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rr Capitulo: “COM AGUCAR NO SANGUE ATE O FIM”: UM ESTUDO DE CASO SOBRE O VIVER COM DIABETES RENI APARECIDA BARSAGLINI scoberéa/inicio, as causas eas formas de gerenciar essa cenfermidade, as relagdes com os servigos de satide e as terapias; tomadas na perp. no contexto da Antropol 1960 e se reporta & doenca na perspectiva d ser tomados articuladamente em meio aos impe cotidiana (Cane:qui, 2005a). essa ditepdo, aproximando-ie da ) para quem a experiéncia da enfer= 54 RENT APARE BARSAGLINI ‘midade ¢ influenciada pelo préprio curso da doenza; pela persitén- cia de construtos prévo ‘rengas) levando 2s constantes ex- plicagSes e reinterpretagbes em fungao das mudangas de sintomas, das respostas aos tratamentos ¢ aos cuidados; pelo ambiente social expresso nas circunstdncias da vida diéria dos doentes e na sua insergio na estrutura social. As explicagdes sobre a enfermidade cenvolver significados e processo qui Tigida, nao sto tinjcas e nem defi 6 podem ser maitiplas, néo homogéneas, variando no tempo, no espago e no curso da doenga (Young, 1982) Pera elaborar as exp ‘idadede elementos dispor que serdo apr desigual e das lich, 2001, p. 83). Contudo, fator cultural ada apenas nectar-se 20 cor di © VIVER COM DIABETES 55 No contexto da pesquisa qu: 1, propés-se um estudo de caso com coleta dos dados por la técnica do relato oral. Es- sas escolhas possibilitam o conhecimento aprofundado do evento cido. Os aspectos da experiénca analisados referem-se as constru- ‘¢des explicativas sobre o inicio, causalidade, 0 concsito e 0 geren- inclinado a quan- -agdo das informagSes (Trivitios, 1987) — ao luma unidade cuja anélise das caracteristicas ¢ da ccmplexidade é profuunds e orientada pela amplitude dos tedricos do pesquisador. Nadi ito das pes- uisas médicas e de psicologia, reportando-se a andlise detalha- dda de um individuo com deterrinada patologia (Deslandes & Go- ‘mes, 2004). Nas Cigncias Sociais 0 caso ti mente u organizacao, 1998), Um caso pode ser estudado pelo interesse intrinieco em toda a sua particularidade podendo s+ combinar com um interesse ins- ‘trumental ow externo quando apbia ou facilita avangos tebricos e o comparagves ¢ transpos inferéncias sobre o caso deve ser cui bilita generalizar 56 REN! APARECIDA BARSAGLINI diferente do que deve sobre todos os casos" (Stake, 2000, . #89, traducao da auto Nesse sentido, deve-se estudar o caso como um sistema “de Iocalizado, microsespico que néorellete todo. con das relacées sociais, mas se constitui em um recorte, una aproxi- ‘magio da realidade do caso que nao se esgota nas pesquisas, em- logar densamente com os sistemes mais am- plos nos quais se insere (Stake, 2000). Assim, para ccmpreender os aspectes do caso focalizados ra investigagao, buscam-se as suas tarias, caracterizando-as, estabelecendo turam e as, ora seja poss! principais marcas ider relagoes entre elas, identificando modelos que as suas relagSes com o contexto (Deslandes & Gomes, 204, p. 106). A oportunidade para observar compo um fendmenoou proces- so existe e opera dentro da experiéncia particularizada é propor- cionada pelo estudo de caso em razio do seu carter exploratério e de constatzgdo, impelindo o investigador lidar, ao mesmo tempo, ‘com questdes do campo empirics e com as situadas numa discus- siio mais te6rica (Becker, 1998). Nao obstante, o estudo de caso xrcado mais que outros tipos de pesquisa qualitativa pela im- plicagao do sujeito no processo e pelos resultados do estudo, exi- F na objetivacdo, originalidade, soeréncia e ” (Trivifios, 1987, p. 154) ao longo da in- gindo severidade m: consisténcia das vestigardc. A moéalidade do relat oralou depoimento pessoal dados inclui entrevistas semi-estruturadas em profur: fornecem autonomia de expresso ao informante, que érel: coleta dos lade que viz da pelos limites tematicos estabelecidos e controlados plo pesqui~ sador. Dis-ingue-se da historia de vida que apresenta um tema ao entrevistalo que conduciré a narrativa no seu proprio ri tacando as questées que considerar relevantes (Qu Todavia, o relato oral é suficientemente flexivel, sens(vel e alerta aos “imponderdveis” da pesquisa qualitativa, mostrando-se ade~ quado para verificar como o sueito situa e explica o evento do © VIVER CoM DiAnETES st adoecimento, ha totalidade de sua vide e a quais acontecimentos ‘ou comportamentos ele vincula a sua ovorréncia, Embora o evento seja 4, pois o adoecimento é perpassado por mil- tiplas influéncias e o depoimento sobre ele sintetiza informecdes pertinentes as relagdes do sujeito com o seu grupo, ocupagac, ca mada social; sociedade global; suaexperiéncia diretae ind reta com a enfermidace; as tradigdes eas erengas sobre sade e doznca tre outros; cabendo ao pesquisador desvendar ou estabelecer as possiveis conexdes ao proceder & andlise (Queiroz, 1987). A operacionalizacao do estudo conduziu a selegao do caso pelo fato de ele apresentar as condigdes que permitiam explicitar os aspectos da experiéncia com o diabetes, como também pela dispo- (Os dados foram coletados com base em quatro entrevistas com duracdo média de uma hora e meia ced uma, realizadas na re déncia da informante, bern como de conversas “informais", devido ‘a.um estudo mais amplo (Barsaglini, 200: sala de espera do posto de saide freqtientado pela entrevistida, sempre em companhia de sua me, err fun¢0 do atendimento ‘médico, As entrevistas estimularam a espontaneidade no rela:o se pautaram pelas :emiticas de um rote semi-estruturado, aberto a incorporagto de questes novas e ndo previstas que se mos:ra- am pertinentes & compreensio do objeto. As informagées foram gravadas ou registradas de préprio punto em um caderno. ‘Melissa: 0 contexto ¢ o cotidiano Melisa (nome ficticio) ¢ mulher, negra, solteira, com 56 anos de idade, nascida ¢ residente em um bairro antigo de Piracicaba (estado de S20 Paulo), predominanterente ocupado pela classe ‘wabalhadora. Cursou 0 ensino fundamental, aposentou-se por in~ 58 RENE APARECIDA BARSAGLINI sebe um salério rinimo que, com a renda materna, tambér diabética) € uma irmé com marido e dois filios adolescentes;residem numa casa .depencente construfda no mesmo terreno, de modo que ambas as apoiando-se mu- uaments na manutengdo de trocas de servigos ¢ recursos. A pre~ senga da mie de Melissa em todas as encrevistas foi bem-vinda e oportune pelas informagSes complementates as informagbes da f- ha, lemtrando fatos ou detalhes preciosos a0 investigndor;além de, 20 ouvir também outras pessoas da familie, evita-se reproduzir uma abordagem individualizada (tie cara ao modelo biomédico) do pro- cesso de adoecimento, em detrimentg das relagdes queo permeiam. Jodo easamen- to, para “segurar flho", sofrendo cinco abortos espontineos até {que nasceram os gémeos (do total de cinco fihos), des quais um & Melissa. Conta que @ infancia da filha transcorreu sem maiores problemas e aos catorze anos comesou a trabalhar como operéria fem uma fabrica de tecidos, afastando-se apés doze aros em virtu- deddas dares de cabeca freqlentes ¢ intensas, que culminaram com a perda quase total da visio. Ass jissa inicios uma longa jornada transitando por servizos de sadde vinculadss as univer sidades ‘hospital de clinicas em Sto Paulo ¢ Campinas) subme- tendo-se aos mais variados tipos de exames em busca de diagnés- tico e tratamento, em geral parcialmente conclt ‘No seu dia-a-dia Melissa desempenha atividades bésicas no espaco coméstico como alimentar-se e fazer a higien: pessoal, au na limpeza (varrer, aver lougas, cozinhar com a ajuda do sobrinho), dependendo da mae para separar os medizamentos pe~ Jos horérios (¢ ela fisa que os toma sozinha) e para scompanhié-la fidades externas (servicos de sate, 12s, bancos}; e dos irmfos ou cunhado quande necessita de transpo-te, seja particular ou coletivo. © ViVER COM DIABETES 39. confecciona tapetes de retalhos que Ihe proporciona faz 15 oragdes didtias citacas como compromi Site’ acs programas de uma emissor vinculada a0 segmentoca- tslica, deixandoa tlevisto ou rd ligados quase o dia to. As Ieturas sao inviiveis por causa da ua dficitncia visual e doanal- fabetismo da mate E nesse cortexto cotidiano que se (re)constr6i o relsto de Melissa sobre sua vivencia do diabetes, cujosaspectos destacados pelo estudo slo expostos a seguir. As explicagies sobre a causalidade do diabetes As explicagtes causais constitufram tema fértil nos estudos de Antropologia Média eda Doenca, nas tradigées norte-americana e francesa, respectivamente, desde o século passado (Carosoet 2004). Entre osautores, Buchillet (1991) e Sindzingre & Zempl ni (1992) apontam quatro questdes findamentais envolviéas na idade das doengas: a) reconhecere classificar o que é adoen- «2; 8) perceber 01 representar uma causa instrumental (comoacon- teceu); ¢ identiicar agente que a produziu (quem, o qué); 4) reconstruir sua origem (por que ocorreu). A esse esquema Caroso et al. (2004) acrescentam uma quinta questio sobre a cura{o que & como se procura e obtért). ‘Nas explicacdes de Melissa sobre cinicio do diabetes tais ques tees estio implicitas ¢ se enredam num fluxo de acontecirrentos que inclui os comportamentos (coisas que fez, no fez, falkou ao fazer) € 0 eventos significativos da vida, que se integram 3 otali- dade da histéria pessoal da adoecida extrapolando as explana~ Bes causais fisiso-biol6gicas. Por isso. preferéncia pelos aspectos ‘causais ou a géncte (Williams, 1984) do diabetes, em vez de “etiolo- ‘gia” que tem raizes na racionalidade médica ocidental e emoute a idéia de determinagSo, nao endossada por Melissa que, no relato, toma e conecta as descontinuidades da vida cotidiana como pon- 60 RENT APARECIDA BARSAGLIN de referencia do passaco, que tém significado no presente. a faz_uma leitura da descoberte do diabetes, decorrente do ralmente” pelo curso da enfermidade a partir no exame de sangue, confirmada pelo pela prescrigdo demedicamentos especificos e por uma crise em que necessitou de insulina. Nas suas palavras: Porque eu fazia tratanento no Hospital das Clinicas em Sto Paulo precisava fazer exanes de sangue .. Foi at que descobriram queeu tinha a possiblidadede ter. Eundo tinka ainda. .. mas tinka 4 maior possiblidade, poderia tr. Mas continuei comendo massa ¢ as outras coisas e assim virou o diabetes. Porque quando voce nao sabe, vocé vai na velocidade, vai armendo tudo oque tem que comer, tora eaft adocado com agicar Comecaram a faxer 0s ezames. .. mas levou anos... Eu fi- que catorze anos ro Hospital das Clinicas tratando outros pro- Slenase depois passeia trater para ci... somente depois de tempos @ que descobri que extava diabética (.. J. Quande volte: a fazer exame — dew o diabetes. Agora quando voce sabe que tem 6 dia~ betes, modifica um pouco ¢ex passei a usar 0 adagaste. Mas 0 san- (gue vai se alterando, isso ex sei porque eu ficava internada e ndo Precisava tomar insula, agora desta vez que eu fai internada, pre- cise tomar. A descoberta do diabetes de Melissa deu-se por volta dos 48 anos € no se configurou comp algo desorganizador da sua vida, ‘mas como mais um fato em meio ao fluxo de problemas de satide apenas confirmando, reforgando e dando continuidade a sua traje- ‘ria de vida marcada por um padrao de co-morbidade, num con- texto dedesgaste corporal pels dade, de sofrimentose adversida- des; fazerdo-a tomar a ocorrénsia da enfermidade como “normal”, vitivel e recebé-la com resignagto (Carricabura & Pierret, Williams, 2000). As palavras de Melissa revelam a relacéo © VIVER COM DIABETES 61 com os servipos de satide, com os exames e os miiltiplos adoeci~ mentos vivenciados: (O méiico falou “misturcu tudo, vocé tem diabetes, colesterol, pro~ blema no pi, proslema de sinusie, “nite alérgica”. Assim, dew um monte de cuisa ¢ foi misturando, Fora mais coisas que eu nio sei— reumatisme eu sei que tenho, tenho infecgao no sangue. .. Eu tinka ‘problema tmbérs na vesicula operni aqui em Piracicaba; cperei de apendicite ue estava bem inflamada. Ah, ¢ ex tenho problema de tirebide também. Entao do coisas pelas quais a gente vai passando, vai naltra- 4tando 0 nosio corpo, 0 nos organiomo. Porque voce nao fz uma ‘coisa direto depois chega numa certs idade, omega a sofrer comeca com dor e vx aparecendo de tudo. Eu falo para a minha scbrinha “nao faca extravagancia, para ndo softer”, porque depois é duro mesmo, May, gracas a Deus, eu ndo reclamo nem fico chorando — do adianta, A nogio de causalidade entre os segmentos populares é plura- listica e se unifica nas explicagdes que incluem aspectos de ordem natural; socioeconémica; psicossocial e sobrenatural (Ngckwey, 1988; Minayo, 988) constituindo-se «m dominios distintos, mas vinculados, inte-cambiantes e nfo contradité: intos da etio~ logia segundo c modelo biomédico que se centra no individuo privilegia os asyectos naturais, A explicaao causal do diabetes, exposta por Melissa, inclui a participagao da medicina oficial, mas evidencia a sua parcialidade e insuficigncia na busca de sentido a condigo vivenciada. A here- ditariedade ¢ a aimentagdo, centrais na etiologia biomédica, sio in- corporadas, restituadas e compleméncadas, aparecendo pu'veri- zadas no relato de Melissa ao explicar, com certa hesitacto, as causas do diabetes: i 6 RENT APARECIDA BARSAGLIN ocd comeca a comer damais, apicar...,¢ odd ado segue divito tem que fazer. Quanta voc ndo sabe, voc vai na velocidade comendo tudo o que tem que comer, toma o cefé adogado com oid pode ter o diabetes. Esso que vem. Eu acho que vem de otras origens. Muitos problemas vém dos antepassados, muito antes [, ..] E uma coisa que voce nem sabe coma nasceu, de onde weio, ej nasce com o diabetes ow no, No da ‘para explicar... Porque ten crianga que tem tambim, ent, Outras causas ligadas & slimentagio combinem-se com ele rmentos da racionalidade médica como quando ccnsidera que os alimertos podem ser prejudiciais, nfo pela sua qualidade em si mas porque se tornaram darosos tm virtude da intervencio ina- dequada do homem no ambiente (Garro, 1995), A essa nogio sub- eidade causal da doenga pressupondo a inva de elementos nocivos ao organismo, como uma “intoxicagdo” vvida prejudicial, poluigfo do ar e produtos quimicos presentes nos alimertos, : Nesse sentido, Melissa admite que os aliments podem estar contaminados por virus e vermes. Contudo, ela mantém contato com agentes de cura da bicerergétca' ¢ apropri pretagio ao afirmar que esst terapia pode ider virus no corpo que slo responséveis por doengas, inclufdo o dia- betes. Nota-se que nfo sto explicacdes exclusivas do diabetes mas © VIVER COM DIsaeTES 683 secenasem gh evidenced joie onsets po sobre as enfermidades, na sua elaboracio causal. Hoje se come coisa forcada com adubo, dat & que vém os vas. ‘Também tem > vermes que vém do are vocé nto vé, como a solitria Ela entra sem que se wea, mas depois ea fica na entrada do estima~ \go.com a boc aberta. A bioenergética “ct” onde estdo 05 virus e usa cirgila para tré-los. Eufiz e saiu a slitéria, Tanto renédio nos prepudica também. .. Entrar “muito fcha~ do” no médiv, com os comprimidos, deiza vocé intozicado. Uma coisa vai purando para a outra Essa gertgdo no quer saber de nada, de cozinhar. .. Def vent tudo pronto ej viu no que pode dar. |As condigdes gerais de existéncia, no plano material, morsl e |& sclaconal confer importante categoria sociossométia d ‘oso de que Melissa langa mio para explicar a origem, assim somo ‘odesencadear di crises que alteram a taxa de glicose: Al sabe, eu acho que foi vindo... de nervo mesmo. E: nervoso. Porque, principalmente quando vocé sai e vai trata _fora, voc passa por muita contrarigéo... Eo diabtes, também, tem ese negcio de nervoso. sim, quando,Fco muito nervosa pade subir. Quando voc® est bem calmo,o diabrtes est bon. jica e apropriada a anilise de Duarte (1986) sobre o .ses populares reportado as “perturbag6es fisico- ‘uagdes ou eventos que extrapolam a corporalidade, afetando a vida moral, 0s sentimentos ¢ a representagio do sujeito, Para esse autor, 0 nervoso pos fisicalidade & qual subjazem as perturbagSes morais e ‘como um e6dige espe 64 REN! APARECIDA BARSAGLINI ragos da vida prética opostos & calma, & tranqtilidede © & paz, da & ordem relacional es- ;nte no segmento popular, contréria ou canismos de indugao e adocio de uma logica in domina ra sociedade ocidental moderne. Por conseguinte, a permesbilidade e a comunicacio entre os planos fisico e moral operam plo fluxo de nerves que se ramifi- ‘cam pelo corpo todo, sendo conectados por umn elemento motriz carregado de conotagtes materiais ¢ simbélicas — 9 sangue — cujas qualidades e alteragbes podem influir na condicaa de satide e doenga. Essa questdo seré retomada adiante dada a reconhecida relagio do diabetes com o sangue. [Um cutro aspecto causal aticula elementos magico-religiosos e psicossociais para e nios, traduaidos pelas relagSes interpessoais confl tam em “mal-feito” em virtude dos sentimentos de inveja por pes- soa pr6xima, e 0s decorrentes do fato de Melissa ser negra e se relacionar bem com brancos, como aparece de forma sutil na fala da sua mie Fizeram mal pra ela. Blafceia todo quanto & tipo deexame gue ‘vocé fossa imaginar e ndo encontrava nada. Dava inflamardo mas nao st sabia onde. Ela estava magra que s6 vendo, ¢ dat bateu uma Odila nome ficticio da rezadeira),e quando entramos no quarto a Métissa caiu. Ela receitow sanko e remédio ¢ pedic para voltar dentro deste dias Fézeram coisa para ela, ¢foi no bolo. Sabe, inoejapor causa de sum nemorado de Melissa e que outra mora, nossa conesida, gostava, «tami porque ela tinka msita amizade com todos, com brancos, C.3 ‘Quando voltamas, Dona Odila falou "Voc estdo com uns neg ios atrapalhados li em casa, ado esto?” E estava mesmo, precsa- 0 VIVER COM DIABETES 85 va ver As nossas vassouras [da pequena fibrica do marido] perderam compradores e “enguigaram” ins paptis de nota fiscil “eve tempo em que ouciamos tanta pedra om cima do tehado . 7 Depois a Melissa meltoroue em quinzeéias voltow a trabalhar. [Na busca pelo sentido da enfermidade, prética de cura (cien~ tifica ou popular) exwolve interpretagao € mobiliza significados religiosos, sendo pe-meada por elementos de fé, nem sempre to tos (Caroso eal. 2008), mas que estdo presentes seja resi- dual ou sob uma nova forma, ainda que ofuscados pela objetivid:- tifica, Esses dominios se interpenetram e possibilitam 20 uma anélise mais globalizante da sua condigio, evider~ ido a insuficiénciae a simplificagao diagndstica biomédica. ‘Assim, o quadro causal composto por Melissa inclui fatores (habito alimentar), biolégicos (heranga genét- tipo de tratamento, como se vers adiante. * O conhecimento de senso comum sobre o diabetes A construgdo corceitual de Melissa sob-e o diabetes remete &s abstragoes elaboradas sobre fatos interpretedos na dimensdo coti- diana, esforgando-seem apresentar 0 discu'so biomédico, sabida- mente legitimo e hegemdnico em questdes de satide e doenca, apro- ximando-se da sua nomeagao mas nao implicindo, necessariamente a assimilagdo total des conceitos: Diabetes € um problema no pancreas que ndo “combate” 0 aci- car e ele fica no saxgue ¢ vai preudicando 9 érgito. Vai atuando no sangue, engrossando e prejudicando o orgarismo. 66 RENI APAFECIDA BARSAGLINT Nomear o problema de sate percebido e localizé-lo no corpo imprime concretude e aud: a ordenar as sensagdes vagas do dia- betes e esse procedimento evoca a matriz biomédica, sernpre rein- terpretada por Melissa, que também recorre aos conhecimentos rento da sua eficdcia em muitos casos ir desse saber Bom, para min Leano sna fis nada Vc conve, aprende aconsaeh qu doar quend fla de dhe 1 no fe pondo ‘oizas na cabeca. [...] Nao pode se apegar com a doenga, ficar pensando. Para mim éums coisa denada. Sento econo de tudo, v0, timo o remédio, foo que tenho qu face, mas iem me preoeypar ue ten diabetes Embora o gerenciamento da doenca possa concorrer com a performance social eameagat 9 cumnprimento de compromissos mo- rais,o afirmar que “uma coisa de nada" e 190 que tenho | auténoma sem ser um estorvo para in dividas sobre a sua classificagéo tocar a vida “sera se preocupar” jora, com as representagbes de saide a disposigA» para traba yo, 1996; Canesqui, 20 do ora como doenga, ora como excerto absixo, se reforga por requerer os outros, Nesse sentido, como doenca, porque pet 1uto~doenca, como mos © VIVER CoM CIARETES er ‘ratamento, ser cons duradouro, porém in dentes (cegueira, amputacdo). Dessa forma, o diabetes se ap esenta como categoria ambigua (Douglas localizada em dominios diferentes e incompativeis, intersticiais, as margens das normas; ‘causando estrenheza, inseguranca, irquietagto e ameaca podendo se converter em fonte de perigo. Nesse sentido, ser uma Joenca “ingrata’, embute a crise latente e a constante incerteza quanto 40 acontecimentos futuros, ainda que esteja sob tratamento. As- sim se expressava Melissa: Na minha opinido, ew sei que éuna coisa musta grave, Aspessoas _falam que adiabete trax muitos problmas, deixa mouitas seqie'as, mas ‘undo leva nada por a. Tenko uma maneira de pensar difesnte. Mas a diabetes é ingrata porque deiza sequela se a pesoa nda tratar. Traz doena pars o sangue. O apiear vai para o sangue, 0 engrossa ¢ vai prejudicando o corpo Porque o sangue ndo jode ser mutt grosio,nem muito fino, aco endo vira dgua. Tiro una base na méguinz em que eu trabalheva (1a tecelagern] na parte de fiagdo de algodao: dependendo da pea, se era fininha era una tris- tea, a mats grossa ea mais ctl, mas no podia ser muite grossa también. ‘A ambigtdade também esté presente quando Melissa sfirma que o controledo diabetes (pela alimentagio e por Deus) posst- vel ecorresporde & cura mas, a0 mesmo tempo, reconhece ser n= cardvel,impondo viver até o fim dos dias com aquela doenga Sea gene fochar um pouquinho a boca, acko que dé pane curar, Agora sea gente continua a comer ecageradamente, af &imprstee. Ai's6 a mo de Deus mesmo que pode nos ajudar, porque do contré ‘ia temos qn vive com “com apScer no sengua atto fim”. Porgue diabetes etna, vem ¢fca 68 RENE APARECIDA BARSAGLIN! A definigéo i complementa-se, acima, por aricar no sangue. A corsisténcia do sangue, 10 pensamento do serso comum, altera-se pela presenga de elementos, em geral,externos (dleool, reméd ‘al do diabetes como problema no pincreas rins (filttam o sangue) eo coracto (bombeia o sangue). Essa associa so talvez oriente as complicagSes do diabetes descontrolado cita- as, como levar & hemodidlise, uumentar a pressio arterial problems nas veias/amputagl> e ma cicatrizagao, peda da visdo. ‘Nao obstante, além da matzrialidade, o sangue pessui conota- .98es morais, com alto potencial simbélico em relagac a forca, cor aca fisica e moralmente (Duarte, 1986). O sangue agrega \égicas e sociais ao se repbrtar, nos segmentos popula res, A saide como vigor/forca c resisténcia que garantem a repro- dugdo material (Costa, 1978) ando honrar os compro- ‘missos morais Esta relagi sangue/forca articula-se coma alimentacio como fonte central (nfo exclusiva) de sustentagio d> corpo e da saiide, d2 modo. que valoragdes alimentares conflitintes podem influenciar, em parte, o seguimento das recotnendagb=s dietéticas, sto mais adiante sa classifica 0 diabetes em uma forma grave de dificil i2ada pela insulina e pelas complicag6:s (que incl em si), e outra forma mais branda, con- idos e palo regime alimentar. rrazer 0 diabetes deiza a pessoa palida. Porque se voc! se cortar, st fizer wma operagao ¢ for diaittico, ela nao fechard ~~ o problema std v0 sangue, ele no cola; ni fecharé aquele buraco ali. E gracas a Devs, as duas operagies que eu fiz, tanto do apéndice como da foi tudo bem. Sao 0s pos. Tem muitos tpos de diabtes, doce, salgado. O midico explicow que tomas tipos: tem wma que do ficha 0 corte porque o sangue nao. © VIVER COM DIABETES 69 cola — sio aqueles que tomam insulina — ¢ tem a que precisa tomar comprimido, O meu éa de comprimido, Nota-se, também, que Melissa, embora néo explicite, faz uma elaboracao combase nos seus conhecimentos, que parece resultar numa suavizagdh das condigies da suaexperiéncia com o disbetes, levantando diividas sobre as complicecdes ao citar: pode afetar a vista, porque muitas pessoas tim perdi- por causa do diabetes. Quando vow ao médico ele pergunta faz que eu perdi a vist, pensando que é do diabetes, ¢ eu alo “nao 'ndo, porque quando eu descobri que tinka diabsts, eu Jd ndo enserzaua hd muito tempo”. Entio, nao pode acusar que € 0 diabetes. ‘Nao recamo porque voce olha para trés evé gente que esd pior. A gente néo enzerga, mas escuta, fla, anda... imagine se ficasse entrevada na cama, fragmento do relato de Melissa demonstra uma avaliacio do saber médicc, confrontado com um saber prético, sem poder de sgeneralizacio. Ademais, @ tendéncia &relativizacdo parece reger- se pelo que Duarte (1986, p. 203) designou de prisma de siacdo a0 se referir a uma logica contrastiva ehierarquica que privilegia 6 seu proprio lugar contra os que imediatamente se lhe opiem € contra o mundo extralocal em geral. gerenciamento do diabetes O gerenciamento refere-se as agSes empreendidas pelos adoe- cidog para “controlar” o diabetes e viver tfo normalmente quanto possivel, o que ndo exclui que tais agdes se orientem, em parte, por representagbes tobre o diabetes e o seu manejo. Busca-se entender a questio na perspectiva do adoecido e como auto-regulagao \Con- 10 RENE APARECIDA EARSAGLINI ent rad, 1935) em vez de “aderéncia” ao tral remete a uma relagdo terapéutica medicocentrada atenta & irsubordinacio autoridade do médico. Do onto de vista médico,o gerenciamento do diabetes assen- ‘arse emi um padro genérico que inclui o uso de medicagdo, mu- danga d= comportamentos (com énfase na dieta e exercicios 08) e monitoramento da taxa de glicemia ( Huntetal, 1998; SBD, 2003). Contudo, reproduzir iga 08 profissionais de poisos comporiamentos em relagio 20 diabetes se orientim, em parte, por concetos, critrios prineipos, fatores e valores 4s vezes incom pativeis som as preserigdes, requergndo que ajustes sejam feits. a refere-se, mente, a observagdo de sensacGes corporas desagradé- veis ou estranhas (atordoagdo boca sec, preguiza) que so reconhe- cidas em virtude da aprendizagem baseada na experiéncia e apti= morada com 0 témpo de diagndstico da enfermidade (Maclean, 1991; Paterson et al, 1998; Thorne et al, 2008). Para interpretar as sensacdes corporaise tomar microdecisdes para silencid- a, sdo tracadas estratégias verséteis e mu denam continuamente o tratamento em resposta as vaidveis cir- cunstdncias da vida (Hunt & Arar, 2001). As informantes verba~ lizam as ateragGes corporais percebidase, entre risos, esclarecem como resolvem esses ineémodes: Sando o diabetes fea alerado, snt atordoamertoa boca fica seca, enko preguiga. At sei que alterou Por causa do diabetes, sea voc passa da hora éa comida, do ‘horrio de comer, snteatordorga, Stuando é possive a gente “mede 0 apicar” na jarmécia, que {azo este na hora e cobra entre dois equatro reais, e mede apresido tambim. Dependendo da hora podemos ir ao posto de sade porque © vivER com pisseres a esses cars cs dem tambi. ds ves toma-se um ché para gi dare. capris no regi A compreensio da enfermidade nao se esgota na experiéncia e abrange, também, os significados que variam nos diferentes gru- pos sociais, A esse respeito, para os profissionais de satide o con- le significa manter o nivel de glicose dentro de padres de refe- ia (Cohen et al, 1994}; mas para Melissa o controle volta-se as preocupacbes praticas que a leva promover ajustes nas pr: bes tentando eq em meio as demandas nao médicas (familiares, labor ) a serem gerenciadas na vi No caso dos medicamentos a constata¢do dos séus efei respostas aos ajustes empreendidos vao, com o tempo, convence .d3 0 senso de controle sobre o problema, permitin- Jd teva vex que esquec de tomar, ndo vou dizer que néo, porque teve sim. .. Ohorério varia, nto tem muito, muito certinko, porque as vexes vock esté fazend alguma coisa entdo ajeita o horério, As exes, secu estou fazendo um servigo de case, fazendo tapte, cu estou rezando (porque ds ves eu pogo as minhas oragbes¢ferco a Ihara) e vo ica entretido ali. Ah, esquece mesmo. Mas quando isso acontece, eu tenho que contar 0 hordrioem que tomei o remédiv, por~ que tenho muita dor de cabo. Embora a tsmada de decisto seja individual, o adoecito se insere numa cultura da qual recebe informagses sobre saide e dloenga podendo influenciar seus comportamentos; como & ¢ caso de uma idéia dominante e oposta a sade, de que o medicamento éconsumido em situagbes de doenga (Stimson, 1974) e que tomé- Jo continuamente (uma droga) gera dependéncia fisica (Conrad, 1985). O uso ininterrupto de compriridos sem apresentar sinto- 72 RENI APARECIDA BARSAGLINI mas pode levantar dvidas sobre a ad-quacao da dosagem e a melhora do problema, o que autorizara 0 adoecido a testar as tidades e os intervalos prescritos. Embora nao tenha encon- rado esse tipo de manipulacao no caso de Melissa, aq fade esté implicita va sua fala mostrando-se, novament diante do saber mético. [Ne minka opinito eu sei que o diabetes € uma coisa muito gra- ve ds pessoas faiam que 0 diabetes tr muitos problemas, deiza rites segielas, mas ex ndolevo nada poral. Tenko uma meneira cde pensar diferente O diabetes para mim & uma coisa de nada. E tema cosa que vo tao remédia,efi 0 que tenho qu fer mat sem me preocpar que tenho diabetes Quere é que quer ser tocad® a remédios? Isso & ruim, ter que lembrar tao dia, ter que carregar junta As informagdes corporis (sintomas/sensnge)tomadas como parimetro para fetrvariagdes no so de medicaments, sme- sealinformagdo objeivadoezameque mede a glicela 0 eombi- tar complementar ecorroborar as avalabes,forneendo crab dade, legitimando as impressdese a cepacdade de controlar 0 diabetes. Os exams dio “visibildade”«espacializcto as pro- Bemus de said, objetivando-os em imgens,nimeros tara € medidas que sto relevantes para convencer, a tre a realidade da eefermidade. Nowe 31 questions a evidénea numé: ‘lo tomando-a isolaamente: Eu acho que quando fico muito neronsao diabetes altera. Quan- cdo vocdesté bem calmo, ela etd boa. Mes eu fui faxer exame af no posto de saiide e da estava boa, estava 140. A mulher falow “esté boa”, mas eu figuet quiet, no me sentia bem, ndofalei nada... se cla falou que estana boa, 60 que vale. Defois eu fui fazer o exame no b VIVER Com DIABETES 18 Postdo (centro de especialidades] ¢ a moca mediu ¢ die que ‘extava muito alta— estava 200 ¢ tanto Efile, mas coma, seu fi na posto edeu 140 aguiestd dando mais de 200? Depots disso eu diabetes também estava alto. Em casa, so para o médic, porque eu ndo extava entendenda. Ele pediu para frzer novamenteo erame, eu fiz evimos (que oexameestana errado, O diabetes oi controlado e caiu. Entio, nesse meio de tempo, estava agui assim, atordoada, caindo, sentindo ‘mata fraquesa— era porque a diabelstinka catdo para #3, Bai- -xou demas. Eu flo para voce, ndo dé xem para entender. A dista 6 outro ponto de discrepancia entre as prescrigbes mé- dagdes e as préticas Melissa: Minka irma quer que eu v4 consular com a nutricionsta para ela educar sobre omado de comer, mas a, nto vou nada, eu j6sei até ‘0 que ela vai far, entdo, ndo vou nao! “Nato pode comer coo por causa do colesteol, ndo pode comer issoe aguilo...” Ai, meuDeus, se for ver ent no tem nada pra gente comer... (Quando vocifia doent,ndo pode comer e quando woe ase, pode comer... Se voct sabe que ndo pode comer, te... Porgue eu digo ao médico sobre « dieta “o senhor est certo, do vow dizer que o senha etd errado, et tuo corto”, mas tem que controlar do é assim também. Agente em fome. .. O que é que tem comer? [risos]) Controlar tao bem, mas eu pego irs colheres e depois pono ‘mais duas... Tomar café eles falam, “tris bolackas de manbi elet- te". Ah imagine sts bolachas de manka cedo. .. Ah, od... "6 ‘porque o senor quer® — pense comign. 1 RENE APARECIDA BARSAGLENT Damesma forma, a mie de Melissa fornece mais um exemplo dessas incongruéncias, numa fala entremeada de risos de ambas, que recenhece também adesigualdade no poder deargumentagto no encontro médico Eles pasram trés colkeres te arros, feijito, verduras,ndo sei o gut. Falar a verdade, a gente que é forte precisa de comida. E uma ex, porque estava alterado 0 exame,o médica flow “a senkora deve star comendo muito queijo, ndo pode comer queijo, sé do branco... All, eu disse “std bom..." Faser 0 qué, a gente concorde, nio vai ddiscutir mas, “muito qutio”.. ve 56 “Se for ver, entio,ndo tem naula pra gente comer" expressa, de um lado, 9 valor dos alimentos ece oftro a negativa das restrigbes imentares, tendo como refer a os alimentos valorizacos p famente pela informante como 9 artoz, acarne cozida, a a8 massas (macarrdo, pio}, bem como a abundiincia de certos ‘componentes bésicos das refeicdes (arroz e feijao). Além dso, ali= ‘mentos oom alto teor energético tém um valor simbélico para a classe trebalhadora, por prover as energias A recuperasfo ¢ 2 ‘anutenlo da (t8o solicitada) forca fisica, associada As represen tayoes da satide, como disposicde para o trabalho (Costa, 1978; Boltanski 1979; Can idequada que incide na de- elo aspecto corporal da fra- contraposigéo a corpulincia e a forga, que coincidem com a corcepeao de saiide (Cancsqui, 20056). As palavras da mite de Melissa associam o tipo de dieta com “fraqueza” (calda) ¢ © recurso a intermediagdo religinsa pera nfo alterar a glice- ‘mia, mesmo alimentando-se do que gosta ¢ sem cumprir a pres- crigdo: © VIVER CoM DiageTEs 15 ‘Mas agora, para falar a verdade para todd, nés nao fucemos ‘muito a diet, ndo, Sempre comemas do mesma jeto.E sabe por que eu alo conkeco pesoas que tém diabetes fzcom agua dicta rigo~ 1a, mesmo assim tem pessoa que ext cata... nossa! Tem que ver! Aguela comida... A pessoa diz “sé como duas clheres de arroz, do como feito. e mesmo assin, a peoa std caida. Por isso ¢ que ex acho que ter que fazer um pouco de citta, mas nao assim. Coma 0 apicar, tudo bem em usar 0 adocante Eu falo para vocé, olka, eu tenko diabites — e quase ndo uso adcpante— ¢ ela munca ‘chegow a 200. Quardo vou medir ela esti em 100, em 95; bem con- trolada, Eto, por iso éque ex felo ex nunce ust disso tudo ate, gracas a Deus, esté ba... isos]. Agora nde se se é por causa da Spore ex flo que a féadianta bastante, Nio sei sea senhora é religiosa, sei oquejor, mas ew alcanci uma graca— eu estava com 180 de diabetes fina igreja de nessa Senhora dos Praxeres, como grupo de ora, ereebiessa grape... nunca mats ela subi i fz ais dedex anos ex como arros fejdo,pao— que ex gosto muito — esse que é bom, sein. [ris08 influencia 0 consumo des alimentos dieté- 3s, mas énsuicinte para explicar © nio-seguimento e as reformulagbes alimentares feitas pelo adoe~ ido, que sto “intermediadas pelas normas culturais e pela ideolo- mas de pensar sccialmente construidas) que cercam os usos, a seleglo dos alimentos, a aprendizagem e a sccalizagio do que comer, ¢ marcam identidades e particularidades dos grupos so- ‘anesqui, 2005, p, 169). Os fragmentos das falas de Me~ ae da sua mie, finalizadas por risos,insinuam que a dieta prescrita opde-se ado ‘pobre’, eidentiicam certes alimentos como Eses outro produtos detéticos] queso bons para odiabé- co comer, endo tenoforga para comprar. Podemos até comprar RENI APARECIDA. BARSAGLINI ai comprar sempre? Camo é que o pobre vat comer? iro que se comia, trar um pouco daguilo¢ te ra Tue bem, tirar voce tira, mas seguir certinho mesmo, nlo ‘onuguenda, Para mim nio mudou nada Comes alfce, ebobrinha, chicéria, uma vex ou outra mes, ara falar ¢ verdade eu ndo gosto muito de comer essas “ecisart~ ar nda 0 uso de" 5° na alimentagio cotidiana é esporédivo Gh Stade viagem ou visita a parents, sendo mais comune 3s especais e comemorativas (aniversérios, casamentos, ado fins de semana, fetividades familiares) marcadas pela r>- ‘ito difrenciada em que os adoecidos se permitem a Quando fomos para Aparecida do Norte, tems que comer 0 {etka names ‘Nana fit, asin, vocéndo deiza de experimenter 0 bolo, fra 4 chat nega. Nao todo fim de semana, mas quar "de junto pra comer, nds nao reetamose comens, ig, Lm darasco ocd se controla, mas ndo devea de experi © VIVER COM DIABETES 7 ostos em interagdo asé recomendada pela medi- rolar 0 diabetes, send bastante valorizados pela classe trabalhadore em r apreco pelas aividades que fizem uso intenso do corpo (Bol 1979). Portanto, Melissa nto pi visual, 0 que nao quer dizer que nfo as pra rméstico que requer dispéndo de esforgo favorecerem 0 estreitamento dos lagos sociais, sua fala, porque é feito com mais pessoas, anima 1 a ‘ewe fazem lé, eu fago aqui em casa também. Ando para c& e para Id dia inteiro, dando, Nao se ignoram os obsticulos corporais de Melissa para par- gintobiloba Cftoterspico 1¢lo de massal] ¢ tem O ginkobiloba é falade no rédio mas, bem ants, quando ainda nde tinka perdido a visto, eu fui numa médica ld no Postdo Centro lades"],eelareeitow um remédio que inka o ginko na 1. E ela disse que seria bom tomar sempre. E desde que tomé-lo, me sentibem, comecou até aclarcar mai Zamecou a melhorar a cabeca (dor), entdo eu pens frente”. Mas é assim, cntrolado, no dia em que vocé esta mais, cha'eado, aturdido, passa wm pouco, das ressostas diagn Tando 4 sua eres pressa 1 insuficigncia biomélicz no prognéstico sade ca filha problema de Agora a Melisa tem tanta coisa que jé vem vindo. Jé faz vo anos que ela perdew a visio, ela ficou iprazo de quinze dias de vida para ela, E gracas a Deus, ela ‘aqui com 56 anos j6 © VIVER COM DIABETES 0 [Nés tomamos bastantes remédios de raix. Eu nto fico acredi- anda musto no remédio de médico, para falar bem a verdade. Quan- cdo eu consulto na bioenergética, eles passam remédio de ratz, chi para tomar eargila pars aplicar na parte do corpo que esiver mal. Tso sin, mas entrar “muito fchado no médico" com o:comprimidos, vocé fice intaricade. Uma coca vai purando a outra. Do eit que eu stave andando, ndo podia nem me sentar, nem coloccr 0 pé no cho, cestava atordoada, caindo, ..Comece a tomar o ginkobiloba e estou ‘me sentindo bem, melhorou « cabeca e tudo, Tem coisa que médico do resolve incluem as da tradigao médi- As terapias citadas por do por meio de um “dom” (como expl supondo a intervencao de forgas sobrenaturais. 80 RENI APAHECIDA BARSAGLINI satide, doenca e cura; que faz retornar ou manter a satide; eastiga com doengas;fortalece par as dores sendo fonte de resig- lugHo ou atenuagao ante 0 sofrimento (Ibafez-Novién, Esse poder divino de decisao est4 bem expresso nas oala~ vras de Mel ssa e da sua mae E gragas d Deus eu akancei uma graca— exestava com 180de diabetes fui na igraja de Nossa Senhora dos Prazeres, como grupo de oragioe recebi essa graca— munca mais o diabetes subiv. J faz ‘mais de dex anos. Mas a graca, voct sabe, no é a hora que vocé quer, tem a hora certa para acontecer ¢ sé Deus é quem sabe qual éa de cada um, Tem que pr nas maos dei, ter paciéncia e confiar. O médico dew o prazo de quinse dias de vida para Melisa e, gracas a Deus, ela esté aqui com 56 anos jd ‘Temos que rear para Deus ilurinar 0s médicos também. Con- _fear em Deus, que €0tinico em quempademos confiar. Isso 60 que dé “forca e coragem para vivermos, €0 gue nos orienta As diversas terapias usadas por Melissa, nfo po: bem-definides, mas areas 50 huidades evidenciando flutuagto e co-existéncia de matrizes de ficados e de praticas de said s e alternativos de satide, nas rel jae de outros com a doenga, nas ti ena organizacdo dos servigos so: ede sade, A bricolagem das idéias e préticas diante do diabetes somente stio compreensiveis se inseridas na histéria pess tural especifico sempre reps dos as dindmicas circunstancias e situagbes da vida © VIVER COM DIABETES 81 Conclusio © estudo de caso mostrou-se oportuno no que diz e nao diz, sobre a constructo da experiéncia do diabetes, cuja tou-se pela extensio do arcabougo tedrico e conceitual ratara dominada pelo pesquisador. Sem esgotar o do abordou aspectos considerados relevantes & ci diabetes, podendo ser pensados para outras enfermidades créni- cas, guardadas as suas especificidades. A nogio de estoque de conhecimentos estendeu-se as relagdes social. Assim, a0 mum sobre a satide, 0 dis pretados quando. plexidade envolvidas na compreensto do objeto de estudo. Para a adoecida, a origem do diabetes é pluricat sal e relacio- da doenca oposta As expli- as segmentos populares. O co! ido saberes de vérias ordens e ori DA BARSAGLINE 82 REND A térios da vida, viabilizan significarivos e pri sar da enfermidade. As prescrigoes cas e ind viduais da frmula medicam co-exercicios fisicos; € so ajustadas pel coma tradigao, as crencas, 08 valores, os costumes: cas da que estas Ihes fagam conor: plementem, em virtude da complexidade do sofrimento (fisico © sdoecida diante das ra lidar com 0 rndiltiples influéncias e refersncias tliabetes e 0 recurso ao processo de (re)interpretacio de conceitos e recomendagées. Na sing ia de vida do adoccido en- coerentes com as espec diferentes grupos so% Referéncias bibliogréficas © VIVER COM DIABETES 8s experncia do adoecimento Pojeto de dostorado, Cam- ‘CM/Unicamp. sa em citnias saat S8o Paulo corpo. Rio de Janeiro: Gr da doenga eos si side: miltplsolkares — (20050) Mudangas e pe © VIVER com piaperes 85 ‘SBD —Sociolade Brasileira de Diabetes (2003) Comemo Brasilia sabre Dae utes — S02 diogwdtio «clasifiago do diabetes melt evatamento do ae RENI APARECIDA BARSAGLINE Duarte, L FD, (1986) Da vide servos at clases iraelhaderas wrbanas Rio Alegre: Artes Médias feats Wrong De | Seal Sine and Medici, PP. aner-Novion, M.A. (1974) El curpo humana la enfermidadesu representa rado, Rio de Jineito: PPG, Antropologia Social/Mu-

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