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DICIONARIO DE TERMOS Edicao Revista MASSAUD MOISES /_— Copyright © 2004 Massaud Moisés. 1" edicao, 1974. Dados Internacionais de Catalogacao na Publicagao (CIP) (Camara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Moises, Massaud, 1928- Dicionario de termos literdrios / Massaud Moisés. — 12, ed. rev. eampl, — Sao Paulo : Cultnx, 2004, Bibliografia ISBN 85-316-0130-4 1. Literatura — Terminologia — Dicionarios 1, Titulo. 04-5394 co0-803, indices para catalogo sistematico: 1, Termos literities : Literatura : Dieiondrios 803 O primeiro numero 2 esquerda indica a edicio, ou reedic&o, desta obra. A primeira dezena a direita indica o ano em que esta edigdo, ou teedicao foi publicada Edicao te 13-14-15-16-17-18-19-20 06-07-08-09-10-11-12 Diteitos reservados EDITORA PENSAMENTO-CULTRIX LTDA. Rua Dr. Mario Vicente, 368 ~ 04270-000 ~ Sao Paulo, SP Fone: 6166-9000 ~ Fax: 6166-9008 E-mail: pensamento@cultrix.com br hupd/www,pensamento-cultsix,com,br Nota prévia A primeira edicdo deste dicionario veio a publico em meio a um processo de amplas e pro- fundas mudangas na esfera dos estudos literdrios. © estruturalismo, nas suas varias facetas, © formalismo russo, emergente apos décadas de forcado isolamento, a retorica, ressurgindo depois de longo ostracismo, com nova roupagem, adaptada a modernidade, a disseminagao das pesquisas lingiiisticas, o desconstrucionismo, a semidtica, ete., desencadearam polémi- ccas acesas em razéo das suas propostas fecundas, embora passageiras, trazendo solida con- tribuicdo para o equacionamento mais rigoroso ou mais pormenorizado, num compasso ajustado aos novos tempos, de antigos problemas ou conceitos. A revisao e atualizacao do livro impunha-se, por conseguinie, com o aproveitamento, na medida do possivel e respeitadas as coordenadas que presidiram a sua elaboracao no inicio dos anos 70, das novidades sugeridas por essas tendéncias. Além disso, continuava viva a questao assinalada no preficio 4 edicao de 1974, relativa 20 que se deve entender por “ter- mos literarios”. E tal como entao, parece-me que a solucao mais razoavel aponta para o mes. mo caminho trilhado na primeira edigao: acolher os vocdbulos que a linguagem literdria emprega, incluindo os empréstimos, ¢ recusar os que pertencem a territérios ndo-literarios, nao obstante sejam usados por algumas das correntes mencionadas ou outras de especifica orientacao tedrica, como € 0 caso, por exemplo, da critica psicanalitica, Por outro lado, nao se consignam verbetes a termos facilmente encontraveis em dicionarios de lingua, ainda que presentes na linguagem literéria, ressalvada a hipotese de, em razio do seu especial interes- se, reclamarem tratamento critico ¢ nado meramente sinonimico. Abrangente, o espectro lexical envolve termos de critica e historiografia literdrias, reté- ricos, versificatérios, etc., sem prejuizo de outros que, vindos de areas vizinhas, se tém mostrado relevantes para as estudas literarins Casas hd em que 0 vocabnlo padera sur- preender pelo fato de nao ser muito corriqueito 0 seu emprego na area dos estudos liters rics, como, por exemplo, “kitsch” ou “jéruri”. Ainda ha que observar que a terminologia apresentada e defendida pelas linhas criticas posteriores a 11 Guerra Mundial somente foi incorporada quando se revelou encerrar uma contribuica0 nova ou voltada para aspectos carentes de atengdo especifica. Muitos dos termos entao introduzidos nao conquistaram adesdo suficiente para substituir, com vantagem, os antigos, ou ndo se revelaram mais ade- quados do que eles. Nao raro, tombaram na armadilha do modismo, sem oferecer novida- de de monta, quando nao deixavam tansparecer superfetacdo, sem oferecer argumentos convincentes, a nan ser para aqueles que se haviam decidida a parecer atnalizados por re- correrem a palavras abstrasas para designar velhos conceitos, j4 identificados pela tradi- cao classica. DICIONARIO DE TERMOS LITERARIOS Euriquccidy de novos verbetes, que a consulta revelou serent necessatios, € de novas in formagoes com vistas a sua atualizacao, este vocabulario de termos literdrios pressupée que o leitor desejoso de alargar o conhecimento das questdes arroladas pode valer-se nao sé das indicagdes bibliograficas contidas no corpo dos verbetes, como também das que figuram, em destaque, no seu término. Tanto umas como outras costumam trazer abundantes rele- réncias a outras fontes de consulta, Cada entrada fornece a etimologia do vocébulo e mais seus correspondentes alienigenas, quando divergem do vernaculo ou/c ostentam relevancia critica. Tais denominagdes apare- cem como remissiva no lugar proprio, de modo a facilitar 0 manuseio por parte do consu- lente que as tiver em mente. Quando idénticas ou semelhantes as utilizadas em portugues. dispensam-se as formas estrangeiras; entretanto, se universalmente empregadas, mantém- se na grafia original. O asterisco a direita dos vocabulos funciona como sinal de remissao para os termos co- nexos; disposto a esquerda, serve para caracterizar as formas lingiiisticas hipotéticas. Para levar a bom terme a revisio ¢ atualizagio empreendida, foram-me de grande valia as achegas recebidas de varias pessoas, as quais gostaria de manifestar 0 meu mais vivo agra- decimento: Albano Martins, Benedicto Ferri de Barros, Edith Pimentel Pinto, Fausto Cunha, Fernando Cristovao, Gladstone Chaves de Melo, José Pereira da Silva, José Willemann, Li- lian Lopondo, Luts Lisanti, Maria de Pompéia Duarte Santana ¢ Sousa, Mario Chamie, Pau- lo Bomfim, Rodolfo A. Franconi, Rogério Chociay, Sanzio de Azevedo, Valter Kehdi E de estrita justica agradecer de modo especial a Erwin Theodor Rosenthal, pelo ines- timavel auxilio de varia ordem, e aos funcionarios da biblioteca central da Faculdade de Fi- losofia, Letras e Ciéncias Humanas da Universidade de Sao Paulo, cujo empenho solicito e constante tornou menos penosa a busca de obras indispensaveis 4 nova edigo deste dicio- nario, Agradego também aos bibliotecarios da Academia Paulista de Letras, bem como da Fa- culdade de Direito da USP e do Centro Universitario Ibero-Americano, a prestimosa ajuda. APOLOGIA nisismo”. A explicagao residiria, a seu ver, no fato de “as duas divindades protetoras da Arte, Apolo e Dionisos, nos sugerirem que no mundo helénico existe prodigioso con- traste, na origem e nos fins, entre a arte do escultor, ou arte apolinea, ¢ aarte nao escul- tural da Musica, a de Dionisos”, ou seja, em “Apolo e Dionisos podemos discernir os re- presentantes vivos e plisticos de dois mun- dos da Arte, diferentes pela esséncia intima € pelos wltimos fins” A partir da tensao dialética enue a arte apolinea, coneretizada na Escultura, ea ar- te dionisiaca, manifesta na Muisica, 0 pensa- dor arma uma série de pares antindmico: equivalentes a0s dois *instintos” ou “mani festagoes fisiolégicas": © apolineo corres ponde ao senho, 0 dionisiaco, a embriaguez; © apolineo diz respeito ao espaco governa- do pelo “deus da luz”, que tambem reina “na bela aparéncia do mundo interior, da imaginacao”, conduzido pela “auséncia de impulsos brutais, pela calma e pela sabedo- ria"; € que “Apolo guarda a {é inquebranta- yel no principio da individuagdo e da tran- quilidade do homem, que nele encontra a sua expressao mais sublime”, Fm contrapartida, as emocoes dionisia~ cas, porque andlogas a ebriedade, “levam 0 individuo a perder toda a consciéncia de si proprio”; corporificadas na Musica, inspi- tam “no s6 a renovagio do liame entre os homens, como wanbem proporcioman que a propria Natureza, antes estrangeira, hostil ou servical, se reconcilie com o homem, seu filho prodigo”. Dessa forma, “por meio dos seus cantos e dancas o homem mostra que € membro duma comunidade superior, que perdeu a memoria da fala e do andar, ¢ esta 4 beira de se evolar pelos ares dangando"; em suma, “o homem nao é mais artista [co- mo quando sc deixa guiar por Apolo]; antes, € ane ele proprio; a energia estética da Na- ‘tureza revela-se inteira por entre os frémitos da embriaguez” (idem: 21, 22, 24, 25-26, APOLOGIA 106). Vitoria suprema da libido (Jung 1954: 163), imagem da “eterna vohipia do existir” (Nietzsche 1970: 112), o instinto dio co permite revelar-se uma “existencia luxu- riante ¢ mesmo triunfante, em que todo 0 real, bom ou mau, é divinizado” (idem: 31) Prosseguindo no deslindamento da pola- ridade basica, Nietzsche retomaa dicotomia proposta por F Schiller em Da Poesia Ingé- nua ¢ Sentimental (1795-1796) e considera a ingenuidade “o resultado supremo de uma civilizagao apolinea” (1970: 34). Por outro lado, acredita que o fendmeno dionisiaco se identifica com © titanismo ¢ a barbérie © acusa um estagio em que “o artista ja se des- pojou da sua subjetividade”. E na medida em que, incitando a um mergulho no plano da vida, pressupée a inexisténcia de um "pa- ra-além”, 0 instinto dionisiaco opor-se-ia & mundividéncia crista, que postula o despre- zo do real em favor de uma vida extraterre- na, E 0 frenesi dionistaco encerraria tal po- der que a tragédia teria camecado a declinar “a partir do momento em que deixow esca- par dos seus limites 0 espirito da Musica”, ou melhor, quando o “Euripedes pensador e nao 0 poeta”, convicto de que a inteligéncia conststia na “autenuca raiz de toda alegriae de toda criacao” (idem: 38, 42, 82, 105, 176), Ihe instilou o virus do pensamento ra- cional e judicativo. APOLOGIA - Gr. apologia, defesa, justificacdo. Com o sentido etimolégico de justifica- so ou defesa, a apologia remonta & Antigui- dade classica, onde se destaca a Apologia a Socrates, em que Plato refuta as acusacdes de Meletos contra o seu mestre, segundo as quais 0 fildsofo teria corrompido a juventu- de ateniense e introduzido divindades alie- nigenas na mitologia helénica. Idéntica sig- nificago guarda a Apologia a Herddoto (1566), na qual Henri Esticnne argumenta ein favor do historiador grego contra os que, no Renascimento, o acoimavam de imagino- APOLOGO 34 so € monétono. No espaco propriamente li- terario, ressalta An Apologie for Poctrie (1595), na qual Sir Philip Sidney discute em pormenores os problemas gerais da Poética, incluindo a comeédia* e a tragédia*, ou a De- fence of Poetry (1821), de P. B. Shelley. © vo- cabulo chegou mesmo a ser empregado de forma satirica, como em An Apology for the Life of Mrs. Shamela Andrews (1741), de Nenry Fielding, enderecada a Pamela (1740- 1742), de Samuel Richardson. Decerto em consequéncia do significado originario, o vocébulo “apologia” assumiu em verniculo a conotagio* de “elogio”, e neste caso constitui sindnimo de “panegirico”*, Em tal acepcao, a apologia € praticamente exclusi- vada oratoria*, como, por exemplo, no Elogio 4 Castro Alves (1950) € O Adeus da Academia a Machado de Assis (1908), de Rui Barbosa, Mas pode aparecer, de modo explicito ou nao, em relatos biogrificos, como, por exemplo, no que Joaquim Nabuco dedicou ao seu pai, o Se- nador Nabuco de Araujo, em Um Estadista do Segundo Império (1899). APOLOGO - Gr. apologos, narracao. Narrativa curta, nao raro identificada com a fabula* ea paribola*, gracas a moral, expli- cita ou implicita, que deve encerrar, ea estru tura* dramatica sobre que se fundamenta, Contudo, ha quem as distinga pelas persona- gens: 0 apdlogo seria protagonizado por ob- jetos inanimados (plantas, pedras, rios, relé- gios, moedas, estatuas, etc.), 20 passo que a fabula conteria de preferéncia animais irra- cionais, ¢ a parabola, seres humanos. De remota ¢ obscura origem, provavel- mente oriental, ¢ comum a todos os povos, © apologo tambem encontrou adeptos em nosso idioma, como, por exemplo, D. Fran- cisco Manuel de Melo (Apélogos Dialogais, 1721), Jodo Vicente Pimentel Maldonado (Apdlogos, 1820), Machado de Assis (“Um Apélogo", ainda conhecido por “A Agulha e a Linha”, pertencente a Varias Historias, APOSTROFE 1896), Coelho Neto (Apdlogos, 1904). Este uiltimo enfeixa algumas historias centradas em animais irracionais, o que as classifica- ria entre as fabulas, caso se adotasse com ri- gidez a distinedo inicialmente apontada, APOSIOPESE — Gr. aposidpesis, silencio sii- bito, interrupgao, reticéncias. Lat. interrup- tio; reticentia. Figura* de linguagem, consiste na suspen- so de um pensamento ja iniciado, por meio de corte repentino na cadeia sintitica. Espé- cie de anacoluto* consciente, a aposiopese as- sinala o momento em que o escritor interrom- pe bruscamente a seqiténcia das idéias, 1) ao perceber que vai adiantar raciocinios ou sur- presas, 2) quando pretende dar enfase as pa- lavras, ou 3) quando se da conta de que vai di- zer mais do que deseja. No geral, a aposiopese evidencia-se, graficamente, pelas reticéncias, mas nem todo sinal suspensivo denota a pre- senca desse recurso estilistico: “Seria inutil querer dissuadi-la, ¢ ainda que nao fosse indtil, seria desarrazoado, porque uma vitiva moga... Ela amava muito o marido, nao?” (Machado de Assis, Ressurrcicao, 1960:67). “Deus tenha misericordia de mim! e esse homem, esse homem... Jesus! esse homem era... esse homem tinha sido... levaram-no ai de donde?... de Africa?” (Garrett, Frei Luts de Sousa, 184+, ato I, cena XIV). BIBL.: Quintiliano, IX; Lausberg 1966- 1968, I; 1998, APOSTROFE - Gr. apostrofé, mudanca de rumo, pelo lat. apostrophe. Designa a derivacao ou interrupcao do orador ou do poeta, para se dirigir a alguém fora do contexto em que se situa. Aparece usualmente em forma exclamativa: “Com que tu, clara Grécia, 0 céu penetras, E nao menos por armas que por letras” (Camoes, c. UII, est. 13); APOTEGMA “Sabei cristios, sabei principes, sabei mi- nistros, que se vos ha de pedir estreita con- ta do que fizestes” (Pe. Antonio Vieira, Sermao da Primeira Dominga do Advento. & V1). BIBL.: Lausberg 1966-1968, [1; 1998. APOTEGMA ~ Gr. apophthegma, sentenca. Praticamente sinonimo de aforismo*, maxima* e outros termos equivalentes, 0 apotegma consiste num pensamento ex- presso de modo lapidar, canciso e claro, en- cerrando um saber baseado na experiéncia de figuras ilustres antigas, e digno de lem- branca e imitacan Plutarco (séc. 1 a.C.) € primeiro nome na Antiguidade greco-latina a merecer con- sideracao, gracas a sua Apophihegmata Laco- nica, onde retine ditos memoraveis de reis, politicos € soldadus eminemtes, de varias re- gides e épocas. Util nas reconstituicoes biograficas e his- t6ricas, o apotegma, como tal ou identifica- do coma sentenga moral e vocabulos seme- Ihantes, aparece com alguma freqiténcia depois do século XVI ¢ perdura até meados do século XIX. A Nova Floresta (1706- 1728), do Pe. Manuel Bernardes, é um dos exemplos mais notaveis em vernaculo, pela quantidade e qualidade dos apotegmas que coleciona e comenta, ARCADIA - Gr. Arkadia Regio montanhosa do Peloponeso (Gré- cia), considerada, na poesia pastoril da Anti- guidade, verdadeiro paraiso, habitada por se- res eleitos, que se dedicavam a poesia* € aos ingenuos prazeres domésticos. Vergilio cha- ma as pastores Corydon e Thyrsis de arrades ambo, ambos arcades (Eglogas, Vil, 4) Durante a Renascenga, tornou-se o lugar mitico para 0 cultivo da vida intelectual ea realizagao da felicidade plena, acima das paixdes e dos itpulsus umtetiais. Mundo de guardadores de rebanho, onde a existencia correria tranquila, no culto dos valores do ARCADISMO espitito, inspiroua novela* A Arcadia (1502- 1504), de Sannazaro, que provocaria um vasto surto de bucolismo e quietismo em vé- rias literaturas da Europa, como, por exem- plo, Saudades. ou Menina ¢ Moca (1554). de Bernardim Ribeiro, Diana (1559), de Jorge de Montemor, Aminta (1573), de Tasso, A Arcadia (1590), de Sir Philip Sidney. O al- cance social ¢ estético da moda arcédica re- gistra-se numa tela do pintor frances Nicolas Poussin, dos fins do século XVI e prineipios do XVI, intitulada Pastores da Arcadia, re- presentando um grupo junto ao timulo de um pastor, em cuja lapide se lé a seguinte inscrigdo: Et in Arcadia ego, ainda na Arcédia estou eu. Nos ultimos anos do século XVII, a Rai- nha Cristina da Suécia, exilada na Italia, reunia em seu saldo literdrio uma pléiade de poetas, os quais, apés a sua morte, resolve- ram organizar-se em academia*, sob o nome de Arcadia Romana, constituida pela pri- meira vez em 1690, e que preconizava res- suscitar a simplicidade idilica da poesia bu- célica greco-latina. Identificada com a idéia de academia, a voga arcadica atingiu Portugal em 1756, coma fundaco da Arcadia Lusitana, que se prolongou ate 1774. Integraram-na: Anto- nio Dinis da Cruz e Silva, Manuel de Figuei- redo, Domingos dos Reis Quita, Pedro An- tonio Correia Gargdo, este ultimo tesrico da agremiayao. Cin 1790, viganicoucse a Nova Arcadia, que durou até 1801, congregando figuras como Bocage, Jose Agostinho de Ma- cedo, Diogo Caldas Barbosa e outros. No Brasil, 0 modelo associativo teria inspirado a fundacao da Arcédia Ultramarina, planeja- da por José Basilio da Gama ¢ Cliudio Ma- nuel da Costa, em 1768, mas que, por mo- tivos ignorados, nao chegou a reunir-se ARCADISMO ~ De Aicédia*, iegidu giega do Peloponeso + ismo, doutrina, tendencia, corrente, ARCADISMO. ARCADISMO, Genericamente, a renovacao do mito* da Arcadia percorreu os séculos XVI a XVIII, mas é neste tiltimo que alcangou maturacao ¢ vasto sentido, para além do proprio ambito literério, As varias obras surgidas nas duas primeiras centurias em torno do assunto cul- minaram com a organizagéo, em 1690, na Itilia, de um sarau literirio, ou academia*, a que foi dado o nome de Arciédia Romana. O costume das agremiagSes literfrias, poste em. voga com a Academia Francesa (fundada em 1634), difundiu-se por varios paises da Euro- pa: a Arcédia seria uma de suas modalidades, identificada pelo seu canter poetico, ao pas- so que as academias se destinavam a discutir matéria historiografica, cientifica, filosofica, alem da literaria. Em Portugal, com a Arcadia Lusitana, em 1756, 0 novo modelo se instala entre os literatos portugueses. Entre nés, a projetada Arcadia Ultramarina, em torno de Claudio Manuel da Costa, ressoaria a mesma tendéncia estética (V. TERTULIA). Como na maioria dos “ismos”, 0 movi- mento* arcadico apresenta contradicoes € antinomias, derivadas da propria evolucao das doutrinas propostas ou defendidas, das discrepancias inevitaveis entre elas e as obras em que se concretizaram. De inicio, pode-se entrever uma fase de reptidio ao Barroco*, que viria mais tarde a ser uma das constantes do Arcadismo, a que se aglutina- ram novos componentes culturais que, assegurando a instauragao da estética arca- dica, preludiavam tendéncias avancadas, como 0 Iluminismo* e, mais adiante, o Ro- mantismo*. Os arcades reagiam contra os excessos barracos por consideré-los exem- plo de “mau gosto”: era preciso degolar a “hidra do mau gosto” instalar ou reinsta- lar o “bom gosto”. O Barroco representava, no seu entender, o desrespeito ao ideal clas- sico que norteara a literatura praticada pelo Renascimento. Impunha-se, pois, restitnir o equilibrio classico, remontando as suas fon- tes originais, na Antiguidade greco-latina. Dat que o Arcadismo e 0 Neoclassicismo* sejam tomados, nao raro, como sindnimos. Os arcades orientavam-se, no geral, pela divisa que presidia a Arcadia Lusitana —inu- tilia truncat -, isto é, cumpria extirpar as inutilidades com que os barrocos sobrecar- regavam as suas produgdes literarias, e colo- car de novo em agao os ideais helénicos de Arte. Entretanto, entendiam que esses ideais somente se materializariam em determina- das condigées: a paisagem campestre, como se espelha na poesia dum Teécrito, dum Vir- gilio, dum Horacio, ¢ que constituiria a atmosfera mais indicada para a concretiza- cao plena da poesia* equilibrada ¢ serena. Obucolismo torna-se, assim, uma das ca- racteristicas marcantes da estética arcadica: ¢ como na Renascenca tal corrente encontrara seguidores entusiasmados, os arcades paemn- se igualmente a considerar a obra bucéliea de poetas dos séculos XVI e XVI, como Gar- cilaso de ta Vega, Edmund Spenser, Camoes € outros. Dessa forma, o bucolismo arcadico arrimava-se a0 homonimo classico € renas- centista. No entanto, o pastoralismo nao se confunde com a rusticidade: movimento aristocratico, 0 Arcadismo preconizava co- mo ideal o homem natural, esponténeo, nao © rlistico, bruto ou animalesco. © pastor, ou pescador, € 0 natural, néo o rude. Aeexisténcia bucélica representava o ide- al supremo: as demais caracteristicas da es- tética arcddica promanam, de certo modo, dessa visio utépica do homem do campo. Os arcades pregavam a simplicidade, quer nos temas de suas composicdes, quer como sistema de vida: aplaudindo os que, na An- tiguidade ¢ na Renascenca, fugiam ao bur- burinho citadino para se isolar nas vilas, pregavam, na esteira de Horacio (Odes, I, 10, v. 5), a “aurea mediocridade”, a dourada mediania existencial, transcorrida sem so- bressaltos, sem paixdes ou desejos. Propugnavam, ainda, que a obra de arte deveria empregar formas simples, equiva- ARCADISMO. lentes aos temas* e aos ideais preconizados: de onde o uso de versos* curtos e populares (0 pentassilabo ¢ 0 septissilabo) e de recur- 0s sonoros, que possibilitassem o canto, de molde a integrar a poesia* num cenario de eterna bem-aventuranga. Regressar 4 Natu- reza, fundirse nela, contemplar-Ihe a quie- tude permanente, buscar as verdades que Ihe sdo imanentes - em suma, perseguir a naturalidade como filosofia de vida. Deriva dessa opcao existencial a crenca no estoicismo, ou seja, que a suprema Feli- cidade consiste na superacio dos apetites, pois comprometem a limpidez da relagao vi- tal entre o homem ea Natureza: frugalidade mesa e no leito, exercicio dos bons pensa- mentos, da tranquilidade espiritual, despre- 20 dos bens materiais, 0 culto da Beleza e da Bondade ~ eis o fundamento estdico dos 4r- cades. Todavia, 0 seu estoicismo nao desde- nha a vida; antes, procura extrair dela 0 ma- ximo de proveito, gracas a sabedoria com que busca executar cada ato vital; estoicts- ‘mo que nao significa ddio ao que é inerente a0 homem, mas, sim, que aspira, na pritica serena dos bens da vida, a longevidade que permita frui-los cada vez mais e melhor. Em resumo, 0 estoicismo guarda o seu reverso: o epicurismo. Na verdade, os arca- des sao sensualistas, uma vez que se fundam nos sentidos para desejar uma existéncia plena: estoicismo e epicurismo mesclam-se, compensadoramente. Além disso, o sensua- lismno arcidicu ligase av pragiationy, puis pressupoe que a obra de arte, na esteira de Horacio (Arte Poética, v. 343), deve misturar © itil ao agradavel, a comogao que aprimo- raco deleite, tendo em vista promover uma forma de vida ideal. Entretanto, recusando- se a perfilhar o engajamento dos barrocos, aceitavam o principio da “arte pela arte”* Ainda mais: significa adesdo a irracionalidade: ao con- wario, refutando o pendor irracionalista ou quimerico dos barrocos, os arcades preconi- © sensualismo arcadico nao ARCADISMO zam uma ragion poetica, um racionalismo de base que nao exclui, antes estimula, a fantasia. Desejavam-se livres para criar se- gundo os ditames da imaginagao, mas recla- mavam 0 apoio da razao, exatamente para que esta proibisse a fantasia de tombar no gratuito gongorico. Vista doutro angulo, a questéo mostra que aplaudiam a imitacdo* dos Antigos como o meio adequado a reali- zagao de tal consorcic, mas entendiam-na nao como copia servil. Ao faze-lo, repu- nham o primado da autoridade, da autenti- cidade, da pureza em Arte, abolido durante © splendor barroco. O Atcadismo ainda repos em cireulagao a mitologia classica, mas despindo-a do seu carater teologico: as entidades mitologicas intervém como ficcdes, participam no qua- dro ideal em que os pastores se movem, co- mo a sublinhar o carater mitico que a Natu- reza cxibe aos olhos encantados ¢ inocentes de pastores e pescadores, E como eram cris- taos, nao demoraram em reportar-se a Cris- to ea Nossa Senhora, numa simbiose que esvazia a mitologia classica do seu conteti- do ea substitui pela hagiologia catélica, re- ligiosamente carregada de sentido. Por fim, desejando conferir mais verossimilhanca a sua utopia, os arcades assumiam pseudoni- mos pastoris: Metastasio ¢ Artino Corasio, Claudio Manuel da Costa, Glauceste Satiir- nio, Bocage, Elmano Sadino. O Arcadismo reagiu contra os desmandos batwocos, mas incidiu uoutius, desacieditou 6 retoricismo seiscentista, mas engendrou uma retorica nova: conquanto refutasse 0 empolamento dos poetas gangéricos, aca- bou engendrando estereotipias de lingua- gem e de sentimento, carentes de vibracao li- rica, salvo honrosas excecoes. Afetados, ansiavam por evadir-se do seu tempo, no en- calgo de um mundo visionario, como se lhes fosse possivel desenraizar-se da circunstan- cia € metamorfosear-se em pastores ou pes- cadores. De onde a artificiosidade, o postico, ARCAISMO € a conseqdente obra de menor calibre, fru- to mais dos pressupostos cerebrinos que de uma genttina disposicao de animo ou de sen- sibilidade. E esta, quando existente ou ma- nifesta, ultrapassava a teatralidade geral e movia-se no rumo do Romantismo, Em conseqiiéncia das proprias limitacdes, © Arcadismo foi movimento de dramaturgos ¢, sobretudo, de poctas: 0 teatro, altamente representado por Metastasio (1698-1782), um dos raros nomes universais do Arcadis- mo, ea poesia, de que os melhores exemplos, tirante Metastasio, se encontram em Lingua Portuguesa (Claudio Manuel da Costa, To- més Antonio Gonzaga, Bocage), — presta- vam-se admiravelmente para exprimir o ideario arcadico e sugerir um espaco virtual conde cabia a naturalidade preconcebida que 08 seus adeptos defendiam com veeméncia BIBL.: Calcaterra 1950, 1961; Fubini 1951-1963; Moncallero 1953 ARCAISMO — Gr. arkhaikds, der. de ar- khaios, antigo. Diz-se de antigos ¢ obsoletos vocabulos ou expresses modernamente empregados como recurso de estilo*. Server tanto para airibuir solenidade ¢ cor local a uma passa- gem como para motivar 0 riso. Os termos “nojo”, no sentido de “pesar”, “adrede” no sentido de “propositadamente”, “soer”, no sentido de “costumar”, constitwem arcais- mos. Também nos seguintes trechos se en- contram palavras caidas em desuso: “Escada de Jaco serao teus raios Por onde asinha subiré minh’alma” (Fagundes Varela, Cantico do Calvario"; “asinha” significa “depressa”) “_ Nao me ensine as leis da cortesia, aba- de replicou algum tanto afrontado o fidal- go da Agra, — Eu nao me fiz em aleatifas de salas; mas aprendi a policia ¢ trato humano nas licoes de galas afamados como D. Fran- cisco Manuel de Melo” ARQUETIPO (Camilo Castelo Branco, A Queda dum An- jo, 1948: 74, cit. por Novais Paiva 1961: 338). Note-se que, além de “policia” significar “civilizacdo”, “urbanidade”, os termos “alca- tifa” ¢ “gala” exalam odor de coisa velha ARGOT — Fr., de etimologia desconhecida. Calao, giria, especial ¢ originariamente, de ladroes e vagabundos. ARGUMENTACAO - ¥. Discurso. ARGUMENTO ~ Lat. argumentum, prova, justificativa. AL. Inhalt. No terreno da Retérica*, 0 argumento consiste no emprego de provas, justificati- vas, arrazoados, a fim de apotar uma op!- niao ou tese, e/ou rechacar uma outra. Em Tinguagem filosofica, o vocabulo equivale a todo “raciocinio destinado a provar ou refu- tar uma dada proposicao” (Lalande 1951: 78). No circuito das Letras, o argumento de- signa 0 sumério do contetido*, agdo* ou enredo* de um poema*, conto*, novela*, romance* ou pega de teatro*. Nesta acep- do, 0 termo entrou a ser utilizado no sécu- lo XVI, por vezes de mistura com “assunto”, “tema”, “matéria” ou “idéia”, ARISTOFANIO - v. vERSO. ARQUETIPO — Gr. arkhétypon, padrao, mo- delo primitivo, pelo lat, archetypum Termo empregado em ecdotica*, ou eri- tica* textual, para indicar 0 manuscrito* que teria dado origem as outras cépias, ou apografos*, de uma obra, reconstituivel pe- loseu confronto, ou colagio*, segundo 0 es- tema, ou classificacao, dos textos em ordem cronologica. No estabelecimento do arqué- tipo, 0 critico pode, baseando-se no conhe- cimento do autor (usus scribendi*), sugerir emendas ou correcdes (emendatio*), quer utilizando o critério conjectural (divina- tio*), quer pela escolha de solugdes inspira- das no cotejo de varios textos (selectio*). O vocabulo “arquetipo” ainda se empre- ga em critica literaria (Bodkin 1965; Frye ARQUILOQUIO. 1967). Introduzido por C. G. Jung (1954: 521-527), designa os residuos psiquicos acumulados no inconsciente coletivo atra- vés dos séculos, e revelados como “imagens primordiais”. ou “engramas”, que ressur- gem na intuigo dos poetas e ficcionistas, independentemente do tempo e do espaco. v. CRITICS. ARQUILOQUIO - ¥. veRso. ARREMEDILHO — Esp. arremedar + ilho, ato de arremedar, imitar (remedar, de “reimitare).. Identificado, de modo geral, com 0 entre- mez* € 0 momo™, gracas a acepgdo que lhe eauprestuu Vite bu nu seu Elucidariv dus Pa- lavras, Termos ¢ Frases Antiquadas da Lingua Portuguesa (1798-1799, 28 ed., 1865), 0 arremedilho tem sido considerado, impro- priamente, uma das mais remotas manifes- tacdes da arte cénica em Portugal, predeces- sora, ainda que num estagio embrionario, do teatro* popular de Gil Vicente: “antes do mondlogo da Visitacdo, apenas teria havido em Portugal. quanto informam os vestigios débeis que possuimos, as grandes represen- tacoes da Igreja, com seu cerimonial com- plicado imponente, € em teatro profano os, momos € entremezes referidos em varios testemunhos” (Tigueiedy 1946. 28). A mais longinqua referencia ao arremedi- Tho encontra-se num documento de 1193, em que “D. Sancho I com sua mulher e filhos fi- zeram doagao de um casal [..]_a0 farsante ou bobo, chamado Bonamis, e a seu irmao Acom- paniado, para eles e seus descendentes”, rece- bendo em pagamento (pro roboratione) wrum arremedillum (Viterbo s. ¥.). Na verdade, a luz desse texto € de suas varias implicacdes. 0 ar- remedilho constituiria, mais do que “uma for- ma de teatro muito rudimentar" (Figueiredo 1946: 29), “timitagio burlesca’, prometida ao soberano por jograis remedadores, isto €, por bobos cuja especialidade consistia em ridicu- larizar 0 préximo macaqueando-lhe o sem- blante” (Picchio 1969. 33-34). ART NOUVEAU Tudo leva a crer que o arremedilho “nun- ca foi um especifico ‘genero™ teatral; con- frontado com o seu equivalente portugues carremedacam,o galego remedillo e 0 castelha- no remedamiento e remedijo, que ninguém ja- mais pensou em classificar como ‘género! dramatico, foi acima de tudo sinénimo, co- mo tantos outros, de ‘imitagao’; ou melhor, de ‘macaqueacao’, se se tem presente que 0 conceito de imitacao expresso pelo verbo re- medar andou sempre vinculado ao ridiculo” (Picchio 1961: 39). Portanto, 20 contrério do que afirmou Viterho e os demais repetiram mecanica- mente, o arremedilho no € sindnimo de “entremez, farsa”, comédia* ou representa- cao jocosa”, nem de “momo”. ARSIS — Gr. drsis, pelo lat. arsis, elevagao, silaba longa ou stlaba tonica. v. rt. ART NOUVEAU - Tr, arte nova. Os franceses, por influencia inglesa, tam- bem 0 denominaram modem style, os ale- mies adotaram o nome de Jugendstil (“estilo juventude”), os austriacos preferiram chama- lo Sezessionstil (“estilo secessio”), “os italia- nos adotam o stile liberty ou stile nuovo, e os americanos, style Tiffanny, da nome do sen principal representante” (Champigneulle 1976: 10). Outros nomes foram empregados, com mais ou menos freqiéncia, como estilo belle époque, style métro, style nouille (‘estilo talharim”), etc., para designar “um fenomeno insolito” na historia da arte, cujas “formas fluidas nao sao faceis de apreender e [cujas] fronteiras nao se apresentam delimitadas com nitidez” (idem: 7). Yoliado para a decoracao, sem distinguir “entre artes maiores € menores”, assim co- mo “entre artista ¢ artifice”, ou entre “artes priticas ¢ artes belas” (Barilli 1991: 18, 51), no raro lembrando, pela exuberancia dos detalhes ¢ das formas imprevistas, o barro- co* € 0 rococé™, — 0 art nouveau caracteri- ARTE MAIOR za-se pelo gosto do ornamental. Os seus an- tecedentes encontram-se na Grammar of Ornament (*Gramatica do Ornamento”) (1856), de Owen Jones, na qual o autor “de- clarava que ‘a beleza da forma é produzida por linhas nascidas umas das outras em on- dulagdes graduais”, ¢ nos General Princi- ples of Ornament (“Principios Gerais do Or- namento”) (1862), de Cristopher Dresser, “em que propuinha uma gradacia de mati- vos lineares baseada no principio de que, quanto mais complicados e inesperados os motivos, mais interessantes eles se tornam” (idem: 17), sem contar a obra de Eugene Grasset (A Planta € us suus Aplicayoes Orna- mentais, 1896), publicada quando 0 movi- mento estava em curso. Os seus partidarios, “naturalistas abstra- tos” (Champigneulle 1976: 20), inclinam- se a buscar na natureza, especialmente te- presentada pelos vegetais, os seus temas ¢ assuntos, numa associacao que lembra o fu- sionismo proprio do grotesco”. O seu intui- to consistia em captar “a quintesséncia da natureza € extrair dela o patrimonio de es- truturas fundameniais € sintéticas subja- centes as diversas formas da vida animal ¢ vegetal. [...] Resultam dai as formas organi- cas, biomérficas e fitomérficas, que, nas obras do art nouveau, - seja na arquitetura, nos méveis, na ceramica ou nos cartazes de propaganda ~, impressionam a primeira vis- ta”; em suma, “o ideal art nouveau consistia em criar um conceito moderno de elegancia € beleza destinado a um publico tao amplo quanto possivel” (idem: 13) Nem por isso a arte nova deixou de lado as implicages da arte com 0 ser humano € com a sociedade (Champigneulle 1976: 29). Nao raro, o tema vegetal e a mulher se fun- dem, se entrelagam, como uma ondulacao permanente que se comunica da flor para a muther an vice-versa: “Com a encanto das flores combina-se freqiientemente a beleza do corpo feminino, envolto em cabelos es- ARTE MAIOR voacantes ou vestes diafanas” (Fleischer 2001:73). De costas viradas para a realidade, salvo no seu aspecto vegetal, mas emprestan- do-lhe um movimento vertiginoso de estili- zagao ¢ transcendéncia, esse fendmeno irrompe numa época atravessada pela simul- taneidade de estilos ¢ de tcorias de arte. Orientava-se, em unissono com notas sim- bolistas e decadentistas, pelas “idéias de es- pititualidade ¢ de poesia” (Champignculle 1976: 30), e acreditava “numa humanidade convencida de sua heteronomia, da necessi- dade de entrar em harmonia mistica com 0 que Ihe era exterior”, tendo em mira “criar a imagem de um mundo de lelicidade e beleza universais® (Barilli 1991: 12, 130-131). Despontado por volta de 1896, quando Samuel Bing abre a Galeria Art Nouveau em Paris, ¢ extinto com a Guerra de 14. mas apresentando desde 1900 sinais de declinio, 0 art nouveau inspirou pintores e desenhis- tas, como Aubrey Beardsley, Gustav Klimt, Edvard Munch, escultores, como Emile Gallé, arquitctos, como Henry van de Velde, Antoni Gaudi, prosadores, como K. Huys- mans, Thomas Mann, poetas, como Stefan George, Hofmannsthal, Rainer Maria Rilke. Embora inexistente “um art nouveau pro- priamente brasileiro” (Paes 1985: 69), en- contram-se tracos da stia presenca, nao rara em mescla com solugdes de natureza deca- dente ou simbolista, na obra de Graga Ara- nha, Augusto dos Anjos, Adelina Maga- Ihaes, Eduardo Guimaraens ¢ de outras figuras da nossa Belle Epoque, transcorrida aproximadamente entre 1902 ¢ 1922. ARTE MAIOR — De controversa definicao, na métrica espanhola o verso* de arte mayor consta, geralmente, de dois hemistiquios*, flutuando entre nove € catorze silabas, de igual medida (5 + 5, 6 + 6) ou nao (5+ 4,6 +5). Quanto a sua arigem, acredita-ce com mais verossimilhanca que tenha despontado na lirica trovadoresca galaico-portuguesa, ARTE MENOR 4 como revela a cantiga de Julydo Bolseyro (CY, 668), sem exclusao da hiporese de suas ratzes remontarem a poesia latina. Juan del Encina ja Ihe faz referencia na Arte de Trovar (1505). O seu emprego conheceu grande vo- ga no século XV, Com o Renascimento, so- freu a concorrencia do decassilabo e outras formas italianas. Entrou em desuso, salvo ocasionalmente, a partir do século XVII Na métriea luso brasileira, denomina se arte maior o verso de oito silabas ou mais: “Pastora de nuvens, fui posta a servico por uma campina tio desamparada que nao principia nem também termina, € onde nunca é noite e nunca € madru- gada” (Cecilia Meireles, “Destino”). BIBL: Baehr 1970; Campos 1960, Le Gentil 1949, 1952; Tomas 1972. ARTE MENOR — Na métrica espanhola, con- sideram-se de arte menor os versos de oito si- labas ou menos. Na métrica luso-brasileira, os de sete silabas (redondilho maior) ou menos. V. VERSO, ARTE PELA ARTE ~ Lat. ars gratia artis; fr. Tart pour Part; ing, art for art’ sake. Teoria segundo a qual a Arte visa exclu sivamente a proporcionar prazer estético, ‘ou seja, desconhece fins utilitarios, como a moral, a politica, a educagao, etc A idéia contida na expressio “arte pela ar- te” remonta a Antiguidade classica: Aristote- les recusava admitir propésitos didticos pa- ra o fendmeno estético (Poética 1447 b). Horacio, porém, colocava-se em posicao di- versa: “Nao basta que os poemas sejam be- los: forga € que sejam emocionantes ¢ que transportem, para onde quiserem, o espiri- to do ouvinte” (Arte Poética, v, 99-100). Constituiam-se, desse modo, em duas teo- rias divergentes quanto ac fungées da obra de arte, emblematizadas no aut prodesse aut delectare horaciano (v, 333-335). E como ARTE PELA ARTE tal, manter-se-iam no curso do tempo, nota- damente a partir da Renascenga, Retomando a postulacao aristotélica, os romanticos alemaes (Kant, Goethe, Schel- ling, Schiller) desenvolveram-na e difundi- ram-na. Na Franca, reportando-se a filosofia de Kant, Benjamin Constant teria cunhado a formula “Tart pour Tart” no seu Journal inti- me de 1804, mas publicado em 1887. E 0 pensador Victor Cousin a teria empregado nas suas prelecdes acerca do Belo, do Bem e do Verdadeiro, proferidas entre 1816 1818, mas apenas dadas a estampa em 1836. Ou- tras referencias, agora explicitas, podem ser encontradas nos prefactos de Victor Hugo as pegas Cromwell (1827) e Hernani (1830). Todavia, a utilizagio consciente € polé- mica da formula deve-se a Théophile Gau- tier: no prélogo a Mademoiselle de Maupin (1836), romance” passional, insurge-se contra as pretensdes da arte moralista, de- monstrativa, propedéutica, ¢ contra as preo- cupagdes com o dia-a-dia politico e os pla- nos de reforma social. Fm 1847, num artigo intitulado “Du Beau dans lart", publicado em Revue des deux mondes, atribui a expres- sao “l'art pour lar”, “o estatuto de um lugar comum recentemente estabelecido” (Wim- satt ¢ Brooks 1937; +7). Passados alguns anos, em 1856 estampa no Grgao Artiste um manifesto em que rati- fica os conceitos anteriores: “cremos na au- tonomia da arte; a arte, para nds, nao é 0 meio mas o fim; — todo artista que se propde algo que nao o belo nao é artista aos nossos olhos; jamais pudemos compreender a se- paracdo da idéia e da forma (...); uma bela forma € uma bela idéia, pois que seria da forma que nao exprimisse nada?” (Théo- phile Gautier, apud Martino 1958: 19). Por outras palavras, “Gautier situa a poesia na imagem e nos vocabulos, isto é, na forma — 20 mesmo tempo forma sensivel e forma verbal. E esta forma, nao cessa ele de opor a emogao” (Picon 1958: 933). De todo modo, ARTIGO, preconiza uma “teologia da arte” (Benjamin 1975: 16). Expandindo-se e ganhando a adesio de Baudelaire, Oscar Wilde, Remy de Gour- mont, Walter Pater ¢ ontras, 0 ideal da “ar- te pela arte” tornou-se, — em franca oposi- cao & “heresia do didaticismo”, nas palavras de Poe, em seu conhecido ensaio acerca de “O Principio Poético” (1850), - “uma reli- giao da beleza” (Osborne 1990; 268) para os, adeptos do Parnasianismo*, do Simbolismo ¢ de outras correntes do esteticismo que permeia a segunda metade do século XIX e as primeiras décadas do século XX. Embora a “arte pela arte” caisse em desuso apés al Guerra Mundial, 2 sua proposta estética mantinha-se viva no interior de algumas tendéncias, chegando a constituir *o mais dificil ¢, de varios modes, 0 problema deci- sivo para a sociologia da arte [...], em razio de as artes diferirem no tocante a0 seu pos- sivel repertério de idéias, aos seus meios de expressio ¢ & sua funcao social” (Hauser 1070: 420, 438), ARTIGO — Lat. articulus, articulagao, juntu- ra, membro, divisdo Designa todo escrito, de maior ou menor extensdo, que se publica em jornal ou revis- ta. Distingue-se do noticidrio comum na medida em que implica a discussio ou ex- posicao de um tema*. O vocabulo “artigo”, com tal sentido, derivou da area juridica, onde significa “disposicao ou prescricao le- gal” (artigo de lei), ¢ entrou em uso com a invengao e expansao dos periédicos, nos sé- culos XVI e XVIL ASCLEPIADEU — v. verso. ASIANISMO — Designava, em Roma, 05 €s- critores que empregavam, no século I a.C.,0 estilo* frondoso, esparramado e brilhante dos gregos da Asia, sobretudo de Rodes, on- de Esquines ¢ Milon ensinavam cloquéncia. Os seus discipulos, nao de todo convenci- dos, buscaram moderar-lhes o empolamen- ASSOCIAGAO to, defendendo uma linguagem situada a meio-termo entre a concisao atica (v. ATICIS- Mo) € a exuberancia que pregavam; de onde alguns retéricos do passado classificarem tal estilo de ridin Horténsio, adversirin de Ci- cero, perfilhou 0 exemplo dos oradores de Rodes, mas a vitoria do autor das Catilind- rigs cotrespondeu ao inicio do movimento contrario, que veio a denominar-se aticismo, Tendencia oposta a brevidade atica, 0 asia- nismo desponta sempre que o estilo concor~ rente mostra sinais de fadiga, aridez ou her- metismo; ¢ vice-versa: “€ a primeira forma do maneirismo* europeu; 0 aticismo é 0 classi- cismo europeu” (Curtius 1957: 70). Em ver- naculo, 0 estilo asiatico encontrou em Coelho Neto o seu mais poderoso ¢ festejado cultor. ASSOCIACAO — Lat. associare, unir, juntar, agregar, talvez por intermedio do fr. assoctarton. Inicial primordialmente, 0 vocabulo “associacdo” pertencea linguagem da Psico- logia, ¢ designa a “propricdade que tem os fenomenos psiquicos de atrairse uns aos outros no campo da consciéncia, sem a in- tervengao da vontade ou apesar da sua resis- téncia” (Lalande 1951: 85-86). Na interpre- tagio psicanalitica dos sonhos, a associagio livre traz 3 consciéncia idgias ou imagens do contetido latente, além de outras idéias ou imagens que podem vir a tona. De onde a formula “associacao de ideias” para caracterizar a atracao entre idéias ou imagens, O mecanismo da assoclacao con- siste na faculdade que uma idéia, imagem ou objeto tem de evocar o seu parceiro, gra- asa frequéncia com que se aproximam. As- sim, um guarda-chuva ¢ um chapéu coco Iembram um cidadio das has Britanicas, 20 passo que 0 Pao de Acticar identifica 0 Rio de Janeiro. Conquanto universal o emprego da asso- ciagao, no plano litersrio importa sobretudo aassociagio livre, presente no mondlogo in- terior (Vv. DIALOGO), na poesia simbolista

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