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3.ª edição
revista, atualizada e ampliada
A EDITORA FORENSE se responsabiliza pelos vícios do produto no que
concerne à sua edição, aí compreendidas a impressão e a apresentação, a fim de
possibilitar ao consumidor bem manuseá-lo e lê-lo. Os vícios relacionados à
atualização da obra, aos conceitos doutrinários, às concepções ideológicas e
referências indevidas são de responsabilidade do autor e/ou atualizador.
As reclamações devem ser feitas até noventa dias a partir da compra e venda com
nota fiscal (interpretação do art. 26 da Lei n. 8.078, de 11.09.1990).
F936a
ISBN 978-85-309-5176-4
Flávio Tartuce
Doutor em Direito Civil e Graduado pela
Faculdade de Direito da USP.
Mestre em Direito Civil Comparado e Especialista
em Direito Contratual pela P UC-SP.
P rofessor e palestrante em cursos e seminários
jurídicos. Advogado e consultor jurídico
em São P aulo.
Capa
Frontispício
GEN
Página de rosto
Créditos
Dedicatória
Nota à 3.ª edição
Apresentação
Epígrafe
Prefácio
Lista de siglas
1 - Síndrome da alie nação pare ntal
1.1 O que é “ Síndrome de Alienação Parental”
1.1.1 Registros históricos
1.1.2 Conceito
1.1.3 Características (sintomas)
1.1.4 “ Gatilho” da alienação parental
1.2 O lado negro da alienação parental: cuidado aos operadores
2 - Come ntários à le i da alie nação pare ntal
2.1 Lei 12.318, de 26 de agosto de 2010
2.1.1 Texto sancionado
2.1.2 Texto vetado
2.2 Comentários
3 - Pe rícia multidisciplinar
3.1 Regras da perícia multidisciplinar
3.1.1 Da nomenclatura – perícia multidisciplinar
3.2 Auxiliares permanentes e eventuais
3.3 Da perícia judicial
3.3.1 Do perito e da perícia
3.4 Do procedimento
3.4.1 Da nomeação do perito
3.4.2 Dos honorários
3.4.3 Dos assistentes técnicos
3.4.4 Da inquirição pelo juiz, dos quesitos suplementares e da
nova perícia
3.4.5 Da publicidade
3.5 Anulação dos atos quando não há aplicação das regras da
perícia
3.6 A diferenciação dos instrumentais
3.7 Perícia multidisciplinar – um compromisso ético e social
3.8 Código de Ética do perito
3.9 Sigilo profissional e perícia
4 - Influê ncia da pe rícia multidisciplinar nas de cisõe s
judiciais
4.1 Da decisão judicial e seu fundamento
4.2 Da perícia multidisciplinar como fundamento
4.2.1 Decisões judiciais
4.2.2 Recursos
4.2.2.1 Agravo de instrumento
4.2.2.2 Apelação
5 - Pe rícia multidisciplinar nos casos de alie nação pare ntal
5.1 Convencimento do magistrado
5.2 Atuação do perito multidisciplinar: delimitação de campo
5.2.1 Perito social
5.2.2 Perito psicológico
5.2.3 Outros peritos
5.2.4 Quadro de perícias multidisciplinares em relação ao
objeto
6 - Guarda compartilhada como forma de re dução da
incidê ncia de síndrome de alie nação pare ntal
6.1 Poder familiar e seu exercício
6.1.1 Do pátrio poder
6.1.2 Do exercício do poder familiar
6.2 Da guarda e suas modalidades
6.2.1 Do “ mátrio poder”
6.2.2 Da guarda compartilhada (e sua diferença da alternada)
6.2.2.1 Guarda alternada como espécie da unilateral
6.2.2.2 Guarda alternada como espécie da
compartilhada
6.2.3 Da visita ao convívio
6.3 Da modificação da guarda quando há alienação parental
7 - Re sponsabilidade civil de corre nte da alie nação pare ntal
7.1 Abuso afetivo
7.1.1 A responsabilidade decorrente do poder familiar
7.1.1.1 Do “ abandono afetivo”: dano moral pelo
desamor
7.1.2 Do “ abuso afetivo”: dano moral decorrente de
alienação parental
7.2 Jurisprudência vinculada
8 - Tratame nto compulsório de pais
8.1 Da integral proteção da criança e do adolescente
8.2 Da prática de medidas alternativas
8.3 Da nomeação do perito
8.4 Experiência prática aplicada: relato
8.5 Modelo da ação de tratamento compulsório dos pais
9 - Me ntiras infantis
9.1 Um cuidado... não uma regra
9.2 Mentiras infantis
Epílogo
Mentiras infantis
A Mentira Infantil
Causas e formas de intervenção
T ipos de mentiras
Mentira utilitária
Mentira Compensatória
Mitomania
Conclusão
Re fe rê ncias bibliográficas
Ane xos
Considerações iniciais
I – Princípios norteadores na elaboração de documentos
1. Princípios técnicos da linguagem escrita
2. Princípios éticos e técnicos
2.1. Princípios Éticos
2.2. Princípios T écnicos
II – Modalidades de documentos
III – Conceito / Finalidade / Estrutura
1. Declaração
1.1. Conceito e finalidade da declaração
1.2. Estrutura da declaração
2. Atestado psicológico
2.1. Conceito e finalidade do atestado
2.2. Estrutura do atestado
3. Relatório psicológico
3.1. Conceito e finalidade do relatório ou laudo
psicológico
3.2. Estrutura
3.2.1. Identificação
3.2.2. Descrição da demanda
3.2.3. Procedimento
3.2.4. Análise
3.2.5. Conclusão
4. Parecer
4.1. Conceito e finalidade do parecer
4.2. Estrutura
4.2.1. Identificação
4.2.2. Exposição de Motivos
4.2.3. Análise
4.2.4. Conclusão
IV – Validade dos conteúdos dos documentos
V – Guarda dos documantos e condições de guarda
AP – Alienação Parental
ART. – Artigo
1.1.2 Conceito
O conceito legal da Síndrome de Alienação Parental é disposto no
art. 2.º da Lei 12.318, de 2010, no qual é definido:
“ Considera-se ato de alienação parental a interferência na formação
psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos
genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob a sua
autoridade, guarda ou vigilância para que repudie genitor ou que cause prejuízo
ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este”.
T rata-se de um transtorno psicológico caracterizado por um
conjunto sintomático pelo qual um genitor, denominado cônjuge
alienador, modifica a consciência de seu filho, por meio de estratégias
de atuação e malícia (mesmo que inconscientemente), com o objetivo
de impedir, obstaculizar ou destruir seus vínculos com o outro genitor,
denominado cônjuge alienado. Geralmente, não há motivos reais que
justifiquem essa condição. É uma programação sistemática promovida
pelo alienador para que a criança odeie, despreze ou tema o genitor
alienado, sem justificativa real.
A jurista e vice-presidente do IBDFAM Nacional, e uma das
maiores estudiosas do tema, Maria Berenice Dias, leciona que a
Síndrome de Alienação Parental pode ser chamada de implantação de
falsas memórias, pois o alienador passa a incutir no filho falsas ideias
sobre o outro genitor, implantando por definitivo as falsas memórias.3
LEI N. 1 2 .3 1 8 , DE 2 6 DE A GOSTO DE 2 0 1 0
Presidênc ia da Repúblic a
Casa Civil
A rt. 9 .º
“Art. 9.º As partes, por iniciativa própria ou sugestão do juiz, do Ministério Público ou do
Conselho Tutelar, poderão utilizar-se do procedimento da mediação para a solução do litígio,
antes ou no curso do processo judicial.
§ 1.º O acordo que estabelecer a mediação indicará o prazo de eventual suspensão do
processo e o correspondente regime provisório para regular as questões controvertidas, o qual
não vinculará eventual decisão judicial superveniente.
§ 2.º O mediador será livremente escolhido pelas partes, mas o juízo competente, o
Ministério Público e o Conselho Tutelar formarão cadastros de mediadores habilitados a
examinar questões relacionadas à alienação parental.
§ 3.º O termo que ajustar o procedimento de mediação ou o que dele resultar deverá ser
submetido ao exame do Ministério Público e à homologação judicial.”
Razões do veto
“O direito da criança e do adolescente à convivência familiar é indisponível, nos termos
do art. 227 da Constituição Federal, não cabendo sua apreciação por mecanismos
extrajudiciais de solução de conflitos.
Ademais, o dispositivo contraria a Lei n.º 8.069, de 13 de julho de 1990, que prevê a
aplicação do princípio da intervenção mínima, segundo o qual eventual medida para a
proteção da criança e do adolescente deve ser exercida exclusivamente pelas autoridades e
instituições cuja ação seja indispensável.”
A rt. 1 0
“Art. 10. O art. 236 da Seção II do Capítulo I do Título VII da Lei n.º 8.069, de 13 de julho
de 1990 – Estatuto da Criança e do Adolescente, passa a vigorar acrescido do seguinte
parágrafo único:
‘Art. 236. ...............................................................................
Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem apresenta relato falso ao agente indicado
no caput ou à autoridade policial cujo teor possa ensejar restrição à convivência de criança ou
adolescente com genitor.’ (NR)”
Razões do veto
“O Estatuto da Criança e do Adolescente já contempla mecanismos de punição
suficientes para inibir os efeitos da alienação parental, como a inversão da guarda, multa e até
mesmo a suspensão da autoridade parental. Assim, não se mostra necessária a inclusão de
sanção de natureza penal, cujos efeitos poderão ser prejudiciais à criança ou ao adolescente,
detentores dos direitos que se pretende assegurar com o projeto.”
2.2 CO MENTÁRIO S
Apresentamos, a seguir, nossos comentários aos artigos em vigor
da referida lei:
“ Art. 438 do CP C. A segunda perícia tem por objeto os mesmos fatos sobre
que recaiu a primeira e destina-se a corrigir eventual omissão ou inexatidão dos
resultados a que esta conduziu”.
[...]
Art. 5.º Havendo indício da prática de ato de alienação parental, em ação autônoma
ou incidental, o juiz, se necessário, determinará perícia psicológica ou
biopsicossocial.
§ 1.º O laudo pericial terá base em ampla avaliação psicológica ou biopsicossocial,
conforme o caso, compreendendo, inclusive, entrevista pessoal com as partes, exame
de documentos dos autos, histórico do relacionamento do casal e da separação,
cronologia de incidentes, avaliação da personalidade dos envolvidos e exame da
forma como a criança ou adolescente se manifesta acerca de eventual acusação contra
genitor.
§ 2.º A perícia será realizada por profissional ou equipe multidisciplinar habilitados,
exigido, em qualquer caso, aptidão comprovada por histórico profissional ou
acadêmico para diagnosticar atos de alienação parental.
§ 3.º O perito ou equipe multidisciplinar designada para verificar a ocorrência de
alienação parental terá prazo de 90 (noventa) dias para apresentação do laudo,
prorrogável exclusivamente por autorização judicial baseada em justificativa
circunstanciada.
MONDARDO, Dilsa; ALVES, Elizete Lanzoni; SANTOS, Sidney Francisco Reis
dos. O ensino jurídico interdisciplinar: um novo horizonte para o direito.
Florianópolis: OAB, 2005. p. 22.
MORIN, Edgar apud P ETRAGLIA, Izabel Cristina. Edgar Morin: a educação e a
complexidade do ser e do saber. 4. ed. P etrópolis: Vozes, 2000. p. 74.
Idem, ibidem, p. 74.
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Op. cit., p. 207.
Idem, ibidem, p. 207.
O art. 33 do Código de P rocesso Civil institui como é distribuída a remuneração do
perito e do assistente técnico.
NORES, Cafferata. La prueba en el processo penal. Buenos Aires: Depalma, 1986. p.
47.
TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio. P rova pericial. Cadernos de Processo Civil,
São P aulo: LTr, n. 13, p. 7, 1999.
FREITAS, Douglas P hillips; FREITAS, Karinne Brum Martins. Perícia social: o
assistente social e os efeitos da perícia no judiciário. Florianópolis: OAB-SC, 2003.
p. 115.
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil: teoria geral do
direito processual civil e processo de conhecimento. 25. ed. Rio de Janeiro: Forense,
1998. p. 445.
Também chamado de the law of the land, que no seu significado original, mais amplo,
consistia em uma limitação do P oder P úblico perante os particulares. O respeito dos
direitos das pessoas, sem cometer arbítrios, por meio destes institutos, teve a sua
origem na Great Charter de João Sem-Terra, de 15.06.1215.
Conforme reza o art. 5.º, LIV, da CRFB/1988.
Esta é uma das muitas ideias do Iluminismo, que tinha por fundamento a defesa das
garantias primordiais de cada indivíduo, tratando com cautela os casos que feriam
tais direitos individuais. Cesare Beccaria, no direito, pode ser considerado o autor
mais influente destes ideais.
DINAMARCO, Cândido Rangel. Op. cit., p. 202.
MARINONI, Luiz Guilherme. Novas linhas do processo civil. 3. ed. São P aulo:
Malheiros, 1999. p. 258 apud TROCKER, Nicolò. Processo civile e Constituzione.
Milão: Giuffrè, 1974. p. 371.
Segundo a Lei 8.069, de 1990, ora o Estatuto da Criança e Adolescente (ECA),
renomeou o termo menor (do código de menores) para criança e adolescente, e, nesse
sentido, optou-se por utilizar essa última nomenclatura (de maneira genérica) para
trabalhar os assuntos e menções que envolvam menores de 18 anos (conforme nova
redação dada pelo Código Civil de 2002, que entrou em vigor em 10.01.2003).
Também é dado ao termo, em um sentido mais chulo, como: prostituta das provas.
Fundamentos del derecho procesal civil. Buenos Aires, 1974, p. 215.
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Op. cit., p. 445.
Art. 5.º [...] § 3.º O perito ou equipe multidisciplinar designada para verificar a
ocorrência de alienação parental terá prazo de 90 (noventa) dias para apresentação do
laudo, prorrogável exclusivamente por autorização judicial baseada em justificativa
circunstanciada.
Art. 33 (CP C). Cada parte pagará a remuneração do assistente técnico que houver
indicado; a do perito será paga pela parte que houver requerido o exame, ou pelo
autor, quando requerido por ambas as partes ou determinado de ofício pelo juiz.
Em cidades do interior, onde todos se conhecem, a suspeição que venha recair sobre
o perito pode impulsionar o magistrado a nomear outro.
Art. 5.º [...] § 2.º A perícia será realizada por profissional ou equipe multidisciplinar
habilitados, exigindo, em qualquer caso, aptidão comprovada por histórico
profissional ou acadêmico para diagnosticar atos de alienação parental.
FREITAS, Douglas P hillips; FREITAS, Karinne Brum Martins. Perícia social: o
assistente social e a perícia no judiciário. Florianópolis: OAB/SC, 2003. p. 70.
CARLIN, Volnei Ivo (Coord.). Ética e bioética: novo direito e ciências médicas.
Florianópolis: Terceiro Milênio, 1998. p. 25.
Consoante o posicionamento, Jean Ladrièri leciona em uníssono. LADRIÈRE, Jean.
Ética e pensamento científico. Rio de Janeiro: Letras & Letras, p. 82, 83 e 87.
COLOMBO, Olírio. Pistas para filosofar II: questões de ética. P orto Alegre:
Evangraf, 1993. p. 12 apud Adolfo Sánchez Vázquez.
CARLIN, Volnei Ivo. Deontologia jurídica. Florianópolis: Obra jurídica, 1996. p.
35.
Idem, ibidem, p. 37.
Conforme lecionam Joseane Aparecida Corrêa e Sérgio Eduardo Cardoso. Idem. Ética
e bioética: novo direito e ciências médicas. Florianópolis: Terceiro Milênio, 1998. p.
25.
Retirado do Código de ética pericial, do Instituto Dell P icchia. In: BUONO NETO,
Antônio; BUONO, Elaine Arbex. Op. cit., 1996, p. 7.
INFLUÊNCIA
DA PERÍCIA MULTIDISCIPLINAR
NAS DECISÕES JUDICIAIS
4.2.2 Recursos
Na fase recursal, a parte que se sentir prejudicada pela decisão
proferida requererá a correção total ou parcial do decisum. Quer seja
por não acolher a regra da perícia ou não se valer dela como
fundamento da decisão, para as partes há este remédio no intuito de,
em outro grau de jurisdição, corrigir o direito que, a seu ver, fora
tolhido.
4.2.2.2 Apelação
No que tange à perícia multidisciplinar, havendo qualquer
contrariedade ao laudo apresentado pelo perito, a parte analisará o
conjunto probatório para saber se a perícia é a única peça que
corrobora com sua versão fática.
Sendo a perícia multidisciplinar a única peça que defenda o
posicionamento do requerente, deverá este buscar derrubar a força
probatória das demais provas, por meio da identificação de vícios ou
contrariedades entre elas, para que assim possa convencer o julgador,
em grau recursal, de que a perícia multidisciplinar não é inválida e que
a sentença foi contrária ao laudo social, psicológico ou médico.
Dentre os princípios gerais dos recursos temos o “ princípio da
dialeticidade”, que é concernente à força argumentativa, em que a
parte recorrente levará ao juízo os fatos que causaram a insatisfação
com a sentença recorrida, bem como o acolhimento da prova pericial,
mesmo que esta seja contrária às demais provas produzidas. O trabalho
de construção de uma tese fundamentada em uma única prova,
independentemente da validade desta, é árduo e, algumas vezes,
infrutífero.
Outrossim, quando a única prova é consoante com a verdade
fática, e as demais provas são conflitantes entre si, a perícia
multidisciplinar, que goza de presunção de verdade, será o fundamento
necessário para subsidiar o recurso por meio de sua verossimilhança –
cuja existência é fundamental para todas as provas produzidas em um
processo terem eficácia real.
Quando a perícia multidisciplinar estiver em consonância com as
demais provas, o juiz deverá prestar seu entendimento da causa sob o
escopo desse conjunto probatório. A sentença judicial deverá, nestes
casos, ser fundamentada na perícia multidisciplinar que foi
corroborada pelas demais provas apresentadas na ação, trazendo ao
gabinete do juiz a realidade flagrante vistoriada pelo perito –
assistente social, psicólogo, médico, entre outros.
A contrariedade da sentença com o conjunto de provas
apresentadas resulta objetivamente na re forma da sentença judicial
recorrida. Afinal, o dever do magistrado ao proferir sua sentença é
construir as bases lógicas de sua decisão, por meio das relações entre as
questões fáticas apresentadas pelas partes, com o escopo legal e justo
dos pedidos formulados e as provas levadas a juízo.
Anexo I – Questionário realizado com juízes de primeiro grau. In: FREITAS, Douglas
P hillips; FREITAS, Karinne Brum Martins. Perícia social: o assistente social e a
perícia no judiciário. Florianópolis: OAB/SC, 2003. p. 125.
Vinculado ao Ministério P úblico do Distrito Federal há o Núcleo de P erícia Social
(Nupes).
Em Santa Catarina há um grande expoente e pesquisador sobre a matéria, o assistente
social e bacharel em Direito, serventuário do TJSC, Alcebir Dal P izzol.
Em São P aulo, por exemplo, a Portaria 9, de 13.03.2007, do Juiz Federal Nelson de
Freitas Porfirio Junior, presidente em exercício do Juizado Especial Federal de
Lins, no uso de suas atribuições legais e regulamentares, regulou a realização das
perícias sociais relativas às ações previdenciárias e de benefícios assistenciais em
trâmite naquele Juizado.
Denise Duarte Bruno, assistente social do Judiciário gaúcho produz importante
trabalho de conceituação e aplicação da perícia social.
MACIEL, Saidy Karolin. Perícia psicológica e resolução de conflitos familiares.
2002. Dissertação (Mestrado em P sicologia) – UFSC, Florianópolis. Disponível em:
<http://www.tede.ufsc.br/teses/P P SI0080.pdf>.
FERNANDES, H. M. R. Psicologia, serviço social e direito: uma interface
produtiva. Editora Universitária UFP E, 2001.
MACIEL, Saidy Karolin. Perícia psicológica e resolução de conflitos familiares.
2002. Dissertação (Mestrado em P sicologia) – UFSC, Florianópolis, p. 34.
Disponível em: <http://www.tede.ufsc.br/teses/P P SI0080.pdf>.
GUARDA COMPARTILHADA COMO
FORMA DE REDUÇÃO DA
INCIDÊNCIA DE SÍNDROME DE
ALIENAÇÃO PARENTAL
“ Art. 1.583 do CC. [...] § 3º A guarda unilateral obriga o pai ou a mãe que
não a detenha a supervisionar os interesses dos filhos”.
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica
obrigado a repará-lo. P arágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano,
independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade
normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para
os direitos de outrem.
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Dano moral. 4. ed. São P aulo: Juarez de Oliveira,
2001. p. 6.
Nem só de pão vive o homem: responsabilidade civil por abandono afetivo.
Disponível em: <http://www.ibdfam.org.br/? artigos&artigo=392>. Acesso em: 17
mar. 2008.
REsp 757.411-MG (2005/0085464-3), Rel. Min. Fernando Gonçalves, DJ
27.03.2006.
O princípio da boa-fé objetiva no direito de família. Disponível em:
<http://www.ibdfam.org.br/? artigos&artigo=475>. Acesso em: 10 dez. 2008.
ROSA, Conrado P aulino. CARVALHO, Dimas Messias de. FREITAS, Douglas
P hillips. Dano moral & Direito das Famílias. Florianópolis: Voxlegem, 2012. p.
173.
“ Civil e processual civil. Família. Abandono afetivo. Compensação por dano moral.
P ossibilidade” (REsp 1.159.242/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, j.
24.04.2012, DJe 10.05.2012).
Art. 186 do CC. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou
imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral,
comete ato ilícito.
Art. 187 do CC. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo,
excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela
boa-fé ou pelos bons costumes.
HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. “ Os contornos jurídicos da
responsabilidade afetiva na relação entre pais e filhos”. In EHRHARDT JUNIOR,
Marcos; ALVES, Leonardo Barreto Moreira. Leituras complementares de Direito
Civil: Direito das Famílias. Salvador: JusP odivm, 2009. p. 212.
SIMÃO, Rosana Barbosa Cipriano. Abuso de direito no exercício do poder familiar.
In: APASE – Associação de P ais e Mães Separados (Org.). Guarda compartilhada:
aspectos psicológicos e jurídicos. P orto Alegre: Equilíbrio, 2005. p. 43.
Direito civil: estudos. Belo Horizonte: Del Rey, 2000. p. 454.
BOSCHI, Fabio Bauab. Direito de visita. São P aulo: Saraiva, 2005. p. 248.
HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. “ Os contornos jurídicos da
responsabilidade afetiva na relação entre pais e filhos”. In EHRHARDT JUNIOR,
Marcos; ALVES, Leonardo Barreto Moreira. Leituras complementares de Direito
Civil: Direito das Famílias. Salvador: JusP odivm, 2009. p. 231.
Apud GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil. 8 ed. São P aulo:
Saraiva, 2003. p. 83.
Note-se que o STJ reconheceu que o abandono afetivo é ilícito civil, pois infringe o
dever de cuidado, e enseja indenização por danos morais, entendendo-se que a
alienação parental é uma das causas que afasta a ilicitude da conduta de abandono
(STJ, 3.ª Turma, REsp 1159242, j. 24.04.2012, rela. Min. Nancy Andrighi). Nesse
caso, entendemos que deve haver a responsabilização daquele que pratica a alienação
parental e causa o abandono afetivo e os danos morais decorrentes.
ROSA, Conrado P aulino da. Desatando nós e criando laços: os novos desafios da
mediação familiar. Belo Horizonte: Del Rey, 2012, p. 88.
TRATAMENTO COMPULSÓRIO DE
PAIS
AÇÃO O RDINÁRIA
II – DA NARRATIVA FÁTICA
O autor e a requerida dissolveram juridicamente sua
união em 2008 (trânsito em julgado), quando já se
encontravam separados há alguns anos. Em setembro de
2009, regulamentou-se situação de fato (documento em
anexo), onde o referido menor, filho da autora, ficou sob
a guarda e responsabilidade de seu pai, ora demandado.
Ocorre que o motivo pelo menor requerido estar na
guarda do demandado foi a prática de ALIENAÇÃO
PARENTAL perpetrada pelo genitor requerido contra a
autora, utilizando a inocência e confiança do filho do
casal para tal prática nefasta, devido à inconformidade do
genitor requerido pela separação e nova condição da
autora que seguira a vida adiante, estando com um novo
relacionamento e grávida.
Para melhor esclarecer a alegação acima, são os
relatos devidamente comprovados (em anexo) realizados
pela autora:
E, também:
“A síndrome resulta de uma campanha para denegrir, sem
justificativa, uma figura parental boa e amorosa. Consiste na
combinação de uma lavagem cerebral para doutrinar uma
criança contra esta figura parental e da consequente
contribuição da criança, para atingir o alvo da campanha
difamatória” ( VALENTE, Maria Luiz Campos da Silva.
Síndrome de alienação parental: A perspectiva do serviço
social. In: APASE – Associação de Pais e Mães Separados
( Org.). Síndrome da alienação parental e a tirania do guardião:
aspectos psicológicos, sociais e jurídicos. Porto Alegre:
Equilíbrio, 2007. p. 85).
III – DO DIREITO
E,
“A aplicação desse instituto também significa que os
genitores passam a tomar as decisões sobre os filhos de forma
conjunta e consensual, ambos fazendo parte do dia a dia da
criança ou do adolescente, inexistindo a figura do cônjuge
visitante. O filho, consequentemente, sente menos os efeitos da
separação dos pais”.161
E,
“Prova. Perícia. Estudos técnicos de caráter social e
psicológico. Trabalhos realizados por assistente social e
psicóloga do juízo. Operações sujeitas ao regime das perícias.
[...]. Aplicação do art. 435 do CPC. Constituem autênticas
perícias os trabalhos típicos de assistente social e de
psicólogo, como meios instrutórios destinados a prover o juiz
das regras técnicas que lhe fogem à preparação jurídica, [...].
Aplica-se, por conseguinte, o art. 435 do Código de Processo
Civil” ( TJSP, Agravo de Instrumento 222.788-4/9-00. Por
unanimidade: Desembargadores Theodoro Guimarães, J.
Roberto Bedran e Osvaldo Caron).
IV – DA TUTELA ANTECIPADA
O Código de Processo Civil tutela que:
“Art. 273 ( CPC). O juiz poderá, a requerimento da parte,
antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela
pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova
inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e:
I – haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil
reparação; ou
II – fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o
manifesto propósito protelatório do réu”.
V – DO S PEDIDO S
ANTE O EXPO STO , re que r:
a) a concessão do benefício da justiça gratuita por não
ter a autora condições de arcar com as custas do
processo sob pena de prejudicar o seu próprio
sustento e o de sua filha;
b) a concessão da tutela antecipada, inaudita altera
parte, para fixação (e/ou cumprimento do já
fixado, se assim entender) para que:
b.1) o requerido realize ou apresente certificado
(declaração) do acompanhamento do grupo de
apoio junto a esta comarca, devendo
apresentar nos próximos meses a declaração
do acompanhamento mensal sob pena de
astreinte por possível descumprimento;
b.2) a determinação de que o genitor réu, a autora
e a prole do casal realizem terapia familiar em
atendimentos individualizados ou outra forma
que entender o profissional psicológico, sendo
este determinado por este juízo ou outro
indicado por sua notória especialidade (em
anexo), determinando que a autora e o réu
custeiem cada um metade do valor dos
honorários do profissional;
b.3) que, havendo a concessão do pedido acima,
seja o requerido ordenado a cumprir e levar seu
filho para cumprimento, também, sob pena de
astreinte;
c) não havendo a concessão de alguma das tutelas
acima requeridas, que sejam concedidas após
audiência conciliatória ou contestação, como
entender melhor este juízo;
d) o aprazamento emergencial de audiência de
justificação e de conciliação, no mesmo ato,
devendo HAVER A PRODUÇÃO nesta audiência
da ouvida das parte por economia processual e
ante a necessidade PREMENT E de concessão da
tutelas aqui requeridas;
e ) a citação da requerida, para que, querendo
contestar, o faça no prazo de lei sob pena de
revelia e confissão;
f) a intimação do representante do Ministério Público
para atuar no feito;
g) havendo recalcitrância do réu em atender as tutelas
aqui requeridas, haja a modificação da guarda do
menor;
h) a nomeação de peritos psicológico e social,
abrindo prazo para quesitos às partes e nomeação
de assistentes técnicos, a fim de verificar a
existência da alienação parental e, não havendo
êxito na terapia, haja a modificação da guarda da
criança, realizando estudo não só com esta, como
também com as partes;
i) o acolhimento dos documentos e teses aqui
suscitadas;
j) a produção de todas as provas admitidas em direito;
k) a condenação da requerida em custas e honorários
de advogado arbitrados sobre o valor da causa.
Nestes termos,
Pede deferimento.
Florianópolis/SC, Data.
Art. 5.º Havendo indício da prática de ato de alienação parental, em ação autônoma
ou incidental, o juiz, se necessário, determinará perícia psicológica ou
biopsicossocial.
A Lei 11.698/2008 (Guarda Compartilhada), que alterou o art. 1.584, § 3.º, do CC,
informa que o juiz “ poderá basear-se em orientação técnico-profissional ou de equipe
interdisciplinar”, para seu convencimento.
Art. 425 do CP C.
NORES, Cafferata. La prueba en el processo penal. Buenos Aires: Depalma, 1986. p.
47.
FREITAS, Douglas P hillips. Guarda compartilhada sob as regras da pericia.
Florianópolis: Conceito, 2009. p. 36.
GRISARD FILHO, Waldyr. Guarda compartilhada: quem melhor para decidir? São
P aulo: P ai Legal, 2002.
FREITAS, Douglas P hillips. Guarda compartilhada sob as regras da pericia.
Florianópolis: Conceito, 2009. p. 44.
Ibidem. p. 41.
FREITAS, Douglas P hillips. Guarda compartilhada sob as regras da pericia.
Florianópolis: Conceito, 2009. p. 88.
MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela antecipatória, julgamento antecipado e
execução imediata da sentença. São P aulo: RT, 1997.
MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela específica ( arts. 461, CPC e 84, CDC). São
P aulo: RT, 2000.
MENTIRAS INFANTIS
Felipe Ornell165
Epílogo
Antes de iniciar, gostaria de ressaltar o meu agradecimento
ao Dr. Douglas pelo convite para participar desta obra
desenvolvendo este capítulo que trará como tema “ Mentiras
infantis”, trazendo à luz questões polêmicas e atuais em um
cenário que coloca a alienação parental e a guarda compartilhada
como centro das discussões.
O assunto começou a me instigar ainda durante a graduação,
quando tive a oportunidade de trabalhar com a Prof. Nerilza
Volpato Beltrame Alberton, autoridade em psicologia clínica,
escolar e infantil, fundadora do curso no qual me formei e uma
das minhas maiores referências profissionais e humanas. Durante
este período de tempo, frequentemente nos deparávamos com
encaminhamentos de crianças consideradas “ problemáticas” e
que, portanto, supostamente necessitavam de intervenção
psicológica. Entretanto, na maioria dos casos, após uma
minuciosa avaliação cognitiva, psicométrica, emocional e
familiar, algo era comum a todas as situações: independente da
queixa, a criança parecia não possuir um problema pontual. O
problema não era da criança, mas da estrutura familiar. Ela
apenas o expressava muitas vezes em forma de agressividade,
déficits, fobias ou mesmo falseando uma realidade dolorosa.
Por diversas vezes, ouvi a professora Nerilza repetir: “ A
criança geralmente não tem problemas, quando alguma
problemática aparece de forma mais acentuada, ela sinaliza para
algo maior que a criança, e do qual ela é, de certa forma, porta
voz”. Ou seja, o problema é familiar e consequentemente mais
delicado de ser trabalhado.
Posteriormente, enquanto desenvolvia este texto fui
presenteado pela querida Lenita Pacheco Lemos Duarte com o
seu livro A angústia das crianças diante dos desenlaces
parentais, em que ela propõe uma literatura interdisciplinar
psicanalítico-jurídica acerca dos aspectos subjetivos
desencadeados em processos de litígio e afins. Na obra, em um
determinado momento, ela realiza uma proposição
extremamente pertinente, e que vem ao encontro da proposta
deste capítulo: “ cabe ao analista se interrogar sobre os sintomas
da criança e sobre o que ele representa na estrutura familiar,
possibilitando diferenciar a criança-sintoma do sintoma da
criança”.166
Em situações de separação, fica evidente a incidência de
fatores emocionais, constantemente circundados de conflitos,
atritos, traições e mágoas que potencializam o surgimento de
sentimentos de posse e perda, que somados à ação das leis de
estado, em circunstâncias de litígio, configuram um cenário
angustiante ao qual a criança busca dar sentido, eventualmente
fantasiando sentimentos de rejeição e abandono e tornando-se
vulnerável à manipulação dos genitores, podendo ocasionar,
inclusive, a ruptura de vínculos afetivos com o outro genitor.
Assim, torna-se claro que as mentiras, na maioria das vezes,
não são meramente distúrbios de comportamento, mas um
indicador importante de uma conjuntura familiar desestruturada
da qual a criança, por estar em processo de desenvolvimento
cognitivo/emocional, torna-se vítima direta. Esta condição
torna-se cada vez mais evidente nos processos de litígio em que
as mentiras parecem surgir de forma bastante pontual, e muitas
vezes são negligenciadas em função do desconhecimento dos
profissionais sobre o tema.
Já está bem descrito na literatura que abusos físicos,
emocionais ou sexuais – assim como a negligência – aparecem
constantemente acompanhados de mentiras, e que este conjunto
de situações e comportamentos potencializam a probabilidade de
desenvolvimento de um transtorno psiquiátrico posterior, fato
que torna imprescindível que os profissionais envolvidos,
principalmente em processos de litígio, estejam familiarizados e,
mais do que isso, atentos a essa temática.
Ao final do capítulo, espero ter chamado a atenção para
esta problemática e possibilitado a visualização do tema na sua
grandeza, afinal, não se trata apenas da resolução de um
processo de guarda, mas de uma personalidade em
desenvolvimento e que precisa ter a integridade psíquica zelada,
evitando decisões judiciais errôneas e a manutenção de um
processo patológico que pode conduzir a um quadro psiquiátrico
futuro.
Mentiras infantis
Em um cenário em que a síndrome da alienação parental
torna-se cada vez mais evidente, o presente capítulo objetiva
revisar aspectos relativos às mentiras infantis, temática
importante que, por vezes, tende a ser negligenciada pelos
diversos atores dos processos jurídicos relacionados
especialmente a situações que envolvem a disputa de guarda e
regulamentação de convivência.
É fato que a inclusão da lei da alienação parental configura
uma verdadeira revolução nas práticas jurídicas, evidenciando a
emergência de um novo panorama em que magistrados se veem
pressionados por advogados e pelo Ministério Público a tratar da
alienação parental de forma objetiva, recorrendo,
constantemente, à perícia multidisciplinar. Nessa perícia, o
psicólogo adquire importância essencial, com finalidade de
viabilizar a objetivação do subjetivo e também instrumentalizar
dados para uma decisão mais acertada que contemple dados que
perpassem o discurso racional.
Dessa forma, trataremos inicialmente da definição da
mentira infantil, suas causas, tipos, implicações e formas de
intervenção, findando embasar psicólogos, advogados,
promotores, magistrados e demais profissionais que se inserem
no tocante de litígios. O conhecimento sobre tal temática pode
configurar peça chave para a resolução de impasses jurídicos e,
consequentemente, zelar pela integridade psíquica e propiciar um
ambiente saudável para o desenvolvimento físico, emocional e
cognitivo da criança.
A Mentira Infantil
A mentira infantil pode ser considerada um distúrbio de
comportamento caracterizado por condutas transgressoras e
manipulação da realidade, todavia, eventuais manifestações
sintomáticas não são suficientes para avaliar o quadro como
psicopatológico. Quando a mentira ocorre de forma
independente e não contínua, é avaliada, em geral, como normal
e essencial no processo de desenvolvimento da criança. É a
evolução e a frequência desses comportamentos que definirão a
expressão de uma organização patológica (MARCELLI, 2008,
p. 137).
Para Piaget (1932/1994:64), um dos principais autores
desenvolvimentistas, a criança adquire a consciência moral em
três etapas progressivas que se estendem da infância à
adolescência. Inicia-se com o estágio da anomia, ou pré-
moralidade, em que não há noção de regra ou consciência moral.
Posteriormente, esta fase é superada pela heteronomia, em que
as regras são impostas. Por fim, atinge-se a autonomia moral, ou
seja, a possibilidade de governar a si mesmo com base em
relações de reciprocidade.
Nas fases iniciais do desenvolvimento, a mentira constitui
para a criança a descoberta de que o pensamento não é
transparente, mas subjetivo, e, portanto, as demais pessoas não
têm acesso a ele; com isso, a criança constrói a certeza de que o
seu mundo imaginário permanece pessoal. Nesse sentido,
Vinha167 realiza uma proposição interessante sobre a
importância da mentira no desenvolvimento infantil:
“(...) outro motivo comum que leva as crianças de 3 a 5 anos de idade
a mentir é o fato de estarem simplesmente verificando se conseguem
enganar os adultos, se podem ter segredos não descobertos. Estas primeiras
mentiras devem ser interpretadas como sinal de descoberta, ‘de algo
fantástico’ e essencial para ela: a capacidade de ter segredos (...)”.
Tipos de mentiras
Mentira utilitária
A mentira utilitária é análoga à empregada pelo adulto, a
criança vale-se dela de forma adjacente para tirar um proveito
ou beneficiar-se de forma imediata, evitando aborrecimentos ou
punições, ou seja, utiliza-a de forma defensiva. As atitudes dos
adultos com a criança podem propiciar a mentira e mesmo
favorecer seu agravamento. Ambientes demasiadamente
rigorosos e moralistas tendem a fortalecer a adoção de uma
conduta cada vez mais pérfida (MARCELLI, 2008, p. 138).
Assim, “ é natural que a criança minta quando recebe uma
educação muito rígida, em que são exigidas dela atitudes
impossíveis”.182
É fundamental que, além dos cuidadores, profissionais da
educação, saúde e direito busquem compreender o motivo da
mentira, entendendo o que conduziu tais atitudes, podendo ser
um indicador potente de que a criança encontra-se com
dificuldades ou angústias em um determinado aspecto da vida, e,
portanto, é necessário que se busquem maneiras de ajudá-la na
superação desse quadro. Por isso, punir rigorosamente não é
indicado, é preciso chegar à emoção da criança, levando-a a
refletir sobre seus atos, explicando com tranquilidade as
implicações negativas da mentira, ilustrando com exemplos
práticos de como ela pode ser prejudicial, e explicitando que o
condenável foi a ação da criança na situação em questão e não a
criança em si183 (MARCELLI, 2008, p. 138).
Mentira Compensatória
Nesses casos, geralmente, existe uma implicação afetiva que
pode suscitar um complexo de inferioridade, isso leva a criança a
mentir como forma de enfrentar a realidade, podendo, também,
incidir por vaidade. Nela, a criança faz uso de exageros para
atrair atenção sobre si ou idealiza uma imagem ou situação que
vê como inacessível. Portanto, comumente, ocorrem acerca de
aspectos dos quais a criança carece. Na primeira infância, esse
tipo de mentira é considerada corriqueira, visto que, além dos
fatores ambientais, existem pontos referentes à confusão entre
imaginação e realidade típicos dessa fase. É notória a invenção
de amigos imaginários, ou mesmo familiares que não existem,
atribuindo a estes qualidades que julga superiores (MARCELLI,
2008, p. 138-139).
Dessa forma, a mentira é usada com finalidade de
compensação, procura vangloriar-se perante os colegas de coisas
que nunca fez, ou inventa sobre seus pais e familiares. Para o
psicólogo infantil, a análise dessas fantasias é importante, pois
quase sempre elas representam o que gostariam que existisse na
realidade; assim, a mentira pode ser uma saída para a frustração
que a realidade determina.184
Até os oito anos, em média, isso pode ser considerado
normal, cooperando, inclusive, na formação da identidade
narcísea, porém a persistência desse quadro torna-se
preocupante, podendo evoluir para distúrbios psicóticos.
Deve-se possibilitar à criança formas de expressar a sua
criatividade de forma saudável, propiciando a sua autoafirmação
nos aspectos em que ela tem maior aptidão, dessa forma pode-se
trabalhar a ascensão da autoestima da criança, fazendo que ela
consiga se sobressair sem a necessidade de recorrer à mentira.185
Mitomania
A mitomania é a mentira psicopatológica propriamente
dita, resultante na maioria das vezes de carências agudas nos
laços afetivos, parentais e incertezas identificatórias. Também
sobrevém nos episódios em que a criança apresenta uma
propensão doentia e constante para a mentira, transformando-a
em verdade e passando a viver em um mundo irreal
(MARCELLI, 2008, p. 139).
Nesse sentido, Dupré postula que a mitomania é “ a
tendência patológica mais ou menos voluntária e consciente
para a mentira e para a criação de fábulas imaginárias”. Segundo
esse mesmo autor, a mitomania é delineada como vaidosa,
maligna e perversa (DUPRÉ apud MARCELLI, 2008, p. 139).
Normalmente, as mentiras dos mitomaníacos estão
relacionadas a assuntos específicos, grande parte dos
mitômaníacos não possui consciência plena de suas palavras,
eles acabam por iludir os outros em histórias de fins únicos e
práticos, diferentemente daqueles que mentem em qualquer
ocasião.
Próximo da mitomania encontra-se o delírio de devaneio,
que caracteriza as crianças que vivem permanentemente em um
mundo de fantasia e de sonhos com temática megalomaníaca.
Essas crianças desenvolvem um “ falso eu”. É necessário apoio
psicológico para saber qual o motivo que as leva a fugirem da sua
própria realidade. A criança ou jovem que persiste na mentira
transforma-se em um adulto inseguro, potencializando-se o risco
de desenvolvimento de transtornos psiquiátricos, como a
esquizofrenia.
Assim como há crianças que, ao ouvirem uma bronca muito
severa do professor, se arranha e diz para os pais que o professor
a agrediu, também há a possibilidade de, em situações de crises,
como em separação dos pais, passam a usar a mentira para
chamar atenção, (a criança pode, por exemplo, inventar que
está sendo espancada pelo padrasto na tentativa de unir os pais
novamente) (HAIM GRINSPIN, 1999).
Conclusão
Apesar de as mentiras infantis constituírem uma temática
emergente na atualidade e que passam a ganhar atenção especial
em função da lei da alienação parental, ainda existem poucas
publicações na área e pouco conhecimento dos profissionais
sobre o assunto, abrindo precedentes para que este seja
negligenciado e, consequentemente, tenha repercussões nocivas
na subjetividade. Ressalta-se que os sintomas expressos pela
criança sinalizam, muitas vezes, para um ambiente problemático
e desestruturado, podendo estar aí a chave para a resolução mais
consciente de casos de disputa pela guarda, possibilitando um
ambiente saudável para o desenvolvimento da criança e
prevenindo o desenvolvimento de psicopatologias mais sérias na
adolescência e vida adulta.
1
RESOLUÇÃO 08, DE 30 DE JUNHO DE 2010
CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA
Dispõe sobre a atuação do psicólogo como perito e
assistente técnico no Poder Judiciário.
Capítulo I
Realização da Perícia
Art. 1.º O P sicólogo P erito e o psicólogo assistente técnico devem evitar
qualquer tipo de interferência durante a avaliação que possa prejudicar o princípio
da autonomia teórico-técnica e ético-profissional, e que possa constranger o
periciando durante o atendimento.
Art. 2.º O psicólogo assistente técnico não deve estar presente durante a
realização dos procedimentos metodológicos que norteiam o atendimento do
psicólogo perito e vice-versa, para que não haja interferência na dinâmica e qualidade
do serviço realizado.
P arágrafo único. A relação entre os profissionais deve se pautar no respeito e
colaboração, cada qual exercendo suas competências, podendo o assistente técnico
formular quesitos ao psicólogo perito.
Art. 3.º Conforme a especificidade de cada situação, o trabalho pericial poderá
contemplar observações, entrevistas, visitas domiciliares e institucionais, aplicação
de testes psicológicos, utilização de recursos lúdicos e outros instrumentos,
métodos e técnicas reconhecidas pelo Conselho Federal de P sicologia.
Art. 4.º A realização da perícia exige espaço físico apropriado que zele pela
privacidade do atendido, bem como pela qualidade dos recursos técnicos utilizados.
Art. 5.º O psicólogo perito poderá atuar em equipe multiprofissional desde que
preserve sua especificidade e limite de intervenção, não se subordinando técnica e
profissionalmente a outras áreas.
Capítulo II
Produção e Análise de Documentos
Art. 6.º Os documentos produzidos por psicólogos que atuam na Justiça devem
manter o rigor técnico e ético exigido na Resolução CFP n.º 07/2003, que institui o
Manual de Elaboração de Documentos Escritos produzidos pelo psicólogo,
decorrentes da avaliação psicológica.
Art. 7.º Em seu relatório, o psicólogo perito apresentará indicativos pertinentes
à sua investigação que possam diretamente subsidiar o Juiz na solicitação realizada,
reconhecendo os limites legais de sua atuação profissional, sem adentrar nas
decisões, que são exclusivas às atribuições dos magistrados.
Art. 8.º O assistente técnico, profissional capacitado para questionar
tecnicamente a análise e as conclusões realizadas pelo psicólogo perito, restringirá
sua análise ao estudo psicológico resultante da perícia, elaborando quesitos que
venham a esclarecer pontos não contemplados ou contraditórios, identificados a
partir de criteriosa análise.
P arágrafo único. P ara desenvolver sua função, o assistente técnico poderá ouvir
pessoas envolvidas, solicitar documentos em poder das partes, entre outros meios
(art. 429, Código de P rocesso Civil).
Capítulo III
Termo de Compromisso do Assistente Técnico
Art. 9.º Recomenda-se que antes do início dos trabalhos o psicólogo assistente
técnico formalize sua prestação de serviço mediante Termo de Compromisso firmado
em cartório onde está tramitando o processo, em que conste sua ciência e atividade a
ser exercidas, com anuência da parte contratante.
P arágrafo único. O Termo conterá nome das partes do processo, número do
processo, data de início dos trabalhos e o objetivo do trabalho a ser realizado.
Capítulo IV
O Psicólogo que atua como Psicoterapeuta das Partes
Art. 10. Com intuito de preservar o direito à intimidade e equidade de
condições, é vedado ao psicólogo que esteja atuando como psicoterapeuta das partes
envolvidas em um litígio:
I – Atuar como perito ou assistente técnico de pessoas atendidas por ele e/ou de
terceiros envolvidos na mesma situação litigiosa;
II – P roduzir documentos advindos do processo psicoterápico com a finalidade
de fornecer informações à instância judicial acerca das pessoas atendidas, sem o
consentimento formal destas últimas, à exceção de Declarações, conforme a Resolução
CFP n.º 07/2003.
P arágrafo único. Quando a pessoa atendida for criança, adolescente ou interdito,
o consentimento formal referido no caput deve ser dado por pelo menos um dos
responsáveis legais.
Disposições f inais
Art. 11. A não observância da presente norma constitui falta ético-disciplinar,
passível de capitulação nos dispositivos referentes ao exercício profissional do
Código de Ética P rofissional do P sicólogo, sem prejuízo de outros que possam ser
arguidos.
Art. 12. Esta resolução entrará em vigor na data de sua publicação.
Art. 13. Revogam-se as disposições em contrário.
Odair Furtado
Conselheiro P residente
MANUAL DE ELABORAÇÃO DE DOCUMENTOS
DECORRENTES DE AVALIAÇÕES
PSICOLÓGICAS
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
A avaliação psicológica é entendida como o processo técnico-científico de
coleta de dados, estudos e interpretação de informações a respeito dos fenômenos
psicológicos, que são resultantes da relação do indivíduo com a sociedade,
utilizando-se, para tanto, de estratégias psicológicas – métodos, técnicas e
instrumentos. Os resultados das avaliações devem considerar e analisar os
condicionantes históricos e sociais e seus efeitos no psiquismo, com a finalidade de
servirem como instrumentos para atuar não somente sobre o indivíduo, mas na
modificação desses condicionantes que operam desde a formulação da demanda até a
conclusão do processo de avaliação psicológica.
O presente Manual tem como objetivos orientar o profissional psicólogo na
confecção de documentos decorrentes das avaliações psicológicas e fornecer os
subsídios éticos e técnicos necessários para a elaboração qualificada da comunicação
escrita.
As modalidades de documentos aqui apresentadas foram sugeridas durante o I
Fórum Nacional de Avaliação P sicológica, ocorrido em dezembro de 2000.
Este Manual compreende os seguintes itens:
II – MODALIDADES DE DOCUMENTOS
1. Declaração *
2. Atestado psicológico
3. Relatório / laudo psicológico
4. P arecer psicológico *
1. Declaração
Neste documento não deve ser feito o registro de sintomas, situações ou estados
psicológicos.
2. Atestado psicológico
3. Relatório psicológico
3.2. Estrutura
O relatório psicológico é uma peça de natureza e valor científicos, devendo
conter narrativa detalhada e didática, com clareza, precisão e harmonia, tornando-se
acessível e compreensível ao destinatário. Os termos técnicos devem, portanto, estar
acompanhados das explicações e/ou conceituação retiradas dos fundamentos teórico-
filosóficos que os sustentam.
O relatório psicológico deve conter, no mínimo, 5 (cinco) itens: identificação,
descrição da demanda, procedimento, análise e conclusão.
1. Identificação
2. Descrição da demanda
3. P rocedimento
4. Análise
5. Conclusão
3.2.1. Identificação
É a parte superior do primeiro tópico do documento com a finalidade de
identificar:
3.2.3. P rocedimento
A descrição do procedimento apresentará os recursos e instrumentos técnicos
utilizados para coletar as informações (número de encontros, pessoas ouvidas etc.) à
luz do referencial teórico-filosófico que os embasa. O procedimento adotado deve ser
pertinente para avaliar a complexidade do que está sendo demandado.
3.2.4. Análise
É a parte do documento na qual o psicólogo faz uma exposição descritiva de
forma metódica, objetiva e fiel dos dados colhidos e das situações vividas
relacionados à demanda em sua complexidade. Como apresentado nos princípios
técnicos, “ O processo de avaliação psicológica deve considerar que os objetos deste
procedimento (as questões de ordem psicológica) têm determinações históricas,
sociais, econômicas e políticas, sendo as mesmas elementos constitutivos no
processo de subjetivação. O DOCUMENTO, portanto, deve considerar a natureza
dinâmica, não definitiva e não cristalizada do seu objeto de estudo”.
Nessa exposição, deve-se respeitar a fundamentação teórica que sustenta o
instrumental técnico utilizado, bem como princípios éticos e as questões relativas ao
sigilo das informações. Somente deve ser relatado o que for necessário para o
esclarecimento do encaminhamento, como disposto no Código de Ética P rofissional
do P sicólogo.
O psicólogo, ainda nesta parte, não deve fazer afirmações sem sustentação em
fatos e/ou teorias, devendo ter linguagem precisa, especialmente quando se referir a
dados de natureza subjetiva, expressando-se de maneira clara e exata.
3.2.5. Conclusão
Na conclusão do documento, o psicólogo vai expor o resultado e/ou
considerações a respeito de sua investigação a partir das referências que subsidiaram
o trabalho. As considerações geradas pelo processo de avaliação psicológica devem
transmitir ao solicitante a análise da demanda em sua complexidade e do processo de
avaliação psicológica como um todo.
Vale ressaltar a importância de sugestões e projetos de trabalho que contemplem
a complexidade das variáveis envolvidas durante todo o processo.
Após a narração conclusiva, o documento é encerrado, com indicação do local,
data de emissão, assinatura do psicólogo e o seu número de inscrição no CRP.
4. Parecer
4.2. Estrutura
O psicólogo parecerista deve fazer a análise do problema apresentado,
destacando os aspectos relevantes e opinar a respeito, considerando os quesitos
apontados e com fundamento em referencial teórico-científico.
Havendo quesitos, o psicólogo deve respondê-los de forma sintética e
convincente, não deixando nenhum quesito sem resposta. Quando não houver dados
para a resposta ou quando o psicólogo não puder ser categórico, deve-se utilizar a
expressão “ sem elementos de convicção”. Se o quesito estiver mal formulado, pode-se
afirmar “ prejudicado”, “ sem elementos” ou “ aguarda evolução”.
O parecer é composto de 4 (quatro) itens:
1. Identificação
2. Exposição de motivos
3. Análise
4. Conclusão
4.2.1. Identificação
Consiste em identificar o nome do parecerista e sua titulação, o nome do autor da
solicitação e sua titulação.
4.2.3. Análise
A discussão do PARECER P SICOLÓGICO se constitui na análise minuciosa
da questão explanada e argumentada com base nos fundamentos necessários
existentes, seja na ética, na técnica ou no corpo conceitual da ciência psicológica.
Nesta parte, deve respeitar as normas de referências de trabalhos científicos para suas
citações e informações.
4.2.4. Conclusão
Na parte final, o psicólogo apresentará seu posicionamento, respondendo à
questão levantada. Em seguida, informa o local e data em que foi elaborado e assina o
documento.
IV – VALIDADE DOS CONTEÚDOS DOS DOCUMENTOS
O prazo de validade do conteúdo dos documentos escritos, decorrentes das
avaliações psicológicas, deverá considerar a legislação vigente nos casos já
definidos. Não havendo definição legal, o psicólogo, onde for possível, indicará o
prazo de validade do conteúdo emitido no documento em função das características
avaliadas, das informações obtidas e dos objetivos da avaliação.
Ao definir o prazo, o psicólogo deve dispor dos fundamentos para a indicação,
devendo apresentá-los sempre que solicitado.