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de Direito Tributario 114 ESTUDOS &comENTARIOS REVOGACAO DE ISENCAO, ANTERIORIDADE E DIREITO ADQUIRIDO Lucas GaLvao DE Britto Mestrando em Direito Tributério pela Pontificia Universidade Catélica de Sao Paulo — PUC/SP. Bolsista do Conselho Nacional de Desenvolvimento Cieatifico ¢ Tecnalogico — CNPQ, Especialistaem Direito Tributario pelo IBET. Advogado. Introdugda, I. Das normas & norma trifiddria: 1.1 Umer disting®o necessd- via: norma em sentido estrito ¢ norma em sentido lato; 1.2 0 ato de-consiruir sentido; 1.3 Dois cortes e uma classificagag itil: éntre gérats ¢ individuais ¢ entre absiratas e concratas. 2. A. wide-das normas: 2.F Gtempo das norman: 2.2 Validade'¢ vigdncta; 2. 3 Revogagdoe ee chain “revogagie tdctta", 3,4 denen «a Cig Tbe Nacional. 3.3 Do expr, intangivel, & o despacho que recurthece a isencao. 4, O flm de uma pee dar 4.5 4 fevagecde dee eensbes inoombclonsdes cos hincos teciror to posto; 4.2 Isengdes condicionadas ¢ 0 problema das normas individueis 7 4.3 Revogagio de isengdo condicionada @ por tempo indetermi- eae, $4 Seaussto ah lence cowMelonada «pre semipa dateresinads, do Jim. Referéncias. Introdugdo A compreensdo da fenomenologia Que esta por tras da revogacao de norma que veicule isengao tributdria é tema de grande utilidade pratica, porque tras consi- vo importantes implicagies para o Fisco ¢ 9s contribuintes quanto aos limites ‘aplica- veis no restabelecimento do pracesso exa- cional, notadamente a observincia ao prin- cipio da anterioridade tributdria e 4 nocgio de direita adquirido, © tema é€ também interessante do ponto de vista teérico. Para seu bom des- lide. femecende conclusdes ¢ caminhos scpuras aauel: que deseje compreender o slircite caine um sistema de proposicées articuladas, € preciso incursionar por v4- rids setores da Teoria do Direito, compre- endenado-o nao sé do ponto de vista estiti- co, isto 6, nas relacdes de coordenacds o subordinagao entre os enunciados prescri- tivos existentes num dado instante de wm certo ordenamento, como também do pon- to de vista dindmico, isto 4, das relagdes de transformacfo que a producdo de novos enunciados, modificativos dos anteriores, produzem no sistema. Assim, para que se possa dar consis- téncia as ideias que aponto a0 final do tex- to-como conclusGes, penso ser indispens4- vel tecer algumas palavras sobre as normas juridicas, aclarando os conceitos para re- duzir a ambigtidade que toma conta da pa- lavra, bem como firmar posigSo sobre os temas da revogacao, validade ¢ vigéncia. Tecidas essas considcragdes, poderei ent&o tratar da fenomenologia das isengées e ai, quando pavimentado o percurso e reduzi- das as complexidades do objeto, tracar li- nhas sobre a revogacdo das isen¢des. Penso que, percorrido esse trajeto, es- tardo bem fundamentados, do ponto de vis- ta tedrico, os encaminhamentos praticos que proponho ao final do texto. J. Das normas a norma tributdria O texto que tenha pretensdo de serie- dade na descric&o de seu objeto nao pode furtar-se a enunciar as premissas de que parte, pois é delas que deve também partir o receptor da mensagem para bem contex- tuar os assertos € verificar sua correcdo. Assim, penso ser necessdric tecer, neste item ¢ no seguinte, algumas consideracGes que considero axiomaticas e cujo rigoroso ajuste é imprescindivel para o bom desen- cadeamento do escrito. LI Uma distingdo necessdria: norma em sentido estrito é norma em sentido lato Antes de ser “tributaria”, a norma ju- ridica tributaria é “norma juridica”, con- vém entdo elucidar qué se quer dizer com essa expressio, Norma juridica é termo empregado pela doutrina para designar (i) © juizo hipotético-condicional formulado pelo intérprete a partir da leitura dos textos legais, como ja fazia Hans Kelsen;' (éf) as disposigées dos textos legais, enquanto enunciados de teor prescritivo, sendo essa acepcao bem difundida e tendo muitos dos estudos tradicionais de Teoria do Direito construidos em seu entommo. Qual acepgdo é “a” correta? Qualquer resposta que afirme peremptoriamente por t. Hans Kelsen, Teoria Pura do Direito, 2007. um ou outro sentido € simplista e deve ser vista com desconfian¢a. Uma acepcio serd tio mais correta quanto itil para descrever a ideia que se quer, com a palavra, dizer de, Isso porque as coisas nado tem nome, nos que a elas atribuimos nomes. Havera, par- tanto, aceppdes Gteis e iniiteis « € cer que, ao cingir a voz “norma juridica™ 4s duas defini¢des acima, cortei muitas oulras definigées que nie pareceram tteis 4 des- cri¢Zo cientifica do fenédmeno juridico. 0 corte é operagio gnosiolégica necessaria 4 formac3o do conhecimento, como afirma- va Pontes de Miranda, em seu O Problema Fundamental do Comhecimento, “viver é recortar 0 mundo”.’ E esse cortar, preci- sando as definig¢des e ignorando outras acepcdes, para a construgdo de discurso sdlido ¢ coerente, é justamente a aplicagio do mecanismo de elucidagdo proposto por Rudolph Carmap com o intuito de, na lin- guagem cientifica, reduzir a vaguidade de seus termos.’ Em ciéncia, ndo se pode falar de preci- s40 enquanto persistir ambiguidade no dis- curso, as palavras devem buscar o maior grau de univocidade possivel, como conci- liar entéo um Unico termo e essas duas acepcoes destacadas jd no primeiro pari- grafo? Aparece util entZo a distingfo que fazem muitos ao Separar as normas juridi- cas em sentido estrito (aquelas da primeira acepcao que destaquei) daquelas em senti- do lato (correspondendo a segunda aceprio acima enunciada). As diferentes acepgéecs, atribui-se novos nornes em prol da maior precisdo discursiva. Paulo de Barros Carvalho alinhou as palavras para firmar a importéncia de am- bas acepgSes do termo “norma juridica” para a construcao do discurso juridico cientifico, numa postura analitico-henne- néutica como a que assumo neste trabalho: 2. Pontes de Miranda, O Problema Fxnda- mental do Conhecimento, Campinas, Bookscller, 2000, 3. Manfredo de Oliveira Aradjo, Reviravolia Linguistico-Pragmatica, Sio Paulo, Loyola, 2006. “Seja como for, o processo de interpreta- ¢do ndo pode abrir mdo das unidades enunciativas esparsas do sistema do direi- to pasitivo, elaborando suas significagdes frasicas para, somente depois, organizar as entidades normativas (sentido estrito). Principalmente porque o sentido completo das mensagens do direito depende da inte- gragio de enunciados que indiquem as pessoas (fisicas ¢ juridicas), suas capacida- des ou competéncias, as ages que podem ou devem praticar, tudo em determinadas condigdes de espago e de tempo”.* Firmadas entao as acepcdes de norma juridica em sentido estrito — como o juizo hipotético-condicional detado de um todo deSntico de significagdo — e norma juridi- ca em sentido ample — como equivalente 4&0 enunciado prescritivo, a disposicio le- gal, ensejador de um quanto de significa- ¢40, sendo parte integrante daquele juizo sem sé-lo inteiro — ja podemos seguir mar- cha a tragar algumas linhas mais, ainda so- bre a norma, sobre 0 processo de constru- ¢Ho de sentido, 1.2 O ato de construir sentido Quero dizer, ainda enquanto premis- Sa, que 0 direito, sendo texto, deve ser in- terpretado para que scu sentido. seja cons- truido. © interpretar é aco humana que, ao contrario do que se poderia pensar, nlo ¢ um. extrair de sentido, mas adjudic4-lo a um suporte fisico qualquer: é 0 ato de atri- buir significagdo a certas coisas que, as- sim, passam a ser denominadas signos. Da mesma forma ocorre com as nor- mas que, no direito positivo brasileiro, es- tio sempre expressas por algum texto es- erito, mas que com ele nao se confundem. Mesmo quando o direito prescreva a cha- mada interpretacfo literal, como no art. Ill, Il, do Cédigo Tributario Nacional, nig ¢sta.a sugerir que ha, ali nas marcas de 4. Paulo de Barros Carvalho, Direito Tributd- rut Lingneges ¢ Meioda, p. 131, Destaquei. tinta sobre um papel, qualquer significady a ser exttaido sem esforzo do sujeito que delas tome conhecimento. Esta sim, exi- Bindo que o intérprete atenha-se 4s chama- das acepgGes de basc, isto ¢, ao sentido mais empregado aquela palavra pelos seus uténtes. A interpretagdo, cnquanto processo construtor da norma juridica, da-se pelo esforoo de um interprete que, partindo da literalidade textual (montando o plano $1); adjudica sentido as palavras, formando frases (as normas juridicas em sentido lato, que compiem o plano $2); articula estes enunciados em estruturas de significacdo ¢m que uma proposi¢ao hipotetica implica uma condi¢io consequente (as normas ju- ridicas em sentido estrite, que formam o plano $3); inserindo-a no universo das de- mais normas juridicas que, em relagdes de coordena¢io ¢ subordinac3o para com aquela construida, formam o ordenamento juridico ($4). 1.3 Dois certes e uma classificagdo util: entre gerais e individuais é entre abstratas e concretas E operativa e relevante para 0 escopo deste texto a classificagZo que se pode fa- zer tomando a utilizagio de dois critérios aplicados de forma sucessiva a todo 0 con- junto de normas juridicas: (1) a abstragaio ou (2) concretude do fato descrito no termo antecedente; (a) a individualidade ou (b) generalidade da relacdo prescrita no conse- quente. A aplicagio dos cortes sugeridos, se executada em conformidade corm as re- gras que regem o ato de classificar formara quatro classes, a saber: (1.2) normas gerais e abstratas; (1.b) normas individuais e abs- tratas; (2.a) normas gerais e concretas ¢; (2.b) individuais ¢ concretas. Muito embora seja mais comum a mengao as categorias de normas gerais e abstratas e normas individusis e concretas como protagonistas do ato de incidéncia, ha abundancia exemplos de normas gerais € concretas — como é 0 caso de fodos os sciculos introdutores de normas — € nor- nas individuais e abstratas — a exemplo de vontratos com previsdes futuras ou aquelas nurmas que instituam regimes especiais para um contribuinte. 2. A vida das normas 2.1 O tempo das normas As normas juridicas tam demarcado, no curso de tempo em que esta inserido o ordenamento juridico, tanto o instante em que estd apta a produzir seus efeitos en- quanto texto prescritive, como haveré tam- bém aquele em que tal aptidiio é cassada. Mas 0 direito, ao cumprir sua missao de regular a sociedade, nfo esta adstrito aos mesmos limites que a fluéncia do tem- po impSe 4 vida social: pode ele dar ao ca- minhar de Kronos outras dimensées, defi- nindo, por exemplo, um prazo minimo para a entrada em vigor de uma norma; ou quais dias sio iiteis ou ndo 4 pratica de de- terminados atos; que uma norma tera efei- tos ex func para regular situagdes que o tempo social j4 tém por pretéritas; ou ain- da, no direito tributario, prescrevendo im- portantes limites 4 atividade impositiva, como aquele da anterioridade tributaria. Importa reconhecer que o Direito no prescinde de condigGes de tempo ¢ espaco para ordenar seus fatos, mas sendo lingua- gem prescritiva ¢ niio descritiva, isso esta- belece sua propria cronologia que nem sempre coincidira com aquela da realidade social, podendo diferir desta tanto em seu vagar cOmo nos instantes em que se dio por percebidos os fatos, como muitas ve- zes corre. 2.2 Validade e vigéncia E necessério ainda ter bem definidas as categorias de validade e vigéncia para bem alinhar o discurso em meio a polisse- mia que hd sobre esses termos. Para nio perder a objetividade, defino validade como a pertinéncia de uma norma a um sistema. Com isso, ao ser norma juridica sera sempre valida ante o sistema de direi- to positivo, pois o predicado juridico so- mente pode ser atribuido aquilo que inte- gre o sistema do direito posto. Ao proceder dessa maneira, alinho o pensamento a grandes juristas como o austriaco Hans Kelsen e professor pernambucano Louri- val Vilanova que assim escrevera:’ “[Os sistemas juridicos...] Formam-se contendo lei intema (norma que estatue a fonte gera- dora de normas vélidas. A validade (como reiteradamente sublinha Kelsen) é existén- cia. Norma oula, por incongruéncia, desfaz a contraditoriedade. Se ‘niio-N’ for nula, ela nao ¢ contraditéria de ‘NV’; sendo assim, norma nula € nonmma ndo-valida, ‘norma inexistente. A relacHo légico-formal nado é¢ potente para invalidar ‘N*ou ‘nao-N’, ou ambas. E, ainda, norma nao é valida per se, mas € valida porque tem relagdo de perili- néncia a um dado sistema S, ¢ tem essa re- lagio porque proveio da fonte geratriz nor- mativamente (o que exclui o costume como puro fato) estabelecida”. Vigéncia, por sua vez, é termo que atribuo 4 norma que esta apta para produzir seus efeitos, dessa maneira, sera vigente uma norma ou (1) quando assim esteja prescrito em seu veiculo introdutor, ou (2) quando transcorridos 45 dias de sua publi- cago (cf. Decreto-lei 4.707/1942, art. 1*); €, somente no caso das normas tributarias, (3) atendido o lapso minimo determinado pelo principio da anterioridade para cada espécie de tributo que se esteja a tratar. 2.3 Revogagdo e a chamada “revogacdo tacita” O revogar faz-se sempre pela produ- ¢4o de uma norma, cuja fun¢%o € inversa aquela regra que atribuiu vigéncia a outra, isto é, a prescrig¢do revogatoria é a demar- cacdo do termo limite da vigéncia de uma norma. Da defini¢ao, ja € possivel perce- $. Lourival Vilanova, As Estruturas Logicas « o Sistema de Direito Positivo, p, 29. ber um importante desdobramento: apenas norma pode produzir os efeitos de revoga- ¢40, porque cabe apenas ao texto juridico produzir efeitos sobre si mesmo. Nao sera, portanto, o desuso ou qualquer outro moti- vo da realidade social que produzira os efeitos préprios da revogaco, como bem anota Lourival Vilanova:* ‘{...) Norma so- mente por outra norma pode ser revogada, consoante o nivel hierarquico de estrutura- ¢3o desse sistema. Insistimos nisso: sem 0 fato ser geratriz, sem tornar-se fato-juridi- nao produz norma valida revogatéria de outra norma valida. Uma norma nio re- voga outra como relacdo meramente légi- ca, mas com a interposi¢ao de fato (condu- tas, ou atos, ou eventos), que, por isso, é fato juridico, ¢ fonte de direito, no sentido largo da expressio0, Com isso, o sistema fe- cha a porta para o fato nuamente desprovi- do de normatividade. E obtém-se a homo- geneidade dedntica do que se acha no uni- verso do juridicamente relevante”. Mas é importante que se diga: no di- reito brasileiro, somente ha revogaco ex- pressa, isto é, somente pode uma norma determinar o lapso final de vigéncia de ou- tra quando o fizer expressamente. N3o s6 porque assim esté escrito na ordem do art. ¥ da Lei Complementar 95/1998 — A clau- sula de revogagdo deverd enumerar, ex- pressamente, as leis ou disposigdes legais revogadas — como também porque 0 fato- -juridico a que o sistema atribui 0 efeito de revogacao precisa ser construido em fin- guagem juridica, isto é, enquanto fato juri- dico, para que possa operar seus efeitos. Que dizer entio das disposigées da Lei de Introducao do Direito Brasileiro que tratam da chamada revogagdo tdcita em seu art. 2°, §§ 1% ¢ 2°? J4 tratei, algumas linhas atras, de como a norma juridica, porquanto signifi- cacao, ¢ resultado de um trabalho de cons- trugdo de sentido. Disse ainda que o traba- Iho arduo do intérprete do direito ha de t Idem. thidem buscar na multidfo de enunciados prescri- tivos apresentados pelo ordenamento juri- dico, aqueles cujas formulagées sejam ap- tas a construir a norma juridica em seu todo de significac4o dedntica, isto é, deve- -se formar o sentido completo, para que conheca o destinatario da norma a coman- do a ele prescrito. Logo se observa que estes enuncia- dos, muitas vezes, estaraio dispersos no sis- tema em mais de um diploma normativo ¢ nao serfio raras as vezes em que estes le- nham diferentes graus hierarquicos no sis- tema. Nessa rede de normas que se mullti- plicam em velocidade assombrosa, nao ¢ de estranhar que existam, por vezes, mais de um enunciado sobre a mesma matéria e. também ndo tardara a constatar que nao sfio raros os casos em que havera prescri- ¢des em sentidos opostos. O conflito entre diferentes enuncia- dos prescritivos sobre uma mesma matéria {normas juridicas em sentido lato) € um dos empecilhos com que se depara o intér- prete no processo de construgdo de senti- do. Mas o direito positivo, ante esta condi- cdo chamada também chamada antinomia, precisa de regras que, ante o inevitavel confronto de enunciados prescritivos, pos- sam determinar quais delas devem preva- lecer para a construcao de sentido de uma norma juridica em sentido estrito. Dentre essas normas de que tratamos, estZo aquelas da Lei de Introdu¢ao ao Di- reito Brasileiro, citadas linhas acima, ¢ ora transcritas: “Art. 29, Nao se destinando 4 vigéncia temporaria, a lei tera vigor até que outra a modifique ou revogue. “§ 1®, A lei posterior revoga a anterior quando expressamente 0 declare, quando seja com ela incompativel ou quando regu- le inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior. “§ 2®. A lei nova, que estabeleca dis- posicdes gerais ou especiais a par das ja existentes, nfo revoga nem modifica a lei anterior. “§ 3°. Salvo disposi¢ao em contrano, 1 lei revogada no se restaura por ter a lei evogedora perdido a vigéacia.” Foi com termo “revoga¢iio” emprega- lo nos pardgrafos do artigo, que o legisla dor insculpiu no mais uma previsio de vorma revogadora — pois que 36 ha espa¢o para aquela que faga expressamente —, mas sim dois dos critérios que se deve ado- tarna escolha dos enunciados aptos a cons- teugao da norma juridica em seatido estrito quando o uso de um inibir 0 outro. Seguindo a sequéncia da Lei, perce- he-se no § 1° a opeao por critério temporal {posterioridade); no § 2° é possivel perce- ber a escotha do critério da especialidade para solu¢do dos problemas entre enuncia- dos conflitantes. A esses dois critérios tra- gados, acrescente-se mais um, decorrente da propria condi¢do de sistema que € dota- do © direito positivo, o da hierarquia dos dispositivos. A hierarquia dos dispositivos que in- troduzem normas juridicas no sistema de direito positive € condigao indispensavel a manutengdo do sistema ¢ seu bom funcio- namento, tanto é assim que hi mecanismos no proprio sistema que cofbem energica- mente atos que atentem contra a disposi- gao hierarquica das normas atribuindo-thes consequéncias to graves quanto a incons- titucionalidade, ilegalidade ou nulidade.’ Surge a hierarquia dos veiculos introduto- res normativos nao sé como mais um, mas o principal dentre os critérios iteis & esco- {ha dos enunciados prescritivos que serdo empregados na construgao da norma juri- dica em sentido estrito. Entre esses critérios havera de se ele- ger, pela condi¢ao propria de sistema adju- dicada ao direito, uma ordem de prevalén- cia entre eles para que se possa solucionar © conflito que poderia gerar a aplicagao de An nintame direito positive faz com tapes hicrarquia dos veiculos intod jure uae Do topo das prescrigdes sobre a antinonia ioe enunciados juridicos. Em seguida, ha se discutir sobre qual, posterioridade especialidade, teria prevedéacia sobre @ ares ramen JA citado art, 2 da Lei Introiuo as Nonnas de Direi ee ceslpelage ei ave como a “lei nova, que disposi¢Ges gerais ou especiais @ par das jd existentes, nao nem modifica a let anterior” hé uma oneto, no sistema, pela prevaléncia da critério da cs- Pecialidade sobre a posteriaridade, Assim ordenados, os conflitos entre as nomas juridicas em sentida lato {os ‘nonciados prescritives utilizados para facita, devem i ~ ela aplicagio sucessiva los seguintes we One (1) Bierarquia, (2) especialidade ¢ 3. Aisencdo 3.1 Fenomenologia das isengdes Paulo de Barros Carvalho a seoySo como a mateo de um das cr. \érios da regra-matria de i idéncit tribe tdria,’ Essa definigto, jd submetida & apre- Ciagdo de jurists hé bom tempo, to Sue een Solve enulssa para. a raclocinio aan ssenvolvo. Tendo assente que o enun- isentivo é, assim, apenas mais um a dar contormos a norrna juridica em sentido que inpoe © tribute, duas conclu- Ses so possiveis: (a) a isengio deve ser isis tem pn seo io sto a instiuir o tributo; (b) Percebe-se que, com. producdo de uma narma lente nanene — ‘um sobre © OUmfO, A COngIyaU UG Ssieeee de proposigées escalonadas que atribuo a0 7, Thcio Lacerda Gama, Competéncia Tribu- téria—Fundamentos para unta Teoria da Nulidade, n. 157. : naeeeies errs ra SNASELSS AIL counciade 00 sistema spoorando sen sents do contririo & outro que prescreve a co- 8. Paul Dou erase Caralto, Curso de Direlo branga do tribute, com o que o problema da isencio é um conflito entre enunciados prescritivos empregados na producSo da norma juridica em sentido estrito que insti- tui o tributo. Tal conflito ndo pode ser resolvido com fundamento na hierarquia do sistema, IssO porque, estivesse a norma isentiva acima do nivel legal dos dispositivos da norma instituidora do tributo, ndo se est4 a tratar de isencdo, mas de imunidade.’ Fos- s¢ 0 enunciado isentivo posto por norma de hierarquia infralegal, estaria ele mesmo a infringir o principio da legalidade tribu- taria segundo o qual a instituicado ¢ altera- go da norma juridica tributaria em senti- do estrito somente pode ser feita por meio de veiculo introdutor com patamar de lei (Lei Complementar ou Lei Ordin4ria, con- forme a Constituigado prescrever para o tri- buto de que se esteja a tratar). Tanto é as- sim que, mesmo quando a isencdo for “de- rivada de contrato”, seu fundamento seri sempre a lej que prescreva “as condigées e requisitos exigidos para a sua concessdo, os tributos @ que se aplica e, sendo caso, 0 prazo de sua duracdo” conforme a reda- ¢4o do art. 176 do Cédigo Tribut4rio Na- cional. Seguindo a ordem de precedéncia a ele esti o critério da especialidade que prescreve ser aplicdvel o enunciado mais especifico, em detrimento do geral, mesmo quando este for posterior ao primeiro. Nao resta dividas de que o enunciado isentivo, sendo parte “mutilada” em relac3o0 ao todo sobre 0 qual pode recair 0 tributo é sempre mais especifico. Portanto, do conflito entre o enuncia- do que, a titulo de exemplo, prescreve que ser objeto de tributagSo a renda, ha de pre- valecer aquele outro que exclua as receitas derivadas de um certo tipo de rendimento. 9, Ainds que as palavras do texto legal, como neart 195, § ™ du Constituigfo da Repoblica, pos- sam sugerir a contrinio, Além disso, a imunidade tulhe ndu a repea-matiriz de incidéncia tributéria, man a norm de cumpetcnectit 3.2 Dividir para melhor conhecer, a classificagdo eo CTN Os preceitos isentivos formam enor- me conjunto, numeroso a ponto de dificul- tar seu manejo e compreensio sistematica. Portanto, impde-se ao seu manejo o em- prego de uma classificac&o, que permita melhor isolar grupos ¢ conhecer dos regi- mes juridicos correspondentes. Séo muitas as classificagdes que se encontra no seio da doutrina e no linguajar da jurisprudéncia, para os fins deste traba- tho, penso ser mais oportunc desenvolver 0 esforco classificatério considerando dois critérios aos quais o sistema juridico tribu- tario brasileiro atribui relevancia (cf. CTN, arts. 176 a 179): (1) se ha, ou (2) nao, con- digdes que o sujeito deve cumprir para que seja beneficiado pela isengao e; (a) se hi, ou (b) nao, um limite demarcado no tempo para que o beneficio da isencgio tenha seu término. Como resultado dos cortes epistemo- Iégicos que se faz no todo das isencdes, havera a formagfo de quatro classes, que podem ser assim descritas: aquelas que, outorgadas incondicionadamente, (1.a) tém tempo de duracZo predeterminado e (1.b) as que nfo tenham data de término demarcada; de outro lado estarao aquelas que, sendo outorgadas apenas apds a satis- facéo de determinadas condigdes pelo su- jeito, (2.a) sao concedidas por prazo deter- minado e aquelas que sio concedidas por tempo indeterminado (2.b). 3.3 Do espirito, intangivel, a letra morta, palpdvel: o despacho que reconhece a isencdo Classificar as isengdes foi etapa ne- cessafia para que possamos compreender 0 alcance da disposigSo do art. 179 do Coédi- go Tributério Nacional: “Art. 179. Aisen¢fo, quando nio con- cedida em carater geral, é efetivada, em cada caso, por despacho da autoridade ad- munistrativa, €m requerimento com o qual 0 interessado fara prova do preenchimento das condi¢des e do cumprimento dos re- quisitos previstos em lei ou contrato para concessio. “§ 1°. Tratando-se de tributo lancado por periodo certo de tempo, o despacho re- ferido neste artigo sera renovado antes da expirac¢do de cada periodo, cessando auto- maticamente 0s seus efeitos a partir do pri- meiro dia do periodo para o qual o interes- sada deixar de promover a continuidade do reconhecimento da isencSo. “§ 2°. O despacho referido neste arti- gO nfo gera direito adquirido, aplicando- “se, quando cabivel, o disposto no artigo 155.” Percebe-se que nao basta que o sujei- to impiemente as condigdes descritas na norma de isengao, ¢ preciso, além disso, que uma autoridade competente para tanto registre na linguagem apropriada e seguin- do o procedimento prescrito para tanto que © sujeito implementou aquelas condicdes. E essa a forma que o sistema prescreve para que ingresse, na realidade juridica, o fato juridico suficiente ao desencadeamen- to da isenciio condicionada, A diferenca que hd, em relacao a fe- nomenologia da iseng¢So condicionada em relagdo a isen¢do incondicionada é que, nesta Ultima o obstéculo ao emprego do enunciado tributante na composico da regra-matriz de incidéncia tributaria deri- va da tio sé da especificidade do texto le- gal. Ja nas isengdes concedidas mediante o adimplemento de uma determinada con- di¢do, sua efetivagio depende da produ- ¢4o de um instrumento normativo (0 des- pacho) a inserir 0 enunciado mais especi- fico impedindo a formac3o da norma indi- vidual e concreta que documénta a inci- déncia tributéria em face do contribuinte que satisfez as condicdes necessdrias ao gozo da isencio. E oportuno lembrar que a atividade da autoridade administrativa nao se quadra entre aqueles atos denominados pela dou- trina administrativista como discriciond- rios, mas aqueles vinculados. Deve entio a autoridade emitir 0 ato tdo logo esteja de- vidamente provado o adimplemento dos requisites 4 isen¢Zo. Em nao assim proce- dendo, poderd o interessado buscar a tutela judicial cuja decisdio, tém entendido os tri- bunais, poderia suprir a falta desse despa- cho quando de maneira injustificada fosse recusada sua producdo.'° 4. O fim de uma isenciéio Sendo norma, a isencao também esta Sujeita a ter demarcado seu lapso final de vigéncia pela produg3o de norma revoga- dora. Justamente em virtude da premissa conceitual que firmamos, sendo a isencdo um dos varios enunciados que compéem a norma que institui o tributo, sua revogacao — tal como sua instituigdo — deve seguir a todas as regras que disciplinem a compe- téncia tributaria para a instituigao do tribu- to em quest&o. Dito de outro modo: revo- gar isen¢do é uma forma de alcancar situa- ¢do antes nfo atingida, tanto quanto o é a produgio de enunciado que institua tributo novo. Mas ha, ainda alguns importantes as- pectos, decorrentes da fenomenologia das isengdes ¢ de limitagdes do sistema juridi- co brasileiro ao poder de instituir tributos, que fazem da revogagio das isencdes as- sunto a merecer atencao mais detalhada. 4.1 A revogagdo das isencées incondicionadas ¢ os limites do direito pasta As isengées incondicionadas, tanto aquelas concedidas por tempo certo como aquelas concedidas por tempo indetermi- nado — tomo a liberdade de agrupé-las nes- se instante ~, caracterizam-se pela presen- 10. A esse respeito, interessante o fen ra da decisio do Ministro Castro Meira nos auti em julgamento de caso semelhante no ST) (R Kap 576.394). ¢a dé um dispositivo util 4 composicao da regra-matriz de incidéncia tributaria que, por especial, prevalece sobre os demais que imponham 0 tributo. A revogacio atinge o texto de manei- ra direta e a norma juridica em sentido es- trito de forma indireta. Assim, quando re- vogado o enunciado das isencdes incondi- cionadas, retira-se um dentre os varios enunciados tteis 4 composicao da regra- -matriz de incidéncia tributéria e, com isso, esta-se a modifica-la. Afirmei, algumas linhas atras, que a revogacdo da isenco, assim como sua instituigdo, é derivada da competéncia tri- butdria e, portanto, esta submetida as re- gras de instituicdo, modificagdo € revoga- giao de tributos postas pela Constituicdo da Repdblica ¢ também pelo Cédigo Tributa- rio Nacional. Nesses diplomas, dentre as varias regras que prescrevem, observa-se © limite objetivo da anterioridade que pode submeter os tributos, antes de que as regra-matrizes tributéarias possam produ- zir seus efeitos, 4 espera de: (1) prazo de 90 dias a partir da publicagdo do diploma nhormativo; (2) prazo de um exercicio a partir da publicacdo do texto legal; (3) o ciimulo destes dois prazos ou; (4) nenhum deles. Isso, de acordo com as normas que prescrevam a competéncia para instituir, modificar ou extinguir esse ou aquele tri- buto. Se a revogacSo da isen¢gio equivale em tudo 4 qualquer outra producao de enunciado que modifique a regra-matriz de incidéncia, tera ela de obedecer a regra de anterioridade prescrita para aquele tributo pela norma de competéncia tributaria por- quanto sempre sera uma majoracao ou ins- tituigdo de tributo. E esse o comando que pode ser lido no art. 178 do Cédigo Tributario Nacional “Art. 178. A isencio, salvo se concedida por prazo certo e em fung¢io de determina- das condi¢Ses, pode ser revogada ou modi- ficada por lei, a qualquer tempo, observa- tlo @ disposto ao inciso HI do art. 104”. Por sua vez no mencionado art. 104, Ill, assim esta disposto: “Art. 104. Entram em vigor no pri- meiro dia do exercicio seguinte aquele em que ocorra a sua publicagao os dispositivos de lei, referentes a impostos sobre o patri- m

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