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DICIONARIO DE TERMOS Edicao Revista MASSAUD MOISES /_— Copyright © 2004 Massaud Moisés. 1" edicao, 1974. Dados Internacionais de Catalogacao na Publicagao (CIP) (Camara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Moises, Massaud, 1928- Dicionario de termos literdrios / Massaud Moisés. — 12, ed. rev. eampl, — Sao Paulo : Cultnx, 2004, Bibliografia ISBN 85-316-0130-4 1. Literatura — Terminologia — Dicionarios 1, Titulo. 04-5394 co0-803, indices para catalogo sistematico: 1, Termos literities : Literatura : Dieiondrios 803 O primeiro numero 2 esquerda indica a edicio, ou reedic&o, desta obra. A primeira dezena a direita indica o ano em que esta edigdo, ou teedicao foi publicada Edicao te 13-14-15-16-17-18-19-20 06-07-08-09-10-11-12 Diteitos reservados EDITORA PENSAMENTO-CULTRIX LTDA. Rua Dr. Mario Vicente, 368 ~ 04270-000 ~ Sao Paulo, SP Fone: 6166-9000 ~ Fax: 6166-9008 E-mail: pensamento@cultrix.com br hupd/www,pensamento-cultsix,com,br Nota prévia A primeira edicdo deste dicionario veio a publico em meio a um processo de amplas e pro- fundas mudangas na esfera dos estudos literdrios. © estruturalismo, nas suas varias facetas, © formalismo russo, emergente apos décadas de forcado isolamento, a retorica, ressurgindo depois de longo ostracismo, com nova roupagem, adaptada a modernidade, a disseminagao das pesquisas lingiiisticas, o desconstrucionismo, a semidtica, ete., desencadearam polémi- ccas acesas em razéo das suas propostas fecundas, embora passageiras, trazendo solida con- tribuicdo para o equacionamento mais rigoroso ou mais pormenorizado, num compasso ajustado aos novos tempos, de antigos problemas ou conceitos. A revisao e atualizacao do livro impunha-se, por conseguinie, com o aproveitamento, na medida do possivel e respeitadas as coordenadas que presidiram a sua elaboracao no inicio dos anos 70, das novidades sugeridas por essas tendéncias. Além disso, continuava viva a questao assinalada no preficio 4 edicao de 1974, relativa 20 que se deve entender por “ter- mos literarios”. E tal como entao, parece-me que a solucao mais razoavel aponta para o mes. mo caminho trilhado na primeira edigao: acolher os vocdbulos que a linguagem literdria emprega, incluindo os empréstimos, ¢ recusar os que pertencem a territérios ndo-literarios, nao obstante sejam usados por algumas das correntes mencionadas ou outras de especifica orientacao tedrica, como € 0 caso, por exemplo, da critica psicanalitica, Por outro lado, nao se consignam verbetes a termos facilmente encontraveis em dicionarios de lingua, ainda que presentes na linguagem literéria, ressalvada a hipotese de, em razio do seu especial interes- se, reclamarem tratamento critico ¢ nado meramente sinonimico. Abrangente, o espectro lexical envolve termos de critica e historiografia literdrias, reté- ricos, versificatérios, etc., sem prejuizo de outros que, vindos de areas vizinhas, se tém mostrado relevantes para as estudas literarins Casas hd em que 0 vocabnlo padera sur- preender pelo fato de nao ser muito corriqueito 0 seu emprego na area dos estudos liters rics, como, por exemplo, “kitsch” ou “jéruri”. Ainda ha que observar que a terminologia apresentada e defendida pelas linhas criticas posteriores a 11 Guerra Mundial somente foi incorporada quando se revelou encerrar uma contribuica0 nova ou voltada para aspectos carentes de atengdo especifica. Muitos dos termos entao introduzidos nao conquistaram adesdo suficiente para substituir, com vantagem, os antigos, ou ndo se revelaram mais ade- quados do que eles. Nao raro, tombaram na armadilha do modismo, sem oferecer novida- de de monta, quando nao deixavam tansparecer superfetacdo, sem oferecer argumentos convincentes, a nan ser para aqueles que se haviam decidida a parecer atnalizados por re- correrem a palavras abstrasas para designar velhos conceitos, j4 identificados pela tradi- cao classica. DICIONARIO DE TERMOS LITERARIOS Euriquccidy de novos verbetes, que a consulta revelou serent necessatios, € de novas in formagoes com vistas a sua atualizacao, este vocabulario de termos literdrios pressupée que o leitor desejoso de alargar o conhecimento das questdes arroladas pode valer-se nao sé das indicagdes bibliograficas contidas no corpo dos verbetes, como também das que figuram, em destaque, no seu término. Tanto umas como outras costumam trazer abundantes rele- réncias a outras fontes de consulta, Cada entrada fornece a etimologia do vocébulo e mais seus correspondentes alienigenas, quando divergem do vernaculo ou/c ostentam relevancia critica. Tais denominagdes apare- cem como remissiva no lugar proprio, de modo a facilitar 0 manuseio por parte do consu- lente que as tiver em mente. Quando idénticas ou semelhantes as utilizadas em portugues. dispensam-se as formas estrangeiras; entretanto, se universalmente empregadas, mantém- se na grafia original. O asterisco a direita dos vocabulos funciona como sinal de remissao para os termos co- nexos; disposto a esquerda, serve para caracterizar as formas lingiiisticas hipotéticas. Para levar a bom terme a revisio ¢ atualizagio empreendida, foram-me de grande valia as achegas recebidas de varias pessoas, as quais gostaria de manifestar 0 meu mais vivo agra- decimento: Albano Martins, Benedicto Ferri de Barros, Edith Pimentel Pinto, Fausto Cunha, Fernando Cristovao, Gladstone Chaves de Melo, José Pereira da Silva, José Willemann, Li- lian Lopondo, Luts Lisanti, Maria de Pompéia Duarte Santana ¢ Sousa, Mario Chamie, Pau- lo Bomfim, Rodolfo A. Franconi, Rogério Chociay, Sanzio de Azevedo, Valter Kehdi E de estrita justica agradecer de modo especial a Erwin Theodor Rosenthal, pelo ines- timavel auxilio de varia ordem, e aos funcionarios da biblioteca central da Faculdade de Fi- losofia, Letras e Ciéncias Humanas da Universidade de Sao Paulo, cujo empenho solicito e constante tornou menos penosa a busca de obras indispensaveis 4 nova edigo deste dicio- nario, Agradego também aos bibliotecarios da Academia Paulista de Letras, bem como da Fa- culdade de Direito da USP e do Centro Universitario Ibero-Americano, a prestimosa ajuda. ANADIPLOSE ANAGNORISE Elementa Doctrinae Metricae (1816). Foi to- mado de empréstimo a musica, onde assina- laa nota ou notas introdutorias de uma me- lodia que antecedem o primeiro compasso. RIBL.: Guimaraes s. d.; Morier 1075; Sil- va Ramos 1978; Tomas 1972; Urefia 1933. ANADIPLOSE — Gr. anadiplosis, reduplica- 40, pelo lat. tar. anadiplosis. Figura* de linguagem, consiste na repeti- ao da ultima palavra de um segmento mé- trico (verso* ou hemistiquio*) ou sintatico, no inicio do seguinte. Por vezes identificada com a epanalepse” e confundida com a epa- nadiplosc*, assemelha-se ao leixa-pren*: “O regedor das ilhas que partia Partia alegremente navegando” {Camoes, c. I, estr. 59/60). *Quero escrever sem saber, sem saber 0 que dizer” (Dante Milano, “Descobrimento da Poesia’). Consideram-se variantes la anadiplase a andfora*, a antimetdbole* e a epanalepse (Espy 1983: 51) ANAFORA - Gr. anaphora, repeticao, pelo lat. tar. anafora. Figura de linguagem, também chamada epandjora, consiste na repeticao de uma ou mais palavras no principio de suctssivos segmentos métricos (versos*) ou sintaticos: “Vi uma estrela tao alta, ‘Vi uma estrela tao fria! Vi uma estrela luzindo Na minha vida vazia Era uma estrela tao alta! Era uma estrela tao frial Era uma estrela sozinha Luzindo no fim do dia” (Manuel Bandeira, “Estrela”). “Passou-lhe alguma hora pelo pensamen- to a José atrever-se a honra de seu senhor? Passou-lhe alguma hora pelo pensamento a Daniel querer maquinar contra o império dos Assirios? Passou-lhe alguma hora pelo pensamento 2 Cristo (que também nisto quis dar-nas exemplo) queter-se fazer rei temporal, de que tantas vezes fugira?” (Pe. Antonio Vieira, “Sermao da Segunda Dominga do Advento”, VD) Aanfora denota insisténcia, “ou da von- tade, do amor imperecivel, do odio im- placavel (...), da indignacao (...), do lirismo, da elogiéncia ou simplesmente do sofri- mento” (Morier 1975: 109-110). ¥, ERIFORA, ANAGNORISE - Gr, anagnérisis, reconheci- mento. Termo empregado por Aristétcles para designar “o reconhecimento (...), a passa- gem do ignorar ao conhecer, que se faz para amizade ou inimizade dos personagens que estao destinados a dita ow a desdita” (Poéti- ca, 1452 a 30). A anagnérise assinala o mo- mento da descoberta de um fato oculto, cuja revelagao altera substancialmente o futuro das personagens* (v, rerirecta). No geral, 0 reconhecimento consiste no desvelar a exis- tencia de lacos familiares entre os protago- nistas: “o reconhecimento é reconhecimen- to de pessoas (...); certos casos hi em que 0 € somente de uma por outra, quando clara- mente se mostra quem seja esta outra; nou- tos casos, ao invés, dé-se o reconhecimen- to entre ambos os personagens” (1452 b 3). Assim, no Edipo-Rei, a anagnorise ocorre quando Edipo toma consciéncia de que foi ele quem assassinou Laio, seu pai. No en- tender de Aristételes (1452 a 33), a tragé dia* de Séctates exemplifica “a mais bela de todas as formas de reconhecimento (...), a que se da juntamente com a peripécia (...), porque 0 reconhecimento com peripécia suscitara terror e piedade” Parte importante da tragédia clissica e mesmo do drama*, a anagnérise constitui ANAGRAMA ANALISE um dos pontos culminantes de Frei Luis de Sousa (1844), de Garrett: casada em segun- das niipcias com Manuel de Sousa Couti- nho, Madalena de Vilhena recebe, anos apés o desaparecimento do seu marido na Africa, a visita de um Romeiro vindo de Jerusalém. Em determinado instante (ato* Il, ¢. XV), 0 Romeiro dé-se a conhecer como 0 seu pri- meiro esposo, ¢ o destino do casal ¢ da filha transforma-se de subito e para sempre. ANAGRAMA - Fr. anagramme, do gr. and- gramma, transposigao de letras. Diz-se dos vocabulos, sobretudo nomes proprios (antroponimos), formados pela transpostcao de letras. Emprega-se, no geral, para cunhar pseudonimos* ou encobrir a identidade de personagens* reais: Natercia é anagrama de Caterina (de Ataide), Elmano (Sadino), de Manuel (Maria Barbosa du Bo- cage); Alcolribas Nasier (Francois Rabelais), Rose de Pindare (Pierre de Ronsard). Em Menina ¢ Moca (1554), Bernardim Ribciro empregou varios anagramas para nomear as personagens, como Avalor (Al- varo), Arima (Maria), Belisa (Isabel), Nar- bindel (Bernardim), Donanfer (Femando), Enis (Inés), Cruéleia (Lucrécia). Gui- mares Rosa usou como pseuddnimo trés anagramas do seu nome: Soares Guiomar, Meuriss Aragdo ¢ S4 Araiijo Ségrim, E um dos nossos parnasianos mais ortodoxos imaginou um didlogo entre a alma e 0 cor- po baseado nesta figura de linguagem: “A Alma O meu desprezo profundo Dou-te. Es, 6 corpo, anagrama Do animal pesado e imundo Que se rebolea na lama © Corpo Fatua, que divina chama Supoes possuir neste mundo, Ve que perfeito anagrama Fermam também alma ¢ lama” (Alberto de Oliveira, “A Alma ¢ 0 Corpo”). Ha quem considere o anagrama uma va- riedade do palindromo*. A semelhanca deste e doutros recursos formais, resul- tantes do gosto barroco pela engenhosidade lidica, anagrama foi muito cultivado nos séculos XVI e XVII, como bem ilustra a publicacao, em 1654, do Jardim Ana- ‘gramdtico de Divinas Flores Lusitanas, Hes- panholas ¢ Latinas, com 686 anagramas. Deve-se a faganha a Alonso de Aleala y Ier- rera, que se julgava ndo s6 0 primeiro autor “de livro de anagramas impressos nas lin- guas lusitana e espanhola”, mas também “o primeiro inventor de anagramas cronolégi- os, pois em cada um deles se inclui e se de- clara o ano em que foram feitos” (Hatherly 1979: 33, 34). Nao raro inofensivos, convencionais, os anagramas podem ocultar informacoes rele- vantes, tornando-se “o lugar do genero demonstrativo” ou do ordculo, da predigao (Goyet, 1981). ANALEPSE — Gr. andlepsis, recuperacio. Termo da ret6rica moderna, equivalente a flashback* (Genette 1972: 82-105; 1983: 15- 22; Rimmon 1976; 43-44; Rees 1981: 73-88). ANALISE — Gr. andlysis, decomposicao, dis- sociagao, resolugao. Conforme a sua etimologia, dois senti- dos pode assumir 0 vocdbulo “anilise”: 1) decompor, separar, dissociar os elementos que formam uma obra ou realidade comple- xa; 2) “a andlise consiste em estabelecer uma cadeia de proposigdes, comegando por aquela que se deseja demonstrar e finalizan- do por uma proposigao conhecida, de forma que, derivande da primeira, cada proposi- cdo seja conseqaéncia necessaria da que a sucede; de onde a primeira proposigéo ser uma conseqiéncia da derradeira e, portan- to, tdo verdadeira como ela” (Georges Du- hamel, apud Lalande 1951: 55) A andlise, em qualquer das duas acep- oes, ndo € exclusiva de nenhuma forma de ANALOGIA ANAPGDOTON conhecimento. E relaciona-se intimamente coma sintese*, “seja na sua oposicao como operagdes contririas, seja na sua conexao como operacdes inversas ¢ complementa- res; juntas constituem o raciocimo de- monstrativo” (idem: 1091 n.), Todavia, a anélise pressupde um movimento mental regressivo, pois a inteligéncia caminha de um todo supostamente harmdnico para o conhecimento das fracoes que o integram, como se caminhasse do efeito para as cau- sas, ou se desenvolve a partir de uma pro- posicso que se deseja demonstrar para as que lhe so obrigatoriamente vinculadas. A sintese implica progressio, uma vez que obedece a marcha antagonica, segundo um processo cumulatiyo e encadeador, que se desenrola desde os dados conhecidos, as causas, para 0 todo desconhecido, ou 0 seu. necessério efeito, Ao passo que a andilise de- compe as premissas implicitas nas conse- quiéncias, a sintese condensa as premissas em suas consequéncias, Para os estudos literdrios, a primeira acep- 40 corresponde a andllise literdria propria mente dita, ao passo que a segunda, moven- do-se no plano dos conceitos € postulados, interessa A teoria ¢ filosofia da literatura* Deste modo, a anilise literdria consiste na desmontagem do texto literdrio com vistas a conhecer as partes que o estruturam. Tal des- membramento precede sempre as demais fa- ses de aproximacao do texto hteranio, vale dizer, a critica* literaria, a historiografia li- terdria ea propria teoria literdria No tocante & anilise literdria, ha que con- siderar a existéncia de ingredientes comuns a qualquer obra literdria, e outros que so es- pecificos de cada géncro*, espécie ou forma. Os primeiros podem ser classificados de ex- trinsecos, porquanto se referem ao contexto* socio-cultural em que a obra se insere (como a biografia do autor, a bibliografia* em torno do assunto em pauta, as relagdes com a Socio- logia, a Psicologia, a Politica, etc.); formais, que dizem respeito ao texto em si, a sua ca- mada denotativa (¥. CONOTAGAO; DENOTAGAO), 05 recursos de linguagem, de estrutura*, etc; intrinsecos, que remetem para os significados imanentes nos componentes formais. Por outro lado, a andlise de um texto poético objetiva lancar luzes sobre as meta- foras*, a cadéncia*, 0 ritmo*, a rima*, etc., enquanto o texto em prosa se fragmenta em personagens*, acao*, tempo, espaco, ponto de vista*, recursos expressivos (dialogo*, descrigdo*, narracio*, dissertacio*). O exa- me de tais aspectos permite falar em andlise microscépica, isto ¢, das microcstraturas da obra literaria; ea sondagem global do texio, levando em conta a interacao de suas partes na totalidade da estrutura, constitui a anali- se macroscopica, ou das macroestruturas. ANALOGIA ~ Gr. andlogos, relacionado, se- melhante, pelo lat. analogus. V. COMPARACAO. ANANKE ~ v. TRAGEDIA. ANANTAPODOTON - Gr.. privado de cor- respondente simétrico. Espécie de anacoluto*, ocorre quando € suprimido o segundo termo de uma cor- relacdo, desfazendo-se assim a idéia alter- nativa (Ou...Uu, seja..oeja, lantto...quanty). “Ou a explicacao € convincente...nio me deixarei enganar.” BIBL.: Carreter 1973; Morier 1975. ANAPESTO - v. PF ANAPODOTON - Gr., retorno, devolugao. Espécie de anacoluto*, “consiste na inter- rupcao de uma frase pela inclusao de uma ou ais frases incidentais e pelo retorno e de- senvolvimento da primeira sob uma forma diferente” (Mourao-Ferreira 1975: 21): “Divorciado do romantismo, esse movi- mento febrile doido através do qual, no en- tanto, parece indispensavel que a alma pas se para ai largar, coma se fosse em depurativo alambique, as suias escorias ¢ renascer resti- tuida ao seu definitivo aspecto, diverciado ANAPTIXE ANTAGONISTA pots do romantismo e reintegrado na minha lidima idiossincrasia poética, me trasladei pela primeira vez das frescas, umbrosas mar- gens do Lima as térridas plagas algarvias” (Manuel Teixeira-Gomes, “Gente Singu- lar") (idem: 22). BIBL.: Carreter 1973. ANAPTIXE — Gr. andptyx, desdobramento. v. SUARABACTI. ANASTROFE — Gr. anastrophé, inversao, pe- lo lat. tar. anastrophe. Figura de construcdo, espécie de hipér- bato*, consiste na inversio, para fins estilis- ticos, notadamente peéticos, da ordem na- tural das palavras. A inversdo, porque suave, nao obscurece o sentido do pensamento, co- mo de habito sucede com 0 hiperbato. No seguinte exemplo, o complemento antepde- se ao predicado: “No rigor da verdade, estas pintada, No rigor da aparencia, estas com vida” (Gregorio de Matos, “Retrata o autor a Dona Angela"). Quando € mais violenta, a inversio rece- be o nome de sinquese*. \. HYSTERON PROTERON. ANCIPITE, ou syllaba communis, ou syllaba anceps, silaba ambigua, duvidosa, do lat. an- Ceps, itis, que tem duas cabecas Expediente usado na métrica greco-lati- na, consiste numa silaba. sobretudo no final do verso, que, independentemente do seu real valor, pode ser longa ou breve, confor- me as exigéncias do ritmo* (v. ESCANSAO), © vocabulo também designa as edigdes antigas de livros sem mengao do impresser, nem do lugar ou data da impressio. ANEXIM — Ar. anaxid, estrofes* recitadas. Diz-se dos ditos sentenciosos, de cunho popular (\ MAXIMA) Exemplos verndculos encontram-se na Eufrésina (1555) e na Aulegrafia (1619), pe- cas teatrais de Jorge Ferreira de Vasconce- los, carregadas de provérbios* e sentencas. D. Francisco Manuel de Melo compendiou numerosas expressées da sabedoriado povo na Feira dos Anexins (1875). Artur Azevedo deixou uma comédia intitulada Amor por Anexins (18722), cujo herdi*, Isafas, fala sempre neste diapasao: “Vim em pessoa saber da resposta da mi- nha carta; quem quer vai e quem nao quer manda; quem nunca arriscou nao perdeu nem ganhou; cautela e caldo de galinha...” ANFIBRACO - ¥. PE. ANFIGURI- Fr. amphigouri, de origem obscura. Designa as composicdes, em prosa ou verso, de sentido ininteligtvel, absurdo, com vistas a provocar 0 riso ou a satirizar. Fre- qiente na época do Barroco*, aproxima se do burlesco* e da parédia*. Corresponde a0 bestialogico” ou poesia pantagruélica, prati- cada por alguns dos romanticos brasileiros, de que sao exemplo os primeiras versos de um soneto de Bernardo Guimaraes: ‘Eu vi dos polos o gigante alado Sobre um montao de palidos coriscos, Sem fazer caso dos bulcdes ariscos, Devorandy, cm silencio, a mau du Fado” (Sousa 1965: 165). BIBL.: Silva Ramos 1978. ANFIMACRO - v. PE. ANISOSSILABOS (ou ANISOSSILABICOS) — Diz-se dos versos componentes de uma es- trofe* ou poema”, que apresentam variado numero de silabas métricas. Sindnimo de heteromeétricos. V. VERSO. ANREIM ~ Al. v, ALITERACAO. ANSPIELUNG — Al. ANTAGONISTA ~ Fr. antagoniste, do gr an- tagonistés; anti, contra, agonistés, ator, pelo lat. tar. antagonista. ”. ALUSAO. ANTANACLASE. ANTIFONA Na tragédia* grega, designava o segundo ator, depois do e oposto ao protagonista*. In- troduzido por Esquilo (525-456 a.C.), propi- ciou o desenvolvimento da parte dialogada e dramatica das pecas, em detrimento da parti- cipacdo do coro. Atualmente, considera-se antagonista a personagem* com que se de- fronta 0 protagonista. De modo genérico, € sinonimo de “competidor’, “adversario”. ¥, DEUTERAGONISTA. ANTANACLASE — Gr. antanaklasis, repercus- a0. Figura de linguagem, também chamada didfora* ou ploce*, conciste na repetigio de vocabulos idénticos ou semelhantes na forma € no som, mas distintos no sentido em que so empregados (Quintiliano IX, 3, 68): “Em vao ans deuses vos, surdos e imotos” (Camoes, c. X, est. 15); ‘O poeta é um fingidor. Finge tao completamente Que chega a fingir que ¢ dor A dor que deveras sente” (Fernando Pessoa, “Autopsicografia’); “E vendo em torno as mais terriveis cenas, possa mirar-se as asas depenadas € contentar-se com as secretas penas” (Lima, soneto XXVI de Invengdo de Orfeu) A antandclase assemelha-se 4 parono- misia*, ANTAPODOSE - Gr. antapddosis, compen- sacao. Designa o paralelismo fundado na seme- Thanga, em que duas oragées se correspondem sintaticamente, mas se opoem no sentido: “Querem-me aqui, todos mal, E eu quero mal a todos” (Gregorio de Matos, “Contra outros Sati- rizados”). BIBL.: Carreter 1973; Lausberg 1966- 1968 II; Silva Ramos 1978. ANTECIPACAO — v. FLASHFORWARD; PROLEPSE. ANTELOQUIO - Lat. anteloquium; ante, em primeiro lugar; loquor, falar, discursar, V. PREAMBULO. ANTIBRAQUIO - v. Pe. ANTICLIMAX - Gr. anti, oposigao, contra; ki max, pelo lat. climax, ponto culminante. Figura de pensamento em que a gradacao entre os segmentos do texto se realiza de mo- doa estabelecer-se um contraste que se traduz pela queda do tom mais expressivo, ou pro- gtessio ascendente, num tom menor, banal, ou progressao descendeme, resultando num climax” descendente (Lausherg 19/2: 17/2). Podendo ser intencional ou nao, provoca a {rustragao das expectativas do leitor ou ou- vinte, como no exemplo clissico em que “na mesma frase [ha] duas gradacdes consecuti- vas, uma descendente ¢ outra ascendente: “Tu nao podes, diz Cicero a Catilina, na- da fazer, nada tramar, nada imaginar, que €u nao somente nao entenda, mas também nao veja, nao penetre a fundo, nao sinta’ (Fontanier 1968: 333-336) V. RATHOS ANTIFONA - Gr. antiphona, de antiphonos, pelo lat. ecl. antiphona, responder som a som. De origem grega, designava, ja no século IV, um canto littrgico, em torno dos salmos biblicos (salmodia), por meio de dois coros akernantes. A partir do século VI, ganhou vutry sentidy, que se maniten até huje. con- siste num refrao que interrompe o canto al- ternado dos Salmos, visando a impor a me- lodia aos cantores ou a facilitar-lhes a execucao (Combarieu 1953, I: 201-202). Na eslera literaria, pode ocorrer em hinos* na poesia lirica*. “Antifona’, de Cruz e Sousa, constitui uma tentativa de captar, na monotonia plangente dos versos, a atmosfe- ra liturgica das salmodias: “O Formas alvas, brancas, Formas claras De luares, de neves, de neblinas!... ANTIFRASE ANTI-HERO! O Formas vagas, fluidas, cristalinas. Incensos dos turibulos das aras...” ANTIFRASE — Gr. antiphrasis; anti, contra; phrasis, palavra, discurso, pelo lat. tar. anti- Phrasis Figura* de linguagem, consiste em ex- primir-se uma idéia afirmando 0 contrario do que se pensa, ou em tomar uma palavra em sentido inverso do que realmente encer- ra. Quando dizemos que alguém ¢ “alegris- simo” ou “bom de conversa”, sendo, na ver- dade, casmurro ou enganador, estamos empregando a antifrase. As mais das vezes, relaciona-se com a ironia*: na cancao “Jun- to de um seco, fero ¢ estéril mome”, ao re- cordar que a rocha se chama “Felix, por an- tifrase infelice”, Camées recorre a ironia, de amarga conotacao” Sc a inversio é de natureza [énica, quer dizer, se um vocdbulo bem soante é empre- gado em lugar de outro, impréprio ou desa- gradavel, classifica-se como eufonismo ou eufemismo* ANTI-HEROI — Gr. anti, oposicao, contra; he- 19s, chefe, nobre, semideus, pelo lat. hervs, ois Designa © protagonista* de romance* que apresenta caracteristicas opostas as do herdi* do teatro eld: seu aparecimento resultou da progressiva desmitificagao do heréi, ou seja, da sua cres- cente humaniza¢ao: com o despontar do ro- mance, no século XVIII, os representantes de todas as classes sociais entraram a subs- tituir os seres de eleiga0, semidivinos, que antes povoavam as tragédias e as epopéias. Mais adiante, na medida em que constitui expresso burguesa de arte, “o romance veio a mergulhar ou a manter 0 homem em ple- na multidao, em plena existéncia coletiva” (Caillois 1945: 32). Por fim, as pessoas in- caracteristicas ou acionadas por forgas con- trdrias as que moviam os herdis comecaram a protagonizar as narrativas, Com elas, nas- ceu o anti-herdi fico ou da poesia épica. A expressao “anti-herdi” entrou em uso gracas a Dostoievski, que a empregou em Memorias do Subsolo (1864), “uma obra se- minal que discute a idéia de heroi na vida, as- sim como na arte”, chamando a atencao pa- ra “o vinculo entre 0 vocabulo ‘anti-herdi’ € a nogao de paradoxo*” (Brombert 1999: 1). O anti-herdi nao se define como a perso- nagem que necessariamente carrega defei- tos ou taras, ou comete delitos e crimes, mas como a que possui debilidade ou indiferen- ciagao de carter, a ponto de assemelhar-se a muita gente. E “o homem sem qualida- des”, do romance homonimo de Robert Mu- sel, publicado em 1930 € 1933 (Alberes 1967, 54-75), *o heroi sem nenhum cara- ter", da rapsodia de Mario de Andrade (Ma- cunaima, 1928), — sem as qualidades ou o carater do herdi classico, embora possua outras qualidades mais terra-a-terra. E, “nao raro, um agitador e um perturbador” (Brombert 1999: 2). E que apenas ostenta relevo porque selecionado pelo escritor da massa humana onde se inscreve. Na verdade, o heroi classico identifica-se por atos de superior grandeza no bem ou no mal, enquanto o anti-heroi nao alcanga em- prestar altitude ao seu comportamento, seja pusitivu, s¢ja negative: av passo que vo herdi eleva ¢ amplifica as ades que pratica, como se movido por uma forca sobre-humana, 0 anti-herdi as minimiza ou rebaixa, Enquan- too heroi ¢ ativo, na direcao do Bem ou do Mal, o anti-heréi tende 4 passividade, e esta anda de maos dadas com o anonimato. Si- mao Botelho, de Amor de Perdicao (1862), é ainda herdi, posto que degradado em rela- 40 ao heréi classico, enquanto K, 0 prota- gonista kafkiano de O Proceso (1925), age como anti-herdi. Em suma, comporta-se co- mo o reverso do heroi. Congquanto se possa encontrar o germe do anti-herdi na fiegao eatirica do passado, co- mo no Dom Quixote (1605), ou nas Viagens de Gulliver (1726), de Swift, ou em A Queda ANTIMERIA ANTI-ROMANCE dum Anjo (1866), de Camilo Castelo Branco, cemboraa sua matriz possa estar nas Confis- sdes (1782, 1789) de Rousseau (Scholes e Kellogg 1968: 158), a sua presenca configu- rou-se ¢ avultou na literatura do século XX. Dois s40 os processos fundamentais empre- gados pelos ficcionistas para Ihe acentuar 0 papel no interior da sociedade moderna: a sondagem irdnica e parodistica da classe mé- dia, como se encama na figura de Leopold Bloom, de Ulysses (1922), de James Joyce; ou a dentincia de situagdes sécio-econdmicas que acabam reduzindo o ser humano a con- dicdo de paria, animal irracional ou coisa, co- mo se ilustra em Fabiano, protagonista de Vi- das Secas (1938), de Graciliano Ramos, ou em Nome de Guerra (1938), de Almada Ne- greiros. Compare-se, a titulo ilustrativo, o herdi da Odisséia com o anti-herdi criado por James Joyce, ou 0 Don Juan descrito por Tir- so de Molina (El Burlador de Sevilla, 1625) com o protagonista do romance de Ega de Queirés (O Primo Bastlio, 1878) ¥. PICARO. ANTIMERIA - Gr., uma parte por outra. Também chamada metabase* ou hipds- tase, consiste no emprego de um verbo, um adjetivo, um pronome como substantivo, de um adjetivo como verbo, ete. “Distancias que o segui-las era flores...” (Mario de S4-Cameiro, “Distante Melodia’). BIBL: Preminger e Brogan 1993; Silva Ramos 1978. ANTIMETABOLE — Gr. antimetabole, inver- sdo, transposicao, pelo lat. antimetabole Considerada “quiasmo* complicado” pela tradicao retorica (Lausberg 1972: 234), a antimetabole consiste na transposicao re- ciproca dos membros que compéem grupos sintaticos paralelos: “De certos homens, dizia Sécrates, que nao comiam para viver, mas so viviam para comer” (Pe. Anténio Vieira, Sermdo de Nossa Se- nhora da Graga, § XI); “risos que se umedeciam de lagrimas lagrimas que se esmaltavam de risos” (Joao Barreira, A Rota do Bergantim ¢ Ou- tras Alegorias, 1947: 13). \V. ANTITESE; OXIMORO. ANTI-ROMANCE ~ Nocao segundo a qual o romance* estaria esgotado como forma nar rativa, tomando necesséria a desconstrugio da sua estrutura tradicional € a substituigao Por uma outra que recusasse os fundamen- tos sobre os quais assenta desde 0 seu apa- recimento, no século XVHL. Além da impossibilidade logica que tal an- seio contém, trata-se de uma ilusio de ordem técnica. Se o intento consiste, como nao raro na fic¢ao do século XX, em inavar as técnicas de composicéo narrativa, é bem-vindo, como atestam as varias mudancas operadas ao lon- go do tempo: “auséncia de um enredo dbvio; episédios difusos; minimo desenvolvimento das personagens; andlise pormenorizada da superficie dos objetos; muitas repeticdes; inumeraveis experimentos com 0 vocabuli- rio, a pontuacao e a sintaxe; variagdes na se- qiiéncia temporal; epilogos ¢ inicios alterna tivos; [..] paginas destacaveis; paginas que podem ser misturadas como cartas de bara Iho; paginas coloridas; piginas em branco; efeitos de colagem; desenhos; hieroglifos” (Cuddon 1976: s. v. “anti-novel”). Dostoievski, James Joyce, Proust, Katka, Musil, entre outros, auténticos marcos mi- liarios na historia do romance, evidenciam que esses tragos identificadores acompa- nham o romance desde o ber¢o, como deno- tao carater prenunciador de Tristam Shandy (1760-1767), de Laurence Sterne, vindo a lume quando se processava o crepusculo das epopéias ¢ 0 surgimento do romance. A es- trutura do romance, ao invés de fechada, es- tatica, linear, ¢ flexivel, complexa, dinamica, a semelhanca da realidade, concreta ou nao, ANTISPASTO que Ihe serve de ponte da partida. O seu des- conhecimento, ou o seu menosprezo, ¢ que explica o sonho imposstvel de torpedear as fundacdes do romance sem extermina-lo. A essa luz, 0 anti-romance é a denominaca0 equivoca do reconhecimento das virtualida- des formais e de contetido dessa forma lite- réria que herdou muitos ingredientes da epopéia classica, acrescentando-lhe novida- des sugeridas pela ascensao da Burguesia ao topo das classes sociais. Tais caracteristicas, ainda que sélidas irrefutaveis, levantam problemas, como 0 se- guinte: todas sio imprescindiveis para identi- ficar um anti-romance, ou apenas parte delas? Em qualquer dos casos, outros problemas despontam, numa cadeia longe do fim: quan- tas, quais, seriam suficientes para nos garan- tir que se trata de um anti-romance? E se to- das forem indispensiveis, quais narrativas conslituiriam prototipos do anti-romance? Ulysses, de James Joyce, Em Busca do Tempo Perdido, de Proust, O Processo, de Kafka, Ra- yuela, de Cortazar, La Modification, de Michel Butor, as obras de Alain Robbe-Grillet? Estes witimos autores pertencem as hos- tes do nouveau roman, movidas pelo intuito de negar, de superar 0 romance, como se en- carnassem ¢ canonizassem 0 anti-romance O resultado apenas poderia ser, como foi, 0 malogro ou a evidéncia de que simplesmen- te experimentavam novas técnicas romanes- cas, a maneira dos autores referidos, colabo- rando desse modo mais para a reviializacao do romance do que para a sua agonia. Con- fundir 0 emprego das intimeras possibilida- des técnicas oferecidas pela estrutura nu- clear do romance com o seu esgotamento € que esta na base dessa proposta que movi- mentou, grosso modo, o ambiente literério francés entre 1950 € 1970, € cujo fascinio se irradiou por toda a parte. Um inguérito publicado em 1966 nas Nouvelles Littéraires mostra a situacao em que se encontrava, perante a critica e alguns ANTITESE dos seus cultures, v nuwveu roman (AlLEre 1967: 242-266): ora se afirma que “os escri- ores mais pacientes, mais habeis e mais mo- destos transformaram em técnicas aquilo que, em mios dos criadores, era exigéncia interior"; ora que os varios debates suscita- dos pelo nouveau roman giravam em torno de questdes técnicas; ora que “a grande fra- queza dos novos romancistas residia no se- guinte: nada dle sangue, nada de came, nada de paixao; o amor intelectualizado em ero- tismo geralmente moroso; |... nada de idéias’; ora que “nao somente a vida, mas também a alma, esta ausente do nouveau ro- man”, ora que “no nouveau roman ha somen- te artificio"; ora que “nao € evidente que uma constante renovacao ¢ indispensavel a vida do romance, assim como a de todas as artes? // O nouveau roman nao fez mais do que afirmar esta evidéncia”, em suma: “o an- ti-romance é uma ilusdo, um contra-senso” (idem: 245, 247, 249, 250, 251, 257, 258) Charles Sorel, escritor francés do século XVII, parece ter sido pioneiro no emprego da expressao “anti-romance”, ao rotular de “anti-roman” Le Berger Extravagant (1627) (Cuddon 1976: s. v. “anti-novel"), narrativa em que, impulsionado pelo seu extremado realismo, o aff de “destruir a falea literatura ¢ desacreditar os sentimentos fora da natu- teza” (Lanson s. d.: 389), satiriza a prosa pastoral e o preciocismo barroquizante. V. ANTI-HEROL ANTISPASTO - v. re. ANTISTROFE- Gr. antistrophé, inversio, voltar atrés, pelo lat. antistrophe. v. rSTROFE; ODE. ANTITESE — Gr. antithesis, contraste, oposi- ¢40; anti, contra; thésis, afirmagao, Figura de estilo* segundo a qual se apro- ximam dois pensamentos de sentido anta- gonico, via de regra ligados por coordena- cho. O contraste pode estabelecer-se entre palavras, frases ou oracoes. Frequente na inguagem dos provérbios*. (*Quem quer ANTONOMASIA. APOCRIFO faz, quem nao quer manda”), “a antitese € um recurso estilistico de todas as épacas; existente na poesia popular, aguea-se nas escolas mais cortesas ¢ cultas. Transportada dos cancioneiros e do petrarquismo para a segunda metade do século XVI, veio a ter extraordinario desenvolvimento no concep- tismo e no gongorismo do século XVII” (Alonso 1950 a: 303), mas por vezes poctas modernos a empregam a fim de ressaltar a cualidade de sentimentos, Camoes oferece- nos um exemplo acabado de antitese num de seus mais admirados sonetos: “Alma minha gentil, que te partiste Tao cedo desta vida, descontente, Repousa I4 no Céu eternamente E viva eu ca na terra sempre triste” Na antitese, a oposicao das idéias conle re aambasa énfase que desconheceriam ca- so fossem enunciadas isoladamente. Outros dois contrastes verbais incluem-se na mes- ma categoria: o oximoro* ¢ 0 quiasmo*. \, LITOTES. ANTONOMASIA - Gr. antonomasia, mu- danga de nome, pelo lat. antonomasia. Figura* de linguagem, consiste na substi- tuigdo de um nome proprio por um epiteto, ou qualidade que Ihe € inerente. Assim, quando dizemos “Redentor” por Cristo, “Es- tagirita” por Aristteles, “Poeta dos Escra- vos” por Castro Alves, “Aguia de Haia” por Rui Barbosa, estamos empregando a antono- misia. Igualmente procede Camées ao diri- gir-se a Ulisses ¢ Enéias como “Grego” e “Troiano” (Os Lustadas, c. 1, est. 3), ou Fa- gundes Varela, ao designar Deus como o “Criador dos seres” (“Cantico do Calvario”). Heinrich Lausberg (1966-1968, I: 153) considera a antonomasia variante da peri- frase* e da sinédoque*; ¢ outros ha que a classificam no ambito da metonimia*. Na verdade, uata-se de expediente retorico es- treitamente vinculado as mencionadas figu- ras de estilo* APARTE ~ Lat. a, afastamento; parte, porcao, papel que alguém representa. O aparte é uma convencio teatral que se assemelha ao soliléquio*. Consiste no recur- so de a personagem manifestar os seus pen- samentos em voz baixa, geralmente contra- ios aos que transmite ao seu interlocutor, de tal forma que se tormem audiveis pela pla- téia, transformando-a assim em verdadciro confidente: “recurso favorito da farsa ¢ do melodrama, o seu fim, via de regra, era me- nos analisar as personagens do que prevenir © piblico quanto ao andamento presente ou futuro da acéo, ndo 0 deixando equivocar-se com referencia a0 sentido real da cena” (De- cio de Almeida Prado in Candido 1968: 89). Freqitente no teatro do século XVI, viria a tornar-se comum no melodrama* oitocen- tista, Acabou sendo, posteriormente, recur- so comico ou de esclarecimento, no caso do teatro infantil Joaquim Manuel de Macedo fornece-nos um exemplo tipico do aparte, corriqueiro nas suas pecas e no teatro romantico em ge- ral (“O Primo da California”, cena V): “Adriano Oh! caro preclaro amigo Felisberto! (Acompanha Celestina.) Felisberto, a parte Exatamente... a nova rua, que a Camara Municipal projeta abrir, deve passar por aqui, € se eu consigo comprar esta casa, hei de vende-la com um lucro de trezentos por cento, pois que tenho bons padrinhos. Adriano As ordens do meu amigo Felisbertol... Felisberto © sr. adivinha sem davida os motivos que me trazem aqui...” APOCOPE — ¥. ESCANSAO, METAPLASMO. APOCRIFO - Gr. apdkryphas, oculto, secre- to, pelo lat, tar, apocryphus. Etimologica e primitivamente, 0 voca- bulo “apscrifo” designava os textos que se APODOSE mantinham secretos, ocultos, como o livro das Sabinas entre os romanos. Com 0 Cris- tianismo, 0 termo passou a caracterizar os textos biblicos faltos de inspiragao divina e, por isso, ndo incluidos no canone*, ou seja, rol das Escrituras, como 0 Livro de Enoch, Vida de Adao e Eva, Livro da Sabedoria, de Salomdo, Testamento de Abrao, Macabeus, Historia de Susana, Hinos de Salomao, per- tencentes ao Velho Testamento; Atos de Ma- teus, Terceira Epistola aos Corintios, Apo- calipse de Pedro, Evangelho de Pedro, do Novo Testamento Modernamente, toma-se “apécrifo” co- mo sindnimo de “nao-auténtico”: assinala 05 textos falsamente atribuidos a determi- nado autor, ou ainda de autor incerto. Um dos exemplos mais célebres ¢ discutidos de suposta autoria deixou-nos 0 poeta escocés Macpherson, do século XVIII, que publicou. uma série de baladas* ¢ cangdes* préprias como se fossem do bardo ga¢lico Ossian, do século III: quando 0 embuste se revelou, a novidade jé havia exercido profunda ¢ arra- sante influencia em toda a Europa do tem- po (Van Tieghem 1947-1948, 1948). Em vernaculo, citam-se os textos apocri- fos surgidos nos fins do século XVI e princi- pios do XVII, referentes aos comecos da his- toria de Portugal e da Lingua (séc. XI-XI1), como 0 Poema da Cava ou da Destruicao de Espanha, Cartas de Egas Moniz Coelho a sua Dama, Cancéo de Goncala Hermigues, 0 Tra- ga-Mouros, a Ouroana, Romance de Goesto Ansures ou Trovas dos Figueiredos, e localiza- dos nas obras de Frei Bernardo de Brito, Mi- guel Leitdo de Andrada ¢ Manuel de Faria € Sousa (Coelho 1909, s. ¥.). APODOSE - Gr. apédosis, restituigao, retri- buicao, pelo lat. tar. apodosis. Designa a segunda parte de uma oracao simples, on a oragio complementar de um periodo composto (\. PROtAsE). Neste caso, “sintaticamente podem a protase e a apédose APOLINEO estar, entre si, numa relagio coordenada (‘na verdade..., mas...) ou subordinada (‘se..., entao...”). A relagéo fundamental semantica €a antitese*” (Lausberg 1972: 229, 261). BIBL.; Lausberg 1966-1968, Il; Carreter 1973 APOGRAFO — Gr. apographos, copiado, transcrito. Diz-se das copias de textos manuscritos. Por exemplo, os apégrafos da poesia de Gre- gorio de Matos, existentes no Rio de Janeiro eem Portugal, ou os referentes a versao fran- cesa de A Demanda do Santo Graal, a mais importante novela medieval de cavalaria. V. ARQUETIPO; ECDOTICA. APOLINEO ~ Derivado de Apolo, deus da mitologia grega, usa-se normalmente em conjunto com 0 vocabulo “dionisiaco”, ad- jetivo de Dionisos, outra figura mitolégica da antiga Grecia, Em Origem da Tragedia Proveniente da Musica (1872), Nietzsche emprega o bino- mio apolineo-dionisiaco para explicar 0 aparecimento da tragédia* entre os gregos. Louvando-se nas id¢ias de Schiller, Goethe ¢ Schopenhauer, entrevé ele no surgimento da tragédia 0 enlace harmonioso entre as duas tendéneiss representadas por Apolo Dionisos (ou Baco, para os latinos): gédia € 0 coro dionisiaco que se descontrai projetando fora de si um mundo de imagens apolineas", a ponto de processar-se intima fusao, “ahanca fraternal das duas divinda- des: com falar Dionisos a lingua de Apolo e Apolo terminando por falar 20 modo de Dionisos, atingia-se a meta suprema da tra- gédia e da arte em geral” (1970: 62, 146). O fundamento da sua tese é-nos ofereci- do logo a entrada do ensaio: “Teremos reali- zado decisivo progresso em matéria de esté- tica quando houvermos compreendido, nao como um dado da razio, mas com a imedia- ta certeza da intuigdo, que 0 avango da Arte esid vinculado a dicotomid apolinismo e dio-

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