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SEGAO VII_» CAPITULO 72 Rastreamento de doengas Armando Henrique Norman Charles Dalcanale Tesser Aspectos-chave » Define-se rastreamento como a aplicagéo de testes em pessoas assintomaticas (em uma populacdo definida) com o objetivo de selecionar individuos para intervengées cujo beneficio potencial seja maior do que o dano potencial. Assim, pretende-se reduzir a morbimortalidade atribuida & condi¢ao a ser rastreada, >» O rastreamento é uma intervengao que oferece risco potencial a satide das pessoas sem o respectivo beneficio. Por isso, os requerimentos e os critérios para a implementagao de programas de rastreamento sao rigorosos e devem ser fundamentados em evidéncias cientificas atualizadas e de alta qualidade. » Aavaliagao de procedimentos de rastreamento é técnica e eticamente dificil, pois envolve vieses e fendmenos complexos, como: viés de selegao, viés de tempo de antecipagao, viés de tempo de duragao e viés de sobrediagndstico. Alguns desses vieses podem ser atenuados por meio de ensaios controlados e aleatorizados de alta qualidade ou pela metandlise desses estudos. » O viés de sobrediagnéstico (e 0 seu consequente sobretratamento) constitui-se em um dos principais problemas de satide publica atribuido aos programas de rastreamento que nao é eliminado por meio dos ensaios clinicos aleatorizados. » A atengao primaria & sade (APS) tem papel fundamental na construcao de programas organizados de rastreamento, pois pode potencializar o seguimento das pessoas convidadas a participar do programa de forma longitudinal. Contudo, deve-se ter em mente que © rastreamento nao é e nem deve ser a prioridade na organizagao dos cuidados oferecidos pelos médicos de familia e comunidade na APS. Prevengao de doengas, promogao da satide e rastreamento conceito de prevengao est4 ancorado em uma estrutura temporal linear que visa a impedir acontecimentos futuros indesejaveis. Em sentido estrito, significa evitar o desenvolvimento de um estado patolégico, e em sentido amplo, inclui todas as medidas que limitam a progressao desse estado. Os conceitos em prevencaio que merecem ser conhecidos pelos profissionais da APS para o manejo adequado das tecnologias e demandas do rastreamento so os seguintes: + Niveis de prevenggo de Leavell e Clark: prevencao priméria, prevencao secundaria e prevengao tercidria.! « Preveng&io quaternaria (P4) que complementa os trés niveis classicos de prevencao, mas que deve permear todos os anteriores.? « Prevencées redutiva e aditiva.? + Estratégia preventiva de alto risco e abordagem populacional.3+ Niveis de prevencao de Leavell e Clark Prevengao primaria: medidas que atuam antes do adoecimento e impedem a ocorréncia de doengas. Inclui a promogao da satide, a protecao inespecifica (nutricio, Agua potavel, saneamento) e a protecao especifica dirigida a uma determinada doenga, por exemplo, imunizacao. Prevengao secundaria: tem por objetivo detectar o adoecimento precocemente para traté-lo com mais efetividade, maior brevidade, menor sofrimento e menores danos. Os prototipos da prevengao secundédria sio os rastreamentos e o diagnéstico (ou deteccao) precoce. Este ultimo visa a fomentar a conscientizac&o e a percepcio precoce dos sinais de problemas de satide entre usuarios e profissionais. Seu pressuposto é de que a deteceao de doencas em fase inicial oferece maiores chances de cura, sobrevida e/ou qualidade de vida para o individuo.> Atualmente, todavia, tem-se preferido cada vez mais falar em “diagndstico oportuno”, em vez de deteccao precoce, porque a diagnose precoce nem sempre é vantajosa para o paciente. “Diagnéstico oportuno” implica uma abordagem mais centrada na pessoa, no seu cuidado ao longo do tempo, visando a beneficios e evitando danos.° processo de diagnéstico é uma ponderagao de muitos fatores diferentes, variando entre pacientes e dependendo das suas singularidades. Em geral, 0 diagnéstico nao é um evento tinico, mas um processo em evolugao, que deve viabilizar a diagnose no momento certo para o paciente, em particular em circunstancias especificas e, portanto, bem diferente do significado de diagndstico “precoce” em geral e no sentido cronolégico. Os dois termos comumente sao utilizados na literatura cientifica e institucional de forma intercambidvel, desconsiderando seus diferentes significados e igualando os termos com 0 diagnéstico precoce. Muitas diretrizes institucionais governamentais apresentam os beneficios do diagnéstico precoce como certos e axiomaticos, embora varias pesquisas venham revelando os possiveis danos associados ao “diagnéstico precoce” e a novas categorias diagndsticas de “pré-doenca”, como o sobrediagnéstico.” Por exemplo, no caso da deméncia, destaca-se a falta de evidéncias dos beneficios do diagnéstico precoce, os perigos do sobrediagnéstico e criticas a diretrizes institucionais que induzem os profissionais da APS & deteccao precoce.® PrevengSo tercidria: reabilitacio em casos de doenca ou lesio j4 estabelecida. Por exemplo, reabilitar um paciente com sequelas de acidente vascular cerebral (AVC). A prevengio tercidria se confunde, necessariamente, com 0 proprio cuidado clinico aos ja adoecidos. Os niveis de prevencio de Leavell e Clark foram pensados unicamente a partir do saber médico clinico-epidemiolégico, orientado pelo modelo da historia natural das doengas. Hoje, existem pelo menos duas situagdes comuns que questionam o conceito de histéria natural das doengas: (a) os incidentalomas — diagnésticos derivados dos achados casuais, sobretudo em exames de imagem de alta resolugdo, que em aproximadamente 80% dos casos nao tém consequéncias clinicas;® e (b) os sobrediagnésticos — diagnésticos corretos de doencas (inclusive canceres) que nao teriam repercussao na vida da pessoa, mas que geram tratamentos, devido a impossibilidade de distingio entre casos que evoluiriam para uma doenca clinicamente manifesta e aqueles que permaneceriam em estado de “laténcia”.® Tais exemplos, cada vez mais comuns, so potenciais geradores de danos iatrogénicos significativos e de medicalizaco excessiva, devido as suas miiltiplas cascatas de intervengdes. Prevengdo quaternaria A P4 é a ago que pretende evitar os danos potenciais e a medicalizac’io excessiva decorrentes do intervencionismo biomédico, protegendo os pacientes de danos iatrogénicos e oferecendo alternativas eticamente aceitaveis a esses pacientes.!° A P4 surgiu no final do século XX na APS europeia e incide sobre a atividade clinica e sanitéria, incluindo os outros niveis de prevengao. Originalmente, a P4 tinha seu foco na protegdo das pessoas que se sentiam mal, mas nao apresentavam uma doenga propriamente dita (the worried well). No entanto, como os niveis I e II de prevencao (de Leavell e Clark) atuam sobre individuos previamente sadios (assintomaticos), em que o sobrediagnéstico conduz rotineiramente ao sobretratamento (puro dano), a P4 passou a ser necessdria nos demais niveis de prevencio. A P4 altera a configuracéo meramente cronoldgica da prevencao, centrada antes sé no saber clinico- epidemiolégico, para uma légica composta centrada na relagdo médico-paciente, em que so consideradas simultaneamente a visio do profissional e do usuario." Ela diz respeito 4 necessaria autocontengao criteriosa da agao profissional e institucional cujo potencial de danos é sabidamente grande.!2 Um exemplo de agio de P4, tanto pelos profissionais como pelas instituicdes de satide, seria 0 desencorajamento do rastreamento do cancer de préstata na populagao masculina geral por meio da dosagem de antigeno prostatico especifico (PSA) e/ou toque retal.13 Preveng6es redutiva e aditiva A prevencao redutiva é a agao que diminui riscos e exposigdes decorrentes dos modos de vida modermos, urbanos e industrializados, coletivos e/ou individuais. Ela é operacionalizada por meio de medidas individuais e coletivas de protecao e reducéio desses riscos, ao propor intervencdes que buscam o restabelecimento das condicées e modos de vida considerados “normais”, salutogénicos, sustentaveis e ecolégicos. Portanto, trata-se de reduzir a exposi¢ao aos produtos quimicos e t6xicos na alimentacio, reduzir o multiprocessamento dos alimentos, reduzir o sedentarismo da vida urbana, reduzir os riscos e a contaminagao quimica téxica ambiental e ocupacional, diminuir a privacio e a iniquidade socioeconémica (hoje, um risco para a satide); reduzir o estresse, a privacao do sono, o cansaco excessivo, etc. Exemplos de prevencio redutiva: estimular a mobilidade sustentavel que implique atividade fisica rotineira, uma alimentagao diversificada sem agrotéxicos e com o minimo de produtos multiprocessados, reduzir 0 excesso de bebidas alcodlicas, o tabagismo, a obesidade, etc. Tais intervengées sao coerentes com as teorias cientificas e as evidéncias disponiveis, além de convergirem com a maioria das tradicées culturais e populares “leigas”. A prevenco redutiva é operacionalizada por meio de intervencdes de varias naturezas, individuais e populacionais, sociais, legais, institucionais, etc., cujo nucleo conceitual comum é€ o de restabelecer uma economia-ecologia saudavel dos modos de viver das pessoas e coletividades. Por essas caracteristicas, esse tipo de medida pode ser considerado seguro, com potencial de dano nulo ou minimo e com amplos beneficios. A preventiva aditiva consiste na introducio de um fator ou produto biotecnolégico (fisico ou quimico) produzido artificialmente e aplicado nas pessoas ou no ambiente, que tem por objetivo conferir protecao de algum evento mérbido futuro? Exemplos: vacinas, rastreamentos, tratamentos preventivos farmacolégicos de fatores de risco (p. ex., reduzir 0 colesterol com a prescrigao de estatinas). E facil entender que por seu carter invasivo e artificial, esse tipo de acao preventiva pode gerar danos significativos para as pessoas e 0 ambiente. Nesse caso, sio exigidas provas cientificas contundentes, idéneas e de boa qualidade de sua eficacia, efetividade e, principalmente, de sua seguranca, de modo que os danos sejam nulos ou minimos.!4 Estratégia preventiva de alto risco e abordagem populacional Geoffrey Rose? refere-se a duas estratégias preventivas na satide publica: uma que se dirige a um grupo restrito e selecionado de pessoas com alto risco de algum adoecimento, denominada estratégia de alto risco; e outra que se dirige ao conjunto da populagdo, sem distinguir entre grupos estratificados de risco, chamada abordagem populacional. Na estratégia de alto risco, ha necessidade de se identificar e convidar as pessoas pertencentes ao grupo de alto risco para intervengdes preventivas, nao incluindo o restante da populacio considerada “normal”. Essa estratégia tende a ser mais custo-efetiva, pois os recursos sao alocados apenas para aqueles que mais necessitam. Além disso, pessoas de maior risco costumam ser facilmente convencidas a adotarem as medidas preventivas. Entretanto, a estratégia de alto risco tende a medicalizar as pessoas ao converter assintomaticos em doentes que necessitam de cuidados vitalicios em satide (como é 0 caso dos pacientes hipertensos). Esse processo é facilmente absorvido pela rotina dos servicos médicos, que apenas ganham mais pessoas para tratar (ou mais condigdes/riscos nas mesmas pessoas), como se elas fossem (mais) doentes. Rose? mostrou que a estratégia de alto risco tem cinco grandes inconvenientes, apesar de ser cada vez mais praticada (Quadro 72.1). A estratégia de abordagem populacional visa a reduzir o risco de adoecimento em toda a populagao. Ela é muito adequada e potente quando o risco é distribuido universalmente, pois uma pequena reducdo de risco gera grande impacto, tanto para a morbimortalidade coletiva como para o grupo de alto risco, pois o formato mais comum da curva de distribuicao do risco entre os individuos em forma de sino (dito de “normalidade”). Quadro 72.1 | Pontos fracos da estratégia de alto risco de acordo com Geoffrey Rose 1. A prevengao torna-se medicalizagao com custos institucionais, sociais e psicolégicos decorrentes das intervengées: transformagao da subjetividade e do comportamento das pessoas, que passam a se considerar doentes 2. E comportamentalmente inadequada, pois demanda das pessoas de alto risco comportamentos muito distintos de seu entorno social, por vezes invidveis ou muito dificeis, devido as condi¢ées socioeconémicas e culturais das populagées 3. Tem problemas de custo, pois requer a identificagdo e o tratamento dos individuos de alto risco. Esse processo envolve, por vezes, rastreamentos (que costumam ser caros) e 0 tratamento individual, que comumente envolve o uso de medicagao e a monitorizacao das pessoas por meio de exames vitalicios. Além do mais, por nao impactar os determinantes sociais dos adoecimentos, essa estratégia preventiva tem de ser mantida geragdo apés gera¢ao, consumindo enormes quantidades de recursos em satide 4. Tem baixo impacto na satide-doenca da populagao e na morbimortalidade coletiva, pois um grande nimero de pessoas de baixo a moderado risco gera muito mais eventos de doenga e morte do que um pequeno nimero de pessoas de alto risco que recebe a intervengao. 5. Tem alto potencial de dano iatrogénico, pela necessidade de repetidos procedimentos de rastreamento, monitorizagao e tratamento dos riscos, comumente com agdes preventivas aditivas Gua aacekices Essa abordagem compreende uma fase inicial de introdugio da medida preventiva que precisa envolver a sociedade ou a populagao como um todo e, por vezes, suas estruturas politicas, econémicas e valores culturais. Alguns exemplos sao: introduzir uma lei ou norma sanitaria, tal como proibir o fumo em locais fechados e piiblicos, aumentar os impostos sobre o tabaco, tornar o uso do cinto de seguranga obrigatorio, instituir lei seca no transito, proibir agrotéxicos e transgénicos, incentivar o cultivo e a disseminagao de alimentos organicos, etc. Apés serem incorporadas na sociedade e na cultura, essas acdes preventivas de alcance populacional tornam-se sustentaveis. Um exemplo notavel a ser citado foi a reducio sustentavel do colesterol sérico e seu impacto na mortalidade cardiovascular da populagao da Finlandia por meio de medidas educativas (nas escolas e nas aulas de culindria para a comunidade), de fomento a agricultura (subsidios), além de outras medidas governamentais que impactaram o modo de 15 vida de toda a populacdo finlandesa. tratamento da dgua potavel e do esgoto. Uma determinada agao preventiva pode ser, portanto: (a) redutiva ou aditiva, (b) priméria, secundéria, tercidria ou quaternaria; e (c) implementada como estratégia de alto risco ou abordagem populacional. Para um problema especifico, podem ser combinados tipos e estratégias diferentes de aces preventivas, como, por exemplo, no problema do tabagismo associado aos cAnceres (principalmente o de pulmo) e nas doengas cardiovasculares (Quadro 72.2). Outros exemplos classicos séo o Quadro 72.2 | Tipos e estraté e cancer de pulmao Estratégia ee roe Convidar fumantes a pararem de prevengao relacionados ao tabagismo eae erc ary » Tratar fumantes com nicotina dealtorisco de fumare oferecer elou psicofarmacos para aconselhamento e grupos de _reduzir a vontade de fumar e apoio aos que desejam parar —_auxiliar na abstengdo Abordagem > Sobretaxar tabaco (para que populacional —_fique menos acessivel) » Proibir a populagao de fumar em locais publicos e fechados » Proibir a propaganda de cigarro em todas as midias » Educar, a partir das escolas, sobre os prejuizos do tabaco e sobre o mau habito em fumar Os rastreamentos podem ser clasificados como agées preventivas de acordo com o que foi apresentado na discussdo anterior. Apesar do alcance populacional, o rastreamento mimetiza uma estratégia de alto risco. Ele seleciona um grupo populacional de maior risco para receber uma intervengao individualizada (p. ex., mulheres de 25 a 64 anos, para fazer 0 exame de Papanicolau). O rastreamento tanto pode gerar uma aco preventiva aditiva como uma aco preventiva redutiva. Um exemplo de acdo preventiva aditiva seria 0 uso de sinvastatina nas pessoas rastreadas com risco cardiovascular maior ou igual a 20%; um exemplo de acao preventiva redutiva seria o rastreamento de tabagismo seguido de aconselhamento para parar de fumar sem intervenc’io farmacolégica. Como, na maioria das vezes, os rastreamentos (prevengao secundaria) envolvem a introducio de uma medicagdo ou uma intervencéio biomédica, a tendéncia é de que envolvam prevencio aditiva. Além disso, como © proprio ato de rastrear é uma intervengio alheia 4 vida individual e coletiva manejada pelo profissional e/ou pelo sistema de satide, ele, em geral, 6 considerado prevencio aditiva. Nesse panorama, o rastreamento é uma atividade de selegao e diagnose em assintomaticos, em meio a um amplo espectro de atividades de cuidado, de promocio e de melhoria da satide, muitas delas de alto poder de impacto sobre a produgao da satide e a prevengao de doengas. Apesar do relative pouco impacto epidemioldgico da atengo A satide individual em situagées de precariedade e desigualdade sociossanitria, tem-se considerado que os valores de igualdade, democracia, justia e solidariedade geram o direito universal ao cuidado clinico e profissional nos adoecimentos como direito de cidadania. Isso envolve a maior parte do tempo de trabalho dos médicos de familia e comunidade. Por esses motivos, deve-se ter em mente que o rastreamento nao é nem deve ser a prioridade na organizacéio dos cuidados profissionais dos médicos de familia e comunidade na APS. Ele é um dos seus componentes, porém nao prioritério, devido 4 sua alta complexidade, 4 dificuldade de avaliacio, aos vieses envolvidos ¢ ao rigor ético inerente ao cardter de intervencao potencialmente danosa em pessoas sadias. Caso clinico Dona Dirce, 56 anos, vem a consulta solicitar um check-up. Quer fazer mamografia porque ha 1 ano fez a Ultima. Quer também uma ultrassonografia transvaginal (USTV), pois quando tinha convénio, a ginecologista pedia de rotina os dois exames. Dona Dirce nega antecedentes familiares de cancer. O médico de familia e comunidade a orienta que a mamografia, de acordo com 0 protocolo do Instituto Nacional do Cancer (INCA) e do Ministério da Satide (MS), 6 recomendada para ser realizada a cada 2 anos e que nao ha necessidade de repeti-la esse ano. Em relagdo a ultrassonografia (US), 0 médico nao tem tanta certeza e resolve ler o Current,® que estd disponivel. Lé a seguinte informag&o em relagdo ao prognéstico da doenga: “Infelizmente, em torno dee 75% das mulheres com cancer de ovario sao diagnosticadas em um estadio avangado da doenga em que ha metastase regional ou distante estabelecida. A sobrevida em 5 anos € de aproximadamente 17% para os casos com metastase a distancia, 36%, nos casos de doenga localmente disseminada, e 89%, se estiver em um estadio precoce”. Com essa informagao, solicita-se ou néo a USTV? Essa questéo e outras que envolvem situagées semelhantes serao respondidas no decorrer deste capitulo. O que é rastreamento? Na lingua portuguesa, rastreamento deriva do verbo rastrear, que significa “seguir o rastro ou a pista de algo” ou “investigar, pesquisar sinais ou vestigios”. © termo em portugués nao tem o mesmo significado do original em inglés, screening. A palavra screening tem sua raiz no verbo sift, como da palavra sieve, que vem de zeef, uma antiga palavra holandesa que significa “peneira”.'7 Isso é importante, porque o rastreamento é aplicado a pessoas saudaveis e assintomaticas, ou seja, sem pistas ou rastros. Por definigdo, rastreamento é a aplicagdo de testes ou procedimentos diagnésticos em pessoas assintomdticas com o propésito de dividi-las em dois grupos: aquelas sem a condigao e aquelas com a condigao a ser rastreada e que podem vir a ser beneficiadas pela intervencao antecipada.'® Como se pode notar, © mais correto seria chamar esse procedimento de selecionamento. Isso é relevante, pois a ideia de rastreamento confere muito poder a esse procedimento, bem como esconde as incertezas inerentes ao processo de “peneiramento”. A peneira possui tramas que deixam escapar parte daquilo que se gostaria de encontrar e inclui muita coisa que nao se deseja. E muito semelhante a ideia dos garimpeiros que se esforcam para encontrar uma pepita no meio dos cascalhos. O que esse processo seletivo tem de especial? Como as pessoas convidadas a participar de um procedimento ou de um programa de rastreamento se encontram ou se percebem como saudaveis, elas tém uma confianga no futuro e uma relagdo com a propria satide diferentes das pessoas que procuram um médico, j4 que essas tiltimas tém alguma queixa ou sofrem de alguma dor ou adoecimento. Se a proposta é intervir em pessoas saudaveis, deve-se ter 0 maximo de certeza de que a intervencao produziré mais beneficios do que maleficios. Os requerimentos éticos envolvidos nos processos de rastreamento sao de outra magnitude, qualitativamente diferentes e mais rigorosos do que os requisitos éticos envolvidos nas intervengées imersas em relagdes de cuidado por um adoecimento sentido ou clinicamente estabelecido.'4 No caso de pessoas sintomaticas, os riscos da intervengao sao mais facilmente contrabalangados pelo potencial de beneficio da intervengaio. O médico faz 0 possivel para tratar a pessoa, mas a situacéio pode estar além da capacidade da medicina de salvar sua vida, cura-la ou mesmo trata-la de algum modo. Ou ainda ser tal que a intervengao terapéutica implique dano previsivel ou imprevisivel, em funcao das limitagées tecnolégicas da medicina naquele contexto. Assim, um grau de dano (iatrogenia) razoavel é aceito na situagao clinica do adoecimento, em fungao da expectativa de beneficio para a pessoa que ja se encontra doente ou sofrendo, dano esse a ser sempre minimizado.'\4! No entanto, o rastreamento, por ser uma intervencio “no escuro”, proposta e realizada em pessoas em principio sadias, pode causar danos sem o potencial beneficio."9 Veja a situagdo representada na Tabela 72.1: espera-se que cada pessoa rastreada esteja no grupo A, mas também se aceita que possa estar, ao final do rastreamento, no grupo B ou C. Entretanto, o rastreamento oferece a possibilidade e a realidade do grupo D, em que existem danos ou efeitos colaterais sem a possibilidade de beneficio. Tabela 7 2.1| Dano sem o potencial beneficio Pc) Efeito adverso Nao ocorre A B Ocorre c D Voltando ao caso da Dona Dirce: suponha-se que o médico decidiu fazer a USTV e que essa revelou imagem suspeita. O préximo passo é realizar uma biépsia, que, no caso do ovario, necessita de um procedimento invasivo — a laparoscopia. Imagine-se que, no procedimento, a Dona Dirce tenha tido uma complicacao e morreu (perfuracao de alga intestinal, sepse devido a infeccao hospitalar, problemas na anestesia). O laudo do anatomopatolégico do ovario resultou benigno, mas indicava um processo inflamatério inespecifico qualquer do ovario. Tem-se que, nesse caso, 0 procedimento gerou mais mal do que bem; mais do que isso: a Dona Dirce nao tinha o potencial de beneficio para a intervengio. Devido a essa diferenga de situacio entre o rastreamento e o cuidado ao adoecimento, a exigéncia ética e técnica de beneficio (em fungao de possiveis maleficios) e de seguranca da intervengao médica é diferente nos dois casos, sendo mais rigorosa no rastreamento. Nele, ha de se ter mais garantia e seguranga na relacao beneficio-dano das intervencées.'4 Essa seguranga é fornecida por evidéncias cientificas idéneas, de boa qualidade e atualizadas, comumente encontradas na drea chamada medicina baseada em evidéncias (MBE), que deve ser levada em conta de forma enfatica e decisiva.? Em termos de estudos que medem riscos e beneficios da intervencao, os experimentos clinicos chamados ensaios clinicos aleatorizados/randomizados (ECAs/ECRs) sao considerados como o padrao-ouro para responder 4 questao: rastrear a condicao “X” traz beneficios ou ndo, em comparagao a nao se fazer coisa alguma? Além disso, o rastreamento produz danos? Se sim, quais? Quantos? Se o procedimento no passou pelo teste dos ECAs, ele nao esta qualificado com seguranca ou prova suficiente para se indicar uma pratica de rastreamento.'® Mesmo quando se tém estudos de alta qualidade, a sua aplicagao, na pratica, envolve processos decisérios complexos, que nem sempre estio claros para os profissionais de satide. Por exemplo, a mamografia como procedimento-padrao do rastreamento do cancer de mama vem sendo questionada devido a exist&ncia de danos potenciais significativos.? No entanto, a maioria das diretrizes continua a recomendar 0 rastreamento do cancer de mama. Ha que se lembrar que o rastreamento ocorre em individuos assintomaticos e que na falta de evidéncias de alta qualidade, ou mesmo na existéncia de contradicées entre as evidéncias, deve prevalecer o principio da nao maleficéncia. Ou seja, na diivida e por seguranca das pessoas, nao se deve rastrear.!4 Existem disputas dentro da comunidade cientifica e nem sempre sio faceis de serem estabelecidos os chamados pontos de corte para uma intervencao dentro de um continuo de risco e severidade a que as pessoas estao sujeitas.*? Para profissionais como os médicos de familia e comunidade, que tém um olhar na satide piiblica, cujo “doente” ou “usuario” é toda a populacao sob seus cuidados, ha interesse em saber sobre os danos e beneficios globais, e no apenas se existe uma chance tedrica de algumas pessoas serem beneficiadas. O que deve balizar essa decisio nao é sé o beneficio potencial da intervencao, mas também seus danos potenciais. A finalidade de se introduzir um programa de rastreamento nao se fundamenta s6 na ideia da detecgio precoce da doenca. Os critérios para se rastrear uma patologia estéo resumidos no Quadro 7 2.3. Antes de se langar mao de uma intervengao, deve-se refletir se ela cumpre esses critérios. Quadro 72.3 | Critérios para a introdugao de um programa de rastreamento » Caracteristicas da doenga + Impacto significativo na sadide publica + Periodo assintomatico durante o qual a deteccao é possivel + Melhora nos desfechos pelo tratamento durante o periodo assintomatico » Caracteristicas do teste + Sensibilidade suficiente para detectar a doenga no periodo assintomatico + Especificidade suficiente para minimizar os resultados falso-positivos + Aceitavel para as pessoas » Caracteristicas da populacao rastreada + Prevaléncia suficientemente alta da doenga que justifique 0 rastreamento = Cuidado médico acessivel + Pessoas dispostas a aderir A sequéncia de investigagao e tratamento O poder dos exames de imagem ‘A Figura 72.1 representa 0 que aconteceu com o poder ou o olhar do profissional ao longo do tempo. Antigamente, o médico percebia apenas a situacao A, ou seja, a pessoa sintomatica — por exemplo, uma massa palpavel no abdome. Com o transcorrer do tempo, vieram as radiografias e a US, e passou-se a encontrar lesées cada vez menores, situagdo B (4 casos). Atualmente, a medicina diagnéstica esta detectando tumores cada vez menores com as tomografias computadorizadas e as ressonancias magnéticas, situagéo C (10 casos). Como se vé a seguir, a situagdo A tem sido equiparada as situagdes B e C, 0 que conduz a erros sistematicos. Welch”! tem denominado esses achados de pseudodoengas. As situagdes B e C sao cada vez mais comuns na pratica dos médicos devido a disponibilidade dessas tecnologias de imagem e testes.* a Figura 72.1 O poder dos exames de imagem. Fonte: Adaptada de Welch.2+ Um exemplo tipico 6 a US de abdome total, quando é solicitada sem critério clinico algum, por sintomas inespecificos do abdome, com a finalidade de “sé tranquilizar”. Muitas vezes, é encontrada alguma imagem suspeita, o que gera uma cascata de exames e intervencées.”? Sem tais tecnologias, esses cnceres, tumores, desvios ou flutuagdes bioquimicas nao existiriam. Alguns pesquisadores esto utilizando o termo reservatdrio para transmitir a nogao de que ha mais cnceres ou disfuncdes do que os que afloram a superficie. Por isso, quanto mais se procura, mais se encontra, produzindo os chamados incidentalomas.* Essa situagio tem gerado o “paradoxo da popularidade”, devido a existéncia de pseudodoengas. Na maioria dos programas de rastreamento, algumas pessoas recebem tratamento “desnecessariamente”, dada a natureza precoce da intervengao. Ou seja, recebem tratamento para patologias que nunca se desenvolveriam para a fase clinica se deixadas sem tratamento (overdiagnosis e overtreatment).”3 Por exemplo, sabe-se que 40 pessoas necessitam ser tratadas para se prevenir um evento para além daquele esperado na populagao em questo, porém no é possivel afirmar quem é esse 1 e quem sio os 39. Na verdade, qualquer uma das 40 pessoas poderia obter maior beneficio da intervengao, entretanto, a maioria tende a acreditar que ela foi a escolhida. Isso é ‘© que da sentido as intervencées sofridas pelas pessoas que sao submetidas ao rastreamento. Esse fenémeno é denominado paradoxo da popularidade: quanto maior o sobrediagnéstico e o sobretratamento, mais as pessoas acreditam que devem sua satide ou mesmo suas vidas ao programa de rastreamento.'7 Sobrevida em 5 anos: um ndmero enganador No caso da Dona Dirce, observe que a informacio contida no Current'® pode induzir o profissional de satide a considerar que a intervencao vale a pena e que © diagnéstico precoce é melhor, j que a sobrevida em 5 anos chega a 89% nos tumores diagnosticados em seus estadios iniciais. A proposta ultima do rastreamento é reduzir a morbidade e mortalidade atribuida 4 condigao a ser rastreada. Existem varias formas de se documentar esse impacto, ¢ os estudos que apresentam seus resultados em “sobrevida em X anos” estao sujeitos a alguns vieses. Assim, é importante conhecer alguns dos vieses associados aos rastreamentos: viés de tempo de antecipagao, viés de tempo de duragdo, viés de sobrediagnéstico e viés de selecao. Viés de tempo de antecipagao Nesse tipo de viés, o profissional de satide é iludido pela percepcao temporal de que a pessoa que tem seu diagnéstico precoce vive mais. Desse modo, o diagnéstico precoce sempre aparentaré que melhorou a sobrevida, mesmo quando a terapia é inutil.!® Veja, na Figura 72.2, como, independentemente da terapia, s6 0 fato de a pessoa ser diagnosticada precocemente cria a ilusao de que a pessoa A viveu mais anos do que a pessoa B, que teve seu diagnostico feito na fase clinica usual. Nesse exemplo, a pessoa A viveu 6,5 anos apés o momento do diagnéstico, inclusive com a impressao de que o rastreio trouxe uma “garantia de sobrevida” de 100% de 3 anos, e a pessoa B viveu “apenas” 3,5 anos a partir do momento do diagnéstico. No caso da Dona Dirce, veja que a informacao oferecida pelo Current'® conduz o leitor a esse tipo de viés, quando ancora o prognéstico em dados de sobrevida em 5 anos apés 0 diagnéstico. Na paciente A Na paciente 8 detectou-se um detectou-se um tumor de 10 mm tumor de 7 cm com com 1,5 anos de 4,5 anos de AcB desenvolvimento por desenvolvimento por morrem no meio de mamografia meio de exame clinico 8° ano Inicio do. cancer para AeB O—1— 2— 3 — 4 5 — 6 —7— 83> a Figura 72.2 Viés de tempo de antecipacgao. Fonte: Adaptada de Rosser e Shafi.” Viés de tempo de duragao Esse viés alerta sobre as artificialidades criadas com o conceito e a ideia da existéncia de uma “historia natural das doengas”. O conceito de histéria natural tende a produzir um sentido de homogeneidade na génese e na evolugao das doencas. No entanto, a natureza nada conhece das padronizacées da biomedicina. O viés de tempo de duracio apresenta o conceito de heterogeneidade no processo de desenvolvimento das doengas. Assim, existem doengas que sio mais agressivas (evoluem rapidamente) e de pior prognéstico que outras; situagdo essa que ocorre entre pessoas ou grupos de pessoas. Desse modo, os programas de rastreamento tendem a selecionar casos menos agressivos e de melhor prognéstico. Entretanto, néo se pode comparar o grupo dos casos detectados pelo rastreamento com o grupo de apresentacao clinica. A coorte rastreada sempre apresentard melhores resultados quando comparados aos achados clinicos. Essa é a razao de a definicao de caso ser tao importante: os casos detectaveis pelo rastreamento nao podem ser diretamente comparados com os casos detectaveis clinicamente (ver Figura 72.3). Viés de sobrediagnéstico As evidéncias desencorajam o rastreamento do cancer de préstata tanto por meio do PSA e/ou toque retal, entretanto é corriqueiro que muitos médicos ainda o realizem.!3 Raffle e Gray!” propdem um excelente exercicio para que se compreenda esse viés de sobrediagnéstico. Como exemplo pratico, foi escolhido o rastreamento de cancer de préstata para ilustrar 0 que aconteceu a essa doenca apés a introducao do PSA como teste para rastreamento. O exercicio compara 0 cendrio pré e pds-introducao do programa de rastreamento. A Figura 72.4A ilustra a situacéio hipotética do cancer de préstata anterior & introdugao do PSA como teste de rastreamento. Trata-se de uma populagao de 100 mil habitantes, em que a incidéncia da doenga é de cinco casos por 100 mil. Desses casos, trés sao passiveis de tratamento e cura/controle, e dois sao fatais. Existem também trés outros casos que apresentam alteragdes patolégicas, mas que nao se desenvolvem em doenca clinicamente manifesta. Tratam-se de processos patoldgicos de progressio lenta, ou que sao controlados pelo sistema imune, ou mesmo que constituem estddios finais de transformacées citopatolégicas. Esses casos so denominados inconsequentes. O perfil epidemiolégico pode ser resumido como: * Populacao: 100.000 ‘© Casos de cancer de préstata: 5 Mortes devido ao cancer de préstata: 2 « Incidéncia do cancer de prostata: 5/100.000 « Taxa de mortalidade da doenga: 2/100.000 « Taxa de sobrevida de 3 em 5 casos = 60% A Figura 72.4B representa a mesma populacao, porém com a introdugao de um programa de rastreamento para cAncer de préstata. Observe-se como o rastreamento em dois momentos (p. ex., a cada ano) produz um aumento no mimero de casos, j4 que detecta os casos inconsequentes, Nesse exemplo, observe 0 que acontece com a estatistica da doenga. Os casos graves com periodos assintomaticos curtos nao sao detectados pelo rastreamento. Esses dois casos sao diagnosticados clinicamente entre os intervalos do rastreamento. Dois dos trés casos nao fatais sao detectados pelo rastreamento, assim como todos os casos inconsequentes. Anormascde cllar Ince dos tae ae ct a SNPS eae ys | = —> 40 i— ee Rastreamento 1 Rastreamento 2 ee mre ay teem? f ; a Figura 72.3 A — Viés de tempo de duragdo; B — comportamento heterogéneo das doengas. Fonte: Adaptada de Welch.22 Petal aolgeae tasreanerto Getecaves dodorsitomas Dogéstco £ 1 cine (Kinane emis |g ° 8 ve i ‘ al ene 3 — 4 mee | i Ce — 2 Tempo > i t 5 TL 2) Siem Sl B | Suse ie 1 | Se A 8 « Figura 72.4 A — Fase antes da introdugéo do programa de rastreamento; B — Fase pés-introduc&o do programa de rastreamento. Fonte: Adaptada de Raffle e Gray” As estatisticas apds a introdugao do programa de rastreamento ficaram assim: + Aincidéncia do cancer de préstata subiu para 8 casos/100.000 = Cinco casos foram detectados pelo rastreamento « Existem trés casos clinicamente diagnosticados * Ataxa de mortalidade permanece a mesma, ou seja, 2/100.000 « A sobrevida dos casos detectados pelo rastreamento é de 5 em 5 casos detectados, ou seja, em 100% dos casos rastreados (a taxa de sucesso era de 33% antes do rastreamento) * A sobrevida global é de 6 em 8 casos, ou seja, 75%, resultando que aparentemente a intervengao teve um impacto positivo « Todas as mortes ocorreram em casos que nado foram detectados pelo rastreamento Resumindo, o viés de sobrediagnéstico tem o poder de alterar a estatistica ao produzir novas doencas que, caso seguissem um curso natural, nao viriam a se desenvolver em entidades clinicas. Esse viés também amplifica ilusoriamente os supostos efeitos benéficos da intervencao. Viés de selegao: favorecendo a lei dos cuidados inversos © rastreamento tende a selecionar pessoas de maior esclarecimento e preocupadas com a satide (the worried well), produzindo um viés de selec’io (como viés do voluntario saudavel). Isso costuma acarretar resultados mais favoraveis ao excluir grupos populacionais de maior risco, aqueles que tendem a ter um estilo de vida menos saudavel. Desse modo, o rastreamento pode favorecer a lei de cuidados inversos ao desviar a assisténcia clinica e os recursos sanitarios dos individuos doentes para os saudaveis, dos idosos para os jovens e dos pobres para os ricos.”5 Quais so as dificuldades inerentes ao processo de rastreamento? A principal dificuldade do rastreamento é que uma peneira tem suas limitacées. As imperfeigées da peneira sio denominadas sensibilidade e especificidade. O Quadro 72.4 resume essas duas fungdes na perspectiva dos programas organizados de rastreamento, os quais vao além dos testes em si, que sao chamados rastreamentos oportunisticos quando sao realizados nos encontros clinicos por outros motivos ou para prevencao (check-up). Entretanto, na pratica, muitos dos testes de rastreamento no apenas categorizam os achados como “rastreamento positivo” ou “rastreamento negativo”, mas ha também 0 risco e a realidade de falso-positivos e falso-negativos. Quadro 72.4 | Critérios para a introdugao de um programa de rastreamento Maximo beneficio (sensibilidade) Minimo de danos (especificidade) » Alta captagaio » Nao inclusdo de pessoas que esto fora dos > Alta sensibilidade/baixa taxa _Titérios de risco e da faixa etaria de falso-negativos/alta taxa» Alta especificidade/baixa taxa de falso- de deteccao, tanto no positivos tanto no rastreamento como no rastreamento como no diagnéstico diagnéstico » Necessidade de entendimento por parte dos » Alta taxa de aceitagao da individuos do que esta sendo oferecido, intervengao para que eles possam pensar cuidadosamente se querem ou no participar Fonte: Adaptado de Rattle e Gray.17 Para uma nocdo do impacto dos falso-positivos e falso-negativos, 0 rastreamento de sindrome de Down é bem ilustrativo; varios testes e combinagées de testes sao oferecidos para o rastreamento dessa sindrome: bioquimicos, amostra de sangue materno e translucéncia nucal, em que se avalia a espessura do tecido e o fluido do dorso da nuca do bebé por meio de US. Esses, combinados a idade materna, resultam em um escore numérico de estimativa de risco de um bebé ser afetado. Mesmo quando realizados com alto padrao de qualidade, a maioria das mulheres que tiveram seu rastreamento positivo (isto é, alto escore de risco), quando realizam um teste diagnéstico, nao tém seu filho afetado pela sindrome. Assim, a peneira pega mais casos potenciais do que deveria. Da mesma forma, uma pequena minoria que tem seu rastreamento negativo (ou seja, o escore de risco é baixo apds o rastreamento), ao ser submetida ao teste diagnéstico, tem filhos com sindrome de Down. Assim, a peneira deixa passar casos que nao sao detectados pelo rastreamento. Em valores numéricos aproximados, para cada 41 maes cujo rastreamento é positivo para sindrome de Down, uma ter filho com a sindrome, e 40, nao. E para cada quatro mies cujos filhos tém sindrome de Down, aproximadamente trés terdo seu rastreamento como sendo positivo, e uma tera rastreamento negativo.!7 Essas classificagées em verdadeiro/falso-positivos e negativos que surgem das caracteristicas operacionais dos testes diagnésticos (sensibilidade especificidade) sao bem conhecidas. Os profissionais de satide ainda nao estéo familiarizados com as pseudodoencas e com os casos inconsequentes ou decorrentes dos vieses de sobrediagnéstico mencionados. Ao se considerar as pseudodoengas, a tradicional tabela 2x2 se transforma em tabela 3x2 (Tabela 72.2). Essa tabela inclui, além dos problemas dos falso-positivos e falso- negativos, os “verdadeiro-positivos” ou casos inconsequentes. Tabela 72. 2 | Falso-negativos, falso-positivos e “verdadeiro-positivos” Patologiada Patologiada Sem patologia mamaria mama que se mamaque nao estando destinada tornaria permaneceria a desenvolver sintomas cancerde _latente da doenga antes da mama préxima rotina do sintomatico rastreamento Oteste Positivo Verdadeiro- “Verdadeiro- Falso-positivo (mamografia) positivo Negativo Falso- “Falso- Verdadeiro-negativo negativo negativo" Fonte: Adaptada de Rattle e Gray.7 Essas pseudodoencas, devido as alteracdes histopatolégicas, sao consideradas como “verdadeiro-positivos” decorrentes da intervengao precoce. Nao ha como distinguir, até o presente momento, qual ira se desenvolver ou nao em um caso clinico propriamente dito. Uma maneira de nao influenciar as estatisticas com os achados anormais produzidos pelo rastreamento seria denomina-los de tal forma que esses achados nao tivessem vinculo com tempo (passado ou futuro). Os termos “precoce” ou “pré-sintomatico” transmitem a nogio de progressio inevitavel e nao deveriam ser adotados. O correto seria utilizar termos como “alteragdes histopatoldgicas assintomaticas”, pois sao neutros e refletem melhor a natureza indefinida do processo.!7 Outra situagdo inerente ao processo de rastreamento é a criagao de novas categorias de doengas, chamadas limitrofes ou borderlines, por exemplo: intolerancia a glicose, hipotireoidismo subclinico, neoplasia intraepitelial cervical, displasias mamérias, ovarios cisticos. Essas situagées “intermedidrias”, na pratica, significam mais testes e investigagao. Nos EUA o seguimento de mulheres com Atypical Squamous Cells of Undetermined Significance custa bilhdes de délares ao ano.!” £ importante ter em mente que o processo de rastrear, além de tratar potenciais doengas, também cria ou produz novas doencas. A politica expansionista neoliberal tem mercantilizado os corpos das pessoas ao torna-los um lécus de exploragéo comercial, que, por sua vez, estimula a produgio e o consumo de procedimentos diagnésticos e tratamentos.2° Nesse sentido, os rastreamentos oportunisticos desregulamentados e nao avaliados sistematicamente alimentam o mercado farmaco-hospitalar e podem estar produzindo mais danos do que beneficios para a satide da coletividade. Por isso, 6 imperativo que os programas de rastreamento sejam entendidos como um problema de satide publica, e portanto, devem ser regulamentados pelos érgdos competentes dos ministérios de satide de cada pais. Como reduzir as incertezas? Deve-se ter em mente que nao se consegue eliminar as incertezas, mas pode-se, com muito esforco, reduzi-las. Paises em que os sistemas nacionais de satide exercem maior controle sobre suas politicas de satide tendem a organizar os rastreamentos para reduzir os danos atribuidos a essa pratica e maximizar seus beneficios. Nessa légica, a organizacio do processo de rastreamento pode ser dividida em quatro estagios (Quadro 72.5). Nesse sentido, o préprio conceito de rastreamento passa por uma redefinigao: o rastreamento é um servico de satide puiblica no qual se oferece aos membros de uma populagio definida - que nao se percebem como estando sob risco ou afetados por uma doenca ou complicagao — um teste, ou Ihes é indagada uma questo para identificar aqueles individuos que sio mais provaveis de serem ajudados do que serem prejudicados por mais testes e tratamentos para reduzir 0 risco da doenca ou suas complicagées.2” Assim, os programas organizados de rastreamento (item 4 do Quadro 72.5) séo as melhores formas de reduzir as incertezas inerentes ao processo de rastreamento, seja qual for a condi¢ao a ser rastreada: diabetes, hipertensao, dislipidemia ou cancer. O que caracteriza os programas organizados ¢ 0 controle e a avaliacéio da qualidade em cada etapa do processo de rastreamento, 0 que s6 se pode realizar por meio de um processo sistematico de aplicagao dos testes e de avaliacao dos resultados na coletividade. Dessa forma, é retroalimentada toda a rede envolvida (a populacio e os trabalhadores da satide) no programa de rastreamento de forma regular e sistematica. Quadro 72.5 | Niveis organizacionais dos processos de rastreamento 1. Um teste oferecido de modo oportunistico 2. Um teste oferecido sistematicamente a um grupo de pessoas ou a toda populagao 3. Um conjunto de atividades frouxamente conectadas — que envolve teste(s) de rastreamento e intervengdes — que tenta aproximar-se de um programa de rastreamento 4, Um programa de qualidade certificado, que envolve todos os passos necessérios para se obter a redugao do risco e se baseia nas melhores evidéncias disponiveis oueacaaaand Infelizmente, existe uma cultura do “quanto mais melhor” em medicina, fruto de uma interago complexa entre a pratica da medicina defensiva, 0 dominio precdrio da estatistica por parte dos médicos, as expectativas irreais dos pacientes em relagéo ao poder da medicina e os interesses comerciais da indiistria de biotecnologia. Essa cultura ameaga a sustentabilidade e a qualidade dos sistemas de satide.”® Assim, os rastreamentos oportunisticos, que dominam a cultura da profissio médica e dos servicos de satide, devem ser progressivamente desencorajados, pois so mais custosos, inavaliéveis ou de muito mais dificil avaliacao, mais iatrogénicos e com menor cobertura (tendéncia a excesso de testes desnecessdrios e pouca cobertura dos necessérios). Adicionalmente, os rastreamentos oportunisticos consomem grande volume de tempo dos profissionais em atendimentos preventivos,”” o que tende a gerar iniquidades no acesso ao cuidado quando a prevengo secundaria sobrepuja e compete com a atengiio ao adoecimento.!4 No Brasil, em 2010, foi publicado o primeiro Caderno de Atengao Primaria sobre Rastreamento, com as indicacées do MS.° Deve-se ressaltar que nao ha, no pais, nenhum programa propriamente organizado de rastreamento em pleno vigor, sendo que os mais avangados, em construgao atualmente, sao o “teste do pezinho” e o de cancer de colo uterino, que podem ser considerados no estégio 3 de organizagio de um programa, conforme o Quadro 72.5. Os demais rastreamentos no Brasil encontram-se nos estagios 1, 2 ou 3 do mesmo quadro. Assim, existe a necessidade de se aderir 4 tendéncia mundial de transformar os rastreamentos em programas organizados realizados pelos sistemas nacionais de satide e vinculados 4 APS. Entretanto, visto que comumente existem situagdes de pouco acesso ao cuidado ao adoecimento no Brasil, os rastreamentos devem ser organizados de modo a nao onerar os profissionais de satide e os médicos de familia e comunidade em seu trabalho assistencial. Portanto, deve-se desviar ao maximo a rotina dos rastreamentos do fluxo da assisténcia aos doentes, para nao dificultar ainda mais 0 acesso ao cuidado, incluindo, apenas se necessario, as pessoas rastreadas no cuidado clinico, conforme orientacdes do proprio MS.° Quais sao as etapas do processo de rastreamento? A Figura 72.5 mostra esquematicamente as etapas do processo de rastreamento. Pode-se dividi-lo em trés etapas ou processos decisorios principais. A primeira refere-se 4 populagao selecionada para participar do programa. Em qual faixa etdria se optara por fazer o rastreamento? Na Figura 72.5, a faixa etaria escolhida foi de 50 a 69 anos. Observa-se que um ntimero consideravel de pessoas ficara de fora do programa e podera desenvolver a doenga. Como afirma Yalom,?° “alternativas excluem”. Como tomar, entéo, essa decisio? O rastreamento nasceu como uma _ intervencéo populacional baseada no pensamento utilitarista, isto 6, centrado na necessidade e no beneficio para a populacao. Por exemplo, um programa benéfico para mil pessoas seria aquele que prejudicaria apenas 20 e beneficiaria 980. Essa proposta surge dentro de uma abordagem mais coletiva.'9 Hoje, um cenério alternativo é aquele em que um programa que beneficia um ntimero muito pequeno de pessoas poderia ser implementado se elas se sentissem fortemente beneficiadas. O rastreamento de condigdes raras tem produzido calorosas discussées. A inexisténcia de evidéncia de beneficios, com base em defini¢des convencionadas de efetividade, nao significa que o individuo nao possa ser beneficiado com a intervengao. O fato de o efeito ser muito pequeno para ser medido néo significa que nao seja efetivo para alguns, apenas expressa a magnitude do beneficio na populacao.!9 Isso fez paises terem implementado, por exemplo, rastreamento de cancer de préstata e de mama para pessoas entre 40 e 49 anos. Outros pafses, entretanto, tém utilizado, para balizar o ponto de corte, a nogao de que o rastreamento é uma das tinicas condigdes na biomedicina cuja intervengio tem o potencial de dano sem o correspondente potencial de beneficio. Dada essa natureza do processo, paises como Reino Unido, Canada, Holanda e Noruega tém sido muito mais criteriosos ao implantarem seus programas de rastreamento. Embora existam casos de cancer de mama em mulheres jovens, 0 evento continua sendo mais comum nas mulheres na pés- menopausa e, por isso, opta-se por rastrear na faixa etaria em que a prevaléncia é maior, ou seja, entre 50 e 69 anos. Populacdo geral % de doenca % de doenca | Populacac eleita 70% de adesao ao programa Fase de rastreamento % de doenca Resultados 7 negativos Resultados [ee Positivos indeterminados % de doenca ay = faseide: Plaariistens Aesheatise nevativos LC Q nan stcos Resultados F indeterminados % de doenga « Figura 72.5 Etapas de realizagaéo de um programa organizado de rastreamento. Fonte: Adaptada de Raffle e Gray.” Os profissionais de satide deveriam entender que o processo decisério é simultaneamente excludente. Também havera casos de cancer de mama na faixa etaria escolhida devido A porcentagem de cobertura. Na etapa seguinte, ou seja, a fase da peneira, trés possibilidades de resultado surgem: negativos, positivos e indeterminados. Da populagao com resultado negativo, uma porcentagem de casos evoluira para doenga por se tratar de falso-negativos ou por se tratar de processos patolégicos mais agressivos que nao so detectados pelos programas de rastreamento. Finalmente, na fase classificatoria, serao definidos os diagndsticos para que o tratamento apropriado seja instituido. Novamente se apresentam trés possibilidades de resultado: negativo, positivo e indeterminado. Dos negativos, uma pequena parcela poder desenvolver a doenca. A ideia de programas organizados de rastreamento é a de que a qualidade da intervengdo seja constantemente monitorada para que taxas de falso-positivo/negativo e situages limitrofes estejam dentro de padrées aceitaveis internacionalmente, bem como os tempos entre diagndstico e intervencao. Os processos de fluxo de informacao e treinamento dos profissionais envolvidos sao muito importantes. A APS tem papel fundamental na construgao de programas de rastreamento, pois pode potencializar 0 seguimento das pessoas convidadas a participar do programa de forma longitudinal. Nao basta seguir os casos positivos, ha a necessidade de registro das pessoas dentro da populacao-alvo para que possam receber 0 convite periodicamente para participarem do programa de rastreamento. A proposta deste capitulo nao é entrar em detalhes sobre programas de rastreamento de condigées especificas, mas sim apresentar a dimensao de sua complexidade. Nao é simplesmente um teste isolado. Os profissionais de satide tém a responsabilidade de buscar a evidéncia para cada exame ou conduta, para nao iniciar uma cascata de exames®? que pode ser iatrogénica e cara, principalmente se os passos de cada etapa do processo de rastreamento nio estiverem assegurados. Procedimentos de rastreamento oportunistico, por mais que estejam fundamentados nas melhores evidéncias, se nao estiverem atrelados a servigos organizados — que garantam critério, racionalidade, sistematizacio, avaliacéio na etapa de rastreamento e no seguimento do processo diagnéstico e terapéutico -, provavelmente so mais iatrogénicos do que benéficos. O problema é que nao ha como avaliar as intervengdes que a maior parte dos médicos vem fazendo no seu cotidiano, dada a cultura estabelecida de rastreamentos oportunisticos e as dificuldades que 0 Sistema Unico de Satide (SUS) vem enfrentando para organizar seus programas de rastreamento. Recomendagées de rastreamento Conforme discutido, é estritamente necessdrio, por questdes éticas e técnicas, que os profissionais da satide tenham seguranga ao recomendar procedimentos de rastreamento oportunistico e/ou participar de programas organizados de rastreamento. Essa seguranga s6 pode advir da chamada MBE.!N“! Todavia, como s&o miiltiplas, excessivas e de qualidade heterogénea as fontes de evidéncia cientifica, é consenso, na medicina de familia e comunidade, que instituigées consideradas idéneas e reconhecidas pela comunidade médica, cientifica e de satide ptiblica sejam utilizadas como fonte de orientacio para a indicagdo de rastreamentos. Portanto, comités nacionais de rastreamento, servicos preventivos e outras instituicées internacionais com menores conflitos de interesse, como o United States Preventive Service Task Force (USPSTF),2° 0 Canadian Task Force on Preventive Health Care e a Colaboragaéo Cochrane, devem ser periodicamente consultados pelo médico de familia e comunidade, bem como os comités e regulamentagées nacionais do pais em que trabalha (veja 0 sites para acesso no final deste capitulo). A USPSTE®" é de livre acesso e faz uma hierarquizacaio das recomendagées de acdes preventivas de acordo com a qualidade dos estudos (i.e., nivel de evidéncia), sendo a recomendagao “A” sinal verde para implementar e “D” sinal vermelho, ou seja, para ndo se implementar uma medida preventiva. Entre esses dois extremos existem as seguintes recomendacées: “B” cuja evidéncia tende a ser favoravel, porém a qualidade do estudo é mista; “C” os estudos sao conflitantes e impedem um posicionamento claro quanto A recomendacio da intervenc&io preventiva, sugerindo uma individualizagéo de cada caso; e “I” quando nao existem estudos de qualidade disponiveis para orientar uma recomendacéio. Como a intervengao preventiva ocorre sobre pessoas assintomaticas em que a primazia da nao maleficéncia deve prevalecer sobre a beneficéncia, em principio deve-se dar preferéncia as intervengdes com grau de recomendagao “A”. O grau de recomendagao “B” deve ser ponderado quanto aos impactos iatrogénicos e custos atribuidos de sua implementagao. Por exemplo, tanto o rastreamento do cancer de mama como o rastreamento de perda auditiva na crianca tém grau de recomendaciio “B”, porém o primeiro tem um grande potencial iatrogénico quando comparado ao segundo devido a natureza da intervencao. Quadro 72.6 | Recomendacées de rastreamento Grau de CECA) aE) Uso de estatinas Aos adultos sem histéria de DCV, ou seja, B* paraa DAC sintomatica ou AVCi. Recomenda-se 0 prevengao uso de estatinas em dose baixa & priméria de moderada para a prevencéo de eventos € doencas mortalidade cardiovasculares, desde que cardiovasculares todos os critérios a seguir sejam em adultos contemplados: (a) idade de 40 a 75 anos; (b) ter um ou mais fatores de risco de DCV (Le. dislipidemia, diabetes, hipertens&o ou tabagismo); e (c) ter um risco calculado de 10 anos para um evento cardiovascular de 10% ou mais A identificagao de dislipidemia e o calculo do risco de evento cardiovascular de 10 anos exigem o rastreamento universal de lipideos em adultos de 40 a 75 anos HAS >18 anos Homens e mulheres. A pm2 Adultos entre 40 e 70 anos, com sobrepeso B ou obesidade Tabagismo Todos os adultos, incluindo as gestantes A Uso de alcool _—_Rastreio e intervengdio — todos os adultos, B incluindo as gestantes Obesidade Adultos B Anemia Teste do pezinho A falciforme nos recém-nascidos Hipotireoidismo Teste do pezinho: A congénito nos recém-nascidos Fenilcetontria Teste do pezinho A nos recém- nascidos Perda auditiva Teste da orelhinha B Ambiiopia, Durante a puericultura B estrabismo e acuidade visual Colo do titero Entre 25 a 64 anos, a cada 3 anos an Mama. Entre 50 e 74 anos, bianual B Célon e reto Pesquisa de sangue oculto nas fezes entre A** 50 e 75 anos Préstata PSA ou toque retal D ree et ain Ce aa Crane LSU Co ee crea Can arterial sistémica, *Ndo recomendada a prevengao medicamentosa com estatinas para pacientes de baixo e médio risco para prevencao priméria, conforme discussao no texto que antecede o Quadro 72.6. SEC eee Cn ee eek eee OMe i er a ee OE CCL OE ee Oe ora eeu! Oe eee Roan ee oe Cer Cece necessétio levar em consideragdo os custos de toda a logistica e o impacto sobre o ntimero de Pea tee an etcetera cory particularmente importante, uma vez que os ensaios clinicos mostraram um valor preditivo positivo CU Ce oe Cee On te Sa eee reidratagdo, sugerindo que até 80% de todos os testes positivos possam ser falso-positivos para ‘cAncer. Destaca também que, a ndo ser que se consiga uma alta taxa de adesdo, o beneficio para a Se eee eon Ce ne ca Cee eon Ray ‘0s custos do rastreamento. Assim, apesar do grau de recomendagao, nao se considera vidvel e custo- Renn Gna Sie Cen cr cue te ecu Caco cuore usualy Pod DS ra ee UO ee Fonte: Adaptado de Brasil? e U.S. Preventive Services Task Force.20 A produgao cientifica e biomédica nao é neutra, sendo permeada tanto por valores morais quanto pelos diversos interesses do complexo industrial farmacéutico.3}32 Por exemplo, recentemente, o USPSTF"? rebaixou 0 ponto de corte para inicio de sinvastatina, com base no risco de evento ou mortalidade cardiovascular em 10 anos, de 20 para 10% (Quadro 72.6). Essa iniciativa tem recebido severas criticas na comunidade cientifica,>435 levantando suspeitas da influéncia do complexo industrial farmacéutico sobre tais recomendagées.!436 Quatro razdes fundamentam as criticas e a desconfianca sobre tais recomendagdes: (1) com excecao de um dos ensaios clinicos, todos os demais, incluindo suas metanélises e seus pesquisadores, foram fortemente financiados pelos fabricantes das estatinas; (2) A BMJ35 publicou o resultado de uma reavaliacio independente da mesma metanélise do Cholesterol Treatment Trialists’ Collaboration de 2012 (que havia concluido pelo beneficio da terapia com estatinas, independentemente do risco basal) e obteve resultado desfavoravel quanto ao uso de estatinas na prevencao primaria em pessoas de baixo e médio risco; (3) a manipulacdo e a restricio dos dados primarios relativos aos efeitos adversos das estatinas; e (4) a total indisponibilidade dos dados primérios dos pacientes desses ensaios clinicos para andlise por pesquisadores independentes. Esse contexto introduz sérios vieses sobre a correcio técnica e a idoneidade dessa recomendagio.2” Desse modo, a preferéncia é por nao se recomendar o tratamento preventivo e medicamentoso com estatinas com base nessa diretriz, tanto institucionalmente quanto no cotidiano do cuidado clinico. O Quadro 72.6 sumariza algumas recomendagdes quanto as principais condicées a serem rastreadas e 0 grau de recomendagao, tendo como base o Caderno de atencao priméria sobre Rastreamento do MS e o USPSTE. REFERENCIAS - Leavell H, Clark EG, Medicina preventiva. 1976, Jamoulle M. Quaternary prevention: frst, do not harm. Brazilian J Fam Community Med. 2015;10(35):1- 3 Rose G, Estratégias da medicina preventiva, Porto Alegre: Artmed Editora; 2010. |. Rose G, Sick individuals and sick populations. Int J Epidemiol. 2001;30(3):427-32-4, Brasil. Ministério da Sade. Rastreamento: caderno de atencao priméria,n. 29 [Internet]. Brasilia: MS; 2010 [capturado em 28 out. 2017]. 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