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DICIONARIO DE TERMOS Edicao Revista MASSAUD MOISES /_— Copyright © 2004 Massaud Moisés. 1" edicao, 1974. Dados Internacionais de Catalogacao na Publicagao (CIP) (Camara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Moises, Massaud, 1928- Dicionario de termos literdrios / Massaud Moisés. — 12, ed. rev. eampl, — Sao Paulo : Cultnx, 2004, Bibliografia ISBN 85-316-0130-4 1. Literatura — Terminologia — Dicionarios 1, Titulo. 04-5394 co0-803, indices para catalogo sistematico: 1, Termos literities : Literatura : Dieiondrios 803 O primeiro numero 2 esquerda indica a edicio, ou reedic&o, desta obra. A primeira dezena a direita indica o ano em que esta edigdo, ou teedicao foi publicada Edicao te 13-14-15-16-17-18-19-20 06-07-08-09-10-11-12 Diteitos reservados EDITORA PENSAMENTO-CULTRIX LTDA. Rua Dr. Mario Vicente, 368 ~ 04270-000 ~ Sao Paulo, SP Fone: 6166-9000 ~ Fax: 6166-9008 E-mail: pensamento@cultrix.com br hupd/www,pensamento-cultsix,com,br Nota prévia A primeira edicdo deste dicionario veio a publico em meio a um processo de amplas e pro- fundas mudangas na esfera dos estudos literdrios. © estruturalismo, nas suas varias facetas, © formalismo russo, emergente apos décadas de forcado isolamento, a retorica, ressurgindo depois de longo ostracismo, com nova roupagem, adaptada a modernidade, a disseminagao das pesquisas lingiiisticas, o desconstrucionismo, a semidtica, ete., desencadearam polémi- ccas acesas em razéo das suas propostas fecundas, embora passageiras, trazendo solida con- tribuicdo para o equacionamento mais rigoroso ou mais pormenorizado, num compasso ajustado aos novos tempos, de antigos problemas ou conceitos. A revisao e atualizacao do livro impunha-se, por conseguinie, com o aproveitamento, na medida do possivel e respeitadas as coordenadas que presidiram a sua elaboracao no inicio dos anos 70, das novidades sugeridas por essas tendéncias. Além disso, continuava viva a questao assinalada no preficio 4 edicao de 1974, relativa 20 que se deve entender por “ter- mos literarios”. E tal como entao, parece-me que a solucao mais razoavel aponta para o mes. mo caminho trilhado na primeira edigao: acolher os vocdbulos que a linguagem literdria emprega, incluindo os empréstimos, ¢ recusar os que pertencem a territérios ndo-literarios, nao obstante sejam usados por algumas das correntes mencionadas ou outras de especifica orientacao tedrica, como € 0 caso, por exemplo, da critica psicanalitica, Por outro lado, nao se consignam verbetes a termos facilmente encontraveis em dicionarios de lingua, ainda que presentes na linguagem literéria, ressalvada a hipotese de, em razio do seu especial interes- se, reclamarem tratamento critico ¢ nado meramente sinonimico. Abrangente, o espectro lexical envolve termos de critica e historiografia literdrias, reté- ricos, versificatérios, etc., sem prejuizo de outros que, vindos de areas vizinhas, se tém mostrado relevantes para as estudas literarins Casas hd em que 0 vocabnlo padera sur- preender pelo fato de nao ser muito corriqueito 0 seu emprego na area dos estudos liters rics, como, por exemplo, “kitsch” ou “jéruri”. Ainda ha que observar que a terminologia apresentada e defendida pelas linhas criticas posteriores a 11 Guerra Mundial somente foi incorporada quando se revelou encerrar uma contribuica0 nova ou voltada para aspectos carentes de atengdo especifica. Muitos dos termos entao introduzidos nao conquistaram adesdo suficiente para substituir, com vantagem, os antigos, ou ndo se revelaram mais ade- quados do que eles. Nao raro, tombaram na armadilha do modismo, sem oferecer novida- de de monta, quando nao deixavam tansparecer superfetacdo, sem oferecer argumentos convincentes, a nan ser para aqueles que se haviam decidida a parecer atnalizados por re- correrem a palavras abstrasas para designar velhos conceitos, j4 identificados pela tradi- cao classica. DICIONARIO DE TERMOS LITERARIOS Euriquccidy de novos verbetes, que a consulta revelou serent necessatios, € de novas in formagoes com vistas a sua atualizacao, este vocabulario de termos literdrios pressupée que o leitor desejoso de alargar o conhecimento das questdes arroladas pode valer-se nao sé das indicagdes bibliograficas contidas no corpo dos verbetes, como também das que figuram, em destaque, no seu término. Tanto umas como outras costumam trazer abundantes rele- réncias a outras fontes de consulta, Cada entrada fornece a etimologia do vocébulo e mais seus correspondentes alienigenas, quando divergem do vernaculo ou/c ostentam relevancia critica. Tais denominagdes apare- cem como remissiva no lugar proprio, de modo a facilitar 0 manuseio por parte do consu- lente que as tiver em mente. Quando idénticas ou semelhantes as utilizadas em portugues. dispensam-se as formas estrangeiras; entretanto, se universalmente empregadas, mantém- se na grafia original. O asterisco a direita dos vocabulos funciona como sinal de remissao para os termos co- nexos; disposto a esquerda, serve para caracterizar as formas lingiiisticas hipotéticas. Para levar a bom terme a revisio ¢ atualizagio empreendida, foram-me de grande valia as achegas recebidas de varias pessoas, as quais gostaria de manifestar 0 meu mais vivo agra- decimento: Albano Martins, Benedicto Ferri de Barros, Edith Pimentel Pinto, Fausto Cunha, Fernando Cristovao, Gladstone Chaves de Melo, José Pereira da Silva, José Willemann, Li- lian Lopondo, Luts Lisanti, Maria de Pompéia Duarte Santana ¢ Sousa, Mario Chamie, Pau- lo Bomfim, Rodolfo A. Franconi, Rogério Chociay, Sanzio de Azevedo, Valter Kehdi E de estrita justica agradecer de modo especial a Erwin Theodor Rosenthal, pelo ines- timavel auxilio de varia ordem, e aos funcionarios da biblioteca central da Faculdade de Fi- losofia, Letras e Ciéncias Humanas da Universidade de Sao Paulo, cujo empenho solicito e constante tornou menos penosa a busca de obras indispensaveis 4 nova edigo deste dicio- nario, Agradego também aos bibliotecarios da Academia Paulista de Letras, bem como da Fa- culdade de Direito da USP e do Centro Universitario Ibero-Americano, a prestimosa ajuda. Abreviaturas e sinais convencionais abr. = abril abrev. = abreviatura, abreviagio ag. = agosto al. ant. = antigo anton. = antonimo apud = em ar. = drabe are, = arcaico(a) arg. = argentino aum. = aumentado(a) bras. = brasileiro(a) c. = cerca de, canto(s), cena(s) CA - Cancioneiro da Ajuda cap. = capitulo catalao alemao cat. CBN = Cancioneiro da Biblioteca Nacional cel. = celta CGC = Cancioneno Gallego-Castellano cit. = citado(a) coment. = comentado(a) CSIC = Consejo Superior de Investigaciones Cientificas CV = Cancioneiro da Vaticana dez. = dezembro dim, ~ diminutivo dir, = direcdo, dirigido(a) ecl. = eclesiastico ed. = edigao, editado(a), editor(a) EDUSP = Editora da Universidade de S. Paulo esp. = espanhol(a) est. = estancia(s), estrofe(s) et al, = et alii, e outros EUDEBA = Editora da Universidad de Bue- nos Aires ex. = exemplo fac. = facsimile, facstmtlado FAPESP = Fundacio de Amparo a Pesquisa do Estado de S. Paulo FCE = Fondo de Cultura Econémica fem. = feminino(a) fev. = fevereiro FFCL = Faculdade de Filosofia, Ciencias ¢ Letras FGY = Fundacao Genilio Vargas fr. ~ francés(a) port. « galego-portugués rego ibidem = no mesmo lugar ICALP = Instituto de Cultura e Lingua Por- tuguesa idem = 0 mesmo in=em infl, = influéncia ings = ingles INL = Instituto Nacional do Livro introd. = introducao it. = italiano 1U = Imprensa Universitaria jon. ~ janeiro jap. = japonés jun, = junho lat. = Tatim librairie, library ivro it. = loco citato, no lugar citado DICIONARIC DETERMOS LITERARIOS mal. = malaio mar, = marco MEC = Ministério da Educagéo e Cultura med. = medieval mexicano(a) MIT = Massachusetts Institute of Technology MLA = Modern Language Association n. = nota nor. = noruegués nox. ~ novembro oc. = occitani org, = organizagio, organizado(a) mex. out. = outubro P = press P.= pagina(s) passim = referéncias em varias passagens PMLA = Publications of Modern Language Association pop. = popular port. = portugués(a) pref. = prefacio prol. = prélogo prov. = provavelmente Prove. = provencal publ. = publicado(a) PUF = Presses Universitaires de France rep. = representado(a) rev. = revisto(a) rus. ~ russo sansc. = sanscrito s.d.=sem data séc. = século(s) Secr. = Secretaria s. ed. = sem editora selegio sep. = separata set. = setembro 5. |. sine loco, sem lugar de publicagio s.n. «sine nomine, sem nome de editor ss. = seguintes subs. = substantivo, substantivado suf. = sufixo s. v.= sub voce, na palavra t= tomo lal tardio trad. = traducao U = universidade, universidad, université, university UB = Universidade de Brasilia UF ~ universidade federal UFF = Universidade Federal Fluminense UNICAMP = Universidade Estadual de Campinas UP = university press USP = Universidade de S. Paulo Vi=ver v= verso(s) vol. = volume(s) vs. ~ versus, contra vulg. ~ vulgar ABECEDARIO (ou ABECEDARIUS) - v. ACROs- mIco. ABUSAO — Lat. abusio, onis. v, CATACRESE. ACADEMIA - Gr. akademia, pelo lat. acade- mia. Designava na origem o local onde Pla- to, em 387 a.C., inaugurou a sua escola fi- loséfica: era um parque publico, situado nos arredores de Atenas, cujo nome derivava de ‘Academos, heroi lendario atico, que teria possuido os terrenos onde se localizava o re- ferido jardim, e que em certa altura os teria cedido ao povo ateniense. A academia pla- tonica manteve-se até 529 d.C. Durante a Idade Média nao se registra- ram atividades semelhantes, ressalvadas as aljamas dos muculmanos em Espanha, reu- nides de letrados, cientistas ¢ filésofos para debater questoes de cultura. Com 0 Huma- nismo*, renasce o ideal das academias, mas agora com sentido novo, andlogo ao das al- jamas: congracamento de intelectuais com vistas a debater assuntos filosdficos, cienti- ficas e, sobrenido, literarins. Na Italia, orga- nizaram-se os primeiros grupos, votados & discussio de problemas relativos ao saber dos Antigos: Chorus Academiae Florentinae (1454), Accademia Platonica (1474), Acca- demia Pontaniana (1483). Cedo, porém, a sua pomposidade gerou rebeldia e a implan- tacdo de outras academias, com ttulos irre- verentes: a dos Oziosi (1563), Insensati (1561), Fantastici (1625). Ao mesmo tem- po, surgia uma operosa agremiacao literdria, a Accademia della Crusca (1552). O exemplo italiano logo se difundiu por toda a parte, notadamente entre os povos romanicos: na Franca, a Académie de Poesie et de Musique, em 1570, e seis anos mais tar- de,a Académie du Palais; na Espanha, a Aca- demia de los Nocturnos (1591-1593), em Portugal, a Academia dos Generosos (1649- 1668), Academia dos Singulares (1663- 1665). Aos paises nérdicos e anglo-saxdes, a moda académica chegou posteriormente: a Inglaterra, em 1901 (Britsh Academy), a Irlanda, em 1786 (Royal Irish Academy), aos EUA, em 1780 (American Academy of Arts and Sciences), parcialmente dedicada as letras) ¢ em 1904 (American Academy of Arts and Letters). No entanto, a Alemanha ja possuta, em 1617, a sua corporacao: Fruchtbringende Gesellschaft. Outros paises europeus, bem como asiaticos e sul-ameri- canos, inauguraram as suas academias, nos séculos XIX e XX. Entre nés, 0 gosto pela atividade acade- mica data do século XVII. Por influencia das associagdes portuguesas, mas de certo modo como reptidio ao seu exclusivismo, aqui se funda, em 1724, a Academia Brasili- ca dos Esquecidos, seguida, em 1736, pela Academia dos Felizes, em 1752, pela Acade- mia dos Seletos, em 1759, pela Academia dos Renascidos, em 1768, pela presuntiva Arcd- dia Ultramarina, etc. No geral, 0 termo “academia” rotulava, até o século XVII, todo agrupamento de escritores visando a discutir assuntos de in- leresse comum ou homenagear destacadas ACATALETICO 10 ACMEISMO personalidades politicas om sociais. Podia durar um dia, um més ou anos, mas sempre tinha existencia limitada. Os “atos academi- cos”, ou “sessOes académicas”, apenas refe- riam o encontro de homens de letras nortea- dos por objetivos comuns. Atingindo-os, dispersavam-se. Carater de instituicao soli- dae perene, a academia ganhou com a Aca- démie Francaise, iniciada por um pequeno grupo, em 1626, ¢ oficializada por Richelieu, em 1635, Dotada de quarenta membros, tor- nou-se modelo de um sem-mimero de con- géneres espalhadas pelos quatro cantos do mundo. Em Portugal, a Academia das Cien- caas de Lisboa, fundada em 1/79; entre nos, a Academia Brasileira de Letras, em 1897. Porque o ingresso nas academias pressu- poe obra realizada ¢, portanto, varios anes de produgao intelectual, 0 vocdbulo “acade- mia” € correlatos (“académico”, “academi- cismo”, etc.) tendem a adquirir sentido pe- jorativo, on seja, denotam pose, excessivo Tespeito ao passado e apego as convencoes. Todavia, a palavra “academica’/‘academi- ca” ainda se emprega a proposito da filosofia platonica e da vida no campus universitario. ACATALETICO — ¥. CATALENE; ESCANSAO. A CLEF -v. ROMAN A CIEE ACAO - Lat. actio, onis, acao, atividade, mo- vimento. Nao raro confundido com “assunto”*, “enredo”*, “historia”, “argumento”*, 0 voca- bulo “agio” designa a seqiéncia de aconteci- mentos ou de atos no transcurso de um con- *, novela*, romance*, peca teatral ou to’ poema* narrativo, Uma yez que se enca- deiam segundo a lei da causa efeito. os acontecimentos ou atos organizam-se num enredo, que pelo seu turno apresenta come- 0, meio ¢ fim. Ressalvados casos especificos, aago sempre engloba mais de uma persona- gem. Assim, a narragdo de uma obra consti tui a totalidade dos acontecimentos ou atos que envolvem todos os figurantes em cena. Entretanto, pode ser concebida como a soma de acdes das personagens individualmente consideradas ou em pequenos grupos. Aristoteles, 0 primeiro dos tedricos a doutrinar acerca da materia. postulava a unidade da aco, pois “tal como € necessa- rio que nas outras artes miméticas haja uni- dade de imitagao, dada a unidade de objeto, assim também a fabula, porque ¢ imitagdo de agdes, deve nnimar a> ages que sejam unas ¢ completas, ¢ todos os acontecimen- tos se devem suceder em conexdo tal que, uma vez suprimido ou deslocado um deles, também se confunda ou mude a ordem do todo. Pois nao faz parte de um todo, o que, quer seja quer nao seja, mio altere esse to- do” (Poética, 1451 a 29). Aceita por Horacio € a maioria dos preceptistas da Renascenca ¢ séculos posteriores, essa naga vein a in- tegrar, com a de tempo e espaco, a chamada regra das trés unidades*. Para os formalistas russos, 0 vocabulo “agao” seria substituido com vantagem por “fabula”*, na medida em que este roula “o conjumto de acontecimentos ligados entre si ‘€ que nos sio comunicados ao longo da obra” (Todorov 1966: 268). E para designar a aco particular de cada protagonista, sugerem 0 vocibulo “fungao”: “entende-se por funcio um ato fou acdo] da personagem, definido do ponto de vista de sua significacao no cur- so da acao [ou intriga]” (Propp 1970: 21). Etimologicamente, a a¢do implica movi- mento, € neste sentido encontra no teatro 0 seu lugar mais adequado. Nas estruturas nar- tativas (conto, novela, romance) duas moda- lidades de ago podem ser observadas: a acao exterior, quando as personagens se movem No tempo € No espaco; ¢ a.acao interior, quan- do 0 conflito transcorre na sua mente. ACMEISMO — Gr. akmé, plenitude, apogeu. Movimento de jovens poctas russos, de- flagrado por volta de 1910, contra a poesia simbolista, de inflexdo mistica, evanescente ACRONIMO ul ¢ musical. Defendiam, em seu lugar, a cla- reza ca harmonia dos classicos, em combi- nacao com as novidades trazidas pelas van- guardas entao dominantes (v, FUTURISMO). Reuniam-se em torno da revista Apollon, em que publicavam poemas e paginas de doutrina estética. Dentre os seus membros, salicntavam-se Osip Mandelstam (1891- 1938), Anna Akhmatova (1889-1966) ¢ Nikolay Gumilev (1886-1921). Com a morte deste ultimo, 0 movimento perdeu folego; nao obstante, os remanescentes continuaram a denominar-se acmeistas até o fim. ACRONIMO — Gr. dhron, ponta, extremidade; énoma, nome. Espécie de acréstico*, formado pelas le- tras iniclais de uma série de palavras, como “radar” (radio detecting and ranging), ou DE- TRAN (Departamento Estadual de Transito) Um dos acrdnimos mais famosos ¢ 0 vocabu- lo inglés cabal (cabala), composto das ini- ciais dos nomes dos ministros do rei Charles Il da Inglaterra (séc. XVI): Clifford, Ashley, Buckingham, Arlington e Lauderdale. ACROSTICO - Gr. akrostikhion; dkros, extre- midade, stikthos, verso. Prov. pelo fr. acros- tiche (Corominas s. w). Designa as composigdes poéticas nas quais certas letras formam uma palavra ou frase, no geral um nome proprio. Quando se juntam as letras iniciais, tem-se 0 acréstico propriamente dito, que se 1é na vertical, de cima para baixo ou no sentido inverso. Se a combinacao se pracessa no meio dos versos, tem-se 0 meséstico, se no fim, 0 teléstico. Quando as primeiras letras compdem 0 al- fabeto, tem-se o abecedarius (V. ABECEDARIO) ou oacréstico alfabetico, Se 0 nome € forma- do da primeira letra de primeiro verso, da segunda letra do segundo verso, da terceira letra do terceiro verso, e assim consecutiva- mente, tem-se 0 acréstico cruzado, Pode assumir a forma de polindromo* ACROSTICO Poesia* de circunstancia, expediente ti- pico de poetas menos inspirados que virtuo- ses, 0 acréstico remonta a Antiguidade gre- co-latina. Cicero asseverava que os oraculos enigmaticos eram organizados em acrosti- co, € no Velho Testamento se Ihe nota a pre- senga no Salmo 118. Durante a Idade Mé- dia, além de poctas, que o empregavam para ocultar discretamente o nome da bem-ama- da, papas e prelados cultivaram-no, mclust- ve para, na época das persegnicdes, manter vivo o nome de Cristo, como no vocabulo icthys (peixe): lesous-Christos-THeou-(H) Yios-Soter, Jesus-Cristo-Filho-de-Deus-Sal- vador. Apos 0 século XVIII, o acrostico tom- bou no esquecimento em toda a parte. Dois exemplos de acréstico se tornaram célebres: 0 primeiro, que deu origem a0 ter- mo “cabala” (v. ACRONINO); ¢ © que Chabrol dedicou a Francois de Bassompierre, na tra- gédia Oriselle ou les Extremes Mouvements d'Amour (1633), que funde o actostico, 0 te- lestico e 0 acréstico cruzado nos dois senti- dos, de modo a formar um X dentro de uma estrofe* tendo como centro a letra “B” Em Portugal, o acréstico circulou entre 0 século XV 0 XVII, entrando depois no os- tracismo: entre nds, tem sido cultivado epi- sodicamente, sem maior interesse literario. Frei Anténio de Santa Maria Jaboatao, his- toriador do século XVIII, transcreve no preambulo do Nove Orbe Serdfico Brasilico (1838. 366) win curivse Epitaphium Acrosti- chon, de Frei Joao do Rosdrio (séc. XVID, formado pelo nome JoaNnes: Inclytus exanimis facet sub hac sede sepulchr Orbis Res ingens Olim memorabile mund 0 Absque part exemplo Aleides virtute stupend A Numine rectrict _Notus, apsisque levame Norma,et viewtis Nutrix, paciscyte mutrime —N Esolioadsolium —Frectus, pacisque quiet E Sydera subpeditans — Sapicasdominabiturastt S$ ¢ um Inscriptio Acrostichon, “que se compoe de outros sete versos herdicos, em que co- ACUMULAGAO. mecando cada um pelas mesmas sete letras, do nome Joannes, todos constam de cinco dicgdes, que também principiam pelas le- tras do proprio nome deste modo: Ingemat Intorita Josnnie Jactet_—_Inbree Omnis Olyssipo Officiosis Obrutus Orbis, Astipuletur Aquis —Assistat_ America Amanter Necnon Naiadum Nutum — Nonnulla Negare Nolit_ —Nobiscum Nunc Notificare Necesse Exitium Fuge —_Ellugiunt EpicediaEpodon Succedat Subiit Supremus Sydera — Salvus ACUMULAGAO - y. AMPLIFICACAO. ADAGIO - Lat. adagium, ditado, proverbio. Designa os ditos, proverblos*, sentencas ou maximas*, que transmitem um saber de modo conciso e claro. Via de regra, 0 adagio registra a experiéncia culta dos Antigos, uni- versalmente difundida. Quando de origem nao literaria, diz-se addgio popular. Um dos adagiarios mais famosos é 0 de Erasmo (Add- gios, 1500-1506), que compila mais de qua- tro mil espécimes colhidos nos autores da Antiguidade greco-latina. O termo “adagio” (it. adagio, a vontade) ainda se usa na linguagem musical, para indi- car um movimento vagaroso e gracioso, me- nos lento, porém, que o denominado largo. ADNOMINATIO - v. pARONOMASIA ADONIO - v. verso. AD USUM DELPHINI - Lat., para uso do Delfira Locucdo latina empregada para designar as famosas edigdes* de clissicos latinos que, sob a diregdo de Bossuet e Huet, se destina- vam a formagao do Delfim, filho de Luis XIV (1638-1715), portador do mesmo nome e fa- lecido em 1711. Sugeridas pelo Duque de Montausier, preceptor do jovem principe, as edicdes foram confiadas a latinistas de escol, que se incumbiram de eliminar dos textos as pascagens consideradas impréprias ou aten tatérias do ponto de vista da moral, da re gio e dos costumes. Graficamente prepara- ADYNATON. da por Frédéric Leonard, impressor do Rei, a colecao abrangia sessenta € quatro volu- mes, publicados entre 1670 1698 Modernamente, a locugao ad usum del- phini adquiriu sentido ironico ou pejorati- vo: assinala as obras que sofreram emendas ou mutilacoes arbitrarias, fruto de precon- ceitos morais ou interesses momentaneos. Uma edigao de Os Lusiadas, expurgada das estiules Iirivo~anmurusas, subietudy uv epi- sddio da ha dos Amores, constitui exem- plo de censura textual para fins pedagogicos ou éticos. Com analogo significado utiliza-se em inglés o termo bowdlerize ou bowdleriza- tion, derivado de Thomas Bowdler, médico que publicou, em 1818, uma edigao das pe- cas de Shakespeare, “suprimindo-lhes to- dos as vacahulos ¢ expressies que naa po- deriam ser proferidos em voz alta no interior das familias”. ADYNATON - Gr. impossivel; lat. impossibilia. Figura de linguagem, consiste numa hi- pérbole que traduz impossibilidade. Peri- frase* de sentido paradoxal, 0 adynaton em- prega-se notadamente em poesia* amorosa: por seu intermédio, o poeta exprime o paro- viema da sentimenta que a habita, on os tar- mentos provindos da indiferenca ou incor- respondencia da mulher amada, O contraste, a colisao entre idélas ou imagens evidencia 0 lima de absurdo e sem-razao em que mergu- Thao poeta: Jura ser mats facil ocorrerem im- possiveis na ordem do mundo que diminuir a sua avassalante paixao (V. DESCORDO) © adynaton também foi empregado em contextos humoristicos ou satiricos, a exemplo da “parédia da homérica viagem a0 Hades”, pois “da seriacao de impossibilia nasce 0 topos* do ‘mundo as avessas’™. E “como tal aparece em Luciano (Menippos) e, segundo esse modelo, em Rabelais (Panta- gruel, cap. 30)" (Curtis 1957: 100). As- sim, em provérbios referentes 20 mundo AFERESE ALBA OUALVA animal: “é€ 0 burro que toca alaide, 0 boi que danca, o carro adiante dos bois, a lebre intrépida, 0 ledo timido e casos semelhan- tes. Muitas dessas locugdes, formadas ja na Antiguidade, interpretam o carater gnomico do pov” (idem: 101). “De origem antiga”, o adynaton “parece que surge pela primeira vez em Arquiloco”, poeta grego do século Vil a.C. (idem: 99), € perdura ao longo das centurias medievais gracas sobretudo aos exemplos de impossi- bilia colhidos em Virgilio. Em vernaculo, re- gistra-se a “persisténcia do twpico desde os nossos quinhentistas petrarquizantes ate os chamacbos poetas pré-romanticos, cuja forma- do literaria € ainda classica, passando pelos poetas da fase barroca” (Coelho 1961: 636): “Eu deixar-te (ai de mim)! Primeiroa Terra Mostre as fundas entranhas Por larga boca horrivel, que me trague; Primeiro 0 Mar e o Céu me facam guerra, Despenhem-

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