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O Texto Impostado. in - A Análise Dos Espetáculos
O Texto Impostado. in - A Análise Dos Espetáculos
04-794 CDD-791
2a ediçâo - 3a reimpressâo
[PPD]
Para anafisar o texto no seu justo valor é preciso saber como ele
se apresenta para o seu receptor; estâ sendo lido por esse receptor
ou estâ sendo representado por atores diante dele? E o que acontece
quando a leitura é encenada, como é o caso de espetâculos que testam
hoje as fronteiras entre a atuaçâo e a leitura?
O texto lido nâo foi ativado por uma voz humana (ou sintética)
além do seu autor que nâo estâ présente para pronunciâ-lo. É ativado
no ato de suapercepçâo, mas de maneira individual e silenciosa (ape-
nas depqis do fim da Idade Média é que a leitura torna-se silenciosa e
que o individuo se toma o depositârio do sentido, o sujeito interioriza
a lei e as normas).
O texto representado e pronunciado pelo, ator jâ estâ servido por
uma cena e signos prosôdicos, visuais, gestuais dos quais jâ nâo se
pode mais fazer abstraçâo. Ao escutar essa copia verbal do texto, ao
ver quai situaçâo de enunciaçâo se estabelece e produz em retorno
um certo sentido para o texto, o espectador recebe uma opçâo muito
188 A ANÂLISE DOS ESPETÀCULOS
Texto e Representaçâo
Visâo “cenocentrista”
Séria preciso, para acabar com essas visôes filologicas, ter a radi-
calidade de um esteta como Thies Lehmann, para quem “a encenaçâo
é uma prâtica artistica estritamente imprevisivel pela perspectiva do
texto?”7. Tal posiçâo radical nega qualquer ligaçâb de causa e efeito
entre o texto e a cena, atribuindo à encenaçâo o podër de decidir sobe-
ranamente suas escolhas estéticas. E, de fato, é assim que procedem
numerosos encenadores, de Wilson a Grüber, ou de Mesguich a Heiner
Müller. Eles preparam texto, müsica, cenografia, atuaçâo de maneira
autônoma e ëfetüam a “mixagem” dessas diferentes pistas apenas
no final do percursô, quando se monta um filme. Nesses exemplos,
o texto nâo se bénéficia mais de um estatuto de anterioridade ou de
exclusividade: é apenas um dos mâteriais de representaçào e nâo
centraliza nem orgainiza os elementos nâo verbais. Por outro lado, para
encenaçôes de textes cuja leitura e conhecimento é por assim dizer
inevitâvel (sejam esses textes conhecidos ou simplesmente baseados
em personagens e situaçôes dificilmente ignorâveis), a tese de Leh
mann é mais dificilmente sustentâvel, pois o espectador nâo deixarâ
dé se interrogar sobre a relaçâo entre a prâtica artistica e o texto, seja
apenas para se perguntar como: a cena pode a esse ponto ignorar o
que sugere para nos o texte.
6. Horst Turk, Soziale und theatralische Komentionen als Problem des Dramas
uridder Übersetzung, Tübmgen,Narr Verlag, 1989.
7. Hans-Thies Lehmann, “Die Inszenieruning. Problème ihner Analyse”, Zeits
chriftjïïrSemiotik, vol. 2, n. 1,1989.
192 AANÂLISE DOS ESPETÂCULOS
Tipoldgias da Encenaçâo
Tipologia histôrica
As categorias sâo bastante conhecidas e seu uso frequente:
- Encenaçâo naturalista: a atuaçâo, a cenografia, a dicçâo e o ritmo
se dâo como mimese do real. Exemplo: as encenaçôes das peças
de Tchékhov por Stanislâvski no Teatro de Arte de Moscou.
- Encenaçâo realista: o real nâo é mais reproduzido fotograficamen-
te, como no caso anterior, mas é codificado em um conjunto de
signos julgadôs pertinentes; a mimese é seletiva, critica, global e
sistemâtica. Por exemplo,i as encenaçôes de Brecht ou a de Plan-
chon nos anos de 1960 e de 1970.
- Encenaçâo simbolista: a realidade representada é a essência
idealizada no mundo real. Por exemplo, a encenaçâo de La Mort de
Tintagiles em 1905 por Meierhold e certos espetaculos de Robert
Wilson.
- Encenaçâo expressionista: certos traços sâo nitidamente sublinha-
dos como que para expressar a atitude pessoal do encenador. Por
exemplo, os espetaculos de Fritz Kortiner ou Matthias LanghofF.
- Encenaçâo épica: ela narra por meiosdo ator, da cenografia e da
fâbula. Por exemplo, o trabalho de Piscator e Brecht antigamente,
dos atores-contadores de hoje.
- Encenaçâo teatralizada: em vez de imitar o real, os sinais da
representaçâo insistem no jogo, naficçâo e na aceitaçâo do teatro
198 A ANÂLISE DOS ESPETÂCULOS
Plasticidade do Texto
A leitura do texto pelo ator nâo parece em nada pois com uma aprendizagem
extema no sentido em que a psicologia gostaria de nos fazer entender. O texto trabalha,
move-se em sua textura e transforma-se na propria relaç2o pela quai o corpo tem o
sentido eimantém môveis as direçôes de sentido que constituera o estilo do texto. Por
àqui passa a temporalidade, pois o corpo aqui nâo âge e nem fala, mas é o local no quai
se origina toda a criaçâo18.
Fédida fala aqui do texto em gérai, mas o que ele diz dele vale
ainda mais para o texto dramâtico o quai se tom a cênico e teatral
assim que a encenaçâo o faz passar para o ato.
17. Termo usado por M. Tchékhov, L ’Imagination créatice de l ’acteur, op, cit.
18. Pierre Fédida, Le Corps, le texte et la scène, Paris, Delarge, 1983.
202 A ANÂLISE DOS ESPETÂCULOS
As “Circunstâncias Dadas”
ÂVocalizaçâo
Recitar ou cantar diante dos ôütrosém ostrar-lhes algo de seu corpo: é também,
ao mesmo tempo, descobrir toda uma sensibilidade difusa de nosso corpo [...]. A voz
é matéria do corpo - elemento pré-objetivo (diferentemente da objetividade ligada à
relaçâo ocular do homem e a sua aptidâo a sé representar23.
Os vetores do texto
Efeitos de sincronizaçâo/desincronizaçâo
Verbalizaçâo ou Figurabilidade?
o ser humano estâ, logo na infância [...] habituado a decodificar mentalmente todo
signo em denominaçao (verbal). “O percepto” sô é realizado quando damos um nome,
mentalmente, a todo o objeto percebido27.
A uniâo do texto e da cena que é o prôprio objetivo do teatro vai pois, de certa
forma, contra a natureza. Ela sô se realiza por meio de compromissos, equilibrios parciais
e instâveis. Ora é a cena que està subordinada ao texto: uma certa tradiçâo, no Ocidente,
quer que assim seja Ora o texto estâ submetido à cena [...]: é a regra em todas as
tradiçOes extraeuropeias30.
30. Bernard Dort, La Représentation émancipée, Arles, Actes Sud, 1988, p. 173.
31. De fato, estariamos tentados a contradizer prontamente os quatre primeiros
principios do método de Vinaver:
a. Ela parte do carâter especifico da escrita teatral.
b. Ao mesmo tempo ela liga a escrita teatral a toda escritura, seja ela quai for, a escritura
em gérai; ela a inséré no campo da literatura ao mesmo tempo em que afirma sempre
sua singularidade.
c. Ela pôe em contato direta e imediataménte com a prôpria vida do texto, sem exigir
um saber prévio: histôrico, linguistico, semiolôgico; teatral ou literârio; ou cultural
em gérai.
d. Ela nâo pressupbe a adesâo a uma “teoria” nem a aquisiçâo de uma “metalinguagem”.
Nossas contrapropostas sériant:
a. Ela parte da constataçâo de que a escrita para cena nâo tem nada de especifico.
b. Ela liga a escrita teatral nâo somente a outres tipos de escrita, mas a todas as prâticas
artisticas.
c. Nunca estamos em contato direto com o texto, mas com o conhecimento que temos
dele; tal conhecimento se alimenta de todos os saberes possiveis.
d. Sem teoria nem metalinguagem, ela acede apenas, na melhor das hipôteses, a uma
ilusâo de uma coisa que se autodefiniria sem produzir qualquer conhecimento novo.
O TEXTO IMPOSTADO 209