficientes, ao menos em ~I~"
lii
~
sede de cogniçãosumária, para a concessão do efeito suspensivo ao 1 .
,..... agravo:a) a deterioração é decorrente do fato de o bem penhorado, I
-- uma usina, não ter condições de permanecer em funcionamento,já !~
i
que foidecretada a falênciada empresa proprietária;b) a constatação jI
.-. da aludida deterioração se deu quando o bem não estava mais na
...
posse do depositário,ora agravante, eis que já havia sido arrecadado
nos autos de falência, razão pela qual ele não poderia ser penalizado 11i
i!
,... pelos estragos causados ao bem neste período.
Assim, não possuindo o depositárioa disponibilidadejurídi-
ca sobre o objeto da penhora, durante o período em que vigorou a
!~
r-
falênciada empresa (a 4t\Câmara de DireitoPrivado do EgrégioTri- i~
,.,
bunalde Justiça de São Paulo cassou a sentença de quebra e extin-
guiua ação de falênciasem julgamentode mérito,c1.o v. acórdão tra-
zidopor cópia às fls. 20/23), não há que se cogitar de sua prisão, em
razão da falta de conservação do bem penhorado.
r-- Quanto ao "periculumin mora",evidencia-se na medida em .,j
que a liberdade individualdo agravante está ameaçada, em face do
dispostona r. decisão agravada. i
Por primeiro,não atende ao princípioda adequação. A pri- ~
'""
são do agravante não tem aptidão para recompor o patrimôniopúbli- ~
'~
r- co atingidocom a desvalidação do bem depositado. Em segundo lu-
gar,não está demonstradaa necessidade da constrição,entendidaesta
como a única possibilidade de se obter determinado fim mediante
,-. menor custo para o indivíduo.Por fim,a constrição, nesse caso, fere
de morte o princípioda proporcionalidadeestrita, já que o resultado a I
,... ser supostamente obtidoé desproporcionalà carga coativa do ato. O
jurista,adequando os princípiosjurídicosaos valores a eles subjacen- Itt
,- .:)
tes, não há de vislumbrarsintonia entre o prejuízotrazido pela perda .~
,..... de mil sacas de arroz e a restrição à liberdade individualde um ser ,1
9
humano,levando-oao cárcere, se o prejuízopode ser recompostopor .~
"
outras formas. n
~
Ora, o princípioda proporcionalidade das restrições a direi-
L
a
tos individuaisnão se compadece com tal propósito, pois aí compro-
..... vada a inadequaçãoe a desnecessidade da ordem constritiva.
Por todo o exposto, julgo prejudicadoo agravo regimentale I"
--
dou provimentoao agravo de instrumento. ,3
É como voto. :~
~<'- I~
Desembargadora Federal SYLVIASTEINER- Relatora ;~
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Revista TRF 3" Região, Vol. 60, jul. e agoJ2003 i,
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-
- APELAÇÃO CÍVEL
Registro 2002.03.99.013233-5
g
!

Apelante: STOLTHAVEN SANTOS LTDA.


Apelados: MINISTERlO PÚBLICO FEDERAL E UNIÃO FEDERAL
- Relatora: DESEMBARGADORA FEDERAL CECiLIA MARCONDES

- Revisor: DESEMBARGADOR FEDERAL NERY JúNIOR


Classe do Processo: AC 788365

- Publicação do Acórdão: DJU 29/0112003, SEÇÃO 2

- EMENTA ç

;
AMBIENTAL- AÇÃO CML PÚBLICA - VAZAMENTO DE
."... SODA CÁUSTICA - RESPONSABILIDADE OBJETIVA-
INDENIZAÇÃO DEVIDA - POSSmILIDADE DE APLICA-
,..
çÃO ANALÓGICA DE TRABALHO CONCERNENTE
1j
- A DERRAMAMENTO DE PETRÓLEO E DERIVADOS,
i
- ",
À FALTA DE MELHOR CRITÉRIO PARA FIXAÇÃO DO
QUANTUM DEBEATUR - PRINCÍPIO DA RAZOABILIDA-
!,
. :
,,- DE QUE DEVE, EM QUALQUER CASO, SER OBSERVADO.
I - A indenização decorrente de dano ao meio ambiente é
,..-
devida independentemente da existência de culpa (art. 14, §
.
j

1°, Lei 6.938/81).


-- 11 - O laudo pericial é categórico ao atestar a lesividade do ,
'1
evento ocorrido. Ademais, milita em favor da tese da ocor- '!

rência de dano uma presunção hominis, porquanto parece


r-
.--,.---
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193'
- ~
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-~ ,
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Revista TRF - 3" Região,VoL 60, juL e ago.l2003 177

mais razoável face às máximas de experiência acreditar-se que


(
um vazamento de centena e meia de litros de soda cáustica
provoque algum tipo de lesão ao ecos sistema atingido do que
- se imaginar que tamanha quantidade de substância nociva seja
- despercebidamente assimilada pela fauna e flora locais.
lU - A prévia degradação do local atingido não afasta a res-
ponsabilidade, sob pena de se subtrair por completo a eficá-
cia da norma constitucional de tutela do meio ambiente. Tam-
pouco a pequena proporção da lesão tem esse condão, já que
\
- a única diferença que há entre as grandes e as pequenas agres-'
sões ao meio ambiente está na quantificação da punição a ser

- imposta ao causador.
IV - A indenização a ser imposta deve obedecer ao princípio
- da razoabilidade, mas sempre com vistas a desestimular a
transgressão das normas ambientais.
:,

- V - À míngua de melhor critério, nada impede que o juiz


adote critérios estabelecidos em trabalho análogo relativo a
derramamento de petróleo e derivados, desde que atentando

-. para o princípio da razoabilidade. A fIXação de indenizações


desmesuradas ao pretexto de defesa do meio ambiente confi-
-. gura intolerável deturpação da mens legis, não podendo no
caso em tela o Estado valer-se do silêncio da lei para espoliar
o polui dor a ponto de tomar inviável o empreendimento.
",.... VI - Apelação parcialmente provida.
VII - Recurso adesivo do Ministério Público improvido.
""'

,.. ACÓRDÃO

-",
, Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima in-
,..... dicadas.
Decide a Terceira Turma do Egrégio Tribunal Regional Fe-
,....
deral da 3&Região, por unanimidade, dar parcial provimento à apela-
ção e negar provimento ao recurso adesivo, nos termos do voto da Sra.
Relatora.
São Paulo, 18 de dezembro de 2002 (data do julgamento).
r- Desembargadora Federal CECÍLIA MARCONDES Relatora -
"

194 .
..,

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~
I.:
I:
~: 178 Revista TRF - 3" Região, Vol. 60, jul. e ago./2003 I
'Ji.
'li.. !
r<i;: iI
-- \l !
I
I
ID I
RELATÓRIO J,
m, ~

A Exma. Sra. Desembargadora Federal CECÍLIA MARCON-


,-- li DES (Relatora): Trata-se de apelação em ação civil pública proposta
pelo Ministério Público Federal em face de Stolthaven Santos LTDA.,
~
~~,' visando, à reparação de danos ambientais decorrentes do vazamento de
~: soda cáustica no Porto de Santos.
~, Segundo alega o Parquet em sua peça inaugural, consta que
~'
!fi
~\. aos 14/10/90, durante o bombeamento de carregamento de soda cáusti-
~'
ca do Navio Capri Alfa para o terminal da empresa ora apelante, deu-
~,
Ik'
it' se o extravasamento para o mar de cerca de centena e meia de litros I

ID
iI! daquele produto, em virtude da falta de dispositivo de segurança na \
r
'"""' ~
I
tubulação por onde era transferida a substância, daí decorrendo dano-
~:
!
~; sas conseqüências ambientais para o ecossistema atingido.
i\:j
:1; Contestou o pedido a apelante, aduzindo em preliminar ca-
~\
~! rência de ação por ilegitimidade ativa do Ministério Público, e, no
~ mérito, a inexistência de dano ambiental indenizável, considerando-se
~' a quantidade de poluente lançada ao mar e a quantidade de água ali
t''li existente.
'"""'
'r
'iI;
Ante o deferimento de prova pericial, o Ministério Público
Federal trouxe aos autos tIabalho elaborado por técnicos da CETESB
estabelecendo critérios para quantificação de danos ambientais causa-
I dos por derramamento de petróleo e se~s derivados, de modo a auxiliar
"... Ii o ilustre perito designado no cálculo do quantum indenizável.
~,
Apresentado o laudo, concluiu o expert pela existência de
ir lesão efetiva ao ecossistema local, conclusão esta firmemente contes-
li '
,- tada pelo assistente técnico da apelante. A partir daí desenvolveu-se
~'
ti extenso debate acerca dos métodos utilizados na perícia e da validade
11
:fi. de suas conclusões.
~' A União Federal foi admitida no feito como assistente do
~:
ifj órgão ministerial, vez que o mar territorial é bem de sua propriedade,
~,
!fi havendo, por conseguinte, interesse jurídico na causa (fIs. 220).
~: Prosseguiram os debates, respondendo o perito aos quesitos
~;
formulados pelo d. juiz a quo em laudo suplementar. Novo trabalho
~\
m' também foi apresentado pelo assistente técnico da apelante.
,- ~~
jj'i Prolatou-se sentença, decidindo o ilustre magistrado pela pro-
ii!:
111:
~!'J,
W '!
,-
r

195.

~
-- ..,

-
--

Revista TRF - 3" Região, Vol. 60, jul. e ago.l2003 179

-
cedência do pedido, porquanto configurado o dano ambiental, ainda que
considerada a pequena quantidade do poluente. Anotou, ademais, ser

- devida indenização independentemente de ter ou não agido culposa-


mente o agressor, sendo objetiva sua responsabilidade. Fixou o valor
da indenização em montante equivalente ao valor mínimo encontrado
segundo o trabalho científico elaborado pela CETESB e apresentado
pelo MP, salvo se outro trabalho do gênero venha a ser apresentado em
substituição.
Dessa decisão interpôs-se o presente recurso, alegando a ape-

- lante ser incabível a utilização do trabalho da CETESB no caso em .;

:~

- apreço, já que de petróleo ou derivado não se trata. Reitera suas im- 1\


:1
pugnações ao laudo pericial, frisando a inexistência de dano ambiental i
passível de indenização. :j
,... O Ministério Público Federal oferec.eu contra-razões e inter- "i
'j

pôs recurso adesivo, impugnando a r. sentença tão-somente no tocante ;1

à limitação da indenização ao valor mínimo estabelecido no trabalho


-
~!

científico da CETESB.
1
-. Por fim, a apelante ofereceu contra-razões ao recurso adesi-
}
- vo, postulando a sua inadmissibilidade e reiterando os argumentos já
expostos em sua apelação. Contra-razões também foram oferecidas pela
~

- União Federal. 1

- É o relatório.
Desembargadora Federal CECÍLIA MARCONDES - Relatora
1
I
- :a
VOTO ij

-- A Exma. Sra. Desembargadora Federal CECÍLIA MARCON- I


- DES (Relatora): Trata-se de apelação e recurso adesivo em ação civil ~

- pública na qual se postula a indenização por dano ambiental decorren-


te do vazamento de soda cáustica nàs águas do Porto de Santos.
Primeiramente, atesto o cabimento do recurso ministerial.
~
.~
!~

~
i)

,..... Diversamente do alegado pela apelante, o interesse recursal do Minis-


tério Público está configurado, haja vista que o ilustre julgador de pri-
I
meiro grau limitara a condenação ao valor mínimo previsto no trabalho I
.\

"
científico elaborado pelos técnicos da CETESB. Como ensina JOSÉ
CARLOS BARBOSA MOREIRA, configura-se o requisito do interesse
i
'-.-,-' '----.. -- __I

~
196-

r
- ..,

,--

- 180

-
Revista TRF - 3" Região, Vo1.60, jul. e ago.l2003

-
- em recorrer "sempre que o recorrente possa esperar, em tese, do julga-
mento do recurso, situação mais vantajosa, do ponto de vista prático,
- do que aquela em que o haja posto a decisão impugnada (utilidade do

- recurso) e, mais, que lhe seja preciso usar as vias recursais para alcan-
çar esse objetivo (necessidade do recurso)"l. Em outras palavras, tam-
bém o Parquet se mostra vencido - ainda que em menor escala - sendo

,- cabível o recurso por não haver obtido tudo o que poderia esperar da
sentença. Conheço, pois, da apelação adesiva.
- Avançando ao mérito, resume-se a discussão a dois tópicos

- bem definidos, quais sejam, a existência de dano ambiental e o método


de apuração do quantum indenizável. Há entre aquele e este relação
- explícita de prejudicialidade, pelo que inicio a argumentação pelo pri-

- meiro ponto supracitado.


O direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, en-
- quanto condição essencial à sadia qualidade de vida, foi objeto de aten-
ção especial do legislador constituinte de 1988, merecendo destaque a
-, norma insculpida no artigo 225, § 3°, verbis:
,..
- "As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio am-

- biente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a


sanções penais e administrativas, independentemente da obri-
- gação de reparar os danos causados".

,. A interpretação da norma é clara: quis o constituinte que o


..... meio ambiente fosse resguardado de ações deletérias praticadas quer por

- pessoas naturais, quer por entes morais, prevendo para tanto a possibi-
lidade de atuação do Poder Público em três frentes distintas, a fim de
-- "

i
li
dar eficácia total ao dispositivo constitucional, a saber:

- L
I
l'
- aplicação de penalidades administrativas, utilizando-se a
Administração de seu poder de polícia para coibir as condutas e ativi-
- dades nocivas ao meio ambiente (Lei 9.605/98, arts. 70 usque 76);
- tipificação de condutas a partir do permissivo constitucio-
,.~ u:
,
~ nal do supracitado parágrafo terceiro, valendo-se o estado da ultima
,t>
~

ratio do Direito Penal para coibir as injustas agressões aos mais diver-
!
~
,-, ~
i I In "O Novo Processo Civil Brasileiro", 20" edição, Forense, 1999, págs. 117/118.
,..., I
1

,...,

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RevistaTRF - 3" Região, Vol. 60, juJ. e ago.l2003 181
.......
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'"'
I
sos ecos sistemas (Lei 9.605/98, arts. 29 usque 69);
- obrigação de reparar os danos causados, por meio de justa
r--
I
indenização a ser fixada criteriosamente pelo juiz segundo as normas
')
do direito civilístico.
No caso em apreço, é relevante unicamente a última das mo-
') ,1
dalidades de reparação do mal causado, razão pela qual merece desta-
')
que a norma do artigo 14, § 1°, da Lei 6.938/81, in verbis:
~, ,
J
"Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste arti- ,
,~

~) go, é o poluidor obrigado, independentemente da existência \


~
de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio
) i
ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Minis-
,
,i

') tério Público da União e dos Estados terá legitimidade para j


~ propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos I!
J ,
causados ao meio ambiente" (g. n.).
j
i
1""')
" j
~ A mera leitura desse excerto legal já permite estabelecer al- '1
) ,I
gumas considerações relevantes para o deslinde da controvérsia. Por 1;j
') primeiro, quis a ré na contestação ver reconhecida a ilegitimidade ati-
j
va do Parquet federal ao assombroso argumento de que este não com- ,1
,
') '1
provara a propriedade da área agredida (fis. 35). Claudicou, todavia, ao ij
') esquecer-se de que a instituição Ministério Público é entidade desper- ~
~
"

') sonalizada, cuja atuação encontra estribo apenas e tão-somente na lei. 1 ,1


Seus atos são vinculados; nada além pode e nada aquém lhe é permiti- .,

') do fazer, sendo pouco crível possa alguém imaginar que aquela insti-
'\

, )
tuição somente poderia agir quando comprovasse a qualidade de domi- 'j,
,
nus. Está claro, pois, que o Ministério Público é o órgão legitimado para ~
. 1
"') promover a presente ação, quer por expressa disposição da Lei supra- j
j
r') citada, quer pelo disposto no artigo 1°, I, combinado com o artigo 5°, :\
initio, da Lei 7.347/85.
~)
Outro ponto de relevância extrema é a previsão da Lei no sen- j1
') tido de que, em havendo dano ao meio ambiente, a indenização dele 1
~
derivada é devida independentemente da constatação de culpa do agente t
r"')
(ope legis). Daí decorre que, ainda que a lesão ambiental decorra de
~

caso fortuito ou força maior, persiste a obrigação de indenizar, somen- I


!
te sendo matérias de defesa ou a inexistência de dano efetivo ou a falta \
') 1
'j;
~)
. .. ,..., '.."---' o ,'.- _.m'o ;
uo 0_'- --0',-0
.:
')

')

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t

182 -
Revista TRF 3" Região, Vol. 60, jul. e ago.l2003

de nexo de causa e efeito entre o ato praticado e a lesão ambiental exis-


tente.
Aqui há de se adentrar no tormentoso terreno da prova peri-
cial produzida. Se está inconteste nos autos a ocorrência do vazamento
de centena e meia de litros de soda cáustica, o mesmo não se pode di-
zer quanto à possível lesão ambiental dele decorrente. Eis o nó górdio
- que agora cuidarei de desatar.
Ensina HUMBERTO THEODORO JÚNIOR não ser admis-
sível "exigir que o juiz disponha de conhecimentos universais a ponto
- de examinar cientificamente tudo sobre a veracidade e as conseqüên-
cias de todos os fenômenos possíveis de figurar nos pleitos judiciais".2
Assim, nos casos em que falta ao juiz o conhecimento técnico específi- I

co, cumpre suprir tal deficiência por meio da nomeação de um expert, I


ou seja, um profissional qualificado e isento que possa esclarecer ao juiz \
os pontos que se lhe mostram obscuros do contexto fático dos autos.
.-. \
, Assegura ainda o Código Processual o direito às partes de I
trazer ao conhecimento do juiz a opinião de profissionais versados na \
área objeto da perícia, de modo a permitir uma profunda discussão so- \
bre a validade do la~do oficial elaborado. Todavia, é evidente que não
- )
se pode dar aos laudos dos profissionais contactados pelas partes o \
mesmo valor probante daquele atribuído ao laudo confeccionado pelo
perito judicial, já que se é de se esperar deste uma conduta isenta, da-
queles não se pode exigir a mesma imparcialidade. O juiz, portanto,
examinará tais laudos como simples pareceres, dando-lhes a credibili-
dade que merecerem.3
Fixados esses pontos, entendo ter agido corretamente o d. juiz
a quo, pois também vislumbro no caso em tela a ocorrência de dano
ambiental passível de ser indenizado. O trabalho elaborado pelo perito
judicial está fundamentado, assim como claras estão as razões e méto-
dos empregados que o levaram a concluir pela efetiva danosidade e
periculosidade do evento ocorrido. Não bastasse a conclusão pericial,
é de se frisar que milita em favor da tese da ocorrência de dano uma
presunção hominis, porquanto parece mais razoável face às máximas de

2 In "Curso de Direito Processual Civil", vol. I, Forense, 28" cdição,-1999, pág. 477.
3 Humberto Theodoro Júnior, op. cit., pág. 478.
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Revista TRF - 3" Região, Vol. 60, jul. e ago.l2003 183 .t,
)

.-

experiência acreditar-se que um vazamento de cento e cinqüenta litros


""' de soda cáustica provoque algum tipo de lesão ao ecos sistema atingido
do que se imaginar o oposto, isto é, que tamanha quantidade de subs-
tância nociva seria despercebidamente assimilada pela fauna e flora do
'"' local atingido.
Nem se procure elidir a responsabilidade sob a alegação de
.....
que tal evento se revela de pequena monta se comparado ao grau de
,.... degradação do ecossistema do local. Admitir-se essa escusa equivale-
ria à adoção do princípio da bagatela ou da insignificância na esfera
ambiental, o que redundaria na total e absurda ineficácia da norma cons-
""" titucional que prevê expressamente o dever de manutenção de um meio
ambiente sadio e harmônico. Saliente-se ainda que pequenas lesões rei-
"'"
teradas têm o mesmo ou maior poder destrutivo que um grande desas-
tre ecológico, não havendo diferenças substanciais entre uns e outros
,....
senão na quantificação da punição a ser imposta ao causador.
Configurado, pois, o dano ao meio ambiente, passo agora à
análise do segundo tópico a que me referi acima, ou seja, à determina-
""'
ção do quantum devido pela apelante a título de indenização.
A lei não se preocupou em determinar valores ou sequer es-
......
, tabelecer critérios objetivos para a quantificação em pecúnia dos even-
tos lesivos ao meio ambiente. Nem poderia ser diferente, na medida em
que se tratando de dano ambiental, há que ser avaliado o caso concreto
,....
1 para se determinar o justo montante devido, tarefa esta afeta ao magis-
,-.. trado, que para tanto se escora no princípio da razoabilidade.
In casu, a razoabilidade impõe a fixação de indenização de
forma moderada, considerando-se as circunstâncias que medeiam o caso
,..... concreto (v. g. vazamento de pequenas proporções, características da
substância derramada; sensibilidade do ecos sistema lesado). Todavia,
I'"""'
não se pode olvidar que a fixação em montante irrisório corresponde-
, , ria a verdadeiro estímulo ao desmazelo no trato com o meio ambiente,
de modo que entendo deva ainda ser sopesado na avaliação do valor
,.- .I
indenizável o caráter de escarmento da penalidade, um fator de inibi-
,.... ção para reiteração de condutas lesivas.
,-..
O d. juiz a quo estabeleceu como um possível critério para
fixação da indenização o valor mínimo encontrado segundo o trabalho
,-. científico elaborado pela CETESB. Conquanto se trate de trabalho de-
""'

""

,-...

,.... 200

r-
~

11'

184 Revista TRF - 3" Região, VoI. 60, juI. e ago./2003


.....

senvolvido especificamente para os danos causados por derramamento


de petróleo e seus derivados, à míngua de melhor parâmetro não vejo
óbice para a sua utilização, aplicando-se-o analogicamente ao caso em
apreço. Ademais, é o que tem decidido este Tribunal:
,....

"AÇÃO CIVIL PÚBLICA. INDENIZAÇÃO. DANO AMBIEN-


TAL. DERRAMAMENTO DE ÓLEO AO MAR. CF, ART.
225. LEIS 6.938/81, 9.605/98. RESPONSABILIDADE OB-
JETIVA. INDEPENDÊNCIA DE INSTÂNCIAS CIVIL, PE-
NAL E ADMINISTRATIVA. PORTARIA DA CETESB. ES-
TIMATIVA DO DANO. PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE.
PRECEDENTES.
I. Evento danoso incontroverso, decorrente de derramamento
de óleo ao mar por navio quando atracado no Porto de Santos.
Irrelevância da preexistência de elemento poluidor na área.
11.O meio ambiente goza de proteção constitucional ex vi do
art. 225.
III. A efetividade da proteção ao meio ambiente, de interesse da
coletividade, só é a1cançada apenando-se o causador do dano.
Em se tratando de dano ambiental, é objetiva a responsabilida-
de do poluidor. Leis 6.938/81, 9.605/98. CF, § 3°, art. 225.
IV. Independência das instâncias. Verificado o dano ambien-
tal, coexistem a obrigação civil de indenizar, a responsabili-
dade administrativa e a penal. Precedentes (STF: Tribunal
Pleno - MS 21.l13-0/DF, ReI. Min. Moreira Alves, DJ de \I
14/6/91; STJ: RHC 9.6l0/SP, ReI. Min. Femando Gonçalves, ,
\
DJ de 21/8/2000; ROMS 9.859/TO, ReI. Min. José Amaldo
I
da Fonseca, DJ de 17/4/2000; RHC 9.281/PR, ReI. Min. Gil- iI
son Dipp, DJ de 30/10/2000; e TRF: RHC, Registro n° !
r
93.03.104793-1/SP, 23 Turma, ReI. Desembargadora Federal
Salette Nascimento, DJ de 06/8/97).
V. Portaria da CETESB. Critérios genéricos para fixação do
,-
evento danoso. Validade.
I
VI. É o Judiciário, na análise de cada caso concreto, que dirá i
i
da pertinência do montante indenizatório, sempre atento ao I
princípio da razoabilidade, que deve permear as decisões des-
\
\

201
-- ..- , ~ ~-- .--~
"......

.....

.,
......

.....

--
1
..... ~
:ft
- Revista TRF - 3' Região, Vol. 60, jul. e ago.l2003 185
i8

sa natureza.
li
VII. Apelo da autora improvido. Apelo ministerial e remessa
oficial parcialmente providos." (g. n.) 11
-- (TRF 33 Região, Sexta Turma, AC 97.03.086417-1/SP, ReI. '"
""" Desembargadora Federal Salette Nascimento, decisão unâni-
me, Dm 07/01/2002, pág. 38) l~

Contudo, ressalto que, em se tratando de substância menos no-


civa ao meio ambiente, impõe a razoabilidade que seja este ponto leva- ')
j
..... do em consideração, razão pela qual a mim me parece que o juiz não ,i
1
deve desde logo fixar como piso indenizatório o valor mínimo estabe~
lecido naquele trabalho. Em outras palavras, o piso recomendado no do- ~
"'"' cumento da CETESB corresponde ao mínimo devido no caso de lesão
ambiental decorrente de vazamento de petróleo. Não é razoável, por-
'!I
a~
-- ~
tanto, fixar o mesmo mínimo se o produto lançado ao mar é outro, no-
,,-. toriamente de menor agressividade. '~
~
De relevo ainda considerar-se que, tomando por correta a '~
.... 'I'
operação aritmética lançada às fis. 352, constata-se que à apelante será
:~
imposta uma penalidade equivalente a mais de R$ 2.000,00 por litro ~
~
de soda cáustica derramad04. Ora, a fixação de indenizações desmesu-
radas ao pretexto de defesa do. meio ambiente configura intolerável
m.
:11\
.

.
m

-- deturpação da mens legis, não podendo o Estado valer-se do silêncio ~


) i>t

da lei para espoliar o poluidor a ponto de tomar inviável o respectivo


~
empreendimento.
...
Destarte, à míngua de melhor critério para verificação do
quantum indenizatório, adoto os parâmetros científicos fixados pela I
'li
..\
proposta elaborada pela CETESB, ressaltando a necessidade de ;J,
adequação do montante abstratamente sugerido às peculiaridades do :'i
--
caso concreto.
.- Por fim, à luz dos argumentos acima destacados e, em espe- '.7;

cial, do princípio da razoabilidade, considero bastante e suficiente a


"~
fixação de uma indenização correspondente a 20% (vinte por cento) do :;.
':iI
,';!!
-- valor mínimo previsto na "Proposta de Critério para Valoração Mone-

--- 'i
. Considerando-se como incontroverso nos autos que o vazamento se restringiu a algo entre :re
150 e 200 litros, bem como adotando como critério de conversão USS 1,00 = RS 3,00. ~~

J
,.....

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,.....

..... 202
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..-
..

'"'

-
,.. 186 Revista TRF - 3' Região, Vol. 60, jul. e ago.l2003

tária de Danos Causados por Derrames de Petróleo ou de seus deriva-


dos" (CETESB). Bastante por ser cifra apta a compor os danos causa-
dos; suficiente por constituir reprimenda idônea para repercutir na es-
fera patrimonial do poluidor a ponto de desestimulá-lo a reincidir na
agressão ao meio ambiente.
....
Isto posto, DOU PARCIAL PROVIMENTO à apelação inter-
-- posta, fixando a indenização a ser paga pela ré-apelante em 20% (vinte
por cento) do valor mínimo obtido pela aplicação dos critérios estabe-
lecidos pela CETESB em seu trabalho de fIs. 66/90, e NEGO PROVI-
MENTO ao recurso adesivo do Ministério Público.
,..,
É como voto.
Desembargadora Federal CECÍLIA MARCONDES - Relatora

--
APELAÇÃO CÍVEL
egistro 2002.03.99.016922-0
,..

,-
,....

,.. EMBARGOS À EXECU - O FI AL. JUROS E MULTA


l-
i- DE MORA. LEGALIDADE CO NÇA. RESPONSA-
li BILIDADE DOS SÓCIOS. AR .135, , DO CTN.
!, I - A multa moratória, no percentua cobra, decorre da apli-
"'" r cação de legislação expressa, não ca ndo a Poder Judiciá-
I:
i rio sua redução ou exclusão; sob pena ofens direta à lei.
ii
A disposição da Lei 9.298/96, que alterou orma o Código
,.-
r,; de Defesa do Consumidor, não se aplica à es 'cie do autos,
j; por referir-se esta a relação de consumo.
11
!'
II - O art. 161, § 1°, do CTN, é claro ao dispor so e a pu~
sibilidade de regulamentação da taxa de juros por le extra-
II vagante, fixando-a, de forma supletiva, em 1% ao mês. n-
,-.

___0 ------ ---0 0 "

--
""'

203-

,-.
Eng.o IVO ARNALDO VALENTINI
AVALIAÇÕES E PERÍCIAS .lUDI.CIAIS
caEA 194.0G2/D

....

..... Exma. Sra. Dra. Juiza de Direito da 1Q Vara Federal da Seçao


Judiciária de Sao Paulo.

--

,-..

Proc. nQ: 904201-6


,....
Açao: DESAPROPRIAÇAO
Reqte: ELETROPAULO ELETRICIDADE DE SAO PAULO S/A
-- Reqdo: ANTONIO ROBERTO DOS SANTOS
~)i
~-\.I \.
. \
,....

IVO ARNALDO VALENTINI, engenheiro

~
registrado no CREA-SP sob o nQ 194.062/D, honrado como Perito

Judicial nos autos da açao supra, tendo finalizado seus


,..

estudos e levantamentos, vem a V. Exa. apresentar suas


...

,.... conclus6es no seguinte

.-.

,.....

,-..

LAUDO PERICIAL
,....

204

- - ---
,,-.

.......
Eng.o IVO ABNALDO VALENTINI
AV~ÇÕESEPEm~~~UDI~~S
,.. CREA J.94.0G2/D

,...

,...
o presente Laudo constitui-se das
,...

seguintes partes:
.....

.....

.....

..... I. Apresentaçao
--
,... 11. Objetivo da perícia

.. 111. Hist6rico Sintetizado

.- IV. vistoria
,,-.

V. Memorial Descritivo
.....

VI. Avaliaçao
.....

,..
VII. Conclusao

VIII. Quesitos
...

IX. Encerramento
---

.-
anexo I - fotografias
......
anexo 11 - normativos

'" 205
--~~--"---'''''.' .0 -"~-'''~~-'-
r-

,...,

~
"

,,-. Eng.o IVO ARNALDO VALENTINI '",,\


~
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AVALIAÇÕES E PERÍ<:IAS .lUD.I<:IAI.S ;1::.
"... CREA 1S4.OG2/D 1-' p,.. -"7:\

- t.
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'\. 7." .,
~
H':;:'1
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I. APRESENTACAO
"'"'

..-

,....

-- Proc. nQ: 904201-6

"", Açao: DESAPROPRIAÇAO

,.. Reqte: ELETROPAULO ELETRICIDADE DE SAO PAULO S/A


,.... Reqdo: ANTONIO ROBERTO DOS SANTOS

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\
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-- \ -)
..-
lI. OBJETIVO DA PERICIA
-
,...
..-
A presente perícia tem por escopo
".,..

".-
determinar o valor médio atual de venda de mercado do terreno
,-..

r' sem benfeitor ias , situado na Rua Dep. Nelson Fernandes, s/nQ,

"""'
bairro Cidade Kemel, Município de Poá, Estado de Sao Paulo,
""

..... bem como responder aos quesitos formulados pela autora às


,,--
fls. 17 dos autos.
---

.....

""' 206
..~ ~ "''''-'~'''''''''''''''''''~","''''''''''''''''''''-'---~''''-'-'-''---'-'-'- . '.' ",,,d.,-......

,-. c. ~ .';'.C-/",:,*~~,'~V,:,;,,"'."'~..Y.h..:.. ...=."",i",.,,~; A.;;' <...


--
"..

/~~"

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Eng.o IVO ARNALDO VALENTINI '

AVALIAÇÕES E PERÍCIAS .JUDICIAIS :'=t Jfl:~' ~ ~:


.- CREA 194.062/D

~
:.\.
"h_'_(_,::"
,.\ .
,
- '"

"'" '

.-..
II~. HIS~RICO SINTETIZADO
.....

Trata-se de uma aç60 de DESAPROPRIAÇAO ajuizada


~.

.- pelo Representante legal da expropriante ELETROPAULO

-. .
ELETRICIDADE DE SAO PAULO S/A contra o expropriado ANTONIO

ROBERTO DOS SANTOS, alegando e expondo o seguinte:

"'"

a. que, de conformidade com o Decreto Federal nQ


-
86.521 de 30.10.81, a área de terreno com 84,65m3 (oitenta e
,...
quatro metros e sessenta e cinco decimetros quadrados) foi
-
declarada de utilidade p~blica, destinada a passagem da linha
~

de transmiss60 L.T. RAMAL ETT NORDESTE - QUADRADO VILA OLIVIA


-~
1-2-3 e L.T. NORDESTE ETT MOGI 1-2-3, constituida pela
--
-- gleba 52, lote 14 da quadra 24, situada na Rua Nelson

Fernandes s/nQ, bairro Cidade Kemel, zona urbana do Municipi~cc...-.


de poá;

.- b. que, o valor indenizat6rio ofertado pela'


- expropriante ~ de "Cz$ 2.076,46 - dois mil e setenta e seis
cruzados e quarenta e seis centavos moeda da ~poca",
.... correspondente ao valor venal do lote cadastrado na PMPOA;
r
c. que, diante dos fatos, solicitam à MM Juiza do
~

"..
feito, a imiss60 da posse da referida área, a citaç60 do
expropriado nas formas da Lei, a procedência da presente
aC;:6o, a nomeaC;:6ode Perito Avaliador, a de seu
.-. indicaC;:6o

- Assistente T~cnico e formulaC;:6o de quesitos respectivamente

"..:
às fls. 65 e 20 dos autos.

--- Prosseguindo o andamento normal do Processo Judicial,

- foi o Perito avaliador nomeado às fls. 58 dos autos.

.-. 207
,-..
,-
r-.

.....

",....
I~~~
Eng.o IVO ARNALDO VALENTINI
J:L~\
,.....

..-.

'"'
IV. VISTORIA
AVALIAÇÕES E PERÍCIAS
CREA 194.062/D
.JUD.lCIAl.S

W
i~ fLS

?"'

~
Realizada na data de 11.09.97, por
,...
volta das 8:30 horas.
,...

1"".

IV.1. Localizacao
--

,-
IV.1.1. Endereço
,..

~
Vi
.....
O im6vel em tela situa-se à Ci\ " I
/< '''-_r'

Via
/'"' Rua Dep. Nelson Fernandes, alto nç 468
Bairro Cidade Kemel
?"' Município Poll

",-

'

......

r"

.-.. IV.1.2. Planta Genérica de Valores ( PGV )

.-
lf"C-

".... Segundo a PGV do Município de Poll, o


""' im6vel pertence ao

""'"'

.... Lote 14

,~ Quadra 24
.... Zona Z - 01
,-
208
~' = ~ ...-. ...'.
,.-
,-
)-

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"...
Eng_O IVO ARNALDO VALENTINI
",~:':'-"
,
':;.:"r;-'":",:;-< ;
~\\
- AVALIAÇÕES E PE.RÍ.CIAS
CREA UW.062/D
.lUOICIAlS
;,:€

\
:-~ .

1:1- r-5
""",

~QJ
c:\

"..,
\:j
1~~0"l;
,

Ind. fiscal I 8,10


,....
Uso I resido
,-,
Dens. Demogr. I baixa
.....

Taxa ocupo máx. 2,0


,,- I

Coef. aprovo máx. I 0,8


inscr. muno nQ 43.211.51.15.0234
"'. I

.....

,-.,

r"

')
/"'
\ /

....
IV.l.3. Limítrofes \/1
"""' ,\
,
,
'
'
\ '
.....

, , Completam a quadra as seguintes vias


ptJ.blicas:
--

- 1 Viela 4

- 2 Viela 5
........
3 Rua Mentha Addas
, ,

,.......

- IV.2. Características da Reaiao


,....

",""
De conformidade com as Normas vigentes

...... para Avaliaçao De Im6veis Urbanos, a localizaçao do im6vel em


testilha classifica-se com sendo do de
~. 6Q tipo bairro,
,..... definido pelos seguintes parâmetras económicos:

,-

~ Mi praf. mino = 15,00m


Ma prof. máx. = 30,00m
,.... r testo ref. = IO,OOm
---

,.... 209
. "~ ~-,..," '''-"'''''''--'''''-''~''~-C'''---'''';C'~'~~~''''",""",,' -'o_." ~"-'-''''''''''''''''''''''''-''''''''''''''''~'''''-'-'''~' ,"., ~~, ,--." ~,. '~~_. ~.~.
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""" ,',.',
-.
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""
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Eng.o IVO ARNALDO VALENTINI h;"~
AVALIAÇÕES E PERÍCIAS
CREA 194.06ZID
.lUDICIAJ.S
;;:)
~\... ~.~, "
Z "

,.Q--
?,

S'
"\ 'y
,.- ?'o~
=- ,~.
--

IV.2.1. Melhoramentos P4blicos


,.....

""'

o bairro Cidade Kemel onde se encontra


,..
o imóvel em testilha, é dotado de ligaçao de água, energia
elétrica, inclusive nas vias pdblicas, a quase totalidade das

ruas com pavimentaçao asfáltica, guias e sarjetas, coleta de

lixo, relativamente próximo à linhas de Onibus municipais e

intermunicipais, cercado de comércios de apoio do tipo bares,

.... padarias, farmácias, distando cerca de 4,0 Km do centro da


- cidade de Poá. Pode ser considerado um bairro com famílias de

baixa renda econOmica, e predominância de residências térreas /


de padrao modesto.
~

......

.... \
\.,'

---
IV.3. Características do terreno avaliando

Olhando-se da Rua Dep. Nelson Fernandes

para a frente do lote 14:


,....

......
a. topografia: plana, leve aclive da
frente/fundos, alteado de 1,00m do leito carroçável da via
pdblica
b. solo: bom, aparentemente firme

c. acessibilidade: acesso fácil e direto

d. posiçao física: lote de meio de quadra

210
-,
--
.
- "
.
--------- -- ", -, '--'---
.- ~~':-.=..':;'":*;,'W.',O-:: ''0,'''':~;:'';'»''''>~ 0,,'- ,; -,,;.~ ,,, .. .- ;.-,. ,
-,
....

- Eng.o IVO ABNALDO VALENTINI


AVALIA.f;ÓES E PERÍCIAS .nJDICLUS
CREA. lM..OO2/D

e. formato: regular
?-
FT = FD = 10,OOm
LE = LD = 25,42m
área total de ter. = 254,25m2 (delimitado por
muro de alvenaria apenas no flanco esquerdo)

~"

A fraçao ideal a ser desapropriada


possui as seguintes dimensees: '\

FT = 10,OOm (formato triangular)


...... FD = 16,93m \
área total a ser desapropriada = 84,65m2

-
...
Em vista da posiçao e situaçao em que
".
se mostra a fraçao de terreno atingida pela servidao de

passagem, em relaçao ao remanescente do terreno, salvo melhor

- juizo, este vistor Judicial considerará uma desapropriacao

total do lote 14 em tela. em face da impossibilidade d~ se

edificar qualquer tiDO de benfeitoria no local.

...

-,
-
V. MEMORIAL DESCRITIVO DA AREA DESAPROPRIADA

V.l. PERIMETRO E CONFRONTAC9ES

'"
~ Conforme já informado anteriormente no

..... item IV. 1. 2. do presente Trabalho, a área em testi1ha é

211
",'--~'- . """"",""''-'''';::'-'''':'''-'''''''''''' .

- ';',
-
--

Eng,OIVO ARNALDO VALENTINI


" AVALIAÇÕES E PERÍCIAS .nJDICIAIS
CREA 194..06Z/D
--
"...
formada pelo lote de nQ 14, situado no bairro denominado

cidade Kemel. O perimetro da referida área corresponde a uma

,--
metragem de 70,84m (setenta metros e oitenta e quatro

~ centimetros), descrevendo uma área total de 254,25m2

.-. (duzentos e cinqÜenta e quatro metros e vinte e cinco

decimetros quadrados).

,....

-- De quem da Rua Dep. Nelson Fernandes 'I

olha para a frente do lote 14 ora avaliando, começa no ponto


I- A situado no lado par e no alinhamento geral desta "\

,...
p~blica, fazendo divisa na sua lateral esquerda com o

de nQ 468, lote 13, seguindo em linha reta na distancia


,,-
10,OOm (dez metros), até atingir o ponto B na sua lateral
.-
direita e divisa com o lote 15, gleba 51, dai deflete à
..-
esquerda num angulo de noventa graus (reto), e segue em linha
,-
reta confrontando essa lateral por 25,42m (vinte e cinco

metros e quarenta e dois centimetros), até atingir o ponto C,

que faz divisa com os fundos da viela 5, dai deflete à


r

,.....
esquerda num angulo de noventa graus (reto), e segue em linha

,,-. reta na distancia de 10,OOm (dez metros), até atingir o ponto

"... D, que é a divisa da sua lateral esquerda com o im6vel de nQ

".. 468, lote 13 da mesma rua, dai deflete à esquerda, e segue em

..... linha reta confrontando essa lateral na distancia de 25,42m

(vinte e cinco metros é quarenta e dois centimetros), até

"... atingir novamente o ponto A inicio deste memorial,

.. perfazendo assim, uma área de 254,25m2 (duzentos e cinqÜenta


....
e quatro metros e vinte e cinco decimetros quadrados).

212
"0,",','',",o,,"~~'~"" ~.''',o
r""
Eng.o IVO ARNALDO VALENTINI
AVALIA~ÓES E PElÚCIAS .nJDICUIS
C~ 194..OGZID

VI. AVALIACAO

VI. 1. Método utilizado - da Renda

E aquele que consiste na obtençao do valor


atual de venda de mercado do imóvel avaliando, através da
somatória do valor do terreno e das benfeitor ias nele
--
existentes se houverem.
;-

....

...

---

,-

'"
VI.l.l. CAlculo do Valor Atual de Venda de Mercado !)Q
,-.
Terreno ( Vt )

De conformidade com as " Normas 1 75 ",

,... para avaliaçao de terrenos loteados, com uma tmica frente,

na o industriais, deverá ser utilizada a seguinte expressao:


,;;-..

vt = S x q x (Ma/f)**0,50 x (a/r)**0,25 ( I )
...

,....

onde:

S área total ter. = 254,25m2


-- q valor unit. médio m2 ter. na regiao
Ma prof. máx. reg. = 30,00m
...
f prof. equival.= área/test.= 254,25/10 = 25,42m
a testo efet. = 10,00m
r testo ref. = 10,00m

,..,
213
. - ..-~~ "-,, .,---'~~~'-" ... - - ~-'"~-
' N ,','
~

.-

Eng.o IVO ARNALDO VALENTINI


'" AVALIA~ÕES E PERíCIAS .JUDICIAIS
CREA. 194..OGZ/D
?-'"

?"
VI.l.l.l. C4lculo do Valor Unit4rio Médio Atual
~
de Venda do m2 de terreno na reqiao ( q )
,-.
r-
,p-.
Para a sua determinaç6o, foi realizada
r<

.- por este Signatário, uma minuciosa pesquisa de mercado na

/'" área geoeconômica onde se situa o lote em pauta, na busca de

,..., elementos que se aproximassem de suas características

T" físicas, e que estivessem à venda nas imobiliárias locais ou

r em particulares.
?"

'\
,....
IMOBILIARIAS CONTACTADAS
--
"'" 1. Imobiliária 9 de Julho
Rua Marina La Regina, 209, centro, teI: 463-2438, Sr.
- Robson

..- 2. Imobiliária Regis


Av. Brasil, 94, centro, tel.: 463-1146, Sr. Regis
......
3. CIMAR Im6veis Ltda.
,.... Av. Brasil, 70, centro, tel.: 463-3810, Sr. Cícero

....... 4. Imobiliária Prisma Ltda.


Av. Niter6i, 397, centro, 772-0?41, Sr. Edson
.-

r<.
Como n60 haviam na época da vistoria
r
terrenos disponíveis à venda na área geoecônomica e
/'-

?- compatíveis fisicamente ao avaliando, este Relator obteve

,...... informaçees junto aos pr6prios corretores de im6veis

?'" contactados, que possibilitaram expender uma média do valor


Y" efetivamente negociado no local, atingindo a cifra de ~ = ~
40.00 / m2.
,-.

r- 214
,-~-~ "'_oa_~. ...,., O'"
.
, ...N '" ... '. ,
,~. ">~";,,,,,;:,>~;;,,,,,,,,=;-;>;;,,,,,,~;,,,-,X",,,O"'Y;""<" .~.-,', ,'".'., _...
~

,...

;:--.

'-",
Eng.o IVO ARNALDO VALENTINI
AVALIAÇÕES E PERíCIAS .JUDICIAIS
CREA 194..06Z/D
?"

r--- Logo, retornando-se A expressao ( I


--
retro, o valor médio atual de venda de mercado do lote
,..., inteiro do terreno em apreço será assim calculado:

'""'"

"....

-""' vt = 254,25m2 x R$ 40,00


,-., Vt = R$ 10.170.00
T"

,..........
(dez mil cento e setenta reais - base SET/97).
r

",!
Ji

J'"

" ,

-
r

,r

,.... CONSIDERACSES FINAIS:


---

,..."

.-
1) Pesquisa realizada na segunda semana de SET/97i
,...

~ 2) Vale aqui consignar que o lote 14 em testilha, encontra-se


situado numa localidade muito privilegiada do bairro
?' Cidade
--. Kemel, visto ser o mesmo alteado da via p~blica, e possuir
r- muitas vias p~blicas naquele trecho com pavimentaçao,
,- discrepando em muito dos eventuais paradigmas disponíveis no
?" local.
I'-

'""

r, 215
w,'. ,,,....

".."
~

.'
~

r'"'

Eng.o IVO ABNALDO VALENTINI


"..... AVALIAÇÕES E PERíCIAS .n:JDICIlUS
CIU<:A194.082/D
f""'o,

..-.
VII. CONCLUSAO
'"

--.
"'"'

..-,

-
J'Go.....

r-
o valor médio atual de venda de mercado
?""'

'\
r da Area desapropriada constituída pelo lote 14, quadra
r--

I'- ....

'"
situado na Rua Dep. Nelson Fernandes, altura do nQ
,...,

-
.-
bairro cidade Kemel, Município de PoA, Estado de Sao Paulo, e
"...

.--

,.-... objeto desta açao jUdicial, é de: RS 10.170.00 ~ mil


,-
,...

r cento e setenta reais - base SET/97).

r<
r
/'-

r--

,-..

"""

"""

r'" 216

,-..,
---

Eng.o IVO ABNALQO VALENTINI


AVALI&.(:ÕES E PERÍCIAS .RJDICIAIS
~ lM..06Z1D
A

VIII. OUESITOS

..-.

---

.,....

"""" ~ PARTE DA EXPROPRIANTE (FLS. 17)

--

1. " QUAIS AS CARACTERISTICAS DO IMe>VEL OBJETO DA SERVIDAO A


,...
SER CONSTlTUIDA:

/'

A) DESCRIÇAO
B) LOCALIZAÇAO
C) TOPOGRAFIA
D) MEIOS DE ACESSO
-.
E) MELHORAMENTOS P~BLICOS '\
F) BENFEITORIAS (NATUREZA, EPOCA, DESTINAÇAO, TIPO, ETC)
-
Resposta: Vide capitulos IV.l., IV.2. e IV .3 . retro.

-
,......

2. "EM QUE DATA E POR QUAL PREÇO, INCLUSIVE VALOR UNITARIO


DO METRO QUADRADO, O EXPROPRIADO ADQUIRIU ESSE IM~VEL?

Resposta: Prejudicado. Nao constam tais informaç6es no bojo


.-
destes autos.
--

3. " QUAL A UTILIZAÇAO DESTE IM~VEL PELO EXPROPRIADO? EM CASO


/'
DE PRODUZIR RENDIMENTO AO EXPROPRIADO, QUAL A NATUREZA E EM
,-.
QUANTO IMPORTA, MENSAL OU ANUALMENTE?"

Resposta: Quando da vistoria no local, observou-se que nao


haviam benfeitorias sobre o terreno em apreço, apenas
""' vegetaçao rasteira.
r--

r IRA
4. "QUAL A RESTRIÇAO QUE A SERVIDAO A SER CONSTITUIDA
r-- IMPOR AO EXPROPRIADO? TAL RESTRIÇAO CORRESPONDE A QUE
PORCENTAGEM DO VALOR VENAL DESSE IM~VEL?"
",.. 217
"'"'

--

r--
Eng.o IVO ABN~O VALENTINI
r, AVAI,UÇÕES E PERÍCIAS .JUDICLUS
C~ 194..062/D

--
Resposta: Conforme constatado no bojo do presente Laudo, o
lote 14 em tela, foi desapropriado totalmente, ou seja, os
254,25m2.
""

r--

" 5. 11 HA BENFEITORIAS NESSE IM~VEL QUE NECESSITA REMOÇAO E/OU


- DEMOLIÇAO EM DECORRENCIA DA CONSTITUIÇAO DESSA SERVIDAO? EM
CASO AFIRMATIVO, EM QUE CONSISTE E QUAL O VALOR PARA EFEITO
"....
DE INDENIZAÇAO?11

"'""' Resposta: Nao.

r-
r
/"' 6. 11FACE AS RESPOSTAS AOS QUESITOS ANTERIORES, QUAL O JUSTO
r- VALOR BASICO, ABRANGENDO EVENTUAIS BENFEITORIAS, A SER PAGO
PELA EXPROPRIANTE A TITULO DE INDENIZAÇAO PELA SERVIDAO A SER
"'" CONSTITUIDA OU PELA INCORPORAÇAO DESSE IM~VEL AO SEU
PATRIMONIO NA HIP~TESE DE DESAPROPRIAÇAO PLENA?
".... A QUE DATA E MES CORRESPONDE TAL AVALIAÇAO?"
,.... Resposta: V,ide resposta ao capitulo VII. Conclusao
'" »

,.
--
"'""'
r"'

.--"

r
,,-

r
/'

r
r"

r 218

('
~

r-- Eng.o IVO ABNALDO VALENTINI


AV~ÇÕES E PERÍCIAS nIDl«::IMS
CR~ lN..062/D

IX. ENCERRAMENTO

r---

r-

,,-

-
Vai o presente Laudo impresso no

/"

anverso de dezesseis folhas deste papel, mais dois anexos,


..-.

/"'

/'
todas rubricadas, sendo esta óltima datada e assinada.

-
r-
/'"

Sao Paulo, 19 de setembro de 1997.

,-...

/""

O ARNALDO VALENTINI
r-- rito JUdicial

r
r--
,-.

/"
2]9
í
r--

Folha Online - Cotidiano - Ellen Gracie defende cautela na discussão de projetos so... Página 1 de 2
'.' ,
.-.

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,.-.

FOLHAONllNE
Opemdora:

LilL .filou!
Palavms sugeridas:

.L -
Assine e receba no seu cel[jar o Folhal~ews m=~:lgJ'
CeI. (ex.: 1100000000~ Personalizada:

,--.

~
12/02/2007 - 13h39
Ellen Gracie defende cautela na
r-

.--.
discussão de projetos sobre violência
~
ANDREZA MATAIS
da Folha Online, em Brasília
,.......

" A presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Ellen Gracie, criticou nesta
segunda-feira o posicionamento do Congresso de só discutir medidas de
.--. combate à violência quando fatos como a morte do menino João Hélio
Fernandes, 6, de grande comoção nacional, ocorrem. Segundo ela, esses temas
r--
não podem ser discutidos "em clima de forte emoção".
r--.
"Geralmente se discute mudança da legislação quando há clima de comoção e
emoção no país e isso não é a melhor hora da discussão. A questão da
criminalidade é bem mais ampla do que endurecimento de pena e dos regimes
prisionais", disse.
~

Com relação a discussão sobre a maioridade penal, que ganhou força com a
--
morte de João Hélio devido ao envolvimento de um adolescente de 16 anos no
caso, a ministra ressaltou que os outros quatro suspeitos têm mais de 18 anos.
"Dimensionar tudo isso no menor é uma atitude errada em relação a nossa
r- infância que merece educação, oportunidade para que não caia no mundo do
r- crime", afirmou a ministra.

A discussão sobre maioridade penal está parada nas comissões da Câmara. O


assunto só poderá voltar a ser discutido na próxima semana, quando serão
eleitos os novos presidentes e membros das comissões temáticas da Casa.
'"
Os pais de João devem ir a Brasília (DF) na terça-feira (13) para um encontro
r
com o presidente do Congresso, Renan Calheiros (PMDB-AL). Eles devem fazer
um apelo para que o projeto saia do papel. A assessoria de Renan não confirmou
o horário.
/'"

Leia mais
/"
.
..
Redução da maioridade penal não reduzirá crimEt_diz p-Íesidente~.~tOA8.
PQliçj~Lqlt~L[ql.~L~~[~.a.çãQ.~l]tr!U!!!~R~ltQ~..d~.ma.taLm~nlm~.nQ..RIQ.
Polfcia prende quinto suspeito de arrastar e matar menino no Rio
..
Torcedores fazem um minuto de silêncio por João Hélio no Maracanã
~!t~R~it.Q._d~__a[[a~tgI__~__rnata.Lçria!lÇ.a__am~aQQ.Y_matgI__çJjmRJ1ç~~
,,-
Especial
"..- .
Leia o que iá foi publicado sobre o caso João Hélio Femandes
. ],.-~j~Q--qy-~-~lQ.LR!!Q!l~gQ_J?QQI~__a~~_altQ~.

r-.

/"
220

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http://too1s.folha.com.br/print?site=emcimadahora&ur1=http%3A%2F%2Fwww 1.folh... 12/02/2007
Portal do Superior Tribunal de Justiça Página 1 de 1
r'

Imprimir texto
,-.

STJ - O Tribunal da Cidadania


presunçao de violência sexual contra menor deve ser aplicada de acordo com costumes

31/05/2007

,.- A presunção de violência sexual contra menor deve ser analisada de acordo com os costumes da época e de
acordo com as circunstáncias de cada caso. O ministro Nilson Naves, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao
negar o prosseguimE-nto de um recurso interposto pelo fl-1inistérioPúblico de Minas Gerais, entendeu que o art.
224 do Código Penal não é absoluto e o própria Código serve também para garantir a liberdade. Dessa forma,
absolveu C. C da prática de estupro contra uma menor de 13 anos.
r--
O Código Penal é de 1940 e, segundo decisão do Tribunal de Justiça do estado, os tempos mudaram, e a
r- menor tinha arcabouço suficiente para tomar a decisão se queria ou não uma relação sexual. Segundo os
Magistrados que aferiram questão de prova, a menor poderia ter evitado a relaçâo se quisesse e, mesmo
estando levemente alta pela bebida, sabia exatamente do que se tratava e do que viria a seguir.

" Segundo transcrição do relatório e voto do ministro, mesmo as meninas do interior começam a despertar
muito cedo para questões de sexo e relacionamento, especialmente diante das cenas de sexo exibidas pela
" TV. O ministro Nilson Naves entendeu que, para haver estupro, é preciso haver clara resistênCia, coação física
ou moral e, no caso, nada disso aconteceu, segundo aferição das provas. Transcrição de um texto no voto do
r- ministro, ressalta que o papel do Código Penal não é prevenir unicamente o abuso sexual contra o menor,
mas também garantir essa mesma liberdade.
,.... Autor: Catarina França
" Processos:
r
Imprimir
r i=ecllar

@1996 - 2007 - Superior Tribunal de JU5tiça. Todos 05 direito5 reservados. Reprodução permitida se citada a fonte
,..

"

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,r 221

(
http://www.stj.gov.br/portal_stj/objeto/texto/impressao. WSp?tmp.estilo=&tmp.area=3... 04/06/2007
,--

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r 225

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